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Vox Scripturae - Revista Teológica Brasileira

ISSN 0104-0073
eISSN 2447-7443
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
Atribuição – Não Comercial – Sem Derivações 4.0 internacional

RESENHAS

WIESE, Werner. Ética Fundamental. Critérios para crer e agir. São Bento do
Sul/SC: Editora União Cristã; FLT, 2008, 275 p.

Claus Schwambach1

A pergunta simples e vital que o teólogo, já há muitos anos catedrático


de Novo Testamento na FLT em São Bento do Sul/SC, persegue em seu livro,
lançado em 2008, é: como estabelecer o certo e o errado para distinguir o que é
bom (bem) e o que não é, mas é mal? Muito para além de um mero livro escrito
para a academia, esta obra de Werner Wiese constitui uma verdadeira orientação
“para crer e agir” – como o subtítulo já o diz. Embora a obra esteja elaborada em
linguajar científico, que revela um elevado nível de abstração teológica, ela ainda
assim é, sob diversos pontos de vista, acessível ao membro da comunidade cristã
que queira buscar nela orientação ética. Isso certamente se deve ao fato de essa
obra ser fruto de longos anos de pesquisa e docência do autor nessa área, bem
como ao empenho do autor em atualizar suas descobertas bíblico-teológicas para
os membros das comunidades cristãs.
A primeira parte do livro trata de “questões preliminares”, tais como “O
que é ética?”, a diferença entre “ética teológica/cristã e ética social” e os “princípios
seculares da ética”. Dentro deste último tópico, o autor aborda, de forma expositiva
e crítica, a ética positivista, a ética utilitarista, a ética do direito ou lei natural e a
ética da situação. O autor destaca, mediante amplo uso de literatura, em grande
medida da tradição teológica europeia – em especial alemã –, tanto os aspectos
positivos quanto os negativos de cada modelo ético.
A segunda parte do livro está dedicada à abordagem dos “valores éticos

1 Informações sobre o autor podem ser encontradas no início do artigo sobre “Justificação
por graça e fé”.

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a partir da criação de Deus”. Ali o autor trata das principais questões relativas à
correlação que existe entre antropologia e ética. Merece destaque sua abordagem
dos temas: “o ser humano como sujeito da ética”, ser humano como “imagem de
Deus”, “imagem de Deus e pecado original”, “dimensões de responsabilidade e
liberdade de ação” e, por fim, “a questão do bom-senso: a consciência humana”.
Novamente chama a atenção que a forma de abordagem não segue estereótipos
dos manuais acadêmicos da ética, mas sim, segue um padrão de reflexão teológica
que se deixa pautar pelo ensino da Escritura Sagrada e que pondera, a partir desse
critério, os diversos temas. O leitor encontrará nesta parte uma rica bagagem
de observações bíblico-teológicas, bem como uma síntese madura de reflexões
éticas, elaboradas no diálogo crítico com a tradição teológica e filosófica europeia
e voltadas para a análise dos desafios do nosso contexto brasileiro.
A terceira parte do livro de Wiese ocupa-se com a temática dos “valores
éticos a partir da história da salvação”. Aqui ele aborda o “vínculo do ser humano
com as normas: a ciência do que é bom” – com ênfase para uma análise crítica do
direito natural, bem como a “importância da lei revelada por Deus para a ética”
– com destaque para a lei do AT (decálogo) em seus diversos usos. Ao final, o
autor elabora um balanço do capítulo, pontuando a relevância do Decálogo como
expressão daquilo que é bom para todos e como moldura externa da ética cristã.
Ele conclui, apontando para o fato de que uma ética cristã não deve ser restrita aos
Dez Mandamentos, embora tenha nestes uma de suas referências contínuas.
A quarta e última parte da obra de Wiese está voltada para a “ética
especificamente cristã”. Trata-se da parte mais longa do livro, na qual o autor
entra em uma série de detalhamentos temáticos. Os principais subtópicos são: o
“horizonte da ética cristã: o Reino de Deus” e o “sujeito da ética cristã: o cristão”.
Neste último tópico mencionado, Wiese aborda a pergunta “quem é o cristão?”,
pontuando ser este uma “nova criatura”, alguém convertido, regenerado, alguém
que vive na justificação e na santificação. Ele conclui esse mesmo tópico apontando
para as consequências éticas do tornar-se e do ser (viver) cristão, entrando nos
detalhes da vida regenerada, na concretude da justificação e da santificação, bem
como nas dimensões da confissão e da absolvição de pecados. Aborda, além disso,
o que significa a “santificação” concretamente, enquanto busca pela vontade de
Deus e pela direção do Espírito Santo.
Partindo para o final da obra, Wiese entra em diversos “campos
específicos da ética cristã e sua relação mútua”. Ele aborda temas como a

