Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Acredito que quando era pequeno, era uma criança sensível. Minha resposta
natural ao mundo era a de uma enorme curiosidade. Eu amava e procurava a
harmonia acima de tudo.
Mas o ambiente emocional à minha volta raramente era harmonioso. Meu pai
escorregava rapidamente ladeira abaixo com a doença do alcoolismo, e minha
mãe preocupava-se a qualquer custo em não deixar as coisas desagregarem-se.
Eu era uma criança em crescimento, sensível, preso entre dois adultos em
guerra. Tentei mil vezes acreditar num mundo lógico e emocionalmente con-
sistente. Precisava de alguma maneira suavizar dentro de mim os terríveis
extremos emocionais e a violência física à minha volta. Em meio a essa confusão,
nunca pude realmente acreditar que fosse amado, nem podia deixar de desejar
acreditar nisso. Eu nem mesmo sabia palavras que explicassem para mim mesmo
o que estava acontecendo, e assim uma raiva venenosa foi se infiltrando em meu
coração.
Freqüentemente subjugado pela dor, perda ou sentimentos de abandono, tive
poucas experiências que me deram um sentimento de que eu era OK, de que tinha
valor como uma criatura criada por Deus. Experiências ocasionais desse tipo, tão
incongruentes com o que estava acontecendo no resto da minha vida, brilhavam
como faróis distantes em fuga pelo caos escuro dos 25 anos seguintes. Mas essas
antigas experiências positivas de mim mesmo, muito secretas, foram em grande
parte esquecidas e com elas, seu sentimento de esperança.
O único outro consolo em meus primeiros anos vinha do contato físico com
minha mãe. Habitualmente ela não demonstrava nada fisicamente, exceto para me
embalar e me fazer dormir quando eu acordava com pesadelos, ou punir-me com
espancamentos. Quando eu estava doente e com febre, contudo, ela me levava
para sua cama e dormíamos como namorados, meu corpinho todo enrolado,
coberto e envolto da cabeça aos pés pela sensualidade do calor materno. Esse
prazer, por mais jubiloso que fosse©, não me marcou como um despertar sexual.
Foi contudo, nesse calor envolvente e na proximidade acariciante do corpo que
sentia uma poderosa mensagem emocional: “Estou alimentado, protegido e
desejado; eu sou amado.”
minha habilidade para vivenciar o que eu via como meu direito à satisfação.
Naturalmente, não me sentia muito natural ou à vontade ao tentar marcar encontros
sexuais. Interiormente sentia-me tímido e muitas vezes constrangido e deprimido
ao ponto da inércia. Não me sentia atraente aos olhos dos outros. Redobrando
meus esforços em ser afirmativo e audacioso, conseguia subjugar minha depressão
e apreensão.
Estranhamente, cerca de cinco meses após meu primeiro encontro sem
qualquer consumação sexual, me vi, sem a menor intenção de fazer isso,
declarando-me a uma garota profundamente apaixonado por ela.
Eu não havia previsto tal coisa de forma alguma! Antes deste fato, ela não
passara de uma pessoa à qual eu reagira por timidez com uma atitude irônica,
sarcástica e convencida. Nem sequer havia pensado nela em termos sexuais. Que
surpreendente foi, então, para mim experimentar aquela sensação hipnótica de me
fundir a ela e dar-lhe meu coração do fundo da alma. J unto com este sentimento
de descobrir e compartilhar meu eu mais profundo com outra pessoa surgiu um
outro sentimento semelhante ao que havia experimentado ao descobrir o orgasmo
vários anos antes. E no entanto, não houve qualquer relação sexual na noite em
que descobri meu coração e o dei (ou melhor, descobri meu coração ao dá-lo).
Assim, eu que havia me determinado a atingir meu próprio bem-estar mediante
o sexo sem compromissos, súbita e inesperadamente encontrava- me encurralado
por minhas próprias necessidades emocionais em uma relação comprometida... na
primeira oportunidade! O poder de meu anseio emocional por um amor
longamente negado havia me dominado completamente. Minha “amada”, pensei, a
“única e exclusiva” feita no céu para mim.
Minha campanha pela causa do sexo sem culpa, indisciplinado e não
emocional, contudo não desapareceu comò resultado da minha grande confissão de
amor cósmico a uma mulher. Eu ainda ansiava por experiências sexuais
irresponsáveis e minha ligação emocional com outra pessoa mal arranhou esses
anseios. De feto, amaldiçoei-me por ter me envolvido com Lenore. Dentro do que
eu havia me proposto conseguir, isso deveria ser a última coisa que desejaria. E no
entanto, ela falava à minha alma, pelo menos àquela porção imprecisa e
vulnerável.
Lutei contra a virada irreconciliável que minha vida tomara. Tudo o que eu
queria era sexo, e agora uma mulher me prendera e eu parecia não poder resistir.
Claro que uma parte minha não queria terminar com isso. Lenore me colocara em
sua vida em termos heróicos e cavalheirescos. Eu fora derrotado por ela haver me
colocado num pedestal como seu cavalheiro de armadura brilhante e corcel branco.
Parecia-me a realização do papel heróico que eu sonhara. Era demais que isso
estivesse realmente acontecendo comigo “no mundo real”. Não podia desapontá-
la. A causa era sagrada.
Assim, Lenore tornou-se para mim uma raiz cbeslabilidade emocional - ou
pelo menos de alguma consistência emocional, apesar do pensamento de estar
amarrado fazer-me sentir como uma fera enjaulada. Uma vez ultrapassada a ira do
romance, senti-me miserável, não porque não achasse que a “amava”, mas porque
meus próprios anseios empurravam-me para outras experiências sexuais. Sempre
que não estava com ela, estava na caça. Não podia me conter, e raramente o queria.
Quando estava preso nos braços de mais uma conquista e sentia meu poder crescer
e desabrochar, eu sentia que aquele ato, aquele abraço, era tudo que existia no
mundo. Nada mais importava.
Estava irremediavelmente em luta com paixões conflituosas e punia-me sem
descanso: “Se o que você realmente quer é ter sexo por aí, então porque não rompe
com Lenore e mergulha nisso logo de uma vez? Ou se realmente quer ficar com
Lenore, porque não para de ter relações e flertar?”. Meu sentimento sobre os meus
direitos emocionais e sexuais faziam-me sentir que merecia ambos. Na verdade,
não podia dizer “não” a nenhum dos dois.
Não suspeitei o quanto minha dependência emocional de Lenore era profunda.
Quando ela me deixou incondicionalmente dois anos depois, tive um choque
mortal. Fiquei preso em um redemoinho de sofrimento sem alívio. Perda de peso,
insônia, perda de apetite, vômitos e pensamentos suicidas eram meus
companheiros constantes. O horror dessa “morte” - a morte de meu
relacionamento “de amor” com Lenore - era o fato de que todo o meu
autoconceito, que provinha de ser parte dela, estava morrendo também. Meu
sentido de “Eu” viera do sentido de “Nós”. Eu não tinha qualquer autoconceito
positivo, pessoal e independente.
Neguei o quanto pude a mim mesmo o que estava me acontecendo,
proclamando que podia, e iria recuperá-la à força, se necessário. Entretanto,
descobri uma maneira de manter a autodissolução em xeque-mate, que era muito
mais poderosa e convincente. Descobri o potencial de alteração da mente pelo
álcool.
Que grande descoberta! O álcool, como antes a masturbação, tornou-se uma
maneira de fugir temporariamente do mundo, perder-me no esquecimento do alívio
instantâneo da tensão. Entretanto para mim, a descoberta do álcool como um modo
de viver a vida (com todas as suas duras lições) foi provavelmente afortunado.
Sem qualquer outro recurso, naquela época, de onde tirar esperança e significado
para o futuro, eu talvez tivesse tirado a minha vida.
Parte da ilusão que o álcool me deu foi a habilidade aparente de me aproximar
do que sempre proclamara que desejava: meu direito a uma vida de promiscuidade
sem laços ou compromissos. Isto é, podia agora ter ligações mais exclusivamente
sexuais sem ter de empregar a camuflagem do romantismo vulgar. Contudo, o
padrão de comportamento sexual e romântico perma neceu inalterado.
Em luto por Lenore, e vivendo numa faculdade rural a centenas de milhas ao
norte longe do ambiente familiar das “luzes brilhantes” onde me sentia a salvo,
alimentei o ódio virulento por estar preso em tal isolamento. Mantendo esse ódio
vivo, descobri que extraía dele uma espécie de força, uma vontade de sobreviver
contra todas as probabilidades.
Tendo esse ódio como força motivadora, eu arrumava minha bagagem toda
sexta-feira de manhã. Depois de assistir a uma aula e almoçar cedo, ia pegar
carona na estrada interestadual, para a longa viagem ao sul até a cidade. Havia
uma grande universidade nesse local e, em um fim-de-semana no princípio do
outono, fui a um baile. Todo o meu propósito era de me embriagar, ter relações
sexuais e esquecer que domingo tinha que pedir carona de volta à solidão.
Nesta festa em especial, vi uma mulher dançando, girando loucamente como
uma mariposa ferida. Percebi seu desespero, reagi automaticamente a ele e
aproximei-me dela. Com uma carga de álcool no sangue, achei fácil combinar seu
comportamento maníaco e frenético com o meu, e consegui despertar sua atenção.
Conversamos e menti para ela que estudava na universidade local, onde ela estava
matriculada. Não fomos para a cama. Não percebi que mais uma vez, embarquei
de cara impulsivamente no que seria a próxima relação estável, mas miserável, da
minha vida. Esta, pelo menos, tornaria desnecessário atravessar todo um processo
de sofrimento por causa da Lenore, e me manteria preso pelos próximos dois anos.
Superficialmente, Lenore e Jean pareciam muito diferentes. Sua formação,
aparência e opiniões eram muito diferentes. Eu definiria o conceito de “amor”
apenas em termos de experimentar este estranho poder que me levara a render-me
a Lenore tão precipitadamente. Eu me sentia muito menos envolvido com Jean
com relação ao sentimento de que a “amava”. Ela apaixonou- se por mim,
contudo, na expectativa desta espécie de atenção concentrada, eu sucumbi,
dizendo-lhe e esforçando-me por acreditar de realmente a amava. Nem a achava
sexualmente atraente. Parecia-me fisicamente bastante comum. Esta falta de
atração sexual permitiu-me usar o fato de que era virgem como uma desculpa para
evitar contatos sexuais com ela por quase um ano. Apesar de defender
externamente uma sexualidade sem culpa e sem laços, sentia de alguma forma que
não tendo sexo com Jean, não estava realmente comprometido com ela.
Aparentemente, Jean me adorava. Era o sol que surgira em sua vida.
Chamava-me de “Rich, o milagroso”, e me bombardeava com atenções. Eu nunca
havia experimentado ser “amado” daquela maneira e ter um tal poder sobre o
outro. Quanto mais ela me assediava, mais eu achava que a tinha presa, e que
podia permanecer descompromissado, sem medo de perdê-la. Ela parecia incapaz
de abandonar-me.
A liberdade de ter Jean tão profundamente presa a mim, e aparentemente não
estando eu preso, era uma situação que não deixei de explorar. Há muito, vinha
mantendo relações sexuais com alguém que vivia no mesmo dormitó- i io de Jean
e continuava com isso, o que foi se tornando bastante óbvio para fia. Jean também
tinha uma amiga demasiadamente disponível para que eu a ignorasse, e foi uma
das várias mulheres através dos anos que me davam I isicamente tudo o que eu
achava que queria. Fiquei completamente envolvido com ela, se bem que tentasse
disfarçá-lo. Quando fomos inevitavelmente descobertos, foi o fim da minha
relação com Geórgia, fato que lamentei.
I iinibém foi o fim da amizade de muitos anos de Jean e Geórgia - fato que fui
incapaz de lamentar.
Eu continuava a resistir em criar um compromisso formal com Jean. As vr/.es
desaparecia por uns tempos, mas era incapaz de lhe dizer abertamente quando não
queria vê-la. Fingia uma doença, ou uma viagem, ou qualquer oulra desculpa e
apenas desaparecia. Restava a Jean arrancar finalmente de iniiii um compromisso,
o que acabou fazendo.
Tínhamos começado a manter relações sexuais depois de um ano, o que nAo
era uma perspectiva muito excitante para mim, mas tornara-se o caminho iln lei do
menor esforço. Secretamente, nãome sentia mais comprometido do que antes.
Uma noite, ela não estava no dormitório na hora habitual em que
• ii costumava aparecer (arranjos formais não eram o meu gênero) e tive uma
sensação desagradável com isso, pois ela sempre estava lá. Casualmente, |n
imeiro, depois mais compulsivamente, chequei e chequei novamente para ver se
estava. Nada de Jean. Na manhã seguinte telefonei às 9 horas. Ela rslava de volta,
e eu estava fora de mim para saber onde ela havia estado na noite anterior. Não
pôde me dar uma resposta convincente e eu finalmente a desafiei a me contar.
Disse que havia dormido com Bert - pessoa a quem conhecia ligeiramente.
I ;iquei arrasado. Achava que Jean era “amarrada” em mim. Isso não podia m
ontecer. Já que toda a minha identidade construía-se em torno do fato de M'i
desejável e irresistível, isso me deixou completamente tonto. Fiquei imaginando
os dois na cama juntos, tive náuseas e vômitos. Mas não queria llnir aquela
imagem da minha cabeça. Sentia-me violentado.
Jean observou tudo isso cuidadosamente e parecia arrependida. Percebi depois
de algum tempo que ainda poderia tê-la se quisesse. Mas não era uma escolha.
Fomos andando até a casa de Bert para apanhar algumas peças de n mpa que
deixara lá na noite anterior e ela agora negava qualquer interesse |n islerior nele.
Parecia tão ligada a mim como antes - com uma grande diferença: eu estava
“amarrado”.
Na medida em que nosso relacionamento arrastava-se, Jean começou a
uíspeilar da premissa falsa em que se fundamentava: um investimento
mútuo em dependência afetiva excessiva. E também, estava menos capaz de
ignorar a flagrante inconsistência entre meu compromisso formal e a minha real
indisponibilidade com ela. Apesar de supostamente comprometido, passava a
maioria dos meus fins de semana longe dela, à procura de aventuras sexuais.
Em uma noite típica, anunciei que ia sair sozinho, supostamente para ir a um
clube de jazz. Ao invés disso, passei o tempo imerso em fantasias românticas e de
indulgência sexual com uma mulher com quem fizera sexo intermitentemente por
vários anos. Voltei à casa de Jean muito tarde. Estava seguro de que tomaria um
banho e escovaria os dentes para me livrar do cheiro de minha companheira, antes
de me enfiar na cama ao lado de Jean. No dia seguinte, estava todo entusiasmado
pelo grupo de jazz que nunca escutara.
Com esta cena típica de iguais a muitas outras, é muito claro para mim agora,
que nunca estive seguro em relação aos meus sentimentos por Jean, independente
de armadilhas compulsivas. Por mais que ela tivesse investido em suas fantasias
sobre mim, e o papel sobre-humano que eu supostamente desempenhava na vida,
estava, no entanto começando a perceber minha inconsistência emocional. Uma
cena pungente revelou esta descoberta crescente. Em um fim de semana passado
na casa de campo de sua mãe, estáva- mos passeando de carro e ela mais uma vez
mencionou um tópico que estava no ar a meses: casamento. Eu já começara a
sentir a pressão dela e da mãe. Enquanto rodávamos, eu estava me sentindo muito
solitário. Não me lembro de solidão maior do que a de estar ao lado de alguém a
quem supostamente se ama sem qualquer comunicação profunda ou positiva. E
muito mais solitário do que estar sozinho.
De repente, Jean começou a chorar e disse que eu realmente não a amava.
Senti-me separado dela por um frio muro de pedra, sem saber o que fazer diante
daquela emoção tão real. Via-me tentando reassegurá-la com protestos e mais
protestos. Naquele momento, sentia-me em choque com meus protestos de amor e
carinho, mas não podia ser honesto porque, amando-a ou não, eu realmente
precisava dela. Ela era a segurança de que dependia a minha habilidade para
funcionar. O compromisso requerido pelo casamento era impossível, mas também
era impossível ficar sem ela. Ser honesto sobre a verdadeira natureza de meus
sentimentos não era, e nem podia ser, uma opção.
Percebendo a minha ambivalência, ela finalmente rompeu comigo. Seis
semanas mais tarde, eu a pedi de joelhos que se casasse comigo, com o rosto cheio
de lágrimas. Era uma súplica para que me aliviasse do problema do meu eu.
Apesar de hoje em dia saber que não era capaz de um verdadeiro amor naquela
época, a perda de Jean foi mais aguda e intensa que a de Lenore.
Naquela ocasião, o padrão de minha dependência de amor e sexo já estava
definido há vários anos. Apenas os atores haviam mudado. Naturalmente fui
incapaz de perceber isso. Para mim, cada nova caçada continha a promessa de
renovadas intrigas. Achei que estava vivendo a vida que os outros secretamente
invejavam. “Eles são os covardes”, pensava, “assustados demais para arriscar a
chance de viver”. A possibilidade de que nenhuma felicidade durável ou realiza-
ção pudesse provir de viver este padrão sem significado e sem sentido, não me
ocorria absolutamente. De fato a promessa de que a “próxima” seria a situação que
me tornaria inteiro, ou me completaria de alguma maneira, era como uma cenoura
sempre balançando à.frente do meu nariz, arrastando-me para diante.
Com Kate, o padrão foi, em retrospecto, dolorosamente familiar no começo.
Como a porção estável e segura de minha vida, ela só podia ver uma pequena
parte de mim. Minha vida estava rigorosamente segregada em compartimentos
fechados. Todos os meus esforços eram dirigidos para mantê- los assim, para que
minha segurança com Kate não fosse ameaçada pela constante sedução e romance.
Kate e eu suportamos um relacionamento relativamente turbulento por vários
anos. Somente quando fiquei sóbrio nos Alcoólicos Anônimos no final de janeiro
de 1971, as sementes de uma mudança importante foram inicialmente plantadas.
Eu tinha 24 anos. Nos últimos meses de minha vida ativa como bebedor, Kate
tornara-se parte da voz do meu “ego observador” uma parte de mim que eu não
estava muito feliz em descobrir que existia. Com o crescimento da evidência de
minha inabilidade em parar de beber, fui finalmente capaz de tornar-me aberto,
por mais estreita que fosse esta abertura à ajuda do A.A. Contudo, havia algo que
eu precisava estabelecer imediatamente quando parei de beber: que minha vida
sexual e “amorosa” não teria que mudar. Quando estava sóbrio cerca de um mês,
uma viagem de negócios proporcionou-me um breve, mas intenso caso
sexual/romântico que convenceu-me disso. E realmente não mudou.
Estou certo de que o fato de poder continuar minha vida sexual/amorosa como
antes, ajudou a tornar-me sóbrio no A.A., menos assustador. Isto não significa que
eu conscientemente resisti à recuperação do A.A. Tornei-me muito ativo na
Irmandade e envolvi-me com os Doze Passos de Recuperação relativamente cedo.
Contudo, não podia'ser honesto comigo mesmo em certas áreas além de minha
capacidade e disposição para isso. As atitudes que mantive sobre a continuação de
minha vida sexo/amorosa eram tão próximas de minha autovisão como pessoa,
que não se poderia esperar que em profundidade voluntariamente eu as
questionasse - até que a vida e as circunstâncias me forçassem a isso.
Durante meu primeiro ano de sobriedade, Kate trabalhou para um homem que
também se sentia atraído por ela e que tinha muito a lhe oferecer. Foi com a
ameaça desta competição que pedi que se casasse comigo. Achei que era a única
coisa que a manteria comigo e assim nos casamos quando eu tinha
oito meses de sobriedade. Tomei a resolução interna de ser “fiel” - apesar
dessas dúvidas, meu noivado, casamento e lua-de-mel transcorreram bem, e esse
foi um período em que fui capaz de gozar de alguma proximidade com Kate.
Havia até mesmo um certo sentimento de alívio de que em algum nível pelo
menos eu estava dando-me uma chance de vida, vivendo e não resistindo a ela a
todo custo.
Dependências, contudo, são como furacões interiores. Podem ocorrer períodos
de calmaria, mas um agravante pode acontecer a qualquer momento. Seis semanas
depois da nossa lua-de-mel eu contraíra uma doença vené- rea e sem saber se Kate
estaria infectada, obriguei-me a contar a ela. Fomos juntos à clínica local - uma
verdadeira união.
Corria o risco de envolvimentos emocionais mais profundos com minhas
parceiras sexuais porque a velha vulnerabilidade emocional não estava mais
mascarada pelo álcool. Casos emocionais começaram a entrar em jogo. Eujá não
buscava meramente experiências sexuais aventurosas, procurava por uma
combinação de prostituta/madona, uma mulher que pudesse.me dar o
esquecimento do sexo, mas falar à minha alma.
Depois de apenas cinco meses de casamento, “apaixonei-me” completamente
por Felíeia, que combinava um desesperado apetite sexual com aspirações
espirituais. Fui com rapidez assustadora de um controle senhor de si para um
estado em que meu apetite por ela era insaciável. A extensão de minha escravidão
ficou clara quando fui fazer uma viagem com minha esposa à New Scotland.
Inexplicavelmente, tive um ataque agudo de ansiedade no segundo dia de viagem.
Sentia-me como se enfrentasse a dissolução iminente e a morte. Estava histérico,
em posição fetal no banco da frente do carro, soluçando e tremendo
incontrolavelmente. Chamei a isto de “fobia de viagem”. Hoje em dia sei que foi o
resultado do afastamento de Felíeia - sem saber o que estava fazendo em minha
ausência, se estaria disposta a dar-me a minha “dose” quando voltasse. Fiquei tão
abalado que transformei as duas semanas de viagem em cinco dias, dirigindo de
maneira mais louca e maníaca. “Dê a Kate o bastante para pacificá-la, para que
saiba que estou fazendo o melhor que posso, mas deixe-me ir para casa, para a
minha fornecedora”, esses eram os meus pensamentos.
Finalmente, temendo que minha vida cuidadosamente compartimentada
eslivesse em perigo, terminei a relação com Felíeia. Por uma estreita margem,
mantive-me longe dela, parte com ajuda de um novo caso, outra repetição de um
padrão agora familiar. Depois do tórrido e quase incontrolável caso com Felíeia,
tornei-me progressivamente preocupado em controlar minha tendência a envolver-
me emocionalmente. Passei então a cultivar um número de “portos seguros” fora
da cidade onde podia envolver-me em favores sexuais, casos emocionais e ilusões
românticas com relativa segurança. Também conse
gui cultivar umas poucas situações locais onde o risco de envolvimento emo-
cional, que sempre parecia liderar a perda de controle, parecia mínimo.
Em um desses relacionamentos com uma mulher mais velha e casada, farras
sexuais eram acopladas a uma relação de negócios. Apesar de um esporádico e
intenso autodesgosto de minha parte sobre o indisfarçável caráter de “carne de
açougue” de nossas relações sexuais, o arranjo persistiu por alguns anos. Tentava
abster-me, às vezes, cheio de desgosto por mim mesmo. Mas o anseio físico de
alívio da tensão acabava dobrando minha resolução, e eu me encontrava com ela
de novo, muitas vezes valendo-me de fantasias para atingir o orgasmo. Eu a usava
como uma forma embelezada de masturbação.
Justificava esta situação, assim como todas as outras, encarando-a como a
“minha natureza sexual”, meu impulso dominante, minha característica primária.
Era um demônio que precisava ser aplacado - e com quem era preciso conviver.
“Outras pessoas podem não experimentar esse tipo de coisa”, pensava, “mas para
mim, minha natureza sexual é o alicerce - a fundação de quem e o que
verdadeiramente sou”. Era algo que não queria mudar. Estava determinado a levar
isso até o túmulo comigo, esperando não ferir demasiadamente os outros por este
caminho. Nenhuma outra alternativa parecia possível, muito menos, desejável.
Apesar do pesadelo acelerante, eu ainda não experimentara
o volume de dor emocional necessário para que a mudança fosse possível.
Kate engravidou em novembro de 1975 por acordo mútuo, apesar de minha
atitude ter sido a de nunca desejar ter filhos, assim como nunca “quisera” me
casar. Tais situações representavam uma escravidão para mim. Uma
responsabilidade aumentada só poderia chocar-se com minha habilidade (meu
direito!) de perseguir aventuras sexuais e românticas. Pensava que a sociedade é
que era doente, tentando forçar-me à escravidão. Eu era um verdadeiro pioneiro de
modos alternativos de vida - e de amor. Mas minha tão preciosa filosofia
desmoronou diante da ameaça, mais uma vez, de perder Kate se não cedesse ao
seu desejo de ter filhos. Assim, relutantemente, dobrei-me à sua vontade sem
realmente mudar em nada minhas convicções.
A gravidez avolumava-se, mas o padrão habitual de meu comportamento
continuava. No A.A., como em outras partes de minha vida, eu colecionava pontos
com mulheres atraentes e vulneráveis. Uma delas, Sarah, era especialmente
intrigante. Sentindo o perigo de envolvimento, tentei manter o controle não indo
para a cama com ela. Apesar disso, tornei-me progressivamente obcecado até que
a perspectiva de não vê-la virou um tormento.
Em fevereiro de 1976, Sarah subitamente distanciou-se e não me deu atenção
por vários dias, e eu entrei em um estado que beirava a paralisia. O anzol já estava
profundamente encravado. Antes de deixar a cidade a negócios por alguns dias,
corri impulsivamente no último minuto até seu apartamento para lhe dizer que a
amava. O alívio de finalmente botar para fora o fato de estar
fisgado, foi comparável ao fato de que ia ficar fora por vários dias, evitando assim
ter que lidar com as conseqüências da minha nova paixão confessada.
Quando tornei a viajar algumas semanas depois, a perda de uma conexão de
vôo e a conseqüente ameaça de perder a viagem de volta para casa onde eu tinha
um encontro marcado com Sarah colocou-me à beira de outro ataque agudo de
ansiedade e total perda de controle emocional.
Quando Sarah e eu fizemos sexo pela primeira vez, a necessidade reprimida,
agora sexualizada e livremente expressa, levou-me para um outro mundo. Eu
nunca gozara ao fazer sexo oral com uma mulher. Com Sarah, essa barreira
desapareceu e eu me senti introduzido em um novo nível de mistério sexual. Em
três semanas, o sexo sublime com ela aumentou de uma vez por semana para
doses diárias de manutenção. Kate, com a gravidez já bastante visível, saía para
trabalhar de manhã cedo. Eu levantava apressadamente da cama, ia até o
apartamento de Sarah e metia-me na cama com ela, onde ficávamos horas em uma
espécie de transe, saboreando um ao outro. Olhos nos olhos, eu a levava a recitar
“Eu te amo”, “preciso de você”, “quero você”, “não posso viver sem você”.
Reinava uma atmosfera de hipnose mútua. Cada um de nós parecia uma vela acesa
atraindo a mariposa no outro. O mundo e o tempo eram insignificantes diante de
nossa fusão hipnótica.
Em casa, eu me comportava como se nada de especial estivesse acontecendo,
ou pelo menos tentava. Meus horários eram estranhos e Kate chegou a fazer
comentários ocasionalmente sobre minhas chegadas tardias ou saídas bruscas.
Contudo, fui capaz de manter uma fachada em casa, por mais frágil ou falsa que
fosse.
Em meados de abril, Sarah fez uma longa viagem ao outro extremo do país
para rever um antigo namorado, ostensivamente paia terminar nossa relação. Foi
quando admiti plenamente a mim mesmo que estava “fisgado”, que eu a amava e
me sentia tomando um rumo que não podia controlar. Mas ao mesmo tempo
eslava imensamente aliviado que'estivesse longe por um período.
Era tempo de refletir. Sentia que não podia viver sem ela. Desejara, de certa
forma, que meu casamento e a gravidez de minha mulher a afastassem, e isto não
acontecera. Essas circunstâncias externas não haviam diminuído seu interesse. Eu
também havia virtualmente (mas não virtuosamente) cortado outras ligações
sexuais à medida que aumentara a intensidade com Sarah. Apesar de tentar me
congratular com uma noção fantasiosa de que estava sendo “fiel”, isso não era
verdade. Sarah sugava cada vez mais minhas energias, e eu não podia mais dar-me
ao luxo de me afastai' dela por um momento. Afinal de contas, apesar da Sarah
aparentemente me adorai', no fundo eu sabia que não podia continuar a bancar isso
se não estivesse presente para reforçá-lo. Se eu negligenciasse meu investimento,
outros “parceiros silenciosos” poderiam surgir. E ela resistiria? (Afinal, ela podia
ser como eu).
I; também havia Kate. Ao chegar tarde em casa depois de estar com Nniiih,
lendo-lhe feito mais uma vez juras de amor eterno - e acreditando in-lns deitava-
me ao lado de Kate e colocava o braço sobre o seu ventre já muito crescido.
Aconchegava-me a ela, ouvindo sua respiração, e era inva- ilido por ondas de
amor e carinho. Dizia a mim mesmo, “Rich, você deve ser llisimo; deve estar
ficando louco. Como pode estar numa situação dessa? O i |IK* vai lazer?”.
Resolvi tentar resolver o problema tentando renovar o romance com minha
mulher. Fizemos uma viagem para um estado distante de nossa casa
I 'Iiiiic jei comportar-me bem e fazer um esforço sobre-humano para ter senti-
mriilos dc amor por aquela mulher, e eu a forçaria a me amar. Esperava que a i \ I
icriência fosse poderosa o bastante para me libertar de Sarah e abandoná-
II () resultado dessa tentativa auto-induzida de violentar meus sentimentos i
manipular Kate foi uma luta amarga que quase explodiu em violência física.
()lhando o passado, posso ver como eu desejava desesperadamente
.....vencer-me de que nossa relação de casamento era uma boa coisa. Claro
qiir eu nunca fora capaz de alguma consistência emocional. Emocionalmen- lt*
eslava - e estivera por anos - pesadamente hipotecado por outras coisas, k uie o eu
voltamos da viagem numa trégua desconfortável e pouco comuni-
■ iiiivn. Sarah estava na Costa Oeste e voltaria alguns dias depois. Eu
imagi- iuivii se o elo de magia e intensidade entre ela e eu ainda existia depois dessa
uiisOncia. Estranhamente, estava relutante em entrar em contato com ela para ver
se já voltara, e preferi encontrá-la “por acaso” numa reunião local do A. A. Sem
saber o que esperar se ela aparecesse, eu estava cheio de adrenalina i' pedi a um
amigo que ficasse junto de mim caso passasse mal. Sarah che- inm, ainda
enamorada de mim, e eu respirei aliviado. Naquela noite, mais linde, reafirmamos
nossa intensidade imorredoura, tanto sexual quanto emo-
i iontil - mais um tijolo na parede da insanidade crescente.
No final de abril, eu comecei a experimentar impotência sexual em casa, o
i|iK* loi um choque. Sempre achara minha energia sexual inesgotável. Agora,
i nlietanto, fiquei impotente três vezes seguidas com Kate, apesar de estar
nnmlendo uma dieta sexual regular com Sarah e masturbando-me duas ou lies
vezes ao dia. Temi que esta impotência continuada delatasse a Kate minhas
ocupações externas. Já que a idéia de renunciar a Sarah parecia Impossível, decidi
parar de me masturbar. Esperava que se fosse capaz disso in primeira vez que
fazia esta tentativa em 17 anos), podia escapar de ser ili".coberto. Essa estratégia
deu-me seis semanas, durante as quais continuei a enlouquecer cada vez mais.
Sarah e eu havíamos planejado uma estada nas montanhas juntos por um
i crio tempo. Eu o queria, mas não via como. Sarah começou a planejar uma v isila
a amigos nas montanhas logo depois de sua formatura. Algumas se
manas antes, quando ela estava fora da cidade visitando parentes, consegui
acomodar as coisas para poder acompanhá-la, somente para descobrir que ela
havia combinado ir com um antigo namorado. Meu coração pareceu descer ao
estômago, mas não havia mais tempo para falar. Ela voltaria à cidade na quarta-
feira à noite e eu iria procurá-la.
Esse telefonema apressado e alarmante aconteceu numa segunda. Atravessei a
terça-feira sem nem saber como e naquela noite minha mulher e eu assistimos à
primeira aula para casais que planejavam um parto assistido pelos maridos. Eu me
comprometera a isso apenas para apaziguar Kate. A idéia na verdade me assustava
muito. Consegui passar pela introdução sem muitos problemas, mas aí veio a
apresentação de um filme sobre o parto, onde se explicava que a principal
“assistência” dada pelo homem era o apoio emocional. Fiquei interiormente em
pânico. Eu sabia que não tinha qualquer sentimento por essa mulher - minha espo-
sa. Não sabia se a odiava ou se a amava. Fiquei muito transtornado com
o vazio da minha reserva emocional. Senti-me muito mal. Nem, naturalmente,
podia compartilhar meu sentimento de isolamento. Tudo que recordo é de um
terrível e crescente estresse.
Na quarta à noite, como esperado, trabalhei até tarde, mas fui ver Sarah como
planejado, sentindo-me muito tenso. Era cerca de meia-noite e meia quando
cheguei, quinta-feira - o dia em que finalmente me arrebentei. Lembro que
precisei de reiterações sem fim da parte dela de que não me deixaria agora que
estava internamente comprometido com o que havíamos criado entre nós, que há
muito tempo tomara vida própria.
Mais tarde, depois de quatro horas de sono, me preparei para assistir à
formatura de Sarah. Meu sogro, por acaso, era um devotado ex-aluno da
Faculdade de Sarah e era um delegado de classe naquele ano. Sabia que ficaria
profundamente surpreso ao me ver lá e que eu não seria capaz de explicar minha
presença. Dentro do campus, logo o localizei e tive que evitar cuidadosamente
sem ser descoberto, enquanto tentava parecer despreocupado e atento aos meus
amigos!
Depois da cerimônia, tinha um encontro com Sarah e família. Sarah ficou de
braços comigo, fazendo-me posar para as fotografias familiares. Eu me alternava
entre o desejo de empurrar lodo mundo e fugir para a segurança e tentar esconder-
me e parecer o menos visível possível. Minha insanidade aumentava cada vez que
considerava a possibilidade muito real de que meu sogro avistasse o genro em
pose romântica com outra mulher, cercado por uma família desconhecida.
Depois desse episódio horrendo, tinha um almoço com amigos. Quando
chegamos ao restaurante, estava à beira das lágrimas. Não podia mais agüentar, e
estava incapaz de abrir a boca, quanto mais de comer. Depois de
Hl niinulos, pedi desculpas aos amigos preocupados e fui para casa. Eslava
litmqüilo quando cheguei lá. Eu estava sozinho.
