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sejo que o acompanha desde adolescente de se Hipona, redigiu uma série de pregações referentes à
chegar à verdade, perpassando pelos escritos filo- carta, deixando somente as explicações dos 18
sóficos de Cícero, pelo Maniqueísmo (que depois irá versículos finais. Agostinho escolheu essa carta
combater até o fim da sua vida), ceticismo ( por um porque a mesma estava em perfeita harmonia com
curto espaço de tempo), neoplatonismo, até se con- as alegrias pascais.
verter ao cristianismo com a pregação do bispo Esse escrito nos mostra um Agostinho no auge de
Ambrósio, que lhe ensinou o método da exegese sua vida intelectual e apostólica, onde temos con-
alegórico-filosófico da Bíblia (REALE, 2005, p 82). comitante a essas obras a redação das duas outras,
Nos seus escritos, em sua grande maioria, podemos como: A Trindade e a Cidade de Deus. Ambas as
observar que neles estão contidos aspectos que obras denotam muita técnica e uma preocupação
demonstram ao leitor elementos que ajudam a en- acadêmica em sua redação. Entretanto, o comentá-
tender as suas experiências religiosas, não só atra- rio da epístola de São João nos mostra um bispo
vés dos seus escritos dogmáticos, mas também preocupado com sua comunidade, com a pastoral.
filosóficos e exegéticos. Todavia, nós nos pergun- Isso não significa que esta obra seja de menor im-
tamos: por que escolher Agostinho, e não outro portância teológica que aquelas. Fato que, quando
autor, para compreender, através da mediação filo- se lê o comentário, é notória a preocupação pastoral
sófico-teológica, a experiência religiosa? Essa res- de Agostinho com a comunidade de Hipona no que
posta pode ser dada através da análise que o filóso- se refere ao cisma dos donatistas que influenciaram
fo Martin Heidegger faz no seu livro Fenomenologia muito e dolorosamente os cristãos ao norte da Áfri-
da vida religiosa ( cf. HEIDEGGER, 2010, 157-232) ca com as doutrinas equivocadas acerca do Credo,
sobre do livro X das Confissões. Heidegger analisa sacramentos e da natureza da Igreja. Agostinho,
Agostinho mediante uma fenomenologia hermenêu- durante vinte anos, teve uma preocupação de suma
tica da facticidade para compreender sua experiên- importância com os cristãos. Nesta obra, é evidente
cia religiosa. Para o filósofo alemão, Agostinho vi- o cuidado de Agostinho de preservar a fé dos cris-
vencia a experiência de Deus sem desvincular-se tãos e da Igreja, una e católica em seu sentido uni-
de sua vida cotidiana, com tudo aquilo que ela con- versal, no combate do cisma donatista através da
tém. É através de sua experiência de vida que A- demonstração da verdadeira caridade.
gostinho tem acesso à verdadeira experiência religi- Durante a leitura da obra, Agostinho faz seus co-
osa ( cf. HEIDEGGER, 2010, p 161), a busca da- mentários teológicos versículo por versículo da epís-
quele que ele mesmo o denominou como a Beata tola. Esses comentários mostram a profundidade de
Vita ( cf. HEIDEGGER, 2010, p.174). suas reflexões pautada em sua experiência religiosa
que o pensador africano presenciou em sua vida no
2. A OBRA passado e na vida presente. Os temas que se en-
Santo Agostinho escreveu a obra Comentário da contram na carta e que são trabalhados pelo bispo
primeira epístola de são João por volta dos anos de Hipona são: a fé na encarnação do verbo divino;
313-18. Não se sabe ao certo sua data de composi- a revelação desse verbo como luz e também como
ção, porém sabemos que a obra foi escrita durante amor; e a participação de nós fiéis nesse amor que
a oitava da Páscoa, pois, esses escritos, denotam é a comunhão plena com aquele que é a suma cari-
uma preparação meticulosa e cuidadosa referente dade,ou seja, o próprio Deus. Para que ocorra a
às homilias que o próprio Agostinho, já bispo da comunhão e a efetivação dessa experiência com
cidade de Hipona, realizou em suas celebrações. Deus é preciso, portanto, da necessidade de corrigir
Essas homilias, que são comentários da carta epis- o pecado através da obediência aos mandamentos
tolar de são João, resultaram na obra. Tendo estu- de Deus e a aceitação de Cristo em nossas vidas.
