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APRENDIZAGEM TRIANGULAR
A consciência de ser colonizado dos bra- pelo poder central, configurado pelo
sileiros é titubeante, confusa e mal-explicita- Marquês de Pombal.
da. Precisaríamos de um decodificador cul- Até aí a história é a mesma de qualquer
tural como Frantz Fanon para nos analisar, país descoberto pelos europeus. Estávamos
pois só alguém como ele, psicanalista, antro- condenados à ignorância e a receber como
pólogo e anticolonialista, daria conta de nos- habitantes os prisioneiros e indesejáveis do
sa conturbada personalidade colonizada. país que nos dominava. Entretanto, em
Diferentemente dos outros países da 1808, com receio da invasão por tropas de
América do Sul e da maioria dos países Napoleão Bonaparte, o Rei de Portugal
colonizados do mundo, depois de três sécu- transferiu o governo, a Corte, para o Brasil.
los de dominação portuguesa, de repente nos
vimos como capital do Reino Português.
Os anos anteriores de dominação tinham
sido muito degradadores, como, em geral, o Ana Mae Barb
foi a colonização européia. Proibidos de ter- Bolsista da Rockefeller Fcundation
mos imprensa, escolas superiores e mesmo no Centro de Conferência!;e Estudos
um ensino primário e secundário organiza- em Bellagio - out.194.
Professora Doutora do Deciai~aiiicii~u
do, fomos domados pelos jesuítas e mesmo qes Plástic
eles terminaram por ser expulsos do Brasil
60 Comunicação e Educação, São Paulo, (21: 59 a 64, jan./abr. 1995
Um país que vivia à margem se toma cen- cuidar da saúde da corte; Faculdades de
tro, o poder central e a colônia fundiram-se Direito, para preparar a elite política local;
e confundiram-se. As decisões passaram a Escola Militar, para defender o pais de inva-
ser geradas na colônia que se mascarou de sores e uma Academia de Belas-Artes.
império, embora os interesses a defender Portanto, o ensino das Humanidades come-
fossem ainda os dos colonizadores. çou no Brasil pela Arte.
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Este deslocamento de poder foi responsá- É dificil entender porque o ensino da Arte
vel por um deslocamento da noção de era desleixado em Portugal e foi presti-
identidade. Quem somos nós? Coloniza- giado no Brasil pelo Rei português,
dos ou colonizadores? enquanto viveu na colônia. Isso acarretou
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muita ciumeira e os artistas em Portugal
A cumplicidade entre colonizados e passaram a reclamar, pelo menos, por
colonizadores levou à independência do igualdade de condições com a colônia.
Brasil, doada por ordem de Portugal.
Para confirmar minhas afirmações, lem- Para criar a Academia Imperial de
bro que as revisões pós-colonialistas têm si- Belas-Artes, D. João VI, através do
do mais rigorosamente condenatórias das Marquês de Marialva, que se achava na
invasões culturais francesa e inglesa, pouco Europa, e do naturalista Alexandre von
se criticando os portugueses e, no caso do Humboldt, que estivera no Brasil, contratou
ensino da arte, ainda menos. artistas que ensinavam no Instituto de
O ensino da arte em Portugal era muito França e eram a vanguarda da época. Os
deficiente e o que o reinado de D. João VI artistas deste Instituto, criado e desenvolvi-
no Brasil proveu, muito mais avançado. do por Napoleão Bonaparte, depois de sua
Pelo menos desde que o Brasil fora toma- queda passaram a sofrer perseguições e
do por Portugal, os pintores e arquitetos alguns deles, dentre vários convites recebi-
portugueses vinham reclamando do desca- dos para emigrar, inclusive de Catarina da
so sofrido pelas artes visuais em seu pais. Rússia, aceitaram vir para o Brasil. O ex-
Por exemplo, Francisco de Holanda, em diretor da Seção de Belas-Artes do
seu livro Da Ciência do Desenho, publica- Ministério do Interior de Napoleão,
do em 1571, procurou demonstrar a D. Joachim Lebreton, organizou o grupo.
João I11 como as artes eram pouco presti- Eram todos neoclássicos convictos e inter-
giadas em Portugal e tentou convencer o feriram ostensivamente na mudança de
Rei de que o entendimento da pintura e do paradigma estético no Brasil. Quando che-
desenho eram essenciais para a eficaz ela- garam, encontraram um barroco florescen-
boração de estratégias de guerra. E muitos te. Importado de Portugal, o barroco havia
outros peroraram pela melhoria do ensino sido modificado pela força criadora dos
das artes em Portugal nos séculos que se artistas e artífices brasileiros, e podemos
seguiram. dizer que já existia um barroco brasileiro
Quando D. João VI aportou no Brasil, completamente diferente do português, do
para daí governar Portugal, criou as primei- espanhol e do italiano, muito mais sensual,
ras escolas de educação superior: Faculdade sedutor e até mais kitsch, se quisermos usar
de Medicina, para preparar médicos para uma designação atual.
