Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Sociedades em Transição
Vivemos hoje num mundo no qual algumas das esferas tradicionais de pertença
que serviam de cobertura ao activismo e à Participação Política se encontram, senão em
declínio, pelo menos num estado de aparente estagnação, mercê da emergência
concomitante de tabuleiros vários onde passaram a jogar-se as identidades e as
trajectórias individuais e colectivas. Paralelamente, assistimos à intensificação da
apropriação e utilização das TIC, quer na esfera do trabalho, quer na esfera do lazer.
Ambos sinais de mutações sociais sobre cujo verdadeiro alcance apenas podemos
especular, sendo no entanto seguro afirmar que as estratégias que lhes estão associadas
resultam do necessário encontro entre um universo político, um universo social e um
universo técnico, cada um com as suas lógicas estruturais e conjunturais.
Com a Modernidade e a emergência dos Estados-nação emerge igualmente uma
necessidade de legitimidade política e de sustentabilidade económica e social que se
traduz na criação de uma Cidadania de base nacional. Esta, afirmando-se por contraste
com vários tipos de identidade (religiosa, regional, étnica, aristocrática, entre outros),
pretendeu conjugar direitos universais formais com o espaço territorial da nação,
introduzindo os princípios da liberdade e da igualdade perante a lei.
No entanto, somente com o desenvolvimento dos movimentos e dos grandes
partidos de massas já no decorrer do século XX se completa e afirma a ideia de
Cidadania activa e dos direitos que lhe estão associados, ou seja, o conjunto de direitos
de que gozam os membros da comunidade (DELLA PORTA, 2003: 59). Três tipos de
direitos compõem, segundo T.H. Marshall, os direitos de Cidadania, elemento da definição
moderna de Democracia: os direitos civis, necessários à liberdade individual; os direitos
políticos, ou seja, o direito a participar como membro de um corpo investido de autoridade
política ou como eleitor desse corpo; e os direitos sociais, isto é, o direito ao bem-estar e
a participar da sociedade segundo os seus padrões (MARSHALL, citado em DELLA
PORTA, 2003: 61).
Considerada um dos territórios por excelência da análise do funcionamento e da
vitalidade dos regimes democráticos, e confundindo-se com a própria génese do Político
enquanto intervenção na gestão da res publica, o exercício da Cidadania e da
Participação Políticas conheceu nos últimos quarenta anos transformações significativas,
quer ao nível da sua prática, quer ao nível do seu estudo. Definida como o envolvimento
do cidadão em comportamentos orientados para influenciar o processo político, a análise
neste domínio começou por centrar-se, em meados dos anos 60, nas denominadas
formas convencionais de Participação Política, que compreendiam práticas tão díspares
como a manutenção de uma discussão de natureza política com outros indivíduos, a
presença em comícios de igual índole, a manifestação de uma preferência no âmbito de
uma eleição, ou a própria ocupação de cargos de responsabilidade associativa ou
partidária (DELLA PORTA, 2003: 86-88). A partir dos anos 70, outras formas de
Participação Política, consideradas não-convencionais, são postas em prática: emergindo
no quadro de um novo paradigma político e situando-se para além daquelas que se
manifestam, por exemplo, através do voto, rejeitam as práticas convencionais e assumem
alternativas, remetendo para finalidades, objectivos e temáticas culturais e de bem-estar
habitualmente associadas à chamada "pós-Modernidade".
O exercício da Participação Política, fluida, feita de trajectos e subjectividades que
se jogam e recompõem em diversos tabuleiros, já não significa, hoje, acção na esfera
exclusiva da política em sentido estrito: prescindindo da exigência dos vínculos
comunitários tradicionais, não se reduz à pura afirmação da liberdade em face do Estado,
apelando à Participação fora de contextos necessariamente comunitários e, porque,
agindo na esfera da liberdade, supõe uma visão participada de cultura política. A ideia de
comunidade presente na Cidadania moderna é antes de tipo ideal e temático, remetendo
para um consenso mínimo em torno de valores. O conceito de Participação Política tem
aqui um concreto campo de aplicação.
