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(ÉSQUILO, “Os persas” entre 499 e 472 a.C. Tradução do grego de Mário da
Gama Kury. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1992)
No trecho em que Corifeu afirma que os gregos não utilizam de arcos e flechas
no combate, ele está exaltando a masculinidade e a virilidade grega, ao afirmar que seus
combates são corpo a corpo, e consequentemente atribuindo características femininas e
andrógenas aos guerreiros persas (é possível notar essas características andrógenas no
filme 300). Já no trecho seguinte, onde a rainha-mãe pergunta a Corifeu se os gregos
servem a um rei, corifeu nega e afirma que: “os gregos não são escravos de ninguém”.
Nessa parte nota-se a exaltação da democracia grega e da liberdade do povo grego, pois,
como a própria epistemologia da palavra sugere, demos significa povo, e cratos
significa poder, portanto, os gregos não possuem um comandante, justamente por conta
de o povo possuir o poder, o povo é o seu próprio comandante, logo são súditos de si
próprios. Este conceito é de muita valia aos gregos, e isso ressalta as diferenças entre os
gregos e os outros.
Prosseguindo na peça, logo adiante Atossa questiona como irão os gregos
enfrentar os persas sem um comandante. E Corifeu a responde, “com bravura
bastante...”, tornando a exaltar os atributos gregos, sua coragem, determinação e
hombridade.
Esta peça de Ésquilo “os persas”, foi disseminada pela Grécia como uma
propaganda xenofóbica, e fortaleceu no imaginário grego uma imagem pejorativa dos
estrangeiros com ênfase nos persas, além disso, colaborou na consolidação da
concepção do bárbaro no imaginário grego.
Ademais essa tragédia de Ésquilo é uma das mais antigas peças do mundo grego,
consequentemente demonstra a antiguidade da xenofobia grega.
A peça teve sua estreia em Atenas. Naquela época Atenas estava começando a
possuir protagonismo em relação das demais pólies gregas, diante da primeira tentativa
persa de invasão da Grécia foi criada a liga de Delos, essa liga de Delos, era de início
uma aliança militar entre as pólies gregas, que tinha por objetivo proteger a Grécia das
invasões persas e também da de outros povos, essa aliança serviu como base de
sustentação para a ascensão do imperialismo ateniense, pois de início, o poder executivo
desta liga foi outorgado a um conselho federal das cidades, a liga arrecadava das
cidades que participavam, tributos e em caso das maiores e mais poderosas cidades
colaboravam com exércitos e navios de guerra entre outros contingentes militares.
Contudo essa harmonia das cidades dentro da aliança não se sustentou por muito
tempo, pois, rapidamente o poder político e econômico de Atenas sobrepujou-se e
desarmonizou a aliança, e logo Atenas começava a concentrar cada vez mais poder
dentro da liga, sendo extinto o conselho federal, as decisões passaram a ser tomadas na
assembleia de Atenas, onde somente cidadãos atenienses, maiores de 18 anos, homens,
e livres podiam votar, sendo assim toda a deliberação da assembleia em relação a liga de
Delos passou a beneficiar Atenas em relação as demais cidades participantes da liga.
Ademais Atenas também absorve o tesouro federal da liga que passa a fazer parte do
tesouro de Atenas, que constituía o fundo municipal da cidade, a partir desse momento
Atenas deixa de dar satisfação do dinheiro arrecadado e passa a utiliza-lo para o seu
interesse próprio. Com esses artifícios Atenas emplaca seu imperialismo de ante as
demais cidades gregas. E estabelece seu império.
Contudo, nesse processo, Atenas não somente adquire uma posição de destaque,
como também passa a garantir para o seu povo mais riquezas, sendo assim, os
atenienses se sentem superiores aos demais gregos, surgindo assim não somente um
sentimento de xenofobia em relação aos bárbaros, e aqueles que não são gregos, mas
também em relação aos demais gregos, que não são atenienses, sendo Atenas e os
atenienses o ideal Grécia e de gregos, um modelo a ser seguido.
Sendo assim, Atenas representa o epicentro do sistema geográfico desenvolvidos
pelos gregos, o que há de mais desenvolvido e evoluído, seja na cultura, política e nos
demais quesitos. Nesse sistema quanto mais longe do centro, ou seja, da Grécia e de
Atenas, mais exótico e diferente são os povos. Os gregos chegaram até mesmo a
acreditar na existência de povos fantasiosos como os centauros, (povo que era metade
homem metade cavalo), que os gregos acreditavam habitar uma região ainda mais ao
norte dos citas, que já era um povo que habitava o extremos norte, além dos centauros,
os gregos também acreditavam na existência das Amazonas, uma tribo de mulheres
guerreiras, o que novamente representa o diferente e o oposto, enquanto na cultura
grega os soldados são os homens na imaginação grega as Amazonas eram guerreiras,
novamente pôde-se observar a utilização da alteridades do diferente, do estranho.
Contudo, ambos os povos imaginados jamais foram encontrados. Há medida que a
fronteira do mundo conhecido se expandia esses povos eram jogados cada vez mais
distante. Há relatos até mesma da existência de uma tribo das Amazonas no rio
Amazonas, concepção a qual acabou por batizar o maior rio do mundo e também a
maior floresta do planeta.
Contudo, o método dual de contra posição, do oposto, possui uma falha,
denominada o terceiro excluído, pois esse mecanismo dual não opera quando
adicionado mais um fator na equação, pois, enquanto está sendo debatida as diferenças
entre os gregos e os persas, por exemplo, os persas são sempre o oposto do grego,
entretanto, se analisados persas, gregos e citas ao mesmo tempo, não é possível a
operação, pois não existe dois opostos de uma coisa só, se os persas possuem
características andrógenas, contrariamente os gregos possuíram características
masculinas, e ao tentar incluir os citas nesse cálculo, poderemos observar a sua exclusão
durante a análise, constituindo assim o conceito do terceiro excluído. Pois, como afirma
o Doutor François Hartog em seu livro “O Espelho de Heródoto”, “A retórica da
alteridade tende, pois, a ser dual – ou, dito outro modo: como seria de esperar, alter, na
narrativa, significa bem o outro de dois”.
Assim sendo, por meio desses artifícios o bárbaro foi difamado de diversas
maneiras na cultura grega clássica, adquirindo sempre maus atributos, e inflamando nos
gregos um sentimento de xenofobia, como a própria epistemologia da palavra sugere, de
medo do estrangeiro. Tudo para que os gregos pudessem se identificar perante tantos
povos. Pois, “Dizer o outro é enuncia-lo como diferente, é enunciar que há dois termos,
A e B, e que A não é B”. François Hartog em seu livro “O Espelho de Heródoto”.