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O
destino? A lado algum ou a qualquer lado que o leitor imaginar. Uma cidade, uma
área florestal, um acampamento, “um sei lá”. A hora? Nenhuma, ou todas,
dependendo do momento da leitura. Pode ser manhã, pode ser noite,
madrugada. A imaginação é livre, gratuita, basta soltá-la sem pensar. Não lhe
prendas, nem tenta fazer dela um tabu. Caso for, procure destabua-la, porque a
mente agradece.
Dante Tchini. Assim se chama o motorista, solitário, que vai conduzindo o ônibus
numa velocidade demasiado perto da moderação, na estrada “qualqueríssima”,
com o seu olhar penetrante, que firmemente vai olhando em frente, como se não
houvesse os lados e as retaguardas. Absorto nos seus pensamentos conscientes,
confiando o comando do volante para os, - por vezes -, enganadores pensares
inconscientes, estranhamente programados para guiá-lo nesta viagem, de
maneira mais calma, entre muitíssimas possibilidades que a calma tem. Ainda
bem que assim é, pois, já imaginaram se essas inconscienticidades fossem
revoltosas e suicidas? Elas poderiam causar um acidente e culpabilizar as células
conscientes de todo o mal catastrófico, caso catastroficamente acontecesse.
Afinal, é nesses instantes que a culpa recaí sobre os mais frágeis, que
aparentemente são os “donos” do cérebro. Dante Tchini deseja escrever um livro,
com os conscientes, os concubinos prediletos da fragilidade cerebral. Neste
preciso momento, todas as suas consciências estavam trabalhando na construção
de um enredo, daí que o trabalho artístico da condução sobrou para as
inconsciências. Talvez furibundas por estarem a assumir um papel de
subalternidade e tamanha insignificância perante o protagonismo das eternas
rivais. Os arrogantes têm receio de viver pequenez nos atos por eles praticados, a
não ser que eles recebam alguma coisa em troca. Eles tri-adoram recompensas. E
a verdade é que as pretenciosas inconsciências iam representar um papel
fundamental na decisão final do livro. Seriam recompensadas. Dante Tchini sabia
disso, desde o início.
O romance ia basear-se numa estrela que, numa bela noite, decidiu ser cantora.
Mas deparava-se com uma colossal dificuldade de descer á terra, e realizar seu
sonho. Não conseguia deixar de flutuar no céu, não conseguia ser cadente. Havia
um aprisionamento desgraçado, governador das luzes que a faziam brilhar
tristonha, como se tivesse fadada a permanecer longe da música que tanto deseja
cantar. O sistema ideológico pairado no espaço é do tipo que oprime, inventado
obstáculos cuja promoção é a acomodação e o medo. Lá no céu não se canta.
Uma frase absoravidamente reproduzida pelas estrelas mais velhas, mal
agourentas, deterioradas por um passado repleto de buracos negros submissos e
sensações homicidas que esquartejaram seus legítimos sonhos, pensamentos. Só
porque nenhuma estrela jamais caiu no planeta, não significa que esta
eventualidade estivesse longe de se verificar num inócuo anoitecer. A jovem
estrela pretende desgovernar paradigmas. Ela quer ser a primeira a entrar na
terra, e ornamentar um show musical por excelência para todas e todos os
terráqueos disponíveis a ouvir sua voz gostosa. Gostosa? Pois, de certeza que isso
dependerá do referencial auditivo de cada ser ouvinte. Mas o facto, é que a
estrela daria um espetáculo. Desta perspetiva ia pensando o cônscio do Dante
Tchini, enquanto os inconscientes encaminhavam o ônibus para o inominável
sítio.
Tanta instabilidade na cabeça. Um erro foi cometido? Mas tem algo estranho
dizendo que não. Será paranoia? Porque tomar uma decisão brusca sem pedir o
consentimento dos outros, ainda mais quando esta decisão também depende
deles, é no mínimo paranoica. Só que, Mister-Quase-Desorientado não quer
continuar perto de insetos falsos, quer libertar-se deles. Fugir da pressão de ter
que fingir ser um inseto que se encontra confortável com a situação falseante,
quando na sinceridade sente-se muito pressionado, desejoso de mandar tudo á
merda. Cansado de conviver com aqueles que outrora foram seus grandes
amigos, admiradores, e que na atualidade, ao esbarrarem-se nas curvas da vida,
fingem que não se viram, colocando a ignorância como uma demonstração da
insignificância do outrem na sociedade das centopeias, baratas e por aí em diante.
Antes paranoico do que viver numa rede social de insetos hipócritas. Por isso, cá
está ele, enfiado no vigésimo sexto assento do ônibus na parte direita, totalmente
pelado, sem roupa e com a cabeça a latejar de dúvidas e vontades de enlouquecer
para esquecer-se de si mesmo. Esquecer-se do inseto em que tornou. Mas não
consegue, a inteligência impede-o de virar um completo louco, e por outro lado
sufoca-o com lembranças boas daquelas individualidades inséticas, que tanto
almeja nunca mais ouvir falar, ou pôr as falas em cima. Elas servem de anticorpos
em forma de “cometeste um grande erro”, contra a decisão do afastamento “para
todo sempre: amem” que ele preconizou seguir. Esta inteligência é muito
contraditória; ora ativa essas lembranças, ora desativa-as num passo de magia
branca. Embranquecendo o cérebro. Para a satisfação da desorientação que se
limita a ser parcial, em vez de total.
