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A FORMAÇÃO DO GESTOR PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA.

O CASO
BRASILEIRO.

Olgaíses Cabral Maués


Universidade Federal do Pará
olgaises@uol.com.br

A formação de profissionais da educação tem sido objeto de grandes debates entre os


acadêmicos da área, sobretudo a partir da promulgação da lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, (LDB, 1996) que dedica um capítulo inteiro sobre a questão. Mas essa
discussão não tem sido tranqüila, isto é consensual, havendo posições diversas entre as
concepções de formação apresentada pela oficialidade por meio de leis, decretos, pareceres,
resoluções, portarias e os movimentos sociais, os sindicatos, as associações científicas e
alguns fóruns de debate.
Este texto tem como objetivo analisar as principais tendências brasileiras que têm se
manifestado em relação à formação dos profissionais da educação, buscando verificar as
correlações existentes e as implicações decorrentes de ações já implementadas.
Na primeira parte do trabalho será analisada a relação existente entre a Reforma do
Estado e as Políticas Educacionais. Em um segundo momento procurar-se-á apresentar
algumas das políticas de formação dos profissionais da educação, buscando-se evidenciar o
entrelaçamento das mesmas com as orientações advindas de alguns organismos internacionais
e como essas se materializam. Finalmente se apresentará a posição de alguns movimentos
sociais, com ênfase para a Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação
(ANFOPE) em relação à formação dos profissionais da educação e far-se-á uma breve análise
das Diretrizes Curriculares Nacionais de Pedagogia, aprovadas em maio de 2006 como o
instrumento regulador da formação desses profissionais.
A tese apresentada neste trabalho é a de que o estabelecimento de políticas
educacionais voltadas para a formação dos professores, diretores, orientadores, supervisores,
enfim o profissional da educação está ligado às novas exigências impostas pelas mudanças
econômicas e sociais resultantes da mundialização, pelas mutações no mundo do trabalho,
assim como pela reforma do Estado que deu ênfase ao gerencialismo como forma de
administração.
Esses fatores exigiram que os sistemas educacionais se adequassem, necessitando,
para tal, que houvesse uma descentralização das ações (mas uma centralização das decisões),
evidenciando a necessidade e a importância de rever as políticas de formação dos
profissionais da educação, tendo em vista que são esses profissionais, segundo as óticas tanto
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governamental quanto dos organismos internacionais como o Banco Mundial (BM, 1995), o
Programa de Promoção Educativa da América Latina e Caribe (PREAL) e a Organização de
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que poderão ajudar, mais diretamente a
desenvolver a educação com qualidade na lógica eficientista.
Dessa forma, quando se fala nas políticas de formação dos profissionais da educação
precisa-se vincular às mesmas a alguns fatores fundamentais para melhor compreensão.
Primeiramente a questão das reformas como um modo de regulação social, significando a
necessidade de uma legislação que procure adequar a formação às exigências da reforma do
Estado, que por sua vez precisa estar afinada com as demandas do mercado. Em segundo lugar
tem-se que considerar o papel dos organismos multilaterais, no caso específico o Banco
Mundial, na determinação dessa política que deve vir para legitimar as ações que deverão ser
implementadas nos países em desenvolvimento. Finalmente, um outro aspecto também
relevante é o consentimento explícito das autoridades tanto do poder executivo, como
Ministérios, Comissões, Conselhos, como do poder legislativo, através dos órgãos
responsáveis pela elaboração e aprovação da legislação, para que essas políticas sejam
colocadas em prática. É nessa lógica que a reforma na formação dos profissionais da educação
vem sendo construída, sobretudo nos países do Sul. Na lógica da regulação social, do controle,
da formação voltada para adequação ao mercado.
A Reforma do Estado, que começou de maneira oficial em 1995, teve, na ótica dos seus
idealizadores, como causa fundamental o tamanho do Estado e dentre as medidas para diminuí-
lo e torná-lo mais ágil era preciso, além do ajuste estrutural, transformar a administração
burocrática em uma gestão nos moldes empresariais, por ser esse modelo considerado
eficiente, produtivo e eficaz. No caso da educação havia mesmo um discurso que o problema
que a afetava era puramente administrativo, que não faltavam recursos, mas que estes eram
mal gerenciados. Para tanto era preciso descentralizar as ações permitindo que a comunidade
local pudesse participar mais efetivamente da gestão das escolas, tornando-as assim mais
vinculadas aos interesses da comunidade.
É nessa lógica que a preocupação com os profissionais da educação se manifesta mais
fortemente. O local dessa formação, a organização acadêmica, os conteúdos que a mesma
deveria abarcar, a forma de controle via avaliações externas das instituições e dos alunos, são
algumas das regulações apresentadas pelos governantes que viam à necessidade de estabelecer
políticas que pudessem dar conta dessas questões.
Os movimentos sociais também se manifestam e apresentam, via fóruns, documentos
com propostas que, em pontos fulcrais, tinham divergências das propostas governamentais. A
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luta desses movimentos, a definição pelo Conselho Nacional de diretrizes para a formação dos
profissionais da educação, incluindo aí os gestores, é o objeto central deste trabalho.

