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Este artigo é parte integrante da Edição v.1, n.

1 - Junho/2017

eISSN 2595-1971
DOI 10.25188/FLT-GaleriaTeologica(eISSN2595-1971)v1.n1.2017.p174-205

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Atribuição – Não Comercial – Sem Derivações 4.0 internacional

CRITÉRIOS PARA SELEÇÃO DE LÍDERES DE


COMUNIDADES CRISTÃS:

UMA ANÁLISE EXEGÉTICA DE TITO 1.5-9

FELIPI SCHÜTZ BENNERT

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Galeria Teológica – Faculdade Luterana de Teologia - FLT – São Bento do Sul – v. 1 – n. 1 – jun 2017 – p. 249-280

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................................................................... 176

1 INFORMAÇÕES EXEGÉTICAS GERAIS.....................................................................................................177


1.1 INFORMAÇÕES HISTÓRICAS................................................................................................................... 177
1.1.1 Autoria...........................................................................................................................................177
1.1.2 Destinatário..................................................................................................................................178
1.1.3 A Ilha de Creta.............................................................................................................................179
1.2 DETALHES GRAMATICAIS DE TITO 1.5-9..............................................................................................179
1.2.1 Tradução do texto...................................................................................................................... 179
1.2.2 Análise gramatical..................................................................................................................... 180
1.3 BISPOS E PRESBÍTEROS.......................................................................................................................... 181

2 ANÁLISE DAS CARACTERÍSTICAS DOS LÍDERES............................................................................... 184


2.1 CRITÉRIOS REFERENTES AO CONTEXTO FAMILIAR....................................................................... 184
2.2 CRITÉRIOS REFERENTES À VIDA PARTICULAR E PÚBLICA.......................................................... 186
2.3 CRITÉRIOS REFERENTES À VIDA DE FÉ..............................................................................................188

3 ATUALIZAÇÃO DA PERÍCOPE DE TITO 1.5-9......................................................................................... 193


3.1 BISPOS E PRESBÍTEROS.......................................................................................................................... 193
3.2 QUALIDADES E CARACTERÍSTICAS DOS LÍDERES.......................................................................... 193
3.2.1 Critérios referentes ao contexto familiar............................................................................. 194
3.2.2 Critérios referentes à vida particular e pública..................................................................195
3.2.3 Critérios referentes à vida de fé............................................................................................. 197
3.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................................................200

CONCLUSÃO........................................................................................................................................................202

REFERÊNCIAS.....................................................................................................................................................203

ANEXO A............................................................................................................................................................... 205

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INTRODUÇÃO
O assunto geral da pesquisa gira em torno do tema liderança cristã, com o objetivo de fornecer
subsídios práticos no que diz respeito à edificação de comunidades em relação à seleção de líderes em
comunidades cristãs. A abordagem tem como referência e ponto de partida a perícope da carta de Tito
1.5-9, onde é possível detectar uma série de características, qualidades ou competências requeridas
para que pessoas sejam colocadas na função de bispos e presbíteros. O tema, portanto, trata
justamente da aplicação destes critérios para a prática de seleção de líderes atualmente, visando
solucionar conflitos acerca disso.
A pergunta central da pesquisa, portanto, é: que critérios precisam ser observados para que
líderes sejam selecionados? O que a Bíblia diz sobre isso? Nesse sentido o tema é relevante já que
liderança é algo que permeia toda a história e por outro lado causa conflito quando se discute sobre
quem pode ou não ser líder. Além disso, o assunto é relevante por ser uma pesquisa que analisa
critérios bíblicos para seleção de líderes, ao passo que a maioria dos materiais disponíveis sobre o
assunto trata majoritariamente de questões técnicas relacionadas às habilidades necessárias para a
atuação da liderança eclesiástica.
Outros textos bíblicos poderiam ser usados para se falar de critérios para escolha de líderes,
como as outras cartas pastorais dirigidas a Timóteo ou ainda outras perícopes neotestamentárias. A
escolha da carta de Tito é intencional no sentido de colaborar para o crescimento de materiais que
dizem respeito ao livro, já que os títulos sobre Tito são escassos. Outros textos bíblicos sobre o tema
serão abordados quando sua contribuição for relevante, mas o foco principal é a carta pastoral de Tito,
especificamente a análise exegética da perícope 1.5-9.
O objetivo geral do trabalho é: a) analisar exegeticamente a carta de Tito, compreender seu
contexto, conhecer as pessoas envolvidas em torno dela, bem como o local para onde a carta é
enviada; b) analisar cada termo que diz respeito às características ou qualidades requeridas para que
pessoas sejam bispos e presbíteros, para saber o que compreendiam os primeiros leitores sobre o
assunto; e c) contextualizar os termos bispos e presbíteros para saber quem hoje ocupa o lugar que na
igreja primitiva era dos bispos e presbíteros e também contextualizar cada uma das qualidades ou
características, fornecendo assim, uma interpretação atual do texto.
A estrutura do trabalho segue os seus objetivos: primeiramente serão apresentadas
informações exegéticas gerais referentes ao contexto e posteriormente em relação ao texto, com base
em obras como introduções e teologias do Novo Testamento, em seguida a análise dos termos
importantes da perícope, ou seja, as qualidades e características requeridas para a liderança cristã, a
partir de dicionários bíblicos e teológicos e também comentários bíblicos e por fim a contextualização e
interpretação dos mesmos à luz de outros textos bíblicos e de outras informações atuais.

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1 INFORMAÇÕES EXEGÉTICAS GERAIS

Para a boa compreensão de um trabalho exegético, julga-se fundamental que se pesquise e


se apresente questões relacionadas ao texto e ao contexto. Nesta primeira etapa do trabalho se quer
olhar atentamente para questões ligadas a carta de Tito como um todo: autoria, destinatário, local dos
destinatários, etc. Além disso, quer-se observar questões importantes que surgem a partir de uma
detalhada análise da gramática do texto da carta de Tito 1.5-9, especificamente.

1.1 INFORMAÇÕES HISTÓRICAS

Para compreender um texto na sua integralidade, é preciso ter por pano de fundo algumas
informações importantes em relação ao texto. Aqui se quer apresentar questões referentes à história do
texto, como autoria, apresentar informações sobre os destinatários, além de outras questões ligadas ao
processo de redação desta carta dentro do período neotestamentário.

1.1.1 Autoria

Já no primeiro versículo da carta se encontra a informação de que o autor seria o apóstolo


Paulo. Hörster apresenta informações históricas importantes no que diz respeito à autoria desta carta,
chamada de uma das cartas pastorais pelos teólogos. Hörster fala de um teólogo primitivo chamado
Marcion, seguidor convicto de Paulo. Marcion havia elaborado um cânon e as cartas pastorais não
estavam incluídas nele. Questiona-se, portanto, que motivo levou um seguidor convicto de Paulo a não
incluir as cartas pastorais num cânon? Será que este não as considerava como cartas paulinas?
Hörster ainda cita um papiro importante do século II, o papiro Chester Beatty, que contém as cartas de
Paulo. Ali também não são encontradas as cartas pastorais. Além disso, o livro de Atos não cita a ilha
de Creta como um local onde Paulo tenha fundado comunidades ao longo das suas expedições
missionárias. Por conta disso, a partir do século XIX a autenticidade das cartas pastorais passaram a
ser contestadas por inúmeros exegetas1.
Apesar disso, no final do século II, no Cânon Muratori, encontram-se as cartas pastorais sendo
atribuídas a Paulo. Confirmou-se também que o papiro de Chester Beautty é incompleto, ou seja,
outros escritos do Novo Testamento também não são encontrados nele2. Contestar a autenticidade das
pastorais com estes argumentos é algo frágil. Se por um lado, teólogos contestam a autenticidade
paulina destas cartas, por outro lado alguns a defendem.
Boor e Bürki, por exemplo, acreditam na autoria paulina das pastorais. Eles argumentam que
não se pode afirmar que Paulo não tenha estada em Creta. O texto de Atos 27.7ss parece indicar que
Paulo, talvez por pouco tempo, esteve sim em Creta por conta dos perigos da viagem ali relatada.
Nesse ínterim de tempo, Paulo possa ter encontrado uma igreja embrionária carente de organização ou
até fundado uma pequena comunidade doméstica. Fee não leva essa hipótese em consideração3
enquanto que Boor e Bürki, e também Howley4, a consideram válida. Além do mais, em Atos 2.11 se
registra que cretenses presenciaram o milagre do dia de Pentecostes indicando que existiam cristãos
em Creta e provavelmente cristãos com pouca instrução. Talvez por esse motivo Paulo tenha escrito
para Tito, para mostrar a necessidade de observar a doutrina que lhes fora transmitida e também para

1
HÖRSTER, Gerhard. Introdução e Síntese do Novo Testamento. Curitiba: Esperança, 2008. p. 140.
2
HÖRSTER, 2008, p. 140.
3
FEE, Gordon D. Novo Comentário Bíblico Contemporâneo: 1 & 2 Timóteo e Tito. São Paulo: Vida, 1994. p. 184.
4
HOWLEY, G. C. D. A New Testament Comentary. Grand Rapids: Zondervan, 1976. p. 526.

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organizar essas comunidades. Pressupõe-se, portanto, que o apóstolo Paulo seja o autor das cartas
pastorais, mais precisamente, da carta a Tito5.
Hörster acredita que o escrito tenha surgido ente 60 e 65 d.C., mas aponta para a
impossibilidade de indicar um possível local de redação6.

1.1.2 Destinatário

O versículo 4 indica que o destinatário da carta de Paulo é alguém chamado Tito. Paulo ainda
acrescenta a informação de que Tito é um verdadeiro filho na fé (Tito 1.4). A partir dessa informação,
percebe-se que existe certa intimidade entre autor e destinatário. Entretanto, o relato neotestamentário
não traz muitas informações sobre Tito.
Boor e Bürki afirmam que o nome Tito era um nome amplamente difundido na época. O
significado de Tito é não-judeu, ou seja, grego, mesmo que não seja oriundo da Grécia. É provável que
Tito tenha nascido em Antioquia e tenha sido levado à fé por conta do testemunho dos apóstolos. Por
esse motivo Paulo o teria chamado de “verdadeiro filho na fé” (Tito 1.4). Em Atos não há a informação
de Tito como colaborador de Paulo nas expedições missionárias, todavia encontramos citações sobre
Tito em Atos e em outros lugares do Novo Testamento, como em 2 Coríntios 8.16ss, onde ele aparece
como companheiro e cooperador de Paulo, em Gálatas 2.1-3 e também Atos 15, indicando que Tito
estava com Paulo e Barnabé no concílio dos apóstolos7.
Especialmente o texto de 1 Coríntios 8.16ss indica que Tito era alguém autônomo. Enquanto
que as exortações a Timóteo eram mais aprofundadas, para Tito não eram necessárias fazê-las.
Porém, ele permanece dependente das instruções do apóstolo8. Hörster concorda com essa hipótese
quando diz que Tito é um escrito de cunho oficial, enquanto que as cartas a Timóteo tinham um cunho
mais pessoal e exortativo9.
Sobre a viagem conjunta de Paulo e Tito para Creta não se tem nenhuma informação a não
ser as que a própria carta traz (Tito 1.5) e uma breve menção em 2 Coríntios 8.610. Entretanto, Tito,
evidentemente fazia parte dos colaboradores mais próximos do apóstolo Paulo11.
Boor e Bürki registram uma curiosidade em relação a Tito, dizendo que “a tradição da igreja
noticia que Tito teria se tornado bispo, permanecendo solteiro e falecendo aos 94 anos de idade”12.
Uma informação adicional importante é a questão da formalidade desta carta quando
comparada com as cartas enviadas para Timóteo, onde geralmente há uma comunicação pessoal ou
ditos de ações de graças. “Essa carta [...] é totalmente de assuntos importantes”13 dirigidos a Tito,
principalmente no que diz respeito à organização eclesiástica para não serem destruídos pelos falsos
mestres. É verdade que não se tem nenhuma informação adicional sobre como ocorreu o processo de
designação dos presbíteros e bispos, porém o destinatário Tito estava encarregado de continuar com o
trabalho que Paulo havia iniciado na ilha de Creta14. O objetivo de Tito era, por fim, selecionar bispos e
presbíteros fieis ao evangelho para resistirem aos falsos mestres15

5
BOOR, Werner de; BÜRKI, Hans. Carta aos Tessalonicenses, Timóteo, Tito e Filemom: Comentário Esperança. Curitiba:
Esperança, 2007. p. 389-390.
6
HÖRSTER, 2008, p. 146.
7
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 391.
8
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 391.
9
HÖRSTER, 2008, p. 139.
10
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 391.
11
HÖRSTER, 2008, p. 147.
12
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 391.
13
FEE, 1994, p. 183.
14
FEE, 1994, p. 184.
15
Veja também em: HOLTZ, Gottfried. Die Pastoral-Briefe. Berlin: Evangelische Verlagsanstalt, 1972. p. 206-207.

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1.1.3 A Ilha de Creta

Paulo, como autor da carta, portanto, instrui Tito, seu conhecido colaborador, que está em
Creta, para que pusesse em ordem algumas questões nas comunidades de Creta. Tito tem por tarefa
fazer calar os hereges, aqueles que dizem conhecer Deus, porém, negam essa fé com suas obras. Por
isso que hereges, aqueles que professam uma doutrina diferente daquela ensinada pela tradição
apostólica, são abomináveis (Tito 1.16).
A ilha de Creta, o local onde Tito fora deixado por Paulo, é uma ilha que está localizada em um
ponto de cruzamento entre Ásia, África e Europa. Boor e Bürki explicam que a palavra sincretismo vem
dos cretenses, afinal, “nessa ilha confluíam toda sorte de cultos, religiões, filosofias e linhas de
pensamento”16. Isso indica, portanto, que Tito teve de combater os hereges e também aqueles que
assumiam posições importantes na igreja cristã sem levar em consideração um estilo de vida pautado
na ética cristã.
Adiante será analisada de forma detalhada cada uma das atribuições, qualidades ou
competências requeridas para os cargos de presbíteros e bispos sugeridas pelo apóstolo Paulo a Tito,
encontradas na perícope de Tito 1.5-9.

