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melhor

Polietileno para Embalagem de


Leite: Adesão Bacteriana e
Controle pela Radiação Ultravioleta

1
Cleuber Antônio de Sá Silva
2
Baroncio Paulo de Oliveira Cabral
2
Erny Marcelo Simm
3
Nélio José de Andrade *

1. Uso de polietileno de Figura 1 – Estrutura química e espacial do Devido a não-resistência dessas


polietileno de baixa densidade.
baixa densidade na embalagens à esterilização pelo calor,
indústria de laticínios novos métodos têm sido desenvolvi-
dos para o controle da microbiota des-
A procura por materiais e sistemas ses materiais sensíveis ao calor (Toledo,
mais eficientes para o empacotamento 1975; Flückiger, 1995).
de leite promoveu a intensificação de Como aplicações típicas, pode-se
pesquisas sobre materiais plásticos ade- citar o uso do PEBD na fabricação de
quados ao envase de produtos alimen- filmes plásticos e laminados para em-
tícios. Podem ser incluídos dentre es- (Fonte: UFSC/Departamento de Química) balagens de produtos alimentícios lí-
tes materiais o polipropileno, o quidos e sólidos, filmes
policarbonato, o poli (cloreto de torno de 115ºC, densidade na faixa de termoencolhíveis, filmes laminados e
vinila), o poliestireno e o polietileno 0,91 a 0,94, índice de refração de 1,51 plastificados para produtos farmacêu-
de alta e baixa densidade, sendo este a 1,52, com alta resistência a substân- ticos e hospitalares, filmes para emba-
último empregado na indústria de la- cias ácidas e alcalinas, sendo um sóli- lagens industriais e agrícolas, utensíli-
ticínios para o envase de leite fluido, do com 50 a 60% de cristalinidade os domésticos, brinquedos, sacos para
desde a década de 70. (Billmeyer, 1984; Mano, 1991). lixo, revestimento de fios e cabos, tu-
O polietileno é um polímero O impedimento espacial provocado bos e mangueiras (Mano, 1991).
termoplástico formado pela aglome- pelas ramificações dificulta o
ração de unidades monoméricas de- “empilhamento” das cadeias poliméricas. 2. Adesão bacteriana e
rivadas do petróleo, denominadas Por esta razão, as forças intermoleculares for mação de biofilme
formação
etileno (Figura 1). que mantêm as cadeias poliméricas uni-
O polietileno de baixa densidade das tendem a ser mais fracas, tornando A adesão microbiana e a formação
(PEBD) apresenta ponto de fusão em o PEBD bastante flexível. de biofilme ocorrem em virtude da

