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Vibrações Cristalinas
7.1 - Falhas do Modelo de Íons Estáticos
Nos últimos capítulos, vimos que a ideia de estrutura cristalina como um conjunto
de íons ocupando posições regulares e estáticas no espaço (modelo de íons estáticos) foi
capaz de explicar diversas observações experimentais, desde a difração de ondas por
cristais até as propriedades dinâmicas de elétrons nos mesmos.
No entanto, há muitas outras observações experimentais que o modelo de íons
estáticos não pode explicar. Entre elas:
- O calor específico dos metais a baixas temperaturas, como vimos
anteriormente, tem uma dependência característica c AT BT 3 . O termo
linear em T é devido aos elétrons livres, porém o termo cúbico ainda não foi
justificado. Para materiais isolantes, o calor específico a baixas temperaturas é
da forma c A exp( E g 2k B T ) BT 3 , onde primeiro termo, devido aos
elétrons, é bastante diferente do caso do metálico1, mas a dependência cúbica
também está presente. Conclui-se portanto que esta dependência deve estar
associada a alguma outra forma de excitação térmica, não eletrônica.
- Ao serem aquecidos, os materiais se expandem (expansão térmica) e
eventualmente fundem. Estes fenômenos obviamente não podem ser
explicados pelo modelo de íons estáticos.
- Estudamos no capítulo anterior o modelo de condutividade térmica de Drude
que supunha os elétrons livres como transportadores da energia térmica. Esta
suposição tem fundamento experimental, já que se verifica que os metais
conduzem calor de maneira muito mais eficiente que os isolantes. No entanto,
apesar de usualmente menor que a dos metais, a condutividade térmica dos
isolantes não é nula, devendo portanto haver um outro mecanismo de
transporte de energia além do eletrônico.
Esta lista poderia se estender muito mais2, incluindo fenômenos como o
espalhamento inelástico de luz e de nêutrons por cristais, o fenômeno da
supercondutividade, a propagação do som em cristais, etc. Mas já está claro que devemos
ir além do modelo de íons estáticos, o que faremos neste Capítulo.
1
A forma deste termo se justifica pois em um isolante os elétrons precisam ser excitados termicamente com
energias acima da energia do gap (Eg) para contribuírem para o calor específico.
2
Veja o Capítulo 21 do Ashcroft.
115
7.2 - Aproximação Harmônica
Iniciaremos nosso estudo das vibrações cristalinas por uma aproximação simples,
mas que explica uma enorme variedade de fenômenos associados a vibrações, a
aproximação harmônica. Suponha um cristal contendo N átomos com condições de
contorno periódicas. Estes N átomos estão distribuídos por Ncel células unitárias e há p
átomos na base, de modo que N pN cel . Designamos cada célula unitária por um vetor
da Rede de Bravais R e cada vetor da base por τ. Assim, em nosso cristal existem Ncel
vetores R e p vetores τ. Tais vetores são fixos (independentes do tempo) e descrevem a
geometria de equilíbrio do cristal estático.
Para descrevermos a dinâmica destes N átomos, precisamos determinar as
posições r de cada um deles como função do tempo, ou seja, rR , (t ) . A energia potencial3
U do cristal é uma função do conjunto dos N vetores posição, que denotaremos por r.
Sendo assim, é uma função de 3N variáveis, já que cada um dos vetores r tem 3
coordenadas cartesianas. Assim:
U U r . (7.1)
rR , rR0 , u R , . (7.2)
O deslocamento é pequeno o suficiente para que átomo não perca sua "identidade", ou
seja, cada átomo permanece mais próximo de suas própria posição de equilíbrio original
do que de qualquer outra. Assim, estamos considerando portanto pequenas vibrações em
torno das posições de equilíbrio, e não deslocamentos arbitrariamente grandes. Esta
situação está ilustrada na Fig. 7.1.
R+τ
r
Figura 7.1 - Os círculos brancos representam as posições de equilíbrio R + τ e os círculos pretos são as
posições atômicas instantâneas r.
3
Iremos supor conhecida a energia potencial, sem entrarmos em considerações sobre como ela é calculada.
Na verdade, este pode ser um problema bem complicado computacionalmente.