Daí que no domínio da chamada crise da Democracia importe não ceder à tentação
de a tomar na sua totalidade, sendo antes mais sensato perspectivá-la precisando a
vertente a que essa crise deve, com efeito, ser apontada. Na realidade, existe um défice
de apetência dos cidadãos pelos mecanismos tradicionalmente consagrados para a forma
mais ortodoxa de Participação Política, aliado a um desencanto pela função de
representação política tradicional, que se traduz no aumento da abstenção nos actos
eleitorais e no alheamento dos cidadãos face à política em geral, entre outros. As
sociedades e as democracias contemporâneas, na sua complexidade e heterogeneidade,
não apenas aparentam recusar ficar reféns de concepções totalizantes ou reproduzir
mecanicamente princípios garantidos por via externa, como praticam, na realidade, uma
relativização da política que provoca mutações radicais no próprio conceito de Cidadania.
De há sessenta anos a esta parte, e com particular incidência nas duas últimas
décadas, muito tem sido alegado relativamente ao papel desempenhado pelas
Tecnologias de Informação e Comunicação nas nossas sociedades. Apesar da natureza
total de que as TIC se revestem e de que, por essa razão, deve revestir-se igualmente a
sua abordagem, a profusão bibliográfica sobre elas produzida até meados dos anos 70
revelava a persistência de alguns equívocos, avaliando incorrectamente o papel de
variáveis como as condições de produção dos conteúdos transmitidos e os contextos de
recepção (BRETON, PROULX, 2000; p.196).
Ainda hoje subsistem - e prosperam - ecos desse hipodermismo em enunciados
com preconceitos ideológicos, quer de sentido progressista quer de sentido apocalíptico,
bem como posicionamentos que generalizam fenómenos a partir da desconsideração da
sua especificidade contextual. Em comum entre uns e outros encontra-se o facto de
assumirem, em grande medida, o redutor prisma do objecto, neutralizando o papel das
características do sujeito que o opera e da pluralidade de dimensões de contexto nas
quais se joga o quotidiano das práticas das populações e das instituições. Partindo de
uma lógica de ruptura e descontinuidade social, as TIC são frequentemente concebidas
como promotoras de uma nova sociedade (ATTON, 2002: p.134/135). Em resumo, é
estabelecido um nexo de causalidade entre a mudança e a acção das TIC,
designadamente 1) ao nível da Economia, com ênfase em novas mercadorias e referência
a uma nova Economia, 2) ao nível da Política, com uma tónica na emergência de novas
formas de dominação e de exercício do poder, 3) ao nível da Sociedade, com alusão a
novas formas de organização social, 4) ao nível da Comunicação, com menção a novas
práticas comunicativas. Perpassa essas alegações o primado do canal sobre o conteúdo,
do meio sobre a mensagem, associando-se uma simplificação da inteligibilidade do
segundo à simplificação associada à utilização do primeiro.
Mas não constituirão estes argumentos uma forma de descolagem da dimensão
normativa do poder político e económico face aos valores e sentidos do mundo da vida
habermasiano? Assim sendo, é imprescindível ter em consideração a provável
prevalência de traços de continuidade social, nomeadamente a distribuição desigual de
poder e de acesso à tecnologia (ATTON, 2002: p.134/135). Neste sentido, quaisquer
avaliações do papel desempenhado pelas TIC nas sociedades modernas necessitam de
uma legitimidade analítica que só pode advir de uma abordagem que as contextualize
política, económica, cultural e tecnicamente.
Ao longo das próximas páginas procederemos à análise de um conjunto de dados
referentes às práticas e representações dos portugueses sobre a Participação no início do
século XXI. Com base nessa análise procuraremos dar corpo às interrogações
inicialmente colocadas sobre as limitações a que a análise da Participação se tem
remetido, bem como discutir até que ponto o facto de a sociedade portuguesa se
encontrar, neste momento histórico, a viver uma transição para uma sociedade
informacional promove também a necessidade de olhar a Participação em moldes
diferentes dos tradicionais.
