Você está na página 1de 36

JUL-AGO 2017

Uma revista para pastores e líderes de igreja


Exemplar avulso: R$ 14,98

origens e implicações de um
movimento controverso
EDITORIAL Wellington Barbosa

Diálogo emergente

A
s livrarias cristãs estão repletas de livros escri- Na sequência, devemos reconhecer que a igreja
tos por seus principais promotores. Pesquisas emergente faz uma leitura proveitosa do contexto em
acadêmicas citam amplamente seus teólogos e que vivemos. Uma vez que a preocupação do movimen-
iniciativas locais se inspiram em suas práticas. O movi- to está relacionada com a proclamação do evangelho
mento emergente já não é algo restrito a alguns pro- ao mundo pós-moderno, sua análise de nosso tempo
jetos vanguardistas da igreja protestante nos Estados provê insights muito úteis. Por exemplo, seus teóri-
Unidos. Há algum tempo, o fenômeno se espalhou pelo cos foram sensíveis ao fato de que a mentalidade pós-


mundo, e tem influenciado o modo de ser igreja em di- moderna é preocupada com os problemas sociais e
ferentes lugares do planeta, inclusive na América do Sul. suscetível aos ensinos de Jesus, mas crítica à apatia es-
Apesar dessa notória expansão, observa-se que, piritual que permeia muitas igrejas protestantes tradi-
de modo geral, a teologia do movimento emergente cionais. O livro de Dan Kimball, Eles gostam de Jesus, mas
tem sido pouco analisada criticamente. Por esse moti- não da igreja, lançado originalmente em 2007 e mui-
vo, existe muita desinformação sobre suas implicações, to divulgado no Brasil, é um exemplo de como a igreja
tanto da parte dos críticos quanto de seus considerados emergente tem conseguido captar os sinais identifica-
adeptos. Tal condição pode provocar equívocos na ava- Precisamos dores da sociedade atual.
liação daqueles que censuram projetos contemporâneos verdadeira- Por último, embora a igreja emergente esteja con-
de evangelização, como também sérios erros daqueles mente fazer seguindo dialogar com a mentalidade pós-moderna,
que irrefletidamente se dedicam a pregar o evangelho a exegese devemos reconhecer que a fonte em que boa parte de
no contexto pós-moderno. do mundo seus adeptos está buscando respostas está equivocada.
O assunto é amplo e impossível de ser esgotado em sob o olhar Um dos principais problemas do movimento é colocar a
poucas linhas. Contudo, alguns pontos básicos devem da revelação cultura contemporânea acima da Bíblia, ferindo assim o
ser considerados ao se discutir sobre o que significa a bíblica.” princípio da contextualização crítica, postura adotada
igreja emergente, especialmente sob a perspectiva de por missiólogos sérios, na qual o evangelho é quem jul-
cristãos que valorizam a primazia da Palavra. ga e confronta todas as culturas, e não o inverso. Para
Em primeiro lugar, precisamos reconhecer que o fe- aqueles que valorizam a primazia da Palavra em todos
nômeno é complexo. Tratar a igreja emergente como os aspectos da vida da igreja, apesar de não concordar
um bloco monolítico é agir com imprudência. Mesmo com diversos conceitos e práticas do movimento emer-
seus maiores promotores reconhecem que a varieda- gente, é necessário reconhecer que ele lança um bom
de de ideias presentes em seu amplo espectro dificulta desafio a nós, pastores e líderes: o de verdadeiramente
uma definição exata do movimento. Dentro de seu ar- fazer a exegese do mundo sob o olhar da revelação bí-
cabouço encontram-se teólogos conservadores que se blica. Desse indispensável diálogo entre o Texto Sagra-
preocupam apenas com a contextualização da mensa- do e o contexto atual, e por meio de uma missão que
gem para os pós-modernos; teólogos que estão dispos- contemple ação e reflexão, podem surgir comunidades
tos a manter os elementos principais da doutrina cristã, transformadas e transformadoras.
mas que desejam reconstruir o modo de ser igreja; e,
teólogos que se propõem a causar uma revolução a par- Wellington Barbosa,
tir de uma leitura pós-moderna da Bíblia, com implica- doutorando em Ministério
(Andrews University), é editor
William de Moraes

ções claras sobre as crenças e o modo de ser igreja no da revista Ministério


século 21. Portanto, uma avaliação honesta do movi-
mento deve considerar esse leque de distinções.

2 | JUL-AGO • 2017
SUMÁRIO

10 A gênese de um movimento
Jean Zukowski
Antecedentes históricos da igreja emergente

14 Por dentro da igreja emergente


Fernando Canale
Cuidados necessários no diálogo com a teologia do movimento
10

17 O desafio da contextualização
Geraldo Beulke Júnior
Uma reflexão sobre como a igreja pode manter
2 Editorial
5 Panorama
a identidade sem perder a relevância
6 Entrelinhas

20 A vidente de Endor
L uiz Gustavo Assis
Informações da arqueologia e da história que
7 Entrevista
32 Pastor com paixão
ajudam a entender melhor o relato de 1 Samuel 28
33 Dia a dia

23
34 Recursos
Mais do que um símbolo
Karl Boskamp 35 Palavra final
Qual foi a atuação de Jesus nos eventos
14
retratados no Antigo Testamento?

26 A segunda besta
Márcio Costa
Um histórico do desenvolvimento da interpretação
de Apocalipse 13:11 entre os adventistas

30Aprenda com as ovelhas


 bdoval Cavalcanti
A
Princípios de liderança extraídos do relacionamento
17
com o rebanho

Conselho Editorial Carlos Hein; Lucas Alves; Adolfo SERVIÇO DE ATENDIMENTO AO CLIENTE
Suarez, Jerry Page; Jeffrey Brown
Uma publicação da Igreja Adventista do Sétimo Dia Ligue Grátis: 0800 979 06 06
Colaboradores Alberto Peña; Arildo Souza; Cícero Gama; Segunda a quinta, das 8h às 20h
Ano 89 – Número 532 – Jul/Ago 2017 Cornelio Chinchay; Edilson Valiante;
Periódico Bimestral – ISSN 2236-7071 Sexta, das 7h30 às 15h45
Efrain Choque; Evaldino Ramos; Geraldo Domingo, das 8h30 às 14h
M. Tostes; Ivan Samojluk; Jadson Rocha; Site: www.cpb.com.br
Editor Wellington Barbosa Jair G. Góis; Luis Velásquez; Mitchel E-mail: sac@cpb.com.br
Editor Associado Márcio Nastrini Urbano; Raildes Nascimento; Rubén
Revisora Josiéli Nóbrega; Rose Santos Montero; Tito Valenzuela Assinatura: R$ 72,70
Exemplar Avulso: R$ 14,98
Projeto Gráfico Levi Gruber CASA PUBLICADORA BRASILEIRA
Capa Brian Jackson / Fotolia Editora da Igreja Adventista do Sétimo Dia
Rodovia SP 127 – km 106 Todos os direitos reservados. Proibida a
Ministério na Internet Caixa Postal 34 – 18270-970 – Tatuí, SP reprodução total ou parcial, por qualquer meio,
www.revistaministerio.com.br sem prévia autorização escrita do autor e da
www.facebook.com/revistaministerio Diretor-Geral José Carlos de Lima Editora.
Twitter: @MinisterioBRA Diretor Financeiro Uilson Garcia
Redação: ministerio@cpb.com.br Redator-Chefe Marcos De Benedicto Tiragem: 6.000
Chefe de Arte Marcelo de Souza 5953 / 36394

JUL-AGO • 2017 | 3
Contribua com a • Liturgia e temas relacionados, como mú-
A revista Ministério é um periódico internacional editado e publi- sica, liderança do culto e planejamento.
cado bimestralmente pela Casa Publicadora Brasileira, sob supervisão •A
 ssuntos atuais relevantes para a igreja.
da Associação Ministerial da Divisão Sul-Americana da Igreja Adventis-
ta do Sétimo Dia. A publicação é dirigida a pastores e líderes cristãos. Tamanho
• Seções de uma página: até 4 mil caracteres com
Orientações aos escritores espaço.
Procuramos contribuições que representem a diversidade mi- • Artigos de duas páginas: até 7,5 mil caracteres com espaço.
nisterial da América do Sul. Diante da variedade de nosso público, • Artigos de três páginas: até 11,5 mil caracteres com espaço.
utilize palavras, ilustrações e conceitos que possam ser com- • Artigos solicitados pela revista poderão ter mais páginas, de
preendidos de maneira ampla. acordo com a orientação dos editores.
A Ministério é uma revista peer-review. Isso significa que os
manuscritos, além de serem avaliados pelos editores, poderão ser en- Estilo e apresentação
caminhados a outros especialistas sobre o tema que seu artigo aborda. • Certifique-se de que seu artigo se concentra no assunto. Escreva de
maneira que o texto possa ser facilmente lido e entendido, à medi-
Áreas de interesse da que avança para a conclusão.
•C
 rescimento espiritual do ministro. • Identifique a versão da Bíblia que você usa e inclua essa informação
•N
 ecessidades pessoais do ministro. no texto. De forma geral, recomendamos a versão Almeida Revista
•M
 inistério em equipe (pastor-esposa) e relacionamentos. e Atualizada, 2ª edição.
•N
 ecessidades da família pastoral. • Ao fazer citações bibliográficas, insira notas de fim de texto (não notas
•H
 abilidades e necessidades pastorais, como administração do tem- de rodapé) com referência completa. Use algarismos arábicos (1, 2, 3).
po, pregação, evangelismo, crescimento de igreja, treinamento de • Utilize a fonte Arial, tamanho 12, espaço 1,5, justificado.
voluntários, aconselhamento, resolução de conflitos, educação • Informe no cabeçalho: Área do conhecimento teológico (Teologia,
contínua, administração da igreja, cuidado dos membros e assun- Ética, Exegese, etc.), título do artigo, nome completo, graduação e
tos relacionados. atividade atual.
•E
 studos teológicos que exploram temas sob uma perspectiva bí- • Envie seu texto para: ministerio@cpb.com.br. Não se esqueça de
blica, histórica ou sistemática. mandar uma foto de perfil para identificação na matéria.
PANORAMA

Alegria em servir
Uma das preocupações de uma denominação mundial como a compreensão a respeito da missão da igreja, os relacionamentos
Igreja Adventista do Sétimo Dia é compreender como seus pas- do pastor com as instituições denominacionais e a congregação
tores têm enxergado o ministério em seus mais diferentes aspec- local e o entendimento quanto às doutrinas ensinadas pela Igreja
tos. Com esse objetivo, o Instituto de Ministério da Igreja, sediado Adventista. Os resultados relacionados com os sentimentos dos
na Andrews University, conduziu um estudo intitulado O Pastor pastores em relação a seu ministério são interessantes. Diante de
Adventista: Uma pesquisa mundial. O projeto contou com a par- onze declarações apresentadas, oito positivas e três negativas, os
ticipação de 4.260 ministros e teve por objetivo investigar suas participantes foram convidados a indicar seu índice de concordância
atitudes, práticas e sentimentos pessoais. ou discordância em uma escala de cinco pontos. De modo geral,
A investigação abarcou elementos como a percepção geral a pesquisa aponta para um ministério que acredita no chamado
sobre o ministério, o tempo de experiência na atividade, a divino e encontra alegria no serviço. Confira os percentuais:

23% Às vezes me sinto inclinado a deixar o ministério

Declarações 25% Estou desanimado porque parece que ninguém se


importa comigo

positivas 70% Necessito de mais capacitação para desempenhar


melhor meu ministério

96% Sei que Deus me chamou para ser um pastor


95% Sou feliz sendo pastor
91% Ser pastor se adequa aos meus dons
83% Sinto-me apoiado por minha congregação
Declarações
73% Creio que recebo um salário justo negativas
73% Sinto-me apoiado por minha Associação/União
60% Tenho tempo adequado para trabalhar
52% Tenho acesso às decisões tomadas por minha Associação
Sapannpix / Fotolia

 he Institute of Church Ministry, The Adventist Pastor:


Fonte: T
A World Survey, <www.adventistresearch.org>.

JUL-AGO • 2017 | 5
ENTRELINHAS Carlos Hein

Criativos, mas bíblicos

H
oje, mais do que nunca, a igreja deve se esfor- de programas espetaculares ou shows, mas de conhe-
çar para fazer as adaptações necessárias a fim cer o Cristo real e vivo que Se manifesta na vida dos
de cumprir sua missão, alcançando a mente pós- cristãos. Nesse ponto, devemos ser conscientes de
moderna. Contudo, ela deve cuidar para não perder a que, primeiro, é necessário que Jesus seja visto em nós,
essência do cristianismo e a razão de sua existência. em nosso dia a dia como ministros da igreja de Deus.
Isso pode parecer muito simples, mas, em nossos Nesse contexto, é oportuno recordar o que es-
dias, quando as pessoas tentam viver sua fé imitando creveu Ellen G. White: “Cristo aguarda com fremen-
Jesus de Nazaré, deixando de lado a revelação bíblica te desejo a manifestação de Si mesmo em Sua igreja.


e ajustando-se ao pensamento pós-moderno, quan- Quando o caráter de Cristo se reproduzir perfeitamen-
do se enfatiza exageradamente o pragmatismo, não é te em Seu povo, então virá para reclamá-los como Seus”
nada fácil! Infelizmente, há cada vez menos cristãos que (Eventos Finais, p. 39).
conseguem conciliar a ortodoxia com a propagação do Necessitamos que o Espírito Santo nos conceda dis-
evangelho em nossa sociedade. cernimento para saber como atrair as pessoas a Jesus.
Nosso tempo é caracterizado por uma postura an- Podemos utilizar métodos modernos e a tecnologia que
tropocêntrica, que procura satisfazer os próprios inte- temos à disposição, porém, sem cair no erro que tem le-
resses e realizar sonhos e anseios particulares. Nesse Necessitamos vado muitas igrejas e muitos pastores a abandonar as
contexto, a igreja corre o risco de organizar seus cultos que o Espírito “veredas antigas”, que não são descartáveis.
somente pensando em agradar a audiência. Além disso, Santo nos Portanto, o que mais precisamos hoje é de mostrar
há uma forte ênfase na experiência pessoal e senso- conceda ao mundo o Cristo vivo, real, amoroso e prestes a vir.
rial. Existe uma procura crescente por cultos e ora- discernimento Necessitamos proclamar o Cristo da história, o Cristo da
ções um tanto místicos, com canções estridentes em para saber Bíblia, o Cristo que está no santuário celestial interce-
lugar de músicas equilibradas, que procuram subs- como atrair dendo por nós, e, sobretudo, o Cristo que está em nosso
tituir a adoração fundamentada no estudo da Bíblia as pessoas a coração, em nossa vida, e que Se manifesta em nossos
e na reverência diante da presença Daquele que se Jesus.” pensamentos, palavras e ações.
acha no murmúrio de “uma voz mansa e delicada” “Todo cristão tem o privilégio, não só de esperar a
(1Rs 19:12, ARC). E o mais triste, é que podemos ob- vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, como também de
servar certo desprezo pelas Escrituras. A opinião da apressá-la (2Pe 3:12). Se todos os que professam Seu
maioria tem sido mais importante do que a revelação nome produzissem fruto para Sua glória, quão depres-
de Deus, encontrada em Sua Palavra. Como pregado- sa não estaria o mundo todo semeado com a semen-
res, corremos o risco de fundamentar nossos sermões te do evangelho! Rapidamente amadureceria a última
mais na lógica humana do que no “Assim diz o Senhor”. grande seara e Cristo viria recolher o precioso grão”
Conforme destaca o teólogo adventista Fernando (Ellen G. White, Parábolas de Jesus, p. 69).
Canale, sem dúvida, este é o tempo em que precisa-
mos nos voltar à Palavra de Deus, usando a doutrina Carlos Hein, doutor em Teologia
do santuário como chave hermenêutica para com- (Universidad Peruana Unión), é
secretário ministerial para a Igreja
preender a harmonia do sistema bíblico da verdade.
Divulgação DSA

Adventista na América do Sul


Ademais, nós, pastores e líderes, precisamos manter
em perspectiva que os pós-modernos necessitam não

6 | JUL-AGO • 2017
ENTREVISTA KWABENA DONKOR

Abaixo da
superfície
“Embora o movimento emergente
esteja essencialmente preocupado com
assuntos ligados à eclesiologia, uma vez
que seu foco é tornar a igreja relevante
em um contexto pós-moderno, existem

Gentileza do entrevistado
outros temas teológicos relacionados,
como a doutrina das Escrituras, a
soteriologia e a escatologia.”

