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CHEGADA DA MORTE

CENA 01
Entram o pai, a mãe e a filha. O pai vai para o computador trabalhar, e a filha vai mostrar algo no
celular à mãe.
PAI: (Atendendo ao telefone) Alô? César? Sim... fechamos um ótimo negócio!
Entra o filho.
FILHO: Pai!
PAI: (Ignorando o filho) Com certeza!
FILHO: Pai
PAI: (O pai para o que está fazendo e fala exasperado) A gora não meu filho! Não está vendo que
eu estou no telefone? Não tem educação não, é?
O pai volta a mexer no computador. O filho fica triste ao lado do pai e começa a mexer no celular,
como se estivesse enviando uma mensagem.
PAI: Sim César, voltando ao que estávamos falando... ok! Sim, vamos decolar! Beleza! Nos falamos
mais tarde na reunião. Ok. Tchau!
O filho guarda o celular no bolso.
FILHO: Pai, precisamos conversa!
PAI: Agora não filho, preciso trabalhar! (Vira para o computador)
FILHO: Mas pai, o que eu tenho pra falar é muito importante!
PAI: (Vira para o filho, exaltado) Chega filho! Vocês jovens pensam que tem que resolver as coisas
na hora que vocês querem! Eu não posso perder tempo com besteiras! Eu preciso trabalhar!
Tempo é dinheiro! (Volta para o computador)
FILHO: O senhor ganha quanto, por hora?
PAI: (Vira para o filho) Que pergunta é essa, meu filho? Para que você quer saber o quanto eu
ganho? Nem a sua mãe sabe!
FILHO: Sim, mas me diga, por favor.
PAI: Espere aí então. (Faz um cálculo no celular) Cem reais por hora.
FILHO: Me empresta cinquenta reais?
PAI: (Se levanta) Ah, seu aproveitador, então quer dizer que essa é a razão que você queria saber
o quanto eu ganho, né? Só me procura por dinheiro! Você não tem vergonha disso não? Seu
aproveitador!
Filho vai embora triste e a irmão joga um papel nele por brincadeira.
FILHO: (Para a irmã) Sai!
FILHA: Ignorante!
MÃE: (Levanta-se e tenta alcançar o filho que já está saindo) Filho? O que aconteceu para você
estar assim?
FILHO: Fui conversar com meu pai, mas ele nem me deu atenção! Amanhã eu tenho um teste pra
fazer, a senhora me autoriza a ir só?
MÃE: (Faz um carinho no filho) Claro filho. Mas não se preocupe com seu pai, eu vou conversar
com ele, viu? Essa situação vai mudar.
O filho termina de sair do ambiente e a mãe volta para onde estava. Enquanto a mãe ainda está
de pé, a filha se levanta.

CENA 02
FILHA: Ô mãe, a senhora viu meu carregador aí?
MÃE: (Sentando) Filha, eu acho que ele está lá no escritório do seu pai, dá uma olhada lá.
A filha vai ao escritório, que é o lugar onde o pai está trabalhando.
FILHA: (Procurando no ambiente) Ô pai! Pai, meu carregador está aí?
PAI: Agora não, filha.
FILHA: Oxe, pai. Ó, é... pra aproveitar que eu já estou aqui (mexendo no celular como se estivesse
procurando algo nele), antes que meu celular descarregue, está em 1%. Vê aqui o vídeo, eu
cantando na igreja.
PAI: (Esfrega a mão no rosto) Filha, por favor, eu preciso trabalhar!
FILHA: Não pai, é rápido. É dois segundos, ó. Dois minutos, quer dizer.
PAI: Filha, eu não posso perder tempo com besteiras! Celular, vídeo de celular? Não! Eu tenho que
trabalhar! (Afasta a filha)
FILHA: As minhas primas estavam lá na frente, eu pedi pra elas gravarem. Aí elas disseram que seu
irmão estava lá em... em algum lugar, eu pedi e elas disseram que iriam gravar só porque o senhor
é tio delas. É só pra ver eu cantando.
PAI: Não! Eu não posso perder... olhe, eu preciso trabalhar. Vá amolar sua mãe, vá lá!
FILHA: Ô pai, por favor, é só dois minutos.
