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7.

Vibrações Cristalinas
7.1 - Falhas do Modelo de Íons Estáticos

Nos últimos capítulos, vimos que a ideia de estrutura cristalina como um conjunto
de íons ocupando posições regulares e estáticas no espaço (modelo de íons estáticos) foi
capaz de explicar diversas observações experimentais, desde a difração de ondas por
cristais até as propriedades dinâmicas de elétrons nos mesmos.
No entanto, há muitas outras observações experimentais que o modelo de íons
estáticos não pode explicar. Entre elas:
- O calor específico dos metais a baixas temperaturas, como vimos
anteriormente, tem uma dependência característica c  AT  BT 3 . O termo
linear em T é devido aos elétrons livres, porém o termo cúbico ainda não foi
justificado. Para materiais isolantes, o calor específico a baixas temperaturas é
da forma c  A exp(  E g 2k B T )  BT 3 , onde primeiro termo, devido aos
elétrons, é bastante diferente do caso do metálico1, mas a dependência cúbica
também está presente. Conclui-se portanto que esta dependência deve estar
associada a alguma outra forma de excitação térmica, não eletrônica.
- Ao serem aquecidos, os materiais se expandem (expansão térmica) e
eventualmente fundem. Estes fenômenos obviamente não podem ser
explicados pelo modelo de íons estáticos.
- Estudamos no capítulo anterior o modelo de condutividade térmica de Drude
que supunha os elétrons livres como transportadores da energia térmica. Esta
suposição tem fundamento experimental, já que se verifica que os metais
conduzem calor de maneira muito mais eficiente que os isolantes. No entanto,
apesar de usualmente menor que a dos metais, a condutividade térmica dos
isolantes não é nula, devendo portanto haver um outro mecanismo de
transporte de energia além do eletrônico.
Esta lista poderia se estender muito mais2, incluindo fenômenos como o
espalhamento inelástico de luz e de nêutrons por cristais, o fenômeno da
supercondutividade, a propagação do som em cristais, etc. Mas já está claro que devemos
ir além do modelo de íons estáticos, o que faremos neste Capítulo.

1
A forma deste termo se justifica pois em um isolante os elétrons precisam ser excitados termicamente com
energias acima da energia do gap (Eg) para contribuírem para o calor específico.
2
Veja o Capítulo 21 do Ashcroft.

115
7.2 - Aproximação Harmônica

Iniciaremos nosso estudo das vibrações cristalinas por uma aproximação simples,
mas que explica uma enorme variedade de fenômenos associados a vibrações, a
aproximação harmônica. Suponha um cristal contendo N átomos com condições de
contorno periódicas. Estes N átomos estão distribuídos por Ncel células unitárias e há p
átomos na base, de modo que N  pN cel . Designamos cada célula unitária por um vetor
da Rede de Bravais R e cada vetor da base por τ. Assim, em nosso cristal existem Ncel
vetores R e p vetores τ. Tais vetores são fixos (independentes do tempo) e descrevem a
geometria de equilíbrio do cristal estático.
Para descrevermos a dinâmica destes N átomos, precisamos determinar as
posições r de cada um deles como função do tempo, ou seja, rR , (t ) . A energia potencial3
U do cristal é uma função do conjunto dos N vetores posição, que denotaremos por r.
Sendo assim, é uma função de 3N variáveis, já que cada um dos vetores r tem 3
coordenadas cartesianas. Assim:

U  U r . (7.1)

Quando os átomos estão em suas posições de equilíbrio, ou seja, rR ,  R    rR0 , , U


tem seu valor mínimo U0, ou seja, U r 0   U 0 . Suponha agora que cada átomo sofra um
pequeno deslocamento u R , a partir do equilíbrio, de modo que

rR ,  rR0 ,  u R , . (7.2)

O deslocamento é pequeno o suficiente para que átomo não perca sua "identidade", ou
seja, cada átomo permanece mais próximo de suas própria posição de equilíbrio original
do que de qualquer outra. Assim, estamos considerando portanto pequenas vibrações em
torno das posições de equilíbrio, e não deslocamentos arbitrariamente grandes. Esta
situação está ilustrada na Fig. 7.1.

R+τ
r

Figura 7.1 - Os círculos brancos representam as posições de equilíbrio R + τ e os círculos pretos são as
posições atômicas instantâneas r.

3
Iremos supor conhecida a energia potencial, sem entrarmos em considerações sobre como ela é calculada.
Na verdade, este pode ser um problema bem complicado computacionalmente.

116
Vamos agora calcular a energia potencial neste caso. Antes, vamos simplificar por
um momento a notação, definindo r, r 0 e u como vetores de 3N coordenadas:

r1  r10  u1 


r   0  u 
2  r2   2 
      (7.3)
r   ; r   0 ;
0
u 
r  r  u  
     
     
r3 N  r 0  u 3 N 
 3N 

Nesta notação, a Equação (7.1) torna-se simplesmente r  r 0  u . Repare ainda que o


índice μ, que vai de 1 a 3N, serve para designar simultaneamente o vetor da célula
unitária R (que vai de 1 a Ncel), o vetor de base τ (que vai de 1 a p) e a coordenada
cartesiana que vamos indicar por α (α = x, y, z).
Se o deslocamento u é pequeno, podemos utilizar a expansão de Taylor em 3N
coordenadas:

U (r )  U (r 0  u)  U (r 0 )  (u   )U 0  12 (u   ) 2 U 0   (7.4)

O primeiro termo da expansão é a energia de equilíbrio, U (r 0 )  U 0 . O segundo


termo é

 U U 
(u   )U   u1    u3N  0 , (7.5)
 u1 u 3 N
0
 0

ou seja, o segundo termo é nulo pela própria definição de equilíbrio, que é a configuração
na qual as derivadas primeiras se anulam. O terceiro termo será

