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D I R E I T O PROCESSUAL PENAL

Hélcio Corrêa

ROTEIRO PRÁTICO SIMPLIFICADO


DO INQUÉRITO POLICIAL: 71

instauração e instrução
PRACTICAL AND SIMPLIFIED GUIDELINES ON POLICE
INQUEST: initiation and inquiry
Rodrigo Carneiro Gomes

RESUMO ABSTRACT
Afirma que o instrumento manejado pela Polícia Judiciária para The author states that police inquest is the instrument handled
colher indícios de autoria e materialidade é o inquérito policial, by the Judiciary Police for gathering evidence of authorship
submetido ao rito do Código de Processo Penal, sob os auspí- and materiality, having been subjected to the observance of
cios da eficiência e celeridade. the Criminal Procedure Code, under the auspices of efficiency
Sustenta serem indicativos da modernização e importância do and swiftness.
inquérito: a introdução da videoconferência, a Súmula vinculan- He considers as signs of both modernization and importance
te n. 14-STF e a Resolução CJF n. 63/2009. of the inquest: the introduction of videoconference, of
Abridgment of Law 14- STF and of CJF Resolution 63/2009.
PALAVRAS-CHAVE
Direito Processual Penal; inquérito policial; polícia judiciária; KEYWORDS
Polícia Federal; depoimento; Súmula Vinculante n. 14/STF; Re- Criminal Procedural Law; police inquest; judiciary police;
solução CJF n. 63/2009. Federal Police; deposition; Abridgment of Law 14-STF; CJF
Resolution 63/2009.

Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 53, p. 71-79, abr./jun. 2011


1 INTRODUÇÃO A investigação prévia ou preliminar sempre existirá, seja qual
O primeiro instituto de processo penal, referido no Código for a denominação que receba. O tema “inquérito policial” é anti-
de Processo Penal (CPP), a partir do art. 4º, é o inquérito policial. go e nunca deixou de ser sinuoso. Não se discutirão, nesta oportu-
Não apenas pela sua topografia, o inquérito policial é a gênese nidade, os pontos polêmicos como possibilidade de contraditório
de qualquer procedimento de investigação e destina-se à apu- mitigado, poder investigatório, dentre muitos outros. Partimos do
ração de infrações penais e sua autoria (POLASTRI, 2003, p. 82). ponto de vista de que, num roteiro prático, não adianta polemizar,
A polícia judiciária só é exercida por autoridades policiais pois a intenção é traçar as primeiras linhas sobre conceitos do
(art. 4º, parágrafo único do CPP), o que não exclui a atuação de cotidiano do profissional voltado para o direito penal. É o caso do
outras autoridades, que são nominadas como “administrativas” uso de expressões como “indiciamento”, “meio de investigação”,
(v.g., o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS quando ins- “diligência policial”, diferenças entre interrogatório, termo de de-
trui processos administrativos para apuração de irregularidades poimento e termo de declarações.
internas relacionadas às suas atribuições – fraudes previdenci-
árias em agências e postos). A autoridade policial para fins de 2 O MARCO DO INQUÉRITO POLICIAL
exercício da polícia judiciária é o delegado de polícia de carreira Embora o CPP refira que Ministério Público (MP) e juiz po-
(art. 144, § 4º da CF/88). dem requisitar a instauração do inquérito policial, qualquer notícia
de delito (notitia criminis) pode ser encaminhada ao delegado
O delegado de polícia deve ser o primeiro de polícia para apuração. Contudo, não é o simples encaminha-
mento que irá gerar um inquérito policial e nem se inicia o in-
garantidor da legalidade do procedimento de
quérito policial imediatamente pela requisição (não há vedação a
investigação preliminar, para não ser o coator um controle de legalidade da requisição, seja por provocação do
da liberdade alheia. Deixando de atuar, por delegado de polícia, seja por intervenção judicial).
O delegado de polícia deve ser o primeiro garantidor da
sentimento pessoal, pode incorrer em legalidade do procedimento de investigação preliminar, para
prevaricação não ser o coator da liberdade alheia. Deixando de atuar, por
sentimento pessoal, pode incorrer em prevaricação (art. 319 do
Os manuais de processo penal e os códigos de processo CP). Atuando em excesso, com manifesta má-fé, em busca de
penal interpretados e comentados dispõem sobre os arts. 4º a proveito pessoal, pode haver a figura do abuso de poder da Lei
72
23 do CPP, com a extensão suficiente para a compreensão do n. 4.898/65.
momento de instauração do inquérito policial, características, Veja-se: Inquérito Policial – Constrangimento ilegal – Au-
como falta de contraditório, natureza inquisitiva, mera peça de sência de ilícito criminal – Trancamento – Art. 4º do CPP.
informação, e inexistência de nulidades por qualquer ato defei- Constitui constrangimento ilegal a instauração de inquérito po-
tuoso procedido pela autoridade policial. Autores mais moder- licial para a apuração de fatos que desde logo se evidenciem
nos tratam o inquérito policial como investigação criminal pré- inexistentes ou não configurantes, em tese, de infração penal
processual, em cerca de 20 páginas, e partem para o capítulo (STF – RHC – Rel. Rafael Mayer – RT 620/367).
referente à titularidade da ação penal. Cabe anotar que há divergência doutrinária quanto ao ca-
A conclusão desse tratamento doutrinário é que os profis- bimento da iniciativa judicial de requisição de inquérito policial.
sionais de Direito saem da faculdade com parcos conhecimen- Além da doutrina tradicional que se agarra ao texto do art. 5º,
tos sobre o trâmite do inquérito policial e têm a falsa impressão inc. II, do CPP, uma nova corrente doutrinária traz dois argu-
de que esse é uma mera peça informativa. Olvida-se, contudo, mentos em sentido diametralmente oposto, quanto à supera-
que cerca de 90% das ações penais em curso foram precedidas ção da legislação: quebra da imparcialidade do magistrado e
de inquérito policial e que na ação penal são repetidas, pratica- quebra do sistema acusatório. Para os críticos do CPP, caberia,
mente, todas as provas do inquérito policial, à exceção daquelas com exclusividade, ao Ministério Público, na condição de do-
tidas como irrepetíveis, a exemplo de exames periciais. minus litis, a iniciativa requisitória (PACELLI, 2005, p. 29). De
As ações penais de maior repercussão no cenário nacional qualquer sorte, não se vê razão para que a requisição para
contam com grandes advogados criminalistas que sabem a im- instauração de inquérito seja desacompanhada dos elementos
portância do acompanhamento do seu cliente desde a fase do descritos no art. 5º, § 1º, do CPP (embora se refiram apenas ao
inquérito policial, pois têm a exata noção de que se uma prova requerimento da pessoa física ofendida: narração do fato, indi-
não for ali produzida, evidentemente, não se tratará de sua re- vidualização do indiciado, razões de convicção ou presunção
petição em juízo. Desde o nascedouro da investigação policial, da autoria, rol de testemunhas), porque imprescindíveis para o
com a necessária instauração de um inquérito policial (a fim de adequado desenvolvimento da atividade policial investigatória e
dar transparência e controle a qualquer procedimento investiga- concatenamento lógico das etapas do raciocínio lógico-jurídico
tório, coibindo-se investigações sem qualquer registro formal), da autoridade requisitante. Isto porque: Se a requisição do Mi-
abrem-se várias oportunidades para o causídico impetrar habe- nistério Público, limitando-se a dizer que há crime em tese, mas
as corpus, como no caso de atipicidade do fato investigado. O sem descrever a conduta típica e sem apontar objetivamente
suspeito pode invocar seu direito constitucional ao silêncio e de o dispositivo legal que a conduta dos agentes teria violado, há
não produzir prova contra si mesmo. Não se vislumbra a possi- que trancar-se o inquérito policial por falta de justa causa. (HC
bilidade de uma denúncia, no caso de réu não confesso e que 389, 5ª Turma do STJ, rel. Min. Edson Vidigal, publ. no DJ de
se manteve em silêncio, se não houver uma investigação prévia. 11/12/1995, p. 43234 e RT 727, p. 439).

