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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 1

1/10/2016

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS

O estudo dos Materiais Metálicos, normalmente apresentado nos cursos de Engenharia Mecânica,
é abordado de duas formas distintas:
a) sob o ponto de vista da Ciência dos Materiais, onde são apresentadas as relações entre a
estrutura e as propriedades dos materiais. Neste caso, procura-se apresentar toda uma
fundamentação científico-metalúrgica, com o enfoque do estudo da estrutura cristalina, dos
mecanismos de endurecimento e respectiva influência nas propriedades dos metais, sejam
estes na forma de metal-puro e/ou de ligas; e
b) sob o ponto de vista da Engenharia dos Materiais, a qual procura abordar o estudo do
projeto e desenvolvimento da estrutura de um material, através de um determinado
processo de fabricação, para atender a um conjunto predeterminado de propriedades, e que
será responsável pela performance e/ou comportamento do material em serviço.

O presente trabalho tem por finalidade apresentar o Estudo dos Aços, de uma forma diferenciada,
procurando-se apresentar os diversos conceitos da Ciência e da Engenharia dos Materiais, na
medida em que os tópicos forem sendo apresentados e os conceitos sendo necessários para o bom
entendimento do assunto tratado.

1 – FERRO E SUAS LIGAS


1.1 – ESTRUTURA DE UM MATERIAL METÁLICO

A estrutura de um material está diretamente relacionada ao arranjo interno dos seus componentes,
respeitando-se as diferentes escalas de grandeza possíveis. Assim sendo, um material pode ter sua
estrutura apresentada a nível:
a) Macroscópico: consistindo em elementos estruturais visíveis a olho nu;
b) Microscópico: apresentando um grande número de átomos agrupados entre si, os quais são
normalmente sujeitos à observação direta em algum tipo de microscópio;
c) Atômico: quando se procura estudar a organização e os arranjos entre os átomos do
material;
d) Subatômico: quando se procura estudar as interações entre os elétrons e os respectivos
núcleos dos átomos que constituem o material.

Na Figura 1, é apresentada a estrutura macroscópica de um pequeno corpo de prova de aço,


retirado de uma chapa laminada a frio, o qual foi cortado nas dimensões 10 x 4 x 4 mm, lixado e
polido e posicionado dentro de um recipiente de cerâmica.

A Figura 2 apresenta a estrutura microscópica do corpo de prova de aço da Fig. 1, o qual foi
submetido ao ataque químico em Nital-2%, após preparo metalográfico convencional (lixamento,
polimento e ataque químico), e observado com o recurso de um microscópio ótico comum, com
aumento de 500x.
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Na Figura 3, é apresentado o detalhamento da estrutura atômica de uma região de contorno de grão
entre dois cristais de ferrita da Fig.2, o qual pode ser obtido com o recurso de um microscópio de
tunelamento, com aumentos maiores de que 1.000.000x.

Figura 1 – Estrutura macroscópica de um pequeno corpo de prova de aço.

Figura 2 – Aço baixo-carbono (Composição química: 0,13 % C - 0,22% Si - 0,42% Mn - < 0,04%
S - < 0,04% P), apresentando microestrutura de grãos grosseiros de ferrita e perlita. Aumento
500x (Microscópio Ótico).
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Átomos e Reticulado
Cristalino do Grão 2

Contorno de Grão

G2
G1
Átomos e Reticulado
Cristalino do Grão 1

Figura 3 – Detalhamento da estrutura atômica (reticulado cristalino) de uma região de contorno de


grão entre dois cristais (grãos, G1 e G2) de ferrita da Fig.2.

1.2 – A ESTRUTURA CRISTALINA DO FERRO

Os aços, em sua definição mais simples, fundamentada no estudo do Diagrama de Equilíbrio Fe –


C, são ligas a base de Ferro, apresentando teores que normalmente variam de 0,008% até 2,06% de
Carbono, em peso. Sendo os aços, de longe, o grupo de ligas ferrosas mais importantes existentes,
torna-se importante conhecer, de forma mais detalhada, as principais características do Ferro,
enquanto metal puro, o qual é o principal componente químico presente nas composições dos aços.

Como todo metal, o ferro apresenta estrutura cristalina definida, ou seja, sob condições de
solidificação normal, pode-se observar, no estado sólido, um arranjo repetitivo de átomos, de
longo alcance. Os arranjos atômicos são repetições, nas três dimensões, de uma unidade básica
chamada célula unitária, dando origem ao reticulado cristalino do metal (rede de átomos),
conforme apresentado na Fig. 3.