Apenas uma minoria (3.6%) dos inquiridos afirma ter estabelecido contacto com
representantes políticos nacionais ou membros do Governo durante o ano de 2006, dado
para o qual talvez contribua a má representação dos políticos enquanto classe – apenas
0,2% a considerou como a mais estimada – e que não pode deixar de assinalar um grave
e preocupante défice de relacionamento este eleitores e eleitos, com consequências
previsíveis ao nível do progressivo alheamento dos cidadãos face à actividade
político-partidária e legislativa mais institucionalizada. Paralelamente, observa-se neste
domínio alguma clivagem de Género: se entre os inquiridos ascende a 5.6% da amostra o
parcial que reconhece o estabelecimento deste tipo de contacto, já entre as inquiridas o
mesmo parcial se fica por 1.8%.
Máxima no escalão 25-34 anos (5.4%) e nula entre os jovens com idade inferior a
17 anos, a incidência desta prática segue uma tendência de crescimento até ao escalão
55-64 anos, decrescendo a partir daí. O facto de os extremos desta escala constituírem
os pontos de contacto mais débil assinalará, provavelmente, um efeito geracional no
alheamento já referido dos cidadãos face à actividade político-partidária e legislativa mais
institucionalizada.
Quadro nº 2 – Contacto directo com representantes políticos nacionais, por Escalão Etário
8 A 17 18 A 24 25 A 34 35 A 44 45 A 54 55 A 64 65 A 74 75 E MAIS
ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS
0,00% 1,80% 5,40% 2,60% 4,80% 4,30% 4,30% 2,70%
Fonte: CARDOSO, G., ESPANHA, R., GOMES, C. (2006), Sociedade em Rede, CIES
No plano da instrução, os dados apontam para uma prática de contacto directo com
representantes políticos que varia positivamente à medida que aumenta a Escolaridade
dos inquiridos, inferior a 3% junto dos que possuem formação de nível Básico ou
inexistente, e superior a 6% junto dos que possuem formação de nível Secundário,
atingindo 10.2% junto dos que possuem formação superior. Torna-se, desta forma, mais
claro que a acção conjunta do efeito geracional com a posse de formação superior mais
frequente em determinadas faixas etárias a meio da escala contribui para a intensificação
– ainda que relativa – deste tipo de acção política.
10,00%
9,00%
8,00%
7,00%
6,00% Sem
qualificações
5,00% Ensino Básico
Ensino
4,00%
Secundário
3,00% Ensino Superior
2,00%
1,00%
0,00%
CONTACTOU ALGUM
POLÍTICO OU MEMBRO DO
GOVERNO
Fonte: CARDOSO, G., ESPANHA, R., GOMES, C. (2006), Sociedade em Rede, CIES
5,50%
5,00%
4,50%
4,00%
3,50%
3,00%
2,50%
2,00%
1,50%
1,00%
0,50%
0,00%
Utilizador Não-utilizador
Fonte: CARDOSO, G., ESPANHA, R., GOMES, C. (2006), Sociedade em Rede, CIES
Utilizador Não-utilizador
Partido 2,5% 1,4%
Grupo 0,8% 1%
Voluntariado 2,9% 1,9%
Fonte: CARDOSO, G., ESPANHA, R., GOMES, C. (2006), Sociedade em Rede, CIES
Utilizador Não-utilizador
Campanhas eleitorais 2,5% 2%
Manifestações 4,6% 2,2%
Petições 7,3% 3,3%
Fonte: CARDOSO, G., ESPANHA, R., GOMES, C. (2006), Sociedade em Rede, CIES
Utilizador Não-utilizador
Compra 3,6% 1,2%
Boicote 2,9% 1%
Fonte: CARDOSO, G., ESPANHA, R., GOMES, C. (2006), Sociedade em Rede, CIES
PRÁTICAS: A SOCIALIZAÇÃO POLÍTICA INTERACIONAL
Fonte: CARDOSO, G., ESPANHA, R., GOMES, C. (2006), Sociedade em Rede, CIES
Televisão
Rádio
Jornais
Revistas
Internet
Propaganda
Eleitoral
Comícios ou
Reuniões
Pessoas próximas
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Fonte: CARDOSO, G., ESPANHA, R., GOMES, C. (2006), Sociedade em Rede, CIES
A partir do perfil dos inquiridos é possível constatar que apenas neste último
contexto de socialização se verifica uma preferência do Género feminino face ao seu
congénere masculino, predominante em todos os outros media considerados.