As políticas educacionais para a educação básica


Os últimos anos do século passado e os iniciais do atual trouxeram inúmeras
mudanças na educação brasileira. As políticas educacionais “inspiradas” no Banco Mundial
deslancharam reformas em todos os níveis e modalidades de ensino. A Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional – 9394/96 traz uma profunda influência do documento
“Priorités et Strategies pour l’Éducation. Une étude de la Bamque Mondiale” (BM, 1995).
Ao considerar as reformas em relação à educação básica podem-se observar, seguindo
os preceitos enunciados no documento Priorités, a questão da relação direta entre educação,
desenvolvimento, educação e crescimento econômico. Para tanto são recomendadas seis
medidas consideradas essenciais: (1) priorizar o ensino fundamental; (2) atentar para os
resultados [dando pouca atenção ao processo]; (3) centrar os gastos na educação fundamental
por ser esta mais eficaz em termos de retorno; (4) dar ênfase à equidade [no lugar da
igualdade]; estimular a participação das famílias; (6) promover a descentralização.
É dentro desses “preceitos” que são realizadas as reformas do currículo, são
estabelecidos os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), são criados os ciclos de ensino e
a preocupação com a formação dos profissionais da educação toma proporções de prioridade.
A formação passa a ser fundamental na medida em que os profissionais de ensino devem se
adequar devidamente aos novos paradigmas educacionais. Afinal, a implantação do novo
receituário, que coloca a educação a serviço do novo estágio do capital, depende muito da
ação pedagógica exercida por esse profissional, por meio daquilo que Bourdieu (1970) chama
de violência simbólica.
Essas reformas na formação têm caráter internacional (MAUÉS, 2003), dando ênfase a
pratica em detrimento da teoria, colocando as competências (saber-fazer, aprender a aprender)
como o “eixo nuclear” da formação, utilizando a educação à distância como ferramenta
preferencial da formação inicial e fazendo a “universitarização” nos institutos superiores de
educação e nos cursos normais superiores, isto é em instituições que não tem, na sua gênese, o
compromisso da indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão.
Também, na lógica da eficiência, de resultados e da implantação dos princípios da
gerência empresarial nas escolas são criados programas como “dinheiro direto na escola”,
“fundescola”, “plano de desenvolvimento da escola”, “projeto político pedagógico”, eleição
para diretor e outras medidas tidas como democratizantes. Essas ações, na realidade,
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encobrem a desresponsabilização do governo também com esse nível de ensino e reforçam a