116
Vamos agora calcular a energia potencial neste caso. Antes, vamos simplificar por
um momento a notação, definindo r, r 0 e u como vetores de 3N coordenadas:
U (r ) U (r 0 u) U (r 0 ) (u )U 0 12 (u ) 2 U 0 (7.4)
U U
(u )U u1 u3N 0 , (7.5)
u1 u 3 N
0
0
ou seja, o segundo termo é nulo pela própria definição de equilíbrio, que é a configuração
na qual as derivadas primeiras se anulam. O terceiro termo será
1
1
(u ) 2 U u1 u3N u1 u3N U
2 0
2 u1 u 3 N u1 u 3 N 0
1 2U
u
2 1,3 N u u
u
(7.6)
1, 3 N
0
117
Em notação matricial, este termo se escreve 12 u u , onde Φ é uma matriz (3N 3N)4:
2U 2U
u1u1 0 u1u 3 N 0
(7.7)
2U U 2
u 3 N u1 0 u 3 N u 3 N 0
A matriz Φ é conhecida como matriz de constantes de força (MCF)5, por analogia com
o oscilador harmônico simples, em uma dimensão, onde a derivada segunda da energia
potencial é a constante de força ou constante de mola. No nosso caso tridimensional, é
como se cada par de átomos e direções estivesse ligado por uma mola de constante
2U u u , como ilustra a Fig. 7.2. Obviamente, espera-se que Φ decaia com
a distância entre os átomos (quanto maior a distância, menor a magnitude da interação).
Lembre-se, mais uma vez, que os índices μ e ν indicam conjuntos combinados de
posições e direções cartesianas: (R, , ) e (R, , ) .
Assim, até 2a ordem na expansão de Taylor, a energia potencial assume a forma
compacta e elegante:
U U 0 12 u u . (7.8)
Esta é a aproximação harmônica.
A constante de força Φ pode ser expressa de uma outra maneira, também
bastante intuitiva, pela razão entre a componente da força exercida sobre um átomo
quando um outro átomo sofre um deslocamento infinitesimal em uma dada direção. As
forças nos átomos, expressas na nossa notação definida acima, são também componentes
de um vetor de 3N coordenadas,
F1
F
2
(7.9)
F ,
F
F3 N
onde cada componente F é dada por F U u . Em notação matricial6:
U
F u . (7.10)
u
4
No produto matricial u.Φ.u, o vetor deslocamento do lado direito é um vetor coluna (N1) e o vetor do
lado direito é seu transposto (N1), de modo que o resultado da operação u.Φ.u é um escalar.
5
Ou matriz de derivadas segundas, ou ainda matriz Hessiana.
6
Tente mostrar o resultado da segunda igualdade. Para isso, use o fato que a matriz Φ é simétrica, ou seja,
Φ = Φ, que mostraremos a seguir.
118
A constante de força Φ é, portanto,
F F
. (7.11)
u 0 u
As Equações (7.10) e (7.11) mais uma vez têm uma analogia clara com o oscilador
harmônico simples (F = - kx). Mais uma vez, a Fig. 7.2 pode ser usada para interpretar
este resultado: realizamos um deslocamento infinitesimal δuν em um certo átomo-direção
ν e medimos a variação na força δFμ causada por esse deslocamento em outro átomo-
direção μ. A razão entre esses duas quantidades é o elemento Φ da MCF. Usaremos esta
definição como um método prático para o cálculo da MCF nos exemplos que virão a
seguir.
δu
Φ
δF
Figura 7.2 – Interpretação física da constante de força Φ. Note que os índices e se referem não
apenas a átomos do cristal, mas também a direções de deslocamentos atômicos.
2U 2U
. (7.12)
u u 0
u u 0
Note que, pela definição (7.11), isto implica que a força sentida pelo átomo-direção
quando se realiza um deslocamento infinitesimal do átomo-direção , é a mesma força
sentida átomo-direção quando se realiza um deslocamento infinitesimal no átomo-
direção .
(2) A soma dos elementos de uma linha (ou coluna) de Φ é igual a zero. Isto pode
ser demonstrado da seguinte maneira. Façamos um deslocamento u d idêntico para
todos os átomos e direções. A força resultante deve ser nula, pois a posição relativa dos
átomos não se alterou. Assim, temos
119
d 0
11 12
F u d d 0 , (7.15a)
como queríamos demonstrar. Este resultado pode ser visto também como uma
conseqüência da 3a Lei de Newton: vamos supor que o átomo-direção 1 é deslocado em
por uma distância d. O vetor força resultante será:
d 11 F1
F u 0 d 21 F2
(7.15b)
Como não existem forças externas, a força sentida pelo átomo-direção 1 deve cancelar
exatamente a soma das forças sentidas pelos demais átomos: F 0 , o que implica
u u R , (t ) u R , , x (t ) xˆ u R , , y (t ) yˆ u R , , z (t ) zˆ , (7.16)
120
1
εˆ (k )e i k R ( k ) t (7.18)
u R , (t ) .