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“oração”, a “adoração”, a “comunhão cristã”, a “missão e a evangelização cristãs”


e a “diaconia cristã” – sempre pontuando as dimensões éticas desses temas.
Metodologicamente, como o próprio autor esclarece no prefácio, o livro
é estruturado de modo que seja possível iniciar com a leitura em qualquer uma das
partes. As notas de rodapé não têm função explicativa adicional ao corpo do texto,
sendo que a leitura pode ser feita, desse modo, sem interrupções devido às notas
explicativas. O autor inclui, ao longo do livro, breves listas bibliográficas, as quais
possuem duas funções; a) apontar para possibilidades de leitura complementar
sobre os assuntos em pauta – trata-se, nesse caso, sempre de literatura em língua
portuguesa; b) indicar para as fontes – em especial estrangeiras – utilizadas pelo
autor, e que o inspiraram em suas reflexões. As páginas 266 a 273 apresentam um
índice de citações bíblicas do AT e do NT encontradas no livro e deixam entrever
o volume realmente expressivo de citações bíblicas ao longo do livro.
De forma geral, o livro de Wiese é profundo no embasamento bíblico,
rico na inclusão de perspectivas advindas da literatura – na maior parte estrangeira
– utilizada e prático na aplicação à realidade cotidiana da vivência cristã. É
indubitavelmente recomendado ao teólogo, ao pastor e, acima de tudo, ao
estudante de teologia, mas pode ser de imensa utilidade para qualquer pessoa que
se interesse por questões éticas e para qualquer pessoa que colabore ou tenha
função de liderança na comunidade cristã. O público-alvo desta obra precisa
ser, portanto, definido de forma bem ampla, pois a abordagem de Wiese quer ter
“caráter de fundamento para auxiliar na avaliação de desafios que exigem decisões
concretas, acima de tudo, do ser humano que deseja viver conscientemente como
cristão na sociedade” (p. 16s). As inúmeras reflexões mostram que o autor possui
uma teologia comprometida de forma consciente e aberta com a normatividade
do testemunho bíblico, não apenas em questões dogmáticas, mas também e
justamente em questões éticas. Em nossa avaliação, ele não deixa a desejar na
elaboração de uma posição bastante clara, ponderada e sólida nos diversos temas
que aborda, convidando o leitor, dessa forma, a ousar assumir posição ética numa
época em que os referencias éticos estão em franco processo de diluição. A obra
de Wiese pode contribuir para o resgate de referenciais éticos claros, hauridos
do testemunho bíblico, numa época em que uma profunda e aguda crise ética se
alastra. A leitura é orientadora e libertadora, e o leitor certamente terá perspectivas
novas e libertadoras ao concluí-la!

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WESTPHAL, Euler Renato. Ciência e Bioética. Um olhar teológico. São


Leopoldo: Sinodal, 2009, 118 p.

Claus Schwambach2

O presente livro de Euler Westphal, autor que tem na área da bioética um


dos principais focos de sua pesquisa e atuação docente nos últimos anos, representa
uma abordagem introdutória e, ao mesmo tempo, profunda, das ínfimas conexões
entre ciência e bioética. O autor é teólogo e a perspectiva assumida por este é,
declaradamente, uma perspectiva teológica. Entretanto, a milhas e milhas distante
de qualquer fundamentalismo biblicista, o autor pressupõe uma reflexão norteada
pelas discussões hermenêuticas modernas e pós-modernas e mostra amplo domínio
da história da filosofia e das ciências modernas, indo até as raízes destas na Idade
Média e na Antiguidade. Seu horizonte de abordagem é amplo. E o caráter de sua
abordagem não deixa de ter algo de “profético”, mostrando inconformismo com
“dogmas” e “mitos” vigentes no âmbito da ciência. A abordagem é “profética”, na
acepção teológica do termo, porque o autor vai na contramão de uma hermenêutica
da dúvida, que vigorou na ciência moderna e continua a ser norteadora em muitos
setores da pesquisa científica – não por último, bioética – até hoje. Para encontrar
o âmago das diversas questões bioéticas, Westphal deixa claro que não é possível
abordar esses assuntos de forma superficial. Antes, mostra que, se alguém deseja
ir ao âmago das questões, precisa mergulhar de forma profunda na história, em
busca de raízes da história do pensamento ocidental que, ao que tudo indica, foram
incorporadas ao nosso pensamento de forma tão profunda, que a capacidade de
abstração crítica tem sido por demais prejudicada quando se aborda essas questões
hoje. A inconformidade, de certa forma profética, da qual falávamos, e que se deixa
“apalpar” nesta obra, parece ser uma característica do autor, quando escreve sobre
este assunto. Afirmamos isso ao constatar que a presente obra é já a quarta que