1.2 DETALHES GRAMATICAIS DE TITO 1.5-9

Em um primeiro momento se julga fundamental apresentar uma tradução autônoma da


perícope que motiva esta pesquisa, a saber, Tito 1.5-9, em comparação com uma versão científica,
seguida de uma análise gramatical. Considera-se que esse trabalho seja importante para entender o
texto em sua originalidade, para então poder compreender o que ele disse para seus primeiros leitores
e o que pode dizer para os leitores de hoje. Isso não significa que as traduções existentes do texto não
possam contribuir para a pesquisa, mas conforme sugere Krahn, o estudo do texto original pode trazer
novos impulsos para a pesquisa, assim como impulsionou também a Reforma Protestante, por exemplo.
Krahn complementa, afirmando que um trabalho exegético que opta por ter como fonte o texto bíblico
na língua original é mais consistente, profundo e melhor contextualizado17. Sendo assim,
conscientemente será dado espaço para que a gramática seja analisada e estudada.

1.2.1 Tradução do texto

Por uma questão metodológica, será apresentado o texto original e uma tradução científica18.
Por questões de espaço, a tradução do autor será apresentada no Anexo A.
 Tito 1.5
Texto original: Τούτου χάριν ἀπέλιπόν σε ἐν Κρήτῃ, ἵνα τὰ λείποντα ἐπιδιορθώσῃ καὶ
καταστήσῃς κατὰ πόλιν πρεσβυτέρους, ὡς ἐγώ σοι διεταξάμην,
Tradução NVI: A razão de tê-lo deixado em Creta foi para que você pusesse em ordem o que
ainda faltava e constituísse presbíteros em cada cidade, como eu o instruí.
 Tito 1.6
Texto original: εἴ τίς ἐστιν ἀνέγκλητος, μιᾶς γυναικὸς ἀνήρ, τέκνα ἔχων πιστά, μὴ ἐν κατηγορίᾳ
ἀσωτίας ἢ ἀνυπότακτα.
16
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 390.
17
KRAHN, Marie Ann Wangen. O estudo das línguas bíblicas: descartável ou essencial? In: Estudos Teológicos, v. 46, nº 1,
2006.
18
A tradução científica escolhida pelo autor é a Nova Versão Internacional.

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Tradução NVI: É preciso que o presbítero seja irrepreensível, marido de uma só mulher, e
tenha filhos crentes que não sejam acusados de libertinagem ou de insubmissão.
 Tito 1.7
Texto original: δεῖ γὰρ τὸν ἐπίσκοπον ἀνέγκλητον εἶναι ὡς θεοῦ οἰκονόμον, μὴ αὐθάδη, μὴ
ὀργίλον, μὴ πάροινον, μὴ πλήκτην, μὴ αἰσχροκερδῆ,
Tradução NVI: Por ser encarregado da obra de Deus, é necessário que o bispo seja
irrepreensível: não orgulhoso, não briguento, não apegado ao vinho, não violento, nem ávido
por lucro desonesto.
 Tito 1.8
Texto original: ἀλλὰ φιλόξενον φιλάγαθον σώφρονα δίκαιον ὅσιον ἐγκρατῆ,
Tradução NVI: É preciso, porém, que ele seja hospitaleiro, amigo do bem, sensato, justo,
consagrado, tenha domínio próprio
 Tito 1.9
Texto original: ἀντεχόμενον τοῦ κατὰ τὴν διδαχὴν πιστοῦ λόγου, ἵνα δυνατὸς ᾖ καὶ παρακαλεῖν
ἐν τῇ διδασκαλίᾳ τῇ ὑγιαινούσῃ καὶ τοὺς ἀντιλέγοντας ἐλέγχειν.
Tradução NVI: e apegue-se firmemente à mensagem fiel, da maneira como foi ensinada, para
que seja capaz de encorajar outros pela sã doutrina e de refutar os que se opõem a ela.

1.2.2 Análise gramatical

Após a saudação do autor, onde ele se apresenta e indica o destinatário da carta, a perícope
inicia com uma explicação. O fato de Tito estar em Creta tem um motivo. Existe um propósito para que
Tito tenha sido deixado neste lugar: endireitar as coisas restantes e constituir presbíteros. Em um
primeiro momento parece que Tito está em um local onde existem comunidades cristãs recém
constituídas, que precisam ser organizadas com lideranças, para que elas consigam continuar
caminhando de forma saudável, a partir da fé em Jesus Cristo que lhes fora apresentada. O
destinatário afirma, portanto, que Tito precisa endireitar as coisas restantes, porém não explica se
essas coisas restantes seria o fato de que é necessário constituir bispos e presbíteros, ou se existe
algo a mais que Tito precise endireitar naquele lugar.
Tito parece já ter recebido instrução de Paulo acerca das características desses bispos e
presbíteros que ele precisa constituir nas comunidades, porém, o destinatário parece reforçar esse
pedido a partir do versículo 6, quando lista quais são as características que as pessoas precisam ter
para serem colocadas nas respectivas funções. No versículo 6, as característica dizem respeito ao
contexto familiar. No versículo 7, Paulo aponta para uma série de características ligadas à vida pública
e, nesse versículo, aparece inúmeras vezes a partícula μὴ, que indica negação, ou seja, são
características que não devem ser encontradas nos bispos. Já o versículo 8, que inicia com a
conjunção ἀλλὰ chama a atenção por apresentar outras características ligadas à vida de fé que devem
ser encontradas nos bispos e presbíteros. Percebe-se um contraste entre os versículos 7 e 8, onde
imperam características que não devem ser encontradas nas pessoas que vão assumir essa função, e
no outro características que devem ser encontradas nessas pessoas.
O versículo 9 parece explicar o motivo da importância de que essas características sejam
encontradas nas pessoas. Paulo dá a entender que pessoas com essas características, que retém, ou
que guardam para si a palavra de Deus, são capazes de assumir a função de bispo ou presbítero e
exortar pessoas a partir da sã doutrina e também contrapor àqueles que a contradizem. A informação
de que essas pessoas precisam reter ou serem apegadas à fiel palavra de Deus é importante. Isso

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significa que essas pessoas precisam reter algo contra a hostilidade que as cercam, ou seja, reter a fiel
palavra de Deus contra outras palavras que são apresentadas, inclusive em nome de Deus.
Há, portanto, informações teológicas importantes que são depreendidas da gramática, como: 1)
o motivo de Tito estar em Creta; 2) as características que devem ou não ser encontradas nos líderes
que precisam ser constituídos; e 3) o motivo para que existam líderes nessas comunidades. Essas
questões teológicas e outras serão aprofundadas no decorrer da pesquisa.

1.3 BISPOS E PRESBÍTEROS

No texto bíblico, Paulo usa dois termos para designar os cargos que precisavam ser
constituídos nas comunidades por Tito: πρεσβυτέρος e ἐπίσκοπος. O apóstolo Paulo, portanto,
aconselha Tito a designar presbíteros e bispos para as comunidades distribuídas nas cidades da ilha
de Creta.
“O grupo de palavras com o a raiz skep com o prefixo epi indica a atividade de olhar ou prestar
atenção a uma pessoa ou coisa”19. O verbo é usado para designar alguém que fiscaliza, inspeciona,
vigia, alguém que olha para ou alguém que guarda algo. No seu uso mais antigo, o termo ἐπίσκοπος
era utilizado para designar uma divindade, que tinha a responsabilidade de vigiar um país ou um povo
e que era fiel e honesto para guardar tratados. O termo era empregado também para o homem que
possuía uma posição de responsabilidade dentro do estado. “Esse título depois se estendia para
comunidades religiosas. O título era dado a oficiais [...] enviados de Atenas para estados dependentes
a fim de garantir a ordem pública ou estabelecer as suas constituições”20.
No Novo Testamento, o uso de ἐπίσκοπος tem seu auge em 1 Pedro 2.25, onde o próprio
Senhor Jesus Cristo é descrito como pastor e bispo das almas. Aqui é possível perceber que a
supervisão sugerida pelo termo exige preocupação e amor genuíno e não uma mera supervisão
arbitrária como muitas vezes acontecia desde que o termo surgiu. “É improvável que o uso cristão do
termo tenha sido copiado [...] de fontes pagãs [...]; mas antes, empregada como descrição genérica do
ofício responsável”21. É uma supervisão com boa vontade, que nunca deve ser exercida para o
engrandecimento pessoal. “Seu significado se pode perceber no serviço altruístico de Cristo, que era
movido pela preocupação pela salvação dos homens”22. É por isso que são exigidas algumas
características de caráter moral para que pessoas ocupem a função de ἐπίσκοπος, conforme 1 Timóteo
3.1ss e Tito 1.7ss. “Esses textos indicam que os apóstolos nomeavam tais ministros para que
administrassem as Igrejas por ele fundadas”23.
Nas comunidades cristãs primitivas a supervisão para conservar a igreja no caminho da fé era,
originalmente, um dever para todos os membros. Mas logo a supervisão se tornou tarefa de um ofício
especial (cf. Atos 20.28)24. Em Hebreus 12.15 percebemos que, mesmo que haja um ofício específico
para a supervisão da igreja, para que esta se mantenha na fé, isso não exime todos os cristãos da
responsabilidade de também supervisionarem para que ninguém se separe da graça de Deus. É
importante ressaltar que o termo é diferente de profeta e apóstolo, pois o ἐπίσκοπος era alguém
vinculado a uma igreja e um local específico25.
O ἐπίσκοπος, portanto, era aquela pessoa, ou aquelas pessoas, responsáveis pela
administração das Igrejas e os responsáveis para que as pessoas fossem mantidas no caminho da fé

19
COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. São
Paulo: Vida Nova, 2000. p. 220.
20
COENEN; BROWN, 2000, p. 220.
21
DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 172.
22
COENEN; BROWN, 2000, p. 222-223.
23
MCKENZIE, John L. Dicionário Bíblico. São Paulo: Paulus, 1983. p. 283-284.
24
COENEN; BROWN, 2000, p. 223.
25
COENEN; BROWN, 2000, p. 223.

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de forma que cressem conforme a doutrina apostólica baseada no evangelho de Jesus Cristo. Em
outras palavras, era alguém que tinha “a responsabilidade de cuidar de questões espirituais”26.
O termo πρεσβυτέρος, também usado por Paulo na carta a Tito, parece ser sinônimo de
ἐπίσκοπος. Não fica tão clara a diferença entre as duas funções na perícope. Entretanto, o termo
designa uma pessoa mais velha, com mais experiência, um ancião. “É provável que o grupo de
palavras primeiramente significasse mais velho em comparação com outros; depois, de maior
importância. [...] Finalmente, significava mais honrado27”. Na sociedade “os mais velhos recebem
respeito e autoridade, em razão de sua experiência e sabedoria”28.
No Antigo Testamento se tem a informação de que as sinagogas dos judeus eram governadas
por um grupo de anciãos. No judaísmo palestinense “já havia comprovadamente um conselho de
anciãos [...] pelo menos no período selêucida. [...] Entre os fariseus, suas opiniões sobre a Lei gozavam
da mesma autoridade da prórpria Lei”29. Ou seja, na tradição bíblica também encontramos indícios de
que o termo era usado para designar aqueles que devem trabalhar para que a sã doutrina seja sempre
relembrada e vivida pela comunidade. Paulo e Barnabé, nas suas expedições missionárias, ordenaram
anciãos em todas as igrejas da Ásia (Atos 14.23). Os anciãos “também são chamados zaqen ou
supervisores, pelo que se torna evidente que os nomes “presbítero” e “bispo” são intercambiáveis no
uso do NT”30. Especialmente na perícope analisada, “parece que os anciãos devem ser identificados
exclusivamente com os bispos, cujas qualificações e funções são descritas em Tt 1,6-9”31.
Dessa forma percebe-se que Paulo estava convocando Tito para designar pessoas que
liderassem as comunidades.
A participação dos líderes comunitários no encargo apostólico da liderança da
comunidade é pressuposta pela situação fictícia da carta, segundo a qual Timóteo foi
deixado em Éfeso e Tito em Creta, para ali darem continuidade, por incumbêmcia de
Paulo e de certo modo sob sua supervisão, à obra de fundação e direção da
comunidade por ele iniciada (1 Tm 1.3; Tt 1.5).32

Cairns escreve a respeito de alguns influentes bispos do primeiro século. Clemente de Roma
(30-100 d.C.), por exemplo, era o principal presbítero na Igreja de Roma e ficou conhecido pelas suas
cartas à Igreja de Corinto com o objetivo de promover unidade entre presbíteros e os membros que não
lhes obedeciam. Inácio (séc. I – séc. II d.C.), que foi bispo em Antioquia da Síria, ficou conhecido por
seus escritos que combatiam o gnosticismo e docetismo. Ele também enfatizava a obediência aos
bispos e presbíteros para que houvesse unidade na Igreja. Policarpo (70-155 d.C.), que foi bispo em
Esmirna, foi discípulo de João e ficou conhecido por suas exortações aos filipenses a uma vida virtuosa,
marcada pelas boas obras e pela fidelidade a Jesus Cristo, mesmo que isso lhes custasse à própria
vida. Por fim ainda se pode citar Papias (60-130 d.C.), bispo de Hierápolis, possivelmente discípulo de
João, ficou conhecido por ter escrito uma obra chamada Interpretações dos Ditos do Senhor, a partir de
informações que recebeu de cristãos mais idosos que conheceram os apóstolos. Ele afirma que
Marcos foi o intérprete de Pedro e que Mateus escreveu sua obra em hebraico. Com essas
informações, fica evidente que a função dos bispos e presbíteros era, em primeiro lugar, manter a
igreja na sã doutrina e não deixar com que a fé do corpo de Cristo fosse abalada ou desfigurada, para
isso, usavam o ensino, a exortação e a pregação33.
Quer-se fundamentar e reforçar, portanto, a importância dos líderes nas comunidades
fundadas por Paulo. Os bispos e presbíteros são os responsáveis por toda a vida da comunidade.