1. Doutorando em Ciência e Tecnologia de Alimentos – UFV


2. Graduando em Engenharia de Alimentos – UFV
3. Professor Titular DTA – UFV
* Correspondência nandrade@mail.ufv.br

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deposição de microrganismos em uma Heddeghem e Vlaemynck, 1985), que
superfície de contato, onde eles se fi- apresentam grande hidrofobicidade,
xam e iniciam o crescimento (Zottola, podendo aderir às superfícies
1994, 1997; Zottola e Sasahara, 1994; (Andersson et al., 1995).
Snyder, 1992; Flint et al., 1997).
Uma vez aderidos, os microrganis- 3. Micr or
Micror ganismos
organismos
mos podem absorver e metabolizar envolvidos na adesão
nutrientes, liberando resíduos de seu
metabolismo, produtos com função Estudos têm mostrado que micror-
estrutural ou materiais que auxiliam ganismos alteradores e patogênicos po-
na adesão e replicação celular, forman- dem aderir a superfícies que entram em
do assim o biofilme (Bower et al., contato com alimentos, causando séri-
1996). No biofilme, as bactérias estão os problemas de ordem econômica e de
fortemente aderidas a uma superfície saúde pública (Criado et al., 1994). No
por meio de filamentos de natureza grupo de microrganismos alteradores
protéica ou polissacarídica, denomina- encontram-se: Pseudomonas fragi
da glicocálix (Mosteller e Bishop, (Schwach e Zottola, 1982; Zottola,
1993; Criado et al., 1994; Elasri e 1994; Blakistone et al., 1996),
Miller, 1999). No biofilme, os micror- Pseudomonas aeruginosa (Cowell et
ganismos estão mais resistentes à ação al.,1999; Elasri e Miller, 1999; Gibson
de agentes químicos e físicos, como et al., 1999), Pseudomonas fluorencens
aqueles usados no procedimento de (Mosteller e Bishop, 1993; Zottola,
higienização, sendo uma importante 1997), Micrococcus sp. (Criado et
fonte de contaminação na indústria de al.,1994) e Enterococcus faecium
alimentos (Mosteler e Bishop, 1993). (Andrade et al., 1998). Entre os micror-
Diversas superfícies para proces- ganismos patogênicos têm-se: E coli
samento são passíveis de apresentar ade- O157:H7, Salmonela thypimurium,
são e/ou formação de biofilme de ori- Bacillus cereus (Bower et al., 1996;
gem bacteriana. Dentre elas, inclui-se Smith e Fratamico, 1995), Listeria
aço inoxidável, vidro, borracha, fórmica, monocitogenes (Bower et al., 1996;
polipropileno, polietileno, policarbonato Zottola, 1997; Mosteller e Bishop,
e ferro forjado (Zottola, 1997). As su- 1993), Yersinia enterocolitica (Mosteller
perfícies que entram em contato com e Bishop, 1993; Zottola, 1994),
os alimentos durante o processo de in- Staphylococcus aureus (Cunlife et al.,
dustrialização não devem contaminá-los 1999; Gibson, 1999), Clostridium
ou aumentar a incidência de microrga- perfringens (Andersson et al., 1995),
nismos, sejam estes alteradores ou Aeromonas hydrophila (Assanta et al.,
patogênicos. Na indústria de laticínios, 1998; Bal’A et al., 1998).
a linha de processamento apresenta A capacidade desses microrganis-
comumente superfícies que permitem a mos aderidos se desprenderem e con-
adesão de bactérias patogênicas e taminarem os alimentos que entram em
esporulantes (Mosteler e Bishop, 1993). contato com a superfície é denomina-
Uma função importante da emba- da “ potencial de biotransferência”
lagem é a preservação dos alimentos (HOOD e ZOTTOLA, 1995).
(Sonneveld, 2000). No entanto, os
materiais das embalagens são possíveis 4. Radiação ultravioleta
fontes de contaminação na indústria
de laticínios, onde foram isolados in- As radiações ionizantes, como a
clusive esporos de Bacillus cereus (Van radiação gama, e não-ionizantes são