PAI: Filha, eu preciso trabalhar, por favor.
FILHA: Pai, é rápido, rapidinho. Aqui ó, o vídeo.
PAI: Filha, eu já falei, vai, vai, eu preciso trabalhar. Eu preciso... alguém tem que trabalhar nessa
casa!
FILHA: (Saindo com raiva e triste ao mesmo tempo) Eu não aguento isso não! Meu próprio pai!
A mãe vê a filha passando e se levanta.
MÃE: Filha, por que você está assim? O que aconteceu?
FILHA: Meu pai, mãe! Ele não liga pra mim não! Não me dá atenção! Não quer saber de mim não!
MÃE: (Abraçando a filha) Calma viu? Eu vou conversar com o seu pai, viu? Nós vamos mudar essa
situação.
FILHA: (Saindo do ambiente) Meu Deus, por favor, muda isso. Não aguento mais isso não!

CENA 03
A mãe vai ao encontro do marido que ainda está no escritório trabalhando no computador.
MÃE: Meu bem? Meu bem? (O marido levanta a cabeça e olha enquanto ela está se sentando ao
seu lado ) Você não acha que está passando dos limites, não? Até nossos filhos hoje sentiram seu
alto nível de estresse. Será que não seria uma boa hora de fazermos uma viagem?
PAI: (Exaltado e incrédulo) Viajar?
MÃE: Sim. Viajar pra descansar. Você está muito estressado.
PAI: (Um pouco mais calmo) Nem pensar. Nem pensar.
MÃE: Eu pensei em a gente ir na praia!
PAI: Praia?!?
MÃE: Sim amor, praia!
PAI: Como é que eu vou à praia? Estou atolado de... de trabalho aqui! Só ontem, cinco reuniões!
Como é que a gente vai à praia?
MÃE: Meu amor, precisamos muito conversar sobre isso.
PAI: Conversar?
MÃE: Sim.
PAI: Tudo bem, agora que seja rápido. Não tome muito meu tempo.
MÃE: Meu bem. (Puxa a mãe dele pra fazer um carinho) Dinheiro não é tudo. Deus tem nos dado
tanto e você está em falta conosco.
PAI: (Se levanta da cadeira indignado) Falta?!?
MÃE: Sim.
PAI: Como assim “em falta”? Eu dou tudo que vocês querem... (Enumerando nas mãos) É roupa?
Eu compro! É sapato? Eu compro! Carro? Nós já trocamos esse ano! Apartamento? Cartão de
crédito? Eu te dou aos montes! E você tem coragem de dizer que eu estou em falta? Em falta de
quê? Me diga!
MÃE: (Levantando-se da cadeira e também enumerando nas mãos) Sim. Falta de amor! Falta de
carinho! De atenção! De companheirismo! De uma boa conversa na nossa família!
PAI: Amor? Carinho? Ah meu bem, não ligo pra essas frescuras não!
MÃE: Frescuras?!? Como assim frescuras? Fique você sabendo que eu preferia ter você mais
presente em nosso lar, dando mais atenção a mim e aos nossos filhos, do que coisas materiais. O
tempo passa! E se nós não tivermos mais tempo? O amanhã a Deus pertence! Falando nisso, você
parece que se esquece d’Ele. Nem à missa você vai mais.
PAI: Ah meu bem, eu sou um homem muito ocupado! Eu sou um homem de negócios. Eu preciso
trabalhar.
MÃE: Tá bom meu amor, eu não vou mais te incomodar!
A mãe vai saindo de cena, deixando o pai sozinho no escritório.

CENA 04
A morte vai entrando em cena enquanto o pai continua trabalhando. A morte assovia para chamar
a atenção do pai.
PAI: O que é, que é isso meu Deus? (Pai se levanta assustado)
MORTE: Eu sou a morte, negão! Vim lhe buscar. Venha, monte aqui nas costas. Monte, venha!
PAI: Mas eu não estou doente, nem nada.
MORTE: Não está doente? Isso é o que você pensa! Há quanto tempo você não vai ao médico?
PAI: Cinco anos. Sou sadio igual a um coco.