1      
1
(u   ) 2 U   u1    u3N   u1    u3N  U 
2 0
2  u1 u 3 N   u1 u 3 N  0

1   2U 
   u
2  1,3 N  u  u
 u
 (7.6)
 1, 3 N
0

117
Em notação matricial, este termo se escreve 12 u    u , onde Φ é uma matriz (3N  3N)4:

  2U  2U 
  
 u1u1 0 u1u 3 N 0 
(7.7)
    
  2U U 2 
  
 u 3 N u1 0 u 3 N u 3 N 0 

A matriz Φ é conhecida como matriz de constantes de força (MCF)5, por analogia com
o oscilador harmônico simples, em uma dimensão, onde a derivada segunda da energia
potencial é a constante de força ou constante de mola. No nosso caso tridimensional, é
como se cada par de átomos e direções estivesse ligado por uma mola de constante
    2U u  u , como ilustra a Fig. 7.2. Obviamente, espera-se que Φ decaia com
a distância entre os átomos (quanto maior a distância, menor a magnitude da interação).
Lembre-se, mais uma vez, que os índices μ e ν indicam conjuntos combinados de
posições e direções cartesianas:   (R, ,  ) e   (R, ,  ) .
Assim, até 2a ordem na expansão de Taylor, a energia potencial assume a forma
compacta e elegante:
U  U 0  12 u    u . (7.8)
Esta é a aproximação harmônica.

A constante de força Φ pode ser expressa de uma outra maneira, também
bastante intuitiva, pela razão entre a componente da força exercida sobre um átomo
quando um outro átomo sofre um deslocamento infinitesimal em uma dada direção. As
forças nos átomos, expressas na nossa notação definida acima, são também componentes
de um vetor de 3N coordenadas,
 F1 
F 
 2 
  (7.9)
F ,
 F 
 
 
 F3 N 
onde cada componente F é dada por F   U u  . Em notação matricial6:

 U
F    u . (7.10)
u
4
No produto matricial u.Φ.u, o vetor deslocamento do lado direito é um vetor coluna (N1) e o vetor do
lado direito é seu transposto (N1), de modo que o resultado da operação u.Φ.u é um escalar.
5
Ou matriz de derivadas segundas, ou ainda matriz Hessiana.
6
Tente mostrar o resultado da segunda igualdade. Para isso, use o fato que a matriz Φ é simétrica, ou seja,
Φ = Φ, que mostraremos a seguir.

118
A constante de força Φ é, portanto,
 F F
    . (7.11)
u 0 u
As Equações (7.10) e (7.11) mais uma vez têm uma analogia clara com o oscilador
harmônico simples (F = - kx). Mais uma vez, a Fig. 7.2 pode ser usada para interpretar
este resultado: realizamos um deslocamento infinitesimal δuν em um certo átomo-direção
ν e medimos a variação na força δFμ causada por esse deslocamento em outro átomo-
direção μ. A razão entre esses duas quantidades é o elemento Φ da MCF. Usaremos esta
definição como um método prático para o cálculo da MCF nos exemplos que virão a
seguir.

δu
Φ
δF

Figura 7.2 – Interpretação física da constante de força Φ. Note que os índices  e  se referem não
apenas a átomos do cristal, mas também a direções de deslocamentos atômicos.

A matriz de constantes de força desempenha um papel fundamental na teoria de


vibrações cristalinas. É portanto interessante analisar em detalhe algumas de suas
propriedades. Estas propriedades consistem em simetrias:
(1) Φ é uma matriz simétrica, ou seja,     . Isto decorre do fato de que a
ordem das derivadas não importa:

 2U  2U
      . (7.12)
u  u 0
u u  0

Note que, pela definição (7.11), isto implica que a força sentida pelo átomo-direção 
quando se realiza um deslocamento infinitesimal do átomo-direção , é a mesma força
sentida átomo-direção  quando se realiza um deslocamento infinitesimal no átomo-
direção .

(2) A soma dos elementos de uma linha (ou coluna) de Φ é igual a zero. Isto pode
ser demonstrado da seguinte maneira. Façamos um deslocamento u   d idêntico para
todos os átomos e direções. A força resultante deve ser nula, pois a posição relativa dos
átomos não se alterou. Assim, temos

119
d  0
  11  12    
F    u     d    d    0 , (7.15a)
   
    

como queríamos demonstrar. Este resultado pode ser visto também como uma
conseqüência da 3a Lei de Newton: vamos supor que o átomo-direção 1 é deslocado em
por uma distância d. O vetor força resultante será:

d   11   F1 
F    u     0   d  21    F2 
  (7.15b)
 
       

Como não existem forças externas, a força sentida pelo átomo-direção 1 deve cancelar
exatamente a soma das forças sentidas pelos demais átomos:  F  0 , o que implica

em    1  0 , ou seja a soma dos elementos da primeira coluna é zero. O mesmo

argumento pode ser usado para qualquer uma das colunas.

7.3 - Modos Normais

Agora sabemos, em princípio, calcular as forças atuantes sobre os íons quando


neles se fazem deslocamentos u, através da Eq. (7.10). Podemos então descrever a
dinâmica dos mesmos. Vamos retornar à nossa notação original, na qual escrevemos os
vetores deslocamento como:

u  u R , (t )  u R , , x (t ) xˆ  u R , , y (t ) yˆ  u R , , z (t ) zˆ , (7.16)

ou seja, ao invés de um vetor de 3N coordenadas, temos novamente um vetor de 3


coordenadas para cada um dos N íons da rede e reintroduzimos explicitamente a
dependência temporal.
A equação de movimento para a componente α (x, y ou z) da posição do átomo
localizado em R + τ é

M  uR , ,  FR , ,    u R , ,    R , R   u R, ,  . (7.17)


R, , 

Note que M  é a massa do átomo da base τ.