2 Informações sobre o autor podem ser encontradas no início do artigo sobre “Justificação
por graça e fé”.

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o autor publica na área. As outras três obras são: O oitavo dia na era da seleção
artificial (Editora União Cristã); Brincando no paraíso perdido: as estruturas
religiosas da ciência (Editora União Cristã) e Para entender Bioética (Editora
Sinodal). Isso atesta o caráter nada incipiente da ocupação de Westphal com o
assunto!
O livro está estruturado em 10 capítulos. No capítulo 1, o autor confronta
ciência e bioética como “diferentes pontos de vista”, mostrando como ambos
expressam apenas parcelas de uma realidade, que é sempre maior que as duas
áreas. No capítulo 2, ele trata do tema “ciência e teologia: descompassos e
convergências”, pontuando o assunto em 3 direções: - a questão da manipulação de
embriões; - a dignidade da vida como confissão de fé; - a questão, se anencéfalos
são seres humanos. No capítulo 3, Westphal trabalha a questão de “dogmas e
mitos” da ciência – entenda-se ciência sob o horizonte da Modernidade ocidental!
– destacando o “triunfo da dúvida” como premissa hermenêutica da pesquisa
científica e a questão do “domínio sobre a natureza” como fator determinante
no lidar com a natureza na história recente, desde René Descartes e Kant. Em
seguida, no capítulo 4, Westphal aborda a questão do “princípio” da “incerteza”,
de Werner Heisenberg, em suas implicações para a pesquisa e a reflexão científica.
No capítulo 5, o autor trata da “crise espiritual e [a] cultura científica”, mostrando
como ambas estão correlacionadas em diversos aspectos. No 6º capítulo, ele trabalha
a questão da “morte de Deus” como premissa da ciência, e suas implicações éticas
e bioéticas. O capítulo 7 trata da questão dos “paradoxos” da natureza e o capítulo
8 trata da “vida” enquanto “dádiva de Deus”. Nesse capítulo, o autor combate
fortemente a coisificação atual do ser humano e aborda questões de antropologia
fundamental, a saber, o ser humano como corpo, alma e espírito. No 9º capítulo,
ele trata da questão da “morte” e, no último capítulo, resume algumas de suas
posições, em “um novo olhar e diferentes perspectivas”.
Como já se percebe na construção do livro, Westphal está interessado
em apontar para as raízes filosóficas e científicas da crise ética e bioética atuais,
mostrando como a fragmentação dos saberes, originada na separação entre res
cogitans e res extensa, na separação entre teologia e ciências, na separação
entre corpo e alma, entre ciências humanas e naturais, tem impedido, se não
impossibilitado, o diálogo real e necessário entre estes saberes humanos nos últimos
séculos. O autor desmascara as mazelas e aponta para as imensas fragilidades de
uma visão mecanicista da ciência, de uma hermenêutica da dúvida e ateísta, de uma