I irei um cochilo à tarde que me ajudou um pouco a me recuperar, um
..... .. local entregou um sofá que Kate e eu havíamos comprado para
ii .iln de-estar. Mas quando Kate chegou, eu me encontrava incapaz de falar
• Mi la/cr qualquer coisa. Kate começou a me questionar, querendo saber
se < n eslava zangado com ela. E as palavras saíram de repente: “Quero me i l>ni
ar.” Eu não podia acreditar que tinha dito isso. Ela perguntou então:
I In uma outra mulher?” Eu disse, “sim”. E Sarah?” Respondi, “sim”.
I Ia ficou furiosa e chocada, e eu reagi do fundo da confusão emocional
i in que esti vera vivendo por muitos meses, a força da minha emoção aumen-
imlii pela recente combinação de circunstâncias que tinham me abalado.
' iimvi, em um estado de completo colapso emocional.
I íu linha um encontro com Sarah aquela noite, mas ao invés, Kate - com o
l1 1 > 1 1 1 1 le ventre oscilando - e eu demos uma longa volta pela cidade e falamos
11 mi li i. Eu sabia de alguma maneira que nada em minha vida podia ser o
mesmo MI iviimenle, e uma parte em mim aceitou que era assim que devia ser.
Kate ligou para a irmã que morava a centenas de quilômetros de distância i' i
i imbinou que ficaria com ela quando nos separássemos. Eu sentia como r minhas
entranhas estivessem abertas à inspeção e pelo tempo que restas- r queria que
minha vida fosse amais clara possível. Decidimos permanecer imilos apenas até o
nascimento da criança, e eu lhe disse que continuaria a ei Sarah porque tinha que
fazer isso: essa era uma condição não negociá-
• I sine qua non. Se Kate escolhesse ficar, tinha que aceitá-la.
A maior parte do verão de 1976 foi passada à espera de nossa criança e liniln
foi oculto. Compartilhei com Kate sobre tudo o que havia transpirado, in tuindo
até onde a memória podia me levar - enquanto continuava um
1 1 Incionamento progressivamente apaixonante com Sarah. Um dos aspectos ili
minha relação com ela fora o de que eu me sentia capaz de compartilhar meus
sentimentos reais e meu verdadeiro ser com ela. Quando a conheci há npciias dois
meses, sentira que Sarah me conhecia muito mais do que Kate,
ii i|iii‘in eu conhecia há oito anos. E não havia nada de surpreendente nisso. IÍII
rslivera tão empenhado em minha vida emocional que nunca consegui ri
disponível emocionalmente para Kate. Conhecer-me teria sido deixar-me, |ii que
ela teria achado intoleráveis minha promiscuidade e intrigas emocio- nals. Claro
que eu tinha um desejo interno de ser “conhecido” por Kate.
I iilrelanto, fora apenas por meio de vagas alusões ao meu comportamento
(habitualmente num passado distante) que eu fora capaz de deixar Kate
c inihecer-me”, enquanto escondia dela tudo o que estiva realmente acon-
ii rendo. Tinha um duplo desejo: uma forte vontade de ser conhecido e niiiiido por
quem e o que eu realmente era, e o desejo de não virar o barco e
tumultuar uma relação que me dava segurança, mesmo que nunca tivesse sido
feliz ou realizado nessa relação.
Com a decisão de nada ocultar do que havia feito, a maré começou a mudar. A
humilhação que cada revelação sucessiva me trouxe e cada gota de dor que essas
revelações infligiram a Kate, eram as contas atrasadas de anos de uma vida
dividida. A ilusão de que eu poderia evitar para sempre as conseqüências de
minhas ações estava permanentemente despedaçada.
Todas as conseqüências agora me atropelavam, pelos anos em que tinham sido
tão rigorosamente manipuladas e separadas. Para crédito imorredouro de Kate, ela
compreendeu a importância desta dragagem do esgoto do meu passado - e nunca
recuou de sua parte nesse processo. Estava encarando a realidade de com quem
estava tentando construir um relacionamento. Sua negação de nossas dificuldades
também desapareceu para sempre.
Paralelo a esse processo brutal, havia o tempo passado com Sarah. Se minha
vida devia ser verdadeiramente aberta, eu também tinha que repartir com ela o
máximo possível do que estava acontecendo comigo. Eu não ousava fazer uma
exceção por medo de que estaria rapidamente de volta em atividades ocultas
obsessivo/compulsivas e isso me parecia suicídio.
Comecei a vomitar meu passado apodrecido em meados de junho de
1976, e essencialmente joguei a toalha com relação a uma vida construída de
compartimentos fechados e divididos. Experimentei pela primeira vez em anos,
sentimentos emocionais positivos com relação a Kate nos quais estava preparado a
confiar. Quanto ao meu desejo de adiar a separação até depois do nascimento de
nosso filho baseava-se no que parecia um sentimento genuíno pela carga de Kate
nessa infeliz ruína.
Assim, disse a Sarah que queria passar bastante tempo em casa para tirar plena
vantagem do tempo que restava a Kate e a mim. Disse-lhe que não havia dúvidas
quanto à separação, mas que a equação havia mudado: Kate tinha muito o que
aprender de minha vida. A história dos dois meses e meio que se seguiram é em
grande parte a história de como fui incapaz de manter minha decisão. Mesmo
assim, mantendo um compartilhai' aberto de sentimentos e atividades a todo custo,
fui capaz de ganhar perspectiva sobre como era impotente em lidar com minha
relação dependente com Sarah.
Kate e eu estabelecemos algumas regras básicas. Eu proclamei alto, de-
safiadora e virtuosamente que continuaria a ver Sarah e prosseguiria um pleno
envolvimento sexual e emocional com ela. Paralela à minha “atenção” a Kate
havia a frustração distorcida e necessidade de culpá-la por não poder mergulhar de
vez na paixão por Sarah! Desse ponto de vista, mal podia esperar que Kate se
fosse e tinha até fantasias de vê-la morta em um acidente e só em parte odiava esta
idéia. Minha outra parte sabia que seria a saída
Iik-il. Mas, salvo “um ato de Deus”, Kate estava lá e eu sabia que não ia
1 ‘iinii ile ver Sarah enquanto esperávamos o bebê.
Knlc só linha duas condições: a de que eu não passasse a noite na casa 1 1> Sm
ah no resto do tempo que passaríamos juntos e que chegaria em casa
11 mIn imile à uma hora.
Nunca entendi como Kate conseguiu lidar com a dor que isso deve ter uiMido.
I via testemunhou de uma maneira que eu não podia (por estar de- iinr.nulo
envolvido), como eu estava completamente manipulado por minha liei f .siclade
de Sarah, e como racionalizava minha fraqueza, justificando-a ■ mm um “direito”.
De minha parte, não queria parar o tempo suficiente para
■ m m;ii a evidência da maneira pela qual meus estados de espírito
mudavam i iiilii nlmente sem que eu me apercebesse, mas algo dessa evidência
estava
11 mmçando a me penetrar, apesar de tudo.
I 'assava algumas boas horas com Kate, tendo sentimentos calorosos por
■ In i' desejando prolongá-los, mas tinha um tempo marcado para ver
Sarah. i i >iItu aié a princípio sentir-me um tanto ressentido em ter de vê-la porque
■ li ciava preservar esses bons sentimentos em casa, mas saía, e uma vez
lá, i IMI hoa resolução desaparecia.
M i nha perspectiva alterava-se completamente. Era com Sarah que eu me
iiiiiipnava nos meus dourados anos maduros. Kate deixara de existir. Sucum-
I MU lio campo de força sensual de Sarah, percebia o que estava
acontecendo, imri não podia evitá-lo, estava inteiramente atraído e sentindo como
se o i' tii|u> tivesse parado. Um momento de encantamento com ela, efêmero no i'
mpo real, tinha a qualidade de uma eternidade e eu perdia toda a noção de
II *iiki a minha mente fora alterada; estava subjugado.
Ao loque de recolher da uma hora, voltava para casa, cheio de ressentimento
sobre esse terrível estado de coisas, e Kate reagia à minha alteração:
i ii nfio conseguia estar emocionalmente presente para ela - e tinha que vê- li i r
admiti-lo. Sentia o terror de não saber quando havia ultrapassado o limite l • n a o
esquecimento, sem saber como isso acontecera e sabendo que acon- li eeria de
novo. Quando estava entregue ao esquecimento, era tudo o que « ii queria, mas
agora estava começando a perceber que era uma vítima desse riquecimento. Senti
de repente que eslava sendo perseguido por uma força ilinhólica que estava me
usando para seus próprios propósitos.
As percepções de minha impotência eram poucas a princípio. A verdade
deixou-me sentindo que estava sendo devorado vivo por minha relação
dependente. Comecei a vislumbrar o que poderia ser o fim se fosse incapaz
iU parar: a insanidade, a internação ou o suicídio. Já sabia que podia riscar a
possibilidade de uma repetição de situação, porque as conseqüências cie meu
padrão estavam progredindo. Nunca mais poderia esperar escapar ileso tllsso. E,
no entanto, a verdade de minha impotência me dizia, mesmo diante
dessas terríveis conseqüências, que era incapaz de parar. Apesar de perceber para
onde eslava indo, eu escorregava ladeira abaixo.
Comecei a conhecer o verdadeiro terror - observando minha própria
insanidade e sabendo que a parte capaz de observação podia ser repetidamente
submergida. Eu estava preso e condenado.
Nos primeiros estágios de percepção, reagi abruptamente tentando terminar a
relação com Sarah. Isso foi no começo de julho. Sob certos aspectos, tentar
romper com ela foi precipitado. Percebia nela uma ambigüidade com relação a
outras opções sexuais de sua vida, apesar de seus protestos violentos de “amor
eterno”. Minha insegurança emocional ia aos extremos ao pensar nela lendo
relações sexuais ou envolvendo-se com outros. Tenlei lidar com esse medo
racionalizando que estava fazendo uma projeção nela de meu próprio
comportamento e atitudes, e isso me trouxe um breve alívio. Contudo, uma
instabilidade persistiu. Começava uma luta de vontade.
Quando fiz a tentativa de cortar a relação em julho, fortifiquei-me o melhor
que pude com pensamentos positivos. A decisão de deixá-la foi feita de impulso
enquanto estávamos dando uma volta de carro, quando me achava nesse estado e
sentindo-me bastante vingativo. Ao chegar em casa, anunciei orgulhosamente o
falo e prontamente fui visitar uns amigos a 60 quilômetros de distância para
carregar as baterias. Por Deus que eu ia realmente fazer isso!
Menos de 24 horas depois, um Rich tremulo e transtornado, em recaída aguda,
seguiu o caminho da menor resistência e telefonou freneticamente para Sarah.
Recebido de volta em seus braços e seu corpo mais uma vez, só conseguia lembrar
vagamente do impulso que me levara a tentar escapar. Pensei, “Como pude
desejar abandoná-la?”, ao tornar a sucumbir, e sentei- me bestificado.
Na medida em que o verão passava, com variações entre essa dependência
básica e a lula da vontade, senti momentos de solidão cada vez mais desesperados.
Continuava a manter minha “abertura”, compartilhando tudo o que sen- lia,
pensava e experimentava a todo custo. Uma vez, em viagem, quase sucumbi ter
sexo com uma mulher que vários anos antes me dera “bola”. Sozinho com ela em
sua casa, escondida em um bosque numa colina, eu a desejei muito. Mas, a
consciência de minha condição e as conseqüências associadas a isso não me
deixaram, por mais que quisesse. Depois de beijos e carícias apaixonadas, à beira
de mergulhar na aventura, forcei me levantar do sofá e fiz dois telefonemas
interurbanos - um para Kate, outro para Sarah e expliquei a cada uma o que
acontecera. Sabia que ao fazer esses chamados, haveria sem dúvida conseqüências
emocionais, mas essas coações externas eram as únicas coisas que me fariam
parar. Continuar com a situação seria dar a Sarah a munição com que ela poderia
me destruir. Retirando-me amargamente da agitação dessa aventura
sexual não consumada, eu estava me forçando a aprender algo sobre a futilidade
de me meterem tais coisas se a linha limítrofe da imersão sexual e romântica já
não era uma opção. Eu linha muito que aprender.
Na madrugada de 16 de agosto, cheguei em casa como de costume à 1 hora e
depois de dois meses de uma difícil espera desde a descoberta de meu
relacionamento com Sarah, Kate estava em trabalho de parto.
() parto foi longo e laborioso. Enquanto a observava, sentia-me angustiado,
como se boa parte do que estivesse testemunhando não fosse a dor do parlo, mas a
expressão da agonia da situação em que ela estava, e pela qual me sentia
responsável. No entanto, mesmo durante a transição, eu me es- gueirei para fora
da sala de parto e achei um telefone, estabelecendo aquela conexão indispensável
com Sarah. Jantaríamos juntos e, com Kate no hospital, eu passaria à noite em seu
apartamento.
Foi bizarro, mais tarde ao jantar, receber congratulações calorosas de Sarah e
suas companheiras por meu novo status paternal - o pai de uma garotinha. Kate
não foi mencionada.
Quando ela deixou o hospital depois de quatro dias, eu sabia que sobravam
apenas duas semanas para a nossa separação, do que eu era ainda fortemente
partidário. Ao mesmo tempo, compreendia que o tempo que nos restava seria o
fim de um longo e tortuoso processo. Minha vida estava em aberto agora, por mais
distorcidos e disparatados os seus pedaços.
A “abertura” que eu mantivera desde meados de junho havia diminuído
consideravelmente a vantagem que Sarah gozara na primavera - a de me conhecer
melhor do que Kate. Essa abertura sobre meus sentimentos e pensamentos ativos
continuou a pagar dividendos. Apesar de sentir mais fortemente do que nunca que
o tempo que restava entre Kate e cu era precioso, era cada vez mais flagrante que,
a despeito de minhas intenções declaradas, eu continuava a passar com Sarah uma
parte desproporcional de tempo. Não podia me enganar a respeito disso, ou
racionalizar quanto à sua adequação. Eslava sendo forçado a notar cada vez mais a
disparidade entre minhas intenções declaradas e meu comportamento real.
Claro que ainda linha interesse em não ver essa discrepância. Admiti-lo era
admitir minha impotência sobre minha conduta emocional e sexual, o que a
carregava com a possibilidade de ter que mudar. Era muito mais fácil continuar a
culpar as circunstâncias externas.
Em setembro, levei Kate e minha filhinha até a casa de sua irmã, a várias
centenas de quilômetros de distância. Na noite anterior, estivera em uma
performance musical em uma Universidade e Sarah fora comigo. Sentia-me tão
exausto e esgotado que antes do concerto perguntara-me como seria capaz dc subir
ao palco e enfrentar uma platéia. Procurei me reanimar e me perdi na performance.
Deixei Sarah em casa muito tarde depois do concerto
e mc despedi dela. Enquanto eu levava no fim de semana Kate e o bebê para
o norte, ela ia passá-lo em uma ilha de recreio.
Com poucas horas de sono, preparei-me para a jornada do dia. Enquanto
dirigia, olhei para Kate e depois para o bebê adormecido em sua cestinha de vime
no banco de trás e senti uma onda de emoção. Começara a refletir interiormente
como tinha sido atormentada a minha década de 20 anos. Estava próximo do
trigésimo aniversário e o que queria para os meus 30 anos? Olhava Kate e minha
filhinha e sentia que desejava a segurança de pertencer à minha família. Queria
“maturidade”. Queria unir-me àquilo. Essa Irradiação interior durou a maior parte
da viagem. Não podia partilhá-la com Kate porque sabia que me comprometeria
com algo que talvez não fosse capaz de cumprir.
Voei de volta para casa, depois de ajudar a armar o novo berço do bebê e fazer
meus adeuses. Estava agora cheio de resolução. “Preciso”, pensei, “romper com
Sarah agora. Ela está fora por um longo fim de semana, e é sábado à noite. Tenho
dois dias para tentar firmar minha decisão. Vou a qualquer extremo, qualquer
extremo para me livrar dela”.
O primeiro desafio ocorreu no caminho de casa. Eu combinara encontrar com
amigos de Sarah no aeroporto e isso me deixou em pânico. Eu sabia que queria
minha família, mas também sabia que minhas convicções emocionais
evaporavam-se no campo de força de Sarah e que ver seus amigos podiam me
fazer escorregar declive abaixo. Estava assustado. Fingindo entusiasmo, livrei-me
deles o mais rápido possível e fui para casa, para um apartamento vazio pela
primeira vez, e sozinho comigo mesmo. Meu gato estava lá e eu não perdera a
decisão de deixar Sarah.
O plano original fora o de me juntar a ela no longo fim de semana depois de
minha separação de Kate. Era para ser uma celebração. Eu sabia que não podia
fazê-la. Minha consciência sobre o desejo de separação era tão frágil que eu sabia
que tinha que nutri-la e protegê-la. Sarah telefonou-me tarde na noite de sábado e
fui apanhado desprevenido. Consegui dizer que não ia passar o resto do fim de
semana com ela, que a veria na volta. No domingo, mais uma vez fortifiquei
minha decisão passando o dia inteiro em visita a outra família. Tentei me imbuir
ao máximo de sua energia familiar e regressei ainda resolvido a romper com
Sarah.
Cheguei em casa tarde da noite, no domingo. Na secretária eletrônica havia
uma mensagem de Sarah. Tomara cedo uma barca de regresso e voara para casa o
mais rápido possível. Estava nitidamente perturbada, insegura sobre o meu atual
estado emocional e sabia, sem dúvida, o que tinha que fazer se eu tivesse me
voltado contra ela. Mais uma vez perdi o equilíbrio com sua mensagem e o fato de
que estava naquele momento a menos de um quilômetro de distância. Senti-me
invadido.
Tomei a decisão impetuosa de vê-la naquela mesma noite. Telefonei e disse-
lhe que ia até lá. Ao bater na porta, fui recebido por ela apenas envolta num
roupão de banho desabotoado, com o corpo nu e delicioso a mostra. Abraçou-me e
beijou-me e me senti enrijecer - não o meu órgão genital, mas
o corpo todo. Sentia-me como um pedaço de madeira; não conseguia
corresponder. Levou-me até o quarto e a cama. Ouvi-me dizer, “quero ver como as
coisas vão ficar entre Kate e eu; é o que realmente desejo”. Ainda estava rígido,
incapaz de relaxar. Seguiu-se um longo silêncio e ela disse finalmente, “por que
não vai embora?” Como se ateasse fogo a uma ponte, tirei a chave de seu
apartamento do meu chaveiro e a joguei na escrivaninha. Devo ter dito qualquer
coisa como “está acabado!”, mas não me lembro. É provável que tenha tentado
exprimir esse sentimento de forma mais segura - e ambígua - pelo silêncio.
Depois, virei as costas e fui embora. Cheguei em casa me sentindo firmemente
decidido, se bem que traumatizado, e congratulando-me internamente por ter tido
a coragem de enfrentá-la: olhar naqueles olhos e dizer o que tinha que dizer.
Havia declarado minhas intenções e sentia interiormente que se pudesse criar
seis semanas de distância entre nós, poderia ter suficiente perspectiva das coisas
para tomar uma decisão mais incisiva.
No Dia do Trabalho de 1976, saí da cidade para visitar outra família de
amigos, para tentar ficar mais forte. De volta ao apartamento, na segunda- feira,
planejei ir a uma reunião do A. A., em local mais distante, onde achava que não
iria encontrar Sarah. Acordei na terça-feira sentindo-me carente e de porre seco,
mas ainda decidido. Recuperei-me e fui a uma reunião à tarde.
Ao chegar lá, olhei rapidamente em tomo da sala e levei um choque. Era como
se de alguma forma a “visse” - sentisse a presença de seu campo de força-antes de
realmente avistá-la. Sarah estava lá, quando a enxerguei já tinha entrado e estava
bastante visível. O que podia fazer? Fingi não havê-la notado e fui arranjar café,
planejando uma rápida retirada antes do fim da reunião. Ao tentar chegar à porta
sem chamar a atenção, sem olhar para trás, percebi que se levantava de seu lugar.
Eu já estava na calçada, fora do prédio quando ela me alcançou. “Pare, Rich!”, ela
disse. Tentei não encará-la, mas não pude evitar o olhar desesperado daqueles
olhos escuros expressivos e implorantes. “Falo com você daqui a seis semanas”,
eu disse. Ela plantou-se à minha frente, obrigando-me a encará-la. “Não posso
continuar assim; isso está me enlouquecendo”, disse. Não respondi, desviei-me
dela e continuei andando, com o estômago queimando, sentindo-me atormentado e
dividido.
Mais tarde, naquela noite, um Rick muito decidido telefonou para Sarah sem
nada em particular para dizer, necessitando apenas da ligação. Uma pausa longa e
ambígua e os pratos da balança oscilavam decisivamenle. Vinte minutos mais
tarde estava de volta ao seu corpo, de volta à sua cama,
acalmado por doces ruídos amorosos. Esqueci que partira ou que algum dia
desejara isso.
Com Kate vivendo distante, eu poderia ter ficado para sempre sem o beneficio
de qualquer recuperação de meu próprio desespero. Contudo, a psicoterapia, que
iniciara algum tempo atrás, começou a fazer eleito dessa vez. Eu me descobri nas
sessões das três primeiras semanas de setembro elocubrando sobre como odiava
estar preso a Sarah e quanto desejava me livrar dessa dependência. A palavra
compulsão nunca havia sido usada, mas eslava claro que eu esperava de alguma
forma que minha terapeuta me provesse com uma chave mágica ou conhecimento
secreto que me permitisse romper com a situação. O que queria realmente é que a
terapeuta fizesse o rompimento por mim e assumisse a responsabilidade. Minha
percepção de impotência e desespero, contudo, persistia apenas durante a sessão e
mal se prolongava depois dela. Desaparecia com a volta daquela sensação gelati-
nosa que sentia mais uma vez junto a Sarah.
Visitei Kate três semanas mais tarde. Ela cultivara a esperança de que eu
romperia com Sarah, já que parecia tão decidido. Eu não a havia informado do
meu fracasso posterior (uma vez submergido, naturalmente, o “fracasso” de minha
decisão não parecerá um fracasso). Apenas no meu último dia de visita, Kate e eu
tivemos alguma comunicação e não houve qualquer sexo entre nós.
Chegando de volta à cidade no sábado de madrugada, vi Sarah domingo à
tarde. Ela estabelecera uma posição “segura” com outro amante durante a minha
ausência. Habitualmente, eu teria me consumido de ciúmes, mas agora reagia com
raiva e desapontamento, cuja extensão tinha receio em demonstrar. Ela parecia
ansiosa em manter nosso arranjo como se fosse a conquista de uma dose sexual.
Habitualmente eu era consumidor ávido em tais circunstâncias, mas agora me
sentia em confronto comigo mesmo, com uma agressividade que poderia ser tudo,
menos amor. E também, em pleno ato sexual, eu a vi de olhos cerrados e com as
mãos agarrando o travesseiro e as cobertas. Normalmente, teria visto isso como
sinal de êxtase, o que teria me excitado ainda mais. Minha reação agora foi
completamente diferente. Compreendi que eu podia ser qualquer um, que minha
aparente singularidade como “amante” era uma ilusão. Eu estava tentando forjar
uma sensação de minhas qualidades singulares e insubstituíveis como pessoa
engajando-me cm um dos meus grandes denominadores comuns da humanidade.
Nada único, eu era meramente outro parceiro.
Na tarde de domingo, dei um telefonema interurbano a Kate, que eslava ainda
zangada com minha recente visita, sentindo que eu havia agido sob falsos
pretextos. Kate me falou de como havíamos passado o verão inteiro analisando a
minha vida, e nossas vidas, juntos. Como havíamos discutido
em profundidade todo o passado, e o que poderia ser salvo para a construção do
futuro. Disse que não poderia mais tolerar me ver enquanto ainda estivesse com
Sarah. No que lhe dizia respeito, o processo do verão estava acabado no dia em
que nos separamos. Não queria qualquer continuação daquele processo - não
queria mais saber daquele tipo de dor. “E o meu relacionamento com minha
filha?” perguntei, mordendo os dentes. “Não às custas de minha sanidade”,
respondeu Kate. Compreendi que estava com a razão. Sabia que não tinha mais
nada a argumentar, e não queria. Não podia criticar sua decisão. Eu a respeitava
por isso.
Era uma tarde de domingo, 26 de setembro de 1976, depois do telefonema de
Kate. Eu devia ir buscar Sarah, mas sentia-me extremamente ambivalente. Dentro
de mim cristalizava-se um desejo de me afastar dela e de todos. De repente, sabia
o que fazer. Eu estava encarando um ponto de mutação que não podia mais evitar.
Telefonei a Sarah e disse-lhe que pretendia ficar recluso para fazer um inventário
de nossa relação, e que quando o tivesse completado, entraria em contato. Disse-
lhe adeus e desliguei.
Fui a uma reunião do A.A. sozinho aquela noite e senti alívio até com essa
pequena afirmação de liberdade, satisfazendo minhas próprias necessidades, ao
invés de servir às dela. Estava também um pouco assustado com a tarefa que tinha
diante de mim, pois sabia muito bem que naufragara duas vezes antes em minhas
tentativas de libertação. Como podia sentir-me seguro de que agora poderia
afirmar minha liberdade e faze-la durar? Sabia que não podia ter certeza.
Nenhuma fala otimista no mundo bastaria.
No entanto, havia atingido um ponto onde sabia que, se recuasse mais uma
vez, poderia nunca mais ter saída. O suicídio parecia uma possibilidade real.
Mesmo sem o suicídio concreto, eu percebia meu terror consciente com a
perspectiva de perder a sanidade irremediavelmente. Meus sentimentos eram uma
mistura estranha: humildade com respeito à minha profunda fragilidade
combinada com o terror de sucumbir a ela ou a alguma resolução (cujo valor não
podia avaliar naquela época) de tentar novamente mudar. Não me comprometendo
prematuramente com um desenlace com Sarah, adquiri para mim mesmo um
tempo precioso; tão precioso, de fato, que isso parecia-me sagrado.
Chegando tarde em casa da reunião no domingo à noite, sentei-me à mesa da
cozinha e comecei a escrever. Vieram à tona os detalhes sobre a natureza de minha
crise e anotei cronologicamente o máximo que pude sobre o meu relacionamento
com Sarah. Escrevi inicialmente às cegas, mas à medida que avançava, uma forma
ia emergindo. Meu inventário incluía seções sobre os aspectos positivos e
negativos das relações com Kate e Sarah. À medida que continuava, comecei a
perceber que em certo sentido tinha sido igualmente doente em ambas as relações.
Olhei para a longa dicotomia com i|ue me havia punido durante anos: “Desejo
realmente um compromisso
estável em minha vida ou quero ter relações sexuais por aí? Por que não consigo
resolver?.” Emergiu um conceito de como essas questões não tinham sido
respondidas por mim, porque nunca fora capaz de tomar consciência para sequer
começar a conhecer as qualidades potenciais de um relacionamento. Trocara meus
sentimentos pelos da intensidade compulsiva.
Enquanto escrevia e refletia, comecei a compreender que minha escolha não
era, no lundo, a escolha de cortar um padrão obsessivo/compulsivo de busca
sexual e dependência emocional. Enfrentando a dor por meio desse processo de
abstinência, eu poderia tornar-me capaz de tomar algumas decisões sobre como
viver minha vida. Isso agora se basearia na descoberta de quem e o que eu era
realmente, o que poderia emergir durante esse período sozinho, com plena
consciência do meu passado dependente. Minha capacidade para viver o caminho
de busca de uma resposta ao meu dilema, só podia vir ao tornar-me
voluntariamente disposto a uma total abstinência.
Sabia plenamente que se seguisse esse caminho, a dor da abstinência seria
enorme. Compreendia que, para mim, o processo envolvia não apenas terminar
minha relação dependente com Sarah, mas a abstinência incondicional de todo um
padrão de dependência que se estendia pelo menos por 15 anos. Parecia querer
nada menos do que a morte de tudo o que eu tinha sido 1 1 0 mundo até agora - de
experimentar a dissolução de meu antigo ego. Eu mal podia vislumbrar em que
esta abstinência implicaria e em qual extensão eu me descobriria.
Sentia que estava à beira de um compromisso consciente, mas também que
não tinha qualquer garantia dos resultados específicos. Teria que me deixar levar
para onde fosse.
Nesse estado de espírito, era como se eu não estivesse propriamente
perseguindo a necessidade de mudança, mas como se essa necessidade tivesse se
apoderado de mim. Podia aceitar seu mandato ou morrer. Em minha situação, esse
mandato apresentava-se de uma forma que parecia nítida e claramente definida,
por mais relutante que eu estivesse em reconhecê-la. Minhas dificuldades
presentes me pareciam a oportunidade para uma espécie de experiência de morte
ou renascimento que poderia ser frutificante. Agarrei-me a essa possibilidade com
uma esperança fervorosa, rezando para que tivesse a graça de discernir minha
verdade pessoal. Eu tinha a esperança e um sentimento de estar em contato com a
esta verdade, mesmo que não pudesse saber antecipadamente como seria um Rieh
transmutado, renovado e possivelmente inteiro. Meu “dilema”, tão assustador sob
certo aspecto, começou a parecer uma conseqüência inevitável da minha
dependência de amor e sexo: o resultado de uma progressão inexorável que só
poderia ter culminado nessa terrível situação. Minha escolha não era entre dois
tipos de amantes. Era entre os velhos padrões e uma nova identidade para mim
mesmo não sendo possível sequer imaginá-la.
« omplelei meu inventário em dois dias, no meu trigésimo aniversário, em I ' Vi I
I II o documento mais precioso que já escrevera ou provavelmente i i ti wiia.
Abracei-me a ele. Sabia que a verdade estava agora no papel. Mi ir. enlimcntos c
pensamentos, tão facilmente dissolvidos na compulsão
i ■ liiim compulsivo, eslavam agora congelados no papel. Podia recuperá- li ■ i
vonlnde; ficariam afinal preservados para mim.
'.ciili inlernamente que havia dobrado uma esquina. Externamente, ainda ir i
muito assustado não sabia se seria capaz de agir de acordo com as \ i nliidcs sobre
mim mesmo e minha dependência. Estas haviam emergido no
....... . .o do inventário. Minha mensagem a Sarah fora uma mensagem uni-
l tu 1 1 1 1 de ‘‘retirar-me de circulação”. Não queria ser interrompido. Contudo,
.ililn i|iic não podia contar com a sua “cooperação”. Se fizesse isso, seria
i iiii ,i ilusão da “parceria” em torno exatamente do ponto em que a “parce- iin ri
ii impossível!
1 1 udo terminado a maioria do inventário, resolvi sair um pouco. Ao
regrcs-
ii no entardecer do meu aniversário, encontrei quatro rosas brancas em iiiiiilin
cuixa de correio, com um cartão assinado simplesmente “S”. Minha H i iio íoi
imediata e intensa; uma conexão emocional fora reaberta. Acho que li u i ms rosas
para cima e eslava há poucos momentos no apartamento quan- ’l" > i mifcci a me
sentir transfixado por elas. Olhei-as detidamente. As flores iiiin 1 1 .mi bem
formadas e pareciam um pouco murchas. O branco das rosas iii puro,
pareciam mais de um tom creme meio anêmico, como se tivessem
i>l" iIIIi dia vermelhas e a cor lhes tivessem sido sugada. Isso despertou em niim
II forte sentimento de como me sentira sugado durante meses nessa rela- MIM A
promessa de separação de Kate viera da idéia de que a tensão nascida
• .. I i iiuinipulação de dois relacionamentos irreconciliáveis se abrandaria. Mas
l.ilr ii partida de Kate minha tensão subira a níveis ainda mais altos. Sarah I I MS in
continuado a afirmar que depois da partida de Kate, teríamos a oportuni- ilmlr de
descobrir o que havia entre nós sem obstáculos. Contemplando as i" i podia
imaginar Sarah dizendo coisas tais como: “Que vergonha você ter lpido antes
mesmo de termos uma chance de descobrir o que realmente
Hl*»u* entre nós”, ou, “você na verdade nunca nos deu uma chance”.
Ao olhar as rosas, eu sabia que a tensão e a ansiedade eram uma caracte-
•I tli .i imutável no relacionamento com Sarah, e não um fator secundário. A
liliMn <li' que a relação fosse mais do que essa tensão ou podia existir fora
• li In, ri a uma mentira, uma isca perigosa. Tal conceito só podia servir
para
• iilrmir ainda mais a fundo os anzóis, enquanto a salvação e a libertação
... mm sempre estar mais adiante, sempre escorregadia, fora de alcance. Se
i II iipeiuis tentasse com um pouco mais de esforço...
IVjuici as quatro rosas, fui até a varanda da frente e as olhei por muito
ii nipo Sentia como se gritassem por mim. Fiquei com muita raiva e de repen
le fui até a rua e comecei a despedaçá-las, amassando-as e esmagando-as com os
pés. Foi um momento exultante. Em seguida, recolhi os pedaços e achei uma lata
de lixo na esquina de um beco. Sentindo-me frio, atirei as flores despedaçadas lá
dentro e me afastei. A sorte estava lançada.
Eu sabia que não teria uma vida agradável levando a cabo minha resolução
de romper com Sarah. Selecionava todas as chamadas da secretária eletrônica e
passava a maior parte do tempo fora do apartamento. Vi que precisava fazer
alguma coisa para informá-la da minha decisão. Vi também que, se floreasse
muito a maneira de fazê-lo, provavelmente fracassaria. Nada de fantasias
hollywoodianas. Se estava realmente decidido a cumprir com a tarefa, podia me
permitir agir com covardia. Assim, resolvi lhe escrever uma carta, que dizia
simplesmente:
Sarali
Estou terminando nossa relação. Compreendi finalmente que com todo o
amor que houve entre nós, houve também uma parte igual de doença,
obsessão e neurose.
Minhas necessidades a longo prazo foram consistentemente sabotadas por
mim ao pressionar os botões que acionavam o prazer a curto prazo, e
você é uma grande manipuladora de botões. Meu próprio centro interior
foi desequilibrado mediante minhas tentativas constantes de servir às suas
necessidades, que também são excessivas.
Meu inventário foi exaustivo e levou-me à verdade lamentável de que você
é veneno para mim. Portanto, estou saindo fora dessa situação.
Tudo acabou.
Se sentir-se tentada a se comunicar comigo, peço-lhe que releia ésta carta.