Fazemos agora o seguinte ansatz para o vetor deslocamento:

120
1
 εˆ  (k )e  i k R  ( k ) t  (7.18)
u R , (t )  .
M k

Trata-se simplesmente de uma expansão de Fourier para os vetores deslocamento. Cada


um dos termos da expansão de Fourier (7.18) corresponde a uma solução onde todos os
íons associados à mesma posição de base τ vibram na mesma direção, dada pelo vetor de
polarização εˆ  (k ) . Íons distantes um do outro por um vetor R vibram com uma
diferença de fator de fase e ikR . A semelhança da Eq. (7.17) com a do oscilador
harmônico simples sugere que a dependência temporal de cada um dos termos seja
oscilatória, da forma e it . Buscamos portanto as soluções com vetor de onda k e
frequência (k) bem definidos, correspondendo a cada um dos termos da expansão
(7.18). Estas soluções são conhecidas como modos normais7:

1
q k (t )  εˆ  (k )e i k R  (k ) t  . (7.19)
M

Agora, introduzimos novamente a idéia de condições de contorno periódicas,


que vimos na teoria do gás de elétrons livres (veja a Seção 5.1). Naquela ocasião, as
condições foram impostas sobre as funções de onda eletrônicas. Agora, fazemos o mesmo
com os deslocamentos:

u R ,  u R  Niai , ,
(7.20)

onde ai são os vetores primitivos da rede e Ni é o número de células unitárias do cristal na


direção correspondente. De maneira idêntica ao que foi feito na Seção 5.1 (veja a Eq.
(5.38)), chegamos à expressão para os vetores k permitidos:

n1 n n
k b1  2 b 2  3 b 3 , (7.21)
N1 N2 N3

onde bi são os vetores primitivos da rede recíproca e ni são inteiros. Estes são exatamente
os mesmos k's permitidos para os estados eletrônicos, e estão também restritos à 1a ZB.

Nosso objetivo agora é encontrar as frequências dos modos normais e os vetores


de polarização. Substituindo a expressão (7.19) na equação de movimento (7.17),
obtemos:

  , (k )e ikR  R ,R      (k )e ikR


 M  2
M
 
 
R ,  ,  M 
(7.22)

7
Soluções mais gerais podem sempre ser escritas como uma combinação linear de modos normais.

121
  R ,R   e ik R R  
   , (k )   
2
    (k ) . (7.23)
 R
 ,   M M 

Agora, de maneira semelhante ao que fizemos na Eq. (7.3) para os índices generalizados
  (R, ,  ) , vamos definir novos índices generalizados i  ( ,  ) e j  ( ,  ) . Esses
novos índices combinam as coordenadas cartesianas e os átomos da base em um único
índice. Assim, i e j percorrem valores de 1 até 3m (em três dimensões, é claro). Desta
forma, a Eq. (7.23) se simplifica:

  Ri ,Rj e ikR R  


  i (k )   
2
 j (k ) (7.23a)
j  R M M 
 i j

Em notação matricial, esta equação se escreve

 2εˆ (k )  D(k )  εˆ (k ) , (7.24)

onde

1
Dij (k ) 
MiM j

R
Ri , R j e ik ( R R) (7.25)

são os elementos da matriz dinâmica D(k)8. Seus autovalores 2 são as frequências dos
modos normais ao quadrado e seus autovetores são os vetores de polarização. A obtenção
destas quantidades é feita portanto através da diagonalização da matriz dinâmica. Trata-se
de uma matriz (3p3p), ao contrário da matriz de constantes de força que tem dimensões
(3N3N). O uso de condições de contorno periódicas, e a consequente formulação do
problema no espaço recíproco, mais uma vez reduz nosso trabalho consideravelmente9.

Vamos explorar as potencialidades do formalismo desenvolvido até agora através


de alguns exemplos.

(A) Cristal unidimensional com base monoatômica


Este é o caso mais simples possível. Suponha um cristal monoatômico
unidimensional de parâmetro de rede a onde cada íon interage de forma harmônica
(constante de mola igual a K) apenas com seus primeiros vizinhos. Esta situação está
ilustrada na Fig. 7.4.

8
Note que D(k) não depende de R, já que, devido à simetria de translação, os elementos da matriz de
constantes de força dependem apenas da posição relativa entre os átomos.
9
Ao invés de diagonalizar uma matriz (3N3N), precisamos apenas diagonalizar uma matrix (3p3p) para
cada um dos Ncel k's na 1a ZB.

122
K K K K K K K

1 a 2 3 N 1

Figura 7.4 – Cristal unidimensional de parâmetro de rede a com condições de contorno periódicas e
interação harmônica entre 1os vizinhos.

Vamos calcular a matriz de constantes de força. Em 1 dimensão, a matriz terá


NN elementos:

 2U F
    , (7.26)
u  u 0
u

ou seja, como já vimos, para um deslocamento infinitesimal u no átomo , o elemento


de matriz   será igual à razão entre a força F no átomo  resultante deste
deslocamento e o próprio deslocamento, com sinal negativo. Como está ilustrado na Fig.
7.5, podemos calcular facilmente a força resultante pela Lei de Hooke, e o resultado
obtido é

 2 K u , se   

F  K u , se     1 . (7.27)
0, qualquer outro 

u
K K
 -1   +1

Figura 7.5 – Um deslocamento infinitesimal no átomo  produz forças apenas nos seus vizinhos mais
próximos e nele mesmo.

A matriz Φ tem portanto a forma

 2K K 0 0  0  K
 K 2K K 0  0 0 

 0 K 2K K  0 0 
 
 0 0 K 2K  0 0  . (7.28)
      K 0 
 
 0 0 0 0 0 2K  K
 K 0 K 2 K 
 0 0 0

123
Vamos agora calcular a matriz dinâmica. Neste exemplo unidimensional com
apenas 1 átomo na base, a matriz dinâmica tem dimensões (11), ou seja, é apenas um
número. Sendo assim, podemos ignorar os índices i e j da expressão (7.25), e supondo
que todos os átomos têm a mesma massa M, obtemos:

1 1 2K

ik ( X   X )
D( k )  D e  (2 K  Ke ika  Ke ika )  (1  cos ka) . (7.29)
M  M M

Neste caso, a matriz dinâmica é igual ao seu próprio autovalor  2 . Podemos então
facilmente encontrar as frequências dos modos normais:

2K
 (1  cos ka) . (7.30)
M

Este resultado está mostrado no gráfico da Fig. 7.6

(k)

4K
M

-/a /a k
Figura 7.6 – Frequências dos modos normais de um cristal monoatômico unidimensional para k na 1a
Zona de Brillouin.