por Wellington Barbosa

O que é o movimento da igreja emer-


gente? Qual é sua origem?
O movimento emergente tem se destacado no cenário religioso pós-moderno e Podemos dizer que o movimento da
provocado uma série de reflexões e críticas quanto à sua teologia e prática. Na es- igreja emergente teve seu início a partir
sência do debate encontra-se a preocupação com o equilíbrio entre a fidelidade à de uma conferência organizada pela Lea-
Bíblia e o cumprimento da missão de pregar o evangelho a todas as pessoas. Nes- dership Network, nos Estados Unidos, em
se contexto, diversos teólogos têm se dedicado a estudar o tema e produzir mate- meados dos anos 1990. O foco inicial do
riais que sirvam para orientar pastores e líderes locais. Um deles é Kwabena Donkor, evento era o ministério para a Geração X,
diretor associado do Instituto de Pesquisa Bíblica da Associação Geral da Igreja Ad- mas a ênfase mudou para questões rela-
ventista do Sétimo Dia e autor de The Emerging Church and Adventist Ecclesiology cionadas a como ser igreja em uma cultu-
(Biblical Research Institute, 2011). ra emergente pós-moderna. É importante
Graduado pela Andrews University, Kwabena Donkor obteve seu doutorado em reconhecer que o que é amplamente cate-
Teologia Sistemática, e sua tese foi publicada com o título Tradition, Method, and gorizado como “igreja emergente” com-
Contemporary Protestant Theology: An Analysis of Thomas C. Oden’s Vincentian preende uma grande variedade de igrejas
Method. Ele tem escrito artigos acadêmicos para revistas como a Andrews Univer- e cristãos. É essa diversidade que torna di-
sity Seminary Studies, Ministry e Ministério. Além disso, contribuiu com o livro Re- fícil definir o movimento. Um modo útil de
claiming the Center: Confronting Evangelical Accommodation in Postmodern Times catalogar o fenômeno emergente em ti-
(Crossway, 2004), ao lado de nomes renomados da Teologia evangélica, como Mil- pos específicos foi fornecido por Ed Stet-
lard Erickson, D. A. Carson e J. P. Moreland. Ele e sua esposa, Comfort, têm dois filhos. zer, que os classifica como “relevantes”,

JUL-AGO • 2017 | 7
“reconstrucionistas” e “revisionistas”. Os práticas. O problema com os “reconstru- Quais conceitos teológicos são mais
relevantes são teologicamente conser- cionistas” pode ser visto de forma diferen- afetados pelo movimento emergente?
vadores, aceitam o evangelho conforme te, uma vez que parecem tomar a questão Embora o movimento emergente este-
ele tem sido entendido ao longo da his- da contextualização mais teologicamente, ja essencialmente preocupado com assun-
tória da igreja, mas procuram torná-lo estendendo-a à própria forma e estrutura tos ligados à eclesiologia, uma vez que seu
compreensível à cultura emergente. Os re- da igreja. Assim, ao contrário das práticas de foco é tornar a igreja relevante em um con-
construcionistas aceitam o evangelho, mas adoração, em que podemos reunir princí- texto pós-moderno, existem outros temas
questionam e reconstroem grande parte pios bíblicos para orientar uma variedade teológicos relacionados, como a doutrina
da forma da igreja. Os revisionistas ques- de estilos, a própria igreja, como entidade, das Escrituras, a soteriologia e a escatologia.
tionam e revisam o evangelho e a igreja. está tão intimamente conectada ao pla- O espaço não permite fornecer os deta-
no de Deus para o mundo (Ef 3:10) que, ao lhes da maneira como esses conceitos são
De modo geral, como os diferen- mudar sua forma (por exemplo, adotando afetados pelos emergentes. Contudo, em
tes ramos do protestantismo se tese, essas doutrinas são interpre-
posicionam em relação à igreja tadas de modo consistente com os
emergente? princípios pós-modernos, como o an-
É difícil avaliar a igreja emergente tifundamentalismo, a rejeição das rei-
considerando a perspectiva dos di- É difícil avaliar a igreja vindicações de uma verdade universal
ferentes ramos do protestantismo. e objetiva e o pluralismo intelectual.
A dificuldade surge principalmente emergente considerando a Por exemplo, quando defensores das
pelo fato de que o movimento atra- igrejas emergentes, como Brian McLa-
perspectiva dos diferentes
vessa uma série de fronteiras teo- ren, advogam uma abordagem narra-
lógicas e eclesiais. Os participantes ramos do protestantismo. tiva da Bíblia, eles endossam a noção
se descrevem como protestantes, de que a autoridade das Escrituras re-
pós-protestantes, evangélicos, pós- A dificuldade surge side em seu poder narrativo e não em
evangélicos, liberais, pós-liberais, seus aspectos didáticos. Assim, McLa-
principalmente pelo fato
conservadores, pós-conservadores, ren pode confortavelmente dizer que
carismáticos, neo-carismáticos, etc. de que o movimento a abordagem narrativa “não diminui a
agonia que se sente lendo a conquista
O movimento da igreja emergen- atravessa uma série de de Canaã com os olhos de alguém en-
te surgiu como uma tentativa de sinado por Jesus a amar a todos, inclu-
reagir aos desafios impostos pela
fronteiras teológicas e sive os inimigos. Entretanto, isso ajuda
cultura pós-moderna à “igre- eclesiais. a transformar a Bíblia no que ela é, não
ja tradicional”. Em quais pontos uma enciclopédia de verdades morais
eles foram bem-sucedidos? Onde atemporais, mas a narrativa revelado-
falharam? ra de Deus trabalhando em um mun-
Definir sucesso ou fracasso de- do violento e pecaminoso, chamando
pende dos critérios pelos quais o movi- igrejas encarnacionais ou domésticas), pessoas, começando com Abraão, para um
mento da igreja emergente é avaliado. não devemos apenas nos preocupar com novo estilo de vida” (A Generous Orthodoxy,
O que é considerado falha por um, pode a “relevância” teológica, mas também 2004, p. 171). Obviamente, o impacto do mo-
ser julgado como sucesso por outro. De com sua “adequação”. Stetzer está cor- vimento emergente sobre esses conceitos
um ponto de vista adventista, alguém reto, em princípio, quando diz: “Não quer cristãos gera sérias preocupações.
poderia ver a posição dos “relevantes” um prédio, um orçamento e um programa?
como fundamentalmente uma questão Tudo bem. Não quer a Bíblia, uma lideran- Uma das características distintivas do
de contextualização que, em princípio, ça bíblica e uma comunidade de aliança? movimento emergente é sua maneira
não é antibíblica (1Co 9:19-23). No entan- Isso não está bem.” A questão com os de “fazer igreja”. Quais são as implica-
to, a possibilidade da contextualização “revisionistas” é mais preocupante, em ções da eclesiologia emergente para
se transformar em algo sincrético requer virtude do questionamento ou da modifi- as igrejas protestantes?
muito cuidado, e deve-se encontrar princí- cação de pontos e conceitos fundamentais Embora os protestantes reconheçam
pios bíblicos em apoio ou contra quaisquer do evangelho defendida por eles. que, atualmente, a igreja como corpo de

8 | JUL-AGO • 2017
Cristo esteja nitidamente dividida, há con- A religião cristã não reconhece uma O senhor acredita que toda inserção
cordância na necessidade de defini-la como falsa dicotomia entre experiência e ver- de elementos contemporâneos na
algo que inclui todos os que são salvos por dade. O cristianismo entende o ser hu- dinâmica regular da igreja seja uma
Cristo, expressos como uma comunidade mano como um todo unificado e saudável adesão, ainda que inconsciente, ao
em todo o mundo, ainda que ao mesmo da mente (cognitivo), do coração (afeti- movimento emergente?
tempo presente em cada assembleia. Os vo) e da vontade (volitivo). A resposta de Os valores pós-modernos de adoração
protestantes também sentiram a neces- Jesus ao intérprete da lei em Mateus 22:37 demandam uma atitude comunal, missio-
sidade de identificar as marcas da igreja para amar “o Senhor, teu Deus, de todo o teu nal e hospitaleira. Embora esses elemen-
verdadeira como o lugar em que a Pala- coração, de toda a tua alma e de todo o teu tos sejam descritos como pós-modernos,
vra é corretamente pregada e os sacra- entendimento” implica claramente uma eles não são única e distintivamente pós-
mentos são devidamente administrados. devoção sincera ao Senhor, envolvendo modernos. De fato, a doutrina cristã do Deus
O movimento emergente, entretanto, Triúno já nos aponta essas direções.
pratica o que chama de “eclesiologia A disseminação do individualismo nas
profunda” que, ao invés de favore- práticas cristãs foi um resultado infeliz
cer algumas formas de igreja e criti- A ênfase pós-moderna da acomodação cristã à modernidade.
car ou rejeitar outras, considera que A ênfase pós-moderna na comunida-
cada forma tem fraquezas e forças,
na comunidade e nos de e nos relacionamentos é um cor-
inconvenientes e potenciais. De fato, relacionamentos é um corretivo retivo bem-vindo, e incorporar esses
proponentes como McLaren defen- elementos pode não necessariamen-
dem uma “ortodoxia generosa”, que bem-vindo, e incorporar te indicar uma assimilação dos princí-
vê os outros religiosos e não religio- pios da igreja emergente. No entanto,
sos como vizinhos, colaboradores e esses elementos pode não deve-se ter em mente que as ênfases
parceiros de diálogo. Ele argumen- bíblico-relacional e comunitárias es-
necessariamente indicar uma
ta que a fé cristã deve não só se tor- tão enraizadas em princípios diferen-
nar bem-vinda para outras religiões, assimilação dos princípios da tes dos pós-modernos.
mas também proteger as heranças
dessas religiões e não se tornar um igreja emergente. No entanto, De modo mais específico, como
de seus inimigos. Tais posições ecle- pastores adventistas podem
deve-se ter em mente que as
siológicas apresentam grandes desa- trabalhar para manter a rele-
fios para os adventistas do sétimo dia, ênfases bíblico-relacional e vância da igreja no contexto pós-
especialmente quanto a seu autoen- moderno sem comprometer a es-
tendimento como igreja remanescen- comunitárias estão enraizadas sência teológica da denominação?
te. Dada a “ortodoxia generosa” do As igrejas adventistas precisam ser
movimento emergente, a noção de
em princípios diferentes dos relevantes não apenas em contextos
uma igreja cristã que reivindica um pós-modernos. pós-modernos, mas em todos os con-
papel missionário único, divinamen- textos culturais e sociológicos em que
te concedido, com significado espiri- se encontram. Assim, há a necessida-
tual universal, desafia tudo o que os de de uma contextualização adequada
emergentes têm defendido. todos os aspectos: emocional, volitivo e e sólida que não conspire contra os valores
cognitivo. A dimensão cognitiva se rela- bíblicos. Intervenções apropriadas e criativas
O movimento emergente enfatiza a ciona com a verdade enquanto o aspecto podem incluir estilos de adoração participa-
experiência em detrimento da verda- emocional, com a experiência. Além dis- tivos envolvendo cânticos congregacionais
de. Por outro lado, para muitos pro- so, a compreensão do Novo Testamento vibrantes, métodos dialógicos e narrativos
testantes históricos, parece haver da “sã doutrina” está ligada à vida cris- de proclamação da Palavra e estratégias de
uma ênfase maior na verdade em re- tã. Assim, nas Epístolas Pastorais, a sã edificação de relações comunitárias dentro
lação à experiência. Qual das duas ên- doutrina é contrastada com a vida imoral da igreja. Nenhum desses elementos é, em
fases está correta? (1Tm 1:10; Tt 2:1-5). princípio, contrário aos valores bíblicos.

Diga-nos o que achou deste artigo: Escreva para ministerio@cpb.com.br ou visite www.facebook.com/revistaministerio

JUL-AGO • 2017 | 9
CAPA

Uma síntese dos


antecedentes
históricos da
igreja emergente

Jean Zukowski

A de um
da ciência, da industrialização e do capita- provenientes do desenvolvimento científi-

N
o fim do século 19 e início do século lismo, uma condição contínua de progres- co levaram as pessoas a descrer dos ideais
20, a raça humana viveu a expec- so e realizações.2 Os países então seriam modernos de progresso. Desse modo, os
tativa de grandes realizações. A caracterizados por homens livres e pen- chamados pós-modernos passaram a
crença no desenvolvimento científico, que santes, que viveriam em um regime demo- questionar os pressupostos da moderni-
resultaria em respostas objetivas para os crático, respeitando os direitos individuais.3 dade. Para eles, é praticamente impossível
problemas do mundo, era a certeza de um Contudo, as duas guerras mundiais, o alcançar soluções para os problemas hu-
novo tempo para a humanidade.1 Nessa aumento de doenças, a adoção de siste- manos aplicando as leis naturais invioláveis
perspectiva, acreditava-se que a socieda- mas políticos que não trouxeram igualdade do universo que, de acordo com seus an-
Lightstock

de moderna conseguiria alcançar, por meio entre os povos e os problemas ecológicos tecessores, quando conhecidas e seguidas,

10 | JUL-AGO • 2017
levariam a humanidade a experimentar a engajar com a pós-modernidade, aceita-a da graça para amar seu Senhor, seus vizi-
sociedade ideal. como um fato que não pode ser mudado nhos e seus amigos cristãos”.8
Além de refutar o ideal moderno, os e entende que a igreja precisa se adaptar e Ao analisar os escritos de opositores e
pós-modernos também começaram a aproveitar o máximo disso na evangeli- defensores do movimento, percebe-se uma
contestar qualquer instituição que, de for- zação; (3) orientado pela praxis : defende crítica à cosmovisão moderna e uma defe-
ma objetiva, apresentasse soluções para a primazia da ortopraxia sobre a ortodo- sa de que a igreja emergente é uma respos-
o mundo. Duas em especial se tornaram xia, direcionando suas energias na adapta- ta do cristianismo ao desafio missiológico
alvos desse ceticismo: a família e a igreja. ção da adoração para a cultura emergente, da pós-modernidade.
Tal descrença fez com que os jovens nos considerando assim promover uma igre-
anos 80, 90 e 2000 se afastassem das ja missional; (4) pós-evangélico: advoga a Contexto histórico
denominações estabelecidas e buscas- pluralidade teológica sem defender o ex- Para entender como surgiu o movimen-
sem respostas em movimentos que va- clusivismo religioso ou o monopólio de to emergente, é necessário compreender
lorizassem a experiência espiritual sem, Deus pelo mundo cristão; e (5) político: li- um pouco da história do pensamento teo-
todavia, estar comprometidos com insti- gado ao foco social e à liderança política da lógico a partir do século 19.
tuições religiosas. nação, na defesa dos direitos individuais, A teologia moderna foi significati-
A evasão da juventude que frequenta- das minorias e das questões ecológicas.5 vamente influenciada pelos estudos de
va a igreja levou estudiosos cristãos a bus- Eddie Gibbs afirma que “as igrejas Friedrich Schleiermacher (1768-1834).
car respostas para o problema. Uma delas emergentes são comunidades missionais Seguindo o conceito epistemológico de
é o movimento emergente que, em alguns que surgiram na cultura pós-moderna e Immanuel Kant (1724-1804), que não re-
lugares, tem conseguido chamar atenção consistem de seguidores de Jesus que es- conhecia a comunicação cognitiva entre
das novas gerações. As estratégias evan- tão procurando ser fiéis em seu tempo e o mundo de Deus e o mundo dos ho-
gelísticas adotadas pela igreja emergente lugar”.6 Segundo Kathy Smith, o movimen- mens, o mundo natural e o sobrenatural,9
têm sido elogiadas e criticadas por vários to pode ser definido também como “uma Schleiermacher concluiu que Deus Se co-
líderes cristãos. A fim de se compreender mudança teológica/filosófica no que sig- munica com o ser humano por meio dos
melhor esse movimento, este artigo apre- nifica seguir Jesus”.7 sentimentos, não da razão. Assim, a reli-
senta uma breve definição e descrição do Mark Driscoll, por sua vez, apresen- gião é essencialmente uma intuição, um
contexto histórico em que ele se desen- ta três tipos básicos de igrejas cristãs: sentimento; é o milagre de ter um encon-
volveu, com o objetivo de prover recur- tradicional e institucional, contemporâ- tro direto com o infinito.10
sos para uma avaliação adequada de suas nea e evangélica e, emergente e missio- Uma das reações à teologia moderna foi
propostas. nal. Para ele, cada uma tem características a neo-ortodoxia de Karl Barth (1886-1968).
Ele e outros eruditos procuraram resgatar
a teologia dos primeiros protestantes, en-

movimento
fatizando a transcendência divina e a reve-
lação por meio de Cristo em detrimento
da teologia natural. Rejeitou-se, portan-
to, o método crítico-histórico como úni-
ca interpretação possível das Escrituras e
buscou-se apresentar o evangelho a par-
tir da própria Bíblia, sem recorrer ao auxí-
Definição: tarefa difícil diferentes e visam atingir públicos distin- lio do sistema filosófico.11 Muito embora a
Definir igreja emergente não é algo fácil tos. Sua proposta de trabalho, denominada neo-ortodoxia tenha sido bem aceita na
de se fazer, pois o movimento é composto “reformissão”, é o resultado da mistura de Europa, ela não teve grande influência no
de variadas opiniões e lideranças, que de- evangelho, cultura e igreja, que pretende protestantismo norte-americano.
fendem e aplicam teologias e práticas mui- combinar os melhores aspectos de todos Outra resposta à teologia moderna é o
to distintas.4 Scot McKnight, por exemplo, os tipos já existentes de igreja, pois, “vive fundamentalismo que, seguindo a escola
caracteriza o fenômeno por meio de cin- a tensão de ser culturalmente liberal; con- teológica de Princeton, responde à teolo-
co temas: (1) profético: critica a igreja atual tudo, teologicamente conservadora”. As- gia moderna afirmando cinco pontos es-
de forma provocativa e busca promover sim, procura estabelecer “igrejas que são senciais: a inerrância bíblica, a divindade e
mudanças; (2) pós-moderno: procura se absolutamente dirigidas pelo evangelho o nascimento virginal de Cristo, a expiação