Rádio
Jornais
Revistas
Internet
Masculino
Propaganda Feminino
Eleitoral
Comícios ou
Reuniões
Pessoas próximas
Televisão
Utilizador Não-utilizador
Rádio 4,4% 3,8%
Jornais 10,7% 5,2%
Revistas 1,5% 0,3%
Internet 6% 0,1%
Propaganda Eleitoral 13,2% 6,7%
Comícios ou Reuniões 1,5% 1,1%
Pessoas próximas 9,8% 11,9%
Televisão 69,7% 74,3%
Fonte: CARDOSO, G., ESPANHA, R., GOMES, C. (2006), Sociedade em Rede, CIES
Fonte: CARDOSO, G., ESPANHA, R., GOMES, C. (2006), Sociedade em Rede, CIES
20,00%
15,00%
10,00%
5,00%
0,00%
18 A 24 25 A 34 35 A 44 45 A 54 55 A 64 65 A 74 75 E
ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS MAIS
ANOS
Fonte: CARDOSO, G., ESPANHA, R., GOMES, C. (2006), Sociedade em Rede, CIES
18 A 24 25 A 34 35 A 44 45 A 54 55 A 64 65 A 74 75 E MAIS
ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS
SMS 29,00% 20,20% 15,00% 9,20% 5,50% 1,90% 0,70%
Site 18,20% 13,70% 8,30% 4,40% 4,30% 1,90% 0,70%
Mesa de 27,10% 26,50% 27,40% 26,90% 25,10% 18,70% 12,20%
voto
electrónico
Sem 31,60% 38,20% 45,70% 53,10% 57,30% 64,60% 75,00%
confiança
Fonte: CARDOSO, G., ESPANHA, R., GOMES, C. (2006), Sociedade em Rede, CIES
PRÁTICAS: SOLIDARIEDADE
VÍTIMASDEMAUS-TRATOS
CRIANÇASSEM LAR
VÍTIMASDECATÁSTOFREEM
PALOP
VÍTIMASDECATÁSTROFEEM
OUTROSPAÍSES
CRIANÇASDEPALOP
CRIANÇASDEOUTROSPAÍSES
BANCOALIMENTAR CONTRAA
FOME
PESSOASPOBRES
Fonte: CARDOSO, G., ESPANHA, R., GOMES, C. (2006), Sociedade em Rede, CIES
Pes soal
m ente
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Fonte: CARDOSO, G., ESPANHA, R., GOMES, C. (2006), Sociedade em Rede, CIES
Utilizador Não-utilizador
VÍTIMAS DOS FOGOS 4,8% 4,8%
VÍTIMAS DE MAUS-TRATOS 3,1% 1,2%
CRIANÇAS SEM LAR 5,9% 4,4%
VÍTIMAS DE CATÁSTOFRE EM 4,2% 2,8%
PALOP
VÍTIMAS DE CATÁSTROFE EM 4,1% 2,8%
OUTROS PAÍSES
CRIANÇAS DE PALOP 5,8% 2,7%
CRIANÇAS DE OUTROS PAÍSES 4,4% 2%
BANCO ALIMENTAR CONTRA A 21,9% 14%
FOME
PESSOAS POBRES 10,8% 5,9%
Fonte: CARDOSO, G., ESPANHA, R., GOMES, C. (2006), Sociedade em Rede, CIES
CONCLUSÃO: A PARTICIPAÇÃO NUM MUNDO MEDIADO
A pergunta “São as minhas redes diferentes das vossas?” explicita de algum modo
como a Participação deve ser analisada no quadro da Sociedade em Rede. Que desafios
coloca a Comunicação em Rede à Participação e sua análise no quadro das Ciências
Sociais? Estas questões passam a colocar-se uma vez que os Media deixaram de ser
exclusivamente Mass Media, tornando-se Media em Rede (CARDOSO, 2008).