Em 1 dimensão, o vetor de polarização (autovetor da matriz dinâmica) é


simplesmente a direção x. Os deslocamentos dos modos normais são, portanto,

1 i ( kX  t )
q k (t )  e , (7.31)
M

onde X   a são as posições atômicas. Vamos analisar alguns destes deslocamentos


(em t = 0).
Para k = 0, os deslocamentos de todos os átomos são idênticos, como mostra a
Fig. 7.7(a). Ou seja, este modo normal corresponde a uma translação do cristal como um
todo, não representando portanto um movimento de vibração. Assim pode-se entender
porque a frequência deste modo é nula, (0)=0: como não há deslocamentos relativos
entre os átomos, o modo de translação tem energia potencial nula.

124
(a) k = 0

(b) k = /a

(c) k qualquer

 = 2/k
Figura 7.7 – Alguns modos normais. (a) Para k = 0, modo de translação. (b) Para k = /a, onda
estacionária com átomos se movendo em oposição de fase com seus vizinhos. (c) Modo com vetor de
onda k qualquer.

Para k    a , uma análise da Equação (7.31) revela que deslocamentos em


átomos vizinhos são opostos, como mostra a Fig. 7.7(b), ou seja,
u  a ( a, t )  u  a ((  1)a, t ) , qualquer que seja t. Este padrão de deslocamentos
representa uma onda estacionária, ou seja, não transporta energia.
Para um k qualquer, o padrão de deslocamentos é como o mostrado na Fig. 7.7(c)
e representa uma onda elástica propagante. A velocidade de grupo da onda propagante é:

d K ka
vg  a cos (7.32)
dk M 2

e está mostrada na Fig. 7.8. Note que vg vai a zero para k = /a, como se espera de uma
onda estacionária. Note também que vg se aproxima de uma constante no limite k  0 ,
indicando que a relação de dispersão é aproximadamente linear na origem, ou seja,
  ck , com c  a K M . A constante c é a velocidade da onda elástica no limite
k  0 . Isto nada mais é do que a velocidade do som no cristal, já que ondas sonoras são
ondas elásticas longitudinais com comprimento de onda muito grande comparado com as
distâncias interatômicas. A teoria de vibrações harmônicas é portanto capaz de prever, a
partir de quantidades microscópicas como a massa, constante de mola e parâmetro de
rede, uma grandeza macroscópica mensurável como a velocidade do som.

125
vg

/a k

Figura 7.8 – Velocidade de grupo em função do vetor de onda.

(B) Cristal unidimensional com base diatômica


Vamos supor agora um cristal unidimensional com dois átomos na base, um com
massa M1 e outro com massa M2, como mostra a Fig. 7.9. Vamos escolher a origem da
célula unitária localizada na posição do átomo 1.
K K K K K
M1 M2 M1 M2
a
Figura 7.9 – Cristal 1D com dois átomos de massas diferentes por célula unitária.
Neste caso, para determinar a MCF, será mais conveniente usar a notação menos concisa
em que deixamos explícito que os índices da MCF indicam a posição da célula unitária e
do átomo da base:   R, ,   . Especificamente, para este sistema unidimensional,
podemos ignorar o índice α que indica as coordenadas cartesianas. Desta forma, os
elementos da MCF são:

 2U
 X , X    , (7.33)
u X u X   0

Mais uma vez consideramos interações harmônicas entre 1os vizinhos com uma constante
de mola K. Desta forma, os únicos elementos não-nulos da matriz de constantes de força
são

 1, 1   v 2, 2  2 K (7.34)


 1, 2   2, 1   1,( 1) 2   ( 1) 2, 1   K (7.35)

onde o índice  indica a célula unitária X e o segundo índice (1 ou 2) indica o átomo da


base τ.
Neste caso, a matrix dinâmica será

1
 (7.36)
ik ( X   X )
Dτ , τ ( k )    τ , τ e
M  M  

Esta matriz dinâmica terá (22) dimensões e terá os seguintes elementos:

126
1 2K

ik ( X   X )
D11 (k )    e
1, 1 
M 1M 1  M1
1 2K

ik ( X   X )
D22 (k )   2 , 2 e  (7.37)
M 2M 2  M2
.
1  K  Ke ika

ik ( X   X )
D12 (k )    1, 2 e 
M 1M 2  M 1M 2
1  Ke ika  K

ik ( X   X )
D21 (k )   2 , 1 e 
M 1M 2  M 1M 2

Impondo a condição det(D(k )   2 I)  0 , chega-se à seguinte equação de autovalores


para  2 (verifique!):

2K (M 1  M 2 ) 2 2K 2
 
4
  (1  cos ka)  0 , (7.38)
M 1M 2 M 1M 2

cujas soluções são

K (M 1  M 2 )  2(1  cos ka) M 12 M 22 


(7.39)
2  1  1  
M 1M 2  (M 1  M 2 ) 2 

Vemos portanto que, para cada k, há duas soluções  (k ) , desenhadas na Fig. 7.10. As
diferentes soluções são conhecidas como ramos (analógos às bandas eletrônicas).

(k)

ramo 0
ótico
2K M 1
gap
2K M 2
ramo
acústico

 = ck

-/a /a k
Figura 7.10 – Ramos de fônons para um cristal unidimensional com dois átomos distintos por célula
unitária.

