Você está na página 1de 2

José andava distraído na rua tentando não pensar em nada.

Deixar tudo que aconteceu para


trás. Mas era difícil e a cada inspiração o ar vinha carregado de lembranças. As memórias eram
como traças como devagarinho toda sua vontade de viver. Cada erro que cometemos, cada
arrependimento se torna uma pedra em nossas costas. Certo que a maioria dessas pedras vão
se dissolvendo nas águas do tempo mas os grandes erros, aqueles que realmente mudam
nossa vida e quem somos, esses duram tanto quando as pirâmides do Egito.

E assim sem querer tropeçou numa pedra qualquer no meio do caminho. O chinelo arrebentou
o dedão sangrou, sentou no chão e chorou. Não sabe se de raiva, de desgosto, de azar ou
porque simplesmente o choro já estava acumulado há algum tempo. Explodiu em lágrimas.
Foda-se tudo, quem estivesse olhando. Soltou a cachoeira e liberou a mente e os pulmões
daquele nó preso em sua garganta.

Depois que cansou de debulhar, limpou o nariz na manga da camisa e uma luz dourada como o
som brilhava ao seu lado. Uma lâmpada daquelas antigas quase pulava em seu rosto. Pegou a
lâmpada e se olhou no espelho dourado do objeto. Mal conseguia ver seu rosto massacrado
pelos pensamentos. Seu rosto borrado pelo choro e as memórias que insistiam em drenar sua
energia vital.

Achando que melhoraria a aparência, esfregou a lâmpada com a mesma camisa suja de nariz.
Enquanto esfregava sem saber porque, uma fumacinha ia saindo da boca da lâmpada como se
estivesse algo fervendo ali dentro.

A fumaça o envolveu e envolveu também toda a rua em que estava sentado e dali saiu um
gênio negro com cordões de ouro em volta de seu pescoço e roupas de príncipe em Nova York.
Você me libertou com esse choro de moleque mimado. Agora tens três desejos para deixar de
ser chorão, o gênio disse olhando José do alto.

Finalmente a sorte tinha lhe sorrido. Pediu logo para ser bilionário e muito influente no
mundo. Está feito, disse o gênio sem pestanejar — ainda tens dois desejos jovem mestre.

Agora quero esquecer de tudo que me fez mal. De todas as pessoas e lembranças que tem me
destruído esse tempo todo. De todos meus erros, de quem eu machuquei e de quem me
machucou, de tudo. Quero uma nova vida, disse José enquanto se levantava do chão.

Seu desejo é uma ordem, nobre rapaz. Antes que o gênio pudesse dizer que o José tinha mais
um desejo, José já tinha esquecido de tudo tinha vivido e entrou numa limusine que tinha
parado ao seu lado.

O gênio apenas observou sumindo no horizonte com seu carrão novo e sua nova vida. Voltou
para dentro da lâmpada e adormeceu num sono profundo e sem sonhos.

Algumas décadas se passaram desde daquele dia. Quase tudo na vida muda. Outras não.
Aquela rua tinha sido uma das coisas que não mudou nesse tempo todo. Continuava ali, cheia
de pedregulhos e grafites nos muros da memória.

José andava distraído pelas ruas. Agora mais velho, mais chic e bem mais cansado tropeçava
em pedras invisíveis que apareciam de repente em seu caminho. Uma hora bateu o dedão
novamente num paralelepípedo que tinha se desprendido do chão. Caiu no chão. Seu sapato
de couro voou longe. Xingou e chorou. Já não aguentava mais aquela maré de azar. Aquela
raiva que nunca deixava seu coração. Mandou tudo se fuder e gritou alto se desabando em
lágrimas.
Depois de limpar os pulmões sentou naquele mesmo meio fio de décadas atrás para colocar
novamente o sapato no pé. Um forte dejavu o fez olhar para o lado e encontrar novamente a
lâmpada dourada.

Olhou para a sua própria imagem no objeto reluzente e viu novamente sua cara toda
amarrotada e retorcida. Estava acabado e velho e ainda cometia os mesmos erros de dez anos
atrás. Era como se algo de errado não estivesse certo em sua vida. Esfregou a lâmpada com a
manga do paletó caro que usava.

Novamente a fumaça saiu do bico da lâmpada e o envolveu e envolveu todo o tempo espaço
continuo naquele pequeno trecho de rua. O gênio olhou para José de cima como da última vez.
José chorou e perguntou porque nada dava certo. Era como se sempre estivesse recolhendo os
cacos das coisas que quebrou durante a vida e por mais dinheiro que tivesse nunca conseguiu
comprar nada novo.

Ainda tens um último desejo, jovem mancebo — Disse o gênio — de certo que agora queres
que eu restitua suas memórias. Vistes como tudo que vivestes bem ou mal te tornas o que é
és? O gênio já ia estalando os dedos quando foi interrompido por José.

— Que que você tá falando, gênio? Eu quero mais três desejos.

— Bom, eu não sei se isto está no protocolo, mas tudo bem. Está feito. — Disse o gênio sem
pestanejar — Agora o que fará com seus novos desejos, meu nobre varão de meia idade?

— Agora eu quero que as pessoas se esqueçam de tudo eu que fiz com elas. Quero fazer
diferente agora e começar do zero.

Estava feito e antes que o gênio pudesse dizer qualquer coisa, um helicóptero com o nome da
empresa de José jogou uma escada para ela subir levando ele para longe daquela rua antiga. O
gênio novamente apenas olhou de longe seu mestre sumir no horizonte e dizendo para si
mesmo: e lá vamos nós.

Você também pode gostar