Qualquer empacotamento atômico recai dentro de um dos 7 sistemas cristalinos existentes,


chamados de Sistemas de Bravais, que definem os principais tipos de cristais (representados
esquematicamente pelas respectivas células unitárias), a saber: Cúbico, Hexagonal, Tetragonal,
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Ortorrômbico, Monoclínico, Triclínico e Romboédrico (Figura 4). O Ferro é um metal cujos
átomos se arranjam no sistema Cúbico.

Sistema cúbico: Sistema hexagonal:


a=b=c a=bc
= 90 º 90 º, = 120 º

Sistema tetragonal: Sistema ortorrômbico:


a=bc abc
= 90 º = 90 º

Figura 4 – Representação de quatro dos sete principais tipos de cristais (Sistemas de Bravais),
(van Vlack, 1970).

As estruturas resultantes da repetição desta unidade padrão (célula unitária) são denominadas de
cristais (ou grãos microscópicos do material), conforme visto na Fig. 3. Os grãos, ou cristais, se
formam a partir da solidificação do material, processo que é termicamente ativado envolvendo
difusão atômica (movimentação de átomos), quando se atinge a temperatura de fusão /
solidificação do material (1538 ºC, para o Ferro puro). A nucleação e o crescimento dos cristais,
durante a solidificação, ocorre espontaneamente para orientações cristalográficas aleatórias. No
final da solidificação, o encontro de dois cristais vizinhos (normalmente crescidos para orientações
cristalográficas distintas) origina um Contorno de Grão (ver Fig. 3).

Define-se:
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Contorno de Grão: é um defeito cristalino bidimensional, ou de superfície, resultante do encontro


de dois cristais nucleados e crescidos para orientações cristalográficas distintas, com espessura que
pode variar de 2 a 5 parâmetros de reticulado (distância de equilíbrio entre dois átomos vizinhos da
célula unitária).

A maioria dos cristais, para os metais mais comuns são do tipo cúbico (à exceção do Mg, Zn, Ti,
Co, Cd, os quais são hexagonais). É necessário ressaltar que a maioria dos materiais cerâmicos
(todos os óxidos, carbonetos e nitretos) apresentam também estrutura cristalina definida. A título
de exemplo, o Carboneto de Ferro - Fe3C (fase cerâmica presente nos aços) apresenta estrutura
ortorrômbica.

A repetição tridimensional da célula unitária, nos cristais (ou grãos), é devido à coordenação
atômica no interior do material, resultando em diferentes tipos de empacotamentos atômicos.
Portanto, conhecendo-se a estrutura das células unitárias que se repetem, pode-se descrever a
estrutura do cristal como um todo. A estrutura cristalina é definida pelo tipo de célula, pelo
número de átomos na célula, pelo número de coordenação atômica, pelo fator de empacotamento
atômico e pelos sistemas de escorregamento presentes na célula.

Define-se:

Número de coordenação atômica: é o número de átomos vizinhos equidistantes em relação a um


determinado átomo de referência.

Fator de empacotamento atômico: é a relação entre o volume efetivamente ocupado pelos átomos
e o volume total da célula unitária.

Sistemas principais de escorregamento: é o produto entre o número de direções atômicas


compactas e o número de planos atômicos compactos na célula unitária (este parâmetro é
extremamente importante, pois o processo de deformação plástica a frio - ou encruamento - nos
metais, caracterizado pela movimentação e multiplicação das discordâncias - defeito cristalino
unidimensional ou em linha -, ocorre através dos sistemas de escorregamento).