MORTE: Olhe, consta aqui no meu fichário que você... (Vai puxando e abrindo um papel enrolado
grande) bebe muito. Fuma muito. Trabalha em excesso. Não faz atividade fí... (A morte olha para
própria aparência e volta a olhar pro papel) se bem, que se eu não fizer atividade física, eu mesmo
vou ter que vir me buscar! Mas... você está trabalhando demais, em excesso, não descansa! É
hipertenso, tá com a veia entupida e vai morrer agora, por que eu vim só pra ó... (A morte faz de
conta que está usando o seu cajado para arrastar algo do chão) ... lhe buscar.
PAI: Quer dizer que eu vou morrer?
MORTE: Agora.
PAI: Mas isso é uma injustiça! Fique você sabendo que pra eu ter uma velhice digna, de conforto,
eu trabalhei pra morrer!
MORTE: Isso, isso, isso. Trabalhou pra morrer! Trabalhou pra morrer! Se tivesse descansado um
pouco mais, não tivesse trabalhado tanto, entendeu? Se tivesse se preocupado mais com a saúde,
poderia ter vivido mais uns trinta ou quarenta anos, quem sabe...
PAI: Espere aí! Tem um mal-entendido nessa história. Como é mesmo seu nome?
MORTE: Morte, Dona Morte, Anjo da Morte, O Hômi do Corte! Pode me chamar do que você
quiser, eu sou um ser simples.
PAI: Sei Dona Morte, você sabe que nessa vida tudo é uma questão de negócios né?
MORTE: Eu espero que você tenha aprendido que só não tem jeito pra mim: a Morte!
PAI: É Dona Morte, mas diga lá quanto você quer pra me deixar viver mais uns 40 anos, pode
dizer, eu vou fazer um cheque à vista!
MORTE: Ô meu filho, isso aí não adianta pra mim não! Aqui é onde o filho chora e a mãe não vê!
Chegou sua hora, simbora. Monte aqui, que eu só vim pra ó (A morte faz de conta que está
usando o seu cajado para arrastar algo do chão).
PAI: Eu vou morrer?
MORTE: Vai morrer agora.
PAI: Mas... e a minha empresa? E os meus negócios? E a minha esposa? Tão linda! Meus filhos! Ô
meus filhinhos lindos! Meus amigos da igreja!
MORTE: Olhe, eu tenho um negócio aqui pra você, ó! (Tira um frasco de dentro do bolso)
PAI: O que é isso?
MORTE: Óleo de peroba pra você passar nessa cara! Você... você é muito fingido rapaz! Você é
muito cara de pau! Ainda hoje eu estava ali observando, você ignorou sua família! Seus filhos?
Você não dá atenção a ninguém! Até a ida pra missa você abandonou. Os amigos de igreja? Nem
no terço dos homens você vai mais. Agora vem? Ô, você vai sentir falta da sua esposa? Pelo amor
de Deus rapaz. A propósito, deixa eu te fazer uma pergunta? Eu acho que eu sei do que é que você
está com medo! Sabe do que é que você tem medo?
PAI: De quê?
MORTE: Dela casar com outro!
PAI: Nem me fale um negócio desse. Eu vou ter um troço.
MORTE: E vai mesmo. E é agora ó (A morte faz de conta que está usando o seu cajado para
arrastar algo do chão).
PAI: Nem me fale! Nem me fale!
MORTE: Sabe do que é que você está com medo?
PAI: Não!
MORTE: Dos seus filhos chamarem o outro de pai!
PAI: De pai não! Chamar o outro de pai não!
MORTE: Ah, é dela gastar seu dinheiro com outro!
PAI: Não!
MORTE: Olhe, deixe eu lhe fazer uma pergunta? Você já levou sua mulher na praia? Porto de
Galinhas?
PAI: Não.
MORTE: São José da Coroa Grande?
PAI: Não.
MORTE: Nem em Tamandaré?
PAI: Não.
MORTE: Pois, o outro vai levar!
PAI: Não! Não!
MORTE: Vai!
PAI: Não!
MORTE: Você já levou seus filhos pra ver o Natal Luz de Garanhuns?
PAI: Não.
MORTE: Pra ver a decoração de Natal do Caruaru Shopping?
PAI: Não.
MORTE: Do Shopping Difusora?
PAI: Não.
MORTE: Não se preocupa não, o outro vai levar!