26
LOUW, Johannes P.; NIDA, Eugene A. Léxico Grego-Portugues do Novo Testamento baseado em
domínios semânticos. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2013. p. 413.
27
COENEN; BROWN, 2000, p. 225.
28
COENEN; BROWN, 2000, p. 225.
29
MCKENZIE, 1983, p. 43.
30
DOUGLAS, 2006, p. 1089.
31
MCKENZIE, 1983, p. 44.
32
ROLOFF, Jürgen. A Igreja no Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 2005. p. 294.
33
CAIRNS, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos: Uma História da Igreja Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2008. p. 62-
65.

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Estão comprometidos com questões espirituais e também administrativas concretas que dizem respeito
às necessidades mais diversas das comunidades nas cidades da ilha de Creta.

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2 ANÁLISE DAS CARACTERÍSTICAS DOS LÍDERES

A terminologia para designar bispos e presbíteros será o termo líderes, já que é um termo
conhecido pela igreja cristã e que corresponde, conforme será desdobrado adiante, à realidade do que
eram bispos e presbíteros na igreja primitiva34.
O que é central na perícope analisada e que chama a atenção é a “lista de qualidades
requeridas”35, as quais Tito precisa observar nas pessoas que serão instituídas como líderes. Nesta
etapa da pesquisa se quer, portanto, descobrir o que cada uma dessas características ou qualidades
significava para os primeiros leitores da carta fazendo uso de dicionários teológicos e bíblicos,
comentários bíblicos e outros materiais que possam contribuir para a análise.
As listas de características em Tito também se encontram nas cartas pastorais do apóstolo
Paulo a Timóteo. Quando relevante, as cartas serão citadas, porém, por questões de espaço, o objetivo
será a lista elencada na carta a Tito. As listas encontradas em outras cartas pastorais só serão citadas
quando contribuírem de alguma forma para a compreensão dos termos analisados36.

2.1 CRITÉRIOS REFERENTES AO CONTEXTO FAMILIAR

O primeiro termo importante na perícope está no versículo 6, onde o apóstolo Paulo afirma a
Tito que é necessário que a pessoa que será líder seja ἀνέγκλητος. A tradução pode variar entre “não
acusado”, “sem repreensão”, “inculpável”, “irrepreensível”, “imaculado”, “impecável”, etc. Trata-se de
uma virtude que precisa ser enxergada na pessoa. O termo ἀνέγκλητος está ligado principalmente à
palavra grega ἀρέτη, que se refere a alguém que tem “não somente [...] consciência apropriada daquilo
que é certo como também [...] comportamento recomendável”37. Embora o termo surja dentro do
contexto da filosofia Platônica, expressando uma qualidade ética, o termo é principalmente aplicado no
âmbito jurídico, indicando que alguém que é ἀνέγκλητος é alguém que não possui acusação no foro,
denotando um comportamento exemplar, sem nenhuma acusação ou denúncia. De Platão a papiros
pré-cristãos o termo passou a ser considerado de “não acusado” para alguém de “respeitabilidade
irrepreensível”38.
O uso de ἀνέγκλητος no Novo Testamento tem duas dimensões: a primeira delas é a
dimensão jurídica, conforme aparece em 1 Co 1.8, onde fala do dia escatológico do Senhor. Ali é
prometido que como consequência da comunhão com Jesus Cristo até o dia final, Deus vai os manter
irrepreensíveis até o dia do Senhor. Aqui a inculpabilidade ou irrepreensibilidade é obra de Deus. Em Cl
1.22 aparece algo parecido. Ali o autor está falando de justificação, de reconciliação. Novamente a
questão do ser irrepreensível é obra de Deus. A segunda dimensão é teológica. Nas Epístolas
Pastorais o significado é semelhante ao uso original, conforme visto acima. Ou seja, além de
qualidades de natureza espiritual, que serão analisadas adiante, “os padrões comuns da decência
ficam sendo condições prévias para ocupar um cargo na igreja, por causa do bom nome da igreja no
mundo”39. Ou seja, ser irrepreensível tem duas dimensões de significado: ser irrepreensível por
consequência da comunhão com Jesus Cristo e também por viver de forma ética e decente no mundo,
e dessa forma não “oferecer qualquer lacuna para a crítica”40.

34
LOUW; NIDA, 2013, p. 482.
35
HOWLEY, 1976, p. 526. “List the qualities required”. Tradução livre do autor.
36
Por motivos de espaço, o autor não abordará questões sobre os diáconos, mas está consciente de que estes exerciam
importante papel de liderança na Igreja Primitiva. Além do espaço, os diáconos não são citados na perícope de Tito. 1.5-9.
37
WÄHRISCH, H. ἀνέγκλητος. In: COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo
Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2000. p. 2665.
38
WÄHRISCH, In: COENEN; BROWN, 2000, p. 2665.
39
WÄHRISCH, In: COENEN; BROWN, 2000, p. 2666.
40
KELLY, John N. D. I e II Timóteo e Tito: Introdução e Comentário. São Paulo: Mundo Cristão, 1978. p. 210.

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O termo ἀνήρ é usado basicamente para falar de homem, não no sentido de humanidade, mas
para falar daquele que é diferente da mulher, daquele que é o contraste da figura feminina41. O termo
indica, “em todos os sentidos que [...] são conhecidos na LXX e no NT: (a) um homem, em contraste
com a mulher [...]; (b) “marido” [...]; e também (c) noivo [...]”42. Desde que surgiu o termo o significado
não sofreu significativas alterações. O texto fala da figura masculina porque a “organização e a
liderança das comunidades cristãs basicamente se orientava em derredor dos homens”43.
Esse homem, que assumirá uma liderança, precisa ser marido de uma só mulher. Essa é uma
das qualificações exigidas pelo apóstolo Paulo a Tito. A exegese católica tende a interpretar a
expressão μιᾶς γυναικὸς ἀνήρ no sentido de que o homem não pode se casar novamente após a morte
de sua esposa. Ou seja, estariam fora desta seleção de líderes aqueles que se casaram novamente
após um período de viuvez. “Embora tal interpretação possa estar em conformidade com
desenvolvimentos posteriores na igreja, a interpretação literal do texto, i.é, que o homem não deve ter
mais de uma esposa viva, parece se encaixar melhor na situação do século I”44. É verdade que em
outros trechos (1 Co 7.8-9, por exemplo) Paulo aconselhou o novo casamento, no caso de necessidade.
Porém, a perícope de Tito 1.5-9 não está falando dessa realidade, mas da realidade daqueles que
podem participar da equipe de liderança da igreja.
Quando se requer maridos de uma só mulher, em primeiro lugar está se combatendo a
poligamia que ocorria no século I, e com isso estariam sendo condizentes com o princípio
veterotestamentário de casamento. Nesse sentido, Douglass afirma que “a monogamia é implícita na
história de Adão e Eva, visto que Deus criou apenas uma esposa para Adão”45. E em segundo lugar,
“excluiriam os divorciados que se casaram de novo, sendo que a primeira esposa ainda é considerada
a legítima a despeito do divórcio (cf. Mc 10:11; Lc 16:18b; [...])”46.
A última expressão que se quer analisar do versículo 6 é sobre o líder em potencial ter filhos
crentes que não são acusados de ἀσωτία e ἀνυπότακτος. Por trás dessa qualidade está a capacidade
do líder saber liderar sua própria casa, para então ser considerado apto para liderar e presidir a “família
eclesial”47. O pano de fundo por trás do termo ἀσωτία, segundo Bürki é Provérbios 28.7. Os filhos que
não são acusados de dissipação são aqueles que vivem “de forma relaxada, desorganizada,
esbanjadora”48. Já o termo ἀνυπότακτος, que fora traduzido por insubordinados, mas que também
poderia ser traduzido por desobediente ou rebelde, indica o filho que “é desobediente de forma
rebelde”49 e diz respeito à convivência em família, afinal ela “era de significado essencial para a
expansão e o aprofundamento na fé”50. Como a realidade cúltica acontecia, basicamente, no âmbito
domiciliar, essa era uma característica imprescindível para alguém se tornar líder.
Bürki ainda traz a curiosa informação de que “o terceiro concílio de Cartago determinou que a
ordenação para um cargo pode acontecer quando todos os da casa da respectiva pessoa abraçaram a
fé”51. Portanto, “pais, cujos filhos não ingressavam no cristianismo nos primórdios da missão, não
podiam ser presbíteros”52.

41
Veja também: ALLMEN, Jean-Jaques Von. Vocabulário Bíblico. São Paulo: Aste, 2001. p. 229-237; MCKENZIE, John L.
Dicionário Bíblico. São Paulo: Paulus, 1983. p. 425-427. DOUGLASS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. São Paulo: Vida
Nova, 2006. p. 846-850.
42
VORLÄNDER, In: COENEN; BROWN, 2000, p. 965.
43
VORLÄNDER, In: COENEN; BROWN, 2000, p. 965.
44
COENEN; BROWN,2000, p. 966.
45
DOUGLASS, 2006, p. 846.
46
COENEN; BROWN, 2000, p. 966.
47
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 397.
48
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 397.
49
LOUW; NIDA, 2013, p. 418.
50
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 397.
51
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 397.
52
HOLTZ, Gottfried. Die Pastoral-Briefe. Berlin: Evangelische Verlagsanstalt, 1972. p. 207. “Väter, deren Kinder im
Missionsbeginn nicht mit zum Christentum übertraten, wurden keine Ältesten”. Tradução livre do autor.

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Os dois termos referentes ao contexto familiar mostram que “um bom exame da vida
doméstica do homem revelará muita coisa de seu caráter e de sua capacidade de liderar a igreja”53.

2.2 CRITÉRIOS REFERENTES À VIDA PARTICULAR E PÚBLICA

Já no versículo 6, portanto, “temos [...] a primeira insinuação do que virá a ser o tema
dominante da carta – boas obras como comportamento exemplar, com preocupação pelo que pensam
os de fora”54. No versículo 7 há uma expressão que necessita aprofundamento. O termo ἀνέγκλητος é
repetido e ainda é acrescentado o termo οἰκονόμος. O termo, que tem origem na palavra “oikonomia,
atestado de Xen. e Platão em diante, significava primariamente a gerência de um lar, mas logo se
estendeu à administração do estado”55, também era empregado posteriormente “para todo o tipo de
atividade que resulta da detenção de um cargo”56. “Oikonomos [...] denota o mordomo da casa, por
extensão, gerentes de departamentos independentes dentro do lar: [...] o porteiro, o gerente de terras,
o cozinheiro-mór”57, etc. O termo ocorre apenas dez vezes no Novo Testamento e denota basicamente
a função técnica de um administrador da casa e propriedades58. Em Tito 1.7, Paulo emprega o termo
metaforicamente, sugerindo que o líder deve ser irrepreensível como mordomo de Deus, ou seja, que
saiba administrar bem todas as questões ligadas à comunidade, desde questões técnicas como
também questões espirituais. Bürki contribui dizendo que “a prestação de serviços na administração de
Deus acontece pela fé”59, e ainda, “cada administrador presta contas do que faz e deixa de fazer”60. Ou
seja, é preciso que o líder seja comprometido com a causa do Reino de Deus e do evangelho.
A partir de agora, Paulo lista “onze adjetivos muito parecidos com 1 Timóteo 3:2-3, apenas de
um modo mais ordenado”61. Ele inicia com “cinco vícios”62 que devem ser evitados pelos líderes. Essas
“cinco exigências negativas que seguem apontam as falhas que poderiam ter persistido com facilidade
entre os cristãos cretenses”63, vícios que talvez tenham sido “um perigo que existiu em todas as
épocas”64.
O primeiro vício é designado pelo segundo termo que se quer analisar no versículo 7: αὐθάδης,
traduzido por arrogante. O termo é precedido pela partícula de negação μὴ, indicando que no homem
que assumirá alguma liderança não deve ser encontrada a arrogância. O homem arrogante é alguém
“usurpador, sem escrúpulos, caprichoso, teimoso”65. Bürki afirma que o “bom líder não imporá a si
mesmo, não tentará avanços solitariamente e sem os irmãos co-responsáveis”66. Continua dizendo que
o líder deve ser “servo de todos, não seu comandante e Senhor”67.
Ainda no versículo 7 é apresentada outra característica que não deve ser encontrada no líder.
Ele não deve ser ὀργίλον. O termo deriva da palavra ὀργη, traduzida por “raiva”, “indignação” ou ainda
“ira”. Ser irascível, portanto, é uma característica que desqualifica um homem de ser líder. Inicialmente
a palavra sugeria um impulso natural, temperamento, disposição ou humor humano. Ou seja,
inicialmente é uma palavra neutra. Nos escritores trágicos a palavra passa a ter um caráter mais
jurídico, ou seja, a ira era atribuída a um juiz para punir ou se vingar. A ira também se tornou uma
53
FEE, 1994, p. 185.
54
FEE, 1994, p. 185.
55
GETZMANN, J. οἰκονόμος. In: COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo
Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2000. p. 292.
56
GETZMANN, In: COENEN; BROWN, 2000, p. 292.
57
GETZMANN, In: COENEN; BROWN, 2000, p. 292.
58
Veja também: DOUGLASS, 2006, p. 331-332.
59
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 397.
60
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 397.
61
FEE, 1994, p. 186.
62
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 397.
63
HOWLEY, 1976, p. 526. “The five negative requirements which follow, list the faults which might easily have persisted in the
Cretan Christians”. Tradução livre do autor.
64
HOWLEY, 1976, p. 526. “A danger which exists in every age”. Tradução livre do autor.
65
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 397.
66
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 397.
67
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 397.