Uma importante característica é que o Ferro é um metal alotrópico, ou seja, modifica o seu
reticulado cristalino em função da temperatura. Para temperaturas de até 912 C, o ferro apresenta
estrutura cúbica de corpo centrado (Fe-, CCC). Acima de 912 C indo até 1394 C o reticulado
cristalino do ferro se modifica para cúbico de face centrada (Fe-, CFC). A transformação de fase
/que ocorre a 912 C, é a principal transformação alotrópica do Ferro no estado sólido, sendo
extremamente importante no estudo dos tratamentos térmicos dos aços, conforme será visto
adiante. Nesta temperatura (912 ºC) os átomos de Ferro, por difusão atômica (movimento dos
átomos), se rearranjam para um novo reticulado cristalino passando para a estrutura CFC. À
temperatura de 1934 C o Ferro sofre nova transformação alotrópica passando para CCC
novamente (Fe-, CCC). A transformação de fase /é mais importante quando do estudo de
processos de soldagem ou de laminação a quente contínua, os quais normalmente envolvem o
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aquecimento do metal à temperaturas muito elevadas, superando a temperatura de fusão do metal
que é de 1538 ºC. Deve-se frisar que as transformações alotrópicas são reversíveis, ocorrendo
tanto no aquecimento quanto no resfriamento do metal. As Figuras 5 e 6 apresentam
respectivamente as principais características das estruturas CCC e CFC do ferro.

CÉLULA CCC
Número de átomos 2
Número de coordenação atômica 8
Fator de empacotamento 0,68
Planos compactos não há
Direções compactas as que contêm a diagonal do cubo
Sistemas de escorregamento “n” sistemas secundários.

Figura 5 - Características da célula CCC do Ferro (van Vlack, 1970).

CÉLULA CFC
Número de átomos 4
Número de coordenação atômica 12
Fator de empacotamento 0,74
Planos compactos 4 planos octaédricos do cubo
Direções compactas 3 direções da diagonal da face
Sistemas de escorregamento “12” sistemas principais

Figura 6 - Características da célula CFC do Ferro (van Vlack, 1970).

É extremamente importante destacar, quando do estudo das transformações alotrópicas do Ferro o


processo de movimentação de átomos denominado de autodifusão. O processo de autodifusão
consiste na movimentação de um átomo de um determinado metal em seu próprio reticulado
cristalino. No caso, a autodifusão de átomos de Fe pode ocorrer tanto na célula CCC, quanto na
célula CFC. Tomando-se por exemplo a transformação de fase /que ocorre a 912 C, o sentido
da transformação será definido em função do sentido do gradiente de temperatura. Em se havendo
um acréscimo de temperatura (aquecimento) a transformação ocorre no sentido   Para o caso
de um decréscimo de temperatura (resfriamento), a transformação ocorre no sentido contrário  
Como a difusividade de um determinado metal é uma função exponencial da temperatura, de
acordo com a equação (1),

D = D0 exp(-Q/RT) (1)

sendo:

D, coeficiente de difusão;
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D0, coeficiente de difusão intrínsico;
Q, energia de ativação;
R, constante universal dos gases perfeitos;
T, temperatura absoluta.

pode-se comparar a influência do tipo de reticulado cristalino, através do respectivo fator de


empacotamento, na difusividade do Ferro, desde que se conheçam os parâmetros da equação
acima, para cada caso, e desde que os cálculos sejam realizados para uma mesma temperatura. No
caso específico, exatamente a 912 ºC, onde as duas estruturas cristalinas do Ferro ( e
coexistem em equilíbrio.

A título de exemplo, segundo Eckstein (1950), os coeficientes de difusão do Fe, Cr, Ni e Ti nas
fases CCC) e  (CFC) do Ferro, com as respectivas faixas de validade de temperaturas, podem
ser calculados a partir das seguintes fórmulas:

a) Fe  Fe-paramag.: D = 1,9 exp [-57200 / (RT)] (> 790 ºC)


b) Fe  Fe-: D = 0,18 exp [-64500 / (RT)] (800 - 1300 ºC)
c) Cr  Fe-: D = 1,48 exp [-59000 / (RT)] (700 - 1000 ºC)
d) Cr  Fe-: D = 7,1 x 10-5 exp [-40600 / (RT)] (900 - 1300 ºC)
e) Ni  Fe-paramag: D = 1,3 exp [-56000 / (RT)] (> 790 ºC)
f) Ni  Fe-: D = (0,344 + 0,012 x % Ni) exp [-67500 / (RT)] (900 - 1200 ºC)
g) Ti  Fe-: D = 3,15 exp [-59200 / (RT)] (> 900 ºC)
h) Ti  Fe-: D = 0,15 exp [-60000 / (RT)] (> 900 ºC)
R = 1,987 cal / mol.K e T = temperatura em Kelvin

Na Tabela 1 são apresentados alguns valores calculados destes coeficientes para as temperaturas
de 912, 1050, 1150 e 1250 ºC. Pode-se observar que a difusividade dos diferentes átomos
metálicos na estrutura CCC é sempre maior do que na estrutura CFC do Ferro, variando em média
cerca de duas ordens de grandeza, o que está relacionado diretamente com as características das
respectivas estruturas cristalinas.