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ética unilateralmente utilitarista, e isso a partir de conceitos teológicos pautados


na dignidade criacional do ser humano, enquanto imagem de Deus. O autor
desmascara, da mesma forma, como o pretenso ateísmo se torna, em verdade, em
uma neorreligiosidade secularizada no âmbito da ciência – em especial da ciência
médica –, haja vista que a ciência, feita sob a premissa hermenêutica da morte de
Deus (etsi deus non daretur), acabou por assumir, ela mesma, o lugar de Deus,
adquirindo feições e pretensões altamente religiosas. Onde a imanência perde os
referenciais de qualquer transcendência, a imanência tende a assumir para si as
titânicas tarefas do transcendente, e isso, na forma de uma neotranscendência, por
assim dizer, imanentizada e secularizada. Por fim, o autor – revelando mais uma
vez sua alma de teólogo e, com isso, a contribuição da teologia para o necessário
diálogo crítico transdisciplinar – aponta de forma ampla, clara e inequívoca para
o amor incondicional de Deus, enquanto amor incondicional do Criador por sua
criatura, como norte inequívoco e duradouro, advindo da teologia cristã, para a
ciência e, de forma especial, para a bioética. Ele mostra como o conceito teológico
da “dignidade criacional”, que se deixa elaborar a partir do conceito bíblico-
teológico de “imagem de Deus” e a partir dos referenciais de uma antropologia
integral hebraico-cristã, poderá tornar-se norteador para a bioética. Diante disso, e
de forma muito clara e filosófica, científica e teologicamente bem fundamentada, o
autor defende que a ciência precisa mudar de atitude frente ao ser humano, que ela
precisa tomar consciência dos seus limites. Somente quando houver tal mudança
de atitude, pautada por uma visão integral do ser humano e uma visão ampla das
interrelações entre as ciências, a filosofia e a teologia, poderá se esperar posturas
que sejam mais éticas nas questões bioéticas. Tanto a teologia quanto as ciências
precisam estar a serviço da vida humana e ambas as grandezas não devem se
excluir mutuamente, mas buscar um diálogo crítico, que permita que realmente
promovam a vida humana no mundo.
Em síntese, a obra de Euler R. Westphal convida o leitor a ampliar suas
percepções filosóficas, científicas e teológicas em torno da bioética e a repensar,
por completo, seu modo de fazer e compreender ciência e pesquisa, e isso, a partir
de um “olhar teológico”. O livro trata prioritariamente justamente essas “questões
de fundo”, embora sempre de novo ilustre isso em exemplos concretos. Esse é o
seu ponto forte! Resta desejar que a obra encontre muitos leitores.

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SAWYER. M. James. Uma Introdução à Teologia. Das questões preliminares,


da vocação e do labor teológico. Trad.: Estevan F. Kirschner. São Paulo: Vida,
2009, 710 p.

Claus Schwambach3

O presente livro de Sawyer – contendo nada menos que 710 páginas!


–, muito bem traduzido do inglês por Estevan Kirschner, representa, em diversas
de suas partes, o preenchimento de uma certa lacuna na literatura existente em
língua portuguesa. Pessoalmente, leciono a disciplina de “Introdução à Teologia”
evangélica há, pelo menos, 9 anos. E a literatura clássica consistia na famosa
introdução de Karl Barth e, em anos recentes, no livro “Para que serve teologia”,
de A. Fernando Roldán, que inclusive já alcançou uma segunda edição, além
de outras contribuições. Nesse cenário, entretanto, o lançamento da obra de
Sawyer, em português, representa um novo marco na literatura disponível para
essa área da teologia – ao menos no que tange a teologia evangélica, haja vista
que a teologia católica romana possui diversas introduções à teologia muito
bem elaboradas. O avanço obtido com o lançamento do livro de Sawyer reside
no fato de este abordar o assunto de forma abrangente, no horizonte amplo dos
múltiplos desenvolvimentos teológicos, filosóficos, hermenêuticos da história
dos últimos 3 séculos. Assim que tomamos conhecimento do livro publicado
pela Editora Vida, logo o encomendamos e já utilizamos em nossas atividades
docentes. Sem perder a necessária profundidade, mas mantendo, de certa forma,
uma linguagem acessível, o autor vai conduzindo o leitor para dentro das questões
introdutórias da teologia. Chama a atenção que ele menciona as diferentes
tradições teológicas do protestantismo, sem perdê-las do horizonte ao longo da
abordagem. E chama a atenção também que ele rastreia com muita propriedade
os desenvolvimentos histórico-filosóficos e hermenêuticos da Modernidade e da

