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O bárbaro na cultura grega do período clássico

Ensaio História antiga


Nome: Gabriel Fernandes Magalhães Santos
Número de matricula: 2020423795

A construção do bárbaro na cultura grega, se deu em grande medida a partir da


retórica da alteridade, pois ao classificar o outro, eu também me classifico, contudo
nesse projeto, o outro é sempre o diferente, o que possui hábitos estranhos, e o eu, é
aquele que possui os mais virtuosos atributos. Dessa maneira, os gregos passam a se
considerar superiores diante dos demais povos. Seu clima, sua língua, seus deuses são
superiores aos demais. Desse modo, os gregos desenvolvem um sistema onde a Grécia
representa o centro do mundo conhecido, e quanto mais distante desse núcleo uma
sociedade estiver mais diferente serão suas características, podendo soar até mesmo
fantasiosas. Contudo, quanto mais ao centro, e mais perto da Grécia, um povo estiver,
mais atributos positivos ela possuirá. Entretanto, nesse projeto dual onde, um é o exato
oposto do outro, quando inserido mais um fator no sistema a equação não funciona,
demonstrando assim o conceito do terceiro excluído.
Os gregos desenvolveram um sistema de compreensão de alteridade geográfico,
no qual a Grécia ocupa uma posição central, e as demais sociedades se encontram ao
seu redor, contudo nesse sistema quanto mais periférico for uma sociedade (ou seja,
quanto mais distante estiver um povo da Grécia), mais exóticas serão suas
características, portanto, nesse sistema todos aqueles que não são gregos são bárbaros.
Esse sistema também leva o clima em questão, sendo locais ao sul da Grécia
extremamente quentes e desérticos, e locais ao norte demasiado frio e congelante. Esses
fatores climáticos na concepção grega clássica influenciavam no desenvolvimento e nas
características dos povos que habitavam essas regiões. Por exemplo, eles acreditavam
que os egípcios que habitavam ao sul eram o povo mais antigo do mundo, em contra
ponto, aos citas, que habitavam o Norte eram o povo mais jovem. (Estando a Grécia no
centro classificando-os como um povo mais comedido, que não possui nada em demasia
nem em falta).
Segundo essa lógica defendida por Heródoto, os etíopes, um povo que habitava
uma região mais ao sul do Egito vivia por muito tempo e também eram extremamente
altos. Já os citas era um povo jovem, segundo Heródoto, que ao invés de valorizar a
primogenitura, eles valorizavam os filhos mais jovens, e desprezavam os anciãos e os
idosos. Características que espantava os gregos. Heródoto enfatiza bastante o fato de os
citas serem um povo nômada, e que por esse motivo não eram agricultores, ou seja, não
domesticavam nem as plantas nem os animais. Conceito esse (agricultura) que era de
extrema relevância para os gregos.
No pensamento grego a noção de selvagem denotava tanto aqueles
que não falavam grego, o que chegava a ser equivalente a não possuir
linguagem, quanto significava crueldade. Podia significar também
desconhecimento da agricultura (ou da noção grega de agricultura, relacionada
ao oikos). Em conjunto, essas noções serviam sobretudo para construir uma
identidade grega. Como observa Bartra (1994), os gregos não tinham um termo
discreto para denotar a noção de civilização. Para expressar tal noção
utilizavam as palavras/conceito pólis (cidade) e hemeros (domesticado).
Combinadas, transmitiam a idéia de ordem, a cidade governada por leis justas;
fora da cidade só poderia existir desordem ou tirania. (WOORTMANN, “O
selvagem e a História” 1999)

Os gregos se orgulhavam muito de suas pólies e tudo que consistia da sua


sustentação, a agricultura a política etc. Portanto, ao descrever os citas como um povo
nômade, isso gerava espanto no povo grego, e também gerava nos gregos um
sentimento de orgulho em relação aos seus atributos, políticos, socieis, culturais e etc.
Por conta disto, consideravam-se superiores aos demais povos, pois acreditavam que
eram um povo organizado, evoluído e que possuíam conceitos virtuosas como a
democracia. Parafraseando Aristóteles, somente realiza a plenitude da humanidade o
homem que vive na pólies. Logo, seguindo essa lógica, é possível notar que para um
grego clássico todo aquele que não habita a pólis ou é bárbaro ou é selvagem.
Na tragédia grega “Os persas” uma peça de Ésquilo (um grego que participou da
guerra como combatente) é retratada a guerra da Pérsia contra a Grécia, contudo, o
escritor é grego, já os personagens são todos persas. Sendo assim, ao invés do autor
retratar o que de fato eram os persas, o autor acaba por retratar o que os gregos
imaginavam ser o povo persa. Como podemos observar nesse trecho da peça, onde há
um diálogo entre ATOSSA (rainha-mãe dos persas) e CORIFEU.
ATOSSA: Há nas mãos deles flechas que vergam os arcos?