dado e analisado o texto da epístola, o bispo de Entretanto, o que marca no comentário de Agosti-
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nho é a necessidade de afirmar a presença de Deus de Cristo, sobre a unidade e caridade contida na
na comunidade através dos sinais do amor dele Trindade que é dada por nós. O modo que Agosti-
para conosco, porque ele nos amou antes mesmo nho escreve o comentário nos parece um exercício
de nós existirmos. exegético da palavra de Deus e também um exercí-
Agostinho ressalta a necessidade também de amar cio espiritual sobre o tema do amor de Deus que é a
os inimigos através da caridade fraterna que é um caridade, gratuidade.
amor gratuito, porque o amor que vem de Deus é
graça. E foi nessa gratuidade da caridade que Deus 3. A INTERPRETAÇÃO DE MARTIN HEIDEGGER
nos criou e em seu filho se encarnou a fim de mor- SOBRE SANTO AGOSTINHO
rer por nós e dar-nos o testemunho do amor. Não só Heidegger interpreta a experiência religiosa de A-
o tema do amor é trabalhado nesse comentário, gostinho à luz da faktische Lebenserfahrung (expe-
como também a fé é apresentada de modo articula- riência de vida fática), conceito estudado na obra
do com a caridade. A fé é a adesão a esse amor Fenomenologia da vida religiosa, constituída de três
que foi revelado na encarnação e redenção. A fé preleções realizadas em Friburgo, no período de
não é tão somente aderir às verdades dogmáticas, 1920-21. Na primeira, Heidegger realizou uma intro-
mas aceitar o amor de Deus constante da vida do dução à Fenomenologia da Religião e a aplicou na
homem, no qual presenciamos a conversão de um análise referente a algumas cartas paulinas. Na
homem todo. Essa adesão é fazer a verdadeira segunda, analisou o livro X das Coinfussões de
experiência com Deus, com o amor, retornando Agostinho e na terceira analisou a mística medieval.
esse amor gratuito que nos foi dado em direção aos Para Heidegger, Agostinho significa duas coisas
nossos irmãos. para o pensamento cristão ocidental: filosoficamente
No escrito da epístola de são João, que foi redigida é um platonismo de coloração cristã contra Aristóte-
em grego, o termo original que se refere ao amor é les; e teologicamente é uma determinada concep-
a palavra agape. Entretanto, Agostinho não teve ção da doutrina do pecado e da graça. Todavia,
acesso ao original, mas à tradução vulgata que se Heidegger não pretende analisar o pensamento
traduziu o agape por dilectio. Porém, são Jerônimo agostiniano através de um método histórico crítico,
traduziu o mesmo termo em caritas. Todavia, Agos- histórico dogmático ou uma filosofia que contribui
tinho, no comentário, introduz uma terceira expres- para uma filosofia da cultura. Heidegger analisa
são: o amor. Portanto, os termos empregados no Agostinho especificamente a partir do livro X das
comentário, encontramos em três tipos: amor, dile- Confissões mediante o método fenomenológico e
ção e caridade. O amor é usado por Agostinho para inferindo deste capítulo alguns conceitos-chaves
designar como antítese entre o amor ao bem e ao que demonstram um Agostinho não puramente
mal, ou também para o amor as coisas criadas. A dogmático, mas um pensador que lida com as ten-
dileção já corresponde ao amor das coisas espiritu- sões da vida procurando um caminho para compre-
ais, o amor da benevolência de Deus para conosco. endê-las melhor. Através dessa análise podemos
E a caridade é o amor da virtude teologal, o amor inferir da obra Comentários sobre a primeira epísto-
desinteressado e gratuito. As características da la de são João elementos sobre a experiência de
verdadeira experiência religiosa da caridade, do vida Fática contidas no texto.
amor, são os dois traços revelados por cristo na Heidegger interpreta Agostinho não como um pen-
cruz: a universalidade e a gratuidade. sador dogmático, mas como quem tenta lidar com
Além desse tema de suma importância que norteia suas experiências religiosas, que muitas vezes lhe
todo o comentário da epístola que Deus é amor (1jo faz viver em tensões. Essas tensões que Agostinho
4, 8.16) Agostinho trabalha sobre o mesmo tema em confessa obter significa para Heidegger uma auten-
consonância com o conceito de Igreja como corpo ticidade da existência fática, pois ele não foge des-
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sas tensões, pelo contrário, ele vive e toma deci- lhos denotam grande erudição dessa área onde
sões para chegar à beata vita, que é seu objetivo, encontramos inúmeras obras e artigos referentes ao
através da via interior. Não tem como enfrentar es- pensamento de Santo Agostinho. E é através desse
sas tensões sem vivencia-las, pois elas se encon- autor que iremos debruçar para entendermos me-
tram na própria experiência da vida fática. É nesse lhor a dialética entre Deus e o homem nas inquieta-
enfrentar que Heidegger encontra a verdadeira ex- ções do pensador de Hipona
periência religiosa, o de enfrentar o mundo que cir- Um dos seus maiores trabalhos sobre o
cunda o próprio homem, mesmo quando as tensões pensador de Hipona, que podemos observar em
estão presentes, pois, só assim, o homem assume Gilson, é a obra intitulada de Introdução ao estudo
o risco de decidir as contradições das tentações de Santo Agostinho, no qual encontramos todo um
existenciais encontradas na vida. Deste modo, é estudo aprofundado sobre os maiores problemas
assim também que ele irá compreender melhor es- que Agostinho enfrentou em seu pensamento filosó-
sas tensões e irá saber de que modo resolve-las fico e teológico após a conversão ao cristianismo.