127
Vamos analisar alguns casos limites. Para valores de k pequenos ( ka  1 ),
obtemos os seguintes soluções

2K (M 1  M 2 )
0  (ramo ótico)
M 1M 2 (7.40)
.
 K 
   a  k  ck (ramo acústico)

 2( M 1  M )
2 

Vemos novamente a presença de uma solução com relação de dispersão linear (   ck )


na vizinhança de k=0, associada à propagação de ondas sonoras e portanto denominada
ramo acústico. Além destas, há soluções cuja frequência não vai a zero na origem e sim
a uma constante 0. Estas soluções fazem parte do ramo ótico. Esta denominação pode
ser melhor entendida se analisarmos os vetores de polarização. O ramo acústico
corresponde a autovalores tais que  1   2 em k = 0 (verifique!), ou seja, para pequenos
comprimentos de onda (na vizinhança da origem) os deslocamentos de átomos
pertencentes à mesma célula unitária estão no mesmo sentido, como mostra a Fig.
7.11(a). Já o ramo ótico corresponde a autovalores  1   2 em k = 0, ou seja,
deslocamentos contrários de átomos na mesma célula, como mostram as Fig. 7.11(b). Na
borda da Zona de Brillouin (k = /a), um dos átomos vibra, enquanto o outro permanece
parado, como mostraremos na lista de exercícios, de modo que as freqüências são
2K M 1 1 / 2 (átomo M1 vibrando) ou 2K M 2 1 / 2 (átomo M2 vibrando) como mostram
as Fig. 7.11(c) e 7.11(d). Em cristais iônicos, onde além de terem massas distintas os
átomos (íons) têm cargas opostas, estes deslocamentos em sentido contrário podem ser
excitados por um campo elétrico da luz, por exemplo. Por isso a denominação “ramo
ótico”. As frequências de vibração típicas estão na faixa do infra-vermelho. Isto faz com
que a espectroscopia de absorção no infra-vermelho seja uma das técnicas mais poderosas
para o estudo das vibrações cristalinas em sólidos.

(a) Acústico, k = 0
M1 M2 M1 M2 M1 M2 M1 M2

(b) Ótico, k = 0
M1 M2 M1 M2 M1 M2 M1 M2

(c) Ótico, k = /a


M1 M2 M1 M2 M1 M2 M1 M2

(d) Acústico, k = /a


M1 M2 M1 M2 M1 M2 M1 M2

Figura 7.11 – Alguns modos normais de um cristal unidimensional diatômico.

128
(C) Cristais tridimensionais
Vamos agora generalizar de forma qualitativa os resultados anteriores para o caso
mais relevante sob o ponto de vista experimental: um cristal tridimensional. Vamos supor
inicialmente um cristal 3D com um base de 1 átomo. Neste caso, teremos 3 ramos
acústicos, como mostra a Fig. 7.12. Destes três ramos, um deles é denominado
longitudinal acoustical (LA), pois o vetor de polarização é paralelo ao vetor de onda k,
ou seja, representa uma onda elástica longitudinal. Os outros dois ramos são
denominados transverse acoustic (TA) e apresentam o vetor de polarização perpendicular
ao vetor de onda. Estes 3 modos normais estão representados esquematicamente na Fig.
7.13. 

LA
TA

TA

k
Figura 7.12 – Os 3 ramos acústicos de um cristal tridimensional com 1 átomo por célula unitária.

LA: u // k TA: u  k TA: u  k

Figura 7.13 – Deslocamentos associados aos modos LA e TA.

Generalizando agora para um cristal com uma base de p átomos, teremos 3p


ramos, dos quais 3 são ramos acústicos e (3p - 3) são óticos. Os ramos óticos também
podem ser classificados como LO (longitudinal optical) ou TO (transversal optical),
dependendo se o vetor de polarização é paralelo ou perpendicular ao vetor de onda. A
Fig. 7.14 abaixo mostra o caso particular de um cristal tridimensional com 2 átomos na
base, onde há portanto 3 ramos acústicos e 3 ramos óticos.

129

Ramos óticos

Ramos acústicos

Figura 7.14 – Ramos de fônons para um cristal em 3D com 2 átomos na base.

7.4 – A Lei de Dulong e Petit


Como mencionamos anteriormente, as vibrações cristalinas contribuem de forma
significativa para o calor específico dos sólidos. Utilizaremos a aproximação harmônica,
desenvolvida na última Seção, para calcular esta contribuição. Iniciaremos este estudo
descrevendo a teoria clássica do calor específico devido a vibrações cristalinas: a Lei de
Dulong e Petit. Veremos que esta lei falha de forma gritante na descrição dos resultados
experimentais, e isto nos servirá como motivação para desenvolver a teoria quântica das
vibrações, o que faremos a partir da próxima Seção.
Considere um cristal com Ncel células unitárias e p átomos na base, contendo
portanto um total de N  N cel p átomos. Por simplicidade, consideremos todos os átomos
com a mesma massa M. Retornando à notação desenvolvida no início da Seção 7.2 (veja
a Eq. (7.3)), o vetor deslocamento u tem 3N coordenadas, e a MCF tem dimensões (3N ×
3N). Podemos escrever, dentro da aproximação harmônica, a energia total (cinética +
potencial) deste sistema como:

E  T  U  12 Mu  u  U 0  12 u    u (7.41)
Esta é a energia de um sistema de 3N osciladores harmônicos acoplados. Para
resolvermos o problema, precisamos desacoplar esta expressão. Isto é feito através de
uma mudança de coordenadas para as coordenadas dos modos normais, que são
exatamente aquelas que obtivemos na Seção anterior! Para ilustrarmos o problema,
vamos tomar o exemplo (consideravelmente mais simples) do oscilador harmônico duplo,
mostrado na Fig. 7.15.

1 2
K K K
M M
Figura 7.15 – Oscilador harmônico duplo.

