Você está na página 1de 7

Considerações sobre a narratividade

Elizabeth Bastos Duarte

1 - Breve síntese da teoria greimasiana


A Semiótica, segundo Greimas, tem por objetivo a exploração do sentido, não se
reduzindo à descrição da comunicação. Ela deve dar conta de um processo mais amplo que é
o da significação cuja existência, muitas vezes, é independente da vontade de comunicar.
Tendo por escopo explorar o sentido do sentido, a semiótica define-se como uma
“metalinguagem em relação ao universo de sentido ao qual ela se dá como objeto de
análise”. Enquanto operação de descrição, entende que o estudo da significação só pode ser
feito mediante a abordagem de diferentes níveis, definidos cada um deles pelo conjunto de
traços distintivos comuns aos objetos estudados.
A semiótica greimasiana se fixa num nível de análise: o da narratividade. As
estruturas narrativas são compreendidas como instância geradora da significação cuja
existência virtual corresponde ao sistema, sendo pressuposta por qualquer manifestação
discursiva e determinadora das condições de colocação em discurso. Tal concepção da
narratividade tem como inspiração os estudos desenvolvidos por Propp, Lévi-Strauss e
Dumézil, que apontam para a existência de regularidades, isto é, de formas universais que se
repetem em tudo o que é contado pelo homem, organizadas em esquemas narrativos,
articulações estruturadoras da atividade humana que a erigem em significação. Greimas
admite a hipótese da existência de formas universais organizadoras da narrativa. A
narratividade é, então, definida como a presença de uma organização discursiva imanente,
dotada de formas universais. Tais formas se encontram em nível profundo do sistema
semiótico. Sob a aparência do narrado figurativo, há organizações mais abstratas e profundas
que comportam significação e determinam a produção e a leitura de textos. No nível mais
profundo, a narratividade reduz-se ao conceito de transformação.
Segundo o autor, o esquema narrativo canônico é, muitas vezes, impropriamente
considerado como pertencente de direito ao nível semionarrativo. Mas, com efeito, não tem
nada de universal. Trata-se de uma construção ideológica própria a dar conta da maneira pela
qual, superficialmente, o sujeito narrativo organiza seu percurso para conferir um sentido a
seu projeto de vida, funcionando como uma grade cultural de leitura do mundo. Paul Ricoeur
diria que tal compreensão da narrativa passa por uma primeira apreensão cujos os
instrumentos são proporcionados pela cultura à qual pertencemos. (Greimas, 1994, p.20). O
uso coletivo dá origem a estereótipos culturais que passam a figurar no reservatório disponível
para uma nova convocação em discurso.
Tal como é proposto por Greimas, esquema narrativo canônico possui um caráter
lógico-semântico. Sua sintaxe organiza percursos que mantêm entre si relações de
pressuposição e implicatura, tendo por base três instâncias fundamentais (provas) que se
repetem impreterivelmente em tudo o que é contado: a qualificação do sujeito, a realização do
sujeito e a sanção. As provas correspondem, figurativamente, a operações mais profundas, e
delas decorrem os três percursos narrativos: o do destinador manipulador, o do sujeito e o do
destinador julgador (qualificação, ação, sanção). Segundo Greimas (Courtès, p.14), essa
evidentemente é apenas uma versão, entre outras que o imaginário humano oferece do
“sentido da vida”, apresentado como um esquema de ação. As variações sobre esse tema são
numerosas e abrem todo um leque de ideologias. Segundo Greimas (1994, p.61), os actantes
narrativos pertencem ao nível semionarrativo, bem como suas modalizações são universais
sintáticos. O esquema narrativo canônico, entretanto, não passa de uma estrutura
2

generalizável, provavelmente específica de certas áreas culturais e remetida, a título de