M k
1
q k (t ) εˆ (k )e i k R (k ) t . (7.19)
M
u R , u R Niai , ,
(7.20)
n1 n n
k b1 2 b 2 3 b 3 , (7.21)
N1 N2 N3
onde bi são os vetores primitivos da rede recíproca e ni são inteiros. Estes são exatamente
os mesmos k's permitidos para os estados eletrônicos, e estão também restritos à 1a ZB.
7
Soluções mais gerais podem sempre ser escritas como uma combinação linear de modos normais.
121
R ,R e ik R R
, (k )
2
(k ) . (7.23)
R
, M M
Agora, de maneira semelhante ao que fizemos na Eq. (7.3) para os índices generalizados
(R, , ) , vamos definir novos índices generalizados i ( , ) e j ( , ) . Esses
novos índices combinam as coordenadas cartesianas e os átomos da base em um único
índice. Assim, i e j percorrem valores de 1 até 3m (em três dimensões, é claro). Desta
forma, a Eq. (7.23) se simplifica:
onde
1
Dij (k )
MiM j
R
Ri , R j e ik ( R R) (7.25)
são os elementos da matriz dinâmica D(k)8. Seus autovalores 2 são as frequências dos
modos normais ao quadrado e seus autovetores são os vetores de polarização. A obtenção
destas quantidades é feita portanto através da diagonalização da matriz dinâmica. Trata-se
de uma matriz (3p3p), ao contrário da matriz de constantes de força que tem dimensões
(3N3N). O uso de condições de contorno periódicas, e a consequente formulação do
problema no espaço recíproco, mais uma vez reduz nosso trabalho consideravelmente9.
8
Note que D(k) não depende de R, já que, devido à simetria de translação, os elementos da matriz de
constantes de força dependem apenas da posição relativa entre os átomos.
9
Ao invés de diagonalizar uma matriz (3N3N), precisamos apenas diagonalizar uma matrix (3p3p) para
cada um dos Ncel k's na 1a ZB.
122
K K K K K K K
…
1 a 2 3 N 1
Figura 7.4 – Cristal unidimensional de parâmetro de rede a com condições de contorno periódicas e
interação harmônica entre 1os vizinhos.
2U F
, (7.26)
u u 0
u
2 K u , se
F K u , se 1 . (7.27)
0, qualquer outro
u
K K
-1 +1
Figura 7.5 – Um deslocamento infinitesimal no átomo produz forças apenas nos seus vizinhos mais
próximos e nele mesmo.
2K K 0 0 0 K
K 2K K 0 0 0
0 K 2K K 0 0
0 0 K 2K 0 0 . (7.28)
K 0
0 0 0 0 0 2K K
K 0 K 2 K
0 0 0
123
Vamos agora calcular a matriz dinâmica. Neste exemplo unidimensional com
apenas 1 átomo na base, a matriz dinâmica tem dimensões (11), ou seja, é apenas um
número. Sendo assim, podemos ignorar os índices i e j da expressão (7.25), e supondo
que todos os átomos têm a mesma massa M, obtemos:
1 1 2K
ik ( X X )
D( k ) D e (2 K Ke ika Ke ika ) (1 cos ka) . (7.29)
M M M
Neste caso, a matriz dinâmica é igual ao seu próprio autovalor 2 . Podemos então
facilmente encontrar as frequências dos modos normais:
2K
(1 cos ka) . (7.30)
M
(k)
4K
M
-/a /a k
Figura 7.6 – Frequências dos modos normais de um cristal monoatômico unidimensional para k na 1a
Zona de Brillouin.
1 i ( kX t )
q k (t ) e , (7.31)
M
124
(a) k = 0
(b) k = /a
(c) k qualquer
= 2/k
Figura 7.7 – Alguns modos normais. (a) Para k = 0, modo de translação. (b) Para k = /a, onda
estacionária com átomos se movendo em oposição de fase com seus vizinhos. (c) Modo com vetor de
onda k qualquer.
d K ka
vg a cos (7.32)
dk M 2
e está mostrada na Fig. 7.8. Note que vg vai a zero para k = /a, como se espera de uma
onda estacionária. Note também que vg se aproxima de uma constante no limite k 0 ,
indicando que a relação de dispersão é aproximadamente linear na origem, ou seja,
ck , com c a K M . A constante c é a velocidade da onda elástica no limite
k 0 . Isto nada mais é do que a velocidade do som no cristal, já que ondas sonoras são
ondas elásticas longitudinais com comprimento de onda muito grande comparado com as
distâncias interatômicas. A teoria de vibrações harmônicas é portanto capaz de prever, a
partir de quantidades microscópicas como a massa, constante de mola e parâmetro de
rede, uma grandeza macroscópica mensurável como a velocidade do som.