concepção de gestão educacional enquanto forma burocrática de controle das atividades que
se passam no interior da escola.
A formação dos profissionais da educação tem estado no epicentro dos debates oficiais
e dos movimentos sociais (entidades científico-acadêmicas, sindicatos) de forma muito
expressiva, sobretudo a partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei 9.394/96). Esse movimento tem uma motivação explícita: as mudanças que
ocorreram no mundo em função da globalização financeira e da reestruturação produtiva, que
alteraram o processo de trabalho e a busca de saídas para a crise do capital que permitissem a
recuperação das taxas de lucro.
A Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2001) dá
destaque à educação quando vê na mesma uma forma de valorização do capital humano, com
vistas a “[...] desenvolver as competências e as atitudes que são essenciais para o crescimento
econômico, a promoção individual e a redução das desigualdades”. Essa afirmação evidencia
a importância dada à educação enquanto um instrumento que está diretamente ligado ao
desenvolvimento econômico de um país, permitindo que o investimento feito tenha um
retorno com alta rentabilidade.
A definição da prioridade para o ensino fundamental feita pelos organismos
internacionais, reiterada em diferentes ocasiões, como os Fóruns Mundiais de Educação, além
de encontros de países pertencentes à Organização de Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) e documentos produzidos pelo Banco Mundial, põe em evidência a
necessidade e a importância de rever as políticas de formação dos profissionais da educação,
tendo em vista que são esses profissionais, segundo a ótica desses organismos, que poderão
ajudar, mais diretamente a desenvolver a educação dentro dos parâmetros que atendam aos
interesses desses organismos.
Políticas de Formação
Os anos 1990 entraram na história brasileira como sendo a época das reformas dos
aparelhos do Estado. Estas se processaram em todos os níveis, inclusive na educação. As
políticas educacionais desse período e do subseqüente (anos 2000) trazem a marca da eficácia,
da eficiência e da eqüidade, precisando para tal, de ações que vão desde a reestruturação
curricular para o ensino fundamental com os Parâmetros Curriculares Nacionais 1 (PCNs) até a
formação de professores, com as Diretrizes Curriculares Nacionais (DNCs), passando pela

1
Os PCNs, assim como as DCNs são documentos elaborados pelo MEC, aprovados pelo CNE e que trazem as
orientações curriculares para os diferentes níveis de ensino.
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avaliação da aprendizagem, com a criação Sistema Nacional Avaliação da Educação Básica


(SAEB), com o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e com o Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Superior (SINAES). Esses instrumentos de avaliação externa,
organizados e controlados pelo governo, visam legitimar os parâmetros curriculares e as
diretrizes curriculares preestabelecidos no núcleo central da burocracia estatal.
A formação dos profissionais da educação tem ocupado um espaço de destaque nas
políticas e nas reformas educacionais brasileiras. O próprio Ministério da Educação classifica-a
como fazendo parte da segunda geração das reformas, sendo de fundamental importância para
o alcance dos objetivos propostos em relação ao ensino fundamental e à formação do
trabalhador.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) apresenta de forma clara a
concepção da formação como: “a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a
capacitação em serviço; aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições
de ensino e outras atividades" (art. 61, inciso I e II).
Em seguida, na mesma lei, são introduzidas as figuras dos Institutos Superiores de
Educação (ISE) e dos Cursos Normais Superiores, como estrutura organizacional e
pedagógica que deverão dar concretude a esse modelo. Referidas estruturas são criadas
enquanto instituições de ensino superior, mas deslocadas das Universidades, sendo que
apenas essas últimas têm por missão realizar a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão.
A partir desses marcos começa a ser construída toda uma parafernália de documentos
que passam a dar uma maior conformação à letra da lei e que vão se configurar como as
políticas que nortearão a formação desses profissionais.
O que se tem da oficialidade é a recomendação de que a formação dos profissionais da
educação se dê em nível superior, mas fora da Universidade e com ênfase na prática em
detrimento da teoria. Essas políticas estão vinculadas à concepção de educação que passa a
ter vigência com a Reforma do Estado brasileiro que para adequar-se as exigências da
mundialização e da globalização se reestrutura para se tornar mais ágil, eficiente e eficaz. A
reforma teve um caráter extremamente gerencial.

A formação do administrador na concepção dos Movimentos


A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) explicitou no artigo 64
como deveria se dar a formação do gestor.
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A formação dos profissionais da educação para administração, planejamento,


inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica será
feita em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-graduação, a
critério da instituição de ensino, garantida, nessa formação, a base comum
nacional. 2