JUL-AGO • 2017 | 11
substitutiva de Cristo, a ressurreição corpó- e pós-modernidade. Alegando que a igre- e de como estar em pé no dia do Senhor.
rea de Cristo, e a segunda vinda de Cristo.12 ja evangélica, formada dentro da mo- Isso, contudo, deve ocorrer sem que se
Como correção ao que foi considerado dernidade, não é capaz de responder às perca a identidade escatológica expressa
uma má apologética apresentada pelo fun- necessidades da sociedade pós-moderna, em sua teologia de missão.
damentalismo, surgiu nos Estados Unidos o movimento constrói sua identidade con-
Referências
o neo-evangelicalismo. Esse grupo procura trapondo modernismo e pós-modernismo, 1
Stuart Gieben Bram Open University Hall,
defender de maneira acadêmica muitos dos criticando as bases modernas do mundo Formations of Modernity (Oxford: Polity in
pressupostos fundamentalistas, mas com evangélico, mas usando a mesma base da association with Open University, 1992).

maior flexibilidade. Fernando Canale argu- teologia moderna, a teologia como doxolo- 2
Anthony Giddens, Runaway World: How
Globalisation Is Reshaping Our Lives (Londres: Profile
menta que eles se diferenciaram dos fun- gia. Assim, colocam no centro da espiritua- Books, 2002).
damentalistas em cinco áreas principais: (1) lidade a vida da igreja e a adoração. 3
Gary K. Browning, Abigail Halcli e Frank Webster,
na responsabilidade social, defendem maior Apresentando-se como uma crítica à Understanding Contemporary Society Theories of
the Present (Londres: SAGE, 2000).
engajamento na cultura ao aplicar o evan- modernidade e à irrelevância da igreja para
4
Aaron Flores, “An Exploration of the Emerging Church
gelho; (2) na eclesiologia, promovem flexi- a sociedade pós-moderna, o movimento
in the United States: The Missiological Intent and
bilização missiológica para se envolver nos aponta problemas e propõe soluções para Potential Implications for the Future” (dissertação de
desafios modernos; (3) na ciência, aceitam que o cristianismo continue a ser relevan- mestrado, Vanguard University, 2005), p. 7.

gradativamente o modelo evolucionista; (4) te e o evangelho de Cristo possa atingir o


5
Ibid.

na Bíblia e (5) na teologia, adotam parcial- mundo secularizado. Os principais pontos 6


 ddie Gibbs e Ryan K. Bolger, Emerging Churches:
E
Creating Christian Community in Postmodern
mente o método crítico-histórico e a iner- criticados pela igreja emergente são: (1) a Cultures (Grand Rapids, MI: Baker Academic, 2005),
rância parcial das Escrituras.13 maneira moderna de fazer igreja não alcan- p. 28.
A flexibilização neo-evangélica, somada ça as novas gerações; (2) não há coerência 7
 athy Smith, “Training Wheels”, Congregations 39,
K
n. 3 (2012): p. 19.
à adoção de práticas carismáticas no estilo no mundo religioso entre o que é defendido
8
Mark Driscoll, Confessions of a Reformission
de adoração das principais igrejas protes- como regra de fé e prática e o que é vivido;
Reverend: Hard Lessons from an Emerging Missional
tantes norte-americanas, levou ao cresci- (3) a arrogância religiosa que defende o ab- Church (Grand Rapids, MI: Zondervan, 2006), p. 16.
mento da frequência aos cultos e ao uso do solutismo da verdade; (4) a defesa da or- 9
Immanuel Kant, Critique of Practical Reason
pragmatismo nas estratégias missiológicas topraxia em oposição à ortodoxia; (5) uma (Indianapolis: Hackett Pub. Co., 2002).

por parte dos pastores. Destaca-se nesse igreja verdadeira só alcança seus objetivos 10
Friedrich Schleiermacher, On Religion: Speeches to
Its Cultured Despisers (Nova York: Harper, 1958).
contexto o surgimento das megachurches, se for relevante em sua comunidade; (6) o
11
 oger E. Olson, The Story of Christian Theology:
R
que alcançaram grande sucesso ao adotar fundamentalismo evangélico;16 (7) a neces- Twenty Centuries of Tradition & Reform (Downers
estratégias mercadológicas de evangeliza- sidade de uma reforma que tenha um cunho Grove, IL: InterVarsity Press, 1999), p. 570-589.
ção centralizadas em estilos de adoração missiológico; e (8) a importância de uma vi- 12
 ernando Canale, “The Emerging Church – Part 1:
F
Historical Background”, Journal of the Adventist
para atingir a mente secular.14 são eclética e ecumênica de adoração.
Theological Society 22, n. 1 (Spring 2011), p. 94.
Com a mudança de paradigma da mo- 13
Ibid., p. 96.
dernidade para a pós-modernidade, o Conclusão 14
Ibid.
movimento evangélico continua seu pro- Embora muitos problemas levantados 15
 ans Küng, Theology for the Third Millennium: An
H
cesso natural de adaptação à nova realida- pelos emergentes sejam válidos e mere- Ecumenical View (Nova York: Doubleday, 1988).
de cultural. Inspirado nas megachurches e çam uma resposta da igreja, sua metodo- 16
Brian McLaren, A Generous Orthodoxy: Why I Am
usando estratégias de marketing, surge o logia, base teológica e filosófica devem ser a Missional, Evangelical, Post/Protestant, Liberal/
Conservative, Mystical/Poetic, Biblical, Charismatic/
movimento emergente, como uma evolu- avaliadas se são consistentes com a reve- Contemplative, Fundamentalist/Calvinist, Anabaptist/
ção do conceito das megachurches, con- lação bíblica. Como mudanças culturais Anglican, Methodist, Catholic, Green, Incarnational,
Depressed-yet-Hopeful, Emergent, Unfinished
forme afirmou Hans Küng.15 são inevitáveis e têm ocorrido de forma
Christian (Grand Rapids, MI: Zondervan, 2006).
Embora a própria igreja emergente re- muito veloz em nossos dias, a igreja de
conheça que há divergências tanto em sua Cristo no tempo do fim tem que se levan-
teologia quanto em suas práticas, ela repre- tar e, de maneira sábia e criativa, desenvol- Jean Zukowski, doutor em
Teologia Histórica (Andrews
senta a continuação do esforço missiológi- ver métodos que possam alertar o mundo University), é professor na
Gentileza do autor

co neo-evangélico de ser relevante em sua de sua condição, dar-lhe uma visão corre- Faculdade de Teologia do
Unasp, EC
cultura dentro da crise entre modernidade ta do momento histórico em que vivemos

Diga-nos o que achou deste artigo: Escreva para ministerio@cpb.com.br ou visite www.facebook.com/revistaministerio

12 | JUL-AGO • 2017
MKT CPB | Fotolia
Seu estudo com
maior profundidade
Este livro foi escrito para apresentar Descubra o significado dos textos
uma visão mais clara sobre os ensinos mais difíceis da Bíblia. Este importante
adventistas para o mundo evangélico, livro foi escrito para pessoas
além de motivar a Igreja Adventista a que, enfrentando dificuldades na
refinar sua teologia em vários aspectos. compreensão de certos textos bíblicos,
Com o lançamento desta edição ficariam gratas em receber alguma
anotada em português, você tem a ajuda. Ele também será útil a pastores e
oportunidade de conhecer esta obra- instrutores bíblicos em seus respectivos
prima da apologética adventista de ministérios.
forma mais acessível.

WhatsApp

cpb.com.br | 0800-9790606 | CPB livraria | 15 98100-5073


SMS – Envie a mensagem CPBLIGA para o número 28908 /casapublicadora
CAPA

Por dentro da igreja

O que você precisa


saber sobre
esse movimento
contemporâneo
que pretende
reformar a
comunidade cristã

14 | JUL-AGO • 2017
Fernando Canale
pregador, e preferem contar histórias a ao fundamentalismo e às divisões liberais e
pregar como “transferência autoritativa conservadoras que surgiram entre as de-

N
o dia 8 de julho de 2005, um de informações bíblicas”.4 nominações protestantes na metade do
documentário exibido pela rede Assim, podemos dizer que essa nova século 20.11 Grenz defendia que a solução
de TV norte-americana Public adoração e espiritualidade “emerge” da para os problemas teológicos evangélicos
Broadcasting Service (PBS) definiu igreja antiga liturgia católica romana, da es- era adotar ideias pós-modernas. Na práti-
emergente como “um movimento cres- piritualidade oriental, do culto caris- ca, isso implicava renunciar a todos os ab-
cente que está repensando o que o cris- mático contemporâneo e da cultura solutos (filosóficos e bíblicos) e abraçar a
tianismo e a igreja devem representar pós-moderna.5 tradição cristã e a cultura pós-moderna
em uma cultura contemporânea”.1 Bob como a nova base sobre a qual a igreja de-
Abernethy, âncora do programa, comen- O que está envolvido? veria se firmar. Assim, o novo movimento
tou que o movimento propõe um mode- Movimentos complexos têm muitas se vê emergindo da tradição cristã como
lo de adoração e de igreja para as novas causas inter-relacionadas, e a igreja emer- uma “reforma pós-moderna” da igreja.12
gerações, que experimentam a mutação gente não é exceção. Uma série de ques- À medida que os cristãos emergen-
cultural que ocorre atualmente. tões de grande alcance impulsionou sua tes interpretam as Escrituras a partir da
O que é igreja emergente? O que isso rápida ascensão e aceitação nos círculos perspectiva hermenêutica da tradição
envolve? Por que devemos nos preocupar? evangélicos. Entre elas encontramos o sen- da igreja,13 inevitavelmente abraçam o plu-
timento de insatisfação interna quanto à ralismo teológico, o relativismo e o ecume-
O que é? atual condição da teologia evangélica, com nismo católico romano.14 Por essa razão, o
Podemos descrever igreja emergente suas persistentes divisões doutrinárias,6 e movimento não “possui um sistema her-
como um movimento dentro das igrejas o alarmante percentual de jovens evan- mético ou declaração de fé”.15 Seu proje-
evangélicas empenhado em adaptar estilos gélicos que abandonam as igrejas.7 Esses to teológico promove a unidade geral dos
e práticas de adoração, com o objetivo de fatores são combinados com a convicção cristãos, abraçando uma “ortodoxia gene-
atrair a juventude secular e pós-moderna, de se ter encontrado a chave para superar rosa”16 que inclui a maioria dos ensinamen-
membros em geral e pessoas não cristãs tais desafios, usando para isso os recursos tos e práticas tradicionais que “emergiram”
por meio de uma nova proposta cúltica. disponíveis no supermercado das tradições ao longo da história cristã.
Quando os evangélicos emergentes antigas e da cultura pós-moderna. Stanley Grenz defendia com convic-
adoram, eles geralmente utilizam vários es- A igreja emergente, portanto, envolve ção que o movimento evangélico e a
tilos musicais. Do rock pesado a hinos tra- mais do que simplesmente mudanças no Reforma Protestante são de natureza
dicionais, dos cânticos spiritual a canções estilo de adoração.8 O teólogo evangélico ecumênica.17 Voltando às suas raízes, os
litúrgicas tradicionais do cristianismo e ju- Justin Taylor descreve os líderes do mo- evangélicos emergentes querem se tor-
daísmo. A liturgia pode estimular o adora- vimento como “evangélicos autoprocla- nar o principal movimento do evangelica-
dor a se movimentar durante o culto e a se mados que procuram revisar a teologia, lismo norte-americano.18
envolver em vários rituais. Geralmente es- renovar a essência da adoração e trans-
tes incluem práticas místicas, oração con- formar a comunidade adoradora evangéli- Por que se importar?
templativa e pedidos escritos de oração. ca, que está consciente do contexto global Durante os últimos 50 anos, o uso de
Oficinas de pintura ou outras formas de arte pós-moderno no qual vivemos”.9 Isso indi- materiais “evangélicos” aumentou signi-
também podem ser oferecidas a fim de aju- ca que a igreja emergente não trata ape- ficativamente no meio adventista. Em vez
dar o fiel a se expressar em sua adoração. nas das inovações de culto. Em vez disso, de refletir na exatidão e criatividade das
Nesse paradigma litúrgico sacramental, os propõe uma grande revisão da crença Escrituras, muitos têm se contentado em
fiéis veem Cristo em todas essas atividades.2 evangélica, de sua teologia e identidade seguir as tendências. Esse empréstimo acrí-
O ponto central da adoração da igre- eclesiológica. O objetivo é renovar o cen- tico ocorre não só na teologia, mas também
ja emergente não é a pregação da Bíblia, tro do movimento evangélico. no ministério, na espiritualidade, no culto e
mas seu ritual (eucaristia). Para alguns lí- A igreja emergente intencionalmen- na missão. Um crescente número de pasto-
deres do movimento, os “sermões” são op- te procura adaptar o cristianismo ao pen- res tem recomendado literatura emergente
cionais,3 outros os apresentam de maneira samento pós-moderno. De acordo com às suas igrejas para a vida devocional, mi-
simples e resumida, ou usam projeções e Stanley Grenz, falecido líder teológico do nistérios, missão e adoração. Se algo não
Tsry360 / Fotolia

representações artísticas. Em alguns ca- movimento, a incorporação de ideias mo- for feito, esse processo pode redefinir o ad-
sos, vários apresentadores substituem o dernistas deficientes10 levou os evangélicos ventismo à imagem da igreja emergente.