3 Informações sobre o autor podem ser encontradas no início do artigo sobre “Justificação
por graça e fé”.

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Pós-modernidade, que se encontram subjacentes aos diversos temas. Dessa forma,


ele vai conduzindo, mesmo e justamente o iniciante, seja o estudante de teologia
ou o membro interessado de uma igreja cristã, para dentro de assuntos complexos,
sem perder de todo a simplicidade. Obviamente a leitura é um desafio, mas um
desafio que convida o leitor a superá-lo, conquistando um novo patamar em seus
conhecimentos. De antemão já é possível afirmar que as academias não poderão
prescindir dessa obra em suas bibliotecas.
Quanto à estrutura, o livro está construído em torno de 3 grandes partes:
1. Sobre ser teólogo; 2. Sistemas Teológicos; 3. Pessoas e termos importantes.
Na primeira parte – que é a mais interessante para quem leciona a
disciplina de “Introdução à Teologia”, por exemplo – são tratados diversos temas
relativos ao ser e ao fazer teológicos. No capítulo 2 – “A natureza contraditória
do trabalho do teólogo” – o autor aborda assuntos como os modelos de teologia
(teologia como ciência, sapientia e orthopraxis), a relação entre teologia e fé, o que
é heresia, a relação entre teologia e tradição eclesiástico-teológica da cristandade,
o conceito de pesquisa teológica – incluindo a dimensão da tarefa analítica e
crítica – questões relativas às fontes da teologia (revelação geral e específica), uma
introdução ao tema dos “paradigmas”, a relação entre cosmovisão e encarnação e,
por fim, questões relativas à contextualização do evangelho. Chama a atenção que
o autor sempre de novo apresenta a posição “evangelical” quanto aos assuntos em
pauta.
No capítulo 3 desta primeira parte, o tema gira em torno da pergunta:
“Como obtemos conhecimento? Epistemologia, história e verdade”. Aqui o leitor é
introduzido em questões complexas da epistemologia, tais quais se desenvolveram
na história recente. O autor aborda, em especial, questões que despontaram com a
época da Renascença, como a “morte do mundo do senso comum”, o “entendimento
moderno de verdade e de realidade”, “Descartes e o projeto do Iluminismo”,
questões relativas ao empirismo de John Locke, ao ceticismo de David Hume e
ao fenomenalismo de Immanuel Kant. O autor aborda, além disso, os princípios
epistemológicos de Thomas Reid, o existencialismo de Kierkegaard, sempre
mostrando de que forma a Modernidade ocidental tentou construir sua filosofia e
até sua teologia dentro de um quadro de referenciais que o autor denomina de um
“projeto livre de fé” (p. 97), que admite apenas o conhecimento tido como certo.
O autor aborda a ascensão do pós-modernismo e suas implicações, aponta para
os problemas do “dogmatismo da dúvida”, da “arte do saber” e do “relativismo”.

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Trabalha, em seguida, a questão do “pré-entendimento” e sua relação com as


formulações teológicas. Parte, na sequência, para uma abordagem do “problema
da história” e para a pergunta, “como a história e a verdade se relacionam” (p.
109ss). Finaliza, discorrendo sobre “teologia como verdade” e perguntando, “até
que ponto nossa verdade é verdadeira” (p. 113ss). Este capítulo, que vai da pág.
77 a 117, é, sem dúvida, de imensa relevância para auxiliar o estudante e o leitor
de hoje a compreenderem premissas fundamentais para todo e qualquer trabalho e
pesquisa teológicos hoje. Quase diríamos: era uma abordagem mais profunda de
tais itens que faltava em nossas “introduções à teologia”.
No capítulo 4, o autor trata do tema clássico das “fontes e da autoridade
na teologia” (p. 119ss). Num primeiro momento, ele apresenta o quadrilátero de
Wesley e o trilátero luterano. Descreve, em seguida, as fontes e autoridades da
teologia: a Bíblia, a igreja e/ou a tradição, a razão e/ou a experiência. Aborda,
então, os “fatores envolvidos na forma da doutrina, com enfoque para as
dimensões da subestrutura epistemológica de toda construção doutrinária. Por fim,
aprofunda a temática das autoridades na teologia, falando de revelação especial
(Bíblia) e geral, e dentro desta última, pontuando questões como: - a sabedoria e a
literatura sapiencial; - a capacidade humana de descobrir a verdade; - tensões entre
decadência e capacidade; - compreensão de realidade.
O capítulo 5 (p. 157ss) trata da “classificação doutrinária” e a pergunta se
todas doutrinas terão a mesma importância. O autor aborda aqui os componentes
da doutrina (teologia) e a necessidade de estabelecer uma classificação doutrinária
(dogmática). O cap. 6 (p. 193ss) recebeu o título: “O enrijecimento das categorias:
por que os teólogos se opõe à ‘nova informação’?”. O autor trata de diversas
questões que foram despontando a partir da troca de paradigmas e a dificuldade
que a teologia tem de lidar com os avanços do conhecimento que surgem ao
longo da história. O capítulo 7 apresenta as “divisões do estudo teológico”. O
autor subdivide o capítulo em “teologia bíblica”, “teologia histórica”, “teologia
sistemática” e “teologia moderna” (impulso liberal, escola mediadora, teologia
reformada, neo-ortodoxia, teólogos do séc. XX). Sentimos aqui falta de uma
abordagem mais ampla da “teologia prática” por parte do autor, que está muito
bem ancorada na tradição teológica europeia, por exemplo. Aliás, de forma
geral, percebe-se a hegemonia da teologia sistemática na teologia, ao menos na
concepção do autor. Estes seriam, quem sabe, alguns dos raros pontos fracos da
obra.