Rich
lnii ici minha abstinência a 30 de setembro de 1976. Estava vivendo sozi- nli" |.(Ii
primeira vez na vida. Como Sarah, minha amante compulsiva,
1 1 i ({leiilavii o mesmo grupo do A.A., tive que fazer uma mudança completa M..
| nu li ao de reuniões a que comparecia. Eu me tornara um membro bastante il I
v1 1 imii meu grupo de origem, e isso foi uma coisa bastante dolorosa, mas o 1 1 Í I
ornei me apenas outro desconhecido anônimo em reuniões distantes, e i"i iiiiin das
mais saudáveis lições que meu ego inflado teve passar. O senti- iiii illii ilc que
estava fazendo o que era bom para a parte mais profunda de iiiImi que havia sido
ignorada, trazia uma grande satisfação espiritual. O pra-
I I qui' isso me dava era simples, mas real.
Antes de minha abstinência, achava que tinha uma tamanha energia uai. que ou eu
encontrava uma válvula de escape ou explodia. Imaginem Hiinlm surpresa
quando, livre de toda a atividade sexual compulsiva (inclusi- paia mim, a
masturbação), descobri que meu estado normal não era a , t. Ihiçtlo. Meu corpo
começou a reciclar-se. A urgência de meus desejos • •<iiiir, diminuiu, o que
aconteceu logo no início de minha abstinência.
i ac afastamento da satisfação sexual e da constante excitação esten- dt ii sr aos
meus sonhos. Normalmente, sonhos de ejaculação eram um ca- n il | *i <i meio do
qual minha libido sobrecarregada procurava alívio. Mas nos
...... sele meses sozinho, tive apenas dois sonhos.
Ouc descoberta! Depois de anos tendo de 10 a 20 orgasmos por semana. Niiu
i|iie meu corpo não estivesse tenso, mas a tensão não era de natureza i i iml l Jma
corrente subterrânea estava começando a se revelar. A existên- I I iltvisu camada
mais profunda, decididamente de caráter não sexual, era 'li " que eu não
suspeitara.
I >i u se um despertar ainda maior com o aparecimento de uma paisagem i
niiuaoaal completamente nova. Como eu não estava mais exorcizando meus i
nilnienlos por intermédio de relações sexuais ou romances, esses começaram
III ans formar-se em percepções mediante as quais eu era capaz de
reconhecê-los i luval ini los. Essas descobertas iniciais foram de muito significado
para mim.
Agora que o fundo do poço do comportamento dependente (que era t|'ti
sexualmente ou me engajarem comportamentos românticos), já não
estava ativo, fiquei sem os dividendos para os quais toda a minha vida fora
centrada. Isso não significava, entretanto, que eu não me visse confrontado com
tentações, agora que estava em abstinência. De fato, na verdade era o oposto. Eu
ficava literalmente sitiado por tais situações. Pela primeira vez vi como automática
e inconscientemente eu criava, continuamente, uma série de possibilidades para
acontecimentos carregados de sexo e emoção.
Por exemplo, sempre apertara mãos e distribuíra beijinhos impulsivamente.
Esse contato físico fora, para mim, dia após dia, uma constante. Uma conduta que
servia à função imediata de descobrir onde estavam as situações promissoras. Eu
submetia as pessoas, constantemente, por essa espécie de crivo à procura de
parceiras em potencial. Apesar de saber, agora, que a recompensa por tal
comportamento era um veneno para mim, eu ainda me descobria utilizando-o
como uma segunda natureza, com o resultado de me ver confrontado,
constantemente, com a possibilidade de agir compulsivamente, e, apesar disso,
recuar com amargura e escapai'. Como esse tipo de experiência repetia-se sem
cessar, finalmente percebi o que eu fazia para provocar tais comportamentos, e
tornei-me consciente da futilidade de continuar a fazê-los.
Vim a compreender profundamente como estava inconscientemente ema-
ranhado nessa dependência. Quando ainda estava na ativa, esta rede de
comportamento tinha se constituído numa espécie de segurança para mim. Agora,
entretanto, começava um longo processo de sofrimento. Cada pequena vitória da
percepção era acompanhada por sentimentos agudos de perda e luto, visto que
meus pequenos hábitos dependentes eram também parte importante de minha
auto-imagem. Esses gestos de beijar, abraçar e tocar, eram como a moeda corrente
da minha personalidade externa, a maneira pela qual eu me relacionava com os
outros.
Ao aceitar a abstinência, parecia que toda a minha identidade estava dimi-
nuindo. Amaldiçoei a Deus por ter-me dado um coipo atraente que me parecia
inútil agora, porque já não podia mais abusar dele. A sugestão de um amigo, de
que talvez a razão para que Deus tivesse me dado um corpo bonito fosse apenas de
eu ser “uma visão agradável”, não era absolutamente um consolo.
As vezes, fantasiava que ia ficar feio ou que meu órgão genital cairia, ou
apenas ia envelhecer e murchar, ou me cresceriam seios. Tive longos períodos de
angústia com minha crise de identidade. Minha vida era uma agonia
- uma agonia sem excitação, sem órgão duro!
Alguns dias chegava em casa muito tarde, exasperado com a minha provação.
Deitava no sofá da sala e pegava um livro para ler. Meu gato pulava em meu peito
e começava a ronronar, olhando-me serenamente. Nesses momentos, sentia que
mesmo que não estivesse seguro de que havia alguma coisa pela qual valesse a
pena viver, meu gato aparentemente achava-me
digno de atenção e com certeza me amava. Já havia alguma criatura que me
achava bom, eu não podia negar-me isso completamente. Isso tinha um certo
significado, porque Sarah era alérgica a gatos, e, depois que Kate foi embora, tive
a intenção de me desfazer do bicho. Agora, seu ronronar e seu olhar sereno
pareciam uma demonstração de gratidão por não tê-lo mandado matar. Nos
momentos mais desesperados e difíceis de minha abstinência, essa experiência era
a única afirmação de valor que conseguia sentir.
Em parte, a mudança de padrão das reuniões do A.A. não fora apenas para
evitar encontros com Sarah, mas também para evitar amigos comuns, listava muito
vulnerável à emoção de “coincidências” de encontros, e sabia disso. Era
importante que não negasse meus sentimentos de perda e de necessidade relativos
a Sarah. Tinha já bastante experiência psicológica para compreender o perigo de
tentar me forçar a acreditar que não sentia qualquer falta ou desejo. Sabia que se
fizesse isso, o desejo não desapareceria, mas acumularia forças e provavelmente
me armaria uma armadilha em algum momento oportuno. Não. Enganar-me sobre
“o quanto não quero Sarah” era perigoso. Parecia muito mais sábio admitir esses
sentimentos de desejo. Pelo menos nessa situação eu podia ficar atento a eles.
Começou a emergir uma estratégia. A questão tornou-se: “estou em bom
terreno espiritual ou não?” Estaria em bom terreno se não estivesse procurando
por encrenca, por um caminho para voltar à dependência, por mais sutil que Ibsse.
Poderia estar sentindo muita falta, mas se estivesse encarando o fato e não agindo
para estabelecer alguma conexão “psíquica” com Sarah, então minhas condições
espirituais seriam boas. Estaria em mau terreno espiritual se fizesse qualquer coisa
que intencionalmente abrisse as portas para qualquer contato com ela. Eu sabia
que, se minhas condições espirituais fossem boas, por mais que eu temesse me
encontrar com ela, se isso acontecesse, eu poderia enfrentar o fato sem ser atraído
novamente para a compulsão. Se a encontrasse quando eu estivesse em mau estado
espiritual, o próprio encontro poderia parecer ter acontecido como resultado deste
meu estado, e ela estaria “fora da parada”.
No interesse de me manter em bom terreno espiritual, comecei a manter uma
lista de pensamentos e sentimentos que iam surgindo com a abstinência. Essa lista
consistia, principalmente, em frases curtas, tais como: “ainda sinto dor aguda e
perda hoje, mas não estou esgotado comigo mesmo”. A lista tornou-se bastante
extensa, e eu a levava a toda parte. Era como ter uma âncora portátil e
estabilizadora permanentemente comigo. Sete meses depois de iniciá-la, rabiscada
nos dois lados de três folhas bem enroladas, acabou, sem que eu quisesse, na
máquina de lavar roupas, e esse foi seu fim, mas havia servido ao seu propósito.
Sabia também que para me manter bem espiritualmente, tinha que me conter e
não fazer quaisquer perguntas sobre “como estava Sarah”. Nenhii
ma resposta a essa pergunta me ajudaria. Se estivesse bem, seria um golpe para
meu ego; se não estivesse, eu poderia transformar isso num convite irresistível
para me envolver de novo, com todas as conseqüências previsíveis. Essa maneira
de encarar as coisas trouxe-me algum alívio. Compreendi que se não perguntasse
por ela um dia de cada vez, estaria me poupando do ódio e do ciúme que,
certamente sentiria se tentasse me manter em contato com a sua situação.
O conceito de “terreno espiritual” foi testado diversas vezes nas primeiras
semanas. Um dia, estava caminhando em uma parte movimentada da cidade, cerca
de um quilômetro de casa, e,'subitamente, tive uma espécie de “alerta vermelho”
antes mesmo de vê-la. Lá estava ela, cruzando meu caminho, há alguns metros à
frente! A descarga de adrenalina foi tão forte que recuei visivelmente, como se
tivesse esbarrado num poste. Se ela me viu ou não, eu não sei. Não fiquei nada
bem por um dia, mas sabia que, por mais difícil que tivesse sido, tanto a minha
reação quanto a situação, estava em bom terreno espiritual porque não tentara
iniciar contato, nem mesmo sutilmente.
Algumas semanas mais tarde, um envelope contendo folhas de árvore caídas
pelo outono foi deixado na minha caixa de correio com o endereço do trabalho de
Sarah. Mais uma vez, consciente de não ter solicitado essa invasão do meu espaço,
levei as folhas até um parque, espalhei-as e joguei fora o envelope. Isso não
significa que não tenha me sentido necessitado ou afetado. Significou, isso sim,
que continuava a agir de maneira consistente para não voltar à compulsão. Estava
afirmando meu compromisso de continuai- abstêmio.
A cada duas ou três semanas, viajava para o norte a fim de visitar minha
mulher e o bebê. Kate e eu fazíamos sexo nessas visitas, apesar de estar
extremamente perplexo sobre quais eram minhas expectativas sexuais. Parecia, por
um lado, que agora que eu era um “bom menino”, deveria ter o direito de exigir
dela uma sexualidade intensa, que eu valorizava tanto nos meus encontros
compulsivos, apesar de que, -geralmente, isso faltava em minhas práticas sexuais
com Kate. Por outro lado, como poderia estar seguro de que minha doença
consistia apenas de um jogo com “outras mulheres”? Não poderia se estender ao
meu conceito que fosse sexo “bom” com qualquer uma, inclusive minha mulher?
Paralelamente a esse sentimento de ter direito a algumas recompensas dentro de
minha relação com Kate, existia a questão corrosiva de saber se esses valores que
eu extraía de tais recompensas não seriam parte de minha doença.
Um momento especial foi o que aconteceu cerca de três semanas depois de
haver rompido com Sarah. No meio de uma relação com Kate, comecei a chorar
incontrolavelmente e fui capaz de exprimir minha angústia profunda com a dor
que eu havia lhe causado. Nada semelhante jamais havia acontecido antes durante
o sexo com alguém.
Quando eu pensava em Kate, ainda me depafava com sentimentos enigmáticos
e não resolvidos sobre se queria viver com ela novamente. Limitava- me a dizer
que era bom não saber a resposta, e focalizar a atenção no processo de abstinência
e recuperação,
Insidiosamente, ocorria-me, com freqüência, uma forte tentação nos dias
nnteriores às visitas a Kate. Ainda estava na estrada apresentando concertos, e,
freqüentemente, encontrava-me na Pensilvânia. Em duas ocasiões, quando ia
dirigir diretamente de uma turnê para visitá-la, foi-me dada a pos-
• ihilidade tentadora de me envolver com fãs insistentes e ardorosas. Em um
concerto no outono de 1976, uma moça que viera do colégio passar o fim de
semana em casa, veio me ver tocar. Fiquei sabendo que ela estava “de licença” de
um sofrido caso amoroso. Isso foi logo no início de minha abstinência, e eu ainda
não sabia lidar bem com uma tentação dessas porque um tanto de mim queria se
permitir. Estava dolorosamente consciente do conflito in- lerno. Mesmo quando
estava locando, eu a localizei na platéia. Depois de lerminado o concerto, lá estava
ela à minha espera, sem que houvéssemos
Irocado uma palavra. Ela foi até meu camarim, onde troquei de roupa na sua
frente, agindo despreocupadamente. Agia assim, mesmo gritando interiormente:
“Rich, pelo amor de Deus, o que você está fazendo?”. Sentindo-me extremamente
desconfortável, eu a tirei de lá e fomos dar uma longa caminhada pela cidade.
Lembro-me de ter-lhe mencionado algo sobre minha dependência com relação
a “amor” e sexo. Sei que estava tentando criar uma barreira externa para não
dormir com ela. Depois do passeio e de havermos comido alguma coisa, voltamos
até a pensão onde eu estava hospedado. Houve um silêncio prolongado.
Estávamos completamente sós. Não havia ninguém à volta. Eu a agarrei, beijei-a
rapidamente nos lábios e a empurrei, dizendo: “não posso fazer isso”, tudo no
mesmo impulso. Sentia meu corpo ao mesmo tempo excitado e congelado, e fiquei
olhando seu rosto intrigado. Ela virou-se e caminhou até seu carro, e eu fiquei
observando-a partir até que desaparecesse. Fiquei suspirando, sentindo-me
alternadamente dolorido e entorpecido, até subir para meu quarto e adormecer.
Na manhã seguinte, preparei-me para a longa viagem em visita a Kate.
Engraçado, não sentia o menor arrependimento. Sabia que mencionaria a ela
o que havia acontecido, mas sabia também que não havia comprometido minha
recuperação, e que ainda estava vivendo uma vida aberta e sem divisões. Muitas
horas depois, cheguei à casa onde Kate se hospedava. Não posso descrever o
alívio que senti, não apenas ao vê-la, mas por saber o quanto estava grato por não
ter me entregue ao encontro da noite anterior. C) que parecera tentadoramente
“feito no céu” 24 horas antes, parecia agora uma conspiração diabólica para me
fazer recair na compulsão.
Em outra turnê, ocorreu-me situação semelhante. Dessa vez, havia inge-
nuamente mandado um cartão postal da Filadélfia para uma mulher que sempre se
dava ao trabalho de ir me ouvir tocar quando eu estava na região. Pensava nela
apenas como uma fã leal e devotada. Nunca havíamos tido qualquer envolvimento
sexual. Quando fui para o colégio feminino onde ia tocar, quem apareceu senão
minha fã? Já me sentira meio pressionado por algumas das estudantes e estava em
guarda por isso.
Haviam-me dado acomodações muito boas e, quando minha amiga Sharon,
disse-me que não tinha lugar para ficar, sabia que tinha um problema em mãos. A
situação era das mais delicadas, eu estava determinado a dormir sozinho, e não a
queria em meu quarto, nem com o pretexto ambíguo de “dormir na minha cama”.
Resolvi ser franco com a situação. Procurei a estudante que era meu contato na
escola, expliquei-lhe que havia chegado uma “amiga” e pedi-lhe que arrumasse
uma acomodação para ela. Essa jovem rebateu direto: Ora, sua amiga pode dormir
com você. Nós não nos importamos!”. Respondi brusca e freneticamente: “Bem,
mas eu me importo.” O assunto não era negociável para mim. Vi a perplexidade
em seu rosto, e imaginei-a pensando que eu devia ser o maior “quadrado” que já
vira, ou, no mínimo, um bobalhão. Dessa maneira, minha “fã” foi devidamente
alojada e eu dormi sozinho.
Eu ia passar por Nova Iorque no dia seguinte, a caminho de Vermont. Sharon
precisava de uma carona para Nova Iorque e eu levei-a. Na luz desmistificadora
da manhã, abordei o fato de quais seriam suas expectativas ao viajar toda aquela
distância para me ouvir tocar. Meu tom não era ameaçador, mas simplesmente
inquisitivo. Ela admitiu prontamente que planejara uma aventura. Compartilhei
com ela, então, a situação da minha vida, sublimando minha recuperação com a
compulsão a amor e sexo, e ela me revelou suas próprias circunstâncias com
relação a amantes e aos pais. Toda comportamento misterioso e tão carregado da
noite anterior, dispersara-se na franqueza da manhã. Despedimo-nos em
Manhattam, e ela parecia comovida com o nosso partilhar, e eu me sentia grato
por estar são e salvo, e, ainda, mais sábio.
Vi que esse tipo de situação estava acontecendo regularmente, sempre antes de
uma visita a Kate. Um princípio importante emergiu desses acontecimentos: “serei
testado sempre que estiver fragilizado”. A integridade de minha abstinência e o
sentido de minha dignidade pessoal que começara a emergir disso era como um
sistema imunológico. A natureza dos sistemas imunológicos trabalham apenas
quando o corpo está sendo invadido, portanto, é a própria invasão que força o
sistema a tornar-se forte, e assim era com a abstinência de sexo e “amor”. A
abstinência me garantia tudo, menos uma vida fantasiosa. A investida de outras
tentações, especialmente quando me sentia menos capaz de lidar com elas, estava
me forçando a encarar, em
profundidade, a natureza inflexível da minha compulsão, e a confirmar minha
decisão de me recuperar. Um processo torturante? Sim, mas nenhum outro poderia
ser tão inteiro. Eu estava aprendendo e começando a melhorar.
O “sucesso” em lidar com a tentação era medido apenas pelo resultado. O fato
de não sucumbir, mais do que a boa vontade (ou a falta dela) com que eu resistia à
tentação, era a recompensa. Além do mais, a energia disponível para responder à
tentação, quando não estava desviada em comportamentos compulsivos, podia ser
usada internamente para aumentar minha percepção.
A maioria de minhas leituras naquele outono era de textos de Carl G. .lung,
porque descobri em seu trabalho uma aparente compreensão compassiva e lúcida
de muita coisa que estava experimentando. O conceito de que o inconsciente
humano pode não ser meramente um terreno de conflitos reprimidos, mas pode
conter também as sementes criativas da inteireza individual e do bem-estar. Minha
vida de sonhos se tornou, “uma função transcendente”, e me senti em diálogo com
meu “Poder Superior”.
Assim, no começo de dezembro de 1976, tive a premonição de um sonho
importante. Naquela mesma noite, fora sujeito a ainda outro ataque, agora já
rotineiro, de intenso desejo e compulsão, estimulado por mais outra tentação, que
era a agonia de ver outra pessoa servir-se do que, antigamente, teria sido meu
território! Nesse sonho lutava com um gorila (a minha compulsão) pela posse de
um bonito e precioso canivete. O gorila era tremendamente forte, e empunhava a
faca. Eu nunca ficara sem aquela faca e estava furioso porque aquela fera a tomara
de mim. Agarrei-lhe a mão e comecei, com toda a força, a tentar lhe abrir os
dedos. O sonho terminou antes que eu recuperasse a minha faca (vida?), mas
estava cheio da forte convicção de que meu esforço seria bem- sucedido, porque
estava disposto a furar-lhe a mão, se necessário. Acordei com um forte sentimento
da tenacidade e poder na minha luta contra a compulsão. Na verdade, sentia agora
que atingira um ponto na abstinência onde fora agraciado com a escolha da minha
vida sexual e romântica. Esse novo estado surgira da longa lula entre a tentação
compulsiva e a autonomia pessoal. A balança estava se inclinando a meu favor ao
final, ainda que quase impercepti velmente!
Nessa ocasião, compreendi que um missão estava-me sendo designada. Agora
que me fora dada alguma escolha sobre minha compulsão ativa de sexo e “amor”,
eu tinha que encontrar outras pessoas para trabalhar comigo se quisesse aumentar
minha margem de recuperação. Estivera sozinho pouco mais de três meses. Tinha
que encontrar outros que sofressem desse mal, alguém com quem falar. Senti que
meu estado de libertação era irreversível. Tinha que seguir adiante.
Com essa sensação nova de estar em estado de graça, senti que me seria
mostrado como encontrar outras pessoas que pudessem me ajudar. Não tive que
esperar muito. Durante todo o outono, fora a reuniões do A. A. em áreas
diferentes, uma estratégia necessária para minimizar a chance de encontrar Sarah.
Como algumas dessas reuniões fossem a boa distância de casa, fui franco ao
revelar a natureza básica do que estava acontecendo comigo em várias ocasiões.
Isso não era particularmente difícil porque a dor psicológica que estava
experimentando era tão grande que eu não tinha outra chance senão expressá-la. E
como era bem-vindo o alívio que o compartilhar permitia!
As reações eram variadas. Alguns eram solidários com o meu sofrimento,
apesar de não entender o que acontecia. Outros não o queriam compreender
porque estavam cheios de inveja das condições que eu contara que haviam levado
a isso. Mesmo ao descrever a dor provocada por esses padrões dependentes da
atividade sexual e emocional compulsivas, essas pessoas se queixavam de que
suas vidas não possuíam “o bastante”. Não pareciam capazes de entender que,
para um apetite compulsivo, nada é “suficiente”, e que insanidade é insanidade,
tanto faz se na bebida ou em aventuras românticas! E ainda outro tipo de grupo
parecia ameaçado e francamente hostil quando eu compartilhava minhas
experiências, e sendo bastante atacado. No entanto, essa era a minha verdade. Era
tudo o que eu tinha, e não podia agora voltar minhas costas a isso. Já passara por
demasiadas coisas.
Partilhar isso tudo, independente do fato de ter-me deparado com simpatia,
inveja ou desprezo, ajudou-me imensamente. Foi arriscando que continuei a
desenvolver a perspectiva sobre muitas coisas que tinham me acontecido. O fato
de receber pouca ou nenhuma empatia não me deteve porque eu também estava
começando a perceber as pessoas que pareciam ter padrões similares acontecendo
em suas vidas. Habitualmente, pareciam tão cegos aos sinais da compulsão quanto
eu fora até meses atrás.
Aconteceu que, cerca de cinco dias após meu sonho simbólico, tive a
oportunidade de falar em uma reunião bastante numerosa do A.A. Contei minha
história sobre como ficara sóbrio no A.A., e mencionei que minha natureza
compulsiva não havia simplesmente cessado quando parei de beber. Tristemente, a
obsessão e a compulsão tinham continuado, embora em outras áreas. A sobriedade
com o abuso de álcool me trouxe, sem dúvida, muitas bênçãos, mas era
incompleta em si mesma. Contei em detalhes minhas experiências com obsessão,
compulsão, perda de controle e progressão (tal como as identificava agora) na área
de amor e sexo. Referi-me abertamente a essa condição como “dependência de
amor e sexo”, porque a ligação entre a compulsão e o alcoolismo estava clara para
mim agora. Falei sobre a agonia da abstinência, mas mencionei a esperança de
encontrar novo sentido e identificação que haviam me ajudado a vencer esse
período.
A resposta pública nessa reunião foi basicamente de hostilidade e defesa. Os
retornos variaram desde asserções de que o A.A. não era lugar para mencionar tais
assuntos, a piadas sem graça e perguntas espantadas de
pessoas que não eram hostis, mas que não tinham a menor idéia sobre o que eu
eslava falando.
A oportunidade da minha franqueza, contudo, tornou-se aparente depois da
reunião. Duas pessoas, um homem e uma mulher vieram me procurar para dizer
que tinham se identificado com o que eu havia falado. Dentro da média de cem
pessoas presentes à reunião, consistindo de uma minoria vociferante e liostil, e
uma maioria de pessoas silenciosas, espantadas ou indiferentes, sen- li me
grandemente recompensado por encontrar duas almas gêmeas.
Havia também uma mulher com a qual tivera um certo compartilhamento
durante o outono. Ela me vira chorar numa reunião no verão anterior, e, apesar de
haver abusado um tanto dela como recurso, ainda discutíamos ocasionalmente
nossas vidas sexuais e emocionais. Havia, assim, em meados de dezembro, um
grupo muito informal, de quatro pessoas. Comecei a ver .1 im, outro companheiro,
com bastante freqüência nessa época, e acordei um tlia com a idéia de começai -
um grupo baseado nos princípios do A.A., mas inteiramente devotado a esse
problema de compulsão de amor e sexo. Almocei com Jim nesse dia, e ia
justamente falar a respeito disso quando ele virou-se para mim de repente e disse:
“Ei, Rich, que tal começarmos um grupo nosso?”.
Entrei em contato com as duas mulheres, que concordaram. Encontramo- nos
os quatro em meu apartamento em Cambridge, Massachussets, para nossa
primeira reunião do D.A.S.A. (S.L.A.A.), a 30 de dezembro de 1976. Tiramos a
sorte para ver quem contava primeiro a sua história. Cada um de nós ia tentar se
exprimir inteiramente em termos das identidades pessoais que havíamos Ibrmado
em torno da compulsão de amor e sexo. Foi estabelecido um precedente
maravilhoso com essas primeiras histórias: não ocultamos nada. Cada um de nós
revelou o máximo do que podia lembrar e reconhecer sobre suas histórias, sem
qualquer apreensão sobre como os outros receberiam o que tínhamos a dizer. Jim
falou sobre as rápidas chupadas de pênis da treinadora dc atletismo da escola, e da
tentativa de manter um relacionamento com uma mulher de quem gostava muito,
mas se descobria arrastado por uma compulsão física imperiosa a submergir na
pornografia e na zona de prostituição local. Jill falou sobre uma série de
gravidezes não desejadas e de abortos ilegais ou autoprovocados. Falou também
de uma série de relacionamentos em que os homens eram sempre vistos como
salvadores. Acabara, aos 30 anos, casada com um rapazinho que se transformara
numa boca a sustentar, com um filho, e, depois de passada a lua-de-mel, suportava
a indiferença emocional. Ela ainda estava tentando se convencer de que eram
compatíveis. Sandy, uma mulher de meia-idade, contou como extorquia cairos dos
amantes, ameaçando revelar suas atividades às esposas, e, adicionalmente, tinha
apetite por garotinhos. Quase chegara ao suicídio uns cinco anos antes, e fora
capaz, finalmente, de
se desligar da fase ativa da compulsão. Prosseguindo em círculo, falei em úlli mo
lugar. Tentei contar minha história com a mesma riqueza de detalhes de Jim,
falando sobre as conseqüências progressivas que tinha experimentado ao continuar
na dependência. Falei também de como haviam surgido, surpreendentemente, a
dor e a esperança advindas da abstinência até aquele ponto.
Essa primeira reunião do D.A.S.A. (S.L.A.A.) durou cerca de três horas, e, ao
terminar, estávamos bastante esgotados. Resolvemos nos encontrai- novamente
dentro de um mês. Depois que os outros se foram, percebi como estava, ao mesmo
tempo, exausto e cheio de um sentimento expansivo e maravilhoso. Balancei a
cabeça, incrédulo. Essa era a última espécie de compartilhamento que podia
imaginar na vida. E, no entanto, lá estava eu, não agindo compulsi- vamente, e,
ativamente, aproximando-me de outros com quem podia compartilhar a percepção
que descobrira sobre minha dependência. Havia um sentimento caloroso ao
descobrir, experimentar e compartilhar um elo comum com essas três pessoas.
Ajoelhei-me, movido por uma imensa gratidão e um sentimento de compromisso
com o que acontecera nessa noite, e que mostrava ser
o começo da Irmandade dos Dependentes de Amor e Sexo Anônimos. “Meu
Deus”, disse, “nunca poderia pensar...escolhido...” (seguido de um profundo
suspiro). “Bem, meu Deus, se isto é realmente o que desejas que eu faça estou
pronto...” Ainda balançava a cabeça, incrédulo de que, logo eu dentre todos,
deveria me encontrar nessa posição. Parecia tão ridículo pela de minha vida
anterior, e tão estranho pela minha vida presente.
As reuniões dos Dependentes de Amor e Sexo Anônimos se tornaram mensal.
Logo descobri, contudo, que eu parecia desejai' mais reuniões que os outros. Ficou
sendo minha incumbência abordar e descobrir novas pessoas para freqüentá-las.
Entre as reuniões, mantinha-me ocupado ao telefone com Jill, Sandy e Jim,
tentando alimentar uni nível de compromisso do grupo que eu achava necessário
em relação à abstinência sexual.
Enquanto isso, outras áreas de minha vida continuavam a se desdobrar. Por um
lado, continuava a experimentar situações tentadoras que poderiam ter-me atraído
novamente para as areias movediças da dependência. Entre essas, houve uma
tentativa mais séria que dizia respeito à Sarah. A cronometragem do fato foi tão
coincidente a ponto de ser particularmente significativa. Kate estava para chegar
para uma visita de alguns dias, uma perspectiva pela qual eu ansiava. Fora muito
cuidadoso em evitar qualquer situação ambígua que pudesse reabrir uma conexão
com Sarah. No entanto,
o fato de que eu ia ver Kate depois de uma longa ausência me deixava
particularmente vulnerável a um encontro súbito, uma “coincidência” que já
experimentara repetidamente.
Na manhã do dia em que Kate ia chegar, o telefone tocou e eu me vi falando com
Nancy, a companheira de quarto de Sarah. Fiquei, instantanea-
mcnle, em estado de choque. Disse-me que estava preparando um espetáculo
leutral e gostaria de uma assistência com a música. O próprio diabo não poderia
ter criado uma situação mais tentadora! Não sóme oferecia a chance de um
reconhecimento musical, apelando, assim, para meu ego profissional, rumo
também Nancy era muito atraente. Podia racionalizar que era para a minha
carreira, enquanto “provaria” a Sarah como estava me saindo “bem” ■.cm ela,
flertando com sua companheira. Esses eram motivos poderosos, e essa tentação
em particular me parecia enervantemente atraente.
Tudo isso me passou pela cabeça em um segundo, e me descobri respondendo:
“não vou aceitar, está me parecendo um caminho de volta. Espero que esteja tudo
bem com você. Até logo”. E desliguei. Eu conseguira lidar com a situação, não
com muito tato. Ecomodoeu!
Mas não foi o fim do episódio. Naquela tarde, antes de pegar Kate, fui a uma
reunião do A.A., aonde não ia há anos, em obediência à minha escala allerada. Ao
entrar no grande salão de reunião, tive um sentimento de tensão, como se entrasse
em um campo de força, e levei um choque. Sarah eslava lá. Esperava que não
tivesse me visto. Sabia que se ficasse muito difícil deveria ir embora, mas fui
capaz de suportar o desconforto.
Ao terminar a reunião, virei-me para Jack, um conhecido que estava ao meu
Indo. Apesar de não gostar muito dele (andara fazendo algumas observações
desagradáveis durante o meu rompimento doloroso com Sarah), comecei uma
conversa com ele. Não me lembro de uma única palavra do que dissemos, mas
eslava aliviado com sua presença. Durante a conversa, podia ouvir as pessoas que
estavam atrás de mim indo embora, e esperava que Sarah também o fosse. Quando
finalmente acabamos a conversa, uns cinco minutos depois (ou foram
i inco anos?), fiquei aliviado ao ver que Sarah partira.
Com o duplo “soco” que levara (o telefonema de Nancy e o encontro com
Sarah), eu estava sombrio e em estado de choque ao encontrar-me com Kate.
Contei-lhe o que havia acontecido naquele dia, e os sentimentos de desejo, perda e
fome foram tão intensos quanto os que tivera nos primeiros quatro meses e meio,
mas passaram rápido. Eu estava aberto e fluente com Kate, e minha nova vida
estava viva e intacta.
No começo de fevereiro, senti-me preparado para pedir a Kate que se juntasse
a mim. Havia várias razões para que eu me sentisse pronto a isso.
Primeiro, fora capaz de me abster da compulsão de amor e sexo por mais de
quatro meses, o que não era muito tempo em termos absolutos. Entretanto, era o
tempo mais longo que estivera inativo em 15 anos, e a primeira vez que ficara
assim voluntariamente!
Segundo, esses quatro meses não tinham sido nenhum piquenique. Os testes à
minha integridade e com relação à minha abstinência tinham sido incessan tes. Eu
atravessara tudo isso e ficara com os sentidos mais desenvolvidos, li ve
tenacidade e profundidade em relação a minha doença. Tinha também mais
percepção das qualidades positivas e redentoras da abstinência, e alguma com-
preensão sobre a natureza e a manifestação da dependência em minha vida.
Terceiro, havia ultrapassado o ponto de achar que a solidão era apenas uma
privação, e estava bem. Aprendera a cozinhar, a lavar minha roupa, a manter o
apartamento. Fizera várias coisas em que sempre dependera dos outros. Aprendera
a sentir um prazer real com minhas habilidades em cuidar de mim.
Quarto, minha solidão se tomara preciosa. Com a ajuda da psicoterapia,
adquirira uma boa dose de compreensão sobre o meu eu como indivíduo, não
apenas como parte de um relacionamento. E, mais importante, desenvolvera uma
visão de inteireza pessoal dentro da qual eu me sentia capaz de crescer.
Quinto, não procurara reatar com Kate por desespero, o que era uma des-
coberta surpreendente para mim, e que havia se tornado evidente com minha
reação ao saber que Kate se envolvera com outra pessoa enquanto estávamos
separados. Quando ela inicialmente me falou sobre isso, senti ciúmes e ansiedade.
Surpreendentemente, contudo, esses sentimentos passaram rápido. Estava tão
envolvido com meu próprio processo de recuperação que tive uma aceitação
completa da possibilidade dela poder se envolver com outra pessoa. Sabia que me
sentia digno e proveitoso. Se Kate não ficasse comigo, não seria
o fim para mim. Podia ter minha própria vida, e esta seria boa. Essas convicções
penetraram em mim tão fundo, que nem lhe perguntei qual era realmente a
situação com esse homem. Simplesmente, não me ocorreu perguntar.
Sexto, ao tentar uma reconciliação com Kate, senti que estaria renunciando à
experiência de viver sozinho, com toda sua riqueza interna que eu olhava, agora,
como uma companheira diária. Minha experiência sozinho fora um oásis
contemplativo da minha vida. Sabia que sentiria falta disso quando terminasse.
Sétimo, finalmente, sentia que não estava “acabado” com Kate. Compreendia
que, já que nunca estivera emocionalmente disponível em uma base consistente
em nosso relacionamento, não saberia se poderia funcionar ou não. Isso também
significava que o “sucesso” de voltarmos a viver juntos não seria medido pelo fato
de realmente permanecermos juntos. A única medida para o “sucesso”,
considerando-se meu passado, era a de que eu estava realmente presente no
relacionamento, sem as distrações compulsivas. Se voltássemos a viver juntos, eu
poderia descobrir o que havia e o que não havia. Se éramos ou não compatíveis,
sabia que seria capaz de cortar a relação sem arrependimento, e sem agonia na
resolução e sem culpa em pensar sobre “como as coisas poderiam ter sido
diferentes se eu tivesse me esforçado mais”. Havia algo entre Kate e eu, sentia que
podia trabalhar isso. Para mim, o “sucesso” dependeria da minha habilidade em
estar emocionalmente “disponível” para ela e para mim numa base consistente.