Tabela 1 - Coeficientes de difusão do Fe, Cr e Ti nas fases CCC e CFC do Ferro. Valores
calculados em (cm2/s).

T (ºC) DFeFe- DFeFe- DCrFe- DCrFe- DTiFe- DTiFe-


912 5,3 x 10-11
2,3 x 10-13 1,9 x 10-11 2,3 x 10-12 3,8 x 10-11
1,3 x 10-12
1050 6,7 x 10-10 4,0 x 10-12 - 1,4 x 10-11 5,2 x 10-10 1,8 x 10-11
1150 3,1 x 10-9 2,2 x 10-11 - 4,1 x 10-11 2,5 x 10-9 9,1 x 10-11
-10
1250 1,2 x 10-8 1,0 x 10 - 1,1 x 10-10 1,0 x 10-8 3,7 x 10-10

No caso da autodifusão de átomos de Fe, o que explica sua maior difusividade no reticulado CCC
do que no reticulado CFC, a uma mesma temperatura de 912 ºC, é justamente a diferença no fator
de empacotamento de cada estrutura, o qual é diretamente relacionado com o número efetivo de
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átomos em cada célula. Isto é melhor explicado assim: a célula CCC, cujo fator de empacotamento
é de 0.68, possui cerca de 32% de seu volume não ocupado por átomos. O raciocínio idêntico para
a célula CFC, cujo fator de empacotamento é 0.74, indica que apenas 26% de seu volume é livre, o
que resulta, comparativamente, numa maior facilidade dos átomos metálicos de se difundirem na
estrutura menos ocupada por átomos.

Na Figura 7 é apresentado de modo esquemático o mecanismo de difusão por vazios, que ilustra
como os átomos de metais se movimentam no reticulado cristalino. Vazio ou vacância é o nome
dado a um defeito cristalino adimensional, ou pontual, o qual consiste na ausência de um átomo
normal da rede no reticulado considerado (Fig. 7a). Nas Figuras 7(b) e 7(c) é indicado como a
presença do vazio na rede auxilia o processo de difusão atômica. Deve-se destacar que a densidade
(quantidade) de vazios no reticulado cristalino aumenta exponencialmente com a temperatura, de
acordo com a equação (2), a qual determina a taxa de equilíbrio entre vazios e átomos a uma dada
temperatura.

Nv = N0 exp(-H/RT) (2)

sendo:

Nv, número de vazios


N0, número de átomos
H, energia de ativação (trabalho para formar um mol de vazios)
R, constante dos gases
T, temperatura absoluta

Vazio

Figura 7 – Mecanismo de difusão atômica por vazios: a) presença de um vazio no reticulado


cristalino; b) início do movimento do átomo indicado; c) fim do movimento do átomo (note que há
uma troca de posições entre o átomo e o vazio).
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1.2.1 – INTERSTÍCIOS NAS CÉLULAS DO FERRO

As Figuras 8 e 9 ilustram os interstícios existentes nas células CCC e CFC do Ferro,


respectivamente. Os interstícios são espaços existentes entre os átomos normais da rede cristalina,
onde, em função de seus tamanhos, somente átomos muito pequenos (chamados de átomos
intersticiais) podem ser alojados nestes espaços. Os interstícios podem ser tetraédricos ou
octaédricos, dependendo da figura geométrica que é formada pelos átomos do reticulado que o
envolvem.

Figura 8 – Interstícios na célula CCC do Ferro: a) estrutura CCC; b) interstícios tetraédricos; c) e


d) interstícios octaédricos (Rothery, 1974).
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Figura 9 – Interstícios na célula CFC do Ferro: a) estrutura CFC; b) interstícios octaédricos


(Rothery, 1974).

Os principais átomos intersticiais não metálicos, no Ferro, são: o B, C, N, O, H. Na Tabela 2 são


apresentados os tamanhos atômicos destes elementos e a respectiva razão de tamanho em relação
ao Ferro.

Tabela 2 – Tamanhos atômicos de elementos não metálicos intersticiais no Ferro (Rothery, 1974).