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característica marcante das divindades gregas. “A idéia de deuses irados é um dos fatores básicos da
maioria das religiões”68. No mundo romano também existia a compreensão e “a idéia de deuses irados
e dos seus julgamentos punitivos, afetando os indivíduos por meio de doenças, sofrimentos e
catástrofes naturais”69. Ou seja, havia a compreensão de que quando deus estava irado, coisas ruins
aconteciam aos seres humanos.
No Antigo Testamento o termo ira é bastante frequente, mas por conta de espaço essa
questão não será aprofundada70. No Novo Testamento a palavra ira diz respeito tanto à ira humana
quanto à divina71, porém, o termo ὀργίλος ocorre desta forma somente em Tito 1.7. A ira é mencionada
em listas de pecados (Ef 4.32; Cl 3.8; Tt 1.7). Ao contrário de ser alguém irascível, os líderes precisam
ser, conforme Paulo escreve em Efésios 4.32: benignos, compassivos, perdoando uns aos outros da
mesma forma como Cristo também perdoou cada um. A ira, portanto, quando não controlada, torna-se
um conflito para o homem que quer ser sábio e para aquele que quer ser líder na igreja de Deus.
O comentarista Bürki afirma que alguém que “considera a si mesmo capaz de tudo ou confia
demais em si rapidamente perde a paciência com os outros”72. O líder que é “valentão em breve se
torna solitário, alguém que tem apenas seguidores submissos, mas não irmãos co-responsáveis”73. Ou
seja, é uma continuidade da característica do não ser arrogante. Em outras palavras, o líder não deve
ser alguém com “tendência a ficar irritado”74.
Outra característica, ainda no versículo 7, que não deve ser encontrada naquelas pessoas que
Tito precisa selecionar para serem líderes é sobre vinho e embriaguez. A pessoa que quer ser líder não
pode ser πάροινος. Embora o termo utilizado seja outro, o princípio em Tito 1.7 e em 1 Tim 3.8 é o
mesmo. “A abstinência total não é exigida”75, afinal “rejeitar ou reprimir qualquer prazer não é suficiente
para levar à libertação do prazer excessivo viciado”76. “Nas epístolas pastorais [...] Paulo reconhecia os
graves perigos do excesso, e aqueles que têm ofício cristão ou que de qualquer maneira exercem
liderança dentro da comunidade cristã”77, sejam homens ou mulheres, estes “são especificamente
advertidos contra essa falta, que os tornaria incapazes para a sua tarefa”78. Ou seja, o líder não precisa
ser abstêmio, mas precisa ter autocontrole diante da possibilidade da embriaguez com o vinho, para
que continue sendo modelo para outros.
Paulo também fala que as pessoas que serão selecionadas para serem líderes não devem ser
πλήκτης. O termo designa uma pessoa “colérica, irritadiça, afeita a brigas”79. Ocorre apenas duas
vezes em todo o Novo Testamento e com o mesmo sentido de indicar questões ligadas à violência.
Concluindo as características que não devem ser encontradas nas pessoas que Tito deve
selecionar para ocupar os cargos de liderança está o termo αἰσχροκερδῆς. Paulo está falando de
pessoas gananciosas. Essas não devem ser selecionadas para ocuparem uma posição de liderança.
Inclusive, no versículo 11 do capítulo 1 de Tito, Paulo alerta para os falsos mestres, os insubordinados
que precisam ser silenciados, porque agem por ganância. Ou seja, o motivo para servir como líder não
deve ser este. O termo αἰσχροκερδῆς é utilizado também em 1 Tm 3.8, na lista de características dos
líderes que Paulo escreve para Timóteo. O assunto da ganância é importante porque líderes
administram os recursos que os membros destinam para a manutenção e serviço nas comunidades.
Bürki diz que com isso Paulo está condenando aqueles que pensam que estão “servido a outros,

68
HAHN, H. C. ὀργίλος. In: COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento.
São Paulo: Vida Nova, 2000. p. 1034.
69
HAHN, In: COENEN; BROWN, 2000, p. 1034.
70
Para mais informações se sugere: HAHN, In: COENEN; BROWN, 2000, p. 1035-1037.
71
Para aprofundamento se sugere: HAHN, In: COENEN; BROWN, 2000, p. 1037-1038.
72
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 398.
73
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 398.
74
LOUW; NIDA, 2013, p. 677.
75
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 217.
76
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 217.
77
DOUGLASS, 2006, p. 1384.
78
DOUGLASS, 2006, p. 1384.
79
GINGRICH, F. Wilbur; DANKER, Frederick W. Léxico do Novo Testamento Grego / Português. São Paulo: Vida Nova,
2003. p. 168.

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tentando enriquecer às custas deles, seja em bens materiais, seja em aumento de poder80”. Ou seja, o
lucro não deve estar no horizonte de alguém que serve, mas sim o mesmo sentimento que houve em
Cristo de Jesus, o de apenas servir por amor a Deus (Fp 2.5-11).
Bürki diz, sobre os três últimos termos que
houve tentativas de explicar essas condições, de conotação óbvia, com os primórdios
da missão e o baixo nível do entorno gentílico. Contudo demandas morais que parecem
elementares não são cumpridas de forma óbvia. Quando as exigências básicas (aquilo
que é fundamental e elementar) são apenas pressupostas, e não são constantemente
propostas, examinadas e exercidas, todo avanço permanece incerto e pode levar à
auto-ilusão.81

Talvez esses adjetivos usados por Paulo para qualificar os bispos e presbíteros não fossem
tão óbvios para os cretenses por conta da fama que eles tinham (cf. Tito 1.10-13). Por isso a
necessidade de instruí-los com questões que talvez fossem básicas para os líderes da igreja em
qualquer época82.

2.3 CRITÉRIOS REFERENTES À VIDA DE FÉ

Em contraste com o versículo 7, onde Paulo fala de características que não devem ser
encontradas nas pessoas que serão selecionadas para cargos de liderança, o versículo 8 fala de
qualidades que devem ser enxergadas nessas pessoas. Trata-se, portanto de “seis exigências,
imprescindíveis para sua contribuição na edificação da igreja”83.
O primeiro termo usado pelo apóstolo é φιλόξενος. Esse termo tem origem na palavra ξενος,
que significa “estranho” ou “estrangeiro”. Na sociedade primitiva o estranho é um inimigo, por ser
completamente desconhecido. Era comum que estrangeiros fossem mortos, repelidos ou
amedrontados por um povo. “Numa etapa posterior, emergiu um padrão de relacionamento com
estrangeiros, que originalmente se desenvolvera do medo”84, pelo fato de que os estrangeiros
passaram a ser vistos como mensageiros dos deuses, por isso passaram a ser respeitados. Em
Homero havia essa compreensão, de que o estrangeiro era enviado da parte de Zeus, por isso era
motivo de horror quando um estrangeiro era desrespeitado ou maltratado. Já no âmbito religioso, de
fato, o estrangeiro não era bem vindo, além de não poder contribuir com suas convicções religiosas. A
partir das guerras persas surgiram algumas mudanças. O estrangeiro continuou sendo alguém que não
pertencia à comunidade cúltica, por isso suas religiões representavam um perigo para a moral, mas por
outro lado “as portas ficavam escancaradas para inúmeras formas estrangeiras de culto”85. Em Roma, a
partir de 241 a.C. passou a existir um prateor peregrinus, “um oficial encarregado de disputas legais
entre cidadãos e estrangeiros”86. E é justamente por conta da realidade de estrangeiros que surge o
conceito de hospitalidade87.
Por mais que o Antigo Testamento esteja repleto de exemplos de hospitalidade88, o paradigma
maior continua sendo Jesus Cristo. Jesus não hospeda pessoas em casa, mas hospeda pessoas junto
de si. Conforme Mateus 11.28-30, Jesus convida pessoas para se achegarem a ele e se relacionarem
com ele. Ou seja, receber alguém em casa pode não significar hospitalidade, porque hospitalidade
significa, para Jesus, relacionalidade. Nesse sentido alguém só pode ser hospitaleiro se este se

80
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 217.
81
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 398.
82
FEE, 1994, p. 187.
83
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 397.
84
BIETENHARD, H. φιλόξενος. In: COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo
Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2000. p. 745.
85
BIETENHARD, In: COENEN; BROWN, 2000, p. 746.
86
BIETENHARD, In: COENEN; BROWN, 2000, p. 746.
87
Veja também: DOUGLASS, 2006, p. 598-600.
88
Para aprofundamento se sugere: BIETENHARD, In: COENEN; BROWN, 2000, 746-747.

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entende hospedado junto de Jesus Cristo. Há inúmeros exemplos de hospitalidade em Jesus Cristo.
Ele acolhe famintos (Mc 6.30-34, 8.1-10), ele ceia com os discípulos (Mc 14.12-16, 22-26), mas
também é alvo da hospitalidade de pessoas (Mc 1.31; Mc 2.15; Lc 7.36-50; Lc 10.38-41; etc.).
Hospitalidade, portanto, é importar-se com o outro, seja ele quem for. Quando alguém é hospitaleiro,
pode inclusive hospedar anjos sem saber (Hebreus 13.2). Em Romanos 12.13, Paulo, pede para que a
hospitalidade seja praticada.
Ou seja, por conta do paradigma Jesus Cristo, percebe-se a hospitalidade em todo o Novo
Testamento (Mt 10.11ss; Atos 10.6ss). Esperava-se a hospitalidade da igreja inteira (1 Pe 4.9) e não
apenas dos líderes. Ou seja, receber bem pessoas estrangeiras, os estranhos, as pessoas de fora e as
enxergar como pessoas dignas que foram criadas à imagem e semelhança de Deus é um sinal de que
alguém pode assumir a liderança de uma comunidade cristã. Bürki também diz que “ser hospitaleiro é
um exemplo para muitos de como se pode praticar a disposição para o bem”89.
Outra marca que precisa ser encontrada nas pessoas que irão assumir cargos de liderança em
Creta é a questão do ser φιλάγαθος. O comentarista Bürki diz que o amigo do bem está “aliado ao bem
maior do próximo”90. Ou seja, o líder que é amigo do bem é alguém capaz de “desenrolar questões
complicadas, apaziguar brigas, sendo sábio e sensato nesse procedimento”91. O líder precisa portanto,
“amar ou gostar daquilo que é bom”92.
A pessoa que ocupa lugar de liderança também precisa ser σώφρον. O termo pode ser
traduzido por “prudente”, “sensato” e “controlado”. A palavra σώφρον se forma “das partes
componentes sos, “salvo”, “seguro”, e phren, o “coração” como sede das paixões, o lugar onde se
localizam as atividades da alma”93. Desde a origem da palavra ela tem sido atribuída à questão do
controle e do domínio próprio, ou seja, é um “antônimo da ignorância e da frivolidade e tem um sentido
correspondentemente positivo”94. Essa palavra aparece, inclusive, como uma das virtudes nos escritos
das quatro virtudes cardinais de Platão, juntamente com justiça, coragem e sabedoria95.
A palavra σώφρον não é comum no Novo Testamento, portanto não é possível encontrar no
Novo Testamento uma doutrina das virtudes cardinais, porém, “no que diz respeito ao catálogo de
virtudes, [...], as Epístolas Pastorais ficam dentro da tradição do seu ambiente hel., e, assim, adotam a
admoestação [...] dentro do sentido geral de fórmulas morais”96.
Ser prudente, ou controlado, portanto, é ser alguém que se fundamenta na fé em Jesus Cristo,
e não meramente na sua realização moral. É o autocontrole e a prudência que vão determinar o
relacionamento entre as pessoas, para que elas enxerguem suas limitações e também as do próximo,
para então ter sua atuação determinada. σώφρον é “um elemento necessário do amor que mantém a
tensão entre o comprometimento e a distância recíproca”97.
Ainda no versículo 7, outra característica que precisa ser encontrada na pessoa que será líder
é a questão do ser δίκαιος. A questão da justiça é algo fundamental em toda a Bíblia. Todas as
palavras que derivam do termo δίκαιοσὐνη têm origem na raiz δίκη, que significa originalmente
instrução. Na mitologia grega, Dike é filha de Zeus e participa do seu governo no mundo. Ou seja, Zeus
deu Dike (instrução) para os seres humanos conviverem em sociedade, sendo a inimiga implacável de
Dike a violência. Em tempos pós-homéricos, “também era considerada uma expiação ou punição, ou
como sendo a deusa do castigo que perseguia os malfeitores”98. Portanto, o homem justo era,

89
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 398.
90
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 398.
91
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 398.
92
LOUW; NIDA, 2013, p. 270.
93
WIBBING, S. σώφρον. In: COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento.
São Paulo: Vida Nova, 2000. p. 604.
94
WIBBING, In: COENEN; BROWN, 2000, p. 604.
95
WIBBING, In: COENEN; BROWN, 2000, p. 604.
96
WIBBING, In: COENEN; BROWN, 2000, p. 605.
97
WIBBING, In: COENEN; BROWN, 2000, p. 605.
98
SEEBASS, H. δίκαιος. In: COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento.
São Paulo: Vida Nova, 2000. p. 1118.