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Nessa qualidade de garantidor, o Ao receber uma requisição ministerial ou devendo a recusa ser fundamentada,
delegado de polícia pode receber uma judicial, o Corregedor de Polícia proce- informando-se ao órgão requisitante
denúncia anônima e, a fim de evitar derá a um exame perfunctório sobre o (DOU n. 62, Seção I de 01/04/2010,
constrangimento ilegal, envidar diligên- enquadramento legal e a prescrição do p. 43). A Resolução n. 2/CSP/DPF deve
cias preliminares, de verificação, sobre possível crime, isto porque não haveria ser interpretada sistematicamente, ou
um mínimo de lastro da denúncia, certo traço de legalidade em inquérito policial seja, em harmonia com a supervenien-
que é vedado o anonimato e que muitas instaurado para apurar fato atípico ou te Instrução Normativa n. 11-DG/DPF
vezes esse tipo de denúncia tem uma prescrito, ainda que haja requisição da (Direção-Geral/DPF) de 15/06/2007, que
finalidade de prejudicar terceiros, adver- autoridade competente. Haveria a ausên- alterou os itens 1, 2 e 3 da IN n. 011/01-
sários políticos ou satisfazer brigas entre cia de justa causa, propalada em inúme- DG/DPF, de 27/06/2001, e as requisições
familiares. É por tal razão que o art. 5º, ros precedentes do Superior Tribunal de do Poder Judiciário Federal e Ministério
§ 3º, última parte do CPP, condiciona a Justiça (STJ). Público Federal, para instauração de in-
instauração de inquérito policial à veri-
ficação da procedência da informação O inquérito policial pode ser precedido, então, de diligências
trazida por alguém do povo (há a Orien- sumárias, determinadas de ofício pela autoridade policial. É
tação Normativa n. 6/2006, da COGER/
DPF/MJ no sentido de que a verificação comum, também, haver manifestação do Ministério Público ou
de procedência de informação nos ter- de magistrado para apuração de um crime.
mos previstos no art. 5º, § 3º, do CPP,
é uma providência preliminar, quando a Nesse caso, como é vedado o arqui- quérito policial, dispensam, no âmbito
notitia criminis, por si só, não possibili- vamento pela autoridade policial (art. 17 do DPF/MJ, a manifestação por parte das
tar a imediata instauração de inquérito do CPP) do inquérito policial – e aqui corregedorias, devendo ser prontamente
policial, não se constituindo, por conse- também devem ser compreendidas as atendidas, ressalvada a notitia criminis
guinte, em um procedimento formal de requisições judiciais, do Ministério Pú- genérica ou sem justa causa.
polícia judiciária). blico e do Ministro da Justiça –, o de- O inquérito policial advirá também
Diga-se que a instauração de inqué- legado corregedor ou o delegado que de ofício, ou seja, mediante investiga-
rito policial é a regra para a apuração da exerça o comando local da instituição ções policiais independentes ou decor-
autoria e a materialidade de um delito, deverá devolver a requisição do inqué- rentes de continuação de investigações 73
há, contudo, circunstâncias que auto- rito, acompanhado das peças que o anteriores sobre inquéritos policiais já
rizam a mitigação dessa formalidade, instruem, mediante ofício, devidamente arquivados, mas mediante novas provas,
como dito alhures. Mas, nem assim, a fundamentado. Apenas se as autoridades e até pelo desdobramento de fatos com
autoridade policial é dispensada de al- requisitantes, após o exame dos argu- melhor aprofundamento e recurso a no-
gum rito. Para a verificação de uma in- mentos expostos pela autoridade poli- vas tecnologias. Nenhum ato normativo
formação sem suporte fático, é comum cial, não se convencerem do acerto das infralegal pode restringir ou condicionar
a expedição de ordem de missão policial razões, motivadamente, será instaurado esse poder-dever da autoridade policial,
escrita, dirigida a agentes ou inspetores o inquérito policial. Lembre-se que, por que é uma garantia constitucional da
de polícia com o objetivo de realizar uma interpretação teleológica e sistemática do sociedade na repressão da criminalidade
vigilância, levantar um endereço, proprie- art. 93, inc. IX combinado com o art. 37 comum ou organizada.
dades em cartório, dados com vizinhos, da Constituição Federal (CF/1988) e com Então, ao se deparar com um inqué-
porteiros, vigilantes, que indiquem a os arts. 2º e 50 da Lei 9.784/1999 (regula rito policial, o investigado terá certeza de
ocorrência e autoria do fato e da locali- o processo administrativo no âmbito da que este se iniciou por iniciativa policial,
zação do possível criminoso. Administração Pública Federal), a discor- por denúncia devidamente apurada
Logo que descortinada a penumbra dância entre ambos os polos (autoridade (quanto à idoneidade, veracidade e pro-
antes existente, é recomendável a instau- policial e autoridade requisitante) deve cedência), por requisição judicial, do MP
ração do inquérito policial, sigiloso por ser fundamentada e racional, distante ou do MJ. Em todos os casos, após um
determinação do Código de Processo de vaidades e caprichos. Tratando-se juízo de legalidade do delegado de polícia.
Penal: um sigilo para proteger a utilida- de autoridade com poder requisitório Controversa a suspensão da in-
de da investigação criminal e não para e, prevalecendo a dúvida, a autoridade vestigação policial na operação Cas-
garantir a impunidade do criminoso ou policial deve instaurar o inquérito e, ato telo de Areia pelo STJ1, uma vez que
manter a ignorância da sociedade, como subsequente, lançar relatório neste para o excelso STF tem posição firme em
se tem visto em vãs tentativas de vassalos apreciação judicial da hipótese. sentido contrário: HABEAS CORPUS.
da criminalidade organizada. Cabe aqui a referência ao art. 2º. da “DENÚNCIA ANÔNIMA” SEGUIDA DE
O inquérito policial pode ser pre- Resolução n. 2/2010-CSP/DPF (Conselho INVESTIGAÇÕES EM INQUÉRITO POLI-
cedido, então, de diligências sumárias, Superior de Polícia/Departamento de Po- CIAL. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS
determinadas de ofício pela autoridade lícia Federal), de 26/03/2010, segundo E AÇÕES PENAIS NÃO DECORRENTES
policial. É comum, também, haver ma- a qual não serão instaurados inquéritos DE “DENÚNCIA ANÔNIMA”. LICITUDE
nifestação do Ministério Público ou de policiais baseados em requisições ou DA PROVA COLHIDA E DAS AÇÕES PE-
magistrado para apuração de um crime. notícias genéricas, ou sem justa causa, NAIS INICIADAS. ORDEM DENEGADA.