através das habilidades no próprio funcionamento Esta obra está estruturada em introdução, três capí-
das tentações presente nas experiências fáticas da tulos, com seus subtítulos, e uma conclusão. Na
vida. introdução, Gilson aborda o conceito de beatitude e
Heidegger buscou compreender em Agostinho as da finalidade do pensamento agostiniano sobre
experiências religiosas que o pensador de Hipona itinerário da alma para Deus. O autor elucida que,
confessa no livro X das Confissões. Nesses relatos segundo Agostinho, é preciso e necessário que o
fica claro que é impossível vivenciar uma experiên- homem rejeite as paixões e a soberba, pois elas
cia religiosa abdicando da própria experiência de ofuscam o verdadeiro caminho da busca da verda-
vida fática, onde o homem se depara com seus deira sabedoria que é a beatitude que se realiza no
afetos e tensões. A verdadeira autenticidade da encontro com aquele que é a sua beata vita, isto é,
experiência religiosa se obtém quando o próprio a Verdade que é o próprio Deus. No primeiro capítu-
homem faz sua tomada de decisão diante dos para- lo Gilson apresenta Agostinho como àquele que
doxos das tentações e dúvidas da própria vida. Des- busca a Deus através do viés da inteligência prece-
te modo, podemos observar claramente no texto de dida e iluminada pela fé. Neste capítulo encontra-
Agostinho Comentários da primeira epístola de são mos a teoria do conhecimento em Agostinho a
João que Agostinho faz sua tomada decisiva diante quem o mesmo apresenta os graus da racionalidade
da comunidade na luta contra as heresias que esta- sempre obtendo a fé como aquela que ilumina e
vam ocorrendo ( pelagianismo e donatismo) em sua estimula a inteligência. É evidente em seu pensa-
diocese de Hipona através das homilias e prega- mento, na explicação racional sobre o conhecer das
ções em suas celebrações. Nessas homilias são coisas sensíveis, a forte influência neoplatônica e
apresentadas o modo apologético e catequético de cristã. No terceiro capítulo também são refletidas e
Agostinho, onde o próprio assume a sua decisão de estudadas as noções de criação, tempo, matéria e
enfrentar as tensões que viam ocorrendo em sua forma e os vestígios de Deus na criação e a noção
comunidade. de contemplação de Deus. Com efeito, esses con-
ceitos são raciocinados, explicados e articulados por
4. INTERPRETAÇÃO DE ÉTIENNE GILSON Agostinho através de ambas as influências ditas
SOBRE AGOSTINHO anteriormente.
Étienne Gilson (1884-1978) é exímio escritor O segundo capítulo da obra de Gilson (Gilson, 2007,
e pesquisador da história da filosofia patrística e 221-350) nos mostra um panorama abrangente dos
medieval, e um dos maiores pesquisadores do pen- principais conceitos trabalhados por Agostinho para
samento agostiniano, dentre os quais, seus traba- entender a busca do homem para alcançar a verda-
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deira sabedoria que é o próprio Deus. Esses concei- Cada conceito trabalhado por Gilson é fundamen-
tos são: a sabedoria, a virtude, a caridade, a liber- tado em diversas obras de Agostinho, sendo não
dade, a vontade, o mal e o amor. Eles nos revelam necessariamente cronológica, mas sim por intensi-
a busca do pensamento agostiniano em compreen- dade dos conceitos contidos em cada obra do pen-
der aquele que se deve buscar, amparado pelo ra- sador de Hipona. Apesar de ser uma obra introdutó-
ciocínio lógico da filosofia concernente ao entendi- ria a um pensador não significa que seja para inici-
mento teológico de Deus. antes em filosofia ou teologia, pelo contrário, é uma
De principio, Gilson demonstra que para buscar a obra densa, em que se expõe de modo claro e con-
Deus, no pensamento Agostiniano, é preciso en- ciso o pensamento agostiniano e os seus principais
tender o conceito de sabedoria que o mesmo ilustra conceitos. Demonstra-se claramente o raciocínio de
em suas obras. Há dois tipos de concepções do Agostinho no entendimento da dialética entre o
saber: aqueles que buscam por buscar, ou seja, criador e as criaturas, o sumo bem a ser alcançado
uma busca sem método e sem ordenamento, onde e a vontade daquele que deseja entender e possuir
o sujeito da busca jamais sabe o momento certo aquele que o criou.