Na realidade essa legislação, no tocante a esse aspecto, veio de encontro às práticas


que já vinham sendo adotadas pela maioria dos Cursos de Pedagogia, desde a metade dos
anos de 1980, numa espécie de reação à legislação anterior, o Parecer 252 de 1969 e a
Resolução nº. 2 do mesmo ano aprovados pelo então Conselho Federal de Educação. Segundo
essa legislação a formação se dava por meio de uma base comum de estudos e uma parte
diversificada constituída pelas chamadas Habilitações Educacionais que compunham o Curso
de Pedagogia. Essa formatação, além de tecnicista, fragmentava o conhecimento nos moldes
taylorista/fordista, criando as especializações e as parcelarizações das tarefas.
Como decorrência de um movimento que teve início no final da década de 1970, no
qual os Cursos de Pedagogia passaram a ser revistos, surge a Comissão Nacional de
Reformulação dos Cursos de Formação do Educador (CONARCFE), embrião do que em
1990 se transformou na atual ANFOPE. Esse movimento veio colocar em cheque a formação
nos moldes que se desenvolvia a partir da legislação de 1969 e buscou construir princípios
sob os quais os cursos deveriam se constituir, guardando as especificidades regionais, sem
esquecer a unidade nacional, mas sem um currículo nacional obrigatório, em breve uma outra
proposta e concepção de formação para os profissionais da educação.
Assim, os cursos de formação começaram a surgir, sobretudo nas Universidades
Públicas Federais, com um outro desenho no qual a fragmentação era superada pela
integração traduzida numa qualificação para atuar na educação formal e não formal, em
espaços escolares e não escolares, atuando como professor na escola básica, (na educação
infantil e nas séries iniciais do ensino fundamentla), como gestor das ações na escola ou nos
sistemas de ensino, seja na esfera administrativa ou pedagógica, como elemento dinamizador
das ações educativas, quer na comunidade, quer em empresas, em organizações
governamentais e não governamentais.
A posição da ANFOPE, no que diz respeito à formação e à qualificação dos
profissionais da educação é muito clara. Essa entidade vem defendendo desde sempre uma
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A expressão base comum nacional foi cunhada pela ANFOPE como princípio norteador da formação
dos profissionais da educação, sendo concebida “não como currículo mínimo”, e sim como uma concepção
básica de formação que orienta a definição de conhecimentos fundamentais para o trabalho pedagógico, da
articulação da teoria e prática, e das relações entre educação e sociedade.
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política global de formação e valorização do magistério “[...] que contemple igualmente a


formação inicial e continuada, as condições de trabalho nas escolas públicas, salários dignos e
uma carreira com critérios justos e claros para o crescimento e evolução pessoal e profissional
para a juventude e também para os professores em exercício”.
Da mesma forma essa Associação tem explicitado os princípios que norteiam suas
ações em relação à formação dos profissionais da educação, dando destaque e ênfase à
formação que deve ocorrer nas Universidades e nestas, nas Faculdades de Educação. Outro
aspecto a destacar diz respeito à organização curricular. A ANFOPE defende os seguintes
pontos: a docência como base da formação profissional; o trabalho pedagógico como foco
formativo; a sólida formação teórica em todas as atividades curriculares; a ampla formação
cultural; a incorporação da pesquisa como princípio de formação; a possibilidade de vivência,
pelos alunos de formas de gestão democrática; o desenvolvimento do compromisso social e
político da docência; a reflexão sobre a formação do professor e sobre suas condições de
trabalho.
O Grupo de Trabalho Políticas Educacionais do ANDES-SN (GTPE/ANDES, 2005)
ao analisar uma das inúmeras versões/propostas do Conselho Nacional de Educação (CNE) de
Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia, ou seja, para a formação dos profissionais
da educação, defendeu a importância de recuperar:
[...] as duas teses construídas pela ANPEd, ANFOPE e CEDES: a base do
curso de pedagogia é a docência e o curso de pedagogia forma o profissional
de educação para atuar no ensino, na organização e gestão de sistemas,
unidades e projetos educacionais e na produção e difusão do
conhecimento, em diversas áreas da educação, é, ao mesmo tempo, uma
licenciatura e um bacharelado . (grifos meus)

Da mesma forma o Fórum de Diretores de Faculdades/Centros/Departamentos de


Educação (FORUMDIR, 2006) se manifesta quanto à compreensão que tem do papel do
profissional de educação (pedagogo):
A Pedagogia trata do campo teórico-investigativo da educação, do ensino e
do trabalho pedagógico que se realiza na práxis social. O pedagogo pode
atuar na docência; na organização e gestão de sistemas, unidades, projetos e
experiências educativas e na produção e difusão do conhecimento científico
e tecnológico do campo educacional em contextos escolares e não-escolares.
(grifos meus)

A formação do profissional da educação é hoje um campo bem determinado


pelas políticas de regulação, que vêem nessa ação uma forma de adequar à educação, e em
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conseqüência os seus resultados, à lógica mercantilista, desenhando um perfil de profissional


que possa, sem muitas resistências, se submeter às demandas do capital.