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Segundo precedentes do Supremo Tribunal Federal, nada da notitia criminis porque os fatos são urgentes e geralmente
impede a deflagração da persecução penal pela chamada trazidos por agentes policiais da delegacia, outras autoridades
“denúncia anônima”, desde que esta seja seguida de dili- públicas, como as retrocitadas, além de fiscais da vigilância sani-
gências realizadas para averiguar os fatos nela noticiados tária, do Ibama etc. O responsável pela presidência do inquérito
(86.082, rel. min. Ellen Gracie, DJe de 22.08.2008; 90.178, policial será o delegado plantonista, de sobreaviso ou o delega-
rel. min. Cezar Peluso, DJe de 26.03.2010; e HC 95.244, do da delegacia especializada, caso se faça em horário normal
rel. min. Dias Toffoli, DJe de 30.04.2010). No caso, tanto de expediente, a depender do regimento interno, portarias ou
as interceptações telefônicas, quanto as ações penais que instruções normativas que cada órgão policial edite, por se tratar
se pretende trancar decorreram não da alegada “notícia de tema interna corporis. De qualquer sorte, haverá um tomba-
anônima”, mas de investigações levadas a efeito pela auto- mento do auto de prisão em flagrante delito, recebendo uma
ridade policial. A alegação de que o deferimento da inter- numeração e sendo registrado, nos livros e sistemas informati-
ceptação telefônica teria violado o disposto no art. 2º, I e II, zados, com dados do criminoso, vítima, tipificação, autoridade
da Lei 9.296/1996 não se sustenta, uma vez que a decisão responsável e escrivão do feito.
da magistrada de primeiro grau refere-se à existência de O marco do inquérito policial é a edição da portaria instau-
indícios razoáveis de autoria e à imprescindibilidade do radora, com relato sucinto dos fatos, tipificação provisória do
monitoramento telefônico. Ordem denegada. (HC 99490, delito, ou a lavratura do auto de prisão em flagrante delito. Em
Relator Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em ambas as situações, haverá registros formais como tombamento
23/11/2010, DJe-020, publ. 31-01-2011). e inscrição de dados básicos mínimos em meio físico e virtual
É certo que a investigação policial não pode ser anônima. (sistemas informatizados) e um primeiro juízo de legalidade
Deve ser precedida por dois atos formais: a confecção de uma pelo delegado de polícia, que pode e deve se manifestar sobre
portaria do delegado de polícia e um ato de tombamento na a ocorrência, em tese, de um fato típico penal, seja nas requisi-
delegacia, mediante registro no livro próprio e nos meios infor- ções que lhe são dirigidas, seja perante as autoridades públicas
matizados de cadastro, a exemplo da distribuição existente nos que tragam um preso à sua presença para formalização dos atos
cartórios de distribuição dos foros. de polícia judiciária.
No âmbito da Polícia Federal, a portaria instauradora de-
verá conter o número do protocolo e do documento-base da 3 DILIGÊNCIAS
notícia do crime, o relato sucinto do fato delituoso, a tipificação 3.1 As diligências iniciais