Elemento Raio atômico, r (A) r/rFe


Fe- 1,24 1,00
B 0,94 0,76
C 0,77 0,62
N 0,71 0,57
O 0,60 0,48
H 0,46 0,37

Na Tabela 3 são apresentadas, para o reticulado cristalino do Ferro, as dimensões das maiores
esferas possíveis que cabem nos interstícios das estruturas CCC e CFC em função do raio atômico
do Ferro (r = 1,24 A) e do tipo de interstício. Estas dimensões são fixas para cada metal, e definem
um parâmetro (tamanho do interstício) extremamente importante, o qual é diretamente relacionado
com a solubilidade dos átomos intersticiais nas diferentes fases (células) do ferro. Fica evidente,
através da comparação dos valores apresentados nesta tabela, que a célula CFC aceita uma maior
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quantidade de átomos intersticiais. Será visto, à frente, quando do estudo dos sistemas de ligas
binárias Fe-C e Fe-N, a aplicação prática deste resultado.

Tabela 3 – Dimensões das maiores esferas possíveis que cabem nos interstícios das estruturas CCC
e CFC em função do raio atômico (r) do metal (Rothery, 1974).

Estrutura Interstício Raio da esfera Raio máximo de esferas para o


reticulado do Ferro (A)
CCC tetraédrico 0,29.r 0,36
octaédrico 0,15.r 0,19
CFC tetraédrico 0,23.r 0,28
octaédrico 0,41.r 0,51

1.3 – SOLUÇÕES SÓLIDAS NO FERRO

Outros dois tipos de defeitos cristalinos adimensionais (o termo defeito é sempre comparativo ao
cristal puro e perfeito), ou pontuais, apresentam grande importância no estudo dos materiais
metálicos, que são os defeitos (átomos) substitucionais e os defeitos (átomos) intersticiais. A
importância recai no fato de que a presença destes defeitos em metais resulta na obtenção das ligas
metálicas. A Figura 10 exemplifica os defeitos substitucionais e intersticiais.

Define-se:

Átomo ou Defeito Cristalino Substitucional: são átomos estranhos ao reticulado que assumem
posições de átomos normais da rede cristalina, substituindo-os.

Átomo ou Defeito Cristalino Intersticial: são átomos pequenos (ver Tabela 2) que se posicionam
nos interstícios da rede cristalina.

Posição
intersticial
Cr

Fe Posição
normal
na rede
(a) (b)

Figura 10 – (a) defeito substitucional ilustrado pela presença de um átomo de Cr no reticulado


cristalino do ferro (Ex.: Liga Fe - 4,2 % Cr, em átomos); (b) defeitos intersticiais.
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Em uma solução sólida o átomo de soluto (sempre em menor quantidade) pode se localizar
intersticialmente ou substitucionalmente na rede cristalina do solvente (Fe, no caso das ligas
ferrosas).

Em geral, devido ao tamanho restrito dos sítios disponíveis, apenas os solutos de pequeno raio
atômico podem se dissolver instersticialmente. Conforme já visto, os elementos que usualmente se
apresentam sob essa forma são o C, N, O, H e B. A Tabela 4 mostra alguns dados relativos à
solubilidade desses elementos nas formas alotrópicas alfa (Fe-, CCC- Cúbica de Corpo Centrado)
e gama (Fe-, CFC- Cúbica de Face Centrada) do Ferro.

Tabela 4 – Solutos intersticiais no Fe (Rothery, 1974).

Solub. máx. no Fe- Solub. máx. no Fe-


o
Elemento Raio atômico (A ) % at. (% peso) T (ºC) % at. (% peso) T (ºC)
H 0,46 1,5 x 10-3 905 5 x 10-3 1400
-4
O 0,60 10 906 - -
N 0,71 0,40 (0,10) 592 10,3 (2,80) 650
C 0,77 0,095 (0,02) 723 8,8 (2,06) 1148
B 0,97 0,02 915 - -

As solubilidades dependem da fase com a qual a solução sólida está em equilíbrio e variam
amplamente com a presença de outros solutos. Dos elementos intersticiais apresentados na Tabela
4, o Fe é capaz de dissolver comparativamente maiores quantidades de C e N do que os outros
elementos. A baixa solubilidade do O é devida à natureza eletronegativa desse elemento, que
resulta na formação de óxidos estáveis (ligações iônicas) no lugar de soluções sólidas (ligação
metálica). O boro apresenta uma situação específica, uma vez que seu raio atômico é pequeno
demais para facilitar a formação de soluções sólidas substitucionais, mas é demasiadamente
grande para formar soluções sólidas intersticiais. Resulta daí a sua baixa solubilidade no ferro.
Estes dados mostram que, para um dado elemento, a solubilidade é sempre maior no sistema CFC
do que no sistema CCC, o que está de acordo com os tamanhos relativos dos interstícios nas duas
estruturas (Rothery, 1974).