primitiva, ao nível semionarrativo pelo efeito da praxis enunciativa.
Há uma coerência lógica entre qualificação, ação, sanção, de ordem de
causa/conseqüência; meio/fim, antes/depois. Isso pressupõe, em primeiro lugar, tempo,
história. A historicidade não é a representação do passado ou do futuro, mas a percepção de
um presente como história, como a operação de transformações espaço-temporais.
O percurso do sujeito, dessa forma, pressupõe duas instâncias transcendentes que, de
um lado, o manipulam e, de outro, o sancionam. Os três percursos implicam uma ordem
lógica de pressuposição, embora não haja, em termos concretos, a necessidade de coexistência
deles em um único texto.
É interessante sublinhar que toda narrativa possui o seu esquema duplicado, posto que,
aos episódios realizados pelo sujeito, correspondem os realizados pelo anti-sujeito. Há,
portanto, confronto entre os sujeitos. Os resultados desse confronto são as transferências de
objetos de um sujeito para outro, motivo pelo qual a narrativa é, então, concebida como uma
manifestação entre dois estados sucessivos.
A análise parte de uma manifestação textual, definida como a inter-relação entre
expressão e conteúdo. O plano eleito para a análise greimasiana é o plano do conteúdo,
comportando dois elementos distintos, mas articulados: o componente gramatical, que dá
conta da composição e encadeamento dos enunciados narrativos e um componente semântico
de ordem conceptual e/ou figurativa, que corresponde ao investimento da ordenação formal.
O esquema narrativo pode ser trabalhado em dois níveis de profundidade desigual, o
semionarrativo e o discursivo, cada um deles possuindo sua gramática própria, cujos
componentes são a sintaxe e a semântica. A instância semionarrativa compreende, por sua
vez, dois níveis: um, mais profundo, a estrutura fundamental e outro, mais superficial, a
estrutura narrativa.

2 - Estrutura fundamental
A estrutura fundamental, enquanto modelo de articulação lógico-semântica, descreve
as estruturas mais profundas e abstratas do plano do conteúdo. Subsume dois componentes: o
morfológico e o sintático. O primeiro dá conta do modo de existência da significação
enquanto uma estrutura elementar, organização estrutural mínima que tem por base uma única
relação simples que se estabelece entre dois termos-objeto, manifestando as relações de
conjunção/disjunção que contraem.
O modelo lógico, que traduz as relações e articulações entre esses dois termos, é
representado pelo quadrado semiótico, organizador das relações opositivas de contradição,
contrariedade e complementaridade.
A dinamização do modelo morfológico da estrutura elementar cobre as relações do
ponto de vista sintático; elas são consideradas como operações orientadas, condição da
narratividade. O quadrado semiótico representa, então, as relações como uma seqüência de
operações sintáticas.
A semântica fundamental compõe-se de estruturas elementares de significação –
semas – que podem ser formuladas em termos de categorias semânticas, suscetíveis de serem
articuladas no quadrado semiótico. Isto porque um sema só pode ser apreendido quando posto
em relação com outro elemento que não ele, definido por seu valor estrutural, diferencial.

3 - Estrutura narrativa
As estruturas narrativas compreendem as estruturas semióticas mais superficiais. A
passagem do nível fundamental para o narrativo se dá pela conversão. Estabelece-se uma
equivalência com enriquecimento. Do ponto de vista sintático, há a inserção do sujeito; do
3

ponto de vista semântico, há a assunção de valores atualizados. (Na verdade, a sintaxe é a


instância do percurso gerativo que deve cobrir a passagem do nível lógico ao da lógica de
pressuposição).
As unidades da sintaxe narrativa são as classes sintáticas, e a estrutura sintática mais
simples é o enunciado elementar, definido como uma relação-função entre dois actantes.
A relação que caracteriza o enunciado elementar é a transitividade, e os actantes
definidos por tal relação são sujeito e objeto. O enunciado elementar, dependendo da função
contraída, pode ser de dois tipos: (a) a função junção constitui os enunciados de estado.
Sujeito e objeto são definidos numa relação de pressuposição recíproca. A junção articula-se
em dois termos contraditórios, conjunção e disjunção; (b) a função transfiguração constitui
os enunciados de fazer. Opera a passagem de uma relação de estado para outra: um fazer
afetando um mesmo sujeito em sua relação com o objeto. Se a transformação passa de
disjunção à conjunção, denomina-se aquisição; no caso inverso, trata-se de uma privação.
Segundo Greimas, a relação entre sujeito e objeto é investida semanticamente pelo
desejo. O objeto é o lugar onde são investidos os valores, motivos de desejo do sujeito.
Há dois tipos de sujeitos: os sujeitos de estado, definidos pelas relações que contraem
com os objetos de valor: e sujeitos de fazer, responsáveis pelas transformações que ocorrem
entre os estados. Todo enunciado de fazer tem um enunciado de estado por objeto. A
transformação operada dá-se em cima de um enunciado que tem seu respectivo sujeito,
diverso do sujeito de fazer.
A unidade elementar operativa da sintaxe narrativa é o Programa Narrativo (PN).
Constitui-se de um enunciado de fazer regendo um enunciado de estado. Pelo fato de
transformar estados, o sujeito do fazer altera a junção do sujeito de estado com os valores.
Cabe ressaltar que todo enunciado que rege outro enunciado é um enunciado modal e o
regido, um enunciado descritivo.
Os Programas Narrativos são de dois tipos: de competência e de performance. A
competência é o programa de doação de valores modais ao sujeito de estado, que se torna,
com essa aquisição, capacitado para agir. A performance é a representação sintático-
semântica do ato, ou seja, da ação do sujeito com vistas à apropriação dos valores desejados.
Os Programas Narrativos organizam-se em Percursos Narrativos, os quais
constituem-se no esquema narrativo canônico, do qual já se falou anteriormente.
O percurso do sujeito, que consiste na execução do fazer, pressupõe um programa de
doação de competência modal e semântica, tornando o sujeito competente para o fazer. É,
portanto, enquadrado pelos outros dois percursos.
O destinador-manipulador, fonte dos valores, determina os valores que serão
perseguidos pelo sujeito. O destinador tem uma dupla função: inicialmente dota o
destinatário-sujeito de competência modal e estabelece o conjunto de valores em jogo. A
posteriori, confere a performance do sujeito, sancionando-a. No primeiro caso, é denominado
destinador-manipulador: no segundo, destinador-julgador.
A leitura da estrutura contratual da narrativa mostra o estabelecimento de um acordo
entre destinador-manipulador e destinatário-sujeito; o cumprimento do sujeito do
compromisso assumido. A sanção – julgamento, recompensa ou punição – é operada pelo
destinador-julgador.
Todo programa de doação de competência pressupõe um programa de atribuição de
competência semântica. O destinador visa a persuadir o destinatário, de modo a fazê-lo crer
na verdade de um discurso. A manipulação transforma, dessa forma, o sujeito, ao modificar
suas determinações semânticas e modais. O terceiro percurso narrativo é o do destinador-
julgador. Apresenta, no encadeamento lógico de Programas Narrativos de dois tipos: (1) PNs
de sanção cognitiva (reconhecimentos, funções); (2) PNs de sanção pragmática, que
4