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Pode-se mesmo dizer que as Escuelas
Hoje recuso a idéia de metodologia por a1 Aire Libre foram a semente do Movi-
ser particularizadora, prescritiva e peda- mento Muralista Mexicano.
gogizante, mas subscrevo a designação Na mesma época em que descobri as
triangular. Escuelas a1 Aire Libre, fui aluna, no Rio de
Janeiro, de um curso de Tom Hudson, o in-
Na verdade, há uma dupla triangulação ventivo professor de Walles. Tomei conta-
nesta abordagem epistemológica: primeiro, to, então, com outra linha de ensino inte-
quanto à concepção dos componentes do gradora da idéia de Arte como Expressão e
ensinolaprendizagem, constituídos por cria- como Cultura, especialmente através do
ção (fazer artístico), leitura da obra de arte e trabalho de Victor Pasmore e Richard
contextualização histórica e, depois, na Hamilton na Universidade de Newcastle.
gênese de sua sistematização, originada em Posteriormente, os textos de David
uma tríplice influência, na deglutição de Thistiewood e as conversas com ele sobre o
três outras abordagens epistemológicas: as movimento de Critica1 Studies na Inglaterra
Escuelas a1 Aire Libre mexicanas, o Critical muito ecoaram na minha opção epistemoló-
Studies inglês e o DBAE (Discipline Based gica. Além disso, as leituras sobre DBAE e
Art Education) americano. o contato com seus construtores, como
No início de uma pesquisa ainda não Eliot Eisner, Ralph Smith e Brent Wilson,
concluída sobre a História do Ensino da Arte reforçaram muitos pontos teóricos.
em três países latino-americanos (Argentina, Foi, entretanto, o movimento de crítica
Uruguai e México) me entusiasmei com as literária e ensino da literatura americana rea-
Escuelas a1 Aire Libre do México, incentiva- der response que, em diálogo com nossa
das por José Vasconcelos e, principalmente, especificidade terceiro-mundista, inspirou a
com a idéia de inter-relacionar Arte como designação de "leitura de obra de arte" para
Expressão e como Cultura na operação ensi- um dos componentes da triangulação ensi-
no-aprendizagem, como o fez Best no-aprendizagem.
Mawgard, o autor dos livros didáticos das
Escuelas a1 Aire Libre. Surgidas depois da O movimento reader response não des-
Revolução Mexicana de 1910, estas escolas preza os elementos formais, mas não os
se constituíram num frutífero movimento prioriza como os estruturalistas o fize-
educacional, cuja idéia era a recuperação ram; valoriza o objeto, mas não o cultua,
dos padrões de Arte e Artesania mexicana, a como os deconstrutivistas;
constituição de uma gramática visual mexi-
cana, o aprimoramento da produção artística exalta a cognição, mas na mesma medida
do país, o estímulo à apreciação da arte local considera a importância do emocional na
e o incentivo à expressão individual. compreensão da obra de arte. O leitor e o
objeto constroem a resposta à obra numa
piagetiana interpretação do ato cognitivo e,
Ensinar arte mexicana e estimular a
mais ainda, vigotsquiana interpretação de
expressão do aluno era o que pretendiam
compreensão do mundo. Assimilação e
as Escuelas a1 Aire Libre, das quais foi
acomodação na relação leitor-objeto cons-
aluno Rufino Tamayo.
troem a resposta estética. A tendência rea-
'
Comunicação e Educação, São Paulo, (2):
está fazendo pela arte-educação no Brasil o "Por que nunca ninguém me falou sobre
que os governos jamais fizeram. arte abstrata? Gostei muito de entender
Estamos na fase de produção de mate- isso."
rial instrucional para orientar e estimular os
professores no uso dos vídeos da videoteca Sonegação de informação das elites para
de 250 exemplares, organizada pela Fun- as classes populares é uma constante no
dação, que, usando uma matrizeira a laser Brasil, onde a maioria dos poderosos e até
que doaram h Universidade Federal do Rio alguns educadores acham que esta história
Grande do Sul, está formando 25 outras de criatividade é para criança rica. Segundo
videotecas para distribuir pelo Brasil a ins- eles, os pobres precisam somente aprender a
tituições educacionais elou museus capazes ler, escrever e contar. O que eles não dizem,
de conservá-las, manter serviço permanen- mas nós sabemos é que, assim, estes pobres
te de empréstimo dos vídeos a professores serão mais facilmente manipulados.