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originalmente, aquele “cujo comportamento se encaixava no arcabouço da sua sociedade, e que


cumpria suas obrigações devidas para com os deuses e para com o seu próximo”99. Essa observância,
portanto, distingue o justo do injusto. O termo também está bastante ligado ao contexto jurídico, já que
ser justo significava cumprir com aquilo que diz a lei e viver de forma ética.
É Paulo quem faz o emprego mais freqüente deste grupo inteiro de palavras, dando-lhe
sua gama mais larga de sentidos. De todos os escritores do NT, é ele quem estabelece
a conexão mais estreita com o AT, ao falar da justiça de Deus, e da justificação dos
pecadores, da parte de Deus. A justiça de Deus é essencialmente Seu modo de tratar
Seu povo, baseado na Sua aliança, que assim se constitui em uma nova humanidade,
um novo  Israel, composto de judeus e gentios juntamente. Essa justiça divina se
revela pelo fato de que os propósitos de Deus não são frustrados pelo pecado do
homem, pelo contrário, Ele continua sendo onipotente, tanto como Senhor, quando
como salvador, a despeito da rebeldia do homem. Já que o pecado do homem foi
tratado de modo tão radical, pode-se arrastar para longe a demarcação entre Israel e os
gentios, de tal modo que possa vir a existir um novo povo de Deus. A transgressão e a
incredulidade de um homem (  Adão; Gn cap. 3) trouxeram ao mundo a descrença,
com o resultado de que todos os homens caíram sob a condenação divina. Agora,
porém, o ato justo [...] de um só homem (Cristo), Sua confiança total nAquele que
justifica os ímpios, desafia a maldição do  pecado ao trazer para o mundo a
possibilidade de uma confiança em Deus igualmente implícita. O resultado, na vinda de
Cristo, será a absolvição [...], o “declarar justo”, de todos aqueles que são membros da
nova humanidade.100

Nesse sentido, justo não é mais aquele que cumpre um conjunto de leis, mas justamente
aquele que se sabe pecador e que necessita da misericórdia de Deus e da justificação gratuita que é
recebida pela fé em Jesus Cristo, que morreu e ressuscitou, e com isso purifica aquele que se coloca
sob a cruz de qualquer pecado, incredulidade e injustiça. Ou seja, aquele que será selecionado como
líder precisa ter isso em mente: de que ele não é justo por si próprio, mas de que é justo justamente
porque é pecador, e por se colocar sob o senhorio e sob a misericórdia daquele que justifica
verdadeiramente. Somente alguém que compreende a justificação consegue agir de forma justa no
mundo, porque não age a partir da justiça própria, mas da justiça recebida por Deus101.
Outro termo usado pelo apóstolo Paulo que indica uma característica que deve ser encontrada
nas pessoas que serão selecionadas para liderarem as comunidades em Creta é o termo ὅσιος. Os
termos traduzidos por justo e santo formam uma unidade, “porque justiça não é mera virtude humana,
ela vem da santidade de Deus”102. Ou seja, o novo ser humano é justo e santo por causa de Deus
(Efésios 4.24). Bürki diz que “Paulo emprega a mesma combinação de palavras para caracterizar seu
próprio comportamento como evangelista e servo das igrejas”103 conforme 1 Ts 2.10. O termo ὅσιος
tem “como equivalente hebraico hasid; e, tal como esse vocábulo, subentende a correta relação para
com Deus em que o indivíduo aparece como santo ou piedoso”104, ou ainda, em sentido adicional,
como alguém “amado por Deus”105.
A última característica do versículo 7 que o apóstolo Paulo indica é o ser ἐγκρατῆς. O termo
aparece apenas uma única vez em todo o Novo Testamento. Trata-se, portanto, de um hapax
legomenon106. Não se encontram muitas informações sobre o termo, que também pode ser traduzido
por controlado ou abstêmio. O comentarista bíblico Bürki diz que o termo “consta como substantivo em
Gl 5.23, disciplina como fruto do Espírito”107. Bürki continua dizendo que “também em At 24.25 a
abstinência está associada à justiça. O novo ser humano despertou para a vida verdadeira, para

99
SEEBASS, In: COENEN; BROWN, 2000, p. 1118.
100
SEEBASS, In: COENEN; BROWN, 2000, p. 1128.
101
Veja também: DOUGLASS, 2006. p. 749-750.
102
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 398.
103
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 398.
104
DOUGLASS, 2006, p. 1231.
105
DOUGLASS, 2006, p. 1231.
106
Expressão usada para designar um termo que ocorre apenas uma vez em algum escrito. Nesse caso, trata-se de um termo
que ocorre apenas uma vez em todo o Novo Testamento.
107
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 398.

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amizade com tudo que é bom, pronto para servir à igreja”108. Portanto, a pessoa disciplinada é aquela
que tem autocontrole e que consegue abster-se da vida que vivia o velho homem, para viver
plenamente a nova vida recebida em Cristo Jesus. É alguém “que tem controle de si, disciplinado”109.
No último versículo da perícope analisada se encontram alguns termos importantes. O
emprego que Paulo faz do termo διδαχὴ indica, provavelmente, “um certo corpo de doutrinas que deve
ser transmitido como tal”110. Ou seja, o uso do termo “denota a mensagem de Cristo (com sua chamada
ao arrependimento e à fé) e a pregação cristã no seu sentido mais lato”111. É curioso que não é feita
“nenhuma distinção explícita [...] entre um corpo fixo de doutrinas (transmitido pela tradição) e a
mensagem que se prega a qualquer tempo específico”112. Ou seja, o termo deve se referir às breves
confissões de fé citadas por Paulo e talvez questões ligadas ao Sermão da Montanha.
Tardiamente o termo apontava para a Didaché dos Doze Apóstolos e para os ensinamentos de
113
Barnabé . A palavra fiel ou palavra da fé, indica, portanto, o próprio evangelho, que desperta a fé.
Paulo, em 2 Ts 2.15 escreve: Assim, pois, irmãos, permanecei firmes e guardai as tradições que vos
foram ensinadas, seja por palavra, seja por epístola nossa. A palavra da fé “designa a totalidade da
tradição, mas, para que possa ser preservada, precisa ser ensinada, oralmente e por escrito”114. Ou
seja, o cargo de liderança se dá à medida que a pessoa se apega a essa palavra ensinada pela
tradição apostólica, de forma oral e escrita.
O termo ἀντεχόμαι significa “ater-se a determinada crença ou convicção, com a implicação de
agir de acordo”115 com ela. “A autorização para o serviço não é assegurada por meio de uma instância
exterior, nem pelo ato de uma “instalação no cargo”! Somente está autorizado a partir da palavra de
Deus aquele que confia nessa palavra e lhe obedece”116.
O líder que se apega e confia na palavra da fé, ele é capaz, ou seja, “tem competência
especial para realizar determinada função”117, e nesse caso específico, ele tem a função de παρακαλεῖν,
porque tem argumentos e conhecimento para tal atitude. Παρακαλεω significa “chamar para dentro, [...]
a partir daí, seguem-se os demais significados que muitas vezes são difíceis de se distinguirem entre
si”118. No Novo Testamento o significado do termo varia entre “conclamar”, “convidar”, “pedir”, “implorar”,
“exortar”, “consolar”, “encorajar”. A exortação não surge com Paulo, pois ela existe desde o tempo dos
profetas cristãos primitivos (Atos 15.32, por exemplo). “Teologicamente, [...], Paulo dá à exortação uma
base específica”. Paulo “não dá aos seus leitores uma instrução moral direta, mas dirige-se a eles
“através de” (dia) Deus [...], de tal modo que o apóstolo considera que sua admoestação é administrada
pela misericórdia de Deus (Rm 12.1)”119. O Sitz im Leben das exortações no Novo Testamento se
acham nas “passagens parenéticas [...] especialmente no fim das Epístolas de Paulo”120. Ou seja, a
exortação não deve ser entendida, nesse caso, de outra forma senão como a questão de “exercer o
cuidado pastoral”. “É verdade que na proclamação também é possível exortar de forma genérica”121,
mas o termo aqui mostra que “o alvo de toda exortação não deixa de ser a situação concreta: visa-se
interpelar um indivíduo, determinada família ou grupo com a palavra de Deus”122. Ou seja, exortar é
cuidar para que outras pessoas também se apeguem e confiem na palavra da fé, conforme a doutrina

108
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 398.
109
LOUW; NIDA, 2013. p. 668.
110
WEGENAST, K. διδαχὴ. In: COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo
Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2000. p. 644.
111
WEGENAST, In: COENEN; BROWN, 2000, p. 644.
112
WEGENAST, In: COENEN; BROWN, 2000, p. 644.
113
WEGENAST, In: COENEN; BROWN, 2000, p. 644.
114
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 399.
115
LOUW; NIDA, 2013, p. 333.
116
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 399.
117
LOUW; NIDA, 2013, p. 602.
118
BRAUMANN, G. Παρακαλεω. In: COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo
Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2000. p. 767.
119
BRAUMANN, In: COENEN; BROWN, 2000, p. 768.
120
BRAUMANN, In: COENEN; BROWN, 2000, p. 768.
121
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 399.
122
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 399.

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recebida pelos apóstolos da parte de Deus em Jesus Cristo. O líder, portanto, deve ser capaz de tomar
tal atitude: cuidar pastoralmente para que pessoas se firmem na palavra da fé.
Conforme visto anteriormente, na ilha de Creta existia toda sorte de cultos, religiões, filosofias
e linhas de pensamento religioso, portanto, “a necessidade dos altos padrões exigidos dos presbíteros
é uma nova perspectiva diante do que Paulo escreve sobre as características, atividades e
ensinamentos daqueles que se opõe à obra de Deus”123, ou seja, dos falsos mestres,conforme os
versículos de Tito 1.10-16. Por isso o líder também precisa ser capaz de ἐλέγχειν os que se opõe à
palavra da fé. Imagina-se que alguém que se opõe à palavra da fé, ensinada e crida conforme a
doutrina seja “uma pessoa que, após vários conselhos, não larga o pecado”124, ou acrescente outras
doutrinas ao lado de alguma doutrina – como questões ligadas à circuncisão ou leis alimentares.
Não se trata de um embate doutrinário com o que pensa diferente em primeiro lugar, mas o
termo “pressupõe a exortação pessoal através do conselheiro pastoral”125. ἐλέγχω é usado também em
Mateus 18.15. Isso indica também que deve haver uma exortação pessoal em primeiro lugar, antes de
expor tais opositores à igreja. Por outro lado a exposição para prevenção da igreja é permitida caso o
opositor não seja convencido a partir da palavra da fé conforme a doutrina e continue sendo uma
ameaça para a verdadeira fé. O líder, portanto, deve ser capaz de dialogar com o opositor, com bons
argumentos baseados no evangelho e na sã doutrina ensinada pelos apóstolos para que seus
liderados sejam resguardados na palavra fiel.

123
HOWLEY, 1976, p. 526. “The necessity for the high standards demanded of elders is now seen in proper perspective as
Paul describles the characters, activities and teachings of those who oppose the work of God”. Tradução livre do autor.
124
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 265.
125
BOOR; BÜRKI, 2007, p. 265.

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3 ATUALIZAÇÃO DA PERÍCOPE DE TITO 1.5-9

Depois de uma análise detalhada do contexto da carta de Tito, da gramática e dos termos
principais da perícope, considera-se fundamental fazer uma atualização ou contextualização da mesma.
Nessa etapa da pesquisa se quer descobrir o que o texto tem a dizer para os leitores cristãos hoje,
especialmente para os responsáveis pela seleção de líderes nas comunidades de fé. As perguntas que
vão nortear esta etapa, portanto, são: quem hoje, nas comunidades cristas, assumiu o papel ou a
função dos bispos e presbíteros da época neotestamentária? As qualidades requeridas para que
alguém assumisse um cargo de liderança apresentadas na perícope valem ainda hoje? De que forma
se pode interpretá-las?
O objetivo é fundamentar a seleção dos líderes nas comunidades a partir das Escrituras. E
com isso, busca-se amenizar conflitos no que diz respeito ao assunto como um todo.

3.1 BISPOS E PRESBÍTEROS

A partir da análise dos termos bispos e presbíteros, apresentada anteriormente, define-se que,
na realidade cristã atual, essas pessoas não são apenas os pastores ou pastoras, mas sim todos os
líderes que trabalham juntamente com os pastores e pastoras para que as comunidades cristãs se
mantenham firmes na verdadeira fé e doutrina apostólica, que exortam e ensinam as pessoas a partir
do evangelho de Jesus Cristo. Talvez a função de pastores e pastoras seja a de Tito, de observar
pessoas com tais qualidades e características para compor o grupo de líderes.
As cartas pastorais, portanto, tem a função de apresentar uma “ética específica do cargo
eclesial, mais precisamente no sentido de um chamado especial à responsabilidade”126 aos líderes
enquanto responsáveis pelas comunidades cristãs. Seria impossível um pastor ou pastora assumir a
administração de toda uma comunidade, assim como também era nas comunidades primitivas. O
próprio apóstolo Paulo é exemplo disso. Ele não conseguiu acompanhar e administrar todas as
comunidades que fundou, portanto lhe era necessário o serviço dos líderes. A partir disso, quer-se
verificar o que significa cada uma dessas qualificações descritas pelo apóstolo Paulo a Tito para que
alguém possa ocupar um cargo de liderança em uma comunidade cristã.
A própria terminologia líderes utilizada pelos autores citados anteriormente127, na análise dos
termos importantes do texto fornece embasamento suficiente para entender a perícope de Tito 1.5-9
como um texto que se destina para a liderança cristã de forma geral, ou seja, para todos aqueles que,
de alguma forma, assumem um cargo de serviço eclesiástico, além, é claro, de ser destinada também
para pastores e pastoras.
Quando se compreende tal definição, significa também que todas as características e
qualidades requeridas para os presbíteros e bispos descritas na perícope de Tito 1.5-9, hoje, devem
ser também levadas em consideração quando se pensa a respeito da seleção de líderes de
comunidades cristãs.