Iisscs sete pontos poderiam ser resumidos de forma simples: no processo
i Ia si >1 idão passando pela abstinência, eu descobrira, pela primeira vez na vida,
0 sentido de minha própria dignidade. A vida era minha, dada a mim divina-
menle, tal como eu era. Eu não precisava mais considerar outra pessoa respon-
siivel por ela, ou pela falha de não ter me dado esse sentido de dignidade.
Kate concordou em voltar para mim. Ela, também, atravessara um proces- M i
de reavaliação, e quisera descobrir por si mesma se tínhamos uma chance.
('oncordamos que o faríamos no princípio de maio.
Com cerca de dois meses e meio ainda de separação pela frente, eu linha muito
que fazer, procurar um novo apartamento, tratar de problemas de dinheiro e outros
problemas práticos. Contudo, minhas grandes preocupa- çoescram: podia eu
continuar “sóbrio”, sem agir compulsi vãmente, não me
1 nvolvendo em comportamentos sexuais ou emocionais? Poderia manter a
inteireza de meu ego? Refletia e me preocupava. Minha recuperação havia
nnninhado o bastante?
Continuava tentando reforçar minha sobriedade com esforços persistentes para
encontrar novas pessoas para o grupo do D.A.S.A. (S.L.A.A.).
I istava ficando mais ansioso sobre isso porque dois dos componentes originais
estavam afastando-se, e o terceiro comparecia esporadicamente, finalmente
afastando-se também. Consegui encorajar algumas pessoas, as quais, pelos
padrões de compulsão, parecia-me óbvio que compareceriam. Mas, ou eslava
enganado, ou a consciência de sua verdadeira condição lhes escapava, porque não
passavam de uma ou duas reuniões.
Até onde sabia, a “recuperação” não havia se processado em qualquer oulra
pessoa que tivesse visto nas reuniões do D.A.S.A. (S.L.A.A.). O fato de haver
chegado ao fundo do poço, admitido minha derrota, passado pela abstinência e
superado essa compulsão (se bem que muito importante pessoalmente),
significaria realmente pouco se a experiência não fosse duplicada por outros.
Apesar do partilhar ter sido catártico para várias pessoas, toda a abordagem sobre
o comportamento sexual/emocional ser uma compulsão, ainda era em grande parte
uma teoria abstrata a menos que outros usassem esse parâmetro para descobrirem
a recuperação. Mesmo assim, eu me cada vez mais forte tanto em insiglit como em
equilíbrio de comportamento ao continuar a partilhar minhas experiências antes e
depois da recuperação com outros, mesmo que esses não fossem receptivos.
Vez ou outra uma nova pessoa comparecia a uma reunião em meio a uma crise
intensa, como por exemplo, o término de um caso “amoroso”. Tal pessoa parecia
extremamente receptiva ao ouvir sobre a dinâmica da compulsão enquanto ele ou
ela estivesse sentindo a dor imediata de tal situação. Um recém-chegado nessa
fase, reconhecia muitas vezes outras situações em sua vida que obedeciam ao
padrão obsessivo/compulsivo do problema atual,
e inevitavelmente, experimentava algum alívio por meio desse compar-
tilhamento inicial.
Entretanto, quando a dor começava a diminuir, os recém-chegados esqueciam
que haviam tido um padrão anterior de circunstâncias idêntico ao atual. Mais uma
vez começavam a culpar seu sofrimento presente à má sorte, ou a uma escolha
infeliz, ou culpavam o “outro”. Era como se nunca tivessem olhado esses
acontecimentos sob outro ângulo. Muitas vezes, com um padrão de vida que me
parecia ter sido tão sombrio quanto o meu, a pessoa perdia simplesmente a
percepção consciente assim que a crise atual era superada. Isso acontecia apesar da
percepção e o enfoque da reunião do D.A.S.A. (S.L.A.A.) ser forte e consistente.
A concepção do grupo parecia pouco atraente e desagradável ao novo membro.
Isto deixava-os prontos para repetir o padrão de autodestruição.
A medida que se aproximava a vinda de Kate para casa, eu me sentia cada vez
mais estressado. Fiquei com hipertensão, mas grato ao saber que podia controlá-la
com a meditação.
Kate e minha filha chegaram no dia 3 de maio. Eu estava terrivelmente apre-
ensivo. Procurara outro apartamento por dois meses e nada conseguira. Sabia que
a volta de Kate era “para valer”. Sentia-me inseguro - exatamente o tipo de
sentimento que sempre afogara com indulgências sexuais e casos emocionais.
Por dois meses durante a fase de retorno de Kate, eu estivera abordando um
homem chamado Dave. Ele ainda estava casado e parecia se importar
profundamente com a mulher, mas tinha um padrão de promiscuidade que o
levava a estabelecimentos pornôs e envolvimentos sexuais com outros homens,
que ele dizia ajudá-lo a evitar armadilhas emocionais femininas. Sua idéia era
obter esquecimento sexual sem complicações emocionais.
A preferência sexual de Dave não me dizia respeito, mas seu padrão
compulsivo, sim. Lembro-me de um passeio em um parque em que contei a Dave
a minha história. Dave começou a me ouvir perfeitamente composto e terminou,
chorando. Ele realmente se identificou com o que estava tentando compartilhar
com ele. Fiquei muito animado. Talvez ali estivesse alguém capaz de admitir a
derrota. Começamos a ter reuniões a cada duas semanas e, por cerca de um mês,
Dave parecia estar fazendo progressos.
Começou, então, um processo que já havia testemunhado várias vezes com os
outros. Ia às reuniões no intervalo de um encontro sexual e outro. Ao invés de
desenvolver sua percepção, parecia estar usando as reuniões apenas como um
lugar onde se gabar de suas proezas sexuais. Desejava às vezes não ter me tornado
consciente nessa área e poder “gozar” com as curtas aventuras que eram o objetivo
principal de sua vida. Finalmente, questionei-o do por de estar freqüentando as
reuniões. Expliquei-lhe que o propósito delas era aumentar a consciência de sua
compulsão e de como se aplicavam os componentes sexuais e emocionais de sua
vida. Lembrei-
lhe iis lágrimas de identificação e o óbvio sofr.imento emocional em que eslivera
quando nos encontramos pela primeira vez. Observei que o Dave i|iie via agora era
muito diferente do Dave desesperado que conhecera a oilo semanas.
()uvindo minhas observações e minha declaração sobre o propósito do
"grupo”, ficou muito zangado e retirou-se, sem mais voltar. Eu me senti culpado.
Aparentemente, eu o enxotara, e agora não tinha mais ninguém com quem
partilhar. Estava de volta ao primeiro degrau com o grupo de compulsão de amor e
sexo. Senti-me muito triste e solitário. Sabia que tinha que ter lomado uma atitude
com Dave, mas fazia-me falta o companheirismo do Início da associação.
No começo de julho, na saída da reunião do A. A., comecei a caminhar em
direção ao metrô quando fui inesperadamente abordado por Jack, o mesmo de
quem não gostava muito na época de Sarah e o mesmo a quem recorrera quando
inesperadamente dera com Sarah numa reunião do A.A.
Perguntei-lhe, enquanto caminhávamos, o que queria. Disse-lhe que não
confiava, nem gostava dele - pois sempre parecia disposto a me agredir. Ele disse-
me que sempre me respeitara como alguém que não se deixava simplesmente
arrastar pela adversidade e que suas “agressões”, possivelmente reais, não tinham
sido deliberadas. Observou que, fora aquela reunião, não me via há muito tempo.
Queria saber o que estava acontecendo comigo e seu lom era amigável.
Resolvi me abrir com ele. Apesar de ainda marcar reuniões do D.A.S.A.
(S.L.A.A.), havia semanas em que ninguém comparecia. Dave se fora e eu estava
bastante solitário e desencorajado. Quem era eu para ser exigente ao compartilhar
minha história com alguém?
Paramos junto à entrada do Metrô, apoiados num muro e contei a Jack a minha
história. Ele ouvira muito sobre os meus deslizes com Sarah, apesar de não
entender bem o sentido daquilo. Falei a esse respeito dentro do contexto do meu
padrão de vida, falando de outros relacionamentos para mostrar-lhe como
funcionava a compulsão. Terminei com uma explicação cuidadosa sobre a
abstinência: porque fora necessário que eu me afastasse, como me sentira com o
processo e o que sentia agora que estava frutificando. Falei sobre ter (ido uma
chance de escolha em relação à minha vida sexual e emocional, livre da
dependência devoradora e do desespero. Mencionei que estava vivendo
novamente com Kate e que estávamos tentando trabalhar um relacionamento,
agora que eu estava livre da compulsão. Também mencionei os Dependentes de
Amor e Sexo Anônimos, dizendo-lhe onde e quando havia reuniões.
Ao terminar, não tinha a menor idéia de como ele reagiria a tudo isso. Seu
rosto estava inexpressivo. Mencionara algo sobre ter acabado de atravessar um
período difícil com a namorada de longo tempo, mas não pude perceber
se o que eu dissera era relevante, e ele não deu nenhuma demonstração. Eu contara
a minha história porque basicamente isso me estimulava e mantinha a minha
percepção alerta. Despedimo-nos cordialmente.
Na noite da reunião seguinte, vários dias depois, a campainha locou: era Jack.
Havia dois de nós para a reunião naquela noite.
Acontece que Jack terminara ou estava tentando terminar um relacionamento
compulsivo. Sua amante começara a ter relações com outros. Compreendendo o
quão desesperadamente tinha sido dependente dela durante quatro anos, estava
procurando um refúgio para seu problema entregando- se a um tumulto sexual. Era
incapaz de dormir sozinho, e não fora capaz de afastar-se da amante. Sentia-se
impotente.
Jack ficou chocado com as implicações da abstinência, que lhe expliquei
tratar-se de um período de completa abstinência sexual para deixar o corpo
reciclar-se (algo que ele achava impossível de acontecer). Não queria saber disso.
Foi taxativo sobre não ser capaz de “desistir de sexo”. Sabia porque precisava
dele; era um sedativo para amenizar a horrenda situação emocional em que estava.
Não podia imaginar-se parado. Deixamos as coisas ficarem nesse pé. Certamente
eu não iria tentar forçá-lo, tentei apenas convencê- lo a continuar a encarar suas
próprias experiências e refletir sobre as opções.
Meus esforços iniciais com Jack não foram realmente diferentes, em caráter,
dos que tentara com os outros. Houve, contudo, uma diferença: Jack continuava a
temer ser arrastado de volta ao seu pesadelo. E também, apesar de continuar a ter
relações sexuais promíscuas, muitas vezes encaixando uma visita a antiga amante
à outras intrigas sexuais para se alimentar emocionalmente dela, estava
progressivamente, diminuindo a tentativa de sexualizar seus sentimentos por ela
com outras. No final de agosto, ele estabeleceu uma maratona de sexo com
mulheres em Massachusetts. Isso ainda era uma contenção externa, mas um passo
na direção correta. Claro, Jack era caixeiro viajante, e passava a maior parte do
tempo fora do estado. O humor de sua brava tentativa para se abster não nos
escapou.
Em meados de setembro, algumas mudanças importantes estavam acontecendo
em minha vida. Primeiro, Kate e eu tínhamos encontrado sérios obstáculos
emocionais em nossa reconciliação. Estávamos brigando muito. As coisas entre
nós eram torturantes. Eu achava que não queria manter o relacionamento,
considerando-se a raiva que estava experimentando, mas também não confiava na
parte de mim que queria terminar. Como podia ter certeza de que esses
sentimentos não provinham da própria compulsão? Se esses sentimentos eram
suspeitos, a alternativa de ficar não era menor. Como podia estar seguro de que
meu desejo de ficar não era meramente outro capítulo doentio para perpetuar uma
dependência estável, mas miserável, ou o desejo desesperado por segurança
emocional a qualquer preço?
Num estado de espírito sombrio, torturava-me muitas vezes com perguntas como
essas.
Cheio de expectativas não testadas sobre o que seria uma “sociedade” com
Kate, eu ansiava por um papel heróico em casa e por uma satisfação sexual
instantânea à minha disposição. Infelizmente para o adicto que havia em mim, um
verdadeiro relacionamento não é construído com fantasias ou expectativas
heróicas, ou na disponibilidade de sexo. Tentando um relacionamento com Kate
pela primeira vez, eu claramente nada sabia sobre isso. Estava aprendendo que o
estresse da reconciliação era igual o da separação.
Assim, em setembro, decidimos procurar um conselheiro matrimonial. Mais
uma vez eu procurava uma forma de responder à pergunta perturbadora: “Quero
ou não continuar?”
Quando as brigas eram violentas, eu sentia que todo o meu relacionamento
com Kate, desde a época do meu alcoolismo ativo e mediante a minha compulsão
ativa de sexo e “amor”, devia ter sido demasiadamente enraizado na doença, e
estava agora irremediavelmente deformado. Eu imaginava se haveria algo
saudável nele. O passado parecia tão condenador e, naquela época, eu não
suspeitava que fatos importantes como a confiança, intimidade, compromisso,
expectativas, cuidados com a criança, outra gravidez e atitudes com relação à
sexualidade seriam todos repassados em detalhes na nossa reconciliação enquanto
trilhávamos o caminho de uma maior comunicação, compreensão e cooperação.
Naquela época, também comecei um programa da faculdade que me obrigava
a residir por duas semanas no campus a cada seis meses, além de rigorosos estudos
independentes. Tendo abandonado a faculdade em uma névoa alcoólica alguns
anos antes, com votos de nunca mais voltar, isso me parecia um verdadeiro jogo.
Assim, essas mudanças, nossas sérias dificuldades emocionais e o começo da
faculdade, vieram ao mesmo tempo.
Minha experiência na escola se revelou extraordinária. Essa instituição
devotava-se a ajudar os estudantes no planejamento e na execução de projetos
independentes de estudo. A tentação de intrigas sexuais e românticas ali eram tão
sérias que achei necessário planejar meu estudo em torno do conceito da
compulsão de amor e sexo, pesquisá-los, ler extensivamente sobre campos
paralelos e escrever o que pudesse sobre o assunto. Em que extensão podiam os
modelos de abuso em substância serem aplicados a áreas não substanciais? Já
conhecia a resposta à questão sobre amor e sexo (dependência emocional), mas a
oportunidade de estudar formalmente toda essa área parecia uma dádiva para mim.
O resultado mais prático ao começar esse estudo foi o de que meu interesse por
esse tópico pouco usual tornou-se de conhecimento público da faculdade. Esta
publicidade (ou notoriedade) teve o efeito de me prover com um forte obstáculo
externo para agir de forma
compulsiva na escola. Se eu estava descrevendo a compulsão de amor e sexo em
termos das duras conseqüências que daí resultam usando as minhas próprias
experiências como exemplo, não faria muito sentido pular em alguma cama ou
galopar até o poente com alguém. Seria preferível me enforcar. Assim, o estudo
dessa área ajudou-me a me manter sóbrio na escola, e aprofundou meu
compromisso com essa oportunidade em minha vida. Cheguei em casa cheio de
dedicação e revitalizado.
Durante as minhas duas semanas de ausência, não havia ocorrido qualquer
reunião do D.A.S.A. (S.L.A.A.). Claramente, as reuniões não estavam sequer
perto de ficarem auto-suficientes. Na volta, entrei em contato com Jack e alguns
outros, e as reuniões recomeçaram, ainda a cada duas semanas. Por essa época,
Jack finalmente parecia ter “jogado a toalha”. Alguns encontros fora do estado
haviam-no esclarecido comó não tinha o menor controle sobre a sua vida sexual.
Ele viu que não tinha a menor idéia do que seria uma relação saudável com
alguém. Alugara um quarto numa cidade vizinha, arranjara um telefone fora da
lista e estava longe de qualquer ponto de ônibus. Havia chegado ao fundo do poço
e estava disponível para a abstinência, da qual não estava fugindo.
Esta mudança foi muito animadora. Aumentou a minha apreciação sobre o que
eu havia passado. Mal podia acreditar, observando Jack, que mais alguém estava
passando por isso. E, naturalmente, de certa forma não podia acreditar pelo que eu
mesmo havia passado e conseguido ultrapassar.
A abstinência e recuperação de Jack, que começaram em outubro de
1977, significaram outro marco importante no desenvolvimento do D.A.S.A.
(S.L. A. A.), que vinha prosseguindo de reunião em reunião desde o final de
dezembro de 1976. Estava claro agora que o conceito de compulsão podia ser
usado por outros para tratar do comportamento obsessivo e compulsivo sexual e
emocional. Minha própria recuperação não era mais um acontecimento
idiossincrático e isolado. Outros iriam ter as suas próprias experiências
transformadoras, de igual significado às minhas.
Ao sumariai- minha própria história compulsiva e o início da formação do
D.A.S.A. (S.L.A.A.), inclusive a formação do primeiro grupo regulai' (30 de de-
zembro de 1976), posso relatar que o subseqüente crescimento e desenvolvimento
do D.A.S.A. (S.L.A.A.), têm sido uma aventura maravilhosa e comovente.
A lição desse começo de história é para nós Dependentes de Amor e Sexo,
terrivelmente difícil adquirir e manter a consciência nessas áreas. Questionar
nossas atitudes e comportamentos no que concerne à sexualidade e a dependência
emocional é uma atitude básica para o questionamento do próprio terreno em que
pisamos - nossa identidade total como seres humanos. O conjunto de nossas
pressuposições sobre o mundo e de nosso papel nele, tiveram que ser aprumados
nesse processo, mas isso foi necessário para nos tornar capazes para uma nova
vida.
A Irmandade dos Dependentes de Amor e Sexo Anônimos tem crescido
lentamente, devido, em grande parte, à dificuldade de conseguir e manter a
percepção e a aceitação dessa dependência. O número de nossos membros têm
dobrado a cada ano. Ao final do primeiro ano de reuniões do D.A.S.A. (S.L.A.A.).
éramos essencialmente dois membros, apesar de um total aproximado de 15
pessoas terem comparecido a uma ou outra reunião durante o ano. No final de dois
anos, éramos quatro resistentes, dos 35 a 40 que haviam comparecido. Com três
anos, este número dobrou para sete a oito pessoas, dos 80 que haviam passado
pelas reuniões. Aos quatro anos, podíamos contar aproximadamente com 15 pesso-
as em fases variadas de recuperação, das cerca de 130 que nos haviam procurado.
Outra forma de ver o nosso crescimento é a de que, se no início havia uma
reunião mensal, no oitavo ano cresceram para nove reuniões por semana na região
de Boston, assim como numerosos grupos surgiram nas regiões de São Diego e na
Baía de São Francisco e em várias outras cidades dos EUA. Reuniões do D.A.S.A.
(S.L.A. A.) começaram também na Europa.
Nosso crescimento deu-se basicamente pela transmissão oral àqueles
indivíduos com quem tínhamos contato pessoal e que pareciam ter problemas com
essa compulsão. Mesmo assim, ao espalhar-se a notícia sobre a existência do
D.A.S.A. (S.L.A.A.), fomos procurados para eventos na imprensa e por
profissionais em diversas ocasiões, o que teria trazido considerável publicidade
para a Irmandade. Temos considerado com grande precaução, as oportunidades de
levar nossa mensagem diante de um público maior e evitamos, geralmente, fazê-lo
preocupados, se tal publicidade possa ser sujeita aos preconceitos editoriais de
outros, e levar-nos a um verdadeiro cerco de indagações que partem de pessoas
cujas intenções sejam outra que não a de procurar a recuperação da dependência.
Nossa organização é composta de um grupo diversificado de indivíduos, de
proveniência social, econômica e étnica amplamente variada. Temos também uma
ampla aceitação quanto às preferências com relação ao sexo de nossos
companheiros assim como das práticas sexuais. E, felizmente, descobrimos que o
sofrimento pela compulsão de amor e sexo, em nossas experiências de vida
individualmente partilhadas, é um veículo comum que anula a significação dessas
preferências sexuais que tão comumente servem para dividir pessoas fora do
D.A.S.A. (S.L.A. A.).
Em termos do que seja recuperação, pelo menos tudo o que se tem escrito até
agora poderia sê-lo de qualquer recuperação dentro do D.A.S.A. (S.L.A.A.). Eis
aqui alguns aspectos da minha recuperação e da de outros:
Primeiro, não tive que agir compulsivamente desde que comecei a recu perar-me
há vários anos, o que significa que tenho estado completamente
livre durante esse período do fundo de poço do sexo obsessivo/compulsivo ou de
casos emocionais. Essa sobriedade foi atingida mediante muitas tentativas e dores
de crescimento, assim como também de períodos de relativa tranqüilidade.
Considerando minhas histórias compulsivas, posso apenas usar a palavra
“milagre” para expressar a significação desse fato singular.
As experiências partilhadas até aqui foram aquelas dos dependentes. Mas havia
outras pessoas aprisionadas no ciclo da dependência: aquelas que mantinham
relacionamentos com os dependentes de amor e sexo. Embora seja freqüentemente
verdade que “os semelhantes se atraem”, que as duas pessoas que faziam parte do
relacionamento eram na verdade dependentes de amor e sexo, nem sempre era
assim. Nós, que também fomos vítimas dessa doença sem “contraí-la”, temos
nossas próprias histórias e batalhas para contar, antes e depois da recuperação do
dependente. Talvez você não tenha que sofrer o quanto sofremos e possa encontrar
a esperança para uma vida resgatada, com ou sem o seu parceiro dependente.
A primeira pergunta que lhe virá à mente será, provavelmente, “Como posso
ter tanta certeza de que também não sou um dependente de amor e sexo?”. Essa
pergunta colocou um verdadeiro problema para alguns de nós. O dependente não é
a única pessoa que se excita com a fantasia de sexo ilícito e a descoberta ou a
suspeita das atividades de nossos parceiros dependentes. Esse comportamento
justifica nossas próprias aventuras, fossem elas motivadas por vingança ou pela
duvidosa racionalização “Já que não posso vencer o inimigo, vou juntar-me a ele”.
A diferença para nós era que o preço que pagávamos era interior; o preço pago
pelo dependente era extorquido daqueles que o rodeavam. O dependente parecia
estar satisfeito enquanto houvesse amantes disponíveis e inconscientes de estarem
partilhando os favores do dependente. Para nós, os mesmos acontecimentos nos
deixavam insatisfeitos e envergonhados. Pode ser que os tenhamos perdido de
vista durante algum tempo, mas tínhamos valores e objetivos conscientes na vida,
como comprovam os comentários selecionados a seguir.
“Tive alguns casos românticos intensos e de curta duração, antes de conhecer
R.A. palavra “casos” talvez seja leve demais, porque levei esses relacionamentos
muito a sério naquela época e, enquanto durou cada um, acalentei esperanças de
me casar. Eu sempre quis a segurança do casamento e de uma família, tanto quanto
possa me lembrar; assim, não era realmente da
minha natureza brincar por aí levianamente. Manter relacionamentos com mais
de um homem de cada vez era algo intolerável e impossível para mim.” “Minha
religião havia feito com que eu acreditasse que me casaria e seria fiel. Eu sabia que
havia muita malandragem na maioria dos casamentos, mas supunha simplesmente
que, se nos amássemos e não brigássemos muito, isso não aconteceria conosco.”
“Depois de uma experiência infeliz com J., eu simplesmente não tive vontade,
durante algum tempo, de assumir o risco de marcar encontros e me apaixonar
novamente. Não saí absolutamente com ninguém durante dois anos. Minha vida
era suficientemente preenchida pelo meu trabalho, pela convivência com meus
sobrinhos e pela ajuda prestada a meus pais, cuja saúde não era das melhores.”
“G. não conseguiu manter a promessa de se manter fiel e, portanto eu fui
embora. Ainda tinha esperança de que pudéssemos voltar a viver juntos, mas eu
simplesmente não poderia viver sem confiar no meu parceiro.” Tínhamos um certo
sentimento de valor, mas isso não era algo que interessasse ao dependente. Não
obstante, descobrimos muitas formas de racionalizar o comportamento de nossos
parceiros dependentes e experimentamos uma progressão semelhante da doença
que ameaçava nos destruir. A história a seguir é de Kate. Esperamos que você
compreenda e encontre esperança nessa experiência: uma moeda de ouro,
estilhaçada e depois recomposta.
“Nasci em uma família de bom tamanho e meus pais nos amavam e cuidavam
de nós o melhor que podiam. Morávamos em uma boa casa e estudamos em boas
escolas. No entanto, apesar de tudo, lembro-me de me sentir inadequada, insegura
e um pouco esquisita. Alguma parte de mim mesma parecia ser detestável, apenas
por ser eu mesma e, assim, tentei compensá-la sendo generosa, leniente,
compreensiva, modesta e aparentemente altruísta. Embora isso me angariasse
muitos amigos na escola, essa estratégia foi mais tarde a minha destruição. Eu me
achava uma boa avaliadora do caráter das pessoas e que, se me esforçasse o
suficiente para descobrir e atender às necessidades ocultas dos outros, eu seria
indispensável. Paradoxalmente, juntamente com essa capacidade de entender as
pessoas, desenvolvi também a habilidade de reprimir sentimentos desagradáveis.
Enquanto a pessoa com quem eu estava fosse feliz, eu também era feliz, por
definição, e o mesmo se aplicava à tristeza. O cenário estava perfeitamente
montado para que eu me apaixonasse por alguém que precisasse muito de mim,
mas que, devido aos seus próprios problemas, não me devolveria muita coisa em
bases consistentes.
Quando conheci Rich, eu ainda estava me recuperando de dois relacio-
namentos anteriores e havia parado de estudar. Dividia um apartamento com uma
amiga e me sustentava com o que ganhava em um emprego temporário num bar e
restaurante local. Rich freqüentava regularmente o restaurante,
com alguns amigos de bebida. Apesar de ostentar uma aparência de segurança,
eu era tímida e nunca teria me permitido ser abordada por um cliente. Mas Rich
tinha algo de especial. Sua abordagem delicada conquistou minha confiança, certa
tarde em que ele veio sozinho tomar uma cerveja.
Começamos a sair juntos, inicialmente em bases muito casuais, e não demorou
muito para que eu descobrisse que Rich também saía com uma garota com a qual
estivera envolvido durante muito tempo. Eu também tinha um “velho amigo de
escola” em outra cidade, com o qual me encontrava de ve/. em quando, mas o meu
relacionamento com Rich não parecia entrar em conflito com aquilo. Analisando
as coisas agora, Rich já mostrava sinais de sua natureza dependente, mas, no
íntimo, eu preferi ignorar os sinais de advertência intuitivos.
Poucos meses depois, começamos a dormir juntos e nossos “outros”
relacionamentos terminaram. Lembro-me de pensar como Rich era atraente e
experiente com as mulheres. Eu queria ser a perfeita contrapartida sensual daquela
natureza lasciva. A percepção que eu tinha da minha própria natureza sexual
limitava-se a agradar o meu homem e convencê-lo de que ele também estava me
agradando, mesmo que eu tivesse que fingir.
Aqueles primeiros anos do nosso relacionamento não foram fáceis para
nenhum de nós, embora tivéssemos nossos momentos românticos com muito
vinho e música. Decidi estudar na mesma escola que Rich estava freqüentando e,
assim, esquiávamos, velejávamos e “matávamos” aulas juntos. E tínhamos nossas
brigas. Os problemas se reduziam invariavelmente a uma só coisa: eu queria mais
tempo e um envolvimento maior por parle de Rich. Não tinha a mínima idéia de
estar pedindo a única coisa que ele não podia me dar. Passávamos juntos
momentos de absoluta intimidade e, de repente, ele me parecia totalmente
distante, como se nem me conhecesse. Rich faltava freqüentemente aos encontros
marcados e nem mesmo me telefonava para explicar. As promessas quebradas
eram remendadas com todo tipo de desculpas, algumas mais honestas que as
outras. Eu sempre o acolhia de volta porque o amava e queria desesperadamente
acreditar em suas intenções, mesmo que elas não fossem consistentes com suas
ações. Eu sabia que havia algo de errado conosco, mas racionalizava que todos os
casais atravessam esse tipo de problemas, que é verdade até certo ponto. Dizia a
mim mesma que Rich era um espírito independente e que eu tinha que ser menos
possessiva e “manter os braços abertos”.
Naquela época, Rich estava tentando ganhar a vida como músico e era eu que
pagava a maior parte das contas. Morei com muitas companheiras de apartamento
e Rich passava cada vez mais noites comigo e menos noites em seu apartamento.
Eu sabia que, sendo um músico, ele tinha amplo acesso a mulheres e bebidas, mas
preferi me concentrar no romance de sustentar um
“artista pobre”, tanto financeiro quanto emocionalmente. “Além disso, eu pensava,
outras mulheres em uma situação semelhante não seriam tão compreensivas e
generosas quanto eu.” Eu adorava ser necessária e achava que, preenchendo essa
necessidade, estaríamos ligados pelo resto da vida.
Quanto mais eu investia no relacionamento, mesmo prejudicando-me emo-
cionalmente vez por outra, mais eu queria receber e menos disposta me sentia a até
mesmo pensar em rompê-lo, apesar das inconsistências gritantes. Certa vez, numa
época em que nosso relacionamento estava especialmente difícil, obriguei Rich a
confessar que havia dormido recentemente com outras duas mulheres. Perante o
fato real, em substituição às minhas eternas suspeitas, obriguei-me a agir e fugi
para um outro estado do país, para buscar consolo junto a um antigo namorado.
Não deixei propositalmente nenhuma indicação sobre o meu paradeiro, na
esperança de que Rich ficasse mortificado e temeroso de me perder. Passei três
dias com o antigo namorado, dormindo com ele por rancor e necessidade
emocional. Quando voltei para casa, encontrei bilhetes de Rich repletos de pedidos
de desculpas e afirmações de que ele me queria desesperadamente de volta. Fiquei
extasiada - a coisa tinha funcionado!
Durante muito tempo, conservei um dos bilhetes para lembrar a mim mesma
que tinha algum poder quanto ao relacionamento, mas logo recaímos nos nossos
velhos padrões. A única diferença foi que Rich não assumiu mais o risco de ser tão
franco comigo. Ao longo dos anos, tivemos outras cenas que ocasionaram
repetidamente os mesmos sentimentos. Nunca mais adotei a tática de dormir com
outro homem, mas flertava de vez em quando e queria, com todo meu coração, ter
a coragem de encerrar meu relacionamento com Rich. De vez em quando,
achávamos que estava acabado e não nos encontrávamos durante alguns dias,
apenas para sermos novamente arrastados pela nossa carência mútua. De forma
um tanto assustadora, éramos ambos terrivelmente fracos.
Certo dia de inverno, Rich arranjou o Wvm Alcoólicos Anônimos e resolveu
fazer alguma coisa em relação à bebida. Embora qualquer pessoa com olho clínico
pudesse ver que o modo dele beber era nitidamente alcoólico, eu me senti muito
ameaçada por essa admissão. De certa forma, parecia o mesmo que admitir
publicamente um demônio privado: o que iriam pensar a minha família e as outras
pessoas? Eventualmente, a sensação de alívio prevaleceu sobre o medo, mas logo
foi substituída pelo ciúme que eu sentia em relação ao tempo que ele passava nas
reuniões dos A.A. Comecei então a freqüentar as reuniões junto com Rich e fiquei
desarmada pela honestidade, o poder de exemplo e a surpreendente coragem
daquelas pessoas. Percebi que a influência sobre Rich seria boa e que nossa vida
em comum seria salva. Se era o alcoolismo que constituía a raiz de grande parte
dos nossos problemas, manter-se sóbrio através do A.A. só poderia resultar no
bem para o futuro.
A sobriedade de Rich teve indiscutivelmente uma influência profunda e
positiva sobre ele, mas também eliminou a desculpa que eu vinha usando para
muitas das nossas brigas. As brigas e o afastamento emocional não foram
eliminados pela sobriedade de Rich e eu comecei a perceber que a abstinência, em
si mesma, não iria fornecer todas as respostas.
Naquele verão, viajamos juntos para o Colorado e tivemos maravilhosas
aventuras. Esses momentos só foram interrompidos pelos episódios de “ansiedade
de viagem” de Rich, que mais tarde descobri serem na verdade resultantes do
acesso que lhe era negado a algumas das amigas que haviam ficado para trás.
Fomos morar em um pequeno apartamento, quando voltamos, e as coisas
passaram de mal para pior. Comecei a trabalhar para um homem atraente 15 anos
mais velho que eu; desenvolvi rapidamente uma “paixonite” de adolescente por
ele e fiquei surpresa ao descobrir que o sentimento era mútuo. Eu me sentia
respeitada, atraente, espirituosa, inteligente e plenamente valorizada, quando
estava com ele. Era como se alguém me oferecesse água depois que atravessei o
deserto. Entrei em um tremendo conflito pessoal e contei a Rich o que sentia por
aquele homem. Rich ficou muito aborrecido e propôs esforçar-se mais para me dar
amor e carinho, ao invés das críticas e da hostilidade que haviam se tornado a
dieta diária. Fiquei tão comovida com a oferta que decidi tentar reduzir meus
sentimentos negativos e dar outra oportunidade a Rich e a mim mesma.
Minha decisão não durou muito. No entanto, uma vez que Jim não estava
disposto a desistir facilmente de mim e que eu descobri que não conseguia deixá-
lo de lado. Ele afirmou que precisava de mim, que eu era “a única luz em sua
vida” (Jim havia se divorciado recentemente) e que iria esperar para dormir
comigo até que eu me libertasse de Rich. Meu emprego era do tipo que permitia-
nos estruturar nosso tempo entre as reuniões profissionais e, assim, passávamos os
dias cada vez mais nos divertindo e cada vez menos trabalhando. Duas semanas
desse regime culminaram em uma noite passada com ele, que me convenceu da
necessidade de tomar uma decisão. Eu estava começando a me sentir
esquizofrênica com minhas duas vidas e meus dois amores e sabia que não
conseguiria agüentar mais aquilo. Cheguei em casa chorando, naquela noite, e
contei a Rich que estava me apaixonando por Jim e não podia mais ficar agarrada
aos escombros do nosso relacionamento, que não eslava indo a parte alguma.