A formação do administrador nas Diretrizes Curriculares


O Curso de Pedagogia tem sofrido os embates que os projetos em disputa
(movimentos X governo) têm ocasionado. As Diretrizes Curriculares para este Curso foram
aprovadas apenas em 2006, quase dez anos após as Diretrizes terem, via legislação, se tornado
o parâmetro que deve nortear os currículos acadêmicos dos diferentes cursos. A razão para
essa demora, tendo a Pedagogia sido um dos últimos cursos a ter suas normas aprovadas pelo
Conselho Nacional de Educação, se deve exatamente pela dificuldade de se levar a cabo tal
empreitada, na medida em que ora o governo, via Ministério da Educação, ora os movimentos
de docentes manifestavam pressão e resistência às propostas apresentadas, impedindo uma
aceitação tácita dessas. Havia ainda uma outra frente de disputa dentro do próprio movimento
social.
Em 1998, em resposta a um Edital do MEC e via uma Comissão de Especialistas por
ele designado foram elaboradas as primeiras propostas de Diretrizes para a Pedagogia. Já
naquela ocasião os responsáveis propuseram que o curso de Pedagogia deveria formar o
profissional de educação para atuar no ensino, na organização e gestão de sistemas, unidades
e projetos educacionais e na produção e difusão do conhecimento, em diversas áreas da
educação, sendo ao mesmo tempo, uma Licenciatura e um Bacharelado.
Contudo, apesar das mesmas terem sido construídas de maneira democrática via
consulta às instituições de educação superior envolvidas, o resultado ficou arquivado no CNE,
por seis anos. Para o CNE (2001) as DCNs devem contemplar o perfil do formando, conforme
o curso; as competências/habilidade/atitudes esperadas; as habilitações e ênfases do Curso, os
conteúdos curriculares; a organização do curso; os estágios e as atividades complementares; o
acompanhamento e a avaliação.
A introdução da figura das Diretrizes se dá por meio da LDB que no artigo 53, inciso
II coloca como atribuições das universidades "fixar os currículos dos seus cursos e
programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes”.
Muitos embates se travaram, cuja história não caberia neste texto pelos seus objetivos
e também pelo próprio espaço necessário para contar os momentos importantes dessa
trajetória. Por isso passamos a analisar como, nas Diretrizes aprovadas, fica a questão da
formação do gestor educacional.
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O Parecer de nº. 5 de 13 de dezembro de 2005 do Colegiado Pleno do Conselho


Nacional de Educação apresenta as bases teóricas e tece a argumentação pedagógica que dará
respaldo à Resolução nº. 1 de 15 de maio de 2006, que tem força de lei e institui as Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia. É com base nessa documentação legal que
será feita a análise da formação do profissional da educação (docente e gestor) para a
educação básica.
Em relação à finalidade do Curso fica explicitado que

As Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia aplicam-se à formação


inicial para o exercício da docência na Educação Infantil e nos anos iniciais
do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio de modalidade Normal
e em cursos de Educação Profissional, na área de serviços e apoio escolar,
bem como em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos
pedagógicos. A formação oferecida abrangerá, integradamente à
docência, a participação da gestão e avaliação de sistemas e instituições
de ensino em geral, a elaboração, a execução, o acompanhamento de
programas e as atividades educativas.Na organização do curso de Pedagogia,
dever-se-á observar, com especial atenção: os princípios constitucionais e
legais; a diversidade sociocultural e regional do país; a organização
federativa do Estado brasileiro; a pluralidade de idéias e de concepções
pedagógicas, a competência dos estabelecimentos de ensino e dos docentes
para a gestão democrática (Parecer 5, 2005). (grifos meus)

