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Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

Ano Lectivo 2012/2013


Licenciatura em Bioquímica (3º ano, 2º semestre)
Simulação Bioquímica

Simulação MM/MD de um nonapéptido helicoidal – Trp 9

INTRODUÇÃO

As hélices α são o tipo de estrutura secundária mais comum presente nos níveis de
organização das proteínas, possivelmente devido à facilidade deste arranjo maximizar o número de
pontes de hidrogénio entre os grupos carbonilo e os grupos amina da cadeia proteica principal,
acomodando simultaneamente a ligação peptídica rígida.

Alguns aminoácidos ocorrem mais frequentemente em hélices α do que outros; cada um,
quando intrínseco num péptido, tem uma determinada tendência para formar hélices α. Esta
tendência é designada por propensidade helicoidal e reflecte-se nas propriedades das cadeias
laterais e no modo como estas afectam a capacidade dos átomos da cadeia principal adjacentes para
assumirem os ângulos diedros (ϕ e ψ) característicos. De acordo com a maior parte dos sistemas
modelo experimentais, a alanina é o aminoácido que apresenta uma maior tendência para formar
hélices α, ao passo que, excluindo a prolina, a glicina é o que tem menor propensidade para este tipo
de estrutura. De acordo com valores experimentais, surgem primeiro na escala de propensidade os
resíduos com grandes cadeias laterais hidrofóbicas; aparecem depois os com grupos polares
afastados por alguns carbonos do esqueleto; os aromáticos posicionam-se a meio da escala e, por
fim, os aminoácidos β-ramificados, os com grupos polares apenas a um carbono de distância do
esqueleto e a glicina (Pace et al., 1998).

MATERIAIS E MÉTODOS

Esta simulação foi realizada no software Putty, com acesso a um servidor através do
programa Filezilla e com auxílio do Pymol para visualização da mesma. As condições nas quais foi
realizada estão apresentadas de seguida.

Sistema base:

- Péptido: Ala 9 (visível no programa Pymol)


- Long Range Electrostatics: PME (visível no Putty em eval<System_00<dynamics)
- Temperatura: 310K (visível no Putty em eval<System_00<dynamics)
- Pressão: 1,0 bar (visível no Putty em eval<System_00<dynamics)
- Force-field: amber03 (visível no Putty em eval<System_00)

Sistema em estudo:

- Péptido: Trp 9 (visível no programa Pymol)


- Long Range Electrostatics: PME (visível no Putty em eval<System_00<dynamics)
- Temperatura: 310K (visível no Putty em eval<System_00<dynamics)
- Pressão: 1,0 bar (visível no Putty em eval<System_00<dynamics)
- Force-field: amber03 (visível no Putty em eval<System_00)

1 Cristiana Gonçalves da Costa Santos (38700)


ANÁLISE ESTRUTURAL:

Dois parâmetros possíveis de análise são o RMSD e o raio de giração, parâmetros estes que
ajudarão na análise estrutural do péptido em estudo. RMSD (root-mean-square deviation) representa
a distância média entre os átomos de uma molécula em relação a uma estrutura de referência. Esta
medição é feita através do carbono α, sendo que, sempre que a sua posição é igual em ambas as
estruturas, este valor é igualado a zero; à medida que se vai afastando, o valor deste parâmetro vai
aumentando. No caso do raio de giração, este traduz o grau de compactação e tamanho da molécula,
sendo que, quanto menor for o seu valor, mais compacta se encontra a estrutura em questão.

A B

Fig. 1 – Representações gráficas para o nonapéptido Trp 9 ao longo do correr da simulação (t = 10 ns) da variação (A) do
RMSD e (B) do raio de giração (gráficos obtidos no putty).