JUL-AGO • 2017 | 15
É preciso notar que surgem no movi- os divide. O evangelho e a identidade do encontrar maneiras de alcançar todas as
mento práticas pastorais distantes das Es- movimento estão em jogo. O destino da culturas com a história da salvação. Afi-
crituras, baseadas no pentecostalismo e na igreja remanescente também. nal, Deus chamou Sua igreja remanescen-
espiritualidade mística católica.19 A princí- Como remanescentes de Deus, nossa te para desempenhar o papel principal no
pio, é difícil compreender os evangélicos missão, identidade e natureza estão no capítulo final da grande controvérsia en-
emergentes que abraçam a espiritualida- entendimento consistente e na aplicação tre o bem e o mal.
de mística e restabelecem as formas litúr- inteligente de todos os ensinamentos bí-
Referências
gicas do catolicismo romano. Certamente, blicos. Nossa vida, nosso ministério, nos-
1
Bob Abernethy, “The Emerging Church, parte 1”,
eles acham o misticismo católico compatí- so culto e nossa missão devem resultar de
<www.pbs.org>.
vel com o evangelho. um profundo estudo e compromisso com 2
 an Kimball, Emerging Worship (Grand Rapids, MI:
D
Contudo, para entender o porquê, pre- a Bíblia. Isso significa que nosso modo de Zondervan, 2004), p. 95.
cisamos nos lembrar de que já ocorreu uma pensar, em todo o mundo, deve se funda- 3
Ibid., p. 87.
mudança paradigmática no culto e na es- mentar exclusivamente nas Escrituras, e 4
Ibid.
piritualidade do evangelicalismo. O para- não nas diversas culturas e tradições. 5
 . A. Carson, Becoming Conversant With the
D
digma do estilo de adoração carismático Se você está entre aqueles que usam Emerging Church (Grand Rapids, MI: Zondervan,
2005), p. 12.
substituiu em grande parte o paradigma recursos das igrejas emergentes, sabe que
6
Ibid., p. 14.
bíblico de adoração instituído pela Refor- há coisas boas e ruins nesses círculos. No
7
Philip Clayton, Transforming Christian Theology
ma, que era centrado na Palavra de Deus. entanto, com base nas evidências apresen-
(Mineápolis, MN: Fortress, 2010), p. 46.
Além disso, também precisamos nos tadas, eu sugiro que você não as “transfira” 8
 cot McKnight, “Five Streams of the Emerging
S
lembrar de que, como os estilos de ado- automaticamente para nossas igrejas e mi- Church”, Christianity Today, fevereiro de 2007.
ração carismática e católica estão basea- nistérios, mas, primeiramente, avalie tudo 9
Justin Taylor, “An Introduction to Postconservative
dos nas mesmas premissas filosóficas e criticamente à luz do pensamento bíblico, Evangelicalism and the Rest of This Book”, em
Reclaiming the Center, ed. Millard J. Erickson
teológicas, seus rituais são vistos como a fim de reter o que é bom e remodelá-lo (Wheaton, IL: Crossway Books, 2004), p. 18.
mediadores da presença de Deus para o para se adequar à visão teológica adven- 10
Carson, p. 25, 26.
adorador. Não é de admirar, então, que tista presente em nossos princípios e dou- 11
 tanley J. Grenz, Renewing the Center (Grand Rapids,
S
os emergentes não façam nenhuma ob- trinas bíblicas. Isso requer dos ministros e MI: Baker Academic, 2000), p. 86, 326-331.

jeção em seguir esse modelo, não somen- membros uma ampla compreensão da his- 12 
Leonard Sweet, SoulTsunami (Grand Rapids, MI:
Zondervan, 1999), p. 17.
te nas práticas espirituais particulares, mas tória do amor de Deus no grande conflito,
13
Grenz, p. 214-215, 315.
também no apelo de seus cultos a um pú- conforme revelado em Sua Palavra.
14
Ibid., p. 346-351.
blico pós-moderno que diz experimentar
O desafio McKnight, Ibid.
15
Deus diretamente e não por meio das Es-
crituras. A igreja emergente está voltando A cultura está mudando rapidamen-
16
Brian D. McLaren, A Generous Orthodoxy (Grand
Rapids, MI: Zondervan, 2004).
para Roma. Se continuarmos brincando de te. O evangelicalismo está mudando. O 17
Grenz, p. 325.
“siga o mestre”, as novas gerações voltarão ecumenismo está se intensificando. A his- 18
Ibid., p. 350, 351.
a Roma também. tória está cumprindo a profecia, e as apos- 19
McLaren, p. 175.
No entanto, há uma forte oposição tas são altas para o remanescente final de
20
Roger Oakland, Faith Undone (Silverton, OR:
ao movimento entre membros e líderes Deus. Os adventistas do sétimo dia per- Lighthouse Trails, 2007).
evangélicos. Compreendendo que a igreja manecerão fiéis às Escrituras, ou se aco- 21
Chad Owen Brand, “Defining Evangelicalism”,
emergente está radicalmente redefinindo modarão à tradição e à cultura? Reclaiming the Center, p. 295-304.
o evangelicalismo, alguns deles têm se en- Para cumprir nossa missão, devemos 22
 ngel Manuel Rodríguez, “The Adventist Church
A
and the Christian World”, Perspective Digest , 2008,
volvido, mas com ressalvas.20 Não é de sur- parar de “seguir o mestre” da reforma pós-
p. 17.
preender que o debate seja sobre o papel moderna do evangelicalismo e nos tornar
das Escrituras na teologia, no ministério e líderes de uma reforma bíblica,22 seguindo Fernando Canale, doutor
na adoração. Esses líderes questionam a somente as Escrituras e gerando um mo- em Teologia (Andrews
University), é professor
rejeição das Escrituras como a única fon- vimento aprovado pelo Céu.
Gentileza do autor

emérito de Teologia e Filosofia


te da teologia e do ministério.21 Fidelidade Na fidelidade pessoal e teológica às do Seminário Teológico da
à Bíblia e à sua interpretação é a linha que Escrituras, devemos ser criativos em Andrews University

Diga-nos o que achou deste artigo: Escreva para ministerio@cpb.com.br ou visite www.facebook.com/revistaministerio

16 | JUL-AGO • 2017
CAPA

O desafio da
contextualização
Em um mundo plural, como a igreja pode manter sua identidade
e demonstrar sua relevância?

Geraldo Beulke Júnior


havia estudado sobre a formação do cânon Essa definição sobre grupos especí-
bíblico, ao que respondi afirmativamente. ficos, estabelecida e votada pela Divisão

E
m dezembro de 2015, num curto tra- Sua pergunta seguinte foi: “E ainda assim Sul-Americana da Igreja Adventista do
jeto entre duas cidades, tive a oportu- você continua acreditando na Bíblia?” Sétimo Dia, não apenas demonstra uma
nidade de iniciar um diálogo com uma O questionamento dessa estudante re- preocupação em apresentar o evange-
estudante do curso de História de uma uni- presenta os preconceitos de muitos da- lho eterno a tais classes, como define o
versidade federal do Sul da Bahia. A jovem queles que se assentam nos bancos de método a ser utilizado nesse trabalho:
me perguntou para onde eu estava indo, e uma universidade. E de outros tantos que, “As abordagens e estratégias devem ser
respondi que havia sido convidado para dis- independentemente de seu status aca- contextualizadas e alinhadas com a men-
cursar no culto de formatura da Faculdade dêmico, não compreendem qual o senti- sagem, os valores, estilo de vida e o pro-
de Medicina da universidade em que ela es- do do texto bíblico e como ele pode trazer grama oficial da Igreja Adventista.” Ao
tudava. Perguntou se eu era médico e ficou significado à vida. Mais do que isso, a re- mesmo tempo em que a redação do voto
positivamente admirada quando soube que presentatividade desse questionamen- preza pela identidade denominacional –
eu era pastor, formado em Teologia. Então to nos obriga a refletir sobre o quanto a mensagem, valores, estilo de vida e pro-
passou a revelar seu interesse em estudar igreja, como Corpo do Cristo, especialmen- grama oficial – deixa clara a necessidade
Teologia, mas não uma “teologia denomi- te em sua dimensão local, está disposta a de relevância, ao afirmar que as aborda-
nacional” e sim algo como história geral considerar sua abordagem com “grupos gens e estratégias devem ser contextua-
das religiões, incluindo budismo, islamis- específicos, delineados por aspectos de- lizadas. Mas, o que é contextualização?
mo e hinduísmo. Perto do fim da conversa, mográficos, linguísticos, socioculturais, re- O que a igreja local precisa saber urgente-
questionou-me se em meu bacharelado eu ligiosos e capacidades diferentes”.1 mente sobre esse tema?
Lightstock

JUL-AGO • 2017 | 17
Apesar dos vários significados que têm efetuado pelas viagens, pelas sofisticadas contextualizados a outra cultura e torna-
sido associados à palavra, desde o início tecnologias de comunicação e pela expan- remos o evangelho desnecessariamen-
de seu uso, provavelmente na década de são mundial do capitalismo neoliberal, bem te estranho e repleto de barreiras aos
1970,2 podemos concebê-la, em termos ge- como as adaptações local e regional a es- “mundos” que estão ao nosso redor. Um
rais, como estando ligada à postura mis- ses fluxos e as resistências a ele”,7 criou um exemplo desse tipo de atitude pode ser
sionária de identificar-se culturalmente, cenário em que pessoas de culturas clara- encontrado na comunidade amish que,
à comunicação eficaz da mensagem do mente distintas se obrigam a viver em um apesar de procurar rigidamente se man-
evangelho e à formação de uma comuni- mesmo território, repartindo os mesmos ter isolada da cultura atual, não se percebe
dade/igreja que venha a ser liderada, sus- recursos naturais e humanos e participan- fortemente contextualizada a uma cultu-
tentada e expandida pelo próprio público do de comunidades culturalmente pluralis- ra morta do século 18. Algumas de nossas
que se pretende alcançar.3 tas. Temos o mundo, com sua multiplicidade congregações podem estar caindo no mes-
Bruce Nicholls diz que contextualiza- cultural, em nosso bairro, nos arredores de mo erro. Para não dialogar com a mudan-
ção “não é simplesmente uma palavra da nossa igreja ou mesmo dentro dela. ça cultural no estilo musical, por exemplo,
moda ou um lema, mas uma necessidade Essa diversidade sociocultural, tão pró- há congregações que “canonizam” o hi-
teológica exigida pela natureza encarna- xima e presente, exige que a apresentação nário, esquecendo-se de que muitas com-
cional da Palavra”,4 caracterizada pela ca- da mensagem seja contextualizada. Em posições estão também contextualizadas,
pacidade de responder de forma relevante realidade, a contextualização não é uma mas aos séculos 19 e 20 e, em geral, a co-
ao evangelho dentro do cenário em que escolha; o que se pode escolher é como munidades de origem europeia e norte-
a própria pessoa se encontra. Por isso, ela lidar com ela, pois, à medida que busca- americana. O propósito aqui não é, de
se ocupa de fatores contemporâneos na mos comunicar algo, sempre estaremos forma alguma, afirmar que o hinário
mudança cultural. Não é à toa que Timo- fazendo muitos tipos de escolhas culturais deve ser abandonado. A reflexão é sobre
thy Keller, pastor titular da conceituada e que vão além de “idioma e vocabulário, colocá-lo em uma posição que elimina as
contextualizada Redeemer Presbyterian expressividade emocional e ilustrações. expressões musicais contemporâneas que
Church, em Manhattan, afirma que “a ha- Contextualização afeta a maneira de ra- também estão em harmonia com os prin-
bilidade de contextualizar é um dos segre- ciocinar, porque uma forma de apelo é per- cípios bíblicos. A falta de compreensão so-
dos do ministério eficaz hoje”.5 suasiva às pessoas de uma cultura, mas bre o que significa contextualizar pode nos
não às de outra”.8 Quanto mais cedo en- levar a comunicar uma verdade eterna em
A necessidade tendermos que, embora exista apenas um uma língua morta.
Entre os vários “mundos” que convivem único evangelho verdadeiro, não existe Outro perigo está na contextualiza-
em nosso pequeno planeta,6 diferindo uns uma apresentação única e universal das ção acrítica, uma aceitação sem filtros da
dos outros não apenas em aspectos étni- boas-novas que seja inteligível a todas as cultura ao redor, uma rendição do evan-
cos e religiosos, mas em fatores sociocultu- pessoas, mais nos dedicaremos a contex- gelho a antigas crenças, rituais, costumes,
rais, políticos e filosóficos, temos o mundo tualizar de forma consciente, responsá- artes e filosofias, que resultam no sincre-
do cristianismo ocidental, onde ser cristão vel e bíblica, compreendendo e evitando tismo – uma religião diferente por meio de
passou a ser mais uma tradição e menos os possíveis e reais perigos que envolvem uma superacomodação a uma cosmovisão
uma realidade na vida diária; o mundo dos essa conduta. incompatível com a Bíblia. Exemplos dis-
pobres, com mais de 1 bilhão de pessoas fa- so se encontram em expressões evangé-
mintas amontoadas nas favelas do planeta; Os perigos licas do chamado movimento emergente.
e, o mundo urbano, com mais de 300 cida- De forma resumida, os perigos e efei- Desse modo, precisamos estar atentos
des cuja população em cada uma delas ul- tos desagradáveis podem estar mais inti- a essas posturas, em uma época de certa
trapassa 1 milhão de habitantes, alguns dos mamente ligados à postura do sujeito da tensão entre tentativas de se formar co-
quais se encontram bem entrincheirados contextualização. É preciso evitar os ex- munidades contextualizadas e o receio de
em selvas de prédios e condomínios pla- tremos de pensar que é possível evitar a contextualizar. Não podemos cair na inge-
nejados para suprir suas necessidades. São contextualização ou contextualizar sem nuidade de pensar que a cultura é neutra,
grupos variados que necessitam ser alcan- filtros, de forma acrítica.9 nem nos permitir o radicalismo de nos ne-
çados de formas diversificadas. Se acharmos que é possível evitar a con- garmos a interagir com ela. Necessitamos
O fato é que o processo de globalização, textualização e, portanto, nos negarmos a de sensatez teológica e refletir, a partir do
percebido como “o crescente fluxo de co- aplicá-la em nossa comunidade, incons- texto bíblico, a fim de manter a identida-
mércio, finanças, cultura, ideias e pessoas cientemente já estaremos profundamente de e oferecer relevância.

18 | JUL-AGO • 2017
Paradigma bíblico também eu sou de Cristo.” Os leitores no pequeno grupo ou mesmo em nosso mi-
Apesar da necessidade de um artigo de 1 Coríntios são levados ao Paradigma nistério? Pessoas não cristãs e mesmo de
apenas para esse tema, não se pode dei- por excelência e à essência do discipu- outras profissões de fé sentem-se atraídas
xar de mencionar o padrão bíblico revela- lado – ser como Jesus. Ele é o padrão da por nós como os “pecadores” dos dias de
do e evidenciado na encarnação de Jesus e contextualização. Jesus se sentiam por Ele? Estamos, de forma
na postura de Paulo como referência para Nas palavras da autora, podemos en- consciente, descobrindo as pontes para “ga-
a contextualização. Quando falamos sobre tender a paixão de Paulo pelo método de nhar” e “salvar”, ou simplesmente seguindo
contextualização em Paulo, é possível que Jesus: “Quando contemplamos a genero- modas teológicas que levam a algum tipo
1 Coríntios 9:19-2310 seja o primeiro tex- sidade de Cristo para com os pobres e so- de sincretismo? Precisamos urgentemente
to a ser lembrado. De fato, essa passagem fredores, Sua paciência para com os rudes e retornar, reaprender os paradigmas bíbli-
ressalta a relação do contextualizar com o ignorantes, Sua abnegacão e sacrifício, fica- cos, conviver e conhecer realmente a co-
discipular: cinco vezes Paulo utiliza o verbo mos em estado de admiração e reverência. munidade ao nosso redor e contextualizar
“ganhar” e, então, o conecta com “salvar”. Que dádiva concedeu Deus ao ser huma- de forma equilibrada, mantendo a identida-
Lido no contexto da carta, o texto indica mais no, alienado Dele pelo pecado e pela de- de e oferecendo relevância.
do que uma estratégia; aí está o estilo de sobediência! Bem podem as lágrimas fluir
Referências
vida do apóstolo, sua conduta amorosa e o coração comover-se na contemplação
1
 er voto 2015-129 da Divisão Sul-Americana da
V
de servo que se contextualiza a diferentes desse amor inexprimível! Cristo Se rebai-
Igreja Adventista do Sétimo Dia sobre a definição
culturas para ganhar pessoas. Ellen White xou ao nível da humanidade, para que pu- de Centros de Influência, Espaço Novo Tempo e
usou esse aspecto de Paulo como para- desse alcançar o ser humano mergulhado Trabalho com Grupos Específicos.

digma para os pastores: “O ministro não nas profundezas da miséria e degradação, e 2


David J. Bosch, Missão Transformadora (São
Leopoldo, RS: EST, Sinodal, 2002), p. 503.
deve julgar que toda a verdade tem que erguê-lo para uma vida mais nobre”.12
3
Barbara Helen Burns, Contextualização Missionária
ser apresentada aos incrédulos em toda e Jesus é o exemplo mais esplêndido de (São Paulo, SP: Vida Nova, 2011), p. 57.
qualquer ocasião. Ele deve estudar com cui- identificação cultural na história da huma- 4
Bruce J. Nicholls, Contextualização (São Paulo, SP:
dado quando convém falar, o que dizer, e o nidade.13 Ao Se identificar conosco, Ele não Vida Nova, 2013), p. 27.
que deixar de mencionar. Isso não é usar de perdeu Sua identidade. Ao Se mostrar re- 5
 imothy Keller, Igreja Centrada (São Paulo, SP: Vida
T
Nova, 2015), p. 109.
engano; é trabalhar como Paulo fazia. [...] levante a nós, não Se diluiu em nossa na-
Assim variava o apóstolo sua maneira de tureza. Ele Se tornou humano sem deixar
6
Mark Shaw, Lições de Mestre (São Paulo, SP: Mundo
Cristão, 2004), p. 177.
trabalhar, adaptando sua mensagem às cir- de ser Deus e nos envia no mesmo padrão 7
Paul Hiebert, Transformando Cosmovisões (São
cunstâncias em que se achava. [...] Os obrei- encarnacional – identificação sem perda da Paulo, SP: Vida Nova, 2016), p. 265.
ros de Deus devem ser homens de múltiplas identidade. “Assim como o Pai Me enviou, 8
Keller, p. 115.
facetas; isto é, devem possuir largueza de Eu também vos envio” (Jo 17:18; 20:21). A 9
 aul Hiebert, O Evangelho e a Diversidade das
P
caráter. Não devem ser homens apegados a contextualização crítica, bíblica, torna vi- Culturas (São Paulo, SP: Vida Nova, 1999), p. 189.

uma só ideia, estereotipados em sua manei- sível o Corpo invísivel de Cristo – a igreja, 10
 ara um estudo exegético e teológico desse
P
texto, ver Daniel Rode, em Pensar la Iglesia Hoy
ra de agir, incapazes de ver que sua defesa e de forma apropriada nos faz entrar na
(Libertador San Martin, Argentina: Editorial
da verdade deve variar segundo a espécie cultura, desafiar a cultura e apelar aos ou- Universidad Adventista del Plata, 2002), p. 333-349.
de pessoas entre as quais trabalham, e as vintes,14 assim como Paulo fez, ao seguir o 11
Ellen G. White, Obreiros Evangélicos (Tatuí, SP: Casa
circunstâncias que se lhes deparam”.11 exemplo amoroso e abnegado Dele. Publicadora Brasileira, 1993), p. 117, 118, 119.