Na metalurgia ferrosa os elementos O, N e C são responsáveis pela formação das fases óxidas,
nitretos e carbonetos, as quais são extremamente importantes, pois normalmente estão presentes
nos aços, na forma de precipitados de partículas de segunda fase, endurecendo-os (através do
mecanismo de endurecimento por partículas de segunda fase), ou na forma de filmes ou camadas
de revestimentos, no sentido de otimizar suas propriedades superficiais. Deve-se ter em mente,
porém, que a estabilidade termodinâmica das fases cerâmicas é sempre maior para os óxidos,
depois para os nitretos e por último para os carbonetos, isto quando da comparação entre as fases
contendo o mesmo metal, lembrando que quanto maior a variação da Energia Livre de Gibbs (G)
na formação de uma fase cerâmica, maior é a sua estabilidade – a Energia Livre de Gibbs é aquela
grandeza de estado que sempre diminui (variação negativa), no sentido da reação espontânea, ou é
igual a zero, no equilíbrio (G = G2 – G1  0) -. A título de exemplo, a variação da energia livre de
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formação das fases TiO2, TiN e TiC é, respectivamente GTiO2 = - 205 kcal, GTiN = - 155 kcal e
GTiC = - 44 kcal, indicando que se o Ti for exposto a uma atmosfera que contém O, N2 e C,
ocorrerá preferencialmente a formação da fase óxida, por ser a de maior estabilidade, suprimindo
qualquer possibilidade de formação das demais fases. Isto explica o porque do cuidado extremo
que se toma quando do processamento de materiais no estado sólido, em relação ao problema da
oxidação, quando da prática de tratamentos térmicos e/ou processamento de materiais envolvendo
plasma. Pois, tomando-se por exemplo o caso da nitretação, onde a priori a atmosfera é nitretante-
redutora (normalmente apresentado mistura de gases N2 + H2), a presença indesejável de O2 na
mistura gasosa necessariamente resultaria primeiramente na oxidação da superfície e não na sua
nitretação, inviabilizando o sucesso do processo (daí serem estes processos realizados sob vácuo).

Voltando ao estudo das soluções, as soluções sólidas do Fe com os demais elementos são todas do
tipo substitucional, onde átomos do soluto ocupam o lugar de átomos de Fe, na estrutura cristalina,
conforme apresentado na Fig. 10. Valores elevados de solubilidade podem ser encontrados, como
no caso de ligas com metais de transição vizinhos do Fe na tabela periódica (é o caso do Ni, Co,
Mn, Cr e V), enquanto em outros casos a solubilidade pode ser restrita (Ti, Cu, P, S). As
solubilidades de um dado elemento são diferentes em cada uma das estruturas alotrópicas do Fe e
dependem do teor de cada um dos outros elementos presentes. A título de exemplo dos valores
envolvidos, a Tabela 5 mostra a solubilidade máxima de alguns elementos no Fe-, na temperatura
ambiente.

Tabela 5 – Solubilidade de alguns elementos de liga no Fe-, à temperatura ambiente (Rothery,


1974).

Elemento Solubilidade (% at.)


Cu 0,7
Mn 10,0
Mo 2,0
Nb 3,0
Ni 5,0
Si 10,0
Ti 1,8
V 30,0
W 7,0

Alguns dos elementos mostrados na Tabela 5 podem apresentar solubilidade sólida completa com
o ferro em determinadas faixas de temperatura. Isto ocorre, por exemplo, com o V no Fe-ou com
o Ni no Fe-. Na maior parte dos casos, porém, ocorre uma solubilidade parcial.
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1.3.1 – REGRAS DE SOLUBILIDADE DE HUMME ROTHERY

A solubilidade total entre dois componentes químicos ocorre quando os componentes são
totalmente miscíveis e solúveis um no outro para qualquer proporção. Formam-se assim os
chamados sistemas