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Na verdade, para uma obra que pretende ser uma “introdução à teologia”,
o livro poderia parar por aqui. No entanto, como a obra vai muito além de uma
mera introdução, o autor aborda, na parte 2 (p. 261-517), os “sistemas teológicos”,
apresentando-os em seus traços fundamentais. Os assuntos dessa parte são
abordados, via de regra, nas faculdades teológicas e seminários, em disciplinas da
área da história da igreja e da teologia e da dogmática. A forma de apresentação
auxilia o leitor a desenvolver suas percepções quanto às diferenças doutrinárias
das diversas tradições teológicas. O autor trabalha as seguintes tradições – ou
sistemas teológicos: Ortodoxia, Catolicismo romano, Luteranismo, Teologia
reformada (Calvinismo), Teologia wesleyana-arminiana, Dispensacionalismo,
Liberalismo, Neo-ortodoxia e Teologia da Libertação. Trata-se de um excelente
“mapa” conceitual, que auxilia o leitor a localizar-se no mar de concepções
teológicas que há hoje. Além disso, o fato de o autor contemplar essas diferentes
tradições, torna sua obra convidativa para o estudo sob um ponto de vista de
diversas denominações cristãs e sob um ponto de vista ecumênico. Os sistemas
teológicos não caracterizam apenas denominações, mas podem ser vistos, em
parte, como grandezas transconfessionais, razão pela qual vale a pena o trabalho
de conhecê-las no conjunto.
A terceira e última parte (p. 519-637) contém uma série de esboços
biográficos de teólogos e filósofos que são importantes para o estudo da teologia,
além de apresentar um breve dicionário de termos teológicos e filosóficos. Trata-
se de uma pequena fonte de consulta e pesquisa, que pode ser bastante útil no
estudo da teologia.
Se formos arriscar um balanço geral dessa obra, só podemos afirmar que
é muito bem-vinda às nossas academias e prateleiras, pois em sua amplitude e
profundidade certamente preenche um espaço que ainda não havia sido ocupado
com tal propriedade por obras similares dessa área do conhecimento. O autor possui
amplos conhecimentos históricos, hermenêuticos e filosóficos e desenha o papel da
teologia dentro de tal quadro de referenciais. Ele assume uma posição evangelical
e, ainda assim, descreve da melhor forma possível as diferentes correntes do
pensamento teológico evangélico. Uma obra mais do que recomendável!

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RÖSEL, Martin. Panorama do Antigo Testamento: História – Contexto –


Teologia. Tradução de Nelson Kilpp. São Leopoldo: EST; Sinodal, 2009, 232
p.