125
vg
/a k
2U
X , X , (7.33)
u X u X 0
Mais uma vez consideramos interações harmônicas entre 1os vizinhos com uma constante
de mola K. Desta forma, os únicos elementos não-nulos da matriz de constantes de força
são
1
(7.36)
ik ( X X )
Dτ , τ ( k ) τ , τ e
M M
126
1 2K
ik ( X X )
D11 (k ) e
1, 1
M 1M 1 M1
1 2K
ik ( X X )
D22 (k ) 2 , 2 e (7.37)
M 2M 2 M2
.
1 K Ke ika
ik ( X X )
D12 (k ) 1, 2 e
M 1M 2 M 1M 2
1 Ke ika K
ik ( X X )
D21 (k ) 2 , 1 e
M 1M 2 M 1M 2
2K (M 1 M 2 ) 2 2K 2
4
(1 cos ka) 0 , (7.38)
M 1M 2 M 1M 2
Vemos portanto que, para cada k, há duas soluções (k ) , desenhadas na Fig. 7.10. As
diferentes soluções são conhecidas como ramos (analógos às bandas eletrônicas).
(k)
ramo 0
ótico
2K M 1
gap
2K M 2
ramo
acústico
= ck
-/a /a k
Figura 7.10 – Ramos de fônons para um cristal unidimensional com dois átomos distintos por célula
unitária.
127
Vamos analisar alguns casos limites. Para valores de k pequenos ( ka 1 ),
obtemos os seguintes soluções
2K (M 1 M 2 )
0 (ramo ótico)
M 1M 2 (7.40)
.
K
a k ck (ramo acústico)
2( M 1 M )
2
(a) Acústico, k = 0
M1 M2 M1 M2 M1 M2 M1 M2
(b) Ótico, k = 0
M1 M2 M1 M2 M1 M2 M1 M2
128
(C) Cristais tridimensionais
Vamos agora generalizar de forma qualitativa os resultados anteriores para o caso
mais relevante sob o ponto de vista experimental: um cristal tridimensional. Vamos supor
inicialmente um cristal 3D com um base de 1 átomo. Neste caso, teremos 3 ramos
acústicos, como mostra a Fig. 7.12. Destes três ramos, um deles é denominado
longitudinal acoustical (LA), pois o vetor de polarização é paralelo ao vetor de onda k,
ou seja, representa uma onda elástica longitudinal. Os outros dois ramos são
denominados transverse acoustic (TA) e apresentam o vetor de polarização perpendicular
ao vetor de onda. Estes 3 modos normais estão representados esquematicamente na Fig.
7.13.
LA
TA
TA
k
Figura 7.12 – Os 3 ramos acústicos de um cristal tridimensional com 1 átomo por célula unitária.
129
Ramos óticos
Ramos acústicos
E T U 12 Mu u U 0 12 u u (7.41)
Esta é a energia de um sistema de 3N osciladores harmônicos acoplados. Para
resolvermos o problema, precisamos desacoplar esta expressão. Isto é feito através de
uma mudança de coordenadas para as coordenadas dos modos normais, que são
exatamente aquelas que obtivemos na Seção anterior! Para ilustrarmos o problema,
vamos tomar o exemplo (consideravelmente mais simples) do oscilador harmônico duplo,
mostrado na Fig. 7.15.
1 2
K K K
M M
Figura 7.15 – Oscilador harmônico duplo.