onde está a sua busca, sem objetivo, a sua busca
se funda na alimentação de si mesmo. Por outro 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
lado, temos a busca por um fim, que se pauta numa Objetivou-se nessa pesquisa inferir o conceito de
direção de uma meta fixa por caminhos determina- experiência religiosa de Santo Agostinho à luz de
dos, onde há um fim, e esse fim é a plena felicidade. sua obra Comentário da primeira epístola de São
Esta busca pela felicidade só se dá pelo meio da João na tentativa de compreender melhor esse con-
razão superior que é a sabedoria. ceito nesta obra. Para isso usamos dois pensadores
O homem, segundo Agostinho, é constituído por Martin Heidegger e Étienne Gilson. Heidegger en-
duas operações: o homem interior e o exterior. Este tende que a experiência religiosa vivenciada pelo
se equipara aos animais porque possui um corpo santo africano se deu através da decadência de sua
material, vida vegetal e sensações iguais aos ani- vida através das tensões vivenciadas e não aniqui-
mais, aquele diz respeito tudo aquilo que os animais ladas. Somente através desse modo é que o ho-
não possuem que é a capacidade de raciocinar. O mem pode viver realmente uma verdadeira experi-
homem exterior se fixa na razão inferior que é a ência religiosa. Gilson buscou compreender a expe-
razão da ciência, das coisas criadas. Já o homem riência religiosa através da via interior que se dá na
interior ultrapassa a ciência, que é subordinada à dialética e da busca constante entre o homem e
razão superior e instrumento da mesma, e se lança Deus, sendo que este é quem interpela primeiro o
para a razão superior que é a razão que busca o homem e o ilumina para compreendê-lo através
criador, não mais na busca das coisas materiais, graça. Entretanto, para acolher a graça o homem
mas na busca das coisas eternas. A sabedoria, necessita desenvolver sua liberdade, porque so-
portanto, é o conhecimento das coisas divinas, eter- mente através dela é que o homem se depara com
nas e imutáveis. Só temos esse ensejo de buscar e o bem que o leva à Beata Vita em que se realiza
contemplar o divino porque nos foi dada a capaci- verdadeiramente a experiência religiosa.
dade de se chegar à sabedoria. É preciso, portanto,
que o homem se submeta à sabedoria para que seu 5. AGRADECIMENTOS
pensamento se ordene e chegue ao seu fim devido Agradeço à Pontifícia Universidade Católica Campi-
que é a felicidade eterna, caso contrário, o homem nas por proporcionar e incentivar aos estudantes de
viverá numa eterna busca sem sentido, onde ape- graduação a realização da Iniciação Científica.
nas saciará a si mesmo numa eterna soberba. Agradeço ao meu orientador Prof. Dr. Paulo Sergio
Lopes Gonçalves, por sua disposição e inteligência,
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6. REFERÊNCIAS
[1]AGOSTINHO. Comentário da primeira epístola de
São João. Paulinas: São Paulo, 1989.
[2]__________. Confissões. Paulinas: São Paulo,
1984, pp. 249-301.
[3]_________. A verdadeira religião. Paulinas: São
Paulo, 1987.
[4]GILSON, e. Introdução ao estudo de Santo Agos-
tinho. Paulus: São Paulo, 2007.
[5]GONÇALVES, P.S.L. A religião na pós-
modernidade. Análise fenomenológica da vida reli-
giosa, in Ontologia Hermenêutica e Teologia. San-
tuário: Aparecida (SP), 2011, pp. 59-105.
[6]HEIDEGGER, M. Fenomenologia da vida religio-
sa. Vozes – São Francisco: Petrópolis – Bragança
Paulista, 2011.
[7]MATTHEWS, G.B. Santo Agostinho. A vida e as
idéias de um filósofo adiante de seu tempo. Jorge
Zahar Editor: Rio de Janeiro, 2007.