As DCNs do Curso de Pedagogia resultaram de um intenso processo de negociação


entre o governo e os movimentos sociais, em função das concepções diferenciadas a respeito
do assunto, conforme já analisado neste texto. A ANFOPE historicamente defende que a
formação do educador deve ter como base a docência, pela compreensão de que qualquer
outra atividade desenvolvida por esse profissional no sistema educacional exige
primeiramente um domínio do cotidiano da sala de aula. Aliás, a própria LDB/96 no artigo
67, parágrafo único, diz que a experiência docente é pré-requisito para o exercício de
quaisquer outras funções de magistério, deixando, contudo a regulamentação para cada
sistema de ensino.
Portanto, a base docente indicada nas DCNs de Pedagogia pode ser considerada uma
conquista dos movimentos sociais. Contudo esse fato incorporado nas Diretrizes tem trazido
uma outra compreensão, tendo em vista que se no Parecer a questão é clara no tocante às
finalidades, aos objetivos do Curso e ao Perfil do Licenciado, o mesmo não ocorre na
Resolução 1/06 do CNE, que é o que de fato dá a organização ao Curso. Nesse último
instrumento a explicitação das finalidades do Curso de Pedagogia não é tão clara quanto no
Parecer. O artigo 4º. deixa evidente que o “[...] Curso de Licenciatura em Pedagogia destina-
se à formação de professores para exercer funções de magistério” da Educação Infantil à
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Educação Profissional “[...] na área de serviços de apoio escolar e em outras áreas nas quais
sejam previstos conhecimentos pedagógicos”.
Ora, essa redação está dando margem a interpretações de que o Curso de Pedagogia
deverá doravante formar apenas o professor, sendo atribuído esse rumo à assunção pelo CNE
de um dos princípios da ANFOPE que é a “base docente”. Como já explicitado em
parágrafos anteriores, a compreensão de base docente para essa entidade do movimento é
diferente daquela atribuída pelo CNE, mesmo quando este tenta esclarecer o que entende por
atividades docentes, explicitando que “[...] também compreendem participação na
organização e gestão de sistemas e instituições de ensino”. (grifos meus).
O movimento estudantil, mas não só ele, tem se posicionado contrário a essas
Diretrizes exatamente pela compreensão que tem sobre a formação do pedagogo e de seu
campo de atuação, achando que houve um retrocesso na medida em que o Curso indica a
formação “apenas” do professor, sendo o resto complemento que vai depender muito do
projeto político pedagógico da instituição de educação. Ainda segundo esse entendimento a
maioria das instituições, sobretudo as de cunho privado, reduziria o curso apenas à formação
do docente por ser esta mais barata e mais rápida.
De fato a legislação pertinente (Resolução do CNE 1/06) dá margem a esse tipo de
interpretação, não sendo explícita em relação à formação do gestor, mesmo quando no artigo
14 e nos seus parágrafos tenta passar outra informação: “A Licenciatura em Pedagogia [...]
assegura a formação de profissionais da educação prevista no art. 64”. Nos Parágrafos que
seguem o artigo 14 da Resolução é explicitado que essa formação “[...] também poderá ser
realizada em cursos de pós-graduação, especialmente estruturados para este fim e abertos a
todos os licenciados”, não apenas aos pedagogos.
Assim, o que parece é que essa legislação, em relação à formação do gestor para a
educação básica, é muito dúbia, parecendo de fato encaminhar para o nível de pós-graduação
lato sensu a responsabilidade por tal, o que no caso brasileiro é muito complicado na medida
em que, em geral, essa modalidade é de ensino não é grautita, o que já coloca um grande
obstáculo à maioria da população que não teria como arcar com mais essa despesa. Há
realmente uma falta de maior clareza em relação à questão. Sendo sempre o Parecer mais
explícito, contudo, reafirmo, é a Resolução que tem força de lei, servindo aquele apenas de
respaldo argumentativo. Assim, no Parecer é dito que o campo de atuação do licenciado em
Pedagogia abrange duas dimensões, a saber, a docência e a gestão educacional, o que não é
tão claro na Resolução.
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Essa legislação deu o prazo de um ano para que os Cursos de Pedagogia se adaptem a
mesma, e que a seleção para a entrada no Curso na nova formatação se dê apenas no ano
posterior à adaptação. Sendo assim imagina-se que pelo menos a grande maioria das
instituições de ensino estará atendendo as exigências legais apenas a partir do ano de 2008.
Enquanto isso se cria uma espécie de vácuo em relação à formação do gestor em nível de
graduação, pois na especialização (pós-graduação), esse será mais um grande filão a ser
mercantilizado.