Num ambiente de Comunicação em Rede transformam-se a mediação
(SILVERSTONE, 2006), as dietas de Media (COLOMBO & AROLDI, 2003), as matrizes de
Media (MEYROVITZ, 1985) e o próprio sistema dos Media (ORTOLEVA, 2004). Estas
transformações nas relações estabelecidas entre os diferentes Media, agora mais
articulados em Rede do que convergentes, seja em hardware, serviço ou redes, tornam a
mediação uma experiência integrada, combinando o uso de diferentes Media, do telefone
à televisão, do jornal ao jogo de vídeo, da Internet à rádio, do cinema ao telemóvel,
recolocando o utilizador, as suas práticas e as literacias de que necessita no centro da
análise (LIVINGSTONE, 2006; CARDOSO, 2006; CARDOSO, 2008).
A Comunicação no contexto das sociedades contemporâneas informacionais
organizadas em rede possui, cada vez mais, contornos de Comunicação em Rede dado
assistirmos 1) à disseminação de novas retóricas, 2) à emergência de novos modos de
acesso à informação (da disponibilidade à mobilidade), 3) à valorização do conteúdo
gerado pelo utilizador, 4) à coexistência de diferentes tipos de notícias, em termos do seu
modelo e destinatários, e 5) a inovação nos modelos de entretenimento. Perante estes
fenómenos, é possível afirmar que nos encontramos perante um novo sistema de Media,
organizado em torno de duas redes e dos seus respectivos nós centrais, a Televisão e a
Internet: a primeira destinada ao exercício de baixa interactividade, e a segunda destinada
aos momentos de busca de alta interactividade (KIM, SHAWNEY, 2002). Todas as
restantes tecnologias se ligam a (e interagem com) essas redes. Ainda que essa relação
seja, por vezes, estabelecida entre tecnologias que partilham os mesmos ambientes
técnicos (como quando alguém estabelece um link entre duas páginas), o figurino que
assume depende das escolhas dos utilizadores: quanto alguém vota através de SMS
(para uma rádio ou para um jornal) e essa escolha é lida ou publicada em papel, estamos
perante comunicação que se estabelece entre diferentes Media numa rede formada a
partir das interacções entre utilizadores, companhias de Mass Media e, eventualmente,
reguladores do sector Público. Este exemplo ilustra o que é a Comunicação em Rede:
uma reformulação permanente das relações entre Media, articulando aqueles de
comunicação interpessoais (como o SMS, telemóvel ou o e-mail) com aqueles de massa
(como a TV, rádio, jornais online ou fora da Internet).
Que desafios coloca, então, a Comunicação em Rede à Participação? Como
pudemos verificar pelos dados atrás enunciados, entre 2004 e 2006 aproximadamente
81% dos portugueses não havia realizado qualquer actividade que possa ser considerada
Cidadania Política, quer na sua acepção tradicional, quer na sua acepção
contemporânea. Mas essa prática não pode deixar de ser lida à luz da mediação: a
socialização política mediada, uma constante do dia-a-dia das sociedades (CASTELLS,
2006), traduz-se em Portugal na definição clara de matrizes de Media por parte da
população, com implicações ao nível das suas preferências de socialização mediatizável,
surgindo a televisão em primeiro lugar das escolhas (73%, face a aproximadamente 2%
da Internet).