CORIFEU: Não; há somente espadas para o corpo-a-corpo e escudos


carregados por braços possantes.

ATOSSA: E que rei e senhor lhes serve de cabeça e comandante de todos os


combatentes?

CORIFEU: Eles não são escravos de ninguém, nem súditos.

ATOSSA: E como enfrentariam eles o inimigo?

CORIFEU: Com bravura bastante para destruir o imenso e imponente exército


de Xerxes.

(ÉSQUILO, “Os persas” entre 499 e 472 a.C. Tradução do grego de Mário da
Gama Kury. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1992)

No trecho em que Corifeu afirma que os gregos não utilizam de arcos e flechas
no combate, ele está exaltando a masculinidade e a virilidade grega, ao afirmar que seus
combates são corpo a corpo, e consequentemente atribuindo características femininas e
andrógenas aos guerreiros persas (é possível notar essas características andrógenas no
filme 300). Já no trecho seguinte, onde a rainha-mãe pergunta a Corifeu se os gregos
servem a um rei, corifeu nega e afirma que: “os gregos não são escravos de ninguém”.
Nessa parte nota-se a exaltação da democracia grega e da liberdade do povo grego, pois,
como a própria epistemologia da palavra sugere, demos significa povo, e cratos
significa poder, portanto, os gregos não possuem um comandante, justamente por conta
de o povo possuir o poder, o povo é o seu próprio comandante, logo são súditos de si
próprios. Este conceito é de muita valia aos gregos, e isso ressalta as diferenças entre os
gregos e os outros.
Prosseguindo na peça, logo adiante Atossa questiona como irão os gregos
enfrentar os persas sem um comandante. E Corifeu a responde, “com bravura
bastante...”, tornando a exaltar os atributos gregos, sua coragem, determinação e
hombridade.
Esta peça de Ésquilo “os persas”, foi disseminada pela Grécia como uma
propaganda xenofóbica, e fortaleceu no imaginário grego uma imagem pejorativa dos
estrangeiros com ênfase nos persas, além disso, colaborou na consolidação da
concepção do bárbaro no imaginário grego.
Ademais essa tragédia de Ésquilo é uma das mais antigas peças do mundo grego,
consequentemente demonstra a antiguidade da xenofobia grega.
A peça teve sua estreia em Atenas. Naquela época Atenas estava começando a
possuir protagonismo em relação das demais pólies gregas, diante da primeira tentativa
persa de invasão da Grécia foi criada a liga de Delos, essa liga de Delos, era de início
uma aliança militar entre as pólies gregas, que tinha por objetivo proteger a Grécia das
invasões persas e também da de outros povos, essa aliança serviu como base de
sustentação para a ascensão do imperialismo ateniense, pois de início, o poder executivo
desta liga foi outorgado a um conselho federal das cidades, a liga arrecadava das
cidades que participavam, tributos e em caso das maiores e mais poderosas cidades
colaboravam com exércitos e navios de guerra entre outros contingentes militares.
Contudo essa harmonia das cidades dentro da aliança não se sustentou por muito
tempo, pois, rapidamente o poder político e econômico de Atenas sobrepujou-se e
desarmonizou a aliança, e logo Atenas começava a concentrar cada vez mais poder
dentro da liga, sendo extinto o conselho federal, as decisões passaram a ser tomadas na
assembleia de Atenas, onde somente cidadãos atenienses, maiores de 18 anos, homens,
e livres podiam votar, sendo assim toda a deliberação da assembleia em relação a liga de
Delos passou a beneficiar Atenas em relação as demais cidades participantes da liga.
Ademais Atenas também absorve o tesouro federal da liga que passa a fazer parte do
tesouro de Atenas, que constituía o fundo municipal da cidade, a partir desse momento
Atenas deixa de dar satisfação do dinheiro arrecadado e passa a utiliza-lo para o seu
interesse próprio. Com esses artifícios Atenas emplaca seu imperialismo de ante as