3.2 QUALIDADES E CARACTERÍSTICAS DOS LÍDERES

Por uma questão metodológica, os termos serão atualizados ou contextualizados conforme a


sequência em que aparecem no texto original e também seguindo a sequência da análise dos termos

126
ROLOFF, 2005, p. 295.
127
Pensa-se aqui nos autores citados na análise dos termos, que majoritariamente usam a terminologia líderes nos seus
escritos.

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importantes. Alguns exigem uma análise mais aprofundada que outros, porém, quer-se olhar para
todos eles de forma particular.

3.2.1 Critérios referentes ao contexto familiar

A primeira característica que Paulo escreve com algo que é requerido de um líder é a questão
do ser irrepreensível. Alguém com motivos para acusação ou repreensão não está preparado para o
cargo. Líderes não estão livres de sofrer acusações e perseguições, e quando sofrem por causa do
testemunho e da prática da justiça, são consideradas pessoas bem-aventuradas (Mateus 5.10). Ou
seja, nem todo tipo de acusação ou perseguição são válidas, ou melhor, são verdadeiras. Mas qualquer
tipo de acusação válida, seja ela ligada ao âmbito legal ou espiritual, contra uma pessoa, a desqualifica,
pelo menos temporariamente, para a função de liderança.
Ser marido de uma só mulher não significa ser apenas formalmente casado com uma mulher,
não significa apenas não se envolver com outras mulheres, apesar de ser um princípio bíblico e
também item da legislação brasileira128, ou carregar uma aliança no dedo como sinal de um
compromisso, mas significa ter para com a esposa o mesmo sentimento que Cristo tem para com a
igreja (Efésios 5.28). Ou seja, o marido precisa ser alguém amoroso, cuidadoso e devotado à sua
esposa. Ele deve ser um modelo de Cristo ao ponto da esposa perceber e recomendá-lo para a
liderança eclesiástica (1 Timóteo 3.5). O fato de a Bíblia citar apenas o homem como líder não significa
uma diminuição da figura feminina, apenas mostra a realidade cultural dos tempos bíblicos. Vale
lembrar que a Bíblia também aponta para a realidade de mulheres ocupando posições de liderança
dentro das comunidades cristãs (Priscila em Romanos 16.3; Lídia em Atos 16.14; Áfia em Filemom 1.2;
Cloe em 1 Coríntios 1.11; Febe em Romanos 16.1; etc.). Nesse sentido, as qualidades e características
apontadas por Paulo, servem também para as mulheres líderes.
É inevitável, porém, que surja a pergunta: pessoas divorciadas ou pessoas casadas mais de
uma vez, podem assumir um cargo de liderança? A pergunta é importante devido ao alto número de
divórcios no Brasil. Uma pesquisa do IBGE constatou que entre 2004 e 2014 o número de divórcios no
Brasil cresceu 161,4%. A média de duração dos casamentos em 1984 era de 19 anos, já em 2014 caiu
para 15 anos. Para se ter uma ideia mais clara: em 2004 aconteceram 130,5 mil divórcios, enquanto
que em 2014 ocorreram 341,1 mil129. Seria incoerente imaginar que pessoas de comunidades cristãs
não fazem parte destes números, inclusive líderes.
Um filósofo polonês recém falecido, Bauman, escreveu a respeito da modernidade líquida.
Bauman sugere que a época atual é uma época marcada pelo consumo, gozo e artificialidade. É uma
época em que os referenciais foram perdidos: a classe, a família e também a religião. E quando não
existe mais referenciais, a vida passa a ser um projeto individual e as relações se tornam cada vez
mais frágeis130. Nesse sentido, casamentos são frágeis, descartáveis e individualistas. O trabalho dos
líderes eclesiásticos, portanto, deve ser o de contradizer a cultura, entendendo-a como um falso mestre
deste tempo, a partir daquilo que o evangelho diz sobre matrimônio e relacionamento.
Retomando a pergunta inicial: pessoas divorciadas ou casadas novamente podem ser líderes?
Em primeiro lugar, precisa ficar claro que divórcio nunca é vontade de Deus. No evangelho de Marcos
10.1-9 há um diálogo entre Jesus e alguns fariseus sobre o tema. Ali fica evidente que o projeto original
de Deus é que o casamento seja “até que a morte separe” marido e mulher, mas que por conta da
dureza do coração do povo de Deus, Moisés havia permitido o divórcio. Ou seja, o divórcio é permitido,
não por ser da vontade de Deus, mas por conta do pecado marcado no coração humano. A carta de

128
Artigo 235 do Código Penal Brasileiro de 1940.
129
Portal Brasil. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2015/11/em-10-anos-taxa-de-divorcios-cresce-
mais-de-160-no-pais. Acessado em: 29 de abr. de 2017.
130
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade liquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

194
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divórcio “é tolerada por necessidade, para enfrentar determinada situação”131. Sendo assim, a pessoa
divorciada por necessidade, quando estiver com sua situação completamente resolvida, pode assumir
um cargo de liderança. Porém Jesus ainda vai ainda mais longe nos versículos que seguem (Marcos
10.10-12), dizendo que se um homem ou mulher deixar o seu cônjuge e casar com outro, comete
adultério. Nesse caso, quando um homem ou mulher deixa o cônjuge por conta de outra pessoa, não
seria oportuno que essa pessoa ocupasse um cargo de liderança, pois está caracterizado adultério.
Textos como Mateus 5.32 e 19.9 indicam que quando acontece imoralidade sexual, aí então o divórcio
é permitido. No caso da morte de um dos cônjuges o novo casamento também é permitido sem que se
caracterize adultério (Romanos 7.1-4).
Silva entende que “o divorciado inocente não cometeu pecado algum”132, por isso não vê
empecilho para que assuma posições de serviço na comunidade cristã, quando sua situação estiver
regularizada. Até mesmo se esta pessoa vier a se casar novamente ela está apta para o cargo. Já em
relação à pessoa adúltera, que deixou o cônjuge para permanecer com outra pessoa, essa não deve
assumir um cargo de liderança para que não sirva de pedra de tropeço para outros (Mateus 18.6;
Romanos 14.13; etc.).
A característica seguinte em relação ao líder é sobre ter filhos crentes que não sejam
acusados de dissipação e insubordinação. Isso significa que pais precisam ser modelos de fé para os
filhos. Os filhos precisam olhar para Jesus e para a fé cristã a partir dos pais, que são os líderes da
casa. A família deve ser o projeto principal na vida do líder, ou seja, ali ele precisa demonstrar sua
aptidão para ocupar um cargo eclesiástico.
Surge, portanto a pergunta: pais que têm filhos indisciplinados ou insubordinados estão aptos
para assumir cargos de liderança? Pode-se ensaiar uma resposta com Jesus. No evangelho de Lucas
Jesus propõe uma série de parábolas sobre coisas perdidas: a ovelha perdida (Lucas 15.3-7), a
dracma perdida (Lucas 15.8-10) e o filho pródigo (Lucas 15.11-32). O princípio por trás das parábolas é
o compromisso amoroso e insistente em buscar algo perdido e no fato de não abrir mão dessas coisas.
Esse princípio deve reger a vida dos pais que têm filhos insubordinados: insistência amorosa e
compromisso fiel para que eles cheguem ou retornem para o caminho da fé. Bons materiais de
educação de filhos podem ajudar os pais nesse processo133. Portanto, aqueles pais que possuem filhos
insubordinados e se conformam com essa situação, esses não devem liderar o rebanho de Deus.
Esses dois primeiros termos, que dizem respeito ao contexto familiar daquele que ocupará um
cargo de liderança parece mostrar que, antes de assumir um cargo eclesiástico, a pessoa precisa
passar pelo teste familiar, ou seja, ser aprovado e recomendado como líder fiel a Deus dentro da sua
própria casa.

3.2.2 Critérios referentes à vida particular e pública

Depois de Paulo ter mencionado características que dizem respeito ao âmbito familiar, ele
retoma a questão da irrepreensibilidade, e ainda acrescenta que, como mordomo, ou despenseiro, de
Deus, a pessoa deve ser irrepreensível. Ou seja, a pessoa que vai assumir um cargo de liderança
precisa ter uma vida livre de acusações para administrar questões ligadas à comunidade de fé. É
importante perceber que o termo θεοῦ é um genitivo. Ou seja, a pessoa irrepreensível precisa ter
consciência de que será um mordomo, um despenseiro, um administrador de algo que não lhe
pertence, mas de algo que é de Deus, e por isso deve seguir as orientações do próprio Deus,
ensinadas nas Escrituras.
As próximas cinco características não dizem respeito diretamente ao contexto familiar do líder,
mas sim à sua vida particular e pública. Nesse sentido, a pessoa capaz de ocupar um cargo de
131
POHL, Adolf. Evangelho de Marcos: Comentário Esperança. Curitiba: Esperança, 1998. p. 294
132
SILVA, Esequias Soares da. Analisando o divórcio à luz da Bíblia. Rio de Janeiro: Casa publicadora, 1996. p. 57.
133
Sobre o assunto, sugere-se: GRZYBOWSKI, Carlos “Catito”. Pais santos, filhos nem tanto. Viçosa: Ultimato, 2012.

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liderança não deve ser aprovado ou recomendado apenas por sua família, mas também a partir da sua
boa vivência na sociedade.
O primeiro termo dessas cinco características tem a ver com arrogância. O texto diz que
alguém arrogante, orgulhoso, soberbo, não pode ser líder. Uma pessoa arrogante pensa somente em si
mesma e enxerga somente o seu valor próprio. Dificilmente um arrogante consegue ser servo, pois não
reconhecerá que precisa de um Salvador. Jesus falou sobre isso através de uma parábola que se
encontra no evangelho de Lucas 18.9-14. O fariseu, cheio de si, orava como se fosse bom em si
mesmo. Era arrogante e confiava “na sua própria justiça, e não na misericórdia de Deus”134. O
publicano, por sua vez, reconhecia que precisava de um Salvador. Na oração do fariseu não há
“nenhuma consciência de pecado, necessidade de perdão ou humilde dependência de Deus”135,
apenas uma autopropaganda arrogante acerca de si mesmo. Líder, portanto, deve ser aquele que
reconhece que precisa de um salvador e que vive na dependência da misericórdia de Deus e não da
sua justiça própria, não dando margem para a arrogância.
Alguém irascível também não pode ser líder. Ou seja, uma pessoa esquentada ou
temperamental, que se irrita facilmente, que faz confusão com frequência e por qualquer motivo, essa
pessoa não está apta para exercer liderança, pois provavelmente não saberá lidar com trabalho em
equipe e com pessoas que pensam de forma diferente. Comunidades cristãs são formadas também por
pessoas imaturas ou fracas na fé, que muitas vezes não tem maturidade ou compromisso para viver
conforme a sã doutrina. Alguém irascível não saberia liderar essas pessoas, mas sim alguém
misericordioso e paciente. Além do mais, alguém que é irascível na sua vida pública e comunitária,
certamente também o é no contexto familiar, ou seja, seria alguém já desaprovado por esposa, filhos
ou pais.
Alguém que não é dado a muito vinho, além de ter autocontrole, demonstra também uma
atitude de amor ao próximo. Uma atitude de amor com aquele que sofre com a dependência do álcool
ou de qualquer outra droga que existe. Além do mais, o que deve dominar a vida do líder é Jesus Cristo
e mais nada.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde – OMS, somente no Brasil existem cerca
de 4 milhões de alcoolistas. Isso significa que quase 3% da população acima de 15 anos é considerada
alcoólatra. Além disso, o Brasil é um dos países onde mais se registram casos de abuso de consumo, e
os casos de internações de pessoas alcoólatras em clínicas de reabilitação no Brasil são crescentes136.
Seria ignorância pensar que essas pessoas também não estão participando das comunidades de fé
Brasil a fora. Líderes abstêmios, ou moderados, têm autoridade para ajudar pessoas que sofrem com o
vício, além de demonstrar solidariedade com o problema. Sendo assim, uma pessoa alcoolista não
pode ser um líder eclesiástico.
Não briguento pode também ser traduzido por não violento. Alguém briguento tende a se
envolver com freqüência em questões ligadas à violência. Não se trata apenas de uma pessoa que
discute oralmente, mas sim de alguém que busca resolver seus problemas pelas vias da violência. O
Mapa da Violência 2016 no Brasil apresentam dados alarmantes137. Outra vez seria ingenuidade
imaginar que essa realidade não esteja presente nas comunidades de fé no Brasil. Sobre esse assunto
também se pode aprender com Jesus. Ele diz que os que são chamados filhos de Deus não são os
violentos, mas sim os pacificadores (Mateus 5.9). Além disso, os cristãos são chamados a sempre
oferecer a outra face (Mateus 5.39) diante de incitações à violência e agir sempre pautados no amor de
Deus, inclusive para com os inimigos (Mateus 5.43-48). Em Gálatas 5.23 o apóstolo Paulo também
aponta para a paciência como um fruto do Espírito. Alguém que vive buscando em Deus referências
temperamentais é alguém paciente, e não violento. Em 1 Coríntios 13 Paulo também fala sobre a

134
KUNZ, Claiton. As parábolas de Jesus e seu ensino sobre o Reino de Deus. Curitiba: A. D. Santos, 2017. p. 154.
135
KUNZ, 2017, p. 154.
136
Portal do Alcoolismo. Disponível em: http://www.alcoolismo.com.br/artigos/ha-4-milhoes-de-alcoolatras-no-brasil-
segundo-oms/. Acessado em: 29 de abr. de 2017.
137
O Globo. Disponível em: http://oglobo.globo.com/brasil/mapa-da-violencia-2016-mostra-recorde-de-homicidios-no-brasil-
18931627. Acessado em: 01 de mai. de 2017.