pressupõem as sanções cognitivas e caracterizam-se pela doação de valores modais


descritivos.
À operação cognitiva, realizada sanção, denomina-se interpretação. Consiste no
reconhecimento e integração do sujeito e dos seus percursos ao sistema de valores do
destinador. O destinador-julgador interpreta os estados resultantes do fazer do sujeito pelas
modalidades veridictórias, identificando-os como verdadeiros, mentirosos, falsos ou secretos.
Veridictoriamente modalizado, o sujeito é, em seguida, submetido às modalidades
epistêmicas da certeza ou da dúvida, que o levarão a ser afirmado ou recusado, admitido ou
questionado.
Além de fazer o reconhecimento, o destinador julga a conduta do sujeito e os estados
obtidos pelas transformações, tendo em vista o sistema de valor que sustenta seu contrato com
o destinador-manipulador. Isto evidencia que toda sanção se produz sustentada por uma
ideologia, da qual depende, em última instância, o percurso narrativo realizado. A última
etapa da sanção consiste na retribuição, recompensa pelo cumprimento do contrato assumido.
A sanção realiza, pois, uma dupla operação de caráter abstrato: a cognitiva de
interpretação – reconhecimento do sujeito e integração de seu percurso ao sistema de valores
de ambos os destinadores –, e a pragmática de retribuição – recompensa/castigo.
A hierarquia sintática da narrativa compreende, nessa medida, desde a unidade
mínima, o programa, até o esquema, via percursos narrativos.
Resta agora verificar como ocorre o revestimento semântico neste nível. Os termos da
semântica fundamental, inscritos como valores virtuais, passam, na instância narrativa,
através de seleção e conversão, a valores atuais. Consiste, então, na escolha dos valores
disponíveis que vão decidir em parte o tipo de discurso a ser produzido.
A seleção dos valores diz respeito a uma primeira decisão do sujeito da enunciação, no
momento da produção discursiva. São os enunciados de estado comportando os valores
investidos no objeto, que então podem ser traduzidos como o objeto de valor. Os valores
atualizados, quando investidos nos actantes objetos dos enunciados de estado, permanecem
atuais enquanto em disjunção com o objeto e realizam-se quando em conjunção. Distinguem-
se, dessa forma, duas grandes classes de valores: os descritivos, que podem ser ordem
subjetiva e objetiva, e os modais (querer, poder, dever, saber, ser, fazer). Dependendo da
categoria semântica convertida, ter-se-á uma ou outra classe de valores.
As relações modais modificam as relações do sujeito com os valores. Referem-se às
relações constitutivas dos enunciados. Organizam-se sintaticamente apresentando-se como um
enunciado modal que determina um enunciado descritivo. O enunciado modal pode ser de
estado ou de fazer.
O modelo greimasiano trabalha basicamente com quatro modalidades. Tomando em
consideração o percurso que vai da competência ao desempenho, eles podem ser agrupados da
seguinte forma:
Sujeito Virtualizante Atualizante Realizante
S1 => S2 dever poder fazer
S1 => S2 querer saber ser
As modalidades virtualizantes instauram o sujeito, as atualizantes o qualificam para a
ação posterior. Nessa medida, o sujeito pode ser, respectivamente, virtual, atualizado e
realizado.