Mais adiante, em 1 Coríntios 10:32–11:1,


12
 llen G. White, Ministérios Para as Cidades (Tatuí,
E
SP: Casa Publicadora Brasileira, 2012), p. 58.
Paulo apresenta a contextualização como Conclusão 13 
John Stott, Ouça o Espírito, Ouça o Mundo (São
expressão de amor, cujo padrão é Cristo: Até que ponto estamos dispostos a adap- Paulo, SP: ABU Editora, 1998), p. 359.
“Não vos torneis causa de tropeço nem tar nossas comodidades culturais, jargões 14
Keller, p. 144.
para judeus, nem para gentios, nem tam- denominacionais e estruturas a fim de criar
pouco para a igreja de Deus, assim, como uma cultura de diálogo com grupos que não Geraldo Beulke Júnior,
também eu procuro, em tudo, ser agradá- possuem as mesmas convicções que nós? doutorando em Teologia
Pastoral (Unasp, EC), é
vel a todos, não buscando o meu próprio Temos criado uma atmosfera de amizade,
Gentileza do autor

pastor em Vila Velha, ES


interesse, mas o de muitos, para que se- confiança e graça para aqueles que duvi-
jam salvos. Sede meus imitadores, como dam e questionam, seja na congregação,

Diga-nos o que achou deste artigo: Escreva para ministerio@cpb.com.br ou visite www.facebook.com/revistaministerio

JUL-AGO • 2017 | 19
EXEGESE

A vidente de Endor
Luiz Gustavo Assis

O
s israelitas estavam em guerra no- A necromante da importância do jejum no contexto de
vamente. Dessa vez, as tropas de Em 1 Samuel 28:7, ela é chamada de ‘ešet consulta a uma divindade no Antigo Orien-
Saul se preparavam para enfrentar ba‘alat’ ‘obh, uma expressão que geral- te pode ser visto em 2 Crônicas 20, em que
os poderosos filisteus. O local da batalha mente é traduzida como “uma mulher que o rei Josafá reúne toda a nação e proclama
era o vale de Jezreel, uma área estratégi- invoca espíritos” (NVI) e “uma mulher que um jejum nacional com o objetivo de bus-
ca para controlar as importantes rotas de seja médium” (ARA). A personagem era car ao Senhor (v. 3, 4). Os termos hebraicos
comércio da região. O povo de Israel mon- uma intermediária entre os vivos e os mor- utilizados nesses versos para essa “busca”
tou seu acampamento no monte Gilboa, a tos; não uma bruxa, como é costumeira- a Yahweh, baqash e darash (v. 3, 4) são os
poucos quilômetros do exército filisteu, em mente apresentada, mas uma necromante. mesmos usados em 1 Samuel 28:7. Portan-
Suném (1Sm 28:4). A cena intimidou Saul No entanto, a descrição do versículo 7 pode to, parece não ter sido mera coincidência o
(v. 5) e, para piorar, Deus não respondia ser também traduzida como “uma mulher jejum de Saul nessa situação.
a seus apelos por meio de sonhos, Urim [que serve] a senhora dos espíritos ‘obh.”
ou dos profetas, modos legítimos de re- Essa “senhora” provavelmente seja Shap- O ritual
velação nos tempos bíblicos (v. 6). Por re- shu, uma deusa solar do panteão da cidade A terminologia usada no diálogo entre
comendação de seus servos, o rei foi ao de Ugarite, atual Ras Shamra, na Síria.2 Os o monarca israelita e a necromante apre-
encontro de uma necromante na cida- textos de Ugarite são de extrema impor- senta muitas pistas que explicam as cren-
de de Endor (v. 7, 8), a moderna Khirbert tância para entender a religião cananita no ças dessa mulher. A palavra “espírito” no
es-Safsafe, aproximadamente sete quilô- período bíblico. Neles, Shapshu é descrita versículo 8 é o termo hebraico ‘obh, que
metros do monte Gilboa, e muito próxima em textos mitológicos e religiosos como al- provavelmente é emprestado da língua
do acampamento filisteu. Saul se disfarçou guém capaz de trazer o espírito dos mor- hitita (api) e que também é encontrado
(v. 8) justamente para não correr o risco de tos do submundo para o mundo dos vivos em documentos sumerianos, acadianos
ser identificado como líder dos israelitas. durante a noite. É possível que essa deusa e ugaríticos. Seu significado básico nes-
Ele estava entrando em terreno inimigo. fosse um tipo de “padroeira” da necroman- sas línguas é “fossa/poço para sacrifício”.3
Esse é o pano de fundo da narrativa te de Endor. Isso também poderia explicar Existem alguns exemplos em textos en-
mais importante das Escrituras relaciona- o motivo do rei e de seus servos terem ido contrados nas terras bíblicas onde fos-
da ao envolvimento de um israelita com a consultá-la à noite (v. 8, 20, 25). Invocar os sas ou poços eram usados para rituais de
necromancia, a prática de buscar os mor- mortos durante a noite também era uma necromancia. O exemplo mais antigo é o
tos com o propósito de revelar o desconhe- prática confirmada por textos de Ugarite conto “Gilgamesh, Enkidu e o Submundo”,
cido ou prever o futuro.1 Explicitamente e dos Hititas, uma importante civilização produzido na cidade de Nippur, no sul da
condenada no Antigo Testamento (Lv 19:31, que governou parte do Antigo Oriente Mé- Mesopotâmia, atual Iraque. Nessa histó-
Dt 18:10-11 e Is 8:19), a necromancia é bem dio durante o 2º milênio a.C. ria, o amigo de Gilgamesh, Enkidu, volta
atestada no Antigo Oriente Médio, e os O fato de Saul ter evitado alimentos do mundo dos mortos através de um bu-
textos daquela região podem ajudar o lei- durante o dia (v. 20) parece indicar um raco cavado no chão.4
tor moderno a ter uma compreensão mais certo requisito para aquele ritual de ne- Alguns textos hititas também descre-
adequada do que ocorreu naquela noite cromancia. O objetivo? Assegurar a lide- vem rituais de necromancia nos quais se
em Endor. rança “divina” para a ocasião. Um exemplo utilizam poços no chão. Nesses relatos,

20 | JUL-AGO • 2017
uma “mulher velha”, em hitita haššawa,
realiza uma cerimônia noturna na presen-
ça de vários religiosos, incluindo exorcistas,
sacerdotes e médicos. Nos poços, também
chamados de “fossas para sacrifício”, era
colocado sangue de vários animais, entre
eles porco, cachorro, aves e cordeiro. Além
do sangue, uma mistura de azeite, mel,
queijo, leite, vinho e cerveja era oferecida
como libação às divindades do submundo.
Todos esses elementos eram despejados
dentro da fossa. Curiosamente, outros
dois objetos eram colocados ali: uma ore-
lha de prata, símbolo do desejo dos adora-
dores de ouvir a mensagem do submundo,
e uma pequena escada de prata, simboli-
zando a vontade dos adoradores de que o
espírito requerido saísse do poço.5 O último
exemplo vem de Ugarite, onde no conto de
Aqhat (2Aqht I, linhas 26-29), o “espírito
de um poço” é mencionado.
Por causa dessas informações, creio que
a primeira parte do versículo 8 deva ser lida
“invoque para mim através de um poço/
fossa de sacrifício”, ao invés de “invoque
um espírito para mim”. A segunda parte
do mesmo texto concorda com essa pro-
posta quando diz “fazendo subir aquele
cujo nome eu disser” (ARA). A presença do
verbo hebraico ‘alah, “subir”, faz sentido se
‘obh for um poço/fossa de sacrifício, como
Um olhar mais
descrito no parágrafo anterior. profundo sobre
A necromante descreveu seu transe no
versículo 13 com as palavras: “vejo deuses a experiência
que sobem da terra”. A Almeida Revista e
Corrigida traduziu corretamente do origi- de Saul em
nal, ao contrário das outras traduções con-
sultadas, que traduziram o sujeito da frase
1 Samuel 28
no singular: “um deus que sobe da terra”.
Esse é um detalhe importante numa leitu-
ra atentiva do texto. A mulher está vendo
“deuses que sobem da terra” (v. 13), plu-
ral, mas Saul quer saber “qual é a aparên-
cia dele” (v. 14), singular. Temendo por sua
própria vida (v. 8-12), a mulher aproveitou
Photographee.eu / Fotolia

o intenso desejo de Saul para falar com Sa-


muel e disse o que ele gostaria de ouvir,
“um ancião [...] envolto numa capa” (v. 14),
uma descrição extremamente vaga.

JUL-AGO • 2017 | 21
O substantivo hebraico ‘Elohim (v. 13), As evidências apresentadas acima que ocorreu em Endor é chamar aquele in-
Deus ou deuses, dependendo do contex- sugerem que o autor de 1 Samuel esta- cidente de uma manifestação demoníaca
to, também demonstra a familiaridade do va familiarizado com a terminologia e os para ludibriar Saul. Se o monarca israelita
autor bíblico com o pano de fundo religioso procedimentos usados nos rituais de ne- foi até a necromante em busca de orien-
do Antigo Oriente. Nos textos da Mesopo- cromancia do Antigo Oriente. No entan- tação divina, o que ele encontrou foi mais
tâmia, por exemplo, a palavra “fantasma” é to, uma pergunta deve ser respondida: desespero diante do exército filisteu. O rei
precedida pelo sinal utilizado para identifi- Samuel realmente foi trazido do mundo de Israel saiu do pequeno vilarejo de Endor
car divindades (dingir) e, às vezes, o subs- dos mortos pela necromante? A resposta sem esperança nenhuma. Se Satanás pode
tantivo “deuses” é usado para se referir é um enfático não. É muito claro no ver- se disfarçar como anjo de luz (2Co 11:14), um
aos “mortos”. Esse mesmo conceito era co- sículo 6 que Deus não estava Se comu- de seus demônios poderia fazer o mesmo,
nhecido em Canaã, onde os mortos eram nicando com Saul. O que aconteceu em fingindo ser o profeta Samuel.
aparentemente adorados como deuses Endor não teve a aprovação divina. Além
Referências
(cf. Nm 25:2; Sl 106:28). disso, a Bíblia ensina que a morte é um pe-
1
 rika Bourguignon, “Necromancy”, em The
E
Apesar de os textos religiosos dos vi- ríodo de total inconsciência (Ec 9:5-6, 10).
Encyclopedia of Religion, ed. M. Eliade (Nova York:
zinhos de Israel relatarem em detalhes o Um detalhe importante da história em Macmillan, 1987), 10:345-347; Brian B. Schmidt ,
processo de invocação de um espírito, na discussão é que o rei não viu o suposto es- Israel’s Beneficent Dead: Ancestor Cult and
Necromancy in Ancient Israel Religion and Tradition
descrição de 1 Samuel 28 não há encanta- pírito de Samuel, apenas a necromante o (Winona Lake: Eisenbrauns, 1994), p. 154.
mentos ou feitiços recitados pela mulher viu (v. 13, 14). Como dissemos, a descrição 2
 sther J. Hamori, Women’s Divination in Biblical
E
durante o ritual, provavelmente devido à da mulher foi muito vaga: um ancião ves- Literature: Prophecy, Necromancy and Other Arts of
Knowledge (New Haven, CT: Yale University Press,
natureza pagã deles. O único vislumbre dis- tindo um manto (v. 14). Essas característi-
2015), p. 106; David T. Tsumura, The First Book of
so no relato bíblico é o uso do verbo hebraico cas levaram Saul a reconhecer (‘yada) que Samuel (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2007), p. 631.
qara’, “chamar”, usado para descrever a in- “Samuel” fora trazido de volta (v. 14). Não 3
 arry A. Hoffner, “Second Millennium Antecedents
H
vocação de Samuel (v. 15). Essa é a mesma houve identificação visual, apenas um diá- to the Hebrew ‘Ob”, Journal of Biblical Literature,
v. 86, n. 4 (1967), p. 385-393.
raiz verbal usada em textos ugaríticos para logo entre os dois.
4
 enjamin Foster, The Epic of Gilgamesh (Nova York:
B
detalhar a invocação dos mortos. W. W. Norton and Company, 2001), p. 138.
No fim da cerimônia, a mulher sacrificou Conclusão 5
 illie Jean Collins, “Necromancy, Fertility and the
B
(zabah) um bezerro e pediu que Saul o co- Pode causar desconforto ao leitor da Dark Earth: The Use of Ritual Pits in Hittite Cult”,
em Magic and Ritual in the Ancient World, eds. Paul
messe (v. 24). Em textos ugaríticos e hititas, Bíblia o fato de o texto claramente dizer
Mirecki e Marvin Meyer (Leiden: Brill, 2002),
sacrifícios eram feitos antes da manifesta- “Samuel” ao referir-se a esse espírito. En- p. 224-242.
ção de um espírito, a fim de convidá-lo para tretanto, é importante lembrar que as his- 6
Benjamin R. Foster, Before the Muses: An Anthology
a reunião necromântica. Aqui o sacrifício foi tórias bíblicas são narradas muitas vezes of Akkadian Literature (Bethesda, MD: CDL Press,
1996), 2:637-638.
feito no fim do ritual. Qual o motivo? Um do ponto de vista dos personagens en- 7
 illiam Dyrness, Themes in Old Testament Theology
W
texto acadiano da cidade de Nínive (K 2779) volvidos. Para a necromante, e especial- (Downers Grove: InterVarsity, 1979), p. 85: “Seres
tem instruções de como fazer sacrifícios mente para Saul, aquela entidade era o humanos vivem como almas, eles não ‘possuem’
almas.” Ellis R. Brotzman, The Plurality of ‘Soul’ in
após um ritual de consulta aos mortos. Eles falecido profeta Samuel. Contudo, à luz the Old Testament with Special Attention Given to
deveriam ser feitos ao deus do submundo de outras porções das Escrituras, sabe- the Use of Nepeš (tese de doutorado, New York
University, 1987), p. 222: “A ênfase do texto [Gn 2:7]
na Mesopotâmia, Shamash, e para o mor- mos que isso não é possível. Ao contrá-
é sobre o homem como um nephesh, uma criatura,
to consultado, a fim de proteger o ofertan- rio da crença dos povos vizinhos de Israel, uma unidade. A ideia desse texto, e do Antigo
te de consequências mortais após o contato que faziam diferenciação entre alma e cor- Testamento inteiro, é completamente oposta à
noção grega da ‘alma aprisionada’ no corpo, e à
com aquele espírito.6 Contudo, para Saul, a po, o ensino bíblico é muito simples: não ideia expressa em algumas divisões do pensamento
“função protetora” do sacrifício em Endor há separação entre esses dois elementos. protestante, que ensinam que o caminho para justiça
é encontrado ao subjugar o corpo e exaltar ‘a parte
foi ineficaz. No dia seguinte, quando a bata- As 754 ocorrências da palavra hebraica ne-
mais elevada do homem’. O termo nephesh descreve
lha contra os filisteus estava chegando a um phesh, traduzida como “alma” em algumas o ser humano como um todo.”
fim trágico para Israel, ele cometeu suicídio, passagens do Antigo Testamento, nunca
e três de seus filhos foram mortos no monte carregam o significado de uma entidade Luiz Gustavo Assis é
Gilboa, no vale de Jezreel (1Sm 31:2-6). O rei separada do corpo, capaz de viver quando mestre em Arqueologia do
Antigo Oriente Médio pela
não foi protegido das consequências mor- este não existe mais.7 Se o profeta Samuel
Gentileza do autor

Trinity Evangelical Divinity


tais para aqueles que decidem consultar mé- não foi trazido da morte por esse ritual de School, Estados Unidos
diuns e feiticeiros e não Yahweh (cf. Is 8:19). necromancia, a melhor explicação para o

22 | JUL-AGO • 2017
TEOLOGIA

Mais do que um símbolo


A pessoa e a obra de Cristo manifestas no Antigo Testamento

Karl Boskamp
“T oda a Escritura é inspirada por Deus”
(2Tm 3:16). Esse versículo resume um princípio
de interpretação denominado Tota Scriptura,
um “canon” dentro do Canon. Toda a Bíblia, e não
somente uma parte dela, é inspirada por Deus. Esse
preceito, juntamente com o da Sola Scriptura, sempre
que destaca o valor de todos os livros que integram esteve no centro do desenvolvimento doutrinário
as Sagradas Escrituras e refuta a ideia de conceder adventista, e constitui uma premissa indispensável
graus de inspiração entre eles ou de estabelecer para a correta compreensão do Texto Sagrado.1