130
Neste caso, a energia (hamiltoniana) do sistema se escreve como:


E  12 Mu12  12 Mu 22  12 K u12  (u1  u 2 ) 2  u 22 ,  (7.42)

onde u1 e u2 são os deslocamentos das massa 1 e 2 com relação às suas posições de


equilíbrio. Note que o termo (u1 – u2)2 dá origem aos termos cruzados que acoplam os
dois osciladores e tornam difícil a solução do problema. Usa-se então a transformação
para coordenadas normais:

u1  u 2 u1  u 2
q1  ; q2  , (7.43)
2 2

que faz com que a hamiltoniana possa ser reescrita como:

E 1
2
Mq12  12 M12 q12    1
2

Mq 22  12 M 22 q 22 , (7.44)

que é a hamiltoniana de dois osciladores harmônicos desacoplados com freqüências


 1  K M e  2  3K M (freqüências dos modos normais).
O mesmo procedimento funciona para o sistema de 3N osciladores que
precisamos resolver. Neste caso, um modo normal é caracterizado por uma coordenada
qks, indexado por um vetor de onda k na 1a Zona de Brillouin e um ramo de fônon s, e
tendo uma freqüência s(k). Temos então 3Ncel×p modos normais, correspondendo aos
Ncel k’s permitidos da 1a Zona de Brillouin e aos 3p ramos. Desta forma, a energia do
sistema se escreve na forma:

 
N cel 3 p
E  U 0   12 Mq k2s  12 M s2 (k )qk2s . (7.45)
k 1 s 1

Esta é a expressão para a energia de 3N osciladores harmônico desacoplados, como


queríamos.
Vamos agora investigar as propriedades térmicas deste cristal clássico. O
Teorema da Equipartição nos permite calcular a energia interna  E  no equilíbrio
térmico à temperatura T. Segundo este teorema, cada grau de liberdade quadrático na
expressão da energia contribui com 12 k B T para a energia interna. No nosso caso
específico, temos 6N graus de liberdade quadráticos, de modo que a energia interna é
dada por

 E  3Nk B T . (7.46)

O calor específico é, portanto,

131
1 E
c  3nk B , (7.47)
V T

onde n é a densidade. O calor específico é uma constante independente da temperatura.


Esta é a Lei de Dulong e Petit.
No entanto, ao serem feitas medições do calor específico de isolantes, notam-se
discrepâncias marcantes com relação a este resultado. Estas discrepâncias estão
mostradas esquematicamente na Fig. 7.16. O calor específico parece tender para um valor
constante apenas a temperaturas muito altas. Ainda assim, este valor é um pouco
diferente do resultado de Dulong e Petit (linha tracejada). Esta discrepância pode ainda
ser explicada dentro do contexto de uma teoria clássica: trata-se de uma limitação da
aproximação harmônica. Esta aproximação, que temos usado amplamente, parte do
pressuposto de que os deslocamentos com relação ao equilíbrio são pequenos, o que
deixa de ser verdade a temperaturas muito altas. A outra discrepância com relação à
previsão clássica é a dependência forte com a temperatura do calor específico, sendo
proporcional a T3 a temperaturas baixas, como já dissemos. Esta discrepância só será
explicada ao considerarmos efeitos quânticos, o que faremos na próxima Seção.
c
3nkB discrepância
clássica

discrepância
quântica
T
c ~ T3

Figura 7.16 – Calor específico em função da temperatura para um sólido isolante.

7.5 – Fônons

Iniciaremos agora a descrição quântica das vibrações cristalinas. Nos cursos


básicos de Mecânica Quântica, aprendemos a resolver o oscilador harmônico simples e
encontramos seus autovalores e autoestados da energia. Em particular, vimos que um
oscilador harmônico de frequência  tem estados quantizados com espaçamento
constante em energia:

En  n  12  , (7.48)

como está esquematizado na Fig. 7.17.

132
E

n=2
n=1
n=0
x

Figura 7.17 – Níveis quânticos do oscilador harmônico simples.

Como foi visto na última Seção, nosso cristal pode ser considerado, dentro da
aproximação harmônica, como um sistema de 3N osciladores harmônicos desacoplados,
com freqüências s(k). Assim, para cada modo normal (k,s), as energias permitidas são:

Enks  nks  12  s (k ) (7.49)

Desta forma, podemos facilmente quantizar a hamiltoniana (7.45), e obtemos a energia


total do sistema:

E  U 0   Enks  U 0   nks  12  s (k ) (7.50)


k ,s k ,s

O número quântico nks indica em que estado excitado está o modo normal com vetor de
onda k do ramo s. As energias de cada modo normal são quantizadas, ou seja, passa-se de
um nível para outro apenas através da absorção ou emissão de uma excitação elementar
de vetor de onda k e energia  s (k ) , sugerindo portanto uma natureza “corpuscular”.
Um fônon é então um quantum de energia elástica, da mesma forma que um fóton é um
quantum de energia eletromagnética. Desta forma, em vez de dizer “o modo normal do
ramo s com vetor de onda k está no estado excitado nks”, diz-se que “há nks fônons do
ramo s com vetor de onda k no cristal”. De modo idêntico ao oscilador harmônico
simples, o número de fônons está relacionado à “amplitude” de vibração do modo
normal.
Para investigarmos agora as propriedades térmicas do cristal quântico, temos que
o número médio de fônons em um certo modo normal, <nks>, em função da temperatura.
Por um momento, vamos simplificar nossa notação abolindo os índices k e s que indicam
os modos normais. Assim, chamamos simplesmente de n e ω as grandezas nks e ωs(k). A
probabilidade de que um dado modo esteja no estado n é dada pelo fator de Boltzmann:

e  En
p ( n)  , (7.51)
 e  En
n

onde   1 k B T . Desta forma, o número médio de fônons é

133
 n exp E   ne   n
  n

 n  n
 n

 exp E   e     n (7.52)
n
n n

que pode ser reescrito como

1   
 n   ln  e  n  . (7.53)
   n 


1
Usando o resultado da soma de uma progressão geométrica: x
n 0
n

1 x
se x<1,
 
onde x  e , obtemos finalmente (e retornando com os índices k e s):

1
 nks   s ( k )
. (7.54)
e 1

Esta é a famosa distribuição de Planck, a mesma que surge na discussão da radiação de


corpo negro, a analogia entre fótons e fônons aparece aqui mais uma vez10.
Voltando à expressão (7.50), podemos agora escrever a densidade de energia
u  E V em equilíbrio termodinâmico a temperatura T como