4 - Estrutura discursiva
5

A última instância (mais superficial) do percurso de geração de sentido é a estrutura


discursiva. O termo discurso stricto sensu poderá ser definido como o modo de contar a
narrativa. O nível discursivo é do domínio da enunciação; o narrativo, do enunciado.
E a instância da enunciação que serve de lugar para a geração do discurso. O discurso
produzido passa por um processo de dupla seleção. De um lado, seleciona as estruturas
semionarrativas de que tem necessidade. De outro, implica mecanismos de embreagem e
desembreagem, considerados operações seletivas que escolhem, no interior da combinatória
das unidades discursivas, as que estão em condições de produzir determinados arranjos e
unidades. A produção de discurso é, pois, uma seleção contínua dos possíveis, a qual abre
caminho a uma rede de coerções.
Ao nível discursivo, correspondem a uma sintaxe e uma semântica, responsáveis por
um a seleções e combinações que devem ser realizadas. Os procedimentos que constituem a
sintaxe discursiva têm em comum o emprego de operações de embreagem e debreagem e o
fato de ligarem-se à instância de enunciação.
Por isso, julga-se conveniente definir o conteúdo de tais conceitos no bojo da teoria
greimasiana. Para Greimas, a enunciação é uma instância lingüística que possui a estrutura
sintática de um enunciado cujo único actante manifesto é o objeto. A presença do actante-
objeto implica a existência do actante-sujeito o da função que os une. Dessa forma, se um
termo do enunciado é conhecido, os outros podem ser deduzidos. O sujeito da enunciação é
um termo lógico, uma vez que não se pode conhecer por métodos lingüísticos um realidade
extralinguística. O tipo de relação contraída entre o enunciado e a enunciação é de ordem
metonímica, sendo a enunciação o todo e o enunciado a parte.
O nível da enunciação acompanha a totalidade do discurso. Não permite, no entanto, a
postulação de uma isotopia de enunciação recobrindo a totalidade do discurso. Esse nível
pode ser concebido ou como sempre implícito, ou sob a forma de enunciação explicitada e
que , portanto, se institui como enunciado. Nessa perspectiva, o discurso comporta três níveis:
o da enunciação, o do enunciado e o da enunciação enunciada.
O sujeito da enunciação está sempre implícito. O “eu” que fala só aparece no discurso
implícito. A enunciação enunciada é apenas um simulacro que imita, no interior do discurso, o
fazer enunciativo (metalinguagem descritiva de enunciação).
Embreagem é o efeito de retorno à enunciação, a busca de artifícios que permitem a
sensação de identificação entre o sujeito do enunciado e o da enunciação, bem como das
categorias de tempo e espaço. Toda a embreagem pressupõe a debreagem, processo inverso
que expulsa do enunciado a instância da enunciação, utilizando as mesmas categorias
actancial, temporal e espacial. Instaura-se no enunciado o não-eu, o não-agora, o não-aqui.
O ato de linguagem constitui-se assim como criador do sujeito, do lugar e do tempo da
enunciação e, simultaneamente, como representação actancial, espacial e temporal do
enunciado.
A debreagem é disjunção da enunciação em favor do primado do enunciado. A
debreagem actancial pode ser enunciva, no caso de projetar os actantes da enunciação; e
enunciativa, no caso de projetar os actantes do enunciado. Ao lado dos sujeitos pragmáticos,
distinguem-se ainda, no discurso, os sujeitos cognitivos.
Tendo em vista esses dois procedimentos, observa-se que a sintaxe discursiva
comporta pelo menos três componentes: actorialização, temporalização e espacialização.
Tais componentes visam à produção de um dispositivo de atores e de um quadro espaço-
temporal, onde são inscritos os programas provenientes da instância superior.
A colocação em discurso em estruturas semióticas e narrativas é definida do ponto de
vista semiótico pelos processos de tematização e figurativização. Formas de conteúdo
próprias do discurso, as configurações constituem-se nas figuras de discurso distintas das
formas frasais.
6