Mister-Quase-Desorientado passou a mão esquerda no rosto repleto de barba
bem feitinha, e coçou preguiçosamente a nádega direita com a mão direita,
suspendendo-a um pouquinho e refletindo sobre o verdadeiro sentido da fuga do
anus, em que ele saiu revoltosamente. Valeu ou não valeu a pena? Se calhar
melhor seria permanecer lá dentro, misturado naquela podridão de bichos
desalmados, porém, a sensação de estar fora e respirando um ar tão suave, fez-
lhe descobrir-se de uma maneira que nunca tinha descoberto antes. Mesmo com
as indecisões, com o complexo de sentir-se um inseto, ele acha que valeu a pena.
Há uns dias, pela primeira vez, fez sexo com duas meretrizes – por acaso elas já
foram insetas, mas devido aos altos patrocínios, deixaram de ser -, uma delas fez
um oral deveras enlouquecedor como ele gostaria que a sua loucura fosse. Um ar
refrescador, capaz de refrescar a dor sentida pela perda e o abandono da sua
antiga metodologia de inseto embutido no grosso e delgado intestino. O Mister-
Quase-Desorientado está ambientado nesta nova fase, errante ou não, mas está.
Encostou a cabeça careca na parte superior do assento, procurando esquecer as
suas confusões por um tempinho. Enquanto isso, ele estava sendo observado de
perto por uma espécie de fantasma fêmea alienígena.
A política é limpa. Coisa dos limpadeiros limpos, adoradores da transformação
social que pode ser promovida pela sua característica limpíssima. /O meu foco é
focalizar tudo o que não tem foco. Dar água, onde não tem água. Dar luz, onde
não tem luz. Dar limpeza, onde não tem limpeza. Dar pancada, a quem merece
pancada. Os meus ideais de justiça são universais./Deste pomposo jeito
discursava o Cornelius Curruptus, futuro candidato á presidência do Mundo
Idealizado, aquele que suporta o verdadeiro real, e insuporta tudo o resto que é
considerado ilusório. Soltando palavreados mediante gesticulações das suas mãos
ossudas e compostas por dedos muito compridos. Deu uma pausa, para limpar o
suor que escorria da testa, uma estranhice que acontecia com ele, mesmo nos
locais mais friorentos do planeta. E persistiu na sua lábia, com a sua voz seca, mas
molhada por fortes tons graves. /Não temo a concorrência. Ela é que deve temer-
me. Sei do meu valor, por isso concorro comigo mesmo. Estás a ouvir?!/ Pergunta
feita num contexto repentinado, brusco, para que a pessoa que o estava
escutando, avivasse os seus sentidos auditivos. /Desculpa Cornelius...distraí-me
aqui com os meus botões. O que estavas a dizer?/ Sussurrou tristemente, pois por
dentro se encontrava de rastos, por causa da terrível notícia recebida minutos
antes de entrar no ônibus. O falecimento da sua única filha. Vítima de um
acidente de carro. Não houve oportunidade de dizer um “tchau”, e a última vez
em que eles se viram foi há quatro anos, no aeroporto, enquanto se despediam
perante promessas de um reencontro feliz entre ambos, todavia, a sina
estabeleceu-se maléfica. O futuro em que eles se beijariam e abraçariam, sofreu
um desmoronamento sem volta. A morte escolhe seus mortos,
independentemente disto ou aquilo. Daí que ele tinha poucas forças para ouvir os
discursos políticos, do político achado á esquerda da sua poltrona número cinco,
parte esquerda do ônibus. A única coisa desejada era o abraço da Analú, sua filha
pra sempre desaparecida. Ela tinha no seu semblante as marcas da alegria,
mesmo quando chateada, a sua beleza fazia dança-kizomba. Dói saber que jamais
verá isso de novo, e por dentro vai nascendo uma revolta enorme contra a
irregularidade da Natureza, cuja ordem natural nada obedece, porque o natural
seria levá-lo primeiro em vez dela. /Pois é...e jamais usurparei os cofres do estado
máximo. Tentarei desviar meu egoísmo, e embater no altruísmo. Pensarei em
todos, primeiramente. Antes de pensar em mim, segundamente. Todos os meus
projetos serão confeccionados de maneira a serem realizados com sagacidade e
humildade!/ Prosseguiu suas retóricas, com largos sorrisos, ignorando o estado
tristíssimo do seu grande parceiro dessas andanças infinitas pelos mais diversos
países, procurando votos com a sua campanha de primeira categoria. Cornelius
Curruptus, não aceita nem segundas e terceiras categorias, consideradas baixas
demais para um aristocrata de status elevado como ele./Com certeza, tenho
certeza que a tua honestidade será o baluarte de uma governação exemplar no
Mundo Idealizado. Podes contar com todo o meu apoio./ Apesar do sentimento
despedaçador, ainda conseguia arranjar coragem para deixar o seu companheiro
feliz. Não quer confrontar-lhe com o que sente, pelo menos por enquanto.
Quando se idolatra alguém em demasia, ele se torna o centro de tudo. O Sol
gigante, que faz cada planeta girar em seu torno, atraídos por uma colossal
gravidade. Um dos nomes que pode ser atribuído a ele, que sempre gira ao redor
do Sol é: Mercúrio. O próximo mais próximo que se posiciona como um inseto
insignificante, enfiado no cu do Cornelius Curruptus.
Ele é um Mercúrio artista, do tipo que faz pinturas extraordinárias, mas que
preferiu vender todas as obras, afastar-se da família e abdicar do seu talento, para
metamorfosear-se em seguidor de um politicão, detentor das possíveis dinamites
capazes de explodir as portas da glória do Mundo Idealizado. O arrependimento
não deve estar assim demasiado distante de esquartejá-lo, embora persista em
pensar ceticamente nesta hipótese. Quando uma deliberação é escolhida, ela
deve ser levada até ao final, se não acontecer nada que mude a direção desta
ação deliberativa. Há muita cacharamba por beber.