Montagem sobre imagens de Kenneth Sponsler; Astrug; Jozefklopacka e Javier C. Acosta / Fotolia

JUL-AGO • 2017 | 23
Apesar disso, nem sempre é fácil integrá-lo Trabalhei por algum tempo no Ministé- verdades expostas no AT. Respondeu às
à práxis da vida cristã. Há um problema que rio Jovem. Certa ocasião, alguém fez a pro- tentações com um “está escrito”, e apro-
ressurge de vez em quando: Que utilidade posta de um novo modelo de ano bíblico veitou cada oportunidade para recordar
tem o Antigo Testamento (AT) para os para os estudantes em nossas escolas. Era algo do que estava na Bíblia Hebraica. Con-
cristãos? uma versão resumida e, o “promotor”, ao tudo, não Se limitou somente a isso. Ele
fazer o lançamento do projeto, enfatizou declarou que era o cumprimento das Escri-
Uma visão distorcida que os alunos certamente iriam apreciar, turas, de modo que elas davam testemu-
Certa vez, um grupo de jovens me mos- pois, todas as partes maçantes da Bíblia nho Dele (Jo 5:39). Foi devido a essa regra
trou uma Bíblia. Percebi que ela era mais haviam sido tiradas! hermenêutica que Jesus pôde dizer um sá-
fina do que as que eu conhecia, não porque A leitura seletiva das Escrituras não é bado, na sinagoga, após ler Isaías 61:1 e 2:
suas letras fossem menores, mas simples- uma proposta de todo errada. Ela é uma “Hoje, se cumpriu a Escritura que acabais
mente porque era uma versão in- de ouvir” (Lc 4:21). Do mesmo modo,
completa. Continha somente o Novo assegurou com convicção que Abraão
Testamento (NT) e o livro de Salmos. viu o Seu dia (Jo 8:56) e que Moisés
Muitos cristãos defendem que ape- escreveu a respeito Dele (Jo 5:46, 47).
nas o NT é suficiente para pregar o Após toda a consternação sofrida na
evangelho e apresentar a doutrina
A leitura seletiva das cruz, Jesus disse a dois discípulos no
cristã. Consideram o AT ultrapassa- Escrituras não é uma caminho para Emaús: “Porventura,
do, abolido e têm pouco interesse em não convinha que o Cristo padecesse
examinar suas páginas. Assim, abrem proposta de todo errada. e entrasse na Sua glória? E, começan-
mão dele. O problema se agrava ain- do por Moisés, discorrendo por to-
da mais quando se aceita certa di-
Ela é uma excelente dos os profetas, expunha-lhes o que
cotomia entre as descrições de Deus opção para quem está a Seu respeito constava em todas as
presentes em ambos os Testamen- Escrituras” (Lc 24:26, 27, grifos acres-
tos. Em um deles, um Senhor irado e começando a estudar centados). Em outra ocasião, voltou a
justiceiro. No outro, um Pai amoro- reiterar: “São estas as palavras que Eu
a Bíblia. O problema é
so e perdoador. No segundo século vos falei, estando ainda convosco: im-
depois de Cristo, um cristão de ori- quando isso se prolonga portava que se cumprisse tudo o que
gem grega já havia enfatizado essa de Mim está escrito na Lei de Moisés,
distinção. Marcião rejeitou todo o AT por toda a vida, e nos Profetas e nos Salmos” (Lc 24:44,
e os livros do NT que se vinculavam piora quando se torna grifos acrescentados). Ambas as re-
mais diretamente a este. Tirar o AT ferências aludem à totalidade do AT,
da Bíblia é uma postura radical, po- normativo. tal como havia sido preservado no ca-
rém, não é a única maneira na qual se non judaico.2
manifesta o problema. Desse modo, é possível afirmar
Quando aceitei a fé cristã, com mi- que o AT possui muitos símbolos e
nha mãe, lembro-me de como ela se es- excelente opção para quem está começan- profecias que revelam antecipadamente a
forçava todos os anos para fazer seu ano do a estudar a Bíblia. O problema é quando vida e obra de Jesus. No entanto, Cristo não
bíblico. No entanto, logo desanimava após isso se prolonga por toda a vida, e piora aparece no AT somente como uma figura
chegar ao livro de Levítico ou, no melhor quando se torna normativo. ou promessa de alguém que viria à Terra.
dos casos, ao primeiro livro de Crônicas. A A partir dessas considerações, nota-se a
luta que minha mãe enfrentava é a mesma dificuldade que muitos cristãos enfrentam Mais do que um símbolo
que muitos cristãos experimentam atual- em relação ao AT. No entanto, sua com- A preexistência de Jesus é um ensina-
mente. Eles aceitam o AT como Palavra de preensão é fundamental para a doutrina mento básico da doutrina cristã.3 Entre-
Deus, mas acham-no complicado e enfa- e a missão da igreja. tanto, em determinadas ocasiões, parece
donho. Para resolver esse problema, re- que tal ensino foi compreendido como
correm a uma leitura seletiva, ou seja, leem A hermenêutica de Jesus se fosse uma mera abstração teológi-
somente aquilo que julgam agradável ou Ao longo do Seu ministério, Cristo ca, e que essa preexistência situava o Fi-
interessante. constantemente dirigiu Seus ouvintes às lho de Deus no Céu, separado da realidade

24 | JUL-AGO • 2017
humana, aguardando o momento para en- Essas citações rompem com qualquer Os 66 livros que compõem a Bíblia che-
trar na história somente a partir de Seu nas- dicotomia entre o Deus do AT e o do NT, lei garam às nossas mãos manchados com o
cimento. Nada é mais distante da realidade! e graça, antigo e novo pacto. Desde que o sangue dos profetas, apóstolos e márti-
Quando Paulo falou da peregrinação de ser humano caiu em pecado, foi Cristo, a se- res que durante séculos entregaram sua
Israel no deserto, afirmou que os israeli- gunda pessoa da Divindade, quem Se ofe- vida para registrar e preservar aquilo que
tas “bebiam de uma pedra espiritual que receu como mediador entre Deus, o Pai, e temos herdado. Deus, em Sua providên-
os seguia. E a pedra era Cristo” (1Co 10:4). a humanidade condenada. A mesma voz cia, deixou-nos esse legado escrito como
Pedro declarou que aos profetas foram re- que ensinou por meio de parábolas junto um registro fidedigno de Sua verdade. Te-
velados pormenores da vida de Jesus, pois ao mar da Galileia, é a voz que falou “muitas mos a sagrada responsabilidade de esqua-
o próprio “Espírito de Cristo, neles estava” vezes e de muitas maneiras” por intermé- drinhar “todas” as Escrituras, já que nelas
(1Pe 1:10-12). dio dos profetas que escreveram os livros encontramos a única salvaguarda para os
“Em todas estas revelações da tempos difíceis que ainda virão. A
presença divina, a glória de Deus compreensão de toda verdade reve-
se manifestava por meio de Cristo. “Em todas estas lada na Palavra de Deus requer esfor-
Não somente por ocasião do adven- ço e dedicação, mas, principalmente,
to do Salvador, mas através de todos revelações da presença a iluminação do Espírito Santo.
os séculos após a queda e promes- Portanto, o AT e o NT são duas ja-
divina, a glória de Deus
sa de redenção, ‘Deus estava em nelas que mostram duas perspecti-
Cristo reconciliando consigo o mundo’ se manifestava por meio vas diferentes da mesma paisagem:
(2Co 5:19). Cristo era o fundamento e Cristo e Sua obra.
centro do sistema sacrifical, tanto da de Cristo. Não somente
Referências
era patriarcal como da judaica. Des-
por ocasião do advento 1 
Richard M. Davidson, “Interpretación bíblica”,
de o pecado de nossos primeiros pais,
Tratado de Teología Adventista Del Séptimo
não tem havido comunicação dire- do Salvador, mas através Día (ACES, 2009), p. 68-79; Frank M. Hasel,
ta entre Deus e o homem. O Pai en- “Presuposiciones en la interpretación de las

tregou o mundo nas mãos de Cristo,


de todos os séculos após Sagradas Escrituras”, Entender las Sagradas
Escrituras, ed. George W. Reid (ACES, 2010),
para que por Sua obra mediadora re- a queda e promessa de p. 33-57.

misse o homem, e reivindicasse a au- 2
Divisões do canon hebraico: Torah (Lei),
toridade e santidade da lei de Deus.”4 redenção, ‘Deus estava Nebi’im (Profetas) e Ketubim (Escritos). O
livro de Salmos era o primeiro e principal da
“Desde o pecado de Adão, a raça
em Cristo reconciliando terceira seção, por isso nomeava toda ela.
humana estivera destituída da co- 3
Mq 5:2; Jo 1:1; 8:58; Cl 1:15-17.
munhão direta com Deus. A comuni- consigo o mundo’ 4
 llen G. White, Patriarcas e Profetas (Tatuí,
E
cação entre o Céu e a Terra era feita SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 366.

por meio de Cristo; mas agora que (2Co 5:19).” 5 


Ellen G. White, O Desejado de Todas as
Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira,
Jesus viera ‘em semelhança da carne 2014), p. 116.
do pecado’ (Rm 8:3), o próprio Pai fa- 6
 llen G. White, Educação (Tatuí, SP: Casa
E
lou. Antes, Ele tinha Se comunicado com do AT. Jesus esteve constantemente ativo Publicadora Brasileira, 2016), p. 73.
a humanidade por intermédio de Cristo; e presente na história de Seu povo. Muitos 7
 ários comentaristas têm identificado esse Ser como
V
o Cristo pré-encarnado (Gn 18; 32:24, 30; Êx 3; 23:20,
agora fazia-o em Cristo.”5 puderam contemplá-Lo visivelmente como
21; 32:34; 33:14; Js 5:13-15; Jz 13; Dn 3:25; 10:1-9; Zc 3:1,2;
“Todo raio de luz divina que já atingiu o o Anjo do Senhor, 7 Miguel ou outra teofa- Ml 3:1).
nosso mundo decaído, foi comunicado por nia. Cada vez que estudamos o AT temos a
meio de Cristo. É Ele que tem falado por possibilidade de escutar a mesma voz ter-
intermédio de todos os que, em todos os na do nosso Salvador. Podemos compreen-
tempos, têm declarado a Palavra de Deus der como Ele cuidou do Seu povo ao longo Karl Boskamp, formado
em Teologia (UAP), é
ao homem. Toda a excelência manifestada de todas as épocas, valorizar a santidade da professor na Universidad
Gentileza do autor

nas maiores e mais nobres almas da Terra, Sua lei, a gravidade do pecado e o enorme Adventista del Plata
era reflexo Dele.”6 preço que custou nossa salvação.

Diga-nos o que achou deste artigo: Escreva para ministerio@cpb.com.br ou visite www.facebook.com/revistaministerio

JUL-AGO • 2017 | 25
HISTÓRIA

A segunda besta
O desenvolvimento da compreensão adventista
a respeito de Apocalipse 13:11

Márcio Costa

S
e você for a um dos Centros de Pesquisa Adven-
tista espalhados pelo mundo, seguramente verá
desenhos, pinturas ou até mesmo peças de ges-
so que representam feras com chifres, cabeças ou asas
nas formas mais assustadoras possíveis. Essas imagens
estão descritas no livro de Daniel e Apocalipse e ilus-
tram os poderes geopolíticos apresentados nas profe-
Andrew / Fotolia

cias, a fim de ajudar o observador a ter uma dimensão


daquilo que o profeta visualizou.

26 | JUL-AGO • 2017
As bestas em profecias geralmente es- Em maio de 1851, John Andrews fez uma Os Estados Unidos
tão relacionadas com a perseguição da- análise bem mais detalhada sobre as pro- na profecia
queles que seguem a Deus. Elas trabalham postas de Hiram Edson e expandiu ainda A propagação desse novo entendimen-
em associação com o dragão (Satanás) e mais a compreensão sabatista acerca da to passou a ser enfatizada nos periódicos
“pelejam contra os santos” ou forçam a besta de Apocalipse 13:11. “Nós enten- e nas pregações sabatistas. Urias Smith,
adoração a ele. A partir de 1843, o mile- demos, então, essa besta de dois chifres que foi editor da Review and Herald por
rismo, movimento iniciado por Guilherme como o símbolo do poder civil e religio- cerca de 50 anos e se destacou por seus
Miller que está na gênese da Igreja Adven- so, que é diferente em muitos aspectos estudos em escatologia, considerou, em
tista do Sétimo Dia, passou a usar painéis daqueles [poderes] que o precederam.” dezembro de 1856, que tal interpretação
gráficos para apresentar sua compreen- Até esse ponto, os dois estudiosos con- da besta de dois chifres era consistente. A
são escatológica. Em 1850, esse recurso, cordavam. Entretanto, Andrews não esta- partir daí, começaram as projeções acerca
avançado para a época, foi utilizado pelos va convencido de que a besta seria Roma das possíveis decisões do governo norte-
adventistas sabatistas e, posteriormen- Protestante. Em seu estudo, ele também americano que afetariam os adventistas
te, também pelos adventistas do sétimo analisou criteriosamente os poderes co- sabatistas. Nas campanhas evangelísticas,
dia, em 1863. nhecidos até seus dias. De forma cautelo- pregadores públicos como C. W. Sperry e
Um detalhe que chama atenção é que a sa, chegou a argumentar que os Estados H. G. Buck reportaram que, em seus ser-
besta de dois chifres que emergiu da terra Unidos da América preenchiam todos os mões, a “argumentação durava o dia intei-
(cf. Ap 13:11) não aparece nos gráficos mile- requisitos da besta; contudo, não afirmou ro, tratando dos desafios dos últimos dias e
ritas. Conforme intérpretes do movimen- isso categoricamente.3 da paciência dos santos”. A compreensão
to, essa profecia havia sido recentemente Em 1851, José Bates, ao contrário de a respeito da besta de dois chifres rapida-
cumprida. De acordo com a compreensão Andrews, não se intimidou em apresen- mente se tornou o assunto central entre
deles, o animal simbolizava Napoleão Bo- tar suas conclusões com relação à besta os sabatistas em seus encontros, evange-
naparte e, os dois chifres, a França e a Itá- de dois chifres. Ele também era um estu- lismos e publicações.7
lia. Essa conclusão foi publicada por Josué dioso das profecias e havia proposto, em Para entender melhor a razão do im-
Himes, pioneiro milerita, que propôs que 1847, que o selo de Deus e a marca da bes- pacto desse assunto, devemos nos
a besta era um símbolo do sistema de go- ta estavam ligados à adoração no sétimo lembrar de que a Primeira Emenda da
verno europeu, naquele tempo dominado e primeiro dia da semana, respectivamen- Constituição norte-americana afirma que
pelo imperador francês.1 te. Bates e Otis Nichols, o responsável pela “o Congresso não fará nenhuma lei no sen-
publicação do gráfico de 1850, vinham de- tido de estabelecer uma religião, ou proi-
Da Europa para a batendo o assunto há algum tempo e, após bindo seu livre exercício”. Ainda hoje esse
América do Norte verificar os argumentos de Andrews, Bates texto é muito utilizado na defesa de uma
Entretanto, a partir de setembro de afirmou que a besta de Apocalipse 13:11 era rígida separação entre Igreja e Estado e na
1850, os adventistas sabatistas prove- os Estados Unidos da América.4 alegação de que as atividades de ambas
nientes do milerismo passaram a rejeitar Na sequência, John Loughborough fez devem ser limitadas à sua respectiva es-
as ideias de Himes. Ao estudar o assun- novas propostas que acenderam um in- fera. Thomas Jefferson, um dos “pais fun-
to de Babilônia em Apocalipse 17:1, 5 e 15, tenso debate nas páginas da Review and dadores” dos Estados Unidos, afirmou em
eles chegaram a um novo entendimento. Herald, periódico oficial dos adventistas sua carta aos batistas de Danbury, Con-
Os pesquisadores viam na segunda besta sabatistas. Em abril de 1854, ele publicou necticut: “Eu contemplo com soberana re-
uma combinação entre a Igreja e o Estado. um livreto de 52 páginas com afirmações verência aquela emenda de todo o povo
Abandonando a proposta de Himes, Hiram bem mais refinadas sobre o assunto, con- americano, a qual declara que sua legis-
Edson, um dos pioneiros sabatistas, che- firmando as evidências de Andrews.5 lação não deverá fazer ‘nenhuma lei no
gou a declarar que “é certo que essa besta Finalmente, John Andrews revisou e ex- sentido de estabelecer uma religião, ou
de dois chifres não se aplica ao reino de Bo- pandiu sua pesquisa anterior e, dessa vez, proibindo seu livre exercício’, desse modo,
naparte”. Ele foi mais além, indicando que concluiu o pensamento que havia lançado construindo um muro de separação entre
o animal simbolizaria “Roma Protestan- em 1851. Em abril de 1855, ele afirmou que Igreja e Estado.”8
te” e, ao mesmo tempo, a sétima cabeça “o único governo civil entre todos que já Por conta da ênfase na distinção dessas
da besta que emergiu do mar. Ao finalizar, existiram, exibindo a aparência semelhan- duas instituições, a interpretação adven-
também sugeriu que “os dois chifres são te à de cordeiro, conforme o símbolo, são tista da besta de Apocalipse 13:11 tornou-se
os poderes civil e eclesiástico”.2 os Estados Unidos”.6 um ponto escatológico tão conhecido que