74 ainda que provisória e, quando possível, a autoria, bem como Algumas diligências são determinadas pelo delegado de
as diligências de cumprimento imediato (art. 17 da Instrução polícia já na portaria instauradora do inquérito policial. O art. 6º
Normativa n. 11-DG/DPF de 27-06-01). do CPP contém algumas delas e um considerável rol de medi-
das de polícia judiciária a serem procedidas de imediato, inde-
O marco do inquérito policial é a edição da pendentemente de provocação. Geralmente são expedições de
ofícios aos órgãos oficiais pedindo complementação de dados
portaria instauradora, com relato sucinto dos
sobre a identificação do suspeito e documentos comprobatórios
fatos, tipificação provisória do delito, ou a de sua atuação. Se a investigação policial foi solicitada por um
lavratura do auto de prisão em flagrante delito. órgão público ou particular, é comum intimar o noticiante para
colheita de dados de interesse da investigação, pois, ao ser dado
O auto de prisão em flagrante deverá observar os arts. 301 conhecimento do possível fato delituoso, os comunicantes não
e ss. do CPP, atentando-se para a nova metodologia trazida pela têm a noção dos contornos de uma investigação e deixam de
Lei n. 11.113 de 13/05/2005, que alterou a redação do art. 304 anotar dados de suma importância para o transcurso dos traba-
do CPP. Essa alteração permitiu que o condutor do flagrante, lhos investigatórios.
encerrado seu depoimento, entregues o preso e os bens arre- Para verificar a periculosidade do suspeito, são feitas con-
cadados, possa retornar para suas atribuições normais, como a sultas a bancos de dados policiais e de outros órgãos públicos,
patrulha (policial militar), fiscalização rodoviária (policial rodovi- com os quais haja convênio, e requerida a folha de anteceden-
ário), custódia de preso (agente penitenciário). Antes da edição tes criminais a cartórios de distribuição judicial e institutos de
da Lei n. 11.113/2005, o condutor e as testemunhas só podiam identificação civil, vinculados a Secretarias de Segurança Pública.
deixar a delegacia de polícia quando fossem encerrados todos Em fevereiro de 2009, por 9 votos a 2, o Plenário do STF
os atos processuais formais do inquérito policial, com lavratura aprovou a Súmula Vinculante n. 14, com o seguinte teor: É direi-
de autos de prisão, de arrecadação, de apreensão, ciência das to do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo
garantias constitucionais do preso, nota de culpa, laudo prelimi- aos elementos de prova que, já documentados em procedi-
nar em caso de entorpecentes etc. Agora, há uma economia de mento investigatório realizado por órgão com competência
tempo muito grande para o condutor do flagrante (em média 3 de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de
horas, por isso o novo modelo também é chamado “flagrante defesa. A redação da súmula traz duas preocupações ao investi-
eficiente”) e para cada uma das testemunhas, além de um in- gador, de ordem prática: o que é acesso amplo e se abarcaria as
centivo para as funções essenciais de colaboração com a Justiça. provas produzidas cautelarmente como interceptação telefônica
No caso da prisão em flagrante, o auto de prisão em fla- e quebras de sigilo fiscal, bancário, telemático e telefônico. De
grante delito (APFD) faz as vezes da portaria de instauração do fato, o cerne da questão é a expressão “já documentados em
inquérito policial (v. art. 535 do CPP). Não há prévia distribuição procedimento investigatório”.

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A jurisprudência caminha no sentido do que souber e lhe for perguntado, latada será ouvida em termo de declara-
de que se os elementos de convicção ou devendo declarar seu nome, sua idade, ções, ou seja, sem o compromisso legal
de prova ainda estão sendo analisados seu estado e sua residência, sua profis- da primeira parte do art. 203 do CPP,
e confrontados, ou se foram determi- são, lugar onde exerce sua atividade, se como aconteceu em inúmeros habeas
nadas diligências e essas ainda não se é parente, e em que grau, de alguma corpus julgados pelo STF, no caso da CPI
encerraram, não há garantia de acesso das partes, ou quais suas relações com do Mensalão/Correios.
ao investigado: PENAL. PROCESSUAL qualquer delas, e relatar o que souber,
PENAL. HABEAS CORPUS. EMBARGOS explicando sempre as razões de sua ci- 3.3 Indiciamento
DE DECLARAÇÃO. ACESSO DOS ACU- ência ou as circunstâncias pelas quais Após as diligências necessárias para
SADOS A PROCEDIMENTO INVESTIGA- possa avaliar-se de sua credibilidade), a determinação do autor do fato ou do
TIVO SIGILOSO. POSSIBILIDADE SOB sob as penas do art. 342 do CP (falso crime, no âmbito da Polícia Federal, a
PENA DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO testemunho – fazer afirmação falsa, calar autoridade policial deve lavrar um des-
CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFE- ou omitir a verdade – reclusão de 1 a 3 pacho de indiciamento, que antecederá
SA. PRERROGATIVA QUE SE RESTRINGE anos e multa). A testemunha presencial o interrogatório.
AOS ELEMENTOS JÁ DOCUMENTADOS ou a referida por uma que tenha presen- A legislação pátria não esclarece
REFERENTES AOS INVESTIGADOS. I - O ciado os fatos ou qualquer outra pessoa no que consiste o despacho de indicia-
direito assegurado ao indiciado (bem que possa trazer elementos de convicção mento (o art. 41 da Lei n. 11.343/2006
como ao seu defensor) de acesso aos ao presidente do inquérito policial (dele- – entorpecentes – mantém a menção
elementos constantes em procedimento gado de polícia) são ouvidas em termo ao indiciamento, assim como o PLS
investigatório que lhe digam respeito de depoimento. Na praxe policial, há 156/2009 – aprovado no Senado Federal
e que já se encontrem documentados diferença entre “termo de depoimento”, em 7/12/2010 - e o PL 7987/2010, apre-
nos autos, não abrange, por óbvio, as “termo de declarações”, “interrogatório” sentado pelo Deputado Federal Miro
informações concernentes à decretação e “indiciamento”. Teixeira, segundo os quais Reunidos ele-
e à realização das diligências investiga- Só prestam “depoimento” aqueles mentos suficientes que apontem para a
tórias, mormente as que digam respeito que tenham obrigação de dizer a verda- autoria da infração penal, o [delegado
a terceiros eventualmente envolvidos. de. Não estão obrigadas, podendo se exi- de polícia] [a autoridade policial] cien-
II - Enunciado da Súmula Vinculante mir de prestar “depoimento”, as pessoas tificará o investigado, atribuindo-lhe,
14 desta Corte. III - Embargos de de- que, em razão de função, ministério, ofí- fundamentadamente, a condição jurí- 75
claração rejeitados, com concessão da cio ou profissão (médico, advogado, jor- dica de ‘indiciado’, respeitadas todas as
ordem de ofício. (HC 94387 ED, Relator nalista), devam guardar segredo. Podem, garantias constitucionais e legais).
Min. Ricardo Lewandowski, 1ª. T., julg. contudo, ser intimadas para compareci- A legislação atual trata indistintamen-
em 06/04/2010, DJe-091 21/05/2010). mento perante a autoridade policial, e, te as figuras de suspeito, investigado,
No âmbito do DPF, foi editada a ON n. no momento destinado ao ato cartorário, envolvido e indiciado, levando muitos a
36-COGER/DPF, de 31/03/2010, pu- arguir seu impedimento. crer, erroneamente, que o inquérito po-
blicada no BS 143 de 28/07/2010, que
dispõe que os investigados e seus advo- Após as diligências necessárias para a determinação do autor
gados somente terão acesso aos dados e
do fato ou do crime, no âmbito da Polícia Federal, a
documentos já incorporados aos autos,
relativos a si, ou no segundo caso, a seus autoridade policial deve lavrar um despacho de indiciamento,
clientes; vedado o acesso a diligências que antecederá o interrogatório.
em curso, ou a informações que digam
respeito exclusivamente a terceiros, in- O “termo de declarações” é reserva- licial só deva ser remetido ao Ministério
vestigados ou não, para o que a autori- do para doentes e deficientes mentais, Público ou ao Poder Judiciário quando
dade policial determinará ao escrivão do menores de 14 anos, o ascendente ou houver “indiciado” preso ou solto, numa
feito o desentranhamento de despacho descendente, irmãos, genitores, afim interpretação falha do art. 10 do CPP.
ou de documentos que façam menção a em linha reta, cônjuge ou companheira A resolução CJF (Conselho da Jus-
diligências ainda não cumpridas ou em do investigado, pois são dispensados do tiça Federal) n. 63, de 26/06/2009,
andamento. compromisso de dizer a verdade, seja publicada no DOU 30.06.2009, dispõe
pelas condições físicas e mentais que de- sobre a tramitação direta dos inquéri-
3.2 Oitivas de testemunhas – tenham ou pelo vínculo familiar. tos policiais entre a Polícia Federal e o
termo de depoimento e termo de Muitas vezes acontece que uma ou Ministério Público Federal (MPF), assim
declarações mais testemunhas possam ser suspeitas. como vários provimentos dos TRFs e re-
São ouvidas as pessoas envolvidas. Nesse caso, não se toma o compromisso solução do Conselho Nacional do Minis-
Caso não haja impedimento legal (arts. de dizer a verdade, já que não são obri- tério Público (CNMP). É objeto da Ação
206 e 208 do CPP), é tomado o com- gadas a produzir prova contra si mesmas, Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
promisso de falar a verdade (art. 203 do diante do privilégio constitucional contra 4305, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, e
CPP: a testemunha fará, sob palavra de a autoincriminação. Nessa situação, a regularmente instruída.
honra, a promessa de dizer a verdade pessoa que se encontre na situação re- No âmbito da Polícia Civil, em vários