Eu achava que Rich ficaria aliviado por dispor finalmente da liberdade pela
qual ansiava. No entanto, ele pareceu ficar atordoado e foi meio entorpecido para
uma reunião do A.A. Quando voltou, conversamos mais um pouco e ele pediu que
me casasse com ele. Era o que eu queria havia muito tempo, mas tive dúvidas
sobre a sinceridade daquela oferta, em vista das circunstâncias. No entanto, depois
de quatro anos de relacionamento tem
pestuoso, oito meses de sobriedade e muitos prejuízos emocionais, eu tinha
finalmente o “meu homem” e, conseqüentemente, concordei.
Tomada a decisão, não víamos nenhuma razão para um longo noivado e
planejamos nos casar no mês seguinte. Estranhamente, Rich se mostrou em paz
consigo mesmo e dedicado de uma forma que eu nunca observara antes, durante o
mês que antecedeu o casamento. Por outro lado, tendo contado nossos planos a
Jim, enfrentei dias de apreensão e sentimentos confusos que me forçaram a
duvidar que aquele casamento fosse o que eu realmente queria. Mas o avassalador
desejo de ser casada e o meu eterno otimismo venceram as incômodas dúvidas.
Tivemos um casamento simples, seguido por uma recepção agradável e um
longo fim de semana numa cabana em um hotel campestre próximo. Rich me
apresentou a todo mundo como sua mulher e eu estava finalmente feliz. Consegui,
durante um curto período de tempo, calar aquela voz em minha mente que
continuava perguntando “Quanto tempo isto vai durar?” A resposta a essa
pergunta apareceu três meses depois, quando um problema de doença venérea
levantou a horrível verdade. Rich se viu na desconfortável posição de confessar
que dera uma “rapidinha” um mês antes e que a doença era uma possibilidade. Os
testes resultaram negativos, mas nunca consegui esquecer o sentimento de
humilhação por que passei, na sala de espera da clínica, tendo que responder a
perguntas sobre minha vida conjugal.
Não me lembro de todas as racionalizações que usei para manter intacto o meu
novo casamento, mas consegui me convencer de que aquilo tinha sido uma
ocorrência fortuita e de que Rich não estava, ao menos, envolvido romanticamente
com mais alguém. Mas a tristeza estava lá no fundo e, quando Rich me perguntou
se eu era realmente feliz, alguns meses depois, ele pode perceber não obstante
minha afirmação de que “é claro que somos felizes, porque nos amamos”. Rich
sugeriu que eu consultasse um terapeuta e freqüentasse o Al-Anon, para me livrar
do meu complexo de mártir. Freqüentei uma clínica ambulatória! que não se
revelou especialmente útil, mas me beneficiei de uma parte dessa experiência.
Tive que enfrentar três sessões individuais de admissão, onde pude contar a
história de minha vida. Durante uma delas, perdi o controle e chorei quando
percebi que a pessoa com a qual estava falando era eu. Até aquela altura, tinha
sido muito atemorizante enfrentar a minha infelicidade. Se eu a enfrentasse,
poderia ter que modificar uma estratégia de sustentação básica da minha vida, e eu
ainda não estava pronta para fazê-lo.
Minha experiência no Al-Anon apresentou um confronto muito menor e foi
mais fácil de assimilar do que a terapia em grupo da clínica. As reuniões foram
extremamente úteis para aliviar a carga de culpa que eu sentia em relação à bebida
de Rich e foi maravilhoso estar com pessoas que entendiam
o alcoolismo sem atribuir a ele um estigma social. Finalmente, isso foi o início de
um processo gradual de autopercepção que não girava em torno do alcoolismo em
minha vida. Embora eu me empenhasse muito tentando resgatar outras pessoas
que participavam do programa, cujo sofrimento parecia maior que o meu,
consegui canalizar uma parte da minha energia para a compreensão de mim
mesma. Eu participava das reuniões uma vez por semana e arranjei alguns amigos,
um deles ainda muito íntimo. Tentei muito englobar os problemas e a
promiscuidade de Rich sob o rótulo de alcoolismo, uma doença sobre a qual eu
não tinha nenhum controle. Vivi um dia de cada vez, durante algum tempo, e
tentei acreditar em um Poder Superior que cuidava do meu interesse. Minha única
definição de “comportamento inaceitável” era o abuso físico. Sentia-me
abençoada por não haver passado por ele. Embora não freqüente mais as reuniões
do Al-Anon e os princípios da Irmandade permearam minha vida durante quase 10
anos e tiveram um efeito extremamente consolador. Não tenho dúvida de que eles
me colocaram no caminho da honestidade em relação a mim mesma e me deram
forças para atenuar a tempestade que ainda estava por ser desencadeada.
Os quatro primeiros anos do nosso casamento não foram diferentes do
namoro, exceto pelo fato de Rich estar sóbrio e praticando seu programa do A.A.
Ainda tínhamos nossos momentos de intimidade espiritual, seguidos por
discussões dolorosas de luta pelo poder, que me deixavam abalada e imaginando
se esse padrão mudaria algum dia. Trabalhei muito para aceitar o estado de nosso
casamento e, com a ajuda de Rich, negava minha intuição de que ainda o dividia
com outras mulheres. “Afinal de conlas”, eu racionalizava, “estamos casados e
isso certamente tem efeito sobre as atividades externas de Rich”. Certa vez,
durante aquela época, Rich me falou de um relacionamento que mantinha com
uma mulher no A.A., que havia durado alguns meses após nosso casamento. Mas
ele me contou isso dois anos após o fato e eu encarei essa confissão como um
sinal de intimidade e uma indicação de que ele não faria mais aquilo. Eu queria
muito descartar quaisquer suspeitas que tivesse sobre os horários tardios de Rich e
ele estava muito ansioso por me ajudar a fazê-lo.
Pouco antes do meu trigésimo aniversário, decidi que queria tanto um filho que
apresentei um ultimato. A questão dos filhos era uma decisão que Rich parecia
querer adiar indefinidamente. Bem lá no íntimo, eu sabia que não estava disposta a
renunciar à idéia de ter uma família, a fim de manter meu casamento. Eu sabia
que, mesmo que pudesse me convencer a não ter um filho naquele ano, minha
amargura em relação a Rich, por me privar de algo tão essencial, iria
eventualmente corroer e destruir nosso casamento. Rich deve ter percebido que
minha decisão não era uma ameaça vazia. Não querendo me perder, ele cedeu e
desfrutou imensamente do empenho em me
engravidar, fazendo sexo freqüentemente. Tivemos sucesso depois de dois meses e
eu estava no sétimo céu. Rich também parecia contente e eu achei que aquela
gravidez, aquele bebê, nos aproximaria ainda mais.
Esquecendo as brigas que tivéramos, comecei a racionalizar aquilo como um
efeito da pressão incrementada sobre Rich, em vista da iminente paternidade. No
entanto, na medida em que o tempo passou e eu fui ficando mais gorda, comecei a
querer garantias de que Rich realmente me amava e queria participar daquela
experiência. Inversamente, ele se tornou mais distante e autoprotetor. Chegava
tarde em casa e me dizia o quanto precisava do A.A. Mais uma vez, eu sabia que
havia algo errado e, dessa vez, meu inconsciente não estava disposto a me deixar
escapar da armadilha. Tive um sonho muito assustador certa noite, sobre Rich
estar envolvido com outra mulher e me abandonar. O sonho foi tão real e
perturbador que chorei muito e contei-o a ele no dia seguinte. Parecia-me
incompreensível que ele pudesse algum dia amar outra mulher o suficiente para
me abandonar realmente, especialmente depois do que havíamos passado juntos.
De acordo com seu hábito, ele negou obviamente que houvesse qualquer sombra
de verdade no meu sonho. Da minha parte, tentei atribuir o sonho à minha
insegurança e a uma natureza “desconfiada”. Não sou na realidade nada
desconfiada por natureza e logo me convenci de que minhas suspeitas não tinham
fundamento.
Começamos a assistir palestras pré-natais. Na primeira noite, foi exibido um
filme sobre um casal que enfrentava o parto em conjunto. O contraste entre aquele
casal amoroso e seu apoio mútuo e o nosso relacionamento tortuoso e cada vez
mais doloroso foi demais para Rich. Ele me disse que não sabia se .conseguiria
assistir o restante das palestras comigo. Na noite seguinte, o dique arrebentou.
Rich me disse que queria uma separação e eu estava magoada o suficiente para
concordar, não sem antes saber se havia mais alguém na vida dele. Ele me disse
que havia uma mulher com a qual se envolvera totalmente nos últimos cinco
meses. Afirmou que não podia mais suportar dividir sua vida, que sua sanidade
estava em jogo e que era incapaz de romper com aquela pessoa. Fiquei chocada,
enormemente aliviada e extremamente zangara, tudo ao mesmo tempo. O alívio
por saber que havia uma explicação para o comportamento anterior de Rich e que
eu não estava louca foi enorme. Pelo menos, se ele se separasse de mim, não seria
porque não podia tolerar a mim e ao nosso futuro filho. Seria porque havia uma
sedutora secreta que o havia enfeitiçado. Mas então a raiva e a afronta me
assoberbaram e gritei com ele na esperança de que isso aliviasse a intensa dor que
eu sentia pela traição. De certa forma eu acreditava que, se pudesse me concentrar
na raiva e acreditasse que ele era realmente uma pessoa egoísta e perversa, eu
poderia me poupar do imenso sofrimento por perder alguém que eu realmen te
amava.
Um escritor expressou muito bem aquilo que eu sentia: “O ciúme não é
meramente o desejo egoísta de possuir para uso próprio ou a relutância em
partilhar. Ele é a angústia do desespero; o pensamento unificado que se encontrou
com o ente amado e este está estilhaçado. A moeda de ouro do amor jaz esmagada
em pedaços aos pés da pessoa. Esta é avassalada pelo medo; o ciúme é abrasado
com a intensidade do desejo de totalidade e a desolação em face da traição.”1
Na medida cm que o sistema ilusório de Rich desmoronava, veio o nítido
desejo mútuo de sabermos tudo. A enorme parede entre nós apresentava
finalmente uma rachadura e era chegada a hora dela tombar. Caminhamos e
conversamos até tarde da noite e durante o dia seguinte. Rich me contou todos os
seus “casos” e me encheu de detalhes sobre seu amor atual. Eu me sentia
entorpecida. Era como se, depois do golpe inicial, eu não pudesse mais ser
magoada. Ao contrário, fui tomada de uma mórbida curiosidade e ouvi tudo como
se estivesse ouvindo as confissões de um homem estranho.
Uma parte de mim eslava fascinada pela narrativa, na medida em que eu me
esforçava para encaixar as novas peças do nosso relacionamento em algum tipo de
todo coerente. Descobri que continuava separando quem “ele” era de quem “nós”
éramos, porque as duas entidades pareciam se misturar tanto quanto óleo e água se
misturam. Perguntei-me se eu algum dia conhecera realmente Rich. Questionei
todos os momentos de intimidade que tivéramos, imaginando se ele teria estado
realmente fazendo amor comigo ou estava pensando em outra mulher. Rich me
ajudou dizendo que havia momentos em que ele se sentia realmente próximo e se
abandonava. Isso lançou uma luz totalmente nova sobre nossas brigas mais
amargas: elas ocorriam quase sempre nos momentos em que Rich estava
perturbado acerca de um novo relacionamento. Duas das nossas brigas mais
violentas haviam acontecido durante as viagens. Munida dessas informações
recém-descobertas, ficou óbvio para mim que eu havia sido uma vítima inocente
da tremenda tensão de Rich em relação a outro envolvimento.
Minha vida sexual sempre fora bastante descomplicada e acima da média. Assim,
quando Rich começara a falar em “moeda sexual” e na emissão das mensagens
“disponíveis”, eu havia ficado intrigada e quase totalmente “no ar”. Eu havia
pensado ingenuamente que apenas as prostitutas e seus gigolôs adotavam essas
práticas. Quem seriam todas aquelas pessoas por aí, vestidas com roupas normais
e levando vidas “regulares”, que enviariam e receberiam todas essas mensagens
sexuais? Fiquei surpresa com o número de mulheres disponíveis e carentes que
existiam e com a falta de escrúpulos das mesmas em relação a uma “rapidinha” ou
o relacionamento com homens
Os Doze Passos foram originalmente formulados por Bill W., um co- fundador
de “Alcoólicos Anônimos”, em 1938. Emanaram dos princípios então adotados
pelos grupos Oxford (uma Irmandade religiosa que apadrinhou o A. A. inicial em
Akron, Ohio), temperados pelas experiências práticas que eram de um
denominador comum da recuperação do alcoolismo entre os membros do A.A.
naquela época. Esses passos foram publicados primeiramente em Alcoólicos
Anônimos (1939) e receberam tratamento mais detalhado em Os Doze Passos e as
Doze Tradições (1953), ambos escritos por Bill W.
Ao apresentar a versão do D.A.S.A. (S.L.A.A.) para os Doze Passos,
desejamos fazer o que o A.A. tinha em mente ao apresentá-los inicialmente no
livro Alcoólicos Anônimos. Um número suficiente entre nós têm trabalhado esses
Doze Passos, fazendo surgir uma experiência comum de recuperação da
Dependência de Amor e Sexo. A Irmandade ainda é pequena, entretanto, parece
haver um grande número de pessoas desesperadamente necessitadas da esperança
que esse Programa oferece. Esperamos seriamente que as famílias e outras pessoas
que sofrem com a destruição causada por um dependente ativo de sexo e amor,
não se culpem mais depois de ler nossas experiências neste livro. Contudo, nossa
preocupação básica é de que o dependente de amor e sexo que está sofrendo possa
encontrar o caminho, por intermédio do Programa, que o liberte da autodestruição
dessa doença e assente as bases da sua recuperação espiritual e emocional.
Essa apresentação não pretende ser um tratamento completo dos Doze Passos
dentro da perspectiva do D.A.S.A. (S.L.A.A.), mas nos esforçamos por apresentá-
los em detalhes suficientes que indiquem o caminho da recuperação da
Dependência de Amor e Sexo que experimentamos. Se você está pensando ao ler
este livro que o D.A.S.A. (S.L.A.A.) pode ser uma Irmandade que o leve a
considerá-la seriamente como a solução para seus próprios problemas,
recomendamos que leia também os livros Alcoólicos Anônimos (especialmente
capítulos 5-7) e Doze Passos e as Doze Tradições. Achamos esses livros, apesar
de suas idéias e linguagem ocasionalmente um tanto datadas, surpreendentemente
apropriados e úteis para nós ao aplicar os Doze Passos à Dependência de Amor e
Sexo. Substituímos as palavras tais
como “nossa dependência” ou “Dependência de Amor e Sexo” às referências
diretas ao alcoolismo. Sua atualidade, depois de meio século, e sua aplicabilidade
a uma dependência específica diferente, tal como a nossa, são atributos à sua visão
psicológica e espiritual e à alta qualidade de sua redação.
Uma coisa é clara, os Doze Passos, tal como se apresentam originalmente em
Alcoólicos Anônimos, fornecem uma abordagem abrangente e completa do
problema de como tratar com.a dependência, inclusive a de sexo e amor. Nossa
gratidão aos esforços dos pioneiros de A.A. é muito grande, e não há palavras
capazes de exprimir sua formidável realização.
Eis aqui os Doze Passos dos Dependentes de Amor e Sexo Anônimos1
1. Admitimos que éramos impotentes perante a dependência de amor e sexo -
que nossas vidas haviam se tornado ingovernáveis.
2. Viemos a acreditar que um Poder Superior a nós mesmos poderia
devolver-nos à sanidade.
3. Decidimos entregar nossa vontade e nossa vida aos cuidados de Deus, na
forma em que concebíamos Deus.
4. Fizemos minucioso e destemido inventário moral de nós mesmos.
5. Admitimos perante Deus, perante nós mesmos e perante outro ser
humano, a natureza exata de nossas falhas.
6. Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses
defeitos de caráter.
7. Humildemente rogamos a Deus que nos livrasse de nossas imperfeições.
8. Fizemos uma relação de todas as pessoas que tínhamos prejudicado e nos
dispusemos a reparar os danos a elas causados.
9. Fizemos reparações diretas dos danos causados a essas pessoas, sempre
que possível, salvo quando fazê-lo significasse prejudicá-las ou a outrem.
10. Continuamos fazendo o inventário moral e, quando estávamos errados, o
admitíamos prontamente.
11. Procuramos, através da prece e da meditação, melhorar nosso contato
consciente com um Poder Superior a nós mesmos, rogando apenas o
conhecimento da vontade de Deus em relação a nós mesmos e forças para
realizar essa vontade.
12. Tendo experimentado um despertar espiritual, graças a esses passos,
procuramos transmitir esta mensagem aos dependentes de amor e sexo e
praticar estes princípios em todas as áreas de nossas vidas.
S.L.A.A.’s Twclve Steps © 1985 S.L.A.A., reimpressão adaptada pela permissão de AA World
Services, Inc.
Passo 1:
Admitimos que éramos impotentes perante a dependência de amor e
sexo que nossas vidas haviam se tornado ingovernáveis.
-
Se você leu este livro até aqui e chegou à conclusão, ainda que relutante, dc
que o problema que está enfrentando é a dependência do amor e sexo, você estará
provavelmente se sentindo muito assustado e apreensivo. Talvez ainda esteja
tentando se livrar da conscientização da dependência do amor e sexo, até mesmo
enquanto estivemos tentando partilhar as nossas experiências. Quem sabe essas
pessoas sejam extremistas ou malucas, ou pelo menos desmancha-prazeres, estará
você dizendo a si mesmo.
Não obstante, apesar do esforço para negar a verdade daquilo que estivemos
nos empenhando em partilhar, uma parte de você talvez possa ouvir o sino
tocando e perceba que ele toca por você. Estamos do seu lado. Lembramo- nos
bem demais como foi aterrador o desconhecido, surgindo nebulosamente à nossa
frente, quando fugimos das garras da dependência ativa para o vácuo aparente da
interrupção da mesma. Com que intensidade resistimos à idéia de que nossas vidas
sexuais e emocionais eram de dependência!
E agora? Se o seu padrão de sexo e amor envolver, por exemplo, a
masturbação, como é que você poderá ter certeza de que, parando com ela, não
começará a subir pelas paredes de tanta excitação? Como é que você saberá se,
parando, não irá acarretar a senilidade prematura, atrofiando a potência sexual (ou
os órgãos!) juntamente com a morte invasora? Se você deixar de iniciar, responder
ou estimular de qualquer forma a energia de campo de força emanada pelas outras
pessoas (aquela comunicação quase física avisando que alguém está
“disponível!”), como é que poderá ter certeza de que não irá se converter
simplesmente em um eunuco emocional e sexual, perdendo a vitalidade? E como
poderá estar certo de que, tentando se afastar de uma dependência prolongada e
nauseante em relação a outra pessoa, uma pessoa à qual você entregou há muito
tempo o controle de sua vida, você conseguirá encontrar os necessários recursos
internos para se estabilizar sozinho?
A resposta a essas torturantes perguntas é dupla. Antes de mais nada, em
termos daquilo que os seus sentimentos provavelmente irão lhe dizer, a resposta é
que você não pode ter certeza de nada do que foi dito acima. Secundariamente,
entretanto, existe a possibilidade de que a nossa experiência, 'n! como partilhada
por meio deste livro, possa servir para lhe dar a
esperança de conseguir atravessai- e sobreviver à abstinência. Talvez você tenha a
sensação, na medida em que ler este livro, de que a abstinência nos deixou muito
melhores do que éramos quando ingressamos no D.A.S.A. (S.L.A.A.). Esteja
certode que isso é verdade e de que partilhamos juntos a experiência da
transformação que se operou em cada um de nós.
Não podemos enfrentar a abstinência por você e nem a enfrentaríamos, se isso
fosse possível. Quem iria voluntariamente se oferecer para enfrentá-la
novamente? Nós é que não! No entanto, a dor de cada abstinência é única,
especial e até mesmo preciosa (embora provavelmente você não pense assim). Em
certo sentido, a experiência é você, uma parte de você que está tentando vir à tona
há longo tempo. Você já vem evitando ou adiando essa dor há um bocado de
tempo e, no entanto, nunca foi capaz de escapar a ela durante muito tempo. Você
precisa atravessar a abstinência para se tornar uma pessoa íntegra. Tem que
conhecer a si mesmo. Por trás do terror daquilo que você teme, a abstinência
contém as sementes da sua própria integridade pessoal. Ela precisa ser
experimentada paia que você perceba ou torne real, para você e para a sua vida,
esse potencial que esteve guardado há tanto tempo.
Os dependentes de amor e sexo iniciaram esse processo de diversas formas. O
resultado final é sempre o mesmo: o comportamento sexual e emocional
dependente é evitado diariamente.
Também não importa quais foram as características específicas do seu próprio
padrão de dependência do amor e sexo, embora seja importante que você
identifique esse padrão. Alguns dos nossos padrões incluíam “casos de uma só
noite”, ligações sexuais frenéticas sem nenhum envolvimento emocional e
masturbação maníaca, exibicionismo e/ou voyeurismo. Outros envolviam a intriga
ou a dependência excessiva de muitas pessoas (em série ou simultaneamente), na
convicção de que, sem um “outro”, estaríamos às portas da morte.
Independentemente de qual seja o seu padrão, isso tem que parar. Não importa o
quão poderosamente os seus sentimentos e os seus raciocínios estimulem você a
continuar indulgindo, você pára de agir em função deles. E este ponto, quando
você finalmente pára, que sinaliza realmente o início da sua recuperação no
D.A.S.A. (S.L.A.A.) e a data de início da sua sobriedade pessoal.
Os membros do D.A.S.A. (S.L.A.A.) chegaram aesseponto de total interrup-
ção por intermédio de caminhos diferentes que merecem ser discutidos.
Alguns de nós mantivemos a dependência em doses maciças de qualquer coisa
que “funcionasse”, até o dia cm que chegamos ao fundo do poço e nos rendemos.
Aí “jogamos a toalha” e ficamos “travados” em todos os sentidos imediatamente.
Esta é a forma mais brutal de fazer as coisas, a mais preto-e-branco. Parar
totalmente proporcionou um choque poderosíssimo e imediato em nossos sistemas
emocionais e mentais e o estabelecimento da
nbslinência foi duro e rápido. Não obstante, a abstinência atingida desta lorma não
foi necessariamente de duração mais curta ou de “qualidade” iniiis elevada do que
a abstinência atingida mais gradualmente. Nossa experiência coletiva sugere que
as dimensões e os resultados da abstinência são, guardados certos limites,
idênticos para todos nós. Neste capítulo, referimo- nos apenas às diversas formas
que usamos para iniciar o processo.
Alguns de nós chegamos gradualmente à abstinência, atacando as áreas
problemáticas mais evidentes. Até mesmo as pequenas vitórias incrementaram
nossa percepção de outros aspectos do padrão dependente, que nem sabíamos (|tie
existiam. Esse processo de incremento da conscientização levou-nos inevi-
lavelmente à rendição final perante a existência de todo um padrão dependente,
iirremessando-nos assim na abstinência e na sobriedade sexual e emocional.
Para aqueles que estão familiarizados com o conceito de dependência, essa
abordagem “gradual” à rendição pode parecer semelhante ao “raciocínio
desejoso”. Não existem coisas como uma mulher “ligeiramente grávida” e a
afirmação de que “um gole ressuscita o bêbado” faz parte da sabedoria
convencional do A.A. Além disso, a experiência da dependência alterou lanto as
mentes de alguns de nós, uma vez emaranhados nela, que nem sequer nos
lembrávamos de querer abandoná-la!
Existe uma grande verdade nisso. Normalmente, entretanto, no momento em
que admitimos o conceito da abstinência, a dependência já não oferecia mais o
olvido ou o prazer que procurávamos tão ardentemente. Era necessário dedicar
uma energia cada vez maior, às atividades emocionais e sexuais, apenas para
“empatar” e desistir de “chegar ao céu”. Era como se uma dura voz interna
estivesse dizendo, cada vez que embarcávamos em um novo episódio romântico
ou sexual: “Não importa até onde eu vá com essa nova cara, esse novo cotpo ou
essa nova mente, eu já ‘estive lá’ centenas de vezes!”
A novidade de cada novo romance ou “reconciliação” não escondia mais a
verdade: cada situação nova era apenas outro episódio desesperador, oferecendo
tanta promessa de plenitude quanto trocar figurinhas. Na medida em que essa
velha sensação se instalava, o “pique” dependente era cada vez mais difícil de ser
atingido e mantido. Conforme nos aproximávamos da abstinência, a sensação da
futilidade em prosseguir era sentida agudamente. Embora muitos de nós
fizéssemos novas tentativas em relação ao quanto podíamos “agüentar”,
encontramos finalmente a imposição da abstinência, tão certa como uma
locomotiva que mergulha numa geleira e enfrenta em última instância a certeza de
esfriar.
Outros tentaram usar uma “restrição externa” como forma de entrar 11a
abstinência. Na medida em que a energia exigida para o controle da depen dência
se tornava maior do que aquela à nossa disposição, a represa arre bentava e a
verdade escapava, quando revelamos totalmente aos nossos
parceiros o que estava acontecendo exatamente em nossas vidas. O ato de
“vomitar” as verdades intragáveis havia se tornado uma resposta involuntária.
Alguma força se agigantava dentro de nós, obrigando-nos a expulsar o veneno dos
nossos sistemas. Ao nos tornarmos “abertos” assim, tínhamos um conceito
inadequado do que fosse “abstinência” ou “dependência”. No entanto, conforme
testemunhávamos o impacto que essas revelações longamente proteladas tinham
sobre pessoas importantes para nós, experimentamos pela primeira vez as
conseqüências de nossos atos, tanto passados quanto presentes. E nem nos
atrevíamos, com as entranhas expostas, a recompô-las ou mesmo permitir que
cicatrizassem superficialmente. Estávamos não só emocionalmente exaustos como
também tínhamos medo do que aquela infecção, ainda existente na ferida, poderia
fazer conosco. Assim, tanto por costume quanto por coragem, mantínhamos um
padrão de partilha e abertura que era quase absoluto. Em termos realistas, não
estávamos ainda realmente sóbrios e nem mesmo necessariamente cientes de que
estávamos nas garras de uma dependência. Isso significava que as experiências e
os episódios dependentes ainda prosseguiam. No entanto, cada vez que essas
experiências de dependência ocorriam ou ameaçavam ocorrer, sentíamos que
existia uma certa garantia contra a perda adicional do controle, se revelássemos o
que estava acontecendo a todas as pessoas envolvidas. Podíamos, por exemplo,
dar longos telefonemas interurbanos para contar ao parceiro que estávamos prestes
a nos meter numa situação tentadora. O desânimo e a decepção que o outro
apresentava era uma conseqüência do nosso comportamento e, ao escolhermos a
franqueza e enfrentarmos a conseqüência, estávamos nos impedindo de avançar na
situação tentadora.
Ao “revelarmos” nossas atividades às pessoas que havíamos enganado
rotineiramente, o motivo não era punir. Estávamos nos apoiando nessas pessoas e
nas reações que elas apresentavam frente à nossa vagabundagem, procurando
garantir que enfrentaríamos imediatamente as conseqüências de nossos atos.
Estávamos optando por puxar o tapete sob a nossa tendência a ocultar, segregar ou
controlar nossas intrigas e ligações. Foi freqüentemente o resultado cumulativo
dessas conseqüências, em nossos relacionamentos com essas pessoas que eram
importantes para nós, que finalmente nos forçou à conscientização da nossa falta
de controle e à necessidade de classificá-los como dependente. Esse compromisso
interno em manter um rigoroso padrão de honestidade perante os outros, em
relação ao nosso comportamento sexual e emocional, parecia ser suficiente por si
mesmo, para iniciar o processo interno de auto-honestidade que finalmente nos
levou à rendição incondicional e à abstinência.
E claro que falar em “formas” de ingressar na abstinência, partindo da
dependência sexual e amorosa ativa, é um pouco desorientador, porque não
fomos realmente os arquitetos conscientes da nossa chegada a esse ponto. A
maioria de nós pode identificar alguns componentes de cada um desses caminhos
até à abstinência. Finalmente, é importante enfatizar mais uma vez que, não
importa o quão honestos houvéssemos nos tornado mediante qualquer esforço de
última hora para “controlar”, nossa sobriedade só começou realmente depois que
abandonamos as últimas reservas e renunciamos ao direito, um dia (ou uma hora)
de cada vez, de manter “mais uma” ligação com nossa dependência.
E agora, você está aqui e a abstinência se faz sentir. Quais são os riscos
envolvidos na travessia desse período? O que é que a experiência provavelmente
lhe trará? Como é que você poderá sobreviver às inevitáveis tentações de voltar
para os velhos padrões?
Os riscos podem ser descritos como de dois tipos. O primeiro deles envolve os
riscos inerentes ao próprio processo interior. O segundo envolve os riscos
decorrentes do inundo externo, que podem fazer com que pareça impossível
atravessar a abstinência e podem influenciar você a abortá-la.
O maior risco interior talvez seja se descobrir frente a frente com o desco-
nhecido. Uma coisa é tomar a decisão de se abster, quando o estímulo doloroso de
um recente episódio dependente ainda está vivo, mas abrir-se para a abstinência,
não como reação a uma situação de dependência e sim como resposta a um padrão
de vida dependente e perceptível, é algo totalmente diferente. No entanto, essa
perspectiva maior em relação à experiência de abstinência é fundamental, se você
quiser manter-se sóbrio ou abstêmio. Descobrimos que, uma vez reconhecido um
determinado comportamento de “fundo do poço”, que sabemos ser dependente, e
abstendo-nos diariamente de resvalar para essas formas, descobriremos inúmeros
hábitos e traços de comportamento e personalidade que são relacionados à
dependência.
A descoberta de toda essa gama de comportamentos subjacentes, igualmente
vinculados à dependência do sexo e amor, pode ser extremamente desanimadora.
O sujeito que aperta compassivamente as mãos das outras pessoas, por exemplo,
pode constatar que essa característica servia a uma finalidade relacionada à
dependência. Uma pessoa que se vestia de certa forma pode descobrir que a
finalidade era atrair determinados tipos de atenções. A pessoa que “adora abraçar”
pode estar sondando nossa resposta a um assédio posterior. E aquele que “distribui
palmadas” nas costas dos outros pode estar seduzindo sutilmente (ou não) os alvos
dessas atenções. Estes são apenas exemplos muito simplificados de uma ampla
gama de comportamentos.
Esses comportamentos colaterais nunca foram, no passado, encarados como o
que realmente são, porque coexistiam com os comportamentos de fundo de poço
muito mais poderosos, que eram tão obviamente dependentes. Se ignorarmos, no
entanto as “grandes jogadas”, conseguiremos percc-
ber que essas outras manifestações eram na realidade estratégias de sedução.
Durante a abstinência, descobrimos que, sempre que nos engajávamos nesses
comportamentos complementares, independentemente da nossa inocência ou
inconsciência do que fazíamos, estabelecíamos involuntariamente o potencial para
a intriga sexual e emocional - exatamente o que estávamos tentando
desesperadamente evitar!
Nossos hábitos de raciocínio também tiveram que mudar. Não estávamos
acostumados a ver nossas vidas controladas e percebemo-nos vagando
desorientados pelos “terrenos do medo”.
Nossas justificativas soavam geralmente muito convincentes: “Não consigo
deixar de encontrá-lo; ele trabalha no mesmo prédio que eu trabalho.” “Se a minha
parceira fosse mais sensual, eu não teria que buscar sexo fora do nosso
relacionamento.” “Fico maluco por não poder falar com essa pessoa que realmente
me toca.” “Tenho tanto direito quanto ela, de estar no mesmo lugar. Por que tem
que ser eu a me manter afastado?”
Algumas das nossas desculpas não eram tão convincentes, mas agarrávamo-
nos a elas da mesma forma: “Faz dias/semanas/meses que não vejo essa pessoa;
isso deve significar que não sou dependente e que posso começar a encontrá- la
novamente.” ”Eu só quero fazer ocasionalmente esse tipo de sexo. Sei que tenho
um problema, mas não acho que tivesse algum problema em relação a isso.” “Se
eu não contai' a ninguém, não terá nenhuma importância.”
O dilema era que não percebíamos que estávamos procurando intriga, a partir
desses comportamentos e, quando finalmente percebíamos, não sabíamos mais o
que fazer. Nossas personalidades não podiam ser desvinculadas dessas formas
características de racionalização, de olhar “dentro” dos olhos, de abraçar e apertar
mãos e assim por diante. A medida que ficaram mais claros os motivos
fomentadores da dependência, em função desses comportamentos e dessas
características de personalidade, o combate aos nossos anseios dependentes, a cada
“situação” menos significativa, tornou-se cansativo demais. Era cada vez mais
necessário que enfrentássemos a dor de imaginar exatamente onde “nos”
encontrávamos realmente, sem as armadilhas da dependência.
Essa revelação foi tortuosa. Descobrimos que era necessário enfrentar a
abstinência um dia de cada vez, em compartimentos de 24 horas. Despertávamos
pela manhã, muito cedo às vezes, e exclamávamos para nós mesmos “Oh, Deus!
Outro dia igual!”. Gostaríamos ocasionalmente de haver morrido durante o sono.
Independentemente disso rezávamos pela ajuda de Deus para enfrentar o dia que
começava. Se tivéssemos alguma queixa perante Deus, ela também se misturava
àquela sensação. Ninguém estava tentando nos forçar a alardear a gratidão!
Estávamos nos esforçando para sermos “honestos” e não em sermos “bons”.
Embarcávamos naquele dia. Vivendo sozinhos como tantos de nós, até mesmo
os rituais diários de tomar banho, vestir e comer tornaram-se muito importantes. A
simples execução dessas tarefas comuns era uma afirmação de que éramos
importantes para nós mesmos.
Planejávamos o dia. Sempre havia tarefas que precisavam ser cumpridas,
fossem elas pagar o aluguel, lavar roupa, fazer compras ou ir trabalhar. As
atividades físicas, até mesmo aquelas básicas como uma caminhada, podiam nos
fazer avançar um pouco ao longo do dia. Alguns adotaram o jogging ou outros
exercícios que exigem grande esforço físico. Isso ajudou a proporcionar uma
sensação de cansaço físico que podia encher o vácuo deixado pela ausência de
atividades sexuais ou até mesmo substituí-las. O contato com outros membros do
D.A.S.A. (S.L.A.A.) ou com amigos de confiança, membros talvez de outras
Irmandades dos Doze Passos, foi muito útil. A freqüência às reuniões abertas dos
A.A. ou Al-Anon era provavelmente possível ou talvez tivéssemos a sorte de
haver um grupo do D.A.S.A. (S.L.A.A.), em nossa área. Talvez estivéssemos
tentando dar início a esse grupo e houvesse tarefas a serem cumpridas.