Considerações finais
A formação do profissional da educação tem sido um campo de grandes embates,
representando projetos em disputa, o que significa concepções diferenciadas de sociedade, de
educação e de ser humano. O aligeiramento da formação desses profissionais é algo que tem
sido objeto de recomendações de organismos internacionais como o Banco Mundial, que
indica de forma clara que essa formação deva ocorrer fora das Universidades 3, em Institutos
Superiores de Educação.
A compreensão dos movimentos sociais que o Curso de Pedagogia deve formar
integradamente o profissional da educação, aquele responsável pelo desenvolvimento de todo
o processo pedagógico, incluindo o planejamento, a avaliação, a gestão, a docência, se dá na
medida em que se vê a importância fundamental que o mesmo tem para o desenvolvimento de
um país.
As Diretrizes Curriculares de Pedagogia aprovadas em 2006, após um atraso
significativo em relação aos demais cursos, retratam a disputa que ocorre não só entre os
movimentos e as instituições governamentais, Ministério da Educação e Conselho Nacional
de Educação, mas dentro do próprio movimento, tendo em vista que existe uma parcela deste
que defende a existência de dois Cursos, um que formaria o professor e outro que formaria o
gestor. No estudo e análise da Resolução 1/06 se pode ter a impressão que o Conselho
Nacional de Educação quis atender aos dois lados do movimento e com isso criou uma
Resolução que não explicita de forma clara o perfil do pedagogo, deixando livre de
interpretação se o gestor, por exemplo, pode ser formado na graduação ou na pós-graduação.
Para alguns essa legislação não é a ideal, mas representa o que foi possível obter nessa
correlação de forças. Isso pode até ser compreensível, contudo não deve significar que o
movimento deixe de fazer críticas às Diretrizes e não dê atenção ao movimento estudantil que

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Apenas a Universidade tem a obrigatoriedade da indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão. Os
Institutos Superiores, as Faculdades apenas desenvolvem ensino, isto é não realizam pesquisa.
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tem se manifestado contrariamente, na defesa de uma formação mais sólida e também na


defesa de um mercado de trabalho que seguindo o artigo 14 da Resolução 01/06 estará aberto
a todos que tenham feito uma licenciatura e não apenas aos pedagogos. A par do
corporativismo acredito que está em jogo a natureza da graduação, enquanto uma formação
inicial, o que tiraria a importância que a pedagogia tem de ser uma área de estudos
aprofundados do fenômeno educacional. É como se isso não fosse importante e outros
profissionais que não tenham essa base possam também ser gestores educacionais.

Referências

ANDES-SN Análise do GTPE do ANDES-S N sobre a Proposta de


Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Pedagogia. Maio de 2005 (mimeo.)
ANFOPE. Documento Gerador do XIII Encontro Nacional da ANFOPE. Unicamp,
setembro de 2006.
Banque Mondiale. Priorités et stratégies pour l’éducation. Washington, 1995.
BOURDIEU, P. e PASSERON, J.C. La Reproduction. Élements pour une théorie du
système d’enseignement. Paris : Les Éditions de Minuit, 1970.
BRASIL. Lei n° 9.394, de 20 de dezembro 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, ano CXXXIV, nl.
248,23/12/96, pp 27833-41.
BRASIL. CNE/MEC. Resolução CNE/CP Nº 1, de 15 de maio de 2006. Institui Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura. Diário Oficial
[da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, de 16.5.2006, Seção 1, p.11.

BRASIL. CNE/MEC. Parecer 5 de 13 de dezembro de 2005. Diretrizes Curriculares


Nacionais para o Curso de Pedagogia. Disponível em
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pcp05_05.pdf . Acesso em jan.2006

MAUÉS. O. Reformas Internacionais da Educação e Formação de Professores. Cadernos de


Pesquisa. Fundação Carlos Chagas. Nº. 118, março 2003, p.89-117.
13

OCDE. Investir dans les compétences pour tous. Communiqué. 2001. Disponível em :
www.oecd.org/media Acesso em mai 2002.

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