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1.

INTRODUÇÃO

Os sofrimentos dos seres doentes se acalmaram.


Os seres acometidos pela fome e pela sede foram
apaziguados. As pessoas inebriadas e
prejudicadas pelos licores deixaram de ficar
embriagadas. A memória foi reencontrada pelos
insensatos, a visão, obtida pelos cegos, a
audição, obtida pelos seres privados da audição.
(...) Riquezas foram obtidas pelos pobres; os
prisioneiros foram soltos de suas amarras. A
misérias dos seres reduzidos à condição de
animais que se devoram uns aos outros assim
como todos os males foram apaziguados.
(Anguttara-nikaya, apud Royer, 2012)

Quando li pela primeira vez a anunciação profética do nascimento de


Sidarta Gautama, o Buda histórico, eu me senti totalmente identificada com o
caminho que este importante personagem da história da humanidade percorreu
até tornar-se o fundador de uma das principais religiões no mundo, o Budismo.
Resumidamente, pode-se dizer que antes de ele chegar ao entendimento da
gênese do sofrimento, viveu momentos de crise que o incitaram a busca pela
Verdade. E que Verdade com V maiúsculo é essa? É o resultado de uma procura
diligente pela libertação do sofrimento, acessível a todo mortal, sem exceção.
Este enredo, permeado por símbolos e lições de vida, foi redigido em sânscrito
por Ashvaghosha, filósofo e considerado o maior poeta indiano depois de
Kãlidãsa.
Há uma tradição indiana relacionada ao uso de línguas eruditas para fins
religiosos e científicos. O sânscrito desenvolveu-se ao longo dos milênios, e por
fim, acabou ocupando esse lugar, tornando-se tão erudita quanto o latim e o
grego. A Budacharita, ou a vida de Buda, recebeu esse tratamento refinado em
sua narração. Diferentemente das outras 21 línguas indianas faladas atualmente
pela população em geral, o sânscrito é a língua mais antiga da história humana,
sendo o primeiro registro escrito datado de 3000 anos atrás, porém as tradições
orais ultrapassam essa datação.
Uma característica marcante na história do Budismo é a beleza das lendas
entremeadas de fatos sobrenaturais durante o transcorrer das narrativas, desde o
nascimento até a morte do príncipe Gautama, todas elas carregadas de
simbolismos específicos.
A começar pela concepção e nascimento do príncipe Sidarta Gautama, ou
o Lalitavistara, está repleto de prodígios, levando-me à sensação de um conto de
fadas, algo sobrenatural.
A rainha Maya, a mais querida entre as desposadas pelo rei Sudodana,
era bela e virtuosa. De conduta exemplar e caráter visionário, escolheu
consagrar-se piedosamente em prol da humanidade que a seu ver sofria,
procurando ser útil aos seus semelhantes. Expôs a sua motivação para o rei dos
Sakyas, que de imediato acatou o seu pedido, tão emocionado que ficou.
Abnegou as paixões humanas, sacramentando esta decisão fazendo um voto de
castidade.
Chegando a primavera, foi fecundada em noite de lua cheia durante um
sonho que teve com um elefante branco, dotado de seis presas que entrava em
seu útero. Em seguida, milhares de deuses aparecem diante da rainha entoando
canções de louvor. Desperta do sonho, acordou com tal felicidade e convicção
de que nunca mais padeceria de sofrimento. Ainda tomada da emoção, pediu que
duas criadas levassem recado ao rei de encontrá-la no bosque. O rei não tardou
em atender ao pedido, e ao chegar ao bosque, foi acometido de uma agitação que
ele nem mesmo conheceu, em toda a sua experiente vida de batalhas. Os deuses,
em forma de trovões comunicaram o nascimento em breve daquele que buscaria
a Suprema Sabedoria, através de uma mulher especial.
Durante o encontro, a rainha contou-lhe detalhes do sonho e achou
conveniente consultar-se com brâmanes1 habilitados para interpretar sonhos, que
avisaram ao rei da possibilidade de o herdeiro renunciar a vida de realeza para se
tornar um monge.
Diz ainda a lenda que a criança estava protegida dentro do ventre por
uma carapaça de pedras preciosas onde apenas uma gota de elixir foi necessária
para alimentá-lo durante toda a gestação.
Próximo ao nascimento, a rainha Maya pediu ao rei Sudodana que fosse
levada à casa de seu pai para ter o bebê. No caminho, mais precisamente nos
jardins de Lumbini, a rainha desceu do palanquim para passear por entre as
1
Brâmanes são sacerdotes hindus habilitados no conhecimento das coisas celestiais, “sacrificando –se
pelos outros e recebendo deveres da alma.” Ver link http://pt.wikipedia.org/wiki/Br%C3%A2mane,
acessado em 18/05/2013.
árvores. Em frente a uma figueira, segurou um dos galhos e em seguida deu à
luz sem no entanto sentir dor alguma. Ao nascer, o bodisatva, ou o ser de
sabedoria, colocou-se de pé, e sob a criança, uma imensa flor de lótus surgia da
terra. A criança deu sete passos, e a cada vez que pisava o pé na terra, uma flor
emergia debaixo de suas pisadas. Após a manifestação deste sinal, outros
sucederam-se, todos eles ligados às manifestações da natureza. A terra tremeu de
seis maneiras diferentes, surgiu uma sinfonia celestial, uma chuva de pós
perfumados e ornamentos preciosos caem dos céus. Neste momento as aflições
humanas desaparecem e os males foram apaziguados.
O universo durante sete dias celebrou a chegada desta criança anunciada,
recepcionada por sessenta mil apsaras, ou espíritos femininos, próximo ao que
conhecemos por ninfas2. São personificações de vapores que são atraídos pelo
sol formam a névoa e a neblina. São divindades atreladas a fenômenos
relacionados à vida.
Tanta pompa e circunstância não tardaria a tornar-se noticia no reino de
Kapilavastu. Seu pai, o rei Sudodana, levou o recém-nascido ao templo, num
ritual de gratidão às divindades. Estas, porém prostraram-se aos pés da criança.
E as manifestações relacionadas ao ser prometido não cessaram. Fazia parte
deste evento a consulta a astrólogos e adivinhos para conhecimento do futuro do
príncipe que ali estava. Diante do exame dos sinais físicos, a surpresa foi tal a
ponto de os sábios reunirem-se para anunciar ao monarca que a criança era um
predestinado a ser um rei poderoso ou um grande asceta possuidor do
conhecimento máximo, ou seja, um Buda.
O rei não ficando satisfeito com duas previsões diferentes, recorreu aos
conselhos do sábio sacerdote Asita, que embora estando com a idade avançada,
examinou a criança e profetizou que o príncipe recém-nascido seria um Buda.
Se de um lado a alegria era o mote dentro do reino dos sukyas, de outro
Maya morria. O papel de mãe de Siddartha ficou para a sua tia, Mahapajapati.
O principezinho era cercado de todos os mimos possíveis. Trinta e duas
amas-de-leite serviam-no, entre carregá-lo, alimentá-lo, lavá-lo e brincar com
ele. Seu pai acreditava que cercando o menino de regalias do reino far-lo-ia mais
apegado à vida de soberano.
Gautama cresceu,e com ele,
2
Wikipedia, disponível no link http://pt.wikipedia.org/wiki/Apsar%C3%A1s. Acesso em 21/04/2013.

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