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21/11/2012 - 00:00

Câmbio: rumo à próxima estação?


Por Cristiano Romero

Se hav ia alguma dúv ida de que o gov erno deix ará o real se desv alorizar ainda mais frente ao dólar americano,
agora, depois da esclarecedora entrev ista da presidente Dilma Rousseff ao Valor, não há mais. A ex emplo do
que dissera o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a presidente deix ou claro que, mesmo após depreciação de
30% no espaço de um ano, o real, na sua opinião, ainda está v alorizado.

"Nós estamos em busca de um câmbio que não seja esse, de um dólar desv alorizado e o real superv alorizado",
declarou Dilma a V era Brandimarte e Cláudia Safatle. A entrev ista elimina o que antes eram apenas suspeitas: o
gov erno está insatisfeito com o nív el da tax a de câmbio e fará tudo ao seu alcance para mudar essa situação.

O mov imento de desv alorização do real já pode ter começado. Depois de oscilar entre R$ 2,00 e R$ 2,04 entre
junho e o último dia 1 2, a tax a de câmbio saiu do período de hibernação. Na segunda-feira, último dia útil do
mercado, fechou a R$ 2,08 sem que o Banco Central (BC) mex esse uma palha para interromper a depreciação.

Governo dá sinais de que real cam inha para novo patam ar

Um pouco de memória ajuda a entender onde estamos. Até meados do ano passado, a cotação do real ainda
refletia os termos de troca do país, isto é, a relação entre preços de ex portações e preços de importações. Desde
o início dos anos 2000, esses termos foram fav oráv eis ao Brasil, uma v ez que o país tirou prov eito do boom da
economia chinesa, que se tornou uma das maiores consumidoras de bens primários do planeta, para ex portar
commodities.

Termos de troca fav oráv eis prov ocam inev itav elmente a apreciação da tax a de câmbio. No segundo semestre
do ano passado, preocupado com a v alorização do real, interpretada em Brasília como principal fator de perda
de competitiv idade da indústria nacional, o gov erno começou a adotar medidas para diminuir o grau de
abertura da conta de capitais e, desta forma, dificultar a entrada de dólares e diminuir a v alorização do real.

A partir de setembro de 201 1 , mesmo com os desmentidos do BC, ficou claro que as autoridades estav am
satisfeitas com uma banda informal de flutuação da tax a de câmbio de R$ 1 ,7 0 a R$ 1 ,90 - antes, o câmbio
estav a abaix o de R$ 1 ,7 0. No regime de câmbio flutuante, trabalhar com bandas é um contrassenso porque não
dev eria hav er piso nem teto para a flutuação do dólar. A cotação da moeda dev e refletir os termos de troca e os
fundamentos da economia.

O BC, ev identemente, interv ém no mercado para ev itar mov imentos bruscos nas duas direções (quando, por
ex emplo, uma multinacional faz uma remessa pesada de juros e div idendos ao ex terior ou quando um
inv estidor traz dólares para aplicar no país). Desde que foi implantado pela última v ez no Brasil, em 1 999, o
regime de câmbio flutuante tev e flutuação "suja", como, ademais, ocorre na maioria dos países que operam sob
esse regime.
A banda informal de R$ 1 ,7 0- R$ 1 ,90 foi superada por outra, de R$ 1 ,90-R$ 2,00, em maio deste ano. Antes,
em março e abril, com o agrav amento da crise europeia, o real sofreu forte desv alorização, prov ocada pelo
aumento da av ersão dos inv estidores a risco. Dono de reserv as cambiais na ocasião já superiores a US$ 300
bilhões, o BC poderia ter atuado para segurar a depreciação, mas, com o claro propósito de ajudar a indústria
(isso foi confirmado a esta coluna por um integrante da equipe econômica), deix ou o real se desv alorizar frente
ao dólar.

De maio para cá, a tax a de câmbio v ariou pouco, dentro de uma banda mais estreita que as anteriores - de R$
2,00 a R$ 2,05. Agora, participantes do mercado acreditam que o BC lev ará o real para uma banda de v ariação
entre R$ 2,1 0 e R$ 2,1 5. No momento seguinte, sempre de forma gradual, seguirá para algo como R$ 2,20-R$
2,25 até atingir o que o Ministério da Fazenda considera a tax a de câmbio "ótima" para o país.

"Uma coisa importante a ser lembrada é que, toda v ez que o ministro Mantega e companhia falam sobre câmbio,
eles claramente dizem que consideram legítimo defender a moeda por meio de uma flutuação 'suja' e que o dólar
a R$ 2,03 ainda estaria sobrev alorizado em 20%", diz um ex periente integrante do mercado.

A tax a "ótima" é estimada em R$ 2,30. Numa declaração recente, o ministro Mantega chegou a dizer que o
câmbio estaria 1 9% sobrev alorizado. Ao responder a críticas de que o gov erno teria readotado o câmbio fix o,
de triste memória para o Brasil, afirmou que o câmbio flutuaria, sim, mas apenas para cima.

Uma nov a depreciação do real cria desafios para o BC em 201 3. Estima-se que 1 0% de depreciação da moeda
nacional aumenta a inflação de 0,4 a 0,6 ponto percentual. Isso equiv ale ao ganho que a redução da conta de
energia, a partir de janeiro, produzirá na inflação do próx imo ano, de acordo com estimativ as oficiais. Como
não poderá contar com a ajuda do câmbio para controlar preços, o BC, em tese, terá que recorrer ao juro, mas,
como já disse que esse ficará estáv el por período prolongado, resta lançar mão de medidas macroprudenciais.

Ainda estão para ser comprov ados os efeitos positiv os da desv alorização recente do real sobre a
competitiv idade da indústria. A desv alorização começou no ano passado e a indústria continua inerte. A tax a
de juros real está no menor patamar da história e também não há reação dos inv estimentos.

Se, por um lado, o dólar mais caro ajuda, em tese, a proteger os setores menos competitiv os da indústria, por
outro, penaliza os mais eficientes, uma v ez que elev a o custo de capital. Como os períodos de apreciação do real
são comuns, dadas as características da economia brasileira (ex portadora de commodities, de baix a poupança e
importadora de capitais), as empresas aprov eitam para importar máquinas mais modernas e, desta forma,
ampliar a produtiv idade. Companhias saudáv eis acessam também mercados de capitais lá fora para tomar
empréstimos mais baratos.

Com o dólar 30% mais caro em um ano, o jogo ficou mais difícil para as empresas competitiv as e, pelo jeito, não
melhorou muito as condições de quem já não conseguia competir.

O gov erno talv ez esteja subestimando um elemento fundamental para a concretização do crescimento
econômico: a confiança dos empresários. E essa parece estar abalada justamente pelas mudanças do arcabouço
macroeconômico, que se tornou menos prev isív el.

Cristiano Rom ero é editor-ex ecutiv o e escrev e às quartas-feiras

E-m ail: cristiano.rom ero@ v alor.com .br

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