130
Neste caso, a energia (hamiltoniana) do sistema se escreve como:
E 12 Mu12 12 Mu 22 12 K u12 (u1 u 2 ) 2 u 22 , (7.42)
u1 u 2 u1 u 2
q1 ; q2 , (7.43)
2 2
E 1
2
Mq12 12 M12 q12 1
2
Mq 22 12 M 22 q 22 , (7.44)
N cel 3 p
E U 0 12 Mq k2s 12 M s2 (k )qk2s . (7.45)
k 1 s 1
E 3Nk B T . (7.46)
131
1 E
c 3nk B , (7.47)
V T
discrepância
quântica
T
c ~ T3
7.5 – Fônons
En n 12 , (7.48)
132
E
n=2
n=1
n=0
x
Como foi visto na última Seção, nosso cristal pode ser considerado, dentro da
aproximação harmônica, como um sistema de 3N osciladores harmônicos desacoplados,
com freqüências s(k). Assim, para cada modo normal (k,s), as energias permitidas são:
O número quântico nks indica em que estado excitado está o modo normal com vetor de
onda k do ramo s. As energias de cada modo normal são quantizadas, ou seja, passa-se de
um nível para outro apenas através da absorção ou emissão de uma excitação elementar
de vetor de onda k e energia s (k ) , sugerindo portanto uma natureza “corpuscular”.
Um fônon é então um quantum de energia elástica, da mesma forma que um fóton é um
quantum de energia eletromagnética. Desta forma, em vez de dizer “o modo normal do
ramo s com vetor de onda k está no estado excitado nks”, diz-se que “há nks fônons do
ramo s com vetor de onda k no cristal”. De modo idêntico ao oscilador harmônico
simples, o número de fônons está relacionado à “amplitude” de vibração do modo
normal.
Para investigarmos agora as propriedades térmicas do cristal quântico, temos que
o número médio de fônons em um certo modo normal, <nks>, em função da temperatura.
Por um momento, vamos simplificar nossa notação abolindo os índices k e s que indicam
os modos normais. Assim, chamamos simplesmente de n e ω as grandezas nks e ωs(k). A
probabilidade de que um dado modo esteja no estado n é dada pelo fator de Boltzmann:
e En
p ( n) , (7.51)
e En
n
133
n exp E ne n
n
n n
n
’
exp E e n (7.52)
n
n n
1
n ln e n . (7.53)
n
1
Usando o resultado da soma de uma progressão geométrica: x
n 0
n
1 x
se x<1,
onde x e , obtemos finalmente (e retornando com os índices k e s):
1
nks s ( k )
. (7.54)
e 1
1 1 s (k )
u u0
V
ks
1
2 s (k )
V ks e s ( k )
1
. (7.55)
1 s (k )
c
V T
e
ks
s (k )
1
. (7.56)
10
Para os que já viram este tópico em Física Estatística, ambos são bósons com potencial químico nulo, ou
seja, sem restrição no número de partículas.
134
Como se nota, um cálculo exato do calor específico não é nada simples, pois envolve um
somatório (que eventualmente transformaremos em uma integral) sobre todos os k’s
permitidos na 1a Zona de Brillouin de uma função complicada. Note que uma expressão
analítica para s(k) só existe em situações extremamente idealizadas, como as que vimos
na Seção 7.2. Ainda assim, utilizando argumentos gerais e algumas aproximações,
podemos extrair muitos resultados físicos da expressão (7.56), como veremos a seguir.
1 1
lim (7.57)
x 0 e 1 x
x
1 s (k ) 1 3N
c
V T
(k ) V k
ks ks
B T
V
k B 3nk B , (7.58)
s
E
-/a /a k
Figura 7.18 – Modelo de Einstein para um cristal unidimensional diatômico. A relação de dispersão
s(k) é substituída por uma frequência “média” E.
135
Ao substituirmos este resultado na expressão para o calor específico, obtemos
1 E E 3n E e E k BT E k B T 2
c 3n
V T ks e
E
1 T e E k BT 1
e E k BT 1
2
3nk B
e E k BT
E k BT
2
(7.59)
e E k BT
1 2
(k)
kBT / ħ
-/a /a k
Figura 7.19 – Os modos normais significativamente populados com fônons são apenas aqueles com
energia menor ou da ordem de kBT. Para baixas temperaturas, estes são os modos acústicos.