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estados, tem-se notícia de que o indiciamento é feito no re- licial, há de resultar, para legitimar-se, de um mínimo proba-
latório final da autoridade policial, quando remete o inquérito tório que torne possível reconhecer que determinada pessoa
policial com os necessários apontamentos da materialidade do teria praticado o ilícito penal. O indiciamento não pode, nem
delito e indícios de autoria. deve, constituir um ato de arbítrio do Estado, especialmente se
Na prática policial, existe uma diferença entre o suspeito, se considerarem as graves implicações morais e jurídicas que
o investigado e o indiciado. Só se considera “indiciado” o in- derivam da formal adoção, no âmbito da investigação penal,
vestigado contra o qual, no inquérito policial, foram produzi- dessa medida de Polícia Judiciária, qualquer que seja a condi-
das provas suficientes da existência do delito (materialidade) e ção social ou funcional do suspeito. Doutrina. Jurisprudência.
encontrados indícios de sua autoria, segundo os fundamentos Surgem, ainda, outras questões polêmicas na seara do indi-
externados no inquérito pela autoridade policial. É uma garantia ciamento. Quando se fala em termo circunstanciado, a tendên-
ao investigado, pois só será indicado como provável autor do cia jurisprudencial é de não admitir o indiciamento; contudo, o
delito após a sua lavratura. Nesse despacho constará a relação STJ já admitiu a possibilidade de converter o TC em inquérito
das provas produzidas contra o suspeito, devendo ser mencio- e determinar o indiciamento do investigado. (RHC 14.825/SP,
nados o depoimento das testemunhas, as provas documentais Rel. Min. Laurita Vaz, DJ 23/08/2004, p. 253), e também: HABE-
carreadas aos autos (documentos arrecadados e apreendidos, AS CORPUS. REMESSA OFICIAL. ART. 331 DO CÓDIGO PENAL.
recebidos de terceiros ou via ofício), e, especialmente, a prova CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. LEI Nº. 9.099/95.
pericial (representada por um laudo produzido por experts). INQUÉRITO POLICIAL. INDICIAMENTO. INADMISSIBILIDADE. 1.
Também se consignará a tipificação do delito que pode ser di- Aos delitos de menor potencial ofensivo aplica-se o procedi-
versa da portaria inaugural (provisória), diante da maior certeza mento previsto na Lei n. 9.099/95, que determina à Autoridade
probatória, mas, ainda assim, não deixará de ser provisória, dela Policial, ao tomar conhecimento dos fatos, a lavratura de ter-
podendo divergir o órgão do MP ao oferecer a denúncia, que, mo circunstanciado e o encaminhamento do autor ao Juizado
por seu turno, poderá ser diferente da estabelecida pela senten- Especial Criminal. 2. Nesse passo, a instauração de inquérito
ça criminal condenatória. policial e o consequente indiciamento do paciente violam os
Na oportunidade do despacho de indiciamento, será designa- dispositivos da citada lei, configurando-se o constrangimento
da a data do interrogatório do suspeito, se já não estiver presente. ilegal. 3. Reexame necessário desprovido. (Reexame necessário
Diante do interrogatório, pode a autoridade policial, na medida 200661120112994, TRF-3ª Região, Juiz Márcio Mesquita publ.
em que haja novos elementos, deixar de proceder ao indicia- no DJ de 06/04/2009, p. 212).
76 mento e desfazê-lo – é ato exclusivo do delegado de polícia e de O STJ tem decidido que, depois de encerrado o inquérito
convicção pessoal. Caso o mantenha, a tipificação provisória cons- policial, ainda que a autoridade policial não tenha procedido ao
tante no despacho será reproduzida no boletim de identificação “indiciamento” formal ou apenas tenha indicado a autoria no
criminal (BIC, v. Instrução normativa n. 005/2008-DG/DPF, de relatório final, sem a formalidade do indiciamento, não pode o
03/04/2008. É o antigo PIC, no âmbito do DPF/MJ), assinada pelo inquérito policial retroagir ou retroceder para consignação de tal
indiciado e remetida uma via para os órgãos de identificação e formalidade, com prejuízo para a celeridade do inquérito e da
estatística criminal. Conforme o art. 4º da IN 5/2008: No curso do convicção da autoridade policial. Se houver divergência do MP,
procedimento investigatório, a autoridade policial que presidir o quanto à autoria do fato ou faltar o “indiciamento”, tal carência
inquérito, convencida da autoria e da classificação do tipo penal, fica suprida automaticamente pelo oferecimento da denúncia.
e após o preenchimento do BIC pelo escrivão, determinará, por É a nossa posição, a fim de que o inquérito também seja um
meio de portaria ou despacho no IPL, a identificação do indicia- caminhar para frente2.
do, apresentando-o, por meio de memorando, ao NID ou ao
setor competente da respectiva unidade, para que seja realizado 3.4 Interrogatório
o serviço fotográfico, a coleta das impressões digitais e o preen- O interrogatório do suspeito será, via de regra, um dos úl-
chimento dos dados antropométricos. timos atos do inquérito policial. A Lei n. 10.792/2003 alterou a
sistemática do interrogatório policial e judicial, agora dividido
O interrogatório abre espaço para duas em duas partes (sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos –
art. 187 do CPP) e com o mérito de garantir o privilégio contra
grandes controvérsias: legalidade e a autoincriminação e na esteira de que o interrogatório é ins-
constitucionalidade do uso da videoconferência trumento de defesa e não meio de prova, ou seja, não apenas
do réu preso (interrogatório online) e por interpretação jurisprudencial, mas agora também por deter-
minação legal, o silêncio do preso não pode ser entendido em
possibilidade do contraditório no inquérito prejuízo de sua defesa ou como confissão. Incumbe ao Estado
policial durante essa fase. o ônus da prova e diligenciar os meios probatórios imprescin-
díveis para a conclusão satisfatória e eficiente da investigação.
O Min. Celso de Mello, no Inquérito n. 2.041-MG, em deci- O interrogatório abre espaço para duas grandes contro-
são publicada em 6/10/2003, transcrita no Informativo n. 323/ vérsias: legalidade e constitucionalidade do uso da videocon-
STF, consignou: Se é inquestionável que o ato de indiciamento ferência do réu preso (interrogatório online) e possibilidade do
não pressupõe a necessária existência de um juízo de certeza contraditório no inquérito policial durante essa fase.
quanto à autoria do fato delituoso, não é menos exato que Ainda com a superveniência da Lei n. 11.900/2009, a
esse ato formal, de competência exclusiva da autoridade po- doutrina pátria tem se levantado contra a videoconferência,