A finalidade disso tudo não era atravancar o dia com atividades. A maioria de
nós precisava de repouso e solidão, tanto quanto precisávamos de outras tarefas,
contatos pessoais e responsabilidades. Dentro de nós, estávamos despendendo
tanta energia quanto a maioria das pessoas gasta em manter empregos de horário
integral e vidas familiares ativas. Na realidade, a maioria de nós estava
“trabalhando” muito mais do que antes. Afinal de contas, estávamos nos
empenhando em ficar firmes, em nos libertar do abraço tentacular de uma
atemorizante dependência que havia nos levado àquele compasso de atividades
autodestruidoras. Era necessário um tremendo esforço para simplesmente não
fazer. Estávamos adiando momentaneamente nossos verdadeiros temores relativos
ao resultado de tudo aquilo, cumprindo as tarefas que estivessem imediatamente à
mão. Estávamos vivendo no presente imediato e descobrindo que podíamos
realmente vencer uma hora, uma manhã ou um dia. E estávamos descobrindo que
havia uma alegria a ser desfrutada : trilhar com sucesso nosso caminho a cada
período de 24 horas.
Descobrimos que o melhor antídoto para a dor intensa da nossa luta e das
nossas dúvidas era entregar, a Deus ou a qualquer Poder que sentíssemos estar nos
ajudando a nos abster de nossos velhos padrões, todas as perguntas relativas ao
resultado da nossa abstinência.
Mediante tudo isso, tornamo-nos disponíveis para nós mesmos, um dia de cada
vez. Pelo simples ato de “ficarmos firmes”, inauguramos um relacionamento
conosco baseado no crescimento da auto-honestidade, da confiança e da
intimidade. Sabíamos agora que nossa meta durante a abstinência era assentar os
alicerces da integridade pessoal. Ignorávamos como aquilo
iria se traduzir em relacionamentos pessoais ou carreiras profissionais, mas
sabíamos que esses seriam fatores externos que eventualmente se desenvolveriam
ao redor daqueles alicerces de integridade interiores e, eventualmente, iriam
espelhar nosso estado interior. Fomos capazes de aceitar essa sensação da nossa
crescente capacidade para a integridade e deixar os resultados específicos por
conta de Deus. Essa mudança de atitude aliviou a sensação da crise existencial.
O outro tipo de risco enfrentado na abstinência consistiu nas ameaças externas.
Nelas, o risco maior não era enfrentar um “eu” desconhecido, um “eu” privado da
auto-imagem decorrente da dependência. Ao contrário, as “ameaças” ocorriam na
forma de situações que tramavam abortar o próprio processo de abstinência,
forçando-nos a reativar o padrão dependente. Enclausurados mais uma vez,
arriscávamos a ficar impedidos de encarar aquelas questões existenciais que teriam
que ser abordadas para que a recuperação se desenvolvesse.
A extensão e a natureza das ameaças externas variavam muito, mas muitas
delas eram incrivelmente “coincidentes”. Com uma exatidão aparentemente
diabólica, tendiam a acontecer quando estávamos mais vulneráveis em relação a
elas. Se houvéssemos interrompido, por exemplo, um relacionamento nitidamente
dependente, e ainda experimentássemos muitos sentimentos confusos em relação
ao mesmo (como sempre acontece), podíamos contar que iríamos “topar” com a
pessoa nos lugares mais inesperados. Mais sutil, mas igualmente perigosa era a
“possibilidade” de encontrar amigos e conhecidos comuns que se encarregavam de
nos “esclarecer” quanto à situação emocional do(s) antigo(s) parceiro(s). A notícia
de que nossos antigos amores estavam deprimidos ou pensando em suicídio, ou
cortejando ou sendo cortejados por terceiros, era compulsiva para nós.
Muitos de nós descobrimos no D.A.S.A. (S.L.A.A.) que precisávamos aceitai'
a possibilidade de ocorrências psíquicas, para perceber um sentido em algumas
dessas situações que pareciam tão estranhas. Mesmo quando nos sentíamos
afastados do contato com um amor dependente anterior, aconteciam coisas como
cartas inesperadas ou descobrimo-nos em cenários que tinham um significado
especial para o relacionamento anterior. Essas coisas serviam para catalisar ou
potencializai' uma sensação de estarmos fisicamente ligados aos nossos amores
anteriores. Eventualmente, chegamos a esperai' a continuidade dessa barragem de
experiências! Isso também se aplicava em relação aos casos em que havíamos
recebido um “fora” do amor dependente anterior e a ambigüidade ainda persistia.
Descobrimos que, sempre que havia ambigüidade presente, havia também o
potencial de reatamento da dependência sexual e amorosa.
Todos nós sem exceção atravessamos períodos durante os quais estivemos
extremamente vulneráveis aos impactos mentais e emocionais. Isso pa
recia ocorrer freqüentemente como resultado de encontros ou contatos ocasionais,
diretos ou indiretos, com as velhas situações de dependência. No rntanto,
constatamos com a mesma freqüência que nossa vulnerabilidade já havia se
instalado antes desses testes externos. Era como se nossa vulnerabilidade e
susceptibilidade emocionais às experiências de dependência sexual e emocional -
intrigas românticas ou sexuais e dependência emocional nascida da carência
pessoal - fossem suficientes em si mesmas para colocar em movimento os
componentes de uma “coincidência”!
Quando ocorriam desafios externos, especialmente aqueles com nuanças
psíquicas, e nos sentíamos obrigados a dedicar outra vez toda nossa energia à
abstinência do comportamento dependente ao nível do “essencial”, sentíamos
mais uma vez a extensão das raízes da dependência sexual e amorosa fincada em
nossas almas. As vezes, parecia que as forças que nos acorrentavam eram muito
mais profundas do que a nossa capacidade de contê-las.
Era e ainda é realmente humilhante ter que considerar a possibilidade de
sermos dominados até esse ponto. Mesmo para aqueles que entre nós estão sóbrios
há muito tempo, no D.A.S. A. (S.L. A.A.), essa dominação em profundidade ainda
pode se impor com extremo vigor e agarrar-se a nós com tenacidade malévola.
Não obstante, devemos dizer que, por mais tenaz que seja a dominação física, até
mesmo ela responde ao processo de abstinência. Relativamente a isso, o tempo e
a consistência diária são os instrumentos com os quais moldamos nossa libertação,
sob a orientação de Deus, a partir tia tirania do âmago físico. Este pode ser o
último domínio para que a dependência abandone seu poder, mas isso acontece.
Quais são alguns dos instrumentos que encontramos, que podem nos ajudar a
nos contermos e comportarmo-nos com consistência, apesar dos desafios
externos? Precisamos nitidamente de algumas formas pai a contrabalançar a ero-
são da nossa conscientização e resolver essas coincidências físicas.
O princípio mais importante talvez seja não negar a nós mesmos que estamos,
na verdade, sendo severamente testados. A luz do fato dessas invasões externas da
nossa decisão pessoal parecerem inevitáveis, pode-se lidar melhor com elas se
forem reconhecidas imediatamente com aquilo que são.
Outra defesa contra esses exasperantes assaltos foi sustentar a conscientização,
encetando e mantendo uma lista de observações breves sobre como nos sentíamos
exatamente durante a abstinência. Muitos de nós não esperaram ser testados para
iniciar a manutenção de uma lista como essa: poderia ser muito tarde para eles. Ao
elaborarmos nossas listas, não editamos nenhum de nossos sentimentos negativos.
Apesar do sofrimento da abstinência, os resultados positivos da sobriedade inicial
eram muito evidentes para aqueles entre nós que haviam realmente enfrentado o
terror, durante a fase ativa da doença. Até mesmo os penosos sentimentos da
abstinência inicial eram melhores que a alternativa. Assim, relacionamos e
voltamos a relacionar! Não houve nada que se assemelhasse a um sentimento ou a
uma observação que não fosse considerado pertinente.
Segue-se uma pequena amostra de algumas das observações que formulamos.
Talvez algumas possam se aplicar também a você:
"Estou sentindo hoje uma aguda sensação de abstinência e de perda, mas
não estou enojado comigo mesmo. ”
"... ansiedade e necessidade, fincando as garras em minhas entranhas... ”
“Dependência de amor e de sexo: eu não ‘tenho ’ isso; eu sou isso. ”
“Observando um esquilo comendo uma noz, devorando-a sistematica-
mente camada por camada, do jeito que eu me sentia devorado por X. ”
"Três horas hoje sem pensar em X. Dá para acreditar?"
“Encontro casual..., aquela sofreguidão me atraindo de volta. Como
anseio por isso! ”
“Talvez X seja sadio e eu é que seja doente. Independentemente disso, em
combinação nós somos doentes. ”
Além da oração diária e das atividades relacionadas ao D.A.S.A. (S.L.A.A.),
a manutenção dessa lista foi um importante baluarte contra a dependência, sempre
que se apresentavam possibilidades especialmente desorientadoras. Cada item era
um sentimento que tivéramos em relação à nossa dependência e à nossa
abstinência de sexo e de amor; e, ao registrar esses sentimentos, cristalizamo-los -
fizemos com que ficassem parados. Quando surgia um desafio, juntamente com
toda sua turbulência emocional, consultávamos a lista. Ela nos ajudou a
continuarmos concentrados, quase à nossa revelia. Mesmo quando nos sentíamos
vacilando, a leitura dessa lista podia convencer-nos novamente de que “Não era
tão ruim assim”, e que a “possibilidade” atual, se conseguíssemos superá-la, seria
uma extensão de nosso padrão dependente e não uma exceção a ele. Não importa o
quão contundentes parecessem esses combates, entre as tentadoras forças da
dependência e as forças para a manutenção da consistência emocional, mental e
comportamental, sabíamos o que tínhamos que fazer - e o que devíamos evitar.
É claro que o contato regular com os membros do D.A.S.A. (S.L.A.A.). e com
outras pessoas que eram dignas de confiança e sabiam o que estáva- mos tentando
realizai- também era muito estabilizador. Na realidade, todas as formas que
descobrimos ter o poder de sustentar a conscientização eram importantes; todas
foram verdadeiras âncoras a bombordo. No entanto, os artifícios como a
manutenção das listas foram especialmente proveitosos porque podiam ser usados
a qualquer momento e em qualquer lugar, inde
pendentemente da disponibilidade ou da indisponibilidade do apoio dos outros
membros do D.A.S.A. (S.L.A.A.).
E como sabemos quando estamos chegando ao fim desse estágio da recu-
peração? Afinal de contas, a abstinência não dura para sempre (embora possa
parecer interminável). Qual é a sinalização que temos para indicar que já estamos
prontos para um outro capítulo das nossas vidas sóbrias? Gostaríamos de partilhar
com você alguns desses sinais, tal como os experimentamos.
O primeiro sinal foi uma crescente percepção de que estávamos agora
suficientemente maduros para lidar regularmente com as tentações. Aquelas
siluações que haviam sido tão asfixiantes, nas primeiras fases da abstinência, eram
agora encaradas sempre com facilidade, até mesmo confortavelmente. Havíamos
desenvolvido a capacidade de avaliar aquelas diversas ameaças e de lidar com
elas de forma realmente consistente. Havíamos descoberto nossas “nadadeiras”,
durante a abstinência; havíamos nos tornado “espertos”. Havíamos conquistado a
liberdade de escolha, em relação a nos (ornarmos sexual ou emocionalmente
envolvidos.
O segundo sinal de que já estávamos prontos para sair da fase de abstinência
foi que não precisávamos mais nos preocupar com o tempo que deveríamos nos
abster de envolvimentos sexuais ou românticos. Logo no início, muitos de nós
havíamos pensado “Quanto tempo terei que esperar, antes de manter um
relacionamento ou fazer sexo?” “Quero acabar logo com isto, para poder ter um
relacionamento.” Agora, essas preocupações já não nos atormentavam mais da
mesma forma ou com a mesma intensidade. Na realidade, podíamos achar graça
em retrospecto, de preocupações como aquelas. Podíamos perceber que, na
realidade, elas consistiam no raciocínio subjacente “Quanto tempo terei que me
abster de agir, antes que possa começar a agir novamente?” Puxa...!
O que aconteceu foi que, na medida em que nos abstínhamos de procurar fugir
de nós mesmos, cedendo à dependência sexual e amorosa, começamos a ficar
íntimos de nós mesmos. Essa experiência é difícil de descrever. Essencialmente,
no entanto, estávamos inaugurando um novo relacionamento interno. Apesar das
exaustivas características desse controle das nossas tentações e inseguranças
internas, começamos a sentir a abstinência não como uma privação, mas sim
como um auto-enriquecimento. Não se tratava simplesmente de uma questão de
eliminar alguma coisa de nossas vidas. Nós estávamos construindo o
“afastamento”; estávamos escolhendo recuperar a energia que vínhamos
desperdiçando em buscas fííteis. Essa mesma energia, agora de volta em nosso
interior, estava nos ajudando a nos tornar pessoas íntegras.
Essa conscientização cada vez maior da nossa mudança interior nos fez
flutunr. Enquanto estivéssemos no caminho do crescimento, o tempo não
importava muito. O paradoxo foi que, assim que aceitamos a impossibilidade de
saber quanto tempo iria durar a abstinência e nos sentimos preparados para
continuar com o processo, independentemente do quanto ele durasse, descobrimos
que havíamos triunfado! O medo de ficarmos privados de nossa dependência era o
verdadeiro temor por trás da nossa preocupação com o tempo. Conciliando-nos
com esse receio, eram grandes as chances de que estivéssemos nos tornando
prontos para que a fase da abstinência desaparecesse.
O terceiro sinal de que havíamos superado a abstinência foi que nos tornamos
mais atentos aos relacionamentos pessoais com nossos filhos, cônjuges (ou amores
e parceiros), amigos, parentes e genitores. O período contemplativo durante a
abstinência havia trazido consigo a percepção do quanto nossos padrões de
dependência sexual e amorosa haviam permeado nossos relacionamentos com as
pessoas mais importantes de nossas vidas. Estávamos agora prontos para dedicar
uma parle dessa energia reencontrada às tarefas de reavaliar esses
relacionamentos, fazendo as reparações que fossem necessárias.
A abstinência acarretou freqüentemente a necessidade de tomar algumas
decisões difíceis. Havíamos construído alguns relacionamentos sobre ilusões ou
falsas premissas. Em outras situações, havíamos usado muito impensadamente a
palavra “amizade”. Na ausência de uma dignidade pessoal, havíamos “nos
contentado com pouco”. “Um pouco de algo ruim” havia parecido melhor do que
“nada de coisa nenhuma”. Nunca havíamos nos detido realmente para questionar
quais eram nossas necessidades, nesses relacionamentos. Começamos a perceber
aqueles telefonemas diários e as outras “aberturas” que fazíamos habitualmente a
pessoas que nunca correspondiam. Começamos a considerar a energia exigida
para manter esses relacionamentos mesquinhos como uma despesa inaceitável.
Houve outras situações onde a pessoa que nos parecia tão “indispensável” (e
conveniente), durante o passado, revelou-se incapaz de aceitar nossa
conscientização acerca da dependência sexual e amorosa e da nossa necessidade
de crescer por meio do D. A.S. A. (S.L.A.A.). Ocasionalmente, essas pessoas
pareciam sentir-se ameaçadas pela nossa conscientização. Queriam que fôssemos
do jeito “antigo”. Tivemos que enfrentar a verdade às vezes dolorosa de que
havíamos ultrapassado relacionamentos como aqueles. Estávamos na verdade
começando a nos sentir mais dignos de reciprocidade!
Aqueles dentre nós que haviam se separado de cônjuges ou antigos parceiros,
pessoas que haviam feito parte de nossas vidas, mas não eram necessariamente
dependentes de amor e sexo, começaram a questionar os aspectos saudáveis e
insalubres desses relacionamentos. No início da abstinência, estávamos totalmente
prontos para descartar todos os relacionamentos anteriores onde o sexo e o
compromisso houvessem desempenhado
qualquer papel “doentio”. Agora, estávamos chegando a uma compreensão mais
exata e percepti vá. Percebemos que nunca estivéramos emocionalmente
disponíveis em bases consistentes, em relação a essas pessoas. Não saberíamos
que potencial havia para prosseguir, até que houvéssemos dado uma chance na
sobriedade, a esses relacionamentos. Munidos das perspectivas de outros
membros do D.A.S.A. (S.L.A.A.), para nos ajudar a manter a clareza, começamos
a examinar a possibilidade de uma reconciliação.
O quarto sinal de que estávamos prontos para ultrapassar a abstinência estava
intimamente relacionado ao terceiro. Começamos a dispor de uma nova energia
para investir em interesses novos ou anteriormente abandonados. A possibilidade
de crescimento pessoal nos levou a explorar carreiras, estudos, passatempo e
amigos novos. Talvez estivesse começando a se desenvolver uma nova parceria.
Descobrimo-nos prontos e capacitados para abordar essas novas oportunidades,
em muitas áreas.
Essa energia não era daquele tipo que nos impulsionara anteriormente, de
forma tão obsessiva e compulsiva. Era como se, no processo de havermos
encontrado e ultrapassado nosso próprio turbilhão interno, o ritual da passagem
houvesse transformado o próprio caráter obsessivo/compulsivo da nossa “energia”
anterior, em alguma coisa que era agora muito mais suave e uniforme. Dentro do
espírito dessa mudança básica, sentíamos que quaisquer possibilidades novas, da
vida real, que estivessem à nossa espera, eram extensões diretas do nosso
crescimento interior e não desvios ou fugas desse crescimento.
Estávamos começando a ser capaz de experimentar um sentido de direção que
apontava agora para além do processo de abstinência, para aquilo que nossas
vidas poderiam vir a ser na medida em que nossas experiências interiores fossem
traduzidas em participação, atividade em uma comunidade e uma carreira. A
energia que havia sido dedicada às experiências interiores da abstinência estava
agora livre, capacitando-nos a abordar aquilo que a vida oferecia. Isso representou
outro sinal importante de que a fase da abstinência estava terminando.
Curiosamente, sentíamos freqüentemente que os eventos e as circunstâncias que
ofereciam motivação ou oportunidade paia que vivêssemos mais a partir de nosso
potencial, como pessoas sóbrias, simplesmente “aconteciam”. Essas situações ou
esses eventos pareciam surgir providenci- almente bem no momento em que nos
sentíamos prontos para explorar e responder a essas oportunidades. Onde parecera
antes que estivéramos nadando contra as correntes do destino, sentíamo-nos agora
em movimento juntamente com o fluxo. O destino estava começando a trabalhar a
nosso favor e começa a emergir a sensação de que havia um destino pessoal.
O que poderia ser dito acerca do último sinal de que a abstinência estava tem '
do? Bem, esse sinal aparecia na verdade após os acontecimentos.
Ele se mostrava no momento em que sabíamos que nossas vidas, na sobriedade e
na abstinência, eram na realidade decorrentes da mudança. Talvez houvesse uma
reconciliação conjugal programada ou uma nova parceria a ser explorada, ou
estivesse iminente uma mudança profissional, acarretando uma mudança
significativa nas responsabilidades pessoais. As tarefas vitais, fossem elas
pessoais, sociais, profissionais ou acadêmicas, deviam ser novamente assumidas.
Não se tratava mais de uma simples possibilidade; o momento havia sido
especificado e chegara a hora.
Conforme nos aproximávamos do ponto de empreender essa mudança em
nossas circunstâncias vitais, rios tornávamo habitualmente cientes de uma série de
sentimentos surpreendentes. Percebíamos que o tempo que havíamos dedicado à
abstinência - e toda a própria experiência da abstinência - havia sido um período
singular e precioso de nossas vidas. Com todo
o sofrimento do início, com todos os desafios difíceis e perigosos para nossa
sobriedade nova e vulnerável e com todos os espasmos que havíamos suportado,
ao longo da nossa crise de identidade e significado pessoal, sabíamos de alguma
forma que iríamos sentir saudade desse período, assim que ele ficasse para trás.
Em meio a todas as dificuldades e incertezas, viera a nascer uma intimidade
simples para nós: havíamos nos encontrado e descoberto que tínhamos valor.
Havíamos nos tornado “amados” por nós mesmos. Havíamos descoberto todo um
novo relacionamento com Deus e com a vida. Conforme contemplávamos nossa
vida em mutação, ansiávamos na realidade por um tempo futuro onde poderíamos
experimentar mais uma vez a magnificência de nossa própria solidão para
voltarmos a conhecer diretamente aquela fonte de dignidade e integridade interna
que nos preenchia, que devia agora fluir por nosso intermédio, para dentro de
nossas vidas e para o mundo exterior.
Sabíamos que havíamos experimentado a Graça.
Capítulo 6 Localizando e Começando a
Trabalhar com Outros Dependentes de
Amor e Sexo
Uma das ironias do período da abstinência era a diferença das nossas reações,
quando acontecia encontrarmos alguém que, algumas semanas ou alguns dias
atrás, teria sido um objeto adequado das nossas intenções dependentes. Agora, ao
invés de tentar garantir um encontro futuro, descobríamo-nos analisando essas
pessoas em relação a sinais de dependência sexual e amorosa. Tentávamos às
vezes “levar a mensagem” a essas pessoas, uma mudança radical do nosso velho
padrão de comportamento! Freqüentemente, no entanto, a revelação da nossa
identidade como um dependente de amor e sexo era impulsiva, nascida da
autodefesa. Nossa falta de jeito em relação àqueles que se sentiam susceptíveis
forçou-nos a falar abertamente dessas coisas, apesar da probabilidade de que isso
anulasse qualquer outra oportunidade de indulgir na dependência. Na realidade, os
resultados eram desejáveis.
Desde o início do D.A.S.A. (S.L.A.A.), cunhamos a expressão “Temos o
direito de ser palermas, para manter a sobriedade”. A auto-revelação des- truía as
ilusões românticas e sexuais e era, além disso, uma contínua afirmação de nosso
novo sentido na vida. Apesar do embaraço e da autocons- cientização, essa
afirmação resultou em sentimentos mais positivos em relação a nós mesmos.
Descobrimos ocasionalmente que o “repasse da história” referente à nossa
dependência parecia atrair pessoas que sentiam em nós a possibilidade de intriga.
Embora fossem tentadoras, essas situações se tornaram gradualmente menos
difíceis de contornar. Podíamos perceber claramente que a incapacidade dos
outros em nos levar a sério evidenciava quão distorcidas eram suas percepções. Na
verdade, podíamos perceber nessas reações uma boa parte da nossa antiga “má
interpretação” das intenções dos outros, que serviam à dependência.
A sensação de privação que acompanhava esse “estrago” intencional de um
possível episódio de dependência era severa. Lentamente, no entanto,
acostumamo-nos a lidar permanentemente com essas tentações. As aberturas
sexuais e emocionais, provocadoras ou potencialmente arrebatadoras, que ainente
nos teriam levado a meses ou anos de escravidão emocio
nal, converteram-se em acontecimentos mais comuns que podíamos enfrentar
rotineiramente.
Entretanto, mais cedo ou mais tarde, a revelação da nossa dependência de
amor e sexo, que havia começado como um desajeitado movimento defensivo,
assumiu um tom decididamente diferente. Na realidade, tínhamos que afirmar o
significado daqueles eventos que haviam nos levado a descer tão baixo e agora
estavam nos obrigando a confrontar nossos próprios valores. Ao mesmo tempo em
que encontrávamos pessoas ainda prisioneiras da dependência, quem sabe lutando
com a fase inicial da conscientização, estávamos também nos percebendo mais
claramente. Observando outras pessoas experimentando a mesma agonia que
havíamos atravessado, a conscientização dos nossos próprios padrões de
dependência de amor e sexo se mantinha nítida. Sentindo-nos motivados a
localizar outras pessoas com quem poderíamos trabalhar, estávamos também
respondendo à necessidade de encontrar um “ambiente restritivo” assexuado e
sem contato físico, onde pudéssemos nos sentir ao menos relativamente protegidos
e pudéssemos continuar a crescer. Esse impulso para encontrai- outros possíveis
dependentes de amor e sexo com quem pudéssemos trabalhai - vinha do fundo de
nós e só podia ser ignorado a um grande risco.
A experiência de uma das primeiras companheiras ilustra graficamente esse
risco. Ao se mudar para uma nova região depois de apenas seis meses de
sobriedade sexual, essa companheira achou mais fácil não mencionar sua de-
pendência sexual e afetiva. A alusão ao fato dela ter passado anteriormente por
experiências de dependência sexual eram ocasionalmente recebidas com espanto e
desagrado e, às vezes, com risos, menosprezo ou propostas, até mesmo nas
reuniões de outras Irmandades dos Doze Passos que ela assistia.
Era extremamente fácil permitir que a vontade natural de ser aceita e
respeitada, dentro do novo círculo de amigos, convencesse a companheira quanto
às vantagens de se manter calada. Alguns meses depois, as referências a sua
dependência estavam sendo feitas apenas na privacidade da oração e da
meditação.
Quase sem que ela percebesse, a natureza modificadora da dependência
começou a influenciar sutilmente os valores em função dos quais a companheira
vivia. Seis meses depois, uma tentação converteu-se subitamente em um episódio
fora de controle. Felizmente para ela, a outra pessoa preferiu encerrar o episódio
enquanto a sobriedade sexual da infeliz dependente ainda estava intacta - um
simples detalhe decorrente exclusivamente da pura sorte e não da conscientização
e vigilância da companheira. Uma carta desesperada enviada ao seu padrinho
noD.A.S.A. (S.L.A.A.), não deixava a menor dúvida de que a sobriedade da
companheira havia recuado quase ao ponto de partida! A importância de encontrar
outras pessoas com as quais trabalhar, tanto para ela quanto para nós, não é apenas
teórica.
E onde foi que encontramos esses candidatos com os quais poderíamos
lrahalhar? Nos primeiros anos do D.A.S.A. (S.L.A.A.), muitos de nós já liaviam se
filiado a outras Irniandades dos Doze Passos, especialmente Alcoólicos
Anônimos, Comedores Compulsivos Anônimos, Al-Anon e Jogadores Anônimos.
Embora o D.A.S.A. (S.L.A.A.) nunca tivesse estabelecido e, de acordo com
nossas Doze Tradições, não possa estabelecer qualquer
l iliação com outras entidades, mantínhamos como indivíduos nossa filiação n
essas entidades. Muitos entre nós haviam descoberto que a dependência de amor e
sexo era uma manifestação adicional de um padrão de dependência em outras
áreas como alcoolismo, comida e jogo compulsivos. Assim, era natural que
procurássemos candidatos ao D.A.S.A. (S.L.A.A.), entre as pessoas que já
conhecíamos nas Irmandades às quais pertencíamos.
Constatamos, no entanto, que era extremamente difícil encontrar candidatos
reais. Aparentemente, isso era verdade tanto quando incluíamos alusões nada
veladas aos nossos padrões de dependência de amor e sexo, nos depoimentos que
fazíamos nas reuniões das outras irmandades, quando no momento em que
buscávamos individualmente outras pessoas, para partilhai' nossas percepções.
Aquilo que parecia tão evidente para nós - ou seja, que as pessoas que detinham
sua dependência em uma área podiam passar a abusar de outras substâncias ou
atividades - era o mesmo que “falar grego” para os outros. E estávamos tão
seguros da nossa certeza em relação àquilo! Podíamos observar outras pessoas
“devoradas” por padrões destrutivos extremamente semelhantes àqueles que
havíamos abandonado e, não obstante, a centelha dessa percepção não podia ser
oferecida a essa gente. Havíamos acreditado que os membros dessas outras
irmandades, que tinham percepti- velmente problemas de dependência afetiva e
sexual, iriam acorrer em bandos ao D.A.S.A. (S.L.A.A.). E, no entanto isso não
acontecia, nem mesmo com aqueles que considerávamos como extremamente
problemáticos.
E então, o que poderíamos fazer? Em primeiro lugar, tínhamos que nos
lembrar de que, mesmo que nossas histórias de dependência de amor e sexo
caíssem em ouvidos surdos, o fato de narrá-las continuava a nos manter em
contato com nossas próprias experiências, o que aprofundava nossa decisão.
Secundariamente, a negação que percebíamos nos outros não era necessariamente
em nada diferente da ignorância em relação àquele aspecto, que nós mesmos
havíamos mantido penosamente durante tantos anos. Em terceiro lugar,
precisávamos perceber que nós mesmos estávamos apenas nos primeiros estágios
da nossa própria recuperação. O sofrimento decorrente da abstinência era
indiscutivelmente muito evidente para as pessoas que nos ouviam e dificilmente
iria servir como estímulo para que elas seguissem nossos passos. Por último, nossa
própria recuperação não dependia tanto do sucesso que tivéssemos em encontrar
outras pessoas que viessem
ao D.A.S.A. (S.L.A.A.), mas sim do nosso empenho para encontrar essas pessoas.
Conseqüentemente, não era importante promover por todos os meios nossa
conscientização desses problemas e nem tentar “recrutar” outras pessoas ao
D.A.S.A. (S.L.A.A.). A tradição de nossa Irmandade, que fala em “atração mais
do que promoção”, tinha que ser respeitada tanto em público quanto a nível
individual. Tudo que podíamos fazer era partilhar nossa experiência. E finalmente,
tínhamos que confiar na orientação de um Poder Superior, que nos mostraria como
localizar outras pessoas ou levaria aqueles que necessitassem se recuperar e
fossem receptivos àquilo que tínhamos para oferecer ao nos procurar.
Essa reafirmação da nossa atitude em relação ao trabalho com outras pessoas
proporcionou uma saudável estrutura mental com a qual pudemos prosseguir.
Cedo ou tarde apareceriam os verdadeiros candidatos, normalmente em
circunstâncias que dificilmente seriam meramente “acidentais”. Talvez fôssemos
procurados pelo “amigo de um amigo” ou, ocasionalmente, alguém que não
conhecíamos, mas que estivera nos observando a algum tempo e faria contato.
Essas circunstâncias eram muito diferentes daquelas que havíamos enfrentado ao
promover nosso programa de recuperação. Agora, nós é que éramos procurados.
Qual seria a melhor forma de lidar com aquilo?
A coisa mais importante era evitar diagnosticarmos os outros. Tínhamos que
nos concentrar naquilo que conhecíamos melhor, ou seja, o nosso padrão de
comportamento pessoal. Além disso, era nos detalhes de nossos próprios padrões
que se encontravam as marcas registradas da experiência da dependência: os
motivos para evitar a dor e/ou aumentar o prazer, combinado à perda do controle
entre escolher ou rejeitar a indulgência (admitindo- se o poder que se tinha em
relação à dependência) e a progressividade (o crescente prejuízo para todas as
áreas vitais, à medida que a perda de controle continuava). Trabalhando com os
outros, conseguíamos afugentar esses conceitos, usando nossas próprias histórias
como exemplo. Talvez o segredo residisse na progressividade, trazendo à mente o
falo de que - depois que havíamos perdido o controle sobre a freqüência ou a
duração dos nossos períodos de indulgência sexual e emocional - não havia mais
nenhuma forma de conseguirmos evitar, em longo prazo, uma ameaça crítica para
a sanidade e mesmo para a própria vida. Nossa condição era na verdade de
impotência e desespero.
Descrevendo nossas experiências de rendição e abstinência, descobrimos que
era aconselhável não minimizar a dor envolvida, pintando um quadro
indevidamente róseo da recuperação. Sabíamos que, se um candidato estivesse
realmente nas ganas da doença, qualquer dor que ele estivesse atualmente
enfrentando já seria pior que qualquer coisa que pudéssemos dizer acerca da
abstinência. A abstinência, como “dos males o menor”, era
um incentivo tão eficiente quanto a “Abstinência - a Avenida para a Verdadeira
Felicidade na Vida!”, para que o candidato detivesse a dependência. E era, além
disso, muito mais honesta.
Outra atitude importante para nós, quando trabalhávamos com os ou- Iros, era
admitir que havia uma série de coisas que não sabíamos. Ignorávamos, por
exemplo, para onde nos levaria a nossa própria recuperação ou porquê havíamos
sido “escolhidos” para vivenciá-la. Não “conhecíamos” o padrão dos outros, nem
a duração da dor que alguém poderia ter que enfren- lar durante a abstinência. Não
“sabíamos” se existiam pessoas que podiam ser promíscuas ou “romancear” em
segurança, sem se tornarem dependen- les, e nem porquê não conseguíamos fazer
isso, embora outras pessoas conseguissem. Não “sabíamos” um monte de coisas.
Se a nossa recuperação tivessé realmente avançado até o ponto onde sentíamos
os desígnios de um Poder Superior em relação às nossas vidas, podíamos com
toda certeza mencionar esses novos estados de ânimo, essas novas formas de
experimentar a nós mesmos. No entanto, era importante ter em mente que esse
novo cenário mental provavelmente estaria fora do alcance dos novos candidatos.
Com toda a probabilidade, eles seriam envolvidos tle tal forma na perspectiva de
se sentirem privados das indulgências sexuais ou românticas, que a integridade
pessoal e espiritual podia surgir apenas como um pálido sucedâneo ou como uma
rude auto-ilusão.
Aprendemos a não nos preocupar com a incapacidade do cego para entender o
conceito de “cor”. Nossas reconfortadoras experiências com a sobriedade cairiam
mais tarde em ouvidos mais receptivos e compreensivos, assim que os novos
candidatos tivessem enfrentado e sobrevivido eles mesmos aos rigores da
abstinência e da aparente privação.
Uma observação adicional: nunca poderíamos (e ainda não podemos) afirmar
que realmente “conseguiria” ou não a sobriedade. Uma vez que praticamente
todos que chegavam ao D.A.S.A. (S.L.A.A.) pela primeira vez estavam (e estão)
enfrentando um sofrimento agudo, era tentador concluir que todos estivessem
sofrendo o suficiente para ficarem sóbrios. Não obstante, era freqüente que as
pessoas que aparentemente estavam enfrentando a dor e o turbilhão mais
desesperadores, as que expressavam o maior alívio imediato por haver encontrado
o D.A.S.A. (S.L.A.A.), acabassem sendo aqueles que esqueciam mais rapidamente
seu sofrimento, uma vez passada a crise imediata, e repudiavam em seguida
qualquer interesse adicional no D.A.S.A. (S.L.A.A.). Essas pessoas encontravam
freqüentemente algum motivo de descontentamento que servia como justificativa
aparente para abandonar o D.A.S.A. (S.L.A.A.). Alguma característica da
personalidade de um membro do D.A.S.A. (S.L.A.A.), ou alguma “linha” ou
tópico do D.A.S.A. (S.L.A.A.), em relação à sobriedade, eram freqüentemente
utiliza
das como desculpa para não querer saber mais da Irmandade. Na realidade, nossa
experiência como grupo parecia indicar que nossas dificuldades, no que se referia
ao relacionamento franco e honesto com outros seres humanos, deixava-nos
especialmente vulneráveis a esse tipo de desculpas, para nos isolarmos da
Irmandade.