Observa-se no gráfico A da Fig. 1 que o sistema se encontra relativamente estável até cerca
dos 3,5 ns e entre os 4 e os 8 ns. No restante tempo, verifica-se que o sistema sofre alterações que o
levam a uma instabilidade passageira. Para além disto, é de realçar a diferença entre a curva que tem
em conta apenas a conformação do esqueleto do péptido e a curva que inclui a influência das
cadeias laterais. No caso do triptofano, este é um aminoácido com uma grande cadeia lateral, que
inclui um anel indol. Este anel é bastante reactivo, o que pode dar origem às diferenças verificadas
nos valores de RMSD. No caso do gráfico referente ao raio de giração, observa-se que o péptido é
bastante instável durante praticamente toda a simulação. É de realçar o pico observável entre os 3,5
e os 4 ns em ambas as representações. Neste caso, o péptido sofreu uma destabilização na sua
estrutura, que o tornou menos compacto e de maior volume, facto que se verifica no aumento do raio
de giração e no aumento da distância entre os carbonos α. Para além disso, o triptofano é bastante
susceptível a alterações na sua estrutura, uma vez que pode adquirir inúmeras conformações quando
presente em água, o que leva às oscilações observadas no raio de giração.

Outra análise que pode ser feita a este péptido baseia-se na variação da sua estrutura ao
longo do decorrer da simulação.

Fig. 2 – Variação da estrutura secundária ao longo do correr da simulação (t = 10 ns) dos nonapéptidos (A) Trp 9 e (B) Ala 9 .

2 Cristiana Gonçalves da Costa Santos (38700)


Fig. 3 – Representação gráfica da variação do número de resíduos em cada tipo de estrutura secundária ao longo do correr da
simulação (t = 10 ns) para o nonapéptido Trp 9 (gráfico corrigido no putty).

A formação de hélice α numa proteína depende da sequência de resíduos de aminoácidos na


fracção da cadeia polipeptídica em causa, uma vez que as interacções entre as cadeias laterais
podem estabilizar ou destabilizar esta estrutura. A carga, a forma e a dimensão destas cadeias são
alguns dos factores que podem afectar a estabilidade de uma hélice α.

Por observação da Fig. 2, verifica-se que o nonapéptido Trp 9 é mais estável que o sistema
base Ala 9 , uma vez que se apresenta em hélice α durante mais tempo. O triptofano (Trp) apresenta
um valor de propensidade helicoidal equidistante à glicina e à alanina, o que sugere que as suas
capacidades de ligações por hidrogénio não afectam a formação da hélice α (Pace et al., 1998). Para
além disso, este aminoácido é um derivado da alanina, tendo um substituinte indol no carbono β, o
que o torna mais estável.

De facto, observando a Fig. 3, verifica-se que o péptido Trp 9 é bastante estável ao longo do
tempo. Neste caso, apenas no intervalo de tempo dos 3,5 a 4 ns se verifica uma perda circunstancial
do número de resíduos em hélice α, com consequente aumento de resíduos em turn. O turn é um
motivo estrutural das proteínas que consiste na inversão da direcção da cadeia polipeptídica, onde os
carbonos α de dois resíduos se aproximam. Este tipo de estrutura é estabilizado por ligações de
hidrogénio. No caso do coil, este corresponde a uma sequência de aminoácidos que não se encontra
nem em hélice α, nem em folha-β. Este tipo de estrutura é importante para entender o folding das
proteínas, bem como o seu turnover e o transporte através de membranas. Também a partir da
observação da Fig. 3, verifica-se que este péptido não ocorre em folha β em nenhum ponto da
simulação.

A B

Fig. 4 – Registo de dois momentos da simulação do péptido Trp9 obtidos no Pymol: (A) numa conformação instável aos 3,5 ns
(35 frames) e (B) numa conformação estável aos 7 ns (70 frames).

3 Cristiana Gonçalves da Costa Santos (38700)


DISCUSSÃO

O triptofano é o cromóforo intrínseco dominante na maior parte das proteínas e é um dos


compostos mais bem estudados, através de medidas espectrais de absorção e emissão. As suas
propriedades de fluorescência são muito sensíveis a alterações estruturais, ligações de substratos ou
ligandos e ao ambiente da sua vizinhança, como o pH, as cargas iónicas e a hidrofobicidade.