Roger Marcel Wanke4

Vivemos dias marcados por aquilo que pode ser chamado de


analfabetismo bíblico. Poucas pessoas conhecem a Bíblia, embora ela continue
sendo um dos livros mais vendidos no mundo. Conhecimento bíblico, por sua vez,
é fundamental para quem estuda teologia, atua no ministério e, não por último,
para o crescimento na fé e na vida cristã. Mesmo que, para se obter conhecimento
bíblico, seja indispensável a leitura da própria Bíblia, há muito tempo sentia-
se a falta de um livro como este, em português, que pudesse ser usado como
livro-texto em faculdades e seminários teológicos, bem como na leitura pessoal
e comunitária da Bíblia e assim se tornar um auxílio para conhecer melhor as
Escrituras. Nesse sentido, a Editora Sinodal presenteia o leitor brasileiro com um
recurso indispensável e vem suprir, dessa forma, essa grande lacuna.
O autor, Martin Rösel, é professor de Antigo Testamento na Universidade
de Rostock na Alemanha. Seu livro é, em seu país, uma das principais obras
utilizadas por estudantes de teologia no estudo e aprofundamento de seus
conhecimentos bíblicos (Bibelkunde) do Antigo Testamento.
O Livro é composto basicamente de quatro partes. Num primeiro
momento (p. 11-17), Rösel faz uma breve introdução ao Antigo Testamento,
abordando a definição do termo “Antigo” em relação ao “Novo”, a extensão, a

4 Roger Marcel Wanke (Dr.) é docente na área bíblica, com ênfase em Antigo Testamento,
na FLT - Faculdade Luterana de Teologia. Concluiu seu doutorado em 2009, na facul-
dade de teologia evangélica da Universidade Friedrich Schiller, em Jena, na Alemanha,
sobre o tema da “Praesentia Dei – As concepções da Presença de Deus no livro de Jó”.
É Pastor da IECLB - Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil desde 1997 e faz
parte do Comitê Editorial da Revista Vox Scripturae. E-mail: roger.wanke@flt.edu.br.

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estrutura do Antigo Testamento e a sequência de seus livros a partir da Bíblia


Hebraica, da Septuaginta (LXX), a versão grega, e da Bíblia da tradição protestante
– Versão de Almeida (em língua alemã, Rösel cita a versão traduzida por Martinho
Lutero). Dessa forma, Rösel apresenta a questão em torno dos livros canônicos e
deuterocanônicos do Antigo Testamento. Concluindo esta primeira parte, Rösel
aborda brevemente as línguas (hebraico e aramaico) na qual o Antigo Testamento
foi escrito, bem como as primeiras traduções (Targum, Peshita, Vulgata, Pentateuco
Samaritano), que originaram as principais fontes e manuscritos de que a ciência
veterotestamentária hoje dispõe.
Na segunda parte de seu livro (p.18-129), Rösel apresenta de forma
clássica e sistemática os 39 livros do Antigo Testamento, iniciando pelo
Pentateuco (Gênesis – Deuteronômio, p. 18-41), introduzindo o que a Ciência
Veterotestamentária tem chamado de Obra Historiográfica Deuteronomística
(Josué – 2Reis, p. 42-66) e de Obra Historiográfica do Cronista (1 e 2Crônicas,
Esdras e Neemias, p. 67-72). Seguindo, Rösel aborda o livro de Ester (p.72-74) e
apresenta os Livros poéticos e de sabedoria, também chamados de Escritos (Jó –
Cantares, p. 75-89). Não por último, Rösel apresenta os livros proféticos (Isaías
– Malaquias, p. 90-129). Cada uma dessas partes ou blocos inicia sempre com
uma breve introdução, na qual o autor aborda algumas considerações históricas
e exegéticas, bem como alguns resultados da atual pesquisa veterotestamentária.
Cada um dos livros do Antigo Testamento recebe atenção especial. Rösel apresenta
sistematicamente uma breve introdução de cada livro, bem como informações a
respeito de seu surgimento e a estrutura comentada de cada uma das partes dos
livros veterotestamentários. Embora seja de forma rudimentar, Rösel consegue
transmitir valiosas informações, que possibilitam ao leitor uma visão panorâmica
tanto da história como do contexto e da teologia de cada um dos livros do Antigo
Testamento. Só por esse aspecto, já vale a leitura do livro “Panorama do Antigo
Testamento”.
Na terceira parte (p. 130-147), Rösel aborda, o que em muitos livros do
mesmo gênero tem sido desconsiderado, ou seja, o autor apresenta os principais
livros Apócrifos, ou também chamados Deuterocanônicos, os quais perfazem o
cânon aceito pelas Igrejas Católica Apostólica Romana e Ortodoxa. Dessa forma,
o leitor tem acesso a informações curtas, mas necessárias para a compreensão
desses livros que, na tradição protestante, infelizmente ficam ignorados, mas que
têm despertado o interesse de muitos. Com essa abordagem inédita num livro de

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Conhecimentos Bíblicos, o leitor só tem a ganhar.