JUL-AGO • 2017 | 27
gerou grande interesse dentro da própria Por fim, em 1884, a autora citou nomi- a fim de que, ao nos depararmos com
denominação. Com o tempo, surgiram de- nalmente os Estados Unidos como a bes- o cumprimento da profecia, possamos
partamentos de Liberdade Religiosa, revis- ta de dois chifres. Em sua análise, o poder reconhecer os sinais dos tempos, con-
tas temáticas, associações e, até mesmo, que a nação recebe vem da existência si- forme nos alertam as bestas e os diagra-
interlocutores entre a igreja e o governo. multânea do Estado e da Igreja. Para ela, mas expostos nos Centros de Pesquisa
Tudo isso em favor da manutenção do li- nem a Igreja nem o Estado sozinhos se- Adventista.
vre exercício da fé, embora o prognóstico riam suficientes para o empoderamento
Referências
seja muito negativo. da besta. Desse modo, ambas as institui-
1
Joshua V. Himes, “Watchmen! Give Them Warning
No futuro, espera-se que a pressão ções necessitam ser controladas por Sa-
from Me!”, Signs of the Times, 21/2/1844, p. 15. Ver
política nos Estados Unidos leve à apro- tanás, a fim de que ele consiga impor a também LeRoy Edwin Froom, The Prophetic Faith
vação de leis federais que sejam aberta- tribulação que pretende provocar. As- of Our Fathers: The Historical Development of
Prophetic Interpretation, (Washington, D.C.: Review
mente inconstitucionais. Estima-se que sim, o mal que sobrevirá não será fruto and Herald, 1946-54), v. 4, p. 850.
ocorrerá um movimento religioso-político do governo americano em sua forma es- 2
Hiram Edson, “The Third Angel’s Message”, Review
em que os representantes populares, in- tabelecida, mas em sua forma corrompida and Herald, Extra, setembro de 1850, p. 9.
teressados apenas em benefícios e noto- pelo inimigo. Uma legislação religiosa “se- 3
J. N. Andrews, “Thoughts on Revelation 13 and 14”,
Review and Herald, 19/5/1851, p. 84.
riedade, cedam ao erro de outorgar regras ria abertamente contrária aos princípios
4
Joseph Bates, “The Beast with Seven Heads”, Review
persecutórias. Eles instituirão a obrigato- deste governo, ao espírito de suas institui-
and Herald, 5/8/1851, p. 4; O. Nichols, “From Bro.
riedade de observância do primeiro dia da ções livres, às afirmações insofismáveis e Nichols”, Review and Herald, 2/9/1851, p. 22.
semana, que constituirá a “marca da besta” solenes da Declaração da Independência, 5
H. C. S. Caurus, “From Bro. Caurus”, Review and
(cf. Ap 13:16, 17). e à Constituição”. Dentro dos princípios Herald, 18/10/1853, p. 120; J. B. Frisbie, “From Bro.
Frisbie”, Review and Herald, 8/11/1853, p. 142; John N.
de estabelecimento do governo norte- Loughborough, The Two-Horned Beast, the United
A interpretação americano, isso seria inaceitável.10 States (Rochester, NY: Review and Herald, 1854);
de Ellen White De acordo com a escatologia adven-
T. M. Steward, “From Bro. Steward”, Review and
Herald, 15/8/1854, p. 6; James White, “New Tracts”,
Ellen White, por sua vez, manteve uma tista, as ações inconsistentes dos Estados Review and Herald, 4/4/1854, p. 88.
postura distinta em meio a todo o calor Unidos trarão consequências aos mem- 6
J. N. Andrews, “Three Angels of Revelation”, Review
da descoberta e da reação dos adventis- bros da denominação espalhados ao redor and Herald, 3/4/1855, p. 202. Roswell F. Cottrell
também contribuiu com essa discussão. R. F. Cottrell,
tas sabatistas. Ela estava a par do debate do mundo. Além da perseguição interna, “Speaking of the Image”, Review and Herald,
que agitou o grupo em meados de 1850, Ellen White afirmou que outros países 12/12/1854, p. 134.

mas preferiu não ser tão direta em suas seguirão o exemplo norte-americano e 7
Uriah Smith, “One Year Ago”, Review and Herald,
11/12/1856, p. 44; ibid., “The Two-Horned Beast,
conclusões. Em 1861, em um de seus pri- se levantarão para aprovar leis que res- and How He Has ‘Come up’”, Review and Herald,
meiros comentários sobre a besta de dois tringirão a liberdade religiosa. Apesar do 28/8/1856, p. 136; ibid., “The Two Horned Beast”,
Review and Herald, 12/3/1857, p. 148; C. W. Sperry e
chifres, a escritora contrastou os adorado- prognóstico desfavorável, os adventistas
H. G. Buck, “Tent Meetings in Jamaica, Vt.”, Review
res de Deus com os da besta. Também en- do sétimo dia defenderão o sábado bíbli- and Herald, 25/9/1856, p. 165; Moses Hull, “Extract
fatizou que o nome Adventista do Sétimo co. Para ela, “uma grande crise aguarda o from Letters”, Review and Herald, 25/9/1860, p. 15.

Dia naturalmente elevava-se como um re- povo de Deus”.11 8


 homas Jefferson, “Jefferson’s Letter to the Danbury
T
Baptists”, The Library of Congress Information
púdio à falsa adoração.9 Em suma, ao observar uma ilustra- Bulletin, junho de 1998.
No relato (sem data) de sua visão a res- ção da besta de dois chifres de Apocalip- 9
Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja (Tatuí, SP:
peito da besta de dois chifres, Ellen Whi- se 13:11, devemos ser levados a ponderar Casa Publicadora Brasileira, 2014), v. 1, p. 223.
te estava muito mais preocupada com as a respeito da perda da liberdade religio- 10
 llen G. White, O Grande Conflito (Tatuí, SP: Casa
E
Publicadora Brasileira, 2014), p. 442.
interferências da besta no trabalho evan- sa e da perseguição que decorrerá disso.
11
 llen G. White, Eventos Finais (Tatuí, SP: Casa
E
gelístico que ainda necessitava ser feito Precisamos considerar que as leis religio-
Publicadora Brasileira, 2016), p. 144.
do que propriamente com o significado do sas a ser impostas nos Estados Unidos
símbolo. Ela não citou o nome do país serão adotadas por outras nações, afe-
nem do sistema de governo, deixou de tando mundialmente “os que guardam os Márcio Costa, doutor em
Teologia Histórica (Andrews
lado toda a análise histórica dos demais mandamentos de Deus e a fé em Jesus” University), é professor
Gentileza do autor

pioneiros e preocupou-se com a legisla- (Ap 14:12). O tempo urge por engajamen- do Seminário de Teologia
do Instituto Adventista
ção religiosa que será imposta. to diligente na fé e na missão da igreja,
Paranaense

Diga-nos o que achou deste artigo: Escreva para ministerio@cpb.com.br ou visite www.facebook.com/revistaministerio

28 | JUL-AGO • 2017
MKT CPB | Fotolia

CASAMENTO FELIZ?
“O amor que flui da essência de Deus é verdade, graça, bondade,
perdão, humildade, compaixão, compreensão e muito mais – e é
incondicional. Esse é o tipo de amor que Deus pretendia ao conceder o
dom do casamento à família humana” (p. 22).

WhatsApp

cpb.com.br | 0800-9790606 | CPB livraria | 15 98100-5073


SMS – Envie a mensagem CPBLIGA para o número 28908 /casapublicadora
LIDERANÇA

Aprenda com as ovelhas


Lições do rebanho para pastores que desejam ser bem-sucedidos

Abdoval Cavalcanti

D
urante minha infância e parte da tempo que Moisés dedicou aos rebanhos isolamento, sem a companhia dos amigos
adolescência, ajudei minha família em Midiã, Ellen White diz que ele necessita- e irmãos de fé que, geralmente, passam
a cuidar de lavouras e animais va de uma experiência em diversos deveres pelos mesmos desafios.
na zona rural do município onde moráva- mais humildes para se tornar um cuidador.
mos. Por alguns anos, auxiliei meu irmão “Ao pastorear as ovelhas de Jetro, sua aten- As ovelhas obedecem a uma ove-
mais velho a tomar conta de um pequeno ção foi atraída às ovelhas e aos cordeiri- lha mais velha. Ao contrário do que mui-
rebanho de ovelhas. Foi uma boa experiên- nhos, e aprendeu a guardar essas criaturas ta gente pensa, as ovelhas não seguem
cia tratar desses animais, pois, anos depois, de Deus com mais afetuoso cuidado.”2 apenas o pastor, mas também uma ove-
isso me ajudaria a entender princípios de li- Quero destacar algumas características lha mais velha escolhida naturalmente pelo
derança que seriam muito úteis no exercício de um rebanho de ovelhas, dando ênfase rebanho. Com isso, o animal eleito se tor-
de meu ministério pastoral. Nunca imaginei nas formas de manifestação de compor- na alvo da obediência dos demais. Aonde
que pudesse passar de pastor de ovelhas a tamento e, com isso, apresentar a razão a ovelha líder vai, as outras vão atrás, ain-
pastor de pessoas na Igreja Adventista. No pela qual Jesus relaciona a liderança cris- da que seja para lugares perigosos, como
entanto, Deus me conduziu nessa direção. tã ao pastoreio. abismos ou rios.
Atualmente, vejo que as experiências sim- Lembro-me de que, para deter todo
ples do campo me ajudam muito em minha As ovelhas andam em rebanho. Elas o rebanho em um só lugar, era preciso
preparação para enfrentar os desafios que necessitam andar em grupo, pois essa é apenas amarrar a ovelha líder em um pe-
existem na liderança da igreja local. uma atitude instintiva de autoproteção. queno tronco, e as outras ficavam soltas
Cuidar de ovelhas era uma atividade Assim, sentem-se mais seguras diante de pastando o dia inteiro em torno dessa
que, apesar de simples, tinha implicações possíveis ataques de animais ferozes. referência. Também recordo-me de que,
complexas. Fazia-se necessário conhecer A vida em comunidade na igreja expres- para conduzir o rebanho de um lugar ao
bem seus hábitos alimentares, de sono, de sa por meio das reuniões semanais, das uni- outro, puxávamos apenas a líder por meio
convívio em grupo, entre outros. Para Moi- dades da Escola Sabatina e dos pequenos de uma corda amarrada ao seu pescoço
sés, pastorear ovelhas foi de grande im- grupos é essencial para que os membros ou cabresto, e as outras seguiam fielmen-
Asferico / Fotolia

portância, pois, assim, ele “aprendeu a ser se sintam bem e animados. Dificilmente, te. Com isso, passei a entender que, para
para Israel um cuidadoso pastor”.1 Sobre o eles poderão crescer espiritualmente no que os projetos da igreja funcionem bem,

30 | JUL-AGO • 2017
o pastor precisa contar com o apoio das Como não eram muitas, facilmente ve- que não seja a de seu pastor. Elas “ouvem
ovelhas mais velhas. Elas podem conse- rificávamos a falta da aventureira e íamos a sua voz, ele [o pastor] chama pelo nome
guir resultados expressivos, se bem con- buscá-la. Quando a reencontrávamos, não as suas próprias ovelhas” (Jo 10:3). No mes-
duzidas. O pastor conduz a ovelha líder, e havia em nós sentimento de raiva ou de- mo capítulo, Jesus declara: “Todos quantos
ela, por sua vez, conduz o rebanho. cepção, mas de alegria por tê-la encontrado vieram antes de mim são ladrões e saltea-
Aprendi com o tempo que os líderes com vida. Ellen White afirma que o verda- dores; mas as ovelhas não lhes deram ouvi-
locais podem ter mais influência do que deiro pastor, ao perceber a ausência de uma do” (Jo 10:8). A voz de estranhos soa como
o pastor, devido a alguns fatores: o tem- ovelha, enche-se de cuidados e de apreen- ameaça ao rebanho. As ovelhas que estão
po em que estão na igreja; as amizades já são. Conta e reconta o rebanho. Quando se bem de saúde são indiferentes à voz de
consolidadas; e, o fato de serem indica- certifica de que realmente um animal se per- desconhecidos. Acredita-se que somen-
dos pela própria congregação. Por essas deu, ele não dorme. Quanto mais escura e te os animais doentes e fracos atendem
razões, é muito importante que a igreja tempestuosa a noite, quanto mais perigo- a estranhos.
seja bem atendida por bons líderes, ex- so o caminho, maior é a apreensão do pas- Os pastores não podem descuidar da
perientes e que sejam capazes de condu- tor, e com maior dedicação ele o procura. Faz saúde espiritual de seu rebanho. No pla-
zir os membros a lugares seguros. Esse todos os esforços possíveis para encontrar nejamento das atividades anuais, devem
é um grande desafio para o pastor, pois, a ovelha perdida.3 Assim também se espera priorizar um programa de discipulado
caso as “ovelhas velhas” não transmitam que o ministro faça o mesmo em suas igrejas. bem dirigido, tendo em vista formar cris-
uma boa influência, vários membros po- Ele não deve olvidar esforços no sentido de tãos maduros e espirituais, capazes de se
derão ser conduzidos para o penhasco encontrar a ovelha perdida. Além disso, ja- reproduzir. Aliado a isso, precisa dar aten-
da dissidência, cair nos buracos da revol- mais deve condenar a ovelha que se afastou, ção a programas que orientem a leitura da
ta, da murmuração, da inatividade e, na mas, com cuidado, é desafiado a conduzi-la Bíblia e de boa literatura cristã. Capacita-
pior das hipóteses, da morte espiritual, ao lugar de segurança. ções para a descoberta de dons espirituais
a apostasia. e estimular os membros ao serviço cristão
Quando o pastor percebe que a ovelha Ovelha gera ovelha. Somente elas serão de grande valia.
líder é rebelde e representa uma ameaça são capazes de se reproduzir. O pastor Lembre-se de que Jesus é o Bom Pas-
ao rebanho, ele precisa tomar providências não pode gerar ovelhas, não é natural. Seu tor (Jo 10:11). “Como o pastor busca o seu
imediatas para proteger as demais ovelhas. papel está em escolher o bom pasto, os rebanho, no dia em que encontra ovelhas
Às vezes é necessário que o pastor quebre lugares em que os animais podem encon- dispersas, assim buscarei as Minhas ove-
a perna da ovelha velha para limitar seus trar água, cuidar das feridas e proteger as lhas; livrá-las-ei de todos os lugares para
movimentos ou mude-a para outro lugar, ovelhas de animais selvagens e de ladrões. onde foram espalhadas no dia de nuvens
longe das outras. Aprendi que, para sal- Na igreja, o pastor deve alimentar o e de escuridão” (Ez 34:12). Cristo foi capaz
vaguardar a igreja das influências de maus rebanho com boas mensagens no púlpi- de dar a vida por Suas ovelhas. Ele espe-
líderes, por vezes, faz bem limitar a influên- to, vacinar o rebanho contra as epidemias ra que sejamos pastores capazes de amar
cia deles mudando-os de cargo ou mesmo das falsas doutrinas, erguer e consertar as nossas ovelhas e, se necessário, dar a vida
retirando-os da função, para que não mais cercas do conhecimento doutrinário, a fim por elas.
representem ameaça a outros. de evitar que “animais ferozes” e “ladrões”
Referências
adentrem o redil e firam ou roubem as ove- 1
 llen G. White, Ministério Pastoral (Tatuí, SP: CPB,
E
As ovelhas se dispersam. Quando cui- lhas. É muito importante que ele também 2014), p. 52.
dávamos de ovelhas na zona rural de mi- capacite adequadamente os membros, 2
Ibid.
nha cidade de origem, de vez em quando para que tenham condições de descobrir 3
 llen G. White, Histórias do Grande Mestre (Tatuí, SP:
E
percebíamos a ausência de uma. Aciden- e desenvolver seus dons espirituais. Ade- CPB, 2014), p. 33.