O papel central da informação continua a caber à Televisão, pelo que sem esta e
sem os restantes Media o efeito da Internet é reduzido. No entanto, embora a Internet
enquanto plataforma de socialização política não pudesse estar mais distante de
destronar a televisão (que continua a ser a principal fonte de informação dos
portugueses), a verdade é que o papel desempenhado por essa tecnologia nos últimos
anos em contextos de ruptura ou intervenção social – como o encontro da OMC em
Seattle em 1999 (RODOTÀ, 2000; WIEVIORKA, 2003; CASTELLS, 2006), os eventos de
1999 em Timor Leste (CARDOSO, NETO, 2003), e de 11 de Março de 2004 em Espanha
(ECO, 2004; CASTELLS, 2006) – conduz a considerar que contribuiu para condicionar as
dinâmicas de Participação, demonstrando que a Internet não se reduz a uma fonte de
informação. Ela é, para além disso, comunicação, organização, e acção directa. Analisar a
Participação no contexto contemporâneo implica, pois, analisar a integração das suas
possibilidades e reais apropriações, recusando visões redutoras da Participação enquanto
autonomia confinada apenas à esfera da intervenção política sem levar em conta que, nas
sociedades contemporâneas, tão importante quanto a Participação é a mediação
(SILVERSTONE, 2006). Nas sociedades contemporâneas, a informação mediada precede
qualquer tipo de Participação, seja ela comunicar, organizar ou agir. Mas é fundamental
compreender também que, ao falar de Comunicação em Rede, estamos a falar de todos
nós enquanto indivíduos uma vez que quem cria a rede somos nós: nós somos o
hipertexto que articula Media para atingir objectivos pessoais e/ou colectivos.
O que é então participar na Sociedade em Rede? Participar é aderir a algo,
partilhando uma ideia ou uma filiação (permanente ou episódica, de carácter formal ou
informal). Como já analisamos, a Participação é tanto mediada quanto não mediada. E
pode ser realizada de diferentes formas, seja por acção directa dos indivíduos envolvidos,
seja através de um representante eleito a quem se solicita algo, ou um representante
junto de uma qualquer organização com o qual se interage. Quanto à acção directa, ela
tanto passa por transacções monetárias através de compras, pela oferta de bens com um
qualquer fim destinado, ou prestar serviços (estar presente um evento, dar horas para um
dado fim, etc.). Mas Participação é, como também já referimos, expressar opiniões. E
expressar opinião pode tomar diferentes formas, pode tratar-se de opinião nos media, isto
é, escrever num jornal ou num blogue, falar na TV ou no YouTube, enviar SMS, etc). A
expressão de opiniões pode também ocorrer através do assinar de petições ou comunicar
nas nossas redes sociais, isto é, família, emprego e Web 2.0.
A Participação no quadro da Sociedade em Rede é assim o somatório de todas as
formas de Participação enunciadas. Mas o contexto cultural das sociedades também pode
determinar que dadas possibilidades no quadro da Participação se sobreponham a outras.
Assim, a hipótese que aqui se levanta é a de que em sociedades em transição para
sociedades informacionais, como a portuguesa, onde fenómenos como o “pós-lua-de-mel”
participativo (INGLEHART & CATTERBERG, 2001; PUTNAM, 1993) se juntam a estruturas
sociais de competências educacionais muito diferenciadas (CARDOSO, 2006), baixa
Participação associativa (CARDOSO, 2005) e baixa cultura de confiança nos outros,
devemos recusar uma visão redutora do âmbito da Participação, confinada apenas às
actividades de carácter associativo e partidário.
O que se privilegia em termos de cultura de Participação em Portugal? Em
Portugal, a interpretação das tendências detectadas parece indicar que a Participação é
essencialmente motivada pela solidariedade de grupo para com terceiros, a qual se
encontra dependente da confiança neles depositada. Habitualmente, organizações cujos
objectivos se jogam em torno da solidariedade para com grupos ou indivíduos
necessitados, seja no campo da alimentação, habitação, auto-estima e reconhecimento,
enquadramento familiar, agentes de protecção do ambiente, ou competências
educacionais. Mais que um envolvimento directo através de uma militância permanente
ou intermitente, o modelo central de Participação em Portugal parece ser delegar, ou seja,
doar dinheiro, bens ou serviços a terceiros: fornecer os meios para representantes de
intervenção solidária poderem agir, ou dar opinião, apostando nas suas redes sociais.