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mas não se tem notícia, contudo, de são aplicáveis ao interrogatório perante Diante do fenômeno da criminali-
concessão de novos habeas corpus (A a autoridade policial. Por um lado ou dade organizada e transnacional, a Lei
realização da videoconferência antes da por outro, entendemos que não há n. 9.034/1995, em seu art. 5º, determi-
edição da Lei n. 11.900/2009 tem sido uma inquisitoriedade absoluta no in- na a identificação criminal de pessoas
considerada revestida de nulidade abso- quérito policial, uma vez que o art. 14 envolvidas com a ação praticada por
luta. Quanto à possibilidade de atos de do CPP permite ao “indiciado” requerer organizações criminosas independente-
instrução, como oitiva de testemunhas, qualquer diligência, que será realizada, mente da identificação civil. Há outras
ainda há controvérsias. Sobre o tema: ou não, a juízo da autoridade. previsões legais, como o art. 109 do ECA
HC 155.832/SP, Rel. Min. Gilson Dipp,
DJe 14/03/2011 e HC 92.795/SP, Rel. O que o delegado de polícia jamais poderá deixar em
Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe
segundo plano é sua missão institucional de primeiro
13/09/2010).
Nos termos da Lei n. 11.900/2009, garantidor da legalidade da persecução penal, a qual foi
que alterou o art. 185 do CPP, o juiz, redimensionada, em boa hora, pelos princípios da
fundamentada e excepcionalmente,
poderá realizar o interrogatório do réu Constituição Cidadã de 1988 [...]
preso por sistema de videoconferência
ou outro recurso tecnológico de trans- Controvérsias à parte, há dispo- (Lei n. 8.069/1990) e a Lei n. 12.037,
missão de sons e imagens em tempo sições do interrogatório judicial que de 1/10/2009, que revogou a Lei n.
real, desde que a medida se dê nos devem ser aplicadas também ao inter- 10.054/2000 e dispõe sobre a identifica-
seguintes casos: para prevenir risco à rogatório policial, na falta de disciplina ção criminal do civilmente identificado,
segurança pública, quando exista fun- diversa e que não malfira a sua natu- regulamentando o art. 5º, inc. LVIII, da CF.
dada suspeita de que o preso integre reza inquisitiva, sem contraditório. Uma Embora exibido o documento de
organização criminosa ou de que, por delas, além do privilégio contra a au- identificação, poderá ocorrer identifica-
outra razão, possa fugir durante o des- toincriminação e assistência da família ção criminal quando o documento apre-
locamento; quando houver relevante di- e advogado, é o art. 193 do CPP, que sentar rasura, tiver indício de falsificação,
ficuldade para seu comparecimento em preceitua a realização de interrogatório for insuficiente para identificar cabalmen-
juízo, por enfermidade ou outra circuns- por meio de intérprete, quando o inter- te o indiciado e, ainda, quando o indi- 77
tância pessoal; para impedir a influência rogando não falar a língua nacional. A ciado portar documentos de identidade
do réu no ânimo de testemunha ou da autoridade policial, pela adoção de con- distintos, com informações conflitantes
vítima; responder à gravíssima questão venções internacionais, deve comunicar entre si. Ou ainda, caso conste de regis-
de ordem pública. Em qualquer moda- o consulado mais próximo acerca da tros policiais o uso de outros nomes ou
lidade de interrogatório, o juiz garantirá prisão de seu nacional em solo brasilei- diferentes qualificações ou se o estado
ao réu o direito de entrevista prévia e ro (art. 36 da Convenção de Viena sobre de conservação, a distância temporal ou
reservada com o seu defensor; se reali- Relações Consulares, aprovada pelo De- a localidade da expedição do documento
zado por videoconferência, fica também creto n. 56.435, de 8 de junho de 1965). apresentado impossibilitarem a comple-
garantido o acesso a canais telefônicos No entanto, há entendimento jurispru- ta identificação dos caracteres essenciais.
reservados para comunicação entre dencial de que a ausência da notificação Outras hipóteses são admissíveis, quan-
o defensor que esteja no presídio e o ao consulado não gera nulidade nem do necessárias às investigações policiais,
advogado presente na sala de audiência relaxamento do flagrante3. Em juízo, segundo despacho da autoridade judi­
do Fórum, e entre este e o preso. deve ser providenciado intérprete para ciária.
A nota inquisitorial do inquérito o acusado, mas não necessariamente a No julgamento do RHC 12968, re-
policial, sem contraditório, foi mitigada transcrição da denúncia em sua língua, lator Min. Felix Fischer, a 5ª Turma do
com as alterações a respeito do inter- em decorrência da combinação do art. STJ, por maioria (vencido o Min. Gilson
rogatório do indiciado, o que seria, 193 do CPP com o art. 8.º, item 2, a, b Dipp), em acórdão publicado no DJ de
inclusive, importante para a robustez e c, do Pacto de São José da Costa Rica 20/09/2004, p. 303, decidiu que o dis-
da prova consolidada após o interro- (RMS 19.892/CE, Rel. Min Laurita Vaz, posto no art. 5º da Lei 9.034/1995 fora
gatório e a impossibilidade de o réu DJe 08/02/2010). revogado pela legislação superveniente
influenciar a colheita de provas. Para Integram também o ato do interro- que regulamentaria o tema exaustiva-
os que assim entendem, invoca-se o gatório policial: o preenchimento de bo- mente, com exclusão das demais leis: PE-
direito de entrevista prévia do acusado letim de vida pregressa (BVP), em que NAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS
com seu patrono, que será qualificado serão consignados dados sociais do in- CORPUS. ART. 4º DA LEI Nº. 7.492/86 E
e interrogado, perante o magistrado, na terrogado (hábitos, bens, meios de vida, ARTS. 288 E 312, DO CÓDIGO PENAL.
presença de defensor, além da possi- rendimentos – art. 6º, inc. VI, do CPP) e IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL DOS CIVIL-
bilidade de novo interrogatório a qual- o boletim de identificação criminal (BIC), MENTE IDENTIFICADOS. ART. 3º, CAPUT
quer tempo (art. 196 do CPP). Os que no qual são consignadas as característi- E INCISOS, DA LEI Nº. 10.054/2000.
divergem sustentam que as disposições cas físicas do investigado: altura, peso, REVOGAÇÃO DO ART. 5º DA LEI Nº.
referentes ao interrogatório judicial não tipo de nariz, cabelo, tatuagens etc. 9.034/95. O art. 3º, caput e incisos, da