talmente, algumas delas se aventuravam mais, espera-se que o pastor organize o


em pastos aparentemente mais palatáveis. trabalho e crie boas condições para que
Abdoval Cavalcanti,
Depois de algum tempo, o animal se via os membros discipulem novos membros. mestre em Teologia (SALT,
sozinho e em desespero. Na tentativa de Cachoeira, BA), é pastor em
Gentileza do autor

voltar ao rebanho, seguia por caminhos As ovelhas ouvem a voz de seu pas- Manaus

desconhecidos, por isso, se perdia. tor. Elas são incapazes de ouvir uma voz

Diga-nos o que achou deste artigo: Escreva para ministerio@cpb.com.br ou visite www.facebook.com/revistaministerio

JUL-AGO • 2017 | 31
PASTOR COM PAIXÃO David Carrasco Laborío

Confiança total
C
asei-me quando trabalhava na re-
gião Norte do Peru. Durante a gra-
videz de minha esposa, Ana, fomos
transferidos para o distrito missionário de
“El Dorado”. Ali nasceu nosso primeiro fi-
lho, David Alejandro, trazendo muita ale-
gria à nossa casa.
Trabalhamos arduamente no evange-
lismo, pregando a mensagem da salvação
em Cristo. O distrito era composto de 31
igrejas e grupos, todos distantes um do
outro. Lembro-me com satisfação das lon-
gas horas em que caminhava pela selva,
sob chuva, em meio à lama e, raras vezes,
Gentilaza do autor

de motocicleta.
No entanto, minha alegria no ministério
foi se apagando, porque nosso filho come-
çou a apresentar, em seus primeiros me- ordenado ao ministério. Nesse mesmo mais alguns exames e, para sua surpre-
ses de vida, problemas sérios de saúde que ano, conduzimos 201 pessoas ao batismo. sa, a quantidade de células cancerígenas
se complicaram gradualmente. Orávamos No início de 2015, pensávamos que a havia baixado de 1.200 para 120. Nas se-
com lágrimas e súplicas a Deus, mas a con- saúde de nosso filho havia melhorado, mas manas seguintes, a diminuição prosseguiu.
dição de David não mudava. Tivemos de não foi isso que ocorreu. De fato, ela pio- Assombrado pelo que estava acontecen-
enviá-lo várias vezes a Lima para ser aten- rou bastante. Após ser submetido a várias do, o médico exclamou: “É um milagre!”
dido; todavia, ele não apresentava melho- ecografias, os médicos detectaram um tu- David precisará seguir com seu trata-
ra. Eu me perguntava: “Por que Deus não mor maligno em seu sistema genital. O ní- mento durante 10 anos; entretanto, cada
responde nossas orações?” Embora seja vel de células cancerígenas em seu sangue vez que o levamos ao médico, vemos a
um pastor, sou humano e sentia muito pelo era de 1.200, o que normalmente é de 0 a 6. confirmação dos milagres de Deus.
sofrimento de meu filho. Minha esposa e meu filho foram envia- O ministério pastoral tem seus desafios,
Apesar de toda tristeza que sentíamos, dos com urgência a Lima, enquanto fiquei e há tempo para chorar como também para
minha esposa e eu resolvemos firmemente no distrito, dirigindo conferências evan- se alegrar. No entanto, o que jamais deve
que a Obra do Senhor devia avançar. Deci- gelísticas. Meus colegas pastores, os ad- haver é tempo para desconfiar de Deus. As
dimos não cruzar os braços. Preguei mui- ministradores do Campo e os irmãos da provas e os temores pelos quais passamos
tas vezes com o coração partido. Saía de igreja oravam sem cessar. Devido à gra- devem nos levar para mais perto de nosso
casa ainda de madrugada, deixando meu vidade do problema, os médicos precisa- Senhor. Meu versículo preferido tem sido
filho chorando de dor e, depois de visitar ram remover a gônada genital esquerda o Salmo 23:4: “Ainda que eu ande pelo vale
os lares de irmãos, em lugares distantes, de nosso filho. Após a cirurgia, os exames da sombra da morte, não temerei mal ne-
regressava tarde da noite. Não raramen- indicaram que ainda havia células cance- nhum, porque Tu estás comigo.” Portanto,
te, as chuvas me impediam de guiar a moto rígenas em seu corpo. Continuamos cla- sigamos em frente, confiando plenamen-
ou me faziam atolar enquanto caminhava. mando incessantemente. Foi então que te em nosso Deus, sabendo que, em Suas
Quando chegava ao meu lar, encontrava vimos a resposta divina e o poder da ora- mãos, estamos seguros.
meu filho sofrendo em lágrimas. ção intercessora.
Contudo, Deus nos abençoou grande- Antes de iniciar as sessões de quimio- David Carrasco Laborío
é pastor em Lima, Peru
mente. Em 2014 tive o privilégio de ser terapia, o médico responsável solicitou

32 | JUL-AGO • 2017
DIA A DIA Márcio Nastrini

A cerimônia de dedicação
A
cerimônia de dedicação de crianças Alguns itens importantes devem ser Deuteronômio 6:4-7; Salmo 127:3-5; Provér-
enfatiza a gratidão a Deus pelo mi- considerados ao planejar a cerimônia: bios 22:6; Isaías 8:18; Mateus 18:2-6, 10; Ma-
lagre do nascimento. Maria e José Local. Em algumas culturas, a dedica- teus 19:13-15; Marcos 10:13-16; Lucas 2:22-38;
dedicaram o menino Jesus no Templo de ção pode acontecer em casa ou em ou- Lucas 18:15-17. A apresentação da Palavra de
Jerusalém (Lc 2:22). Essa é uma prática es- tros ambientes. No entanto, o ideal seria Deus servirá para enfatizar o compromisso
tabelecida nas Escrituras e ao longo da his- realizá-la durante o serviço de adoração, dos pais em educar a criança “na disciplina e
tória do cristianismo. Diferentemente das no dia principal de culto. Ela deve ser rea- na admoestação do Senhor” (Ef 6:4).
igrejas que praticam o batismo infantil, a lizada quando a maior representação pos- A seguir, o pastor ou ancião que dirige
dedicação de crianças segue o exemplo bí- sível da irmandade estiver presente, a fim a cerimônia, se for somente de uma crian-
blico deixado por Jesus: “Deixai vir a Mim de que a congregação também se compro- ça, poderá segurá-la nos braços. Algumas
os pequeninos, não os embaraceis, por- meta em apoiar os pais no processo edu- crianças têm resistência a pessoas estra-
que dos tais é o reino de Deus. [...] Então, cacional da criança. nhas. Nesse caso, é melhor que os pais a
tomando-as nos braços e impondo-lhes as Planejamento. A cerimônia deve ser segurem, enquanto o oficiante põe a mão
mãos, as abençoava” (Mc 10:14, 16). planejada e anunciada com antecedên- sobre a cabeça dela e ora dedicando-a
As crianças podem ser dedicadas tão cia, possibilitando aos pais e familiares ao Senhor.
cedo quanto desejem os pais. A cerimônia tempo necessário para se prepararem para Quando houver várias crianças para se-
ocorre com maior frequência entre recém- a ocasião. Geralmente, são os pais que su- rem dedicadas, o pastor pode convidar os
nascidos. Crianças além da idade de um ou gerem a data para sua realização. Alguns anciãos para auxiliá-lo. Durante a oração,
dois anos raramente são dedicadas; entre- desejam logo após as primeiras semanas todos colocam a mão sobre a cabeça das
tanto, não há limite de idade fixado a esse do nascimento do bebê, outros, um pouco crianças. A menção do nome da criança na
respeito. O ato deve ser realizado por pas- mais tarde. Provavelmente, a família e os oração acrescenta um toque pessoal que
tores ou anciãos ordenados. amigos que não são membros da congre- confere solenidade à cerimônia.
gação serão convidados. Eles Certificado. O certificado de dedicação,
devem receber uma saudação preparado com antecedência, deve ser en-
Jo Card

especial por parte do oficiante tregue aos pais após a oração. A diretora
e da congregação. do Rol do Berço ou do Ministério da Crian-
Programa. Durante a litur- ça pode ser convidada para entregá-lo.
gia, os pais são convidados a vir Cumprimentos aos pais e familiares tam-
à frente, diante da congregação, bém fazem parte desse momento.
com a criança a ser dedicada. Fa- Algumas igrejas têm o costume de pre-
miliares poderão acompanhá-los, sentear a criança com a Bíblia do Bebê
dependendo do espaço disponí- (CPB) ou com a Bíblia da Criança (CPB).
vel e do número de crianças a ser Nesse caso, o pastor imprime na primei-
dedicadas. O tempo da cerimônia ra página da Bíblia o pezinho da criança,
não deve ser longo. Lembre-se depois de tingir a sola em uma almofada
de que ela é parte do culto, não para carimbo.
o motivo especial dele. Também
é preciso considerar que bebês e
crianças são impacientes. Márcio Nastrini, mestre
Dedicação. É recomendado em Teologia (Unasp, EC),
é editor associado da
William de Moraes

que se faça a leitura e um breve Ministério e editor da


comentário de um texto bíbli- Lição dos Jovens na Casa
co referente ao momento, como Publicadora Brasileira

JUL-AGO • 2017 | 33
RECURSOS

Igreja Emergente: O movimento e suas implicações


D. A. Carson, Vida Nova, 2010, 288 p.
O que é igreja emergente? Uma nova proposta para a igreja ou apenas mais uma moda passa-
geira? Quem são os líderes desse movimento? Quais são as suas principais ideias? No livro Igreja
Emergente, você terá as respostas para essas e muitas outras perguntas.
Escrito pelo renomado autor D. A. Carson, um dos eruditos cristãos mais respeitados de nos-
sos dias, essa obra apresenta uma avaliação cuidadosa e informativa desse movimento. O autor
não escreveu apenas para acadêmicos cientes do assunto, mas também para quem não está fa-
miliarizado com essas novas práticas e ideias e deseja se inteirar a respeito do tema.
Com uma linguagem objetiva, clara e precisa, ele faz uma introdução ao movimento emergen-
te a partir do ponto de vista crítico e teológico, expondo suas fragilidades e reconhecendo tam-
bém seus pontos positivos. Além disso, avalia a igreja emergente a partir da leitura que ela faz da
pós-modernidade e de sua proposta de contextualização.
Numa época em que se constata igrejas abraçando tanto a pragmática quanto a abordagem
teológica proposta pelo movimento, o leitor certamente se beneficiará da análise feita pelo autor.

Adoración: Su significado teológico y litúrgico en la narrativa


bíblica
Daniel O. Plenc, Universidad Adventista del Plata, 2017, 156 p.
A busca de um fundamento revelado para a adoração eclesiática está longe de ser uma mera
preocupação acadêmica reservada para um grupo especializado de teólogos bíblicos. Tem sido
sempre um desafio para a comunidade de fé e, atualmente, é quase o clamor desesperado de con-
gregações que se veem às voltas com tendências e correntes muitas vezes em conflito. Os líde-
res e dirigentes do serviço de culto precisam de respostas e orientações que sejam não somente
satisfatórias, mas também legítimas.
O doutor Daniel Plenc conseguiu extrair das Escrituras, com suas histórias e personagens, as
bases para uma teologia de adoração, analisando narrativas capazes de orientar a teoria e a prá-
tica do culto contemporâneo.
Algumas das passagens mais significativas que ele analisa nessa obra são: as teofanias do pe-
ríodo patriarcal, as manifestações do Êxodo e do Sinai, algumas experiências pessoais e corpora-
tivas, as visões do trono de Deus e certos incidentes narrados nos evangelhos.
Esse livro serve como uma fonte de reflexão e inspiração tanto para pastores e líderes eclesiás-
ticos quanto para aqueles que desejam um relacionamento mais profundo e significativo com Deus.

revistaministerio.com.br
revistaministerio
@MinisterioBRA

34 | JUL-AGO • 2017
PALAVRA FINAL Walter Steger

Autenticidade e ação
A
lgumas pessoas dizem que definir igreja emer- tem identificado problemas reais. No entanto, ainda
gente é uma tarefa quase impossível. Desa- que seja importante buscar maneiras de tornar a igreja
fiam qualquer tentativa de descrever, definir ou relevante para a sociedade pós-moderna, em nenhum
categorizá-la. Contudo, ela é real e não deveria ser igno- momento devemos abdicar dos princípios e das dou-
rada como se fosse uma tendência passageira. trinas bíblicas que fundamentam a “verdade presente”
Apesar da pluralidade de vozes e comunidades que para este tempo. “Julgai todas as coisas, retende o que
compõem o movimento emergente, é possível iden- é bom” (1Ts 5:21).
tificar certas atitudes, objetivos e características em Dito isso, talvez o maior alerta enviado pelo movi-
comum que as unem. Embora não seja uma “nova de- mento emergente esteja relacionado com a necessida-
nominação”, trata-se de uma rede de pastores congre- de de sermos cristãos autênticos. Frequentemente nos
gacionalistas de pensamento similar, que busca eliminar deparamos com membros da igreja que não vivem o que
ou superar as barreiras doutrinárias e eclesiológicas que pregam, ou que não refletem em sua vida os princípios
separam as pessoas. Em outras palavras, procuram se- cristãos. A sociedade pós-moderna dificilmente rejeita


guir as mudanças que estão ocorrendo na sociedade, a sólida mensagem bíblica quando observa que o men-
afastando-se da religião organizada e focando-se na sageiro vive de modo coerente.
espiritualidade personalizada. Em segundo lugar, a igreja emergente nos desafia à
Devido a suas características, é possível constatar ação. Estamos em um período singular da história. Ne-
que as práticas de adoração e a teologia emergente es- cessitamos ser mais intencionais do que nunca. Se for
tão afetando a igreja cristã de modo geral e, particular- preciso, devemos realizar mudanças em nosso modus
mente, as principais denominações protestantes. Como operandi, a fim de prover variados ministérios e enfo-
resultado, alguns membros autoproclamados “progres- Talvez o ques, para alcançar uma população cada vez mais diver-
sistas” pedem mudanças, insistindo em serviços de ado- maior alerta sa. Precisamos atuar a fim de alcançar e nutrir a todos
ração mais experimentais e participativos. Eles desejam enviado pelo os seguimentos da sociedade. Nesse sentido, o melhor
que os cristãos sejam inclusivos e abertos em vez de ex- movimento é desenvolver uma congregação reavivada, consagra-
clusivos e críticos. Geralmente, se não conseguem sa- emergente da, vigorosa e focada em Cristo e na missão de salvar
tisfazer suas necessidades, cedo ou tarde acabam se esteja pessoas.
afastando da comunidade. relacionado A autenticidade, a bondade e a amabilidade práticas
Por outro lado, existem os membros que não aprovam com a e o amor sempre foram os aspectos mais atrativos da fé
essas mudanças. Resistem, inclusive, a pequenas altera- necessidade cristã. Apesar dos tempos em que vivemos, creio firme-
ções. Esse grupo espera que seu pastor seja rígido e de- de sermos mente que isso continua sendo verdadeiro. Conforme
fenda as práticas de adoração e a teologia estabelecida. cristãos Ellen White escreveu: “Se nos humilhássemos perante
Frequentemente, eles se mantêm firmes e se alegram autênticos e Deus, e fôssemos bondosos e corteses, compassivos
quando o outro grupo vai embora, considerando que se ativos.” e piedosos, haveria uma centena de conversões à ver-
livraram desses “pós-modernistas e relativistas radicais”. dade onde agora há apenas uma” (Testemunhos para a
Estes últimos veem as mudanças como uma necessida- Igreja, v. 9, p. 189). Viver essa declaração seria um gran-
de, enquanto os primeiros suspeitam que com as trans- de começo para resguardar nossa relevância no mundo
formações radicais vêm a apostasia. Ambos os grupos, atual e, principalmente, apressar o regresso do Senhor
entretanto, respondem às grandes mudanças culturais Jesus.
que estão ocorrendo na sociedade. Por esse motivo, é ne-
cessário conciliá-los, a fim de se encontrar um ponto de Walter Steger, formado em Teologia
equilíbrio; embora isso às vezes pareça algo muito difícil. (UAP), é editor associado da Ministério,
edição em espanhol
Não podemos aceitar todas as filosofias e práticas
Gentileza do autor

propostas pela igreja emergente; porém, há coisas que


podemos aprender de suas inovações. Esse movimento

JUL-AGO • 2017 | 35
MKT CPB
Dicionário
Bíblico
Fornece detalhes sobre personagens
pouco conhecidos, expõe o sentido de
expressões nas línguas bíblicas, harmoniza
cronologias, oferece um panorama dos
livros bíblicos e explora manuscritos
e versões antigas, conectando dados
bíblicos, históricos e arqueológicos
envolvidos no contexto das Escrituras.
Contém mapas explicativos, tabelas,
diagramas e ilustrações que auxiliam
o leitor a compreender o conteúdo
de forma mais didática.

WhatsApp

cpb.com.br | 0800-9790606 | CPB livraria | 15 98100-5073


SMS – Envie a mensagem CPBLIGA para o número 28908 /casapublicadora

Você também pode gostar