PAI: Não! Mas vem cá, por que você cismou comigo, hein? Tem tanta gente aí precisando morrer.
Fique você sabendo que eu sou um cidadão honesto. Eu cumpro com os meus deveres, eu pago as
minhas dívidas!
MORTE: Todo mundo aqui é assim, e vai ter uma hora que eu vou ó (A morte faz de conta que está
usando o seu cajado para arrastar algo do chão). [Você tá atrasando muito viu contrarregra?]
PAI: Pra que isso? Leva lá os bandidos, lá. Tem tanta gente aí, tirando a avida de gente inocente,
precisando morrer! Vai, leva lá!
MORTE: Para de empurrar os outros, homem! Para de empurrar os outros! Chegou sua vez!
Monte aqui nas costas, que eu vim só pra ó (A morte faz de conta que está usando o seu cajado
para arrastar algo do chão).
PAI: É aquele velho ditado: pra morrer, basta tá vivo!
MORTE: É, não é que é?
PAI: Mas... ô senhorita?
MORTE: Senhorita o quê rapaz? Você já está pegando pesado comigo, viu? Simbora, adiante seu
lado! Simbora, monte! E outra coisa: você não vai nem mais montar em minhas costas! Você vai
andando agora! E eu já estou uma morte cansada, eu já estou trabalhando demais, até fim de
semana agora estou trabalhando! Estou cansado de levar motoqueiro, fim de semana!
PAI: Por tudo que é de mais sagrado, me deixe viver mais vinte anos aí!
MORTE: Vinte anos?
PAI: É!
MORTE: Você está é louco! Vinte anos é uma eternidade rapaz!
PAI: Dez! Então dez!
MORTE: Não! É muito.
PAI: Mas que Morte mais ruim de negócios, viu? Me deixe então viver mais cinco anos?
MORTE: Está bom. Cinco!
PAI: (Comemorando) Cinco anos!
MORTE: Cinco dias!
PAI: Cinco dias?!?
MORTE: É, pra você parar e repensar se vale mesmo a pena juntar tanto dinheiro aqui na Terra e
não poder levar nada! Cinco dias viu? Não esqueça: cinco dias! Cinco! (A morte faz de conta que
está usando o seu cajado para arrastar algo do chão)

CENA 05
O pai faz cara de confuso e olha para as mãos abertas como se estivesse contando e concluindo
que cinco é um número muito pequeno. Ele volta a se sentar na cadeira e coloca a mão no rosto,
pois está preocupado por só ter mais cinco dias de vida.
PAI: (Falando alto) Cinco dias?
MÃE: Oxente...
FILHO: Pai?
MÃE: O que foi que aconteceu?
Entram todos em cena.
PAI: (Se dirigindo ao filho) Meu filho, tome aqui o dinheiro que você me pediu!
FILHO: (Muito feliz) Pai, toma aqui mais cinquenta. Me venda uma hora do seu dia!
PAI: Filho? Não precisamos disso filho! Me perdoe! Eu sei que eu fui um pai ausente, eu sei que eu
não te dei a atenção devida, mas agora vai ser diferente filho! Agora eu vou estar com vocês mais
tempo!
Todos se juntam.
PAI: Meu bem? Eu pensei no que você me falou. Vou tirar férias... Vamos viajar! Vamos à praia!
Vamos conhecer o litoral pernambucano! Vamos conhecer todas as decorações de Natal! Vamos
passear, viajar. Vamos à Disney! Vamos voltar a ir à missa ver minha filha cantando o salmo.
Minha filha canta tão lindo. Vamos viver felizes, fazendo a vontade de Deus!
MÃE: Mas meu bem, que notícia boa. Mas me diga, o que te fez mudar de ideia?
O pai olha para a morte que está observando a cena.
PAI: É meu bem, você sabe né? A gente tá vivo agora, mas pode não estar mais daqui a cinco dias
né?
FILHA: Assim como meu pai, se tem alguém aqui hoje que não valoriza e nem prioriza a Deus e a
sua família, que tenha tempo ainda de mudar. De que adianta você ganhar o mundo e perder a
sua própria alma. Deus abençoe a cada um de vocês e que possamos entender quais são os
momentos e atitudes importantes na nossa vida.

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