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Lei nº. 10.054/2000, enumerou, de forma incisiva, os casos PROCESSUAL PENAL. “HABEAS-CORPUS”. REQUISIÇÃO JUDI-
nos quais o civilmente identificado deve, necessariamente, CIAL DIRIGIDA A AUTORIDADE POLICIAL. NÃO ATENDIMEN-
sujeitar-se à identificação criminal, não constando, entre eles, TO. FALTA FUNCIONAL. ATIPICIDADE PENAL. - Embora não
a hipótese em que o acusado se envolve com a ação praticada esteja a autoridade policial sob subordinação funcional ao juiz
por organizações criminosas. Com efeito, restou revogado o ou ao membro do Ministério Publico, tem ela o dever funcional
preceito contido no art. 5º da Lei nº. 9.034/95, o qual exige que de realizar as diligências requisitadas por estas autoridades,
a identificação criminal de pessoas envolvidas com o crime or- nos termos do art. 13, II, do CPP. - A recusa no cumprimen-
ganizado seja realizada independentemente da existência de to das diligências requisitadas não consubstancia, sequer em
identificação civil. Recurso provido. tese, o crime de desobediência, repercutindo apenas no âmbi-
No mesmo sentido foram os julgamentos do RHC 12969, to administrativo-disciplinar.- Recurso ordinário provido. (RHC
publicado no DJ de 20/09/2004, p. 304, e RHC 12965, publica- 6511, rel. Min. Vicente Leal, STJ, publ. no DJ de 27/10/97).
do no DJ de 10/11/2003, p. 197.
Assim, a autoridade policial deve analisar as circunstâncias 4 Conclusão
fáticas e jurídicas presentes no caso em concreto antes de deter- Como se viu, há casos em que o Ministério Público re-
minar a identificação criminal daquele que porte identidade civil. quisita, de forma equivocada, diligências que esgotam tudo
A jurisprudência do STJ deve ser aplicada, sob pena de abu- o que é possível de ser realizado do feito, quando, na ver-
so de autoridade, mas com ressalvas, tendo em vista a ausência dade, a autoridade policial deve-se restringir à apuração dos
de revogação expressa legal e a larga utilização de documentos fatos, por meio de indícios de autoria e materialidade do
falsos por criminosos contumazes. crime. A certeza absoluta só haverá na sentença condena-
tória transitada em julgado; tudo o que é apurado antes se
3.5 Diligências complementares baseia em juízos de probabilidade e verossimilhança. Deve
Por força do art. 129 da Constituição Federal, inc. VIII, cabe ser buscada a convivência harmônica entre ambas as institui-
ao MP requisitar diligências investigatórias e a instauração de in- ções públicas que devem-se complementar, sem o embate
quérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas ma- percebido atualmente. Temos inúmeras demonstrações de
nifestações processuais. E dispõe o art. 13 do CPP que incumbirá trabalho em conjunto, sem subordinação e com autonomia,
à autoridade policial realizar as diligências requisitadas pelo MP. que comprovam o acerto da parceria, como nas hipóteses de
Tais disposições devem ser interpretadas em harmonia com trabalhos na forma de “forças-tarefas”.
78 o art. 16 do CPP, que reza que o MP não poderá requerer a A desnecessidade de inquéritos policiais de provas ple-
devolução do inquérito à autoridade policial, senão para novas nas, de cognição exaustiva, está posta no art. 10, § 2º, do
diligências, imprescindíveis ao oferecimento da denúncia. CPP, segundo o qual a autoridade pode indicar, no relatório
O não atendimento de requisição de diligência complemen- final, testemunhas que não tiverem sido inquiridas, mencio-
tar, não essencial ou fundamental para a denúncia, não gera efei- nando o lugar onde possam ser encontradas. Com essa me-
tos jurídicos. Com efeito, a jurisprudência pátria tem solucionado dida simples, muitos casos de prescrição podem ser evita-
o conflito de forma a afastar possível imputação de crime de dos e poupada a repetição de provas, como depoimentos de
desobediência, solução que deve compreender também o não pessoas que se limitam a confirmar o que foi dito perante a
atendimento de requisição de instauração de inquérito policial autoridade policial ou perante auditores e técnicos do INSS,
sem lastro probatório ou legal. Nessa esteira, deve ser coibido o por exemplo.
uso transverso de outros meios processuais como forma de punir O que o delegado de polícia jamais poderá deixar em se-
o delegado de polícia independente que não se sujeita ou su- gundo plano é sua missão institucional de primeiro garantidor
bordina a ímpetos de autoritarismo (ação de improbidade admi- da legalidade da persecução penal, a qual foi redimensionada,
nistrativa, inquérito civil, intimações em processo administrativo em boa hora, pelos princípios da Constituição Cidadã de 1988,
criminal com trâmite no MP, representações nas corregedorias). que não se contenta com o singelo exercício de uma atividade
Daí a tão propalada e almejada inamovibilidade buscada pelos investigativa a qualquer custo.
integrantes da carreira policial e já assegurada aos representantes Nos apropriados dizeres de Aury Lopes Junior (2005,
do Ministério Público e da magistratura. p. 52), a função de evitar acusações infundadas é o principal
Já se decidiu: CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. MI- fundamento da instrução preliminar, pois em realidade evitar
NISTÉRIO PÚBLICO: ATRIBUIÇÕES. INQUÉRITO. REQUISIÇÃO acusações infundadas significa esclarecer o fato oculto [...] e
DE INVESTIGAÇÕES. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. C.F., art. 129, com isso também assegurar a sociedade de que não existirão
VIII; art. 144, §§ 1º e 4º. I. - Inocorrência de ofensa ao art. 129, abusos por parte do poder persecutório estatal. Se a impunida-
VIII, C.F., no fato de a autoridade administrativa deixar de aten- de causa uma grave intranqüilidade social, não menos grave
der requisição de membro do Ministério Público no sentido da é um mal causado por processar um inocente. É por isso que
realização de investigações tendentes à apuração de infrações consignamos no texto que o delegado de polícia é o primeiro
penais, mesmo porque não cabe ao membro do Ministério Pú- garantidor da legalidade da persecução estatal, por intermédio
blico realizar, diretamente, tais investigações, mas requisitá-las de um “filtro processual” que é o inquérito policial.
à autoridade policial, competente para tal (C.F., art. 144, §§ E aqui se encerra esse sucinto trabalho, que buscou abor-
1º e 4º). Ademais, a hipótese envolvia fatos que estavam sen- dar aspectos práticos do inquérito policial, numa visão de pe-
do investigados em instância superior. II. - R.E. não conhecido. queno roteiro, sem perder a tecnicidade e cientificidade que
(STF - RECR-205473, DJ de 19/03/99, rel. Min. Carlos Velloso) o tema exige.