demais cidades gregas. E estabelece seu império.
Contudo, nesse processo, Atenas não somente adquire uma posição de destaque,
como também passa a garantir para o seu povo mais riquezas, sendo assim, os
atenienses se sentem superiores aos demais gregos, surgindo assim não somente um
sentimento de xenofobia em relação aos bárbaros, e aqueles que não são gregos, mas
também em relação aos demais gregos, que não são atenienses, sendo Atenas e os
atenienses o ideal Grécia e de gregos, um modelo a ser seguido.
Sendo assim, Atenas representa o epicentro do sistema geográfico desenvolvidos
pelos gregos, o que há de mais desenvolvido e evoluído, seja na cultura, política e nos
demais quesitos. Nesse sistema quanto mais longe do centro, ou seja, da Grécia e de
Atenas, mais exótico e diferente são os povos. Os gregos chegaram até mesmo a
acreditar na existência de povos fantasiosos como os centauros, (povo que era metade
homem metade cavalo), que os gregos acreditavam habitar uma região ainda mais ao
norte dos citas, que já era um povo que habitava o extremos norte, além dos centauros,
os gregos também acreditavam na existência das Amazonas, uma tribo de mulheres
guerreiras, o que novamente representa o diferente e o oposto, enquanto na cultura
grega os soldados são os homens na imaginação grega as Amazonas eram guerreiras,
novamente pôde-se observar a utilização da alteridades do diferente, do estranho.
Contudo, ambos os povos imaginados jamais foram encontrados. Há medida que a
fronteira do mundo conhecido se expandia esses povos eram jogados cada vez mais
distante. Há relatos até mesma da existência de uma tribo das Amazonas no rio
Amazonas, concepção a qual acabou por batizar o maior rio do mundo e também a
maior floresta do planeta.
Contudo, o método dual de contra posição, do oposto, possui uma falha,
denominada o terceiro excluído, pois esse mecanismo dual não opera quando
adicionado mais um fator na equação, pois, enquanto está sendo debatida as diferenças
entre os gregos e os persas, por exemplo, os persas são sempre o oposto do grego,
entretanto, se analisados persas, gregos e citas ao mesmo tempo, não é possível a
operação, pois não existe dois opostos de uma coisa só, se os persas possuem
características andrógenas, contrariamente os gregos possuíram características
masculinas, e ao tentar incluir os citas nesse cálculo, poderemos observar a sua exclusão
durante a análise, constituindo assim o conceito do terceiro excluído. Pois, como afirma
o Doutor François Hartog em seu livro “O Espelho de Heródoto”, “A retórica da
alteridade tende, pois, a ser dual – ou, dito outro modo: como seria de esperar, alter, na
narrativa, significa bem o outro de dois”.
Assim sendo, por meio desses artifícios o bárbaro foi difamado de diversas
maneiras na cultura grega clássica, adquirindo sempre maus atributos, e inflamando nos
gregos um sentimento de xenofobia, como a própria epistemologia da palavra sugere, de
medo do estrangeiro. Tudo para que os gregos pudessem se identificar perante tantos
povos. Pois, “Dizer o outro é enuncia-lo como diferente, é enunciar que há dois termos,
A e B, e que A não é B”. François Hartog em seu livro “O Espelho de Heródoto”.

WOORTMANN, K. 1999 “O selvagem e a história” Heródoto e a questão do outro.


REVISTA DE ANTROPOLOGIA, São Paulo, USP, 2000, 1-59
GUARNIELLO, N L. 1994 “Imperialismo greco-romano”. ATICA S.A. São Paulo 14-
21
ÉSQUILO, “Os Persas”. Tradução do grego de Mário da Gama Kury. Rio de Janeiro,
Jorge Zahar, 1992
HARTOG, F. “O espelho de Heródoto” Ensaio sobre a representação do outro.
EDITORA UFMG. Belo Horizonte. 1999 315-364
300. Zack Snyder/ Mark Canton Bernie Goldmann Gianni Nunnari Jeffrey Silver, 2006.
Wrner Bros. DVD (1h 57min)

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