1 1  s (k )
u  u0 
V
 ks
1
2  s (k )  
V ks e  s ( k )
1
. (7.55)

O termo u0 é a densidade de energia potencial na situação de equilíbrio, sendo portanto


constante e não tendo relevância para o calor específico. O segundo termo é também
constante (independente da temperatura), mas tem um significado mais interessante. Note
que é um termo que surge apenas quando introduzimos a descrição quântica das
vibrações e está presente mesmo à temperatura zero, ou seja, quando classicamente não
se esperaria que houvesse vibrações. É portanto conhecido como energia de ponto zero
e fisicamente está associado à impossibilidade, a partir do Princípio de Incerteza, de se
definir perfeitamente a posição dos íons. Há sempre uma incerteza na posição, que está
associada à um movimento “vibratório” não-térmico, ou seja, presente mesmo a T = 0.
Ou seja, mesmo no zero absoluto os íons “vibram”.
O terceiro termo é o único relevante para o calor específico, que podemos
escrever então como:

1   s (k )
c
V T
 e 
ks
 s (k )
1
. (7.56)

10
Para os que já viram este tópico em Física Estatística, ambos são bósons com potencial químico nulo, ou
seja, sem restrição no número de partículas.

134
Como se nota, um cálculo exato do calor específico não é nada simples, pois envolve um
somatório (que eventualmente transformaremos em uma integral) sobre todos os k’s
permitidos na 1a Zona de Brillouin de uma função complicada. Note que uma expressão
analítica para s(k) só existe em situações extremamente idealizadas, como as que vimos
na Seção 7.2. Ainda assim, utilizando argumentos gerais e algumas aproximações,
podemos extrair muitos resultados físicos da expressão (7.56), como veremos a seguir.

(A) Limite de temperaturas altas


Mostramos a seguir que o resultado clássico de Dulong e Petit é obtido no limite
de altas temperaturas, qualquer que seja a forma de s(k). Para temperaturas altas temos
  0 , de modo que podemos usar

1 1
lim  (7.57)
x 0 e 1 x
x

e o calor específico torna-se

1   s (k ) 1 3N
c
V T
  (k )  V  k
ks ks
B T
V
k B  3nk B , (7.58)
s

que é o resultado de Dulong e Petit. O limite clássico é então recuperado conforme


esperávamos.

(B) Modelo de Einstein


Vamos agora obter expressões aproximadas para o calor específico em função da
temperatura. Para tanto, precisamos utilizar expressões aproximadas para s(k) que nos
permitam efetuar o somatório da Eq. (7.56). A aproximação mais simples possível é o
chamado modelo de Einstein. Einstein foi o primeiro a aplicar a mecânica quântica ao
problema do calor específico de sólidos. Sua suposição foi que todos os modos normais
teriam a mesma freqüência,  s (k )   E (frequência de Einstein), uma aproximação que
pode ser considerada um pouco drástica, como mostra a Fig. 7.18.
(k)

E

-/a /a k
Figura 7.18 – Modelo de Einstein para um cristal unidimensional diatômico. A relação de dispersão
s(k) é substituída por uma frequência “média” E.
135
Ao substituirmos este resultado na expressão para o calor específico, obtemos

1   E    E  3n  E e  E k BT  E k B T  2

c   3n 
V T ks e
 E
1 T  e  E k BT  1 
e  E k BT  1
2

 3nk B
e  E k BT
 E k BT 
2
(7.59)
e  E k BT
1  2

Analisando o limite de baixas temperaturas, vemos que

c  e E kBT (baixas temperaturas) , (7.58)


ou seja, o calor específico vai realmente a zero a baixas temperaturas, mas não com
forma ~ T3 que é medida experimentalmente. Esta discrepância é consequência da
aproximação  s (k )   E , como veremos a seguir.

(C) Modelo de Debye


A aproximação  s (k )   E é até razoável para fônons óticos, pois estes têm
ramos quase sem dispersão. O modelo de Einstein é ainda usado hoje em dia neste
contexto. No entanto, para descrever as propriedades térmicas (devido às vibrações
cristalinas) de um cristal a baixas temperaturas, os fônons acústicos são muito mais
importantes, como mostra a Fig. 7.19.

(k)

kBT / ħ
-/a /a k

Figura 7.19 – Os modos normais significativamente populados com fônons são apenas aqueles com
energia menor ou da ordem de kBT. Para baixas temperaturas, estes são os modos acústicos.

Para fônons acústicos, uma aproximação mais conveniente seria utilizar uma
relação de dispersão linear, ou seja,  s (k )  ck . Iremos supor, por simplicidade, que a

136
velocidade do som c é a mesma para os três ramos acústicos. Desta forma, a expressão
(7.56) para o calor específico torna-se

1  3  V D
k
ck ck
c  ck
 3 
V T ks e  1 V T (2 ) 0
4k 2 ck
e 1
dk , (7.59)

onde efetuamos a soma apenas sobre os 3 ramos acústicos (deixamos de lado os modos
óticos). Definimos o limite superior da integral como um certo vetor de onda kD. Como
obtê-lo? Idealmente, teríamos que efetuar a integral dentro da 1a Zona de Brillouin, que
pode ter uma forma geométrica complicada. Por simplicidade, e aproveitando a simetria
esférica do integrando, faremos a integral em uma esfera de raio kD. Como veremos a
seguir, o formato exato do volume de integração não irá importar muito para as
propriedades a baixas temperaturas, para as quais apenas os modos em torno de k = 0 irão
contribuir. Mas devemos garantir que a esfera de integração contenha o mesmo número
de pontos k permitidos dentro da 1a Zona de Brillouin, ou seja, N. Isto define o valor de
kD, que é conhecido como vetor de onda de Debye:

1/ 3
4 3 (2 ) 3  6 N cel  2  (7.60)
k D  N cel  k D    .
3 V  V 

Desta forma, o calor específico torna-se

3  V 3c 
k kD
D
ck 3 k3
c
V T (2 ) 3
4 
0 e
ck
1
dk 
2 2 T  e
0
ck
1
dk 

kD 3 ck
3c k e ck

2 2  (e 
0
ck
 1) k B T 2
2
dk . (7.61)

ck
Definindo x  , e fazendo a substituição de variáveis, temos
k BT

D / T 3
3c k B  k BT  x 4 e x
c
2 2 
0
 
c  c  (e x  1) 2
dx , (7.62)

ck D
onde  D  é a temperatura de Debye. Podemos reescrever a expressão (7.62) de
kB
modo que a temperatura de Debye apareça mais explicitamente:

3  /T
 T  D
x 4e x
c  9nk B 
 D



0 (e x  1) 2
dx . (7.63)

137
Note que a dependência do calor específico com a temperatura sempre aparece na forma
T /  D , de modo que a temperatura de Debye define a escala de temperaturas relevante
ao problema. Assim, no limite de temperaturas baixas, ou seja, T   D , podemos
estender o limite de integração até  :

3
 T  x 4e x
c  9nk B 
 D


0 (e x  1) 2 dx . (7.64)

A integral definida pode ser resolvida, e seu valor é 4 4 15 . Desta forma, obtemos
finalmente a expressão do calor específico para baixas temperaturas:

3
12 4  T 
c nk B   . (7.65)
5  D 

Note que a dependência com o cubo da temperatura, verificada experimentalmente, é


finalmente obtida.
Para altas temperaturas ( T   D ), o calor específico deve aproximar-se do
resultado clássico, como mostramos em (7.58). Assim, a temperatura de Debye separa os
limites clássico e quântico. Veja na Tabela 7.1 a temperatura de Debye para alguns
materiais. Note que, quanto mais rígido o material, maior é a temperatura de Debye.

Material D (K)
Li 400
Na 150
C 1860
Ar 85
Ne 63

É possível obter de forma mais simples, apenas com argumentos qualitativos, a


dependência T3 no calor específico devido a fônons. Consideremos a relação de dispersão
 = ck. A uma temperatura T, a energia térmica disponível é kBT. Esta energia será
suficiente para excitar fônons dentro de uma esfera de raio kmax no espaço recíproco tal
que   ck max  k B T , de modo que k max  k B T / c . O número de modos Nm dentro
desta esfera de raio kmax é proporcional ao volume desta esfera, ou seja N m  k max
3
T 3.
Como cada modo tem uma energia de excitação típica da ordem de kBT, a energia
vibracional do sistema será E ~ Nm kBT ~T4. Assim, o calor específico c  E T  T 3 .

138
7.6 – Momento de um fônon
Qual a interpretação física da quantidade k para um fônon? Para tentarmos
entender esta questão, vamos supor um cristal onde foi excitado um único fônon em um
modo normal com vetor de onda k. Os deslocamentos dos átomos deste cristal podem ser
expressos por (7.19):

q k (R, t )  εˆ (k )e i (kRt ) (7.66)


Qual o momento linear total deste cristal? Basta somar os momentos lineares de todos os
átomos (supondo todos de mesma massa M):

d 0, se k  0
Ptot  M  u k (R, t )  iMe it εˆ  e ik R   . (7.67)
dt R R  N , se k  0

Ou seja, um fônon com k0 não carrega momento físico. Isto se justifica, pois os
deslocamentos u são deslocamentos relativos. Apenas os modos de translação (k=0),
que representam translações do cristal como um todo, carregam momento físico.
Apesar disso, pode-se mostrar11 que a quantidade k atua como momento do
fônon nos processos de interação deste com fótons ou nêutrons, e por isso tem relevância
e recebe a denominação momento cristalino do fônon (de forma bastante análoga ao
momento cristalino do elétron, que vimos no Capítulo 5). Estes mecanismos são
extremamente importantes porque propiciam informação experimental direta sobre o
espectro de fônons. Nestes processos, as conservações do momento e da energia se
escrevem da seguinte forma:

p   p   (k  G ) (7.68)
,
E   E   s (k )
onde p e E são o momento e a energia do fóton ou nêutron incidente, p’ e E’ são o
momento e a energia do fóton ou nêutron espalhado, e  k e   s (k) são o momento
cristalino e a energia do fônon criado (-) ou destruído (+). O termo G surge porque o
vetor de onda k do fônon é definido dentro da 1a Zona de Brillouin. Os processos de
criação e destruição de fônons estão ilustrados na Fig. 7.20.

p p
(k  G) (k  G)

p’ p’

criação destruição

Figura 7.20 – Processos de espalhamento de fótons ou nêutrons envolvendo a absorção (destruição) ou


emissão (criação) de fônons.
11
Apêndice M do Ashcroft-Mermim.

139
Podemos considerar um caso particular de espalhamento: o espalhamento
elástico. Isto ocorre se nenhum fônon for criado ou destruído. A energia da partícula
incidente irá se conservar. Mesmo assim, há alteração do momento pela presença do
termo G . Sejam p  q e p   q  . A conservação de momento nos dá:

(q  q)  G  q  G . (7.69)

Esta é precisamente a condição de von Laue, que estudamos no Capítulo 4 no contexto


da difração de raios-X. Vemos agora que não apenas os fótons, mas também os nêutrons
podem ser difratados e fornecer informações sobre a estrutura cristalina.
No caso mais geral, onde há absorção ou emissão de fônons, temos o
espalhamento inelástico. Neste caso, o processo de espalhamento fornecerá informação
sobre o vetor de onda e a energia do fônon, ou seja, permitirá a determinação
experimental da relação de dispersão  s (k ) . Para fótons, o espalhamento inelástico leva
o nome de espalhamento Raman.

Referências:
- Ashcroft e Mermim, Capítulos 21 a 24.
- Kittel, Capítulos 4 e 5.
- Ibach e Lüth, Capítulos 4 e 5.

140

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