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pessoa que ama, afirmando que o verdadeiro amor não se irrita facilmente, mas tudo suporta. Nesse
sentido o cristão, que é chamado a amar o próximo e a si mesmo (Mateus 22.37-39) é alguém paciente
e não violento. Ou seja, alguém violento não pode ser líder comunitário, pois certamente ali também
agirá de forma briguenta e violenta, moldando uma igreja violenta e não misericordiosa138.
Não cobiçoso por lucro desonesto é uma característica fundamental nos dias de hoje. É
comum que no cenário brasileiro existam dois extremos em relação às lideranças: 1) idolatrar os líderes
eclesiásticos ou 2) desconfiar profundamente dos líderes eclesiásticos. A segunda atitude é comum por
conta dos grandes escândalos envolvendo igrejas que são divulgados na mídia com frequência, ou por
conta da exploração dos recursos dos fieis por parte das igrejas. Ou seja, buscar o lucro desonesto é
uma característica de falsos mestres. Em tempos de corrupção acentuada, transparência, verdade e
honestidade são características vitais para o bom funcionamento de uma comunidade cristã no que diz
respeito à sua credibilidade e confiabilidade.
Nesse sentido, só pode ser líder aquele que tem em si o mesmo sentimento que houve em
Cristo Jesus (Filipenses 2), o de servir, sem que receba algo concreto em troca necessariamente.
Igrejas que visam lucro ou líderes que visam lucro não compreenderam que a igreja subverte a lógica
de mercado do mundo: o maior é o menor (Lucas 9.48), o último é o primeiro (Marcos 10.31), o maior é
o servo (Mateus 23.11). Como disse o mártir alemão Bonhoeffer, “igreja só é igreja quando está aí para
os outros”139, e não quando quer lucro à custa dos outros. Ou seja, a igreja, juntamente com seus
líderes, é chamada para ser um sinal concreto, com palavras e atitudes, do amor de Deus às pessoas e
fazer com que elas percebam outros sinais do mesmo amor.

3.2.3 Critérios referentes à vida de fé

A partir do versículo 8 parece ficar mais claro que existe um progresso no pensamento de
Paulo na perícope. As primeiras duas características dizem respeito à vida familiar da pessoa que será
líder, as outras cinco características, que não devem ser constatadas nos líderes, têm a ver com a vida
particular e pública da pessoa e agora, Paulo fala sobre qualidades que dizem respeito à vida de fé,
àquilo que só a graça de Deus é capaz de operar. Ou seja, a pessoa para ser líder precisa ser
aprovada nessas três dimensões.
O termo φιλόξενος surge da raiz ξενος. É dessa mesma raiz que surge a palavra xenofobia140.
Ser hospitaleiro, portanto, não é ser xenófobo, mas sim xenófilo. É não ter medo ou não deixar de
gostar daquele que é ou que pensa diferente. Não se trata de simplesmente receber bem alguém em
casa ou na comunidade de fé, mas é ir ao encontro, de forma intencional, do diferente, afinal, é nesse
encontro amoroso com o diferente que a fé pode ser despertada.
Nos últimos anos têm se tornado conhecido o conceito de igreja missional. O termo propõe
que missão não é aquilo que a igreja faz, ou alguma programação específica que oferece, mas missão
é a razão pela qual a igreja existe e se move no mundo. Missão é a identidade da igreja. É o seu DNA.
Uma comunidade missional é uma comunidade contrastante, ou seja, ela é sal e luz no mundo de
forma concreta141. É improvável que uma comunidade cristã seja missional sem que seus líderes sejam
hospitaleiros, uma vez que são estes que moldam os liderados, caso contrário essa comunidade não
será relevante e continuará atendendo o mesmo público.

138
Para aprofundamento sobre o tema violência na Bíblia, sugere-se: REID, D. G. Violência. In: ALEXANDER, T. Desmond;
ROSNER, Brian S. Novo Dicionário de Teologia Bíblica. São Paulo: Vida, 2009. p. 1258-1262.
139
BONHOEFFER, Dietrich. Resistência e Submissão: cartas e anotações escritas na prisão. São Leopoldo: Sinodal, EST,
2003. p. 512.
140
CUNHA, Antônio Carlos da. Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1982. p. 832.
141
BUTZKE, Paulo A. De onde vem essa conversa de “igreja missional”?. In: SCHWAMBACH, Claus. Revista OrientAção.
São Bento do Sul: FLT, 2017. p. 7-9.

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Percebe-se isso no episódio de Jesus com a mulher samaritana (João 4). Jesus não foi
xenófobo, mas xenófilo, porque foi ao encontro da mulher que era diferente dele e de forma intencional
demonstrou amor, interesse e oportunizou fé e salvação, sem diminuir sua pessoalidade. Jesus teve
uma atitude que não poderia ser diferente da sua essência, uma atitude missional para com aquela
mulher.
É importante lembrar que o nível do comprometimento do amor de Deus é o mesmo para
todas as pessoas, por isso o diferente sempre deve ser alvo da hospitalidade, para que experimente o
amor e seja alcançado pela missão do trino Deus. Portanto, diferente do falso mestre que só interage
com pessoas do seu interesse, o líder deve ser alguém hospitaleiro, que age intencionalmente de
forma amorosa com todas as pessoas.
Outra característica é ser amante do que é bom ou amigo do bem. Paulo exortou os filipenses
a pensarem em tudo o que fosse nobre, correto, puro, amável, de boa fama, a pensar em tudo que
fosse digno de louvor (Filipenses 4.8). Certamente uma pessoa que é amante do que é bom ou amigo
do bem é alguém que ocupa os seus pensamentos com as coisas do Senhor e coloca em prática tudo
o que aprendeu dele. Ou seja, é alguém que se ocupa com aquilo que vale a pena, com aquilo que tem
valor no Reino de Deus. Nesse sentido alguém que ocupa seu tempo e pensamentos com futilidades
não pode ser líder. Aquele que não busca, com todas as suas forças, em primeiro lugar o Reino de
Deus e Sua justiça (Mateus 6.33), não pode ser líder, porque não saberá priorizar o que de fato tem
valor em uma comunidade de fé marcada pelos valores do Reino de Deus.
O termo traduzido por controlado está ligado também à sensatez e sobriedade. Em textos
atribuídos a Paulo é comum encontrar essa expressão como um incentivo às comunidades e pessoas
(1 Ts 5.6; 1 Ts 5.8; 2 Tm 4.5). Pedro também exorta à sobriedade em seus escritos (1 Pe 1.13; 1 Pe
4.7; 1 Pe 5.8). Sobriedade e controle são características fundamentais para não ser convencido por
falsos mestres. Portanto alguém com essa qualidade é alguém ponderado, equilibrado, moderado,
ajuizado, cauteloso, prudente, etc. Ou seja, é alguém que age com sabedoria, logo, é alguém que age
sempre a partir do temor do Senhor (Pv 9.10). Ser controlado é ter atitudes marcadas pela graça de
Deus. Alguém descontrolado, impulsivo, sem juízo ou prudência, não pode ser líder, pois ainda não
está maduro em relação ao modo de viver ensinado pelas Escrituras no que diz respeito ao domínio
próprio.
A questão do ser justo é importante nessa perícope à luz do que falsos profetas ensinam e
pregam. No v. 10 Paulo escreve sobre os opositores da sã doutrina, indicando que algumas dessas
pessoas fazem parte do grupo da circuncisão. O testemunho neotestamentário traz informações a
respeito do problema entre os justificados por Jesus Cristo, e os que buscam a justificação com obras
de justiça, ou seja, com circuncisão, com observância de leis alimentares, etc. (Gálatas 6.15; Filipenses
3.2; Romanos 4.11; Filipenses 3.3; 1 Coríntios 7.18; etc.). Uma pessoa justa é aquele que sabe que
suas obras não podem justificá-lo, mas que o sacrifício de Jesus Cristo o justifica, gratuitamente e de
forma imerecida. Ou seja, o justo é aquele que se sabe pecador, mas que vive da misericórdia e da
justiça de Deus e que marcou essa verdade no seu coração (Romanos 2.29).
Uma pessoa verdadeiramente justificada é também impulsionada a buscar a justiça no mundo.
E não somente a justiça que diz respeito à sua realidade de vida, mas a justiça também para o outro. O
justificado deve buscar a justiça social e se importar com os injustiçados e com aqueles que sofrem
com essa realidade. Da mesma forma como o povo de Deus era chamado a importar-se com as viúvas,
órfãos e estrangeiros (Deuteronômio 10.18; Zacarias 7.10; Salmos 146.9; Jeremias 22.3; Malaquias 3.5;
etc.), assim os justificados são chamados a buscar a justiça para os marginalizados da sociedade, de
tal forma que oportunizem o contato com a fé (1 João 3.10). Dessa forma, só pode ser líder aquele que
pela fé se sabe justificado, não por suas obras meritórias, mas pela graça de Deus e a partir disso
busca a justiça no mundo marcado pelas injustiças.
A instrução para que o povo de Deus seja santo já é conhecida desde o período
veterotestamentário (Levítico 20.7, por exemplo). No Novo Testamento o assunto é retomado e
aparece como um desejo do próprio Cristo, quando ele ora para que Deus santificasse os cristãos na

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verdade, que é a própria palavra de Deus (João 17.17). Pedro escreve uma exortação em relação à
santidade (1 Pedro 1.13-16), instruindo o povo a ser santo assim como Deus é (Pedro está citando
Levítico 19.2), para que não vivessem mais movidos pelos maus desejos que os moviam quando
viviam na ignorância, ou seja, quando ainda não lhes tinha sido revelado o evangelho. Por mais que os
termos usados sejam diferentes, eles são parecidos em seu significado.
Uma pessoa santa é alguém que o é em toda sua conduta, porque ela é marcada por um Deus
que é santo. A questão do ser santo não é um “legalismo para o mundo e para devotos não-
renascidos”, mas é uma convocação para “aqueles que se deixam chamar para a comunhão com o
Espírito Santo”142, e ali são santificados. Em 1 Pedro 1.15 diz que os que foram chamados, esses
devem ter uma conduta santa. Levando em consideração o aoristo, a tradução ideal seria: “Sede feitos
santos”143. Ou seja, ser santo não é algo que conquista por forças próprias, mas somente pode ser
santo aquele que tem comunhão com o Espírito Santo, aquele que foi convencido do seu pecado e
constrangido pelo perdão incondicional de Deus. Nisto reside à santidade, em se saber
simultaneamente pecador e perdoado pelo Deus santo. Ou seja, alguém que não tem comunhão com o
Espírito Santo, que não vive uma vida santa, marcada por arrependimento, esse não está maduro para
ser líder na comunidade.
Alguém disciplinado é alguém que tem domínio próprio, que tem domínio de si mesmo.
Inclusive, o termo que aparece em Tito 1.8 aparece também no texto de Paulo aos Gálatas 5.23 como
um substantivo, como um dos frutos do Espírito. Não se pode imaginar que o fruto venha por si, como
se fosse algo dissociado da responsabilidade humana. “Como a Bíblia pressupõe em muitas
passagens, nós devemos trazer frutos, devemos querê-los, prepará-los, semear, regar, plantar ou
preservá-los. Não obstante, permanece que”144, conforme 1 Coríntios 3.6: o crescimento vem de Deus.
Buscar o domínio próprio, com a ajuda direta do Espírito Santo, significa buscar um “amor disposto a
renunciar”145, no sentido de que os instintos e atitudes naturais, aqueles movidos pelo pecado, sejam
diminuídos e que se passe a viver uma vida marcada pelo amor genuíno que vem daquele que é amor
(1 João 4.16). Ou seja, alguém que não busca se dominar para viver uma vida marcada pelos frutos do
Espírito, mas que vive dominado pelos seus instintos e atitudes marcadas pelo pecado, esse não pode
ser líder na comunidade.
Conforme observamos anteriormente, o termo exortar denota um cuidado pastoral com o
próximo. Portanto o líder deve ser um discipulador, alguém capaz de, a partir do ensino que recebeu
com base na doutrina apostólica, ensinar outros, exortar, aconselhar, doutrinar, caminhar lado a lado. É
alguém que aponta para a graça de Deus com o anseio de que pessoas se voltem para ela, tomando
consciência do seu pecado e da sua necessidade por um Salvador. Acredita-se que existam inúmeras
formas para que essa dinâmica aconteça nas comunidades cristãs como: discipulados individuais ou
em grupo146, pequenos grupos de estudo bíblico147, cursos sobre a fé148, palestras sobre temas
relacionados à doutrina cristã. Todas essas atividades exigem um líder capacitado à sua frente. Ou
seja, alguém que não conhece e não coloca em prática a sã doutrina, a tal ponto que seja capaz de
ensinar e incentivar outros, não pode ser líder. Nesse caso, o que diferencia um líder genuíno de um
falso mestre é o conteúdo do seu ensino. Enquanto que o falso mestre tem a origem do seu ensino em
heresias, o líder genuíno tem como base de ensino a Bíblia.
A última qualidade requerida está diretamente ligada com a realidade dos falsos mestres, que
se opõe a sã doutrina com ensinamentos heréticos, que levam pessoas para qualquer outro caminho,
menos o da fé cristã. Aliás, o objetivo para que os líderes possuam as características descritas por

142
HOLMER, Uwe. Cartas de Pedro. In: GRÜNZWEIG, Fritz; HOLMER, Uwe; BOOR, Wener de. Cartas de Tiago, Pedro,
João e Judas: Comentário Esperança. Curitiba: Esperança, 2008. p. 160.
143
HOLMER, In: GRÜNZWEIG; HOLMER; BOOR, 2008, p. 160.
144
POHL, Adolf. Carta aos Gálatas: Comentário Esperança. Curitiba: Esperança, 1999. p. 187.
145
POHL, 1999, p. 187.
146
Sobre assuntos referentes a discipulado, sugere-se: BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. São Paulo: Mundo Cristão,
2016.
147
Sobre assuntos referentes a pequenos grupos, sugere-se: WIMMESBERGER, Dietmar. Pequenos Grupos: Implantação,
revitalização e multiplicação na Igreja. Curitiba: Esperança, 2016.
148
Aqui se pensa em cursos como o Alpha ou Trilha8.