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O+CASTELO+DE+AREIA_68225.shtml> Aces- vinculação do Departamento de Polícia Federal do
so em: 29 maio 2011. Por 3 votos a 1 o STJ Poder Executivo. Consulex: revista jurídica, Brasília,
decidiu anular toda a investigação a partir da v. 9, n. 207, p. 52-54, ago. 2005.
interceptação telefônica. HC 159.159. ______. Foro por prerrogativa de função: proce-
2 HC 38732, Min. Paulo Galloti, DJ de 5-12- dimentos no curso da investigação criminal preli-
2005; HC 42771, Rel. Min. Hélio Quaglia Bar- minar. Revista Criminal: ensaios sobre a atividade
bosa, DJ de 28-11-2005; HC 40559, Rel. Min. policial, São Paulo, a. 1, v. 1, n. 1, p. 23-55, out./
Paulo Medina, DJ de 24/10/2005, todos do dez. 2007.
STJ, e decisão do Ministro Presidente do STJ
no HC 52719 – Notícias do STJ, 20.01.06. E,
recentemente: HC 84.142/SP, Rel. Min. Napo- Artigo recebido em 30/5/2011.
leão Nunes Maia Filho, 5ª. T, DJe 28/04/2008 Artigo aprovado em 30/6/2011.
3 RHC 4582, Rel. Min. Adhemar Maciel, 6ª
Turma do STJ, publ. no DJ de 27/11/1995,
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