Observamos isso acontecer centenas de vezes. Não resistimos nem esti-
mulamos esse tipo de estratégia. Afinal de contas, aquelas pessoas respondiam em
última instância, como todos nós, não à Irmandade do D.A.S.A. (S.L.A.A.), mas
sim ao próprio padrão dependente. O fato de deixarmos alguém partir sem rancor,
e até mesmo com uma cordialidade honesta, preparou melhor ainda o caminho
para que aquelas pessoas voltassem a procurar o D.A.S.A. (S.L.A.A.), no
momento em que estavam mais capacitadas a chegar ao fundo do poço e render-se
perante a dependência. Presenciamos inúmeras vezes uma atitude de adeus
benevolente converter-se em ouro, no retorno dos candidatos mais tarde ao
D.A.S.A. (S.L.A.A.), em busca da sobriedade. Na realidade, descobrimos que as
pessoas que chegavam ao D.A.S.A. (S.L.A.A.) e, de início, se ressentiam
totalmente por ter que estar ali, eram freqüentemente aquelas que viriam mais
tarde a ser D.A.S.A. (S.L.A.A.) pela vida toda!
Capítulo 7 Iniciando um Grupo do
DoA.S.A. (S.L.A.A.)
3
Para uma visão geral das Doze Tradições dos A. A. e as experiências formativas que resultaram na sua
codificação, veja Twelve Steps and Twelve Traditions. (New York: Alcoholics Anonymous World
Services, Inc., 1976).
Aqui estão as Doze Tradições dos Dependentes de Amor e Sexo Anônimos4:
1. Nosso bem-estar comum deve estar em primeiro lugar - a recuperação
individual depende da unidade do D.A.S.A.
2. Somente uma autoridade preside em última análise o nosso propósito
comum - um Deus amantíssimo que se manifesta em nossa consciência de
grupo. Nossos líderes são apenas servidores de confiança; eles não
governam.
3. O único requisito para se tornar membro do D.A.S.A. é o desejo de parar
de praticar um padrão de dependência de amor e sexo. Duas ou mais
pessoas reunidas com o propósito de mútua ajuda em recuperação da
dependência de amor e sexo podem se autodenominar um grupo do
D.A.S.A., desde que, enquanto grupo, ele não tenha nenhuma outra
filiação.
4. Cada grupo deve ser autônomo, salvo em assuntos que digam respeito a
outros grupos ou ao D.A.S.A. como um todo.
5. Cada grupo tem um único propósito primordial - levar sua mensagem ao
dependente de amor e sexo que ainda sofre.
6. Nenhum grupo do D.A.S.A. como um todo jamais deve sancionar,
financiar ou emprestar o nome do D.A.S.A. a qualquer sociedade parecida
ou empreendimento alheio à Irmandade, a fim de que problemas de
propriedade ou prestígio não nos afastem de nosso propósito primordial.
4
Reimpresso da adaptação com a permissão de Alcoholics Anonymous World Services, Inc. Seguem as
Doze Tradições dos Alcoólatras Anônimos: (1) Nosso bem-estar comum desde estar em primeiro lugar; a
reabilitação individual depende da unidade de A.A. (2) Somente uma autoridade preside, em última
análise, ao nosso propósito comum - Um Deus amantíssimo que se manifesta em nossa consciência
coletiva. Nossos líderes são apenas servidores de confiança; não têm poderes para governar. (3) Para ser
membro de A. A., o único requisito é o de abandonar a bebida. (4) Cada grupo deve ser autônomo, salvo
em assuntos que digam respeito a outros grupos ou a A.A. em seu conjunto (5) Cada grupo é animado de
um único propósito primordial - o de transmitir sua mensagem ao alcoólico que ainda sofre. (6) Nenhum
grupo de A.A. deverá jamais sancionar, financiar ou emprestar o nome de A.A. a qualquer sociedade
parecida ou empreendimento alheio à Irmandade, a fim de que problemas de dinheiro, propriedade e
prestígio não nos afastem do nosso objetivo primordial. (7) Todos os grupos de A.A. deverão ser
absolutamente auto-suficientes, rejeitando quaisquer doações de fora. (8) A.A. deverá manter-se sempre
não profissional, embora nossos centros de serviços possam contratar funcionários especializados. (9)
A.A. jamais deverá organizar-se como tal; podemos, porém, criar juntas ou comitês de serviço
diretamente responsáveis perante aqueles a quem prestam serviços. (10) A.A. não opina sobre questões
alheias à Irmandade; portanto, o nome de A.A. jamais deverá aparecer em controvérsias públicas. (11)
Nossas relações com público baseiam-se na atração em vez da promoção; cabe-nos sempre preservar o
anonimato pessoal na imprensa, no rádio e em filmes. (12) () anonimato é o alicerce espiritual de nossas
Tradições, lembrando-nos sempre da necessidade de colocar os princípios acima das personalidades.
7. Cada grupo do D. A.S.A. deve ser absolutamente auto-suficiente, re-
cusando quaisquer contribuições de fora.
8. O D.A.S. A. deverá permanecer sempre não profissional, embora nossas
centrais de sefviços possam contratar funcionários especializados.
9. O D.A.S.A. nunca deve organizar-se como tal; podemos, porém, criar
juntas ou comitês de serviços diretamente responsáveis por aqueles aos
quais elas servem.
10. O D.A.S.A. não opina sobre questões alheias à Irmandade; portanto o
nome do D.A.S.A. jamais deve ser envolvido em controvérsias públicas.
11. Nossas relações com o público baseiam-se na atração em vez da
promoção; nós precisamos sempre manter o anonimato pessoal na
imprensa, rádio, televisão, filmes e outros. É necessário proteger com
especial cuidado o anonimato de todos os membros do D.A.S.A.
12. O anonimato é o alicerce espiritual de nossas Tradições, lembrando- nos
sempre da necessidade de colocar os princípios acima das personalidades.
S.L.A.A. ’s Twelve Traditions © 1985 S.L.A.A., reimpressão adaptada
pela permissão de AA World Services, Inc.
Nós sabíamos que, de acordo com estas Tradições, nenhuma pessoa que
precisasse do D.A.S.A. poderia ter seu acesso negado à Irmandade. Entretanto
sabíamos também que, especialmente no começo, se não fôssemos circunspectos a
respeito dos encontros e da ocupação de devotarmo-nos à recuperação da
dependência de amor e sexo, teríamos muitas dificuldades. Assim, se
propagandeássemos a existência da Irmandade em grande escala, poderíamos ser
tomados por um grupo a procura de êxtases e emoções alheias ou por praticantes
do voyerismo ou ainda aqueles que, embora adic- tos, estivessem basicamente
procurando mais ação. Se nós fôssemos tomados por pessoas que não agissem
com seriedade perante a recuperação, nossa finalidade original - a qual deveria ser
mantida mediante o exercício da “consciência de grupo” de acordo com nossas
Tradições - seria irrevogavelmente alterada. Com a consciência de grupo que visa
à recuperação individual minada, estaríamos destruídos.
Se fôssemos mesmo adeptos ao princípio da consciência de grupo, tínhamos que
“passar a mensagem” de forma prudente e seletiva. Da mesma forma que o
D.A.S.A. não podia ser negado a nenhum dependente de amor e sexo a procura de
recuperação, não podíamos por outro lado, apresentar uma visão ou um manifesto
nacional do D.A.S.A. negligenciando o cuidado com nossa própria organização.
Não podíamos atrair grande número de pessoas no com-
imiccimento às reuniões às cuslas da diluição da qualidade da mensagem de
iccuperação. Não poderia haver nenhum tipo de atalho ou simplificação.
Mesmo com esta determinação claramente estabelecida, tivemos inevita-
velmente, alguns desafios iniciais lançados ao objetivo primário de nosso grupo.
Um exemplo disto ocorreu durante um breve período quando o encontro original
do D.A.S.A. estava acontecendo na casa de um membro que não estava
vivenciando a sobriedade. Esta pessoa estava obcecada com a lentativa de ser
menos inibida com relação às suas necessidades e durante uma das reuniões ele
pediu a uma das mulheres presentes que lhe fizesse uma massagem nas costas.
Havia vários recém-chegados nesta reunião em particular e um membro estável
manifestou-se de forma alarmante sobre o incidente reafirmando o propósito do
grupo. A pessoa que havia pedido pela massagem ficou muito irritada e respondeu
que nós não podíamos dar- lhe ordens em sua própria casa. E desnecessário dizer
que os encontros nunca mais ocorreram em sua casa e o membro em questão,
brevemente após
o incidente, partiu em busca de um ambiente mais permissivo.
Nós aprendemos uma importante lição. Se os encontros do D.A.S.A. são leitos
em residências de membros, como normalmente acontece no início, estes
membros precisam ter mostrado estar efetivamente sóbrios durante um
considerável período de tempo: eles precisam oferecer credibilidade. Se tais
membros não forem sóbrios e de confiança, a estrutura que deveria dar suporte a
cada encontro estará ameaçada. Nós precisamos estar constantemente em guarda
para que, o que acontecesse na fosse de acordo com nossa Quinta Tradição: “Cada
grupo do D.A.S.A. tem um único propósito primordial - levar a mensagem ao
dependente de amor e sexo que ainda sofre.”
Sugestões para o formato das reuniões
Assim que nossos encontros regulares foram mais estabilizados as reuniões
passaram a ser semanais e foi necessário um modelo de reunião.
A função de coordenação do encontro funcionaria nos moldes de rotação entre
os membros regulares, semana após semana. Nos meses iniciais, o pré- requisito
para a coordenação de uma reunião do D.A.S.A. era a autodefinição de sobriedade
sem levar o tempo em consideração. Durante um período, entretanto, a
consciência de grupo emergente estabeleceu um tempo de seis semanas de
sobriedade (autodefinida) mantidas continuamente no D.A.S.A. como uma
medida para coordenar uma reunião. Isto tem sido observado em grupos dos
D.A.S.A. já montados há alguns anos. O sentimento é que no início da abstinência
da dependência de amor e sexo o esforço é tão intenso que leva algum tempo para
que um novo membro consiga inteirar-se no D.A.S.A. e esteja suficientemente
ambientado para coordenar uma reunião. Pessoas que estão entrando no período
de abstinência normalmente mudam radicalmente
nas primeiras seis semanas e isto é seguido por uma mudança ainda maior nu
autopercepção durante os próximos de períodos variantes de três a seis meses.
Entretanto, enquanto as seis semanas de sobriedade funcionaram bem para
coordenadores, não há e nem nunca houve qualquer tempo preestabelecido para
partilha de experiências numa reunião regular do D.A.S.A.
Aqui, segue o modelo que foi desenvolvido em nossa primeira reunião
regular e que tem funcionado de forma positiva em outros grupos que foram
formados desde então.
A pessoa anuncia: “Esta é uma reunião regular do D.A.S.A. e será aberta
com um momento de silêncio seguido pelo preâmbulo do D.A.S.A”.
O Preâmbulo é lido:
Preâmbulo do D.A.S.A.
Dependentes de Amor e Sexo Anônimos é uma Irmandade orientada
pelos Doze Passos e Doze Tradições baseados no modelo pioneiro de
Alcoólicos Anônimos. O único requisito para ser membro do D.A.S.A. é o
desejo de parar de praticar um padrão de dependência de amor e sexo. O
D.A.S.A. é sustentado completamente pelas contribuições de seus membros e
está aberto a todos que precisem dele.
Para evitar as conseqüências destrutivas da dependência de amor e sexo,
nos baseamos em quatro pontos importantes:
1. O desejo de parar de praticar nosso comportamento autodes- trutivo
de dependência numa base diária.
2. A capacidade de recorrer a um apoio acolhedor dentro do D.A.S.A.
3. Prática do Programa de Recuperação dos Doze Passos para alcançar a
sobriedade sexual e emocional.
4. Desenvolver uma relação com um Poder Superior a nós mesmos, que
pode nos guiar e apoiar na recuperação.
Como Irmandade, o D.A.S.A. não opina sobre assuntos alheios à mesma
e não se envolve em controvérsias. O D.A.S.A. não está afiliado a nenhuma
outra organização, movimento ou causa, seja religiosa ou não. Estamos,
contudo, unidos por um objetivo comum: lidar com nosso comportamento
sexual e emocional dependente. Temos um denominador comum no nosso
padrão obsessivo/compulsivo, que torna irrelevante qualquer diferença
pessoal de orientação sexual.
Precisamos proteger com especial cuidado o anonimato de cada membro
do D.A.S.A. Além disso, tentamos evitar atrair atenção indevida dos meios
de comunicação para o D.A.S.A.
i.iiilo numa reunião exclusiva “de mulheres” quanto numa reunião mista.
• Htvmmente, o mesmo conceito se aplica para homossexuais masculinos
ptíllieipando de reuniões “para homens”.
0 lato é simples: nenhuma reunião do D.A.S.A. pode estar isenta de h nl
nções limitando-se a participação em “tais ou tais grupos” sob a teoria .I.' <|iie
todos os membros seriam compatíveis ao grupo por serem sexualmente não
compatíveis. Nosso comportamento sexual coletivo tem sido n li-lico demais para
isso.
1 im segundo lugar, há um outro mito que pode ser facilmente adotado em
(Jiupos com interesses especiais, independentemente de um “interesse es- |uvial”
em particular. Muitas pessoas com histórias difíceis com relação a rompulsão em
amor e sexo procuram culpar “os outros”. Estes “outros” podem ser rotulados por
estereótipos tais como “feministas masculini- /udoras”, “machistas”, “sociedade
masculinamente dominada”, “sociedade íemininamente dominada”, “mulheres
liberadas”, “machos-sexistas opressores”, “feministas”, “masculinistas etc. Fazer
declarações polêmicas sobre como vários subgrupos (os de outra pessoa, é claro!)
são minorias vitimadas sofrendo nas mãos de opressores potenciais pode fazer
sentido para sociólogos, mas para dependentes de amor e sexo intencionados à
recuperação, lais questões não possuem valor positivo. A verdade parece ser que
até (ermos nossa dependência de amor e sexo como uma condição pessoal a cerca
de como nós assumimos a responsabilidade de fazer algo dentro de nós mesmos,
direcionar hostilidade a algum grupo potencialmente “persecutor” é uma perda de
tempo. Além do mais, sentimos que grupos com interesses especiais não têm
acontecido porque as pessoas no D.A.S.A. têm sido cautelosas ao iniciarem algo
onde “inimigos externos” poderiam ser rotulados, ainda desviando a atenção de
encarar a dependência de amor e sexo como uma aflição pessoal.
Uma terceira razão pela qual grupos com interesses especiais não têm sido
formados é que as pessoas no D.A.S.A. perceberam que há um grande valor
terapêutico em ter ao redor um vasto espectro de pessoas incluindo aquelas que
podem ser consideradas como oportunidades de atração. Estando cercado de
pessoas atraentes dentro do D.A.S.A. tem forçado-nos, neste santuário, a começar
a aprender como inteirarmo-nos mais humanamente com aqueles que poderiam
ser elencados como “tipos”, fora do grupo. Da mesma forma que nós mesmos,
estas pessoas estão, dentro do D.A.S.A., tentando manter a sobriedade e encontrar
uma recuperação estável. Nós descobrimos, nas reuniões do D.A.S.A. onde todos
os dependentes de amor e sexo estão presentes, que temos bases comuns para a
identificação da doença independentemente de quaisquer outros fatores. Num
âmbito maior, as reuniões do D.A.S.A. têm sido um tipo de treinamento básico
necessário para tornar-nos mais capazes
de lidar com pessoas externas ao D.A.S.A. que poderiam representar unui ameaça
real à nossa sobriedade. Temos visto pela potencialidade compulsiv;i dos
indivíduos, quebrar-se a ilusão de tal modo que a dimensão humana possa ser
focalizada. Uma vez aprendido dentro do D.A.S.A., esta capacidade de enxergar
pela potencialidade compulsiva tem sido transportada para as situações com as
quais lidamos fora dele, com as pessoas que poderiam estar disponíveis. Os
valores desenvolvidos neste processo com alguém de D.A.S.A. têm se
transformado em projetos que aplicamos ao acessar os reais valores das relações
fora do D.A.S.A.
Grupos “de apenas um único sexo” ou com “interesses específicos” poderiam
claramente, mediante a tentativa de excluir tentações, ser nocivo a nós próprios
(todos de nós) que queremos aprender como lidar com a realidade, muito mais do
que isolar-nos dela. Se não tivermos estas oportunidades dentro das reuniões do
D.A.S.A. que estão abertas a todos os dependentes de amor e sexo, nunca
encontraremos os mecanismos que podem realmente impedir-nos fora delas.
Nossa sobriedade será frágil e provavelmente não resistirá.
Ao examinar este ponto referente a grupos com “interesses específicos” de
perto, nós queremos salientar que o D.A.S.A., como tal, não pode impedir que tais
grupos se formem. Se eles se formrem para servir a uma causa construtiva, eles
deveram estar calcados em bases racionais, além da ilusão de prover às pessoas
em questão um ambiente “mais seguro” onde o envolvimento e a atração sexual
sejam supostamente evitados. Tais grupos devem unir-se em objetivos comuns
antes de rotular os demais indivíduos como “inimigos externos” ou ligá-los a um
assunto delicado, proposto àqueles que estão iniciando ou já iniciaram um grupo
do D.A.S.A. Em termos práticos vocêé, especialmente no início, a luz guia do
D.A.S.A. em sua área. Talvez você já tenha visitado grupos em outras partes do
país e os viu atuando. Talvez ainda, baseado apenas neste livro, combinado com o
seú estado abstêmio da dependência de amor e sexo, você sinta-se interiormente
impelido a iniciar um grupo local.
Você encontrará, ou já encontrou, uma perspectiva no D.A.S.A. com a qual
lidar. Talvez já esteja promovendo reuniões em sua própria casa e tenha contatado
pessoas que estão obviamente com problemas. Talvez, você já tenha trabalhado
com uma sucessão de indivíduos, apenas para descobrir que eles desistem após
um curto período. Como isto pode ser desestimulante! Mediante sua perseverança
e necessidade da Irmandade, você mantém viva a esperança de iniciar um grupo
do D.A.S.A., aguardando os frutos de sua resolução. E o que acontecerá, mais
cedo ou mais tarde.
Quando isto acontecer, você estará inclinado a sentir-se o ser mais importante.
Mesmo entre participantes regulares das reuniões e na feliz circunstância de ver
um ou mais em processo de abstinência e recuperação,
própria experiência fará de você uma pessoa formidável no grupo recém-
iiíi
lormado. Você tenderá a sentir-se paternalista em relação a isso tudo, o que pode
ser complicado. Você “puxou” o grupo, de um certo modo deu vida a ele por meio
de sua constância e dedicação. Os membros do grupo devem, cm contrapartida,
validar seu próprio processo de recuperação imitando-lhe cm todos os detalhes.
Se você for realmente cuidadoso e tiver de fato as Doze Tradições em mente,
como nós temos tentado ser e ter, você apresentará logo de início o princípio da
consciência de grupo. Talvez, você peça ao grupo para que loine decisões em
assuntos ligados a expedientes de rotina, tais como local de reunião, horário,
quem coordena as reuniões etc. Nesta fase inicial evolutiva do grupo, esta
expressão de consciência grupai será muito mais uma formalidade. Novos
membros estão sempre tão absorvidos em seus processos de abstinência que eles
tenderão a endossá-lo como liderança na maioria dos assuntos, pessoais ou
referentes ao grupo.
Apesar da aparente formalidade deste exercício de consciência de grupo, não o
negligencie. O tempo está correndo. Saiba você, ou não, seus dias de “venerado
fundador regional” (ou co-fundador), como aquele que sempre lem a palavra que
pode cristalizar de forma confiável a consciência do grupo, estão contados. Isto é
verdadeiro independentemente de você ter abusado do poder que lhe foi conferido
no início, ou do fato de você ter sido a pessoa mais cuidadosa e conscienciosa da
Terra na tentativa de ser imparcial e responsável em relação ao grupo.
Vamos considerar dois exemplos de atitudes de “fundadores de grupo” e
explorar por que, independentemente da intenção, os dias de liderança
inquestionável do fundador estão contados.
Consideraremos em primeiro lugar o fundador com abuso de poder. Este é
o caso daquele que geralmente tem procurado um fórum no qual seu controle
possa ser exercitado. Ele tende a tomar posições extremadas em assuntos
referentes ao D.A.S.A., abstinência, sobriedade, o modo como conduzir uma
reunião, e assim por diante. Freqüentemente esta forma de controle é parcialmente
(mas nunca totalmente) mascarada pelo raciocínio de que ele está apenas tentando
salvaguardar o D.A.S.A. de influências que poderiam fazer as reuniões desviarem-
se de seus objetivos. A pessoa em questão não consulta realmente o grupo em
muita coisa: sua voz não está sujeita a ser confiada, ou tolerada! Quaisquer
perguntas referentes a procedimentos do grupo ou questões ligadas à sobriedade
são recebidas com rigidez e absolutismo. Este tipo de “fundador” provavelmente
fará isto caso ele permaneça no controle. Qualquer questionamento relacionado a
como as questões do grupo são conduzidas, ou sobre suas opiniões acerca da
dependência de amor e sexo são tomadas como afronta pessoal porque tais
questões ameaçam seu poder.
Pessoas com este distúrbio de busca pelo poder não estão realmente aptas a
criar algo ou ajudar a alguém. Tipicamente elas procuram submeter as pessoas à
eles próprios ou pela força do carisma pessoal ou sob a forma aparente de
escrúpulo, assim mascarando sua natureza inflexível.
Um grupo formado nestas circunstâncias pode ser tolerado por algum tempo,
sendo levado pelo carisma do fundador ou pela lógica compelidora. Entretanto,
cedo ou tarde uma revolta será inevitável quando os outros se tornarem
conscientes da insaciável sede de poder do seu fundador. As ovelhas tornam-se
lobos e o grupo pode se autodestruir numa violenta reação ao poder do “líder”.
Outros indivíduos que se sintam forte o bastante podem tenlar usurpar o poder. O
grupo pode ainda passar por dolorosas convulsões, mas ao final reorientar-se
dentro das Tradições do D.A.S.A., com o fundador afastado do papel de liderança,
e provavelmente ignorado emocionalmente. Aquele que abusou do poder é então
recompensado cedo ou tarde desta forma. Se ele não souber lidar com isto de
forma construtiva, a doença de compulsão ao amor e sexo pode tornar-se, mais
uma vez, uma opção atraente.
No caso onde o fundador ou co-fundador do grupo procede de maneira
cuidadosa e com consenso, riscos similares estão presentes, mas podem
manifestar-se de modo diferente. No caso, a pessoa é consciente dos precedentes
incorporados às Doze Tradições e solicita a consciência de grupo em todos os
assuntos de ordem regular. Como ele sempre age de tal modo, as pessoas
naturalmente o endossam como “pastor” experiente e não se rebelam sob tal
liderança positiva.
Mesmo assim o relógio não pára para este fundador “iluminado” da mesma
maneira como não pára para o fundador abusivo. Vejamos por quê. Com o passar
de poucos anos, talvez, nosso amigo cuidadoso e com consenso caia numa
armadilha embora ele não perceba a tempo. O verdadeiro motivo é que a pessoa
nunca abusou do poder, nem aberta ou secretamente, as pessoas se acostumam a
endossar seu modo aberto e cuidadoso de refletir no grupo e com os assuntos
relativos à Irmandade. Na verdade, esta é a voz da experiência em sobriedade,
geralmente formulada na genuína humi I dade e autodesprendimento. Ainda assim
é fácil para este fundador tornar- se embalado em cultivar uma expectativa que ele
próprio não saiba que tenha. Ele passa a acreditar que, em algum nível, a posição
de “moldador da consciência de grupo” é assegurada pela virtude do exercício
escrupuloso da consciência pessoal e da boa vontade.
De certo modo, esta pessoa acaba tirando muito de seu senso de segu rança da
aparente influência confiada do mesmo modo que retira seu podei, A expectativa
é que isto ocorrerá indefinidamente. Como é deseslrulunink' para o fundador
quando isto não ocorre!
Cedo ou tarde alguém com sérios problemas em relação à dependência de
amor e sexo vem até uma reunião do D.A.S.A. com mais interesse em encon-
I rar e rotular alguém do grupo como “inimigo externo” do que encarar de
fato sua doença. Um recém-chegado relutante em encarar a seriedade da doença
pode encontrar muitos argumentos convincentes que pareçam justificar tal
rotulação. Este recém-chegado encontrará outros aliados, assim como subgrupos
numa sociedade podem encontrar coesão com outros grupos, independente das
diferenças filosóficas, colocando a culpa por seus respec- livos problemas num
inimigo externo.
Inevitavelmente, os fundadores de um grupo do D.A.S.A. se encontrarão
colocados na posição de inimigo externo, independentemente do cuidado com o
qual eles terão agido. Eles serão assim designados unicamente pelo fato de
exercerem, obviamente, uma “autoridade” ou influência, dentro de um grupo do
D.A.S.A.. Se os fundadores chegaram a esta influência através do abuso ou da
virtude, não faz a menor diferença. E a posição de “liderança” que polariza aquele
que busca o inimigo externo e não há nada que se possa fazer.
Mesmo pronunciando-se de forma mais cuidadosa, “afirmações de consci-
ência” bem intencionadas por parte do fundador apenas servem pai a fomentar a
procura pelo inimigo externo. O fundador rende-se completamente sem poderes,
lioas intenções não possuem efeito algum na resolução da dificuldade.
O que acontece então? Depende. Se o fundador tiver sido realmente
cuidadoso, a consciência de grupo que ele continuamente invoca resolverá
o problema. O grupo resolverá a discórdia positivamente logo na primeira vez. No
passado os membros do grupo provavelmente endossaram os julgamentos do
fundador numa tal extensão que eles próprios não levam a sério como suas
opiniões são essenciais ao atuarem na consciência do grupo. Agora, entretanto,
eles reorientam-se. Ao fazer isso, uma irreversível substi- luição de poder e
influência ocorre.
As rédeas do fundador (bem como seu reinado) foram tomadas pelo grupo, ele
goste ou não. Aquele que busca o inimigo externo não tem mais o “fundador do
grupo” como alvo em sua mira, e, portanto ele se defronta com a real fonte de
poder dentro do grupo, um Deus amoroso, representado de forma melhor ou pior
mediante o exercício da consciência de grupo. Sem um alvo proeminente esta
pessoa pode acalmar-se e voltar às suas atividades cm cuidar dc sua dependência
de amor e sexo. O fundador sofre uma perda muito dura devido a tudo isso, perda
esta que é imensamente saudável. Sua “criança" cresceu, amadureceu. A
experiência da perda não é como a de um pai deixando que seu íilho se vii, Ne a
paternidade Ibi de qualidade, o grupo ainda amimí e respeilarii o(s) Innilmloi(es)
que ainda posstia(m) um impoi lanle papel a desempenhai 1’oivm u lelaçrto.
daqui em dianle. seni de atlullo paia mlulloe ilflode pm pina llllio
Se há uma lição básica a ser lirada desta breve descrição de nossas
experiências com a evolução dos grupos no D. A.S.A., podemos colocá-la d»
seguinte forma: a perseverança, a dedicação e a singularidade de objetivo, que são
características tão necessárias no início, para quem tenta iniciar um grupo do
D.A.S.A., são as mesmas que podem mais tarde pressionar ou deter o crescimento
do grupo como um todo, de “amadurecer” - de assumir a responsabilidade por seu
próprio bem-estar. As coisas mudam e, com o tempo, mudam também as
necessidades da evolução de uma Irmandade.
() tempo para qualquer fundador apresentar ao grupo do D.A.S.A. as Doze
Tradições e os conceitos de poder e de servir estão dados, e enquanto eles ainda
têm o poder e a influência para fazê-lo. O tempo não pára.
Assim, nós temos experimentado a verdade que está sob a Segunda Tradição:
“somente uma autoridade preside em última análise o nosso propósito comum -
um Deus amantíssimo que se expressa por meio da consciência de grupo. Nossos
líderes são apenas servidores de confiança não tendo poderes para governar”.
(Aprovado pelo Board of Trustees, The Augustine Fellowship, Sex and Love Addicls Anonymous,
Fellowship-Wide Services, P.O. Box 119, New Town Branch, Boston, MA 02258)
Capítulo 8 Desenvolvendo
Relacionamentos Estáveis
5Essa pessoa raramente era o objeto anterior da dependência. A reconciliação mais freqüente era com
alguém que não apresentava todos os sintomas da dependência de amor e sexo, mas que havia, no passado
tolerado viver conosco durante um longo período, enquanto estávamos na fase ativa.
Nossa atitude relativa à reconciliação incluía freqüentemente muitas
rxpectativas não admitidas quanto àquilo que iria acontecer. Essas expec- tulivas
incluíam freqüentemente ter direito a alguma atenção especial por imite do
companheiro reencontrado, em reconhecimento ao fato de não estarmos mais
“praticando”, ou em relação ao mercado de aventuras românticas. Essas
expectativas autocentradas também apareciam em nossas íil iludes relativas ao
sexo com o companheiro. Sentíamos freqüentemente Iit o direito de sermos
assertivos acerca de nosso desejo. Essa asserti- vidade chocava-se quase sempre
com as reticências que havíamos cultivado anteriormente, no interior do
relacionamento, durante os anos da dependência! Ao longo daquele período,
tínhamos freqüentemente um interesse velado em não ter nenhuma sinceridade
acerca de problemas sexuais. Na realidade, muitos de nós havíamos investido
muito em caracterizar nossos antigos companheiros como sexualmente
inadequados, sem espontaneidade, constrangidos tediosos, e na tentativa de
assegurar que essa avaliação nunca fosse modificada. Agora sóbrios, tornávamo-
nos ocasionalmente determinados e exigentes, querendo que eles aprendessem a
atender nossos apetites sexuais peculiares.
Essas expectativas e muitas outras semelhantes a elas eram inevitáveis. A
tarefa geral de tentar a reconciliação era nada mais, nada menos do que revolver
muita lama (às vezes parecia que ela era interminável!) e assentar alicerces
lotalmente novos para a cooperação, a confiança e a intimidade. Essa tarefa erae
ainda é monumental. Se não fosse o conceito de “um dia de cada vez”, o desânimo
durante os períodos difíceis teria sido superior àquele que podíamos suportar. E,
se nossa rendição relativa à dependência do amor e do sexo não tivesse sido
incondicional, poderíamos muito bem ter capitulado perante algo
momentaneamente desagradável, em nossas tentativas de um relacionamento de
reconciliação, e ido procurar opções do tipo dependente.
Persistimos, no entanto. Sabíamos que nossos problemas de cooperação,
confiança e intimidade eram interiores. Independentemente das provocações
externas que, com nossos companheiros anteriores, ocorriam freqüentemente,
sabíamos que aqueles problemas não eram pessoais. Não podíamos atribuí- los
unicamente aos outros. Tínhamos certeza de que, se evitássemos o esforço
honesto e exaustivo de explorar totalmente a reconciliação com aquelas pessoas,
iríamos apenas reencontrar problemas idênticos mais tarde, quaisquer que fossem
nossos “novos” parceiros. Se fugíssemos, poderíamos mudar o elenco mas não
conseguiríamos revisar o enredo.
Conseqüentemente, a menos que soubéssemos realmente que o relacio-
namento estável com o cônjuge ou o amante anteriores não estava ao nosso
alcance, continuávamos nos esforçando. Se chegasse o momento em que
percebêssemos realmente que a reconciliação era impossível, nossa sensa
ção de ter deixado algo “inacabado” desaparecia. Podíamos partir sem iv morso e
até com uma imparcialidade silenciosa. Tínhamos que nos lembrai' o tempo todo
de que o sucesso de qualquer tentativa de reconciliação deviu ser encontrado em
nossa capacidade sóbria de estarmos emocional e meu talmente prontos para o
relacionamento, numa base suficientemente con sistente. Nosso esforço pela
equanimidade, em meio a todas as correntes cruzadas, era um sucesso,
independentemente do relacionamento vir ou não a sobreviver.
Quando a reconciliação ultrapassava o refinamento das velhas formas e
começava a desabrochar em um relacionamento novo e florescente, experi
mentávamos um estado de graça, uma sensação de haver encontrado algo que
sempre havíamos procurado, no lugar onde menos esperávamos encon trar. Para
pavimentar o caminho até essa possibilidade, queremos mencionar alguns
aspectos dos nossos problemas e como estes começaram a ser solu- cionados em
parceria.
Emocionalmente, o maior fator isolado que precisava ser elaborado era a
desconfiança. A desconfiança e a apreensão evidentes, que o cônjuge ou o
companheiro anterior alimentava em relação à nossa sobriedade no D.A.S.A.
(S.L.A.A.), eram solucionadas de forma relativamente fácil. Nosso maior pro-
blema eram os sentimentos residuais de desconfiança e ressentimento, que haviam
recebido tamanha confirmação no passado. Esses sentimentos eram reativados ou
acionados por qualquer situação atual que se assemelhasse até mesmo
remotamente ao passado. O não cumprimento ocasional da promessa de estar em
casa na hora do jantar ou de um período de afastamento a dois - o tipo de coisa
que ocorre normalmente em qualquer relacionamento - podia deixar nossos
parceiros mergulhados nos velhos sentimentos penosos. Isso servia para nos
polarizar ao redor da questão da confiança e reagíamos desafiadoramente de vez
em quando, afirmando que não pretendíamos passar o resto de nossas vidas em
um estado de credibilidade em suspenso.
As situações onde nossos companheiros pareciam totalmente “desinte-
ressados” ou “distantes” de nós talvez fossem ainda mais exasperantes. Oca-
sionalmente, esses estados de ânimo pareciam ter vida própria. Raramente podiam
ser nitidamente relacionados a alguma situação específica atual. Quando os
enfrentávamos, nos momentos em que estávamos nos esforçando especialmente
em prol da comunicação (que acarretavam freqüentemente a necessidade não
admitida de sermos reconhecidos pelo esforço), podia irromper uma guerra geral.
Esse tipo de conflito, surgindo aparentemente do nada, era o desenvolvimento
mais desanimador dentre todos. Aquilo nos fazia imaginar novamente se nosso
propósito de reconciliação não seria totalmente descabido. Os prejuízos
decorrentes do passado seriam numerosos demais para serem remediados?