O triptofano é um aminoácido hidrofóbico, ou seja, não interage com a água para formar
ligações de hidrogénio, tal como acontece com a alanina. No entanto, este mostrou ser mais estável,
tal como se pode observar nos gráficos da Fig. 2. Tal facto deve-se ao anel indol presente na sua
cadeia lateral. Esta característica aromática dá ao triptofano a possibilidade de estabelecer
interacções atractivas não covalentes 𝜋 − 𝜋 com os anéis aromáticos adjacentes, tornando a
estrutura do sistema mais estável na maior parte dos casos. Para além disso, a presença de um
átomo de azoto neste anel torna-o mais reactivo.

Este aminoácido pode adquirir várias conformações espaciais, sendo que, em água, pode
apresentar-se em seis conformações de baixa energia diferentes. Para que ocorram as ditas
interacções 𝜋 − 𝜋, é necessário que o sistema apresente determinadas configurações. As duas
conformações mais propícias a este tipo de interacção apresentam os anéis dispostos paralelamente
ou em forma de T. Estas dizem-se as mais estáveis por serem isoenergéticas e representarem
mínimos de energia. Quando se observa alterações nos valores de RMSD, nomeadamente entre os
3,5 e os 4 ns, ocorre uma mudança estrutural no péptido, sendo que prevalece a estrutura em coil.
Neste caso, pode dizer-se que as interacções 𝜋 − 𝜋 eram mais fracas, possivelmente porque os
triptofanos se encontravam em configurações menos favoráveis à ocorrência das mesmas, tornando
assim o sistema mais instável. Tal facto pode ser comprovado por observação a Fig. 4, onde, no
gráfico A, as cadeias laterais dos triptofanos aparentam encontrar-se em posições bastante distintas,
não estando dispostas nas configurações mais propícias a que este tipo de interacções ocorra tão
fortemente, o que reflecte uma maior instabilidade do sistema.

Por comparação deste sistema, Trp 9 , com o sistema Ala 8 W, observa-se que este também se
apresenta bastante estável, inclusive apresenta um raio de giração menos oscilante durante o
decorrer da simulação. Tal facto mostra que, a introdução de um triptofano no péptido estabiliza, de
facto, o sistema, mas como não existem grupos aromáticos na sua vizinhança, este não forma
interacções 𝜋 − 𝜋 com outros anéis. Deste modo, as instabilidades provocadas por mudanças não
favoráveis a este tipo de ligação não ocorrem. Este segundo sistema é também mais estável que o
sistema base, Ala 9 , provando que o triptofano é, de facto, um aminoácido cujo anel indol presente na
cadeia lateral ajuda à estabilização da hélice α.

BIBLIOGRAFIA

• Sites:

http://en.wikipedia.org/wiki/Stacking_(chemistry)
http://www.biology.arizona.edu/biochemistry/problem_sets/aa/tryptophan.html
http://www.russelllab.org/aas/Trp.html

• Livros:

Nelson, David L.; Cox, Michael M. – Lehninger Principles of Biochemistry – 5ª edição, W. H. Freeman
and Company, New York, 2008.

Quintas, Alexandre; Freire, Ana Ponces; Halpern, Manuel J. – Bioquímica, Organização Molecular da
Vida – Lidel, 2008.

4 Cristiana Gonçalves da Costa Santos (38700)


• Artigos:

Pace, C. et al., 1998. A Helix Propensity Scale Based on Experimental Studies of Peptides and
Proteins. Biophysical Journal, Volume 75, 442-427.

Daura, X. et al., 1999. Validation of molecular simulation by comparison wit experiment: Rotational
reorientation of tryptophan in water. Journal of Chemical Physics, Volume 110, 3049-3055.

Mark, P. et al., 2002. A Molecular Dynamics Study of Tryptophan in Water. Journal of Chemical
Physics, Volume 106, 9440-9445.

5 Cristiana Gonçalves da Costa Santos (38700)

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