Por fim, Rösel apresenta como informações complementares à
compreensão do Antigo Testamento, na quarta parte de seu livro (p. 148-232), 25
capítulos temáticos, os quais abordam questões históricas, como, por exemplo:
“A época dos Juízes e o surgimento da monarquia” (p. 171-174); “O Exílio
Babilônico” (p. 185-188), questões teológicas, como, por exemplo: “Criação”
(p. 153-155); “Aliança” (p. 158-161); “Teodiceia” (p.198-200); “Antropologia
do Antigo Testamento” (p. 209-212) e ainda questões exegéticas, como, por
exemplo: “A origem do Pentateuco” (p. 155-158); “Gêneros de Salmos” (p. 192-
195); “Qumrã e o Antigo Testamento” (p. 218-22). Com esses capítulos temáticos,
o leitor é despertado a uma leitura do Antigo Testamento como um todo e não
apenas em seus detalhes, bem como convidado a mergulhar profundamente dentro
dos temas teológicos existentes no Antigo Testamento, proporcionando, de fato,
conhecimento e reflexão bíblico-teológica.
Digno de nota é ainda o fato de Rösel incluir 37 ilustrações espalhadas
por todo o seu livro, como, por exemplo, mapas, esculturas, fontes epigráficas e
iconográficas extrabíblicas, bem como descobertas arqueológicas, que enriquecem
e ajudam o leitor na melhor compreensão do Antigo Testamento.
Metodologicamente, no entanto, o autor, no intuito de repassar ao
leitor o maior número de informações possíveis, mescla as diferentes maneiras
de subdivisão do Antigo Testamento e, de certa forma, apresenta os blocos
fragmentariamente. Um exemplo disso é a divisão dos Escritos, termo que vem
da subdivisão judaica do Antigo Testamento chamado por eles de “Ketubim”.
Aos Escritos, porém, não pertencem apenas os livros de Salmos e os sapienciais,
como o autor apresenta, mas também os livros de Daniel, Lamentações, Rute,
Ester, Esdras, Neemias, 1 e 2 Crônicas. Mesmo que tenha abordado isso em
sua introdução aos Escritos (cf. p. 75), a disposição do índice deixa margem à
confusão, ou à dúvida. O mesmo acontece com os livros proféticos. Ao apresentar
os “Profetas Anteriores” (cf. p. 42-66), o autor desconsidera o termo “Profetas
Posteriores”, que deveria ter sido citado quando aborda os Livros Proféticos (cf.
p. 90-129). O autor teria sido mais feliz, se tivesse optado apenas por uma ordem
para estruturar o conteúdo de seu livro, isto é, ou seguindo a ordem e sequência da
Bíblia Hebraica (Torá – Profetas – Escritos), ou então da Bíblia da Septuaginta e
da tradição protestante (Livros Históricos – Livros Poéticos – Livros Proféticos),
ou ainda a partir dos resultados da pesquisa veterotestamentária (Pentateuco –

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Resenhas

Obra Historiográfica Deuteronomística, etc.). Embora as informações recentes


da pesquisa cientifica do Antigo Testamento sejam pertinentes e importantes,
elas acabaram inflacionando a estrutura do livro e acabaram não sendo fiéis aos
próprios resultados da Exegese.
Lamentável é o fato de, na versão em português, ter ficado de fora o
riquíssimo glossário que Rösel elabora, com explicações de termos exegéticos e
teológicos, que cita em seu livro. Ao leitor não tão familiarizado com os mesmos,
uma parte da compreensão do texto ficará comprometida, salvo, é claro, se o leitor
buscar em outras fontes o significado desses termos. Além disso, também é digno
de lamento que as tabelas com a estrutura dos livros bíblicos, elaboradas pelo Dr.
Dirk Schwiderski, professor de Antigo Testamento na Universidade de Münster
na Alemanha, e que são partes integrantes neste livro em sua versão original
alemã, não foram incluídas na versão portuguesa. Essas tabelas são uma grande
ajuda para a memorização dos conteúdos de cada livro do Antigo Testamento. Em
alemão, elas podem ser encontradas no site: www.bibelkunde.da.ru. O Download
é gratuito!
Salvo essas poucas observações críticas, o leitor brasileiro tem em suas
mãos, de fato, um livro valioso, que o auxiliará em seu aprendizado bíblico e
teológico do Antigo Testamento.

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