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empregadas no controle de microrga- são a intensidade de emissão da RUV 1999; Yousef e Marth, 1988). Esta
nismos aderidos a superfícies (Andrade está na faixa de 100.000 a 1.000.000 ação é influenciada grandemente pela
-2
e Macêdo, 1996). Como exemplo de mWcm (Bachmann, 1975). geometria e pelo tipo de superfície
radiação não-ionizante tem-se a radi- A eficiência operacional das lâm- (YOUSEF e MARTH, 1988), bem
ação ultravioleta (RUV), que é ampla- padas germicidas depende da tempe- como pela presença de partículas de
mente empregada na indústria de ali- ratura do meio e da movimentação do alimentos ou substâncias que impeçam
mentos para descontaminação de ar. As lâmpadas germicidas comerci- o acesso da RUV, o que resulta em
embalagens e de algumas superfícies ais são desenvolvidas, geralmente, para proteção aos microrganismos
de equipamentos, ambientes e água. trabalhar a 27ºC. (BANWART, 1989).
A RUV se refere a toda radiação A distância da fonte geradora de 5. Mecanismo de ação da
eletromagnética com comprimento de RUV à superfície de atuação é um radiação ultravioleta
onda na faixa de 100 a 400 nm (Figu- outro fator a ser considerado, uma vez
ra 2). Comprimentos de onda em tor- que a intensidade luminosa apresenta A ação da RUV sobre os microrga-
no de 254 nm são considerados dano- correlação inversa com o quadrado nismos está relacionada ao compri-
sos às células microbianas, sendo por da distância (SHECHMEISTER, mento de onda e à absorção desta pe-
isso empregados na redução da 1991). los ácidos nucléicos ou constituintes
microbiota de superfície, de líquidos Na indústria de alimentos, a utili- dos mesmos. A redução microbiana
e do ar (Tramplim e Capers, 1992). zação de RUV apresenta várias vanta- resultante do uso de RUV é explicada
gens, quando comparada aos desinfe- por meio da formação de ligações en-
Figura 2 - Localização da radiação ultravioleta tre pirimidinas sucessivas na fita de
no espectro tantes químicos: i) não deixa resíduos
nas superfícies (BACHMANN, 1975; DNA, formando dímeros.
Wong et al., 1998), ii) é um processo
Figura 3 - a) Formação de dímero entre duas
a seco, que não necessita de aqueci- timinas adjacentes e b) formação de dímero
entre timina e citosina.
mento, iii) de simples emprego e iv)
de pequeno custo efetivo para a redu-
ção da microbiota de pequenas áreas,
não apresentando restrição legal, como
é o caso de alguns agentes químicos e
Fonte: International Ultraviolet Association – de radiação de alta energia
IUVA (2000)
(BACHMANN, 1975).
A inativação dos microrganismos A ação da RUV pode ser usada no
é resultado da exposição à radiação controle microbiológico de ambientes
ultravioleta, sendo expressa como um de processamento de indústrias de la-
produto da intensidade da energia ticínios (HUANG e TOLEDO,
Assim, os danos ao DNA e RNA
germicida e do tempo (Shechmeister, 1992). Essa importante aplicação re-
celular, em decorrência da absorção da
1991; Flückiger, 1995; Bachmann, fere-se à destruição de microrganismos
RUV, são considerados os principais
1975). Em condições práticas, o tem- presentes no ar, diminuindo a
mecanismos de inativação microbiana,
po de exposição é diferente para cada microbiota ambiental e protegendo os
uma vez que bloqueiam a replicação
situação (SHECHMEISTER, 1991). alimentos que estão sendo processados
celular (HO et al., 1998; Sizer e
Por exemplo, o tempo usado para re- (SHECHMEISTER, 1991; Banwart,
Balasubramanian, 1999; Maharaj et
dução da microbiota em PEBD, para 1989; Stermer et al., 1987), ou que
al.,1999).
embalagem de leite tipo C, é de apro- estão já processados em áreas de
ximadamente dois segundos. estocagem (Stermer et al., 1987).
6. Lâmpadas ger micidas
germicidas
Nas lâmpadas germicidas conven- A utilização da RUV em equipa-
cionais, de baixa pressão de vapores de mentos empregados no processamento O método mais prático de se gerar
mercúrio, a intensidade da RUV está de alimentos se restringe à desinfec-
-2 RUV é por meio da passagem de des-
na faixa de 10 mWcm a 1.000 ção de superfícies externas (Wong et
-2 carga elétrica por vapores de mercúrio
mWcm . Já em lâmpadas de alta pres- al., 1998; Sizer e Balasubramanian, em baixa pressão acomodados dentro
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Figura 4 – Exemplos de lâmpadas germicidas.
Fonte: Primarc UV Technology (2000).
Figura 5 – Modelo para a exposição das
embalagens à RUV.
de um tubo de vidro especial
(Shechmeistes, 1991; Flückiger, 1995; se uma lâmpada UV com comprimen-
Stermer et al., 1987), que é conheci- to de onda de 254 nm, 15 W de po-
do comercialmente por lâmpada tência, ligada à rede elétrica (127 V)
germicida (Figura 4). O princípio de por meio de um reator de 20 W e um
toda lâmpada germicida é o mesmo starter. A lâmpada está situada a 2cm
das lâmpadas fluorescentes: um fluxo acima da canaleta por onde corre o su-
de elétrons entre os eletrodos que porte, contendo a embalagem a ser ir-
ionizam os vapores de mercúrio. A di- radiada (Figura 6).
ferença entre os dois tipos de lâmpa-
das é que o bulbo de lâmpadas fluo-
rescentes é revestido com compostos
fosforados, que convertem a RUV em
luz visível. O vidro empregado na con-
fecção do bulbo das lâmpadas fluores-
centes filtra a saída de toda a RUV. Já
nas lâmpadas germicidas não se tem a
presença de compostos fosforados no
bulbo, e este é constituído de um vi-
dro especial que permite a transmis- Figura 6 – Modelo aberto para exposição das
embalagens à RUV, onde se visualiza a canaleta
são da RUV gerada pelo mercúrio mais por onde corre o suporte com a embalagem
a energia visível (SHECHMEISTER,
1991).
Alguns resultados desses experi-
7. Contr ole de pr
Controle ocessos
processos mentos são mencionados, a seguir.
de adesão em PEBD 1. Avaliando-se a contaminação
pela RUV microbiológica de embalagens de
PEBD, constatou-se que o número de
Experimentos conduzidos no La- mesófilos aeróbios foi de 0,16NMP/
2
boratório de Microbiologia de Alimen- cm . Após a exposição da superfície a
2
tos e Higiene industrial do Departa- 137 mW/cm , durante 2 segundos, a
mento de Tecnologia de Alimentos da contaminação reduziu para
2
UFV têm avaliado processos de ade- 0,014NMP/ cm , o que representa
são bacteriana e ação da RUV em cerca 1 Redução Decimal (RD), que
PEBD. Foi utilizado um modelo que corresponde a 90% de redução. Estes
simula condições de empacotamento valores são inferiores aos recomenda-
2
de leite (Figura 5) . Este modelo foi dos, de 0,1NMP/cm , para que não
construído em chapa galvanizada apre- haja problemas com a vida de prate-
sentando as seguintes dimensões: leira do leite, em relação à contamina-
10X25X50 cm. Em seu interior, tem- ção de embalagens.

