Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Em 1816 (30 anos após o aparecimento das Bodas de Fígaro de Mozart), Rossini
(1792-1868) escreveu, em um mês, a partitura de O Barbeiro de Sevilha (Il
Barbiere di Siviglia), sobre libreto também italiano de Cesare Sterbini.
Ambas as óperas, baseadas em comédias de Beaumarchais, exploram o gênero
da opera buffa (ópera cômica associada com comédia burlesca), estilo inspirado
nas obras populares da "commedia dell' arte" firmemente estabelecido desde
1733, quando Giovanni Battista Pergolesi (1710-1736) estreou, em Nápoles, La
Serva Padrona (A Serva Patroa), recebida por toda parte como um succès fou. A
opera buffa na Itália teve seu correspondente na França (opéra comique) e na
Alemanha (Singspiel).
"São raros aqueles que descobrem uma via nova, por pequena que seja, mais
raros ainda são aqueles que sabem explicá-la e torná-la fecunda. A esse título
quero assinalar um mestre na arte de escrever, confrade no jornalismo médico, o
doutor Cabanès.
Mas nenhum tinha abordado essas questões com tal continuidade de esforços
nem chegado a tais resultados; ninguém tinha ainda conseguido criar um gênero
especial, apreciado por um numeroso público de médicos e de literatos.
As letras o atraíram cedo: em 1885 ele debutava nas suas pesquisas tão
especiais com um artigo no Progrès médico sobre os soberanos nevropatas.
Nós nos interessamos pela doença de Marat, pelos amantes de Charlotte Corday,
pelas superstições de Napoleão I, pela impotência de Luís XVI, da forma como foi
consumido seu casamento com Maria Antonieta, etc. Nós nos apaixonamos enfim
pelo romance de Georges Sand em Veneza com Alfred de Musset e o doutor
Pagello, que este último personagem explicou numa entrevista famosa.
Aqui vou discutir o que se costuma chamar de medicina histórica, tomando por
base a minha tradução de um dos artigos que fazem parte de As Indiscrições
da História, importante obra de Docteur Cabanès em quatro séries. O artigo
em questão, um texto médico-literário de autoria de Docteur Cabanès que se
tornou especialmente famoso, apareceu na quarta série da referida obra. Nele o
autor francês resolveu investigar o que deve ter ocorrido a Beaumarchais nas
suas últimas horas de vida, em certo dia de 1799.
O que nos faz crer numa morte natural, é que, na véspera mesma, o autor de O
Barbeiro tinha passado um sarau muito alegre no meio de seus familiares e em
companhia de alguns amigos. Ele tinha evocado, durante sua conversa,
recordações de sua juventude, narradas "com uma amenidade encantadora",
segundo os termos duma testemunha.
O livreiro Bossange, morto aos 100 anos em outubro de 1865, informava ter
passado essa última noite com Beaumarchais. Jogou com ele uma partida de
damas, e Beaumarchais só tinha ido deitar-se por instâncias de seu criado. Às
onze horas, retirou-se abraçado à sua esposa. Como esta tinha uma leve
indisposição, afetuosamente recomendou a ele cuidar de sua saúde. Quanto a
este, não se queixava de forma nenhuma. Após ter ordenado que o acordassem
cedo, adormeceu e, na manhã seguinte, foi encontrado inanimado.
Esse fim súbito de um homem que parecia desfrutar uma saúde tão perfeita
despertou, em alguns, suspeitas que, ainda hoje, não foram inteiramente
dissipadas.
Numa conversa mantida alguns dias antes de sua morte, parece que
Beaumarchais, dizendo-se cansado da vida, expressara o desejo de se livrar
prontamente de sua carcaça, através de um desses meios químicos de que se
começava a falar na ocasião.
Quem tinha feito correr esse boato calunioso não era outro do que o poeta
Népomucène Lemercier, com o qual Beaumarchais era muito ligado⁷. Nos últimos
dias, o autor de O Casamento de Fígaro se consolava muitas vezes, na intimidade
do jovem poeta, com obsessões de toda sorte, que gastos exagerados tinham
suscitado na sua velhice. Fez-lhe confidência de seus embaraços financeiros e
não surpreende que, num momemto de desânimo, Beaumarchais tenha
comunicado a seu amigo projetos que, serenamente, não teria nunca sonhado em
por em execução. Não foi preciso algo mais para estabelecer a lenda.
Mas há mais, e este detalhe tem um valor bem diverso a nossos olhos:
Beaumarchais estava sujeito a frequentes síncopes.
Em 5 de maio de 1797, então com a idade de sessenta e cinco anos, ele escrevia
à sua filha¹¹: "Desde a noite do dia 6 a 7 de abril, ocasião em que tive um longo
abatimento, que era o segundo aviso que a natureza me dava desde cinco
semanas atrás, meu estado está mais tolerável. Espero os pós vegetais. (?) Quer
a estação ascendente em que nos encontramos reanime um pouco minhas forças,
quer este eretismo¹² proceda de febre, eu pude fazer, minha criancinha, imensos
trabalhos, cujo fruto você recolherá pelas precauções que tomei¹³".
"Senhor,
"Venho de tomar conhecimento, com um espanto penoso, dos boatos que
espalharam sobre os últimos momentos de Beaumarchais, meu sogro. A
afirmação mentirosa de seu suicídio, que foi reproduzida em escritos sérios,
obriga-me a repelir, com toda a indignação que merece, uma fábula com a qual a
família e os amigos de Beaumarchais teriam se perturbado, se a tivessem
conhecido mais cedo.
⁵ Docteur Cabanès. Les Indiscrétions de l' Histoire (s.d.), quarta série, pp. 185 a
193, Paris: Albin Michel, Éditeur.
¹³ Beaumarchais adorava sua filha única, por quem era adorado; só ele parecia e
se acreditava capaz de desembaraçar o caos inextricável de seus negócios. É
admissível, opina judiciosamente L. de Loménie, que ele tenha podido pensar em
deixar voluntariamente esse pesado fardo nos braços de sua filha e de um jovem
marido inexperiente?
Francisco José dos Santos Braga é compositor e pianista, nascido em São João del-Rei, MG. Aí fez
seus primeiros cursos de Solfejo, Ditado, Teoria Musical e Piano no Conservatório Estadual de Música
Padre José Maria Xavier. Na mesma cidade graduou-se em Letras em 1971 pela Faculdade Dom Bosco
de Filosofia, Ciências e Letras (atual UFSJ- Universidade Federal de São João del-Rei).
Em São Paulo, deu continuidade a seus estudos acadêmicos e musicais. Em 1983 obteve seu grau de
Mestre em Administração pela EAESP-FGV. Simultaneamente, prosseguiu seus estudos musicais com
o Maestro Souza Lima (piano) e Sérgio O. de Vasconcellos Corrêa (composição).