Sofríamos com essas dúvidas, mas não fugíamos delas.
N a área da sexualidade, ocorriam problemas semelhantes. Muitos de nós
podíamos recordar nitidamente demais relacionamentos dependentes que Imviam
incluído o sexo explosivo como parte do conjunto. Aquelas intrigas haviam nos
oferecido um nível de intensidade sexual que acreditávamos ser Impossível obter
na parceria reconciliada. E não obstante esperávamos con- '.rj'ui-lo! Talvez
pudéssemos romper as barreiras que haviam caracterizado nosso relacionamento
anterior, que atribuímos à reticência de nossos com- |innheiros. Ansiávamos
secretamente por reencontrar, na reconciliação em lindamente, a excitação e a
sensação de abandono que haviam sido aspec- los tão valorizados da dependência
e tanto haviam contribuído para aquilo tjiic definíamos como “amor”. Essa
esperança de intensidade sexual reativada, com nosso companheiro de
reconciliação, era certamente um anseio compreensível. No entanto, não existia
essa fórmula simples para se criar “amor” ou satisfação sexual.
Na medida em que renovávamos o contato sexual com o companheiro, Indo
era conhecido demais: muita autoconcentração, nenhuma espontaneidade, pouco
calor e assim por diante. Mas agora estávamos sóbrios e achávamos que tínhamos
o direito de apresentar nossas queixas! Além disso, nossas vidas eram abertas e
isso já durava algum tempo. Assim, não conseguíamos ocultar nossos
sentimentos. Deus, como doía! Nossa admi- lida insatisfação sexual com o
companheiro acarretava uma tristeza enorme e a sensação de perda da paixão e da
adrenalina existentes em nossas vidas tle dependência anteriores. Nossos
companheiros de reconciliação ficavam desorientados e entristecidos. Também
eles se sentiam exasperados e abandonados.
Não obstante, na atmosfera dessas revelações penosas, mas completas,
começamos a prestar atenção à perspectiva dos parceiros em relação a tudo
aquilo e a nossa capacidade de “ouvir” melhorava muito, quando não estávamos
tão preocupados em declarar nossas próprias exigências sexuais e o nosso
“direito” a vê-las atendidas. E o que foi que aprendemos? Aprendemos que,
mesmo quando o nosso companheiro não “sabia” das nossas atividades
extracurriculares, durante a dependência ativa, nunca disfarçáramos realmente
nossa ausência emocional. Acreditávamos que havíamos escondido nossos
sentimentos, mas eles haviam sido intuitivamente percebidos pelos nossos
companheiros. O resultado havia sido que estes haviam começado a se “desligar”
automaticamente, independentemente de terem ou não consciência do fato. Era
algo automático. Conforme essa percepção desmentia nossas afirmações em voz
alta (ou silenciosas), negando que tivéssemos outros interesses, os nossos
companheiros sentiam-se obrigados a fazer sexo conosco, temendo que, se não o
fizessem, pudéssemos nos desviar novamente! No entanto, já que o motivo era
“Vou perdê-lo mais ainda, se não concordar”, toda
a possibilidade de calor ou espontaneidade no sexo, por parte do companheiro,
ficava anulada. O sexo passava a ser uma forma de chantagem.
Mas isso não era tudo. O nosso companheiro anterior achava freqüentemente
que estava sendo comparado com todos os demais parceiros sexuais ou amantes
que já tivéramos. Durante o sexo, ele sentia que estávamos avaliando seu
desempenho e a verdade é que isso era freqüentemente exato.
Ah, o efeito impactante que essas condições impunham à espontaneidade do
nosso antigo companheiro! Aqui também, conseguimos perceber tudo isso. Vale a
pena repetir que esse drama de incapacitação sexual também se aplicava aos
relacionamentos onde o cônjuge anterior não tinha nenhum conhecimento daquilo
que fazíamos como dependentes de amor e sexo. Pensamos, durante muitos anos,
que estávamos “levando o barco” e estivé- ramos impedindo o tempo todo
qualquer possibilidade de realização emocional e sexual com nosso companheiro,
a pessoa à qual devíamos supostamente estar mais ligados. Era vital que
ouvíssemos realmente a perspectiva do parceiro acerca dessas coisas. Só
poderíamos perceber mais claramente as conseqüências da nossa dependência e o
que teríamos que fazer agora ouvindo atentamente e mantendo toda a franqueza
sobre as coisas.
Ao fim de um longo período em que tentamos alternadamente impor nossas
exigências sexuais sobre o nosso companheiro de reconciliação ou nos abstermos
de fazer essas exigências, em nome da “virtude”, o que constitui uma espécie de
contabilidade “caixa dois” (a abstinência de hoje significa exigências específicas
amanhã), tivemos que nos render novamente. Essa rendição foi a admissão
irrestrita de que não tínhamos, àquela altura, o conhecimento daquilo que constitui
a expressão sexual sadia. Nosso companheiro havia se sentido ameaçado e
negligenciado pelas nossas incessantes expectativas de sexo. Nunca se sentira
capacitado a estar em contato com suas próprias necessidades sexuais. Nunca
existira tempo livre suficiente para que nosso companheiro chegasse a se senti i
como um ente sexual por direito próprio. Nosso parceiro sentia-se como um
perdedor e afirmou esse fato.
A rendição necessária era a seguinte: por trás de todos os protestos que havíamos
feito, acerca dos nossos direitos em relação ao sexo, também nos sentíamos como
perdedores. Tivemos de admitir que nosso medo da privação sexual era às vezes
excessivo. Quando vitimados por esse receio, não havia meio-termo para nós e o
medo permeava tudo! Sabíamos também que aquilo que precisávamos, no
relacionamento com o compa nheiro, era um relacionamento de confiança e
intimidade. Nosso receio da privação sexual era na realidade baseado na
desconfiança quanto à dispo sição do outro para aceitar seriamente as nossas
necessidades, tanto emo cionais quanto sexuais. No entanto, nós mesmos não
confiávamos nas
"necessidades” que estávamos expressando, por elas serem tão enraizadas na
dependência.
Conforme partilhávamos nossa sensação profunda e íntima de sermos
perdedores na arena do sexo e da sexualidade, descobrimos juntamente com
nossos companheiros o terreno comum onde a comunicação - enviar e receber -
podia ocorrer. Nos sentimos como perdedores - ambos eram perdedores.
Agora, tínhamos ambos que admitir isso. Éramos perdedores por razões
diferentes, talvez, mas a sensação de ser um perdedor era a mesma. Desapareceu
o impacto das acusações e negações, das boas intenções e das frustrações, e
surpreenderam-nos experimentando a comunhão do nosso compromisso. Sem
expectativas e sem sensação de dor, éramos apenas duas pessoas empenhadas em
obter alguma aproximação e renovação. Éramos plantinhas jovens buscando a luz
do sol, brotando em um campo de batalha qualquer, sob uma pilha de cápsulas de
artilharia. Conforme encontramos um ao outro nesse plano de vulnerabilidade
partilhada, totalmente isento de falsidade, começou a aparecer uma cálida
radiação interior. Podíamos chorar ou rir, ou fazer as duas coisas
simultaneamente. A sensação de tirania havia desaparecido. Era como se, uma
vez encontrado o nível de angústia partilhada, já estivéssemos nos aquecendo ao
ameno borralho de uma maravilhosa fusão física. Sentíamo-nos luimanos, talvez
supremamente humanos. Podíamos nos oferecer com amor; podíamos nos
permitir sermos amados. Ninguém era culpado ou inocente, nesse maravilhoso
clima de convalescença; aqueles conceitos simplesmente não se aplicavam.
Éramos apenas duas pessoas.
Do ponto de vista vantajoso da nossa experiência mútua como “perdedorés”,
estávamos livres de considerar o outro como “o inimigo”. Como dependentes de
amor e sexo, podíamos abandonar o mito da inadequação sexual do nosso
companheiro. Nossos parceiros descobriram que podiam ser menos críticos, se se
sentissem menos enganados pela nossa persistência sexual, ainda que pudéssemos
admitir que nossas próprias expectativas eram freqüentemente exageradas.
Começou uma nova era de exame e compreensão. Tínhamos muito que apren-
(ler juntos. Se acontecia, por exemplo, que o ritmo sexual do nosso companheiro
1'osse de quatro dias, sendo o nosso de três, percebemos que essa discrepância,
i inbora não reconhecida, era suficiente para criar muito conflito e
incompreensão. () parceiro cujo ciclo era de quatro dias percebia como
“excessivas” as exigências feitas depois de dois ou três dias. Não obstante, para
aqueles que se "reciclavam” em dois ou três ilias, a reticência do companheiro só
podia ser entendida como pnvaçtlo do sexo. Do ponlo de visla da vulnerabilidade
partilhada. noentanlo, nilo se tintava mnis de,saber “Quem estdcerloV” ou “Qual
e a lieqüCnclli mnis tu/onviT,'". e sim de snhei "Como, em que pese a imliiie/u
inevitável desse eonllllu, podemi>s nos entendei eonslnilivnmeiili n ic-.petlo"'
Os entendimentos sobre esse problema e muitos outros foram longos. A velha
programação de expectativas, desconfiança e temor da privação era muito
profunda. O progresso foi lento. De certa forma, nossas vidas como dependentes
de amor e sexo sóbrios era mais simples antes da partilha, porquê era mais fácil
não ter nenhum sexo, do que discutir essa questão com
o outro. Não obstante, éramos agora parte de uma parceria e continuamos a
experimentar formas de lidar com as expectativas sexuais. Experimentamos por
exemplo alternar quem iria iniciar o sexo e às vezes tentávamos passar sem ele.
Ocasionalmente, tentamos arranjos onde a pessoa que era abordada podia dizer
“Não”, mas ficava obrigada a abordar mais tarde aquela que estava iniciando o
contato. Tentamos muitas variações semelhantes a essas.
Como dependentes de amor e sexo, um dos compromissos que assumimos foi
que, já que nosso próprio “intervalo de reciclagem” (um conceito nada científico,
admitimos) era normalmente mais curto do que o tempo do parceiro (o que não é
de admirar!), tendíamos a nos sentir deprimidos e vingativos quando o
companheiro dizia “Não”. Sentíamos que nosso parceiro levava a melhor. Ela ou
ele podia dizer “Não” para nós, embora soubesse que o sexo estaria disponível
para ele/ela sempre que quisesse fazer sexo. Essa aparente desigualdade nos
levava ocasionalmente a também negar sexo, na esperança de que pudéssemos
reduzir o parceiro a uma bolha de excitação expectante - a sensação que, assim
acreditávamos, nos invadia quando o sexo nos era negado. Ou então, quando nos
“submetíamos” às investidas sexuais do nosso companheiro, depois que havíamos
sido desapontados anteriormente, sentíamos às vezes que estávamos nos
“vendendo barato” ao fazer sexo nessas condições. De vez em quando, como
medida punitiva, achávamos que tínhamos que “provar” ao nosso parceiro que
também podíamos “passai- sem aquilo”, mesmo que nos sentíssemos muito mal
por dentro, como resultado disso.
De qualquer forma, essas confusões por motivos diversos, e muitas outras
semelhantes, não eram incomuns. As fundações ocasionalmente frágeis da
confiança e da intimidade podiam, de uma hora para outra, dar lugar à velha luta
pelo poder. E, no entanto, apesar de tudo isso, estávamos aprendendo que existiam
alternativas para a forma de como as coisas sempre aconteciam, entre nós e nossos
companheiros. Até mesmo uma maravilhosa e ocasional experiência de carinho e
amor genuínos era suficiente para nos manter trabalhando em relação aos
problemas sexuais e emocionais internos ao nosso relacionamento. Sabíamos que
haveria ouro a ser descoberto e partilhado, se conseguíssemos continuar
trabalhando juntos.
Na medida em que progredia o nosso aprendizado, descobrimos que a qua-
lidade do relacionamento sexual era imensamente afetada por outras questões
familiares. As atitudes dos nossos companheiros, em relação à expressão sexual,
relacionavam-se freqüentemente à qualidade da nossa disposição para cuidar
ilas crianças ou cumprir as tarefas domésticas. Nossa vida sexual não era uma
entidade isolada, mas sim um barômetro da nossa disponibilidade emocional e tia
qualidade da comunicação existente no relacionamento. Conforme melhorávamos
a qualidade e a consistência com as quais partilhávamos todos os aspec- los da
vida familiar, nossas experiências com a sexualidade partilhada também
melhoraram. O cônjuge, que havíamos caracterizado tão irracionalmente como um
fracasso sexual, no passado, evoluiu aos nossos olhos para se tomar um
companheiro sexual participante. Embora lenta, essa mudança era acentuada e
abrangia o âmago do toque e da consciência corporal. O sexo foi libertado para se
tomar aquilo que pudesse vira ser. Como expressão do nosso crescente amor, isso
era maravilhoso, freqüentemente divertido e miraculosamente gratifícante.
Simultaneamente, dependíamos cada vez menos do sexo paia nos manter
unidos. A tirania da expectativa diminuiu. Descobrimos que nossos parceiros
podiam gostar tanto de sexo quanto nós gostávamos! E nós mesmos estávamos
desfrutando do sexo de uma forma diferente. A rígida programação dos
“momentos de sexo” começou a dar lugar à uma crescente confiança nos
i itmos sexuais e emocionais dos nossos companheiros (e também nos nossos) c
no compromisso mútuo de abordar construtivamente essas questões. Começamos
a achar que éramos bons e que o sistema de nossa parceria era saudável e corrigia-
se por si mesmo. Podíamos parar de contar o número de orgasmos.
As necessidades emocionais que anteriormente só eram abordadas por meio
da “erotização” eram agora abordadas fora do sexo. Estabelecemos
freqüentemente momentos ocasionais de companheirismo como “sair para tomar
um sorvete” ou jantar fora de vez em quando. Descobrimos que era muito
importante programar em base regular momentos de intimidade que não
envolviam sexo.
Gradualmente, começamos a perceber que toda a orientação anterior das
nossas vidas em comum, que havia se tomado tão prejudicada sob o impacto da
dependência ativa, havia sido transformada. Não vivendo mais desamparados a
partir dos padrões destrutivos do passado, havíamos passado por uma modificação
total do nosso relacionamento. Depois do profundo efeito destruidor da
dependência ativa, atravessando as atemorizantes incertezas de uma reconciliação
problemática, enfrentando um prolongado período de aprendizado quanto a
maneira de se lidar com uma plêiade de conflitos e indefinições, nossos compa-
nheiros e nós mesmos imergimos em um plano de vida expansivo, em carinhosa
parceria um com o outro. Nossa riqueza de experiência em comum e nosso
conhecimento e compreensão aprofundados um do outro começaram a concretizai-
aquela promessa de amor contínuo que havíamos sempre buscado em um
relacionamento. Estávamos agora capacitados a amar, a sermos imensamente
amados, redimidos e plenos de graça, e sabíamos disso. Nossa apreciação dessa
riqueza novamente descoberta continua a crescer até hoje.
Novas Parcerias
Havia entre nós aqueles que estavam prontos para desenvolver novos
relacionamentos estáveis, sem se sentirem constrangidos por uma sensaçíu > de
“negócio inacabado” em relação ao parceiro ou cônjuge anterior. Essn
disponibilidade em relação à possibilidade de uma nova parceria era eviden te na
ausência aparentemente contraditória de qualquer urgência em especi al para
iniciar um novo relacionamento. Com os rigores da abstinência supe rados havia
pouco tempo, fizemos as pazes com a perspectiva de vivermos sem os limites
comportamentais necessários para uma vida sóbria. Mesmo ignorando qual a
parceria que se sustentaria, ou mesmo o que é um relacionamento, sabíamos
alguma coisa acerca da forma pela qual tínhamos que viver, se quiséssemos nos
sentir confortáveis e confiavelmente sóbrios. Sabíamos que as coisas que
podíamos fazer para garantir nossa sobriedade e paz de espírito tinham que ser
feitas em qualquer relacionamento novo.
Na realidade, o grau em que conseguíssemos manter a honestidade e a
franqueza e o contínuo compromisso com o D.A.S.A. (S.L.A.A.), e a extensão em
que tudo isso podia ser partilhado com um terceiro, seria o barômetro que mediria
a possibilidade de se desenvolver um compromisso com aquela pessoa. A
incapacidade do parceiro em nos aceitar tal como éramos obrigados a fazer uma
escolha. Ou nos adaptávamos para atender às expectativas do companheiro em
perspectiva ou tínhamos que reconhecer que a matéria- prima para o
relacionamento estável não seria encontrada naquela pessoa. Neste último caso,
tínhamos que desistir do relacionamento.
Na realidade, a opção de “nos adaptarmos” para atender às expectativas de
outra pessoa era inatingível. Durante a dependência, uma parcela grande demais
de nossas vidas havia sido construída exatamente com base nessa estratégia,
inexistindo qualquer possibilidade de um senso real de quem éramos como
pessoas. Não poderíamos, agora ou nunca, sustentar um relacionamento onde
tivéssemos que destruir uma parte real de nós mesmos, para nos tornarmos mais
desejáveis aos olhos de alguém. Não, obrigado.
Nossa crescente capacidade de entender mais claramente o potencial de
parceria em diversos relacionamentos deixava-nos ocasionalmente em um estado
de espírito muito desanimador. Por um lado, estávamos agora muito despertos e
conscientes em contato com a realidade. Por outro lado, esse mesmo nível de
consciência parecia ser uma benção duvidosa. O número de possibilidades de
relacionamento que estávamos preferindo evitar fazia-nos imaginar se não
estaríamos mantendo padrões tão inatingíveis que não estivéssemos,
inocentemente, nos relegando a uma vida de isolamento. Brincávamos com a
possibilidade de que, se o nível de consciência fosse menor, já teríamos nos
envolvido uma série de vezes. Quando nos sentíamos solitários, lembrávamo- nos
bem demais da excitação que os episódios de abertura, até mesmo dos
M'ltu íonamentos impossíveis, podiam conter. No entanto, para o bem ou para H
mal, nossa conscientização da necessidade de nos mantermos sóbrios não
i lic)’ou a ser toldada pelos anseios melancólicos. E na verdade, mais cedo ou
nutis larde, estávamos prontos. E as outras pessoas estavam “prontas” para nos. I
incontrávamos, às vezes, uma pessoa com a qual o vínculo de amizade
11 tmeçava a se transformar em algo mais. Talvez, estivesse surgindo em
nossa
i ii Ia um conhecido recente, ou o “amigo de um amigo”, com o qual podíamos
ilar início a uma exploração mais aprofundada dos valores interpessoais. Não r
necessário dizer mais nada acerca dessas oportunidades. Presumidamente, a nulo
anônima de um Poder Superior deve ter alguma influência. De qualquer forma, as
coisas pareciam acontecer do jeito certo, quando estávamos pron- los. E se ainda
não estivéssemos, nenhum volume de manipulação poderia
i vsultar numa possibilidade gratificánte.
Em contraste com aqueles dentre nós que encaravam projetos de reconciliação,
os que estavam começando do nada sentiam que estavam começando, falando
relativamente, a partir de uma lousa em branco. Na medida em que nossas vidas
atuais não estivessem sendo afetadas pelas pessoas de nosso passado dependente,
isso era totalmente verdadeiro. Não obstante, essa condição de relativa liberdade
em relação às repercussões deixadas pela nossa dependência ativa significava que
qualquer nova situação sexual ou romântica podia acarretar muitas novidades.
Tínhamos (|ue ser cuidadosos para não nos deixarmos arrastar por aquilo. Apesar
da “novidade” existente no início de qualquer relacionamento ser inevitável e
excitante, especialmente aqueles que traziam consigo a possibilidade da
intimidade física e emocional, não podíamos construir um relacionamento
baseado na novidade.
Esse problema da novidade estava intimamente relacionado a outra experi-
ência que muitos de nós havíamos encontrado no período da dependência, mais
especificamente o cultivo de uma autopercepção heróica que havíamos assumido
nos relacionamentos. Se tivéssemos conseguido, por exemplo, um certo nível de
sucesso ou admiração do mundo exterior, devido ao talento, achávamos que essas
conquistas mereciam atenção e elogios contínuos por parte de nossos parceiros.
Isso era igualmente verdade nas situações em que achávamos que o mundo nos
devia algo, em termos de reconhecimento, e esperávamos que as pessoas mais
próximas de nós compensassem essa diferença.
Na realidade, exigíamos esse tipo de reconhecimento porquê, secretamente,
sentíamos que sem a nossa “moeda” heróica seriamos indignos de amor. Aquilo
que havíamos cultivado não eram parcerias. Havíamos tentado literalmente
cultivar aquelas pessoas, para torná-las membros no nosso próprio culto. Aquilo
tudo significava que, ocultos por trás daqueles “boHins oficiais” que o mundo
havia ocasionalmente nos concedido (ou
deveria nos conceder, de acordo com nossa forma de pensar), na tentai mi de criar
esse reconhecimento nas pessoas mais próximas, havíamos mr entrincheirado
longe da pertinência real para essas pessoas. Nossos apelou pelo reconhecimento,
pelo respeito à nossa “estatura” entre as paredes tlti nossa própria casa, eram
lamúrias fiíteis em um mausoléu auto-erigido d solidão e isolamento.
Como poderíamos ser “simples mortais”? Sentir-se-ia atraído por nós o
parceiro em perspectiva, se tivéssemos que nos abster daquela base <lo
homenagem exigente? O que começamos aperceber foi que não tínhamos
realmente uma opção quanto àquilo. Se nos mantivéssemos “heróicos” ou
“excepcionais, em um novo relacionamento, estaríamos tentando “coman dar” o
amor por controle remoto. Nem o “comando” nem o “controle remoto" iriam
funcionar. O primeiro matava a espontaneidade e o segundo tornava impossível a
franqueza e a intimidade dentro do relacionamento. Em conjun to, os dois
representavam dois golpes contra a verdadeira parceria.
Ficou também claro que, se nossos novos companheiros fossem real mente
pessoas por direito próprio, eles não poderiam tolerar que os colocássemos em
posição subalterna como “adoradores”. Qualquer que fosse a novidade que
representássemos inicialmente para nossos parceiros, ela acabaria diminuindo e
depois desaparecendo. Para aqueles que estavam se envolvendo mais conosco,
nossa capacidade de levar um gato inesperadamente doente ao veterinário, de
fazer compras na mercearia a caminho de casa ou de oferecer alguma ajuda real
para cuidar dos filhos valia muito mais do que umareputação profissional ou
jantares românticos à luz de velas, em restaurantes extravagantes, ou mesmo que
presentes ou gestos magníficos.
E nós mesmos tínhamos que enfrentar a auto-imagem real escondida por trás
da visão heróica, a imagem que não tinha estatura heróica. Muito pelo contrário,
sentíamo-nos freqüentemente pouco atraentes, incapazes de amar e indignos de
sermos amados. Descobrimos que nossos parceiros pareciam, em muitas ocasiões,
valorizar-nos em função de características que achávamos indignas de
reconhecimento. Na verdade, não sabíamos realmente o “Porquê” e o “Paia quê”
do sermos amados. Devia ser simplesmente pelo brilho superficial! Afinal de
contas, não estávamos nós também tão encantados e arrebatados pela nossa auto-
imagem heróica?
E, no entanto, a base para que nossos parceiros nos amassem não era aquela.
Era muito difícil para nós experimentarmos a sensação de valor como objeto de
amor, por trás das “manchetes promocionais” - do alarde. O risco de sermos
rejeitados corria paralelamente com a nossa “abertura” para que os outros nos
conhecessem, o que era um temor arraigado e terrificante para todos nós.
Descobrimos que a partilha da nossa vulnerabilidade sobre o verdadeiro
“conhecimento”, por parte dos outros, era a tarefa mais difícil de
imlns. E a necessidade de abertura total parecia interminável! Podiam ocor H i
recaídas nos velhos padrões de exigências, dores e acusações. Miseri-
i ouliosamente, essas “bebedeiras” emocionais eram normalmente abrevia- ilds
pelo contínuo contato com o D.A.S.A. (S.L.A.A.).
()casionalmente, o aprofundamento da experiência de vulnerabilidade, con-
Ilimça e intimidade era acompanhado pelas lágrimas, por uma vacilação interior
profunda e pela tristeza. No entanto, mesmo nas profundezas da nossa vi “lha
tristeza, descobrimos que, na medida em que éramos aceitos nesse nível,
iii >sso terror e nossa fragilidade podiam se transformar em carinho e na
respei- Insa sensação de pertinência. Éramos amados como os seres frágeis que
éramos. Sentíamo-nos dignos de amor à medida em que tínhamos a coragem de
permitir que nos conhecessem. Tornamo-nos até mesmo ansiosos por encenar
|ocosamente os papéis heróicos ou excepcionais. Queríamos nos libertar daquelas
algemas. Elas faziam parte de uma armadura que havia nos constrangido.
Ansiávamos agora pela capacidade de conhecer o outro como alguém real, de
sermos conhecidos pelo nosso íntimo. Éramos fracos e vulneráveis, mas não
éramos mais dublados por nós mesmos. Éramos humanos e estáva- mos
crescendo. Nossa sensação de, Graça, se aprofundou.
Ao iniciarmos relações sexuais com o parceiro em perspectiva, depois de uma
abstinência relativamente longa de qualquer contato sexual, estávamos na verdade
enfrentando o desconhecido. Para aqueles dentre nós que esta- vam se
reconciliando, a tarefa era diferente. Estes não estavam enfrentando
o investimento anterior de caracterizar o parceiro como sexualmente inadequado
ou como algum outro modelo pré-concebido. Na verdade, enfrentávamos mais
uma vez nossas próprias atitudes sexuais. Durante a abstinência, não era raro que
especulássemos sobre o que seria a retomada do contato sexual. Naturalmente,
nossas fantasias haviam percorrido todo o espectro, desde cenas de provocação e
abandono até o afastamento e a fria indiferença. Enfrentando agora a realidade do
contato sexual retomado, muitos de nós se descobriram estranhamente reticentes.
Constatamos que havíamos investido muito em não nos deixar arrebatar por
aquelas coisas!
Nossas primeiras experiências na atividade sexual renovada foram muito
estranhas. Quando nos descobríamos exageradamente envolvidos na busca do
enlevo sexual, reagíamos dubiamente em relação à forma pela qual havíamos nos
comportado. Isso nos levou a partilhar nossas reservas sobre como nos comportar
com os companheiros do D.A.S.A. (S.L.A.A.), e, talvez mais importante, com o
nosso parceiro. Se fôssemos reticentes (o que ocorria freqüentemente), devido ao
receio de nos tornarmos sexualmente prisioneiros, se nos deixássemos levar pela
corrente, tínhamos que partilhar também aquilo. Em relação a isso, o
denominador comum era que, independentemente da forma pela qual
experimentássemos nossos contatos iniciais com o
parceiro em perspectiva, fossem esses contatos de êxtase ou de participação
reduzida e distanciada, estávamos todos sujeitos a experimentar reações de
dúvicla e ansiedade, relativas à qualidade do nosso envolvimento. Sentíamo nos
obrigados a nos ater a um padrão de pureza ou motivação inusitadamen te
elevado, ao nos envolvermos sexualmente. E, no entanto tínhamos que perceber
que os motivos raramente são “puros”, no sentido de não serem confusos. O
aspecto mais importante de tudo aquilo era manter nossas vi das abertas,
partilhando tão diretamente quanto pudéssemos quaisquer rc servas que ainda
tínhamos. Isso acontecia independentemente de sentirmos que tivéssemos nos
abandonado mais uma vez, para obter um retorno sexual, ou que o sexo tínhamos
perdido seu brilho e espontaneidade, e talve/, nunca mais recuperasse essas
qualidades.
Monitorando os motivos por trás da nossa participação sexual e revelan do
nossos sentimentos a terceiros, estávamos começando a nos tornar responsáveis
como parceiros sexuais, percebendo ou não esse fato. Nossos receios, e nossas
dúvidas e inseguranças partilhados levavam ao aprofundamento do compromisso.
Uma vez articulados e partilhados, os problemas sexuais convertiam-se em
problemas emocionais a serem abordados com nossos parceiros. A
impossibilidade de se manter um oásis sexual em meio a um deserto emocional
ficou claramente confirmada.
Descobrimos também que era impossível iniciar contatos sexuais baseados em
falsas pretensões. Precisávamos não só partilhar ex post facto as nossas reações
quanto à qualidade da nossa participação como também tínhamos que estar
atentos, antes do fato, a quaisquer carências que estivéssemos carregando, que
pudessem redundar numa escapada sexual. Se o nosso nível de frustração se
elevasse, em decorrência, por exemplo, de circunstâncias difíceis no trabalho ou
nos relacionamentos pessoais, essas situações tinham que ser identificadas.
Identificá-las significava revelá-las, bem como a nossa frustração, perante nosso
parceiro. Descobrimos que, se não tentássemos fazê-lo, a verdadeira mutualidade
dos aspectos sexuais nunca seria encontrada. Sem essa mutualidade, cada pessoa
só podia “participar” por razões inconfessáveis e privadas. A outra pessoa seria
conseqüentemente encarada como uma “função” cu ja finalidade era proporcionar
alívio. Um dos resíduos desse tipo de alívio era a crescente sensação de solidão e
isolamento.
Não estamos afirmando que, revelando aos nossos parceiros todas as
ansiedades e frustrações decorrentes de áreas não sexuais, conseguiríamos
resolver esses problemas, ou que todas as dificuldades externas tinham que ser
resolvidas antes de se fazer sexo. Estamos dizendo que sempre precisávamos
encontrar uma base de mutualidade, de partilha e de respeito, que pudesse formar
um canal de expressão autêntica entre nós, e que isso tinha
<|iie ser conseguido antes de se fazer amor. “Fazer amor” só podia ser “de-
monstrar amor”.
Se estivéssemos tão distraídos pelos problemas externos, que fosse impossível
estabelecer um canal emocional como base para a intimidade sexual, abstínhamo-
nos de sexo. Apesar de uma ocasional dor semelhante à velha privação, o efeito
líquido da abstinência, em circunstâncias como essas, era positivo. Não havíamos
tentado descartar nossos problemas transando até que eles desaparecessem!
Tínhamos afirmado, através de uma nção correta, nossa própria dignidade e nossa
intimidade conosco mesmos.
I ixperimentávamos aquilo como uma onda interna de carinho, a ressurreição do
amor-próprio. De posse de nossa dignidade, podíamos estar certos de que surgiria
futuramente um espaço para a intimidade sexual saudável.
Poderia talvez parecer que o controle e os inventários, proporcionados pela
franqueza em nossos relacionamentos (fossem ou não cie reconciliação), e a
ênfase quase por atacado no auto-exame minucioso e na monitoração dos
motivos, só serviriam para aniquilar a espontaneidade e a excitação sexual
genuína. Inicialmente, esses atributos altamente valorizados tendiam na verdade a
ser tendenciosos. Mas o efeito cumulativo desse contínuo questionamento dos
nossos mitos e das nossas motivações sexuais foi o início da evolução de um
clima de confiança e intimidade emocional.
Na medida em que isso acontecia, nossas experiências relativas ao sexo e à
sexualidade começaram a passar por uma profunda mudança. A correção de nossa
forma de ser começou a nutrir experiências sexuais mais profundas e mais
gratificantes. Mesmo quando abdicávamos das nossas expectativas anteriormente
inconscientes e mais intimamente enraizadas, emergia umagrande interação de
temas sexuais e emocionais. Tomaram-se, na verdade, possíveis novas expe-
riências de intensidade e prazer sexual. Esse desenvolvimento acabou por sepultar
a velha crença de que a satisfação sexual só podia ser encontrada nos “píncaros”
da novidade, da intriga, da perseguição e da conquista. Essa descoberta era mais
maravilhosa ainda porque não estávamos mais confiando unicamente na
intensidade sexual, para manter unido um relacionamento. O sexo era ainda mais
gratificante do que aquele experimentado anteriormente, ainda mais porquê não
era a fonte da tirania que havia constrangido tantos de nós. Em si e por si mesmo,
o sexo não podia tornar “bem sucedida” a parceria. Ao contrário, o sexo era uma
nota de rodapé significativa em um relacionamento já bem sucedido onde a
franqueza, a partilha, a honestidade, a confiança e o compromisso eram
componentes indispensáveis e interligados.
Para aqueles dentre nós que abordaram o desenvolvimento de relaciona-
mentos estáveis, tanto como um projeto de reconciliação quanto como uma nova
aventura, somos forçados a admitir, em conclusão, que nossa experiência ainda é
muito limitada. Grande parte daquilo que tentamos descrever envolveu o
desmantelamento de velhos padrões e antigas atitudes. Atestamos que sobrevi-
vemos a tudo isso. Partilhamos também algumas idéias sobre como conseguimos
aprender cada vez mais formas de suportar uma ininterrupta seqüência dc desafios
e dificuldades. E, no entanto, por necessidade, este capítulo sobre o
desenvolvimento de relacionamentos estáveis terá que ser deixado incompleto.
Aqueles dentre nós que persistiram ao longo do caminho da participação só
podem acrescentar que emergimos do período do “sufoco”, em um novo plano de
experiência humana que nunca havíamos encontrado antes. Essa experiência é,
segundo suspeitamos, a experiência da vida e do amor autênticos. É algo muito
além do enfrentamento. O espaço onde experimentamos nosso relacionamento
como sendo “bom” não pode ser descrito simplesmente como uma inversão da
nossa vida dependente anterior. Sentimos que, na verdade, há alguma coisa nova
presente. E impossível descrever essas qualidades em maiores detalhes, porque
são coisas difíceis de se entender e poderiam ser mal compreendidas. A
capacidade descritiva das palavras parece ser inadequada para esta tarefa.
A verdade é que sentimos que estamos “a caminho” de alguma coisa grande.
Não sabemos para onde isso irá nos levar. Não sabemos simplesmente quais são
os limites máximos do funcionamento humano saudável. De qualquer forma,
nosso palpite é que não passamos de recém-chegados a essa experiência maior, a
essa arena de vida mais ampla. Se tudo que conseguimos fazer aqui foi transmitir
a você a nossa sensação de esperança, e nossa convicção de que uma nova vida de
plenitude, riqueza e mistério espera certamente por você, na medida em que você
avança na sobriedade, então cumprimos a nossa tarefa.
Possa cada um de vocês, que embarcam nesta aventura, encontrar a respectiva
parcela da trama de ouro, essa contínua maravilha da qual todos fazemos parte.
Estamos com você. Somos todos viajantes na trilha do destino e temos todos
muito que aprender uns com os outros.