Para fônons acústicos, uma aproximação mais conveniente seria utilizar uma
relação de dispersão linear, ou seja, s (k ) ck . Iremos supor, por simplicidade, que a
136
velocidade do som c é a mesma para os três ramos acústicos. Desta forma, a expressão
(7.56) para o calor específico torna-se
1 3 V D
k
ck ck
c ck
3
V T ks e 1 V T (2 ) 0
4k 2 ck
e 1
dk , (7.59)
onde efetuamos a soma apenas sobre os 3 ramos acústicos (deixamos de lado os modos
óticos). Definimos o limite superior da integral como um certo vetor de onda kD. Como
obtê-lo? Idealmente, teríamos que efetuar a integral dentro da 1a Zona de Brillouin, que
pode ter uma forma geométrica complicada. Por simplicidade, e aproveitando a simetria
esférica do integrando, faremos a integral em uma esfera de raio kD. Como veremos a
seguir, o formato exato do volume de integração não irá importar muito para as
propriedades a baixas temperaturas, para as quais apenas os modos em torno de k = 0 irão
contribuir. Mas devemos garantir que a esfera de integração contenha o mesmo número
de pontos k permitidos dentro da 1a Zona de Brillouin, ou seja, N. Isto define o valor de
kD, que é conhecido como vetor de onda de Debye:
1/ 3
4 3 (2 ) 3 6 N cel 2 (7.60)
k D N cel k D .
3 V V
3 V 3c
k kD
D
ck 3 k3
c
V T (2 ) 3
4
0 e
ck
1
dk
2 2 T e
0
ck
1
dk
kD 3 ck
3c k e ck
2 2 (e
0
ck
1) k B T 2
2
dk . (7.61)
ck
Definindo x , e fazendo a substituição de variáveis, temos
k BT
D / T 3
3c k B k BT x 4 e x
c
2 2
0
c c (e x 1) 2
dx , (7.62)
ck D
onde D é a temperatura de Debye. Podemos reescrever a expressão (7.62) de
kB
modo que a temperatura de Debye apareça mais explicitamente:
3 /T
T D
x 4e x
c 9nk B
D
0 (e x 1) 2
dx . (7.63)
137
Note que a dependência do calor específico com a temperatura sempre aparece na forma
T / D , de modo que a temperatura de Debye define a escala de temperaturas relevante
ao problema. Assim, no limite de temperaturas baixas, ou seja, T D , podemos
estender o limite de integração até :
3
T x 4e x
c 9nk B
D
0 (e x 1) 2 dx . (7.64)
A integral definida pode ser resolvida, e seu valor é 4 4 15 . Desta forma, obtemos
finalmente a expressão do calor específico para baixas temperaturas:
3
12 4 T
c nk B . (7.65)
5 D
Material D (K)
Li 400
Na 150
C 1860
Ar 85
Ne 63
138
7.6 – Momento de um fônon
Qual a interpretação física da quantidade k para um fônon? Para tentarmos
entender esta questão, vamos supor um cristal onde foi excitado um único fônon em um
modo normal com vetor de onda k. Os deslocamentos dos átomos deste cristal podem ser
expressos por (7.19):
d 0, se k 0
Ptot M u k (R, t ) iMe it εˆ e ik R . (7.67)
dt R R N , se k 0
Ou seja, um fônon com k0 não carrega momento físico. Isto se justifica, pois os
deslocamentos u são deslocamentos relativos. Apenas os modos de translação (k=0),
que representam translações do cristal como um todo, carregam momento físico.
Apesar disso, pode-se mostrar11 que a quantidade k atua como momento do
fônon nos processos de interação deste com fótons ou nêutrons, e por isso tem relevância
e recebe a denominação momento cristalino do fônon (de forma bastante análoga ao
momento cristalino do elétron, que vimos no Capítulo 5). Estes mecanismos são
extremamente importantes porque propiciam informação experimental direta sobre o
espectro de fônons. Nestes processos, as conservações do momento e da energia se
escrevem da seguinte forma:
p p (k G ) (7.68)
,
E E s (k )
onde p e E são o momento e a energia do fóton ou nêutron incidente, p’ e E’ são o
momento e a energia do fóton ou nêutron espalhado, e k e s (k) são o momento
cristalino e a energia do fônon criado (-) ou destruído (+). O termo G surge porque o
vetor de onda k do fônon é definido dentro da 1a Zona de Brillouin. Os processos de
criação e destruição de fônons estão ilustrados na Fig. 7.20.
p p
(k G) (k G)
p’ p’
criação destruição
139
Podemos considerar um caso particular de espalhamento: o espalhamento
elástico. Isto ocorre se nenhum fônon for criado ou destruído. A energia da partícula
incidente irá se conservar. Mesmo assim, há alteração do momento pela presença do
termo G . Sejam p q e p q . A conservação de momento nos dá:
Referências:
- Ashcroft e Mermim, Capítulos 21 a 24.
- Kittel, Capítulos 4 e 5.
- Ibach e Lüth, Capítulos 4 e 5.
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