Caderno Fazer Melhor - Mai/Jun 2002 57 - INDÚSTRIA DE LATICÍNIOS - MAR/ABR 2002


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2. Constatou-se a capacidade do vamente. Os valores D
PEBD em suportar a adesão de célu- para esporos aderidos ao
las de Escherichia coli, Staphyloccus PEBD, a partir de suspen-
4 5
aureus, suspensas em meio BHI, con- sões, contendo 10 e 10
5 6 7
tendo cerca de 10 , 10 e 10 UFC/mL. UFC/mL, e tempo de ex-
Em linhas gerais, observou-se que a posição da embalagem à
4 2
adesão atingiu cerca de 10 UFC/cm RUV de 25 segundos, fo-
de PEBD; foi maior à temperatura de ram de 14,82 e 11,45 se-
o o
18 C do que a 8 C e aumentou com o gundos, respectivamente.
número inicial. Houve uma tendên- Figura 7 - Microtopografia da superfície de PEBD representativa 5. Constatou-se a re-
cia de maior adesão do S. aureus quan- das regiões relativamente lisas, obtida pela microscopia de força dução da intensidade da
atômica.
do comparado à E. coli. RUV de 288 para 78
2
3. A exposição das células mW/cm após 1500 ho-
vegetativas intencionalmente aderidos ras de uso, sendo o
declínio mais acentuado
nas 100 horas iniciais, em
que se observou a queda
de 39,5% na intensidade.
A eficiência da RUV so-
bre E. coli decresceu de
0,94 RD, após 70 horas
de uso, para 0,36 RD,
após 1500 horas.
Figura 8 - Microtopografia da superfície de PEBD, contendo fendas 6. Por microscopia de
e elevações, obtida pela microscopia de força atômica.
força atômica, verifica- se
ao PEBD à intensidade entre 216 e que a superfície do PEBD apresenta
2
175 mW/cm de RUV por dois se- regiões relativamente lisas (Figura 7) e
gundos reduziu o número de micror- outras, que abrangem cerca de 50% da
ganismos viáveis. Os valores D para área, contendo imperfeições, como fen-
células aderidas ao PEBD a partir de das com dimensões de 0,2 mm de pro-
7
suspensões, contendo cerca de 10 fundidade e 5mm de diâmetro e eleva-
UFC/mL, foram de 1,84 e 1,14 segun- ções de 1mm (Figura 8). A eficiência
dos para E. coli e S. aureus, respectiva- da RUV pode ser reduzida devido à
mente. Portanto, a E. coli mostrou-se presença dessas irregularidades, uma vez
mais resistente à RUV. que estas podem alojar bactérias, facili-
4. Constatou-se a capacidade do tando o processo de adesão, ou ainda
PEBD em suportar a adesão de esporos pela ocorrência de regiões que prote-
de Bacilus sporothermodurans, suspensos gem as células do contato direto com a
4 5
em água destilada, contendo 10 e 10 RUV.
UFC/mL. Observou-se que a adesão 7. Os dados acima mencionados
3 2
atingiu cerca de 10 UFC/cm de mostram que a RUV pode ser um tra-
PEBD e aumentou com o aumento do tamento auxiliar útil no controle da con-
número inicial. A exposição dos esporos taminação microbiológica em PEBD.
B. sporothermodurans intencionalmente
aderidos ao PEBD à intensidade de 102
2
mW/cm de RUV por 2, 10, 15, 20 e 8. Referências bibliográficas
25 segundos reduziu o número de mi-
crorganismos viáveis em níveis de 0,32, No original do autor estão conti-
1,26, 1,38, 1,80 e 2,18 RD, respecti- das 40 referências bibliográficas.

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