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Paulo não é outro, senão o de combater falsos profetas e manter a igreja na verdadeira e sã doutrina.
Sendo assim, o líder deve ser alguém capaz de se opor aos falsos profetas e também convencê-los do
erro. A questão dos falsos mestres, tematizada nos versículos seguintes da perícope (Tito 1.10-11) é
uma realidade combatida em todo o testemunho bíblico, desde o Antigo Testamento (Deuteronômio
18.20-22; Ezequiel 13.8-9; Miquéias 3.5-7; etc.). Aliás, essa é uma realidade da qual Jesus mesmo
alertou (Mateus 24.24; Marcos 13.22). Da mesma forma como se combate um parasita, os falsos
mestres devem ser combatidos, como pessoas que não promovem edificação, mas desconstrução,
desestimulando e impedindo a unidade da igreja. Todo aquele que ensina qualquer coisa diferente da
sã doutrina apostólica deve ser considerado um falso mestre, um falso líder, um parasita da igreja.
Novamente se afirma que o líder deve ser alguém capacitado com a sã doutrina, alguém
convicto de sua fé, que não se abale com questionamentos ou afrontas, mas que dialogue, exponha
seus pontos de vista, e que alimente em seu coração a esperança de que esses falsos mestres
também conheçam a salvação que há em Cristo, aquele que é autor e consumador da fé (Hebreus 12.2)
e que opera tanto o querer quanto o realizar (Filipenses 2.13) em tudo e em todos, conforme sua boa,
agradável e perfeita vontade.

3.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Finalizando a contextualização dos termos, percebe-se que há critérios claros para que
alguém seja colocado num cargo de liderança dentro de uma comunidade de fé. Há três dimensões de
aprovação que precisam ser observadas: o líder precisa ser aprovado e recomendado pela sua
conduta dentro da família, pela sua conduta na vida pública e pela sua conduta na comunidade de fé, a
partir daquilo que se enxerga em suas atitudes.
É importante ressaltar que liderança não é um mal necessário para as igrejas. Além de ser
algo que permeia toda a existência da humanidade, liderança é algo que faz parte da essência do
próprio Deus, que mesmo antes da queda já ordenou a Adão que dominasse a criação, em outras
palavras, que liderasse, que pusesse ordem o mundo perfeito de Deus (Gênesis 1.28). Nesse sentido,
líderes são necessários.
Surpreende o fato de que nas características sugeridas por Paulo não se encontram questões
ligadas a desempenho, a performance. Também não é falado sobre dons específicos. Isso indica que
essas questões não deveriam ser os critérios principais para alguém ser colocado como líder
eclesiástico. Antes, vemos características ligadas à ética cristã e à capacidade de ser fiel e convicto de
sua fé diante de falsos ensinamentos e doutrinas. Ou seja, os líderes são aqueles que refletem em si
mesmos a sã doutrina, e que por isso, têm autoridade para esclarecer erros e heresias, além de
modelar condutas. Em outras palavras, o ser é mais importante do que o saber fazer, no sentido de que
liderança não é algo meramente funcional ou pragmático, mas algo espiritual. Adiante, quer-se citar
algumas obras para atestar essa realidade.
Na obra “Nova Liderança – Paradigmas de Liderança em Tempo de Crise”, editada por Valdir
Steuernagel e Ricardo Barbosa de Sousa, Sérgio Queiroz escreve sobre “Perfil da Liderança Cristã”.
Queiroz escreve a partir da obra de Stephen Covey, “Os 7 hábitos das pessoas muito eficazes”. O
abordagem gira em torno da pessoa de Jesus, propondo que o perfil ideal de líder é aquele que segue
Jesus149. O restante da obra trata de atitudes que líderes devem tomar diante de crises. Chama a
atenção que as cartas pastorais não são citadas, ou seja, as listas com as qualidades ou
características requeridas para líderes cristãos não são exploradas. O leitor não encontra subsídios que
o ajude em relação aos critérios para seleção de líderes, apenas subsídios para trabalhar com aqueles
que já são líderes.

149
QUEIROZ, Carlos. Perfil da Liderança Cristã. In: STEUERNAGEL, Valdir; SOUSA, Ricardo Barbosa de. Nova Liderança:
Paradigmas de Liderança em Tempos de Crise. Curitiba: Encontro, 2002. p. 103-126.

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Também Hybels quando aborda o tema “Montando a equipe dos sonhos do Reino de Deus”150,
onde se imagina que questões como seleção de líderes deveria ser abordada, não aborda o assunto.
Novamente não são citadas as cartas pastorais com suas listas de qualidades e competências. Hybels
escreve sobre caráter, competências e combinação, no sentido de afinidade com a visão da igreja e
dos demais líderes. A obra como um todo aborda questões ligadas às habilidades, e não questões
sobre uma vida ética por parte dos líderes. Nesse sentido a obra também fornece apenas subsídios
para aqueles que são líderes e não para uma comunidade ou para pastores que precisam selecionar
líderes.
Roberto A. Orr também escreve sobre liderança em sua obra “Liderança que realiza”. O título
já indica que a obra aborda majoritariamente questões voltadas às habilidades e performances. O
capítulo cinco aborda o assunto “Características voltadas para o propósito”151, ou seja, para a liderança.
Orr aborda o assunto a partir de diversos textos bíblicos, mas principalmente de frases de pensadores
e de qualidades muitas vezes requeridas num contexto de mercado. Chama a atenção novamente que
não aparece o assunto sobre seleção de líderes, nem se quer se menciona as características
relacionadas à vida de alguém para que esse ocupe um lugar de liderança.
Outra obra de Bill Hybels, agora em parceria com John Ortberg e Dan B. Allender, intitulada
“Chamado para liderar”152 também não aborda o assunto de seleção de líderes, pelo contrário, aborda
majoritariamente questões técnicas visando uma liderança bem sucedida.
Por fim ainda se pode citar a obra “O Bastão da Liderança: Uma estratégia para o
desenvolvimento de líderes na sua igreja” de Rowland Forman, Jeff Jones e Bruce Miller153. É uma
excelente obra que serve como guia para equipar e treinar os líderes, mas novamente não se fala
sobre critérios de seleção.
Quer-se reforçar que obras como essas são fundamentais e têm o seu valor, porém, quando
deixam de abordar questões relacionadas aos critérios para a seleção de lideres, e abordam somente
questões técnicas que dizem respeito aos que já são líderes, corre-se o risco de uma compreensão
equivocada sobre quais são, de fato, os critérios para que alguém ocupe um cargo de liderança em
uma comunidade cristã. Ou seja, corre-se o risco de confundir as habilidades, competências, domínio
de técnicas, capacidade de fazer, como sendo critérios principais na seleção de líderes cristãos,
enquanto que as Escrituras apontam para outra direção que diz respeito a uma vida cristã ética.
A partir também do uso contínuo de parábolas para contextualizar as características da
liderança cristã, percebe-se que a conduta de Jesus é o referencial primordial para que alguém seja
selecionado para ser líder comunitário. Jesus afirma que, aquele que serve é o maior, enquanto que
entre gentios os grandes exercem apenas autoridade, sem serviço (Mateus 20.25-26). Nesse sentido
os critérios para a seleção de líderes seguem os mesmos critérios de Jesus para o Reino de Deus.
O líder, portanto, pode ser comparado a um guia. O guia precisa conhecer o local por onde
conduz pessoas, precisa saber as verdades e as mentiras sobre aquele lugar, precisa estar capacitado
para responder perguntas e para corrigir possíveis informações errôneas. Ou seja, precisa-se enxergar
no guia que ele está apto para exercer essa função e isso não diz respeito somente às questões
técnicas, mas sim ao seu comprometimento íntimo com o local pelo qual guiará as pessoas. Nesse
sentido os líderes são como guias, que por conhecerem e viverem com o Senhor de forma exemplar,
são capazes de conduzir seus liderados pelo caminho da fé, moldar caráter, apontar para a verdade,
apontar para o Rei do Reino, corrigir possíveis erros, ensinar a sã doutrina apostólica e ser um sinal
concreto do amor de Deus na vida das pessoas que a eles foram confiadas, para que diante dos falsos
mestres não sejam confundidas ou decepcionadas.

150
HYBELS, Bill. Liderança Corajosa. São Paulo: Vida, 2002. p. 73-94.
151
ORR, Roberto. A Liderança que realiza: Como dominar Princípios de Liderança e técnicas de Gerenciamento para um
Ministério bem-sucedido. Contagem: AME Menor, 2001. p. 65-100.
152
HYBELS, Bill; ORTBERG; John; ALLENDER, Dan D. Chamado para liderar. São Paulo: Planeta, 2015.
153
FORMAN, Rowland; JONES, Jeff; MILLER, Bruce. O Bastão da Liderança: Uma estratégia para o desenvolvimento de
líderes na sua igreja. Curitiba: Esperança, 2008.

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CONCLUSÃO

No decorrer da pesquisa se constatou a dificuldade de acesso a bibliografias relacionadas ao


livro de Tito. É comum encontrar materiais sobre as cartas pastorais a Timóteo, mas não sobre Tito.
Além do mais, alguns termos encontrados na perícope de Tito 1.5-9 não são explicados em dicionários
teológicos ou bíblicos, apenas em comentários bíblicos, o que dificultou a análise. Por mais que seja
deficitário o número de materiais, foi possível realizar a pesquisa e cumprir com o seu objetivo geral.
Acredita-se que as perguntas que motivaram o trabalho puderam ser respondidas. Analisando
exegeticamente a perícope fica evidente que existem critérios bíblicos claros sobre seleção de
liderança cristã em comunidades cristãs e que esse é um tema que deveria ocupar aqueles que servem
nas comunidades com o objetivo de edificá-las. Os critérios existem e deveriam ser observados desde
a igreja primitiva e devem continuar sendo observados ainda hoje.
Conforme mencionado ao longo do trabalho, existem outras listas de características e
qualidades requeridas para os líderes, mas Tito também contribui para esse tema, inclusive
apresentando termos que não são citados em outras listas de características ou qualidades, seja nas
outras cartas pastorais ou em outras perícopes neotestamentárias que tratam do assunto de seleção
de líderes.
Algumas questões ficaram evidentes ao concluir a pesquisa: a) as pessoas que serão
selecionadas precisam ser observadas e aprovadas em três dimensões da vida: familiar, particular e
pública e na vida de fé; b) todas as características, qualidades ou competências requeridas não dizem
respeito às questões ligadas a habilidades ou dons, mas dizem respeito à ética cristã, ao estilo de vida
cristão. Nesse sentido se conclui que o ser é prioridade à vista do fazer. Ser líder não é uma questão
pragmática em primeiro lugar, apesar de importante, mas é uma questão de ser alguém genuinamente
cristão e aprovado para o cargo.
O resultado final da pesquisa não diminui a necessidade de se trabalhar e promover
habilidades específicas entre os líderes. A pesquisa também não diz que não seja importante o fato de
que o líder precise ter uma boa performance. Isso tudo é essencial. Mas a pesquisa quer indicar,
respaldada pela Bíblia, que não são essas questões que devem ser levadas em consideração em um
primeiro momento quando se quer selecionar pessoas para cargos de liderança comunitária.
O trabalho, portanto, serve como um guia para que líderes sejam selecionados nas
comunidades cristãs. A conclusão da pesquisa também serve como um alerta para todos os que estão
envolvidos em liderança em comunidades cristãs. Aqueles que já são líderes podem reavaliar sua vida
à luz dessas qualidades ou características, e desenvolver mudanças, caso necessário. A pesquisa
serve como um alerta também diante da quantidade de materiais sobre liderança cristã que não levam
esses critérios bíblicos em consideração, mas apenas questões ligadas a habilidades e performance.
Não se está condenando tais materiais, apenas alertando para os critérios para que líderes sejam
selecionados.
Conclui-se, enfim, que liderança cristã é um tema importante da eclesiologia e que precisa ser
refletido teologicamente para que comunidades sejam edificadas com o objetivo de que pessoas
nasçam de novo e vivam a partir da graça de Deus pela fé. Líderes comprometidos, convictos de sua fé
e seguidores fieis de Cristo edificam comunidades saudáveis que não são confundidas ou
enfraquecidas diante dos ataques dos falsos mestres, sejam eles quais forem em qualquer época da
história.

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REFERÊNCIAS

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BAUMAN, Zygmunt. Modernidade liquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
BIETENHARD, H. φιλόξενος. In: COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário Internacional de
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BRAUMANN, G. Παρακαλεω. In: COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário Internacional de
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DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 2006.
FEE, Gordon D. Novo Comentário Bíblico Contemporâneo: 1 & 2 Timóteo. Tito. São Paulo: Vida,
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ANEXO A

Tradução autônoma do autor referente à perícope estudada.

Tito 1.5: Por esta razão deixei você em Creta, para endireitar as coisas restantes e para que
designasse presbíteros em cada cidade, conforme lhe ordenei.
Tito 1.6: Alguém que seja irrepreensível, homem de uma mulher, que tenha filhos crentes, não
acusados de dissipação ou insubordinação.
Tito 1.7: É necessário que o bispo seja irrepreensível como mordomo de Deus, não arrogante, nem
irascível, nem dado ao vinho, nem briguento, nem cobiçoso por lucro desonesto.
Tito 1.8: Mas seja hospitaleiro, amante do que é bom, controlado, justo, santo e disciplinado.
Tito 1.9: Retendo firme a palavra da fé, conforme a doutrina, para que seja capaz de exortar com a sã
doutrina e convencer os que se opõe a ela.

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