Enquanto as estruturas narrativas podem ser consideradas como características do


imaginário humano, as configurações discursivas - motivos e formas - são submetidas a
filtragens de ordem semiocultural. Aparecem como espécies de micro-narrativas que têm uma
organização sintático-semântica autônoma e são suscetíveis de se integrarem em unidades
discursivas mais simples. O sujeito da narração é convocado a trilhar dois percursos: o
narrativo e o discursivo, que, embora paralelos e previsíveis, se constituem em percursos de
natureza diversa.
O primeiro é deliberadamente escolhido no quadro da gramática narrativa. O segundo
decorre do dicionário discursivo, inventário de configurações constituídas a partir de
universos coletivo ou individual.
A junção dessas duas instâncias produz como efeito o investimento das formas
canômicas por conteúdos. Ressalta-se que o caráter polissêmico das configurações se deve à
polissemia das figuras que as constituem. Um figura polissêmica propõe virtualmente vários
percursos figurativos, dando lugar a discursos com organizações plurisotópicas.
Escolhas de determinadas figuras provocam percursos figurativos paralelos, mas
distintos. Surgem, então, figurações distintas de um único papel temático. Distinguem-se as
configurações temáticas das figurativas, estas ligadas a motivos.

5 - Passionalidade
A parte mais bem explorada do percurso gerativo de sentido é o espaço intermediário
entre os componentes epistemológico e o discursivo: a organização actancial e a modalização
da narratividade.
Nesse contexto, a competência modal do sujeito é a fonte de toda operatividade.
Considerada como pré-requisito, como potencialidade do fazer, a competência existe primeiro
como estado do sujeito. Esse estado é uma forma atualizada de seu ser, anterior à realização.
Não obstante, Greimas (1993), considera que uma das questões centrais da semiótica é
o reconhecimento de uma dimensão autônoma e homogênea na qual se situam as formas
semióticas que, organizadas, permitem distinguir diferentes estases, condição necessária à
semiose.
A questão que se coloca é a possibilidade de interrogar um conjunto de condições e
pré-condições do sentido, de esboçar uma imagem do sentido anterior e necessária à sua
discretização e não procurar reconhecer seus fundamentos ontológicos, o que remeteria a
semiótica a uma filosofia que ela não conseguiria ser.
Entre a instância epistemológica, nível profundo de teorização, e a discursiva está a
enunciação, enquanto lugar de mediação, em que se opera a convocação dos universais
semióticos, utilizados no discurso. A colocação em discurso efetua essa mesma convocação
enunciativa explorando os componentes da dimensão epistemológica e engendrando formas
que consistem um repertório de estruturas generalizáveis, interiores às culturas e aos
universos individuais. Dessa forma, a enunciação é um lugar de vai-e-vem entre estruturas
convocáveis (universais) e integráveis (culturais), conciliando geração (universais semióticos)
com gênese (produtos históricos).
As configurações passionais estão situadas na encruzilhada de todas as instâncias já
que, para sua manifestação, recorrem a condições e pré-condições de ordem epistemológica, a
operações particulares da enunciação e a grades culturais.
O sujeito epistemológico da construção teórica não pode apresentar-se como puro
sujeito cognitivo, pois, em seu percurso de construção e de manifestação da significação, ele
passa por uma fase de sensibilização tímica.
O estado das coisas e o estado da alma do sujeito, como competência para e depois da
transformação, se reconciliam numa dimensão semiótica de existência homogênea, às custas
de uma mediação somática e sensibilizante.
7

Mas, o ser do mundo e do sujeito não dizem respeito à semiótica, e sim à ontologia. A
semiótica deve captar o seu parecer e constituir um discurso epistemológico que formularia as
pré-condições e os simulacros explicativos. Esses discursos hipotéticos captariam o parecer
do ser.
As matérias que permitiriam reconstituir imaginariamente o nível epistemológico
parecem ser os conceitos de tensividade e foria. As paixões aparecem no discurso como
portadoras de efeitos de sentido muito particulares, exalando um cheiro confuso, difícil de
determinar, diz Greimas. Esse perfume emana da organização discursiva das estruturas
modais. Trata-se de um certo arranjo molecular: a sensibilização passional do discurso e a sua
modalização narrativa, co-ocorrentes, não se compreendem uma sem a outra, sendo, no
entanto, autônomas e submissas, ao menos em parte, a lógicas diferentes.

Bibliografia
GREIMAS, A. J. Semântica estrutural. São Paulo: Cultrix, 1973.
GREIMAS, A. J.; FONTANILLE, J. Semiótica das paixões. São Paulo: Ática, 1993.
GREIMAS, A. J. As aquisições e os projectos. In: COURTÉS, J. Introdução à semiótica
narrativa e discursiva. Coimbra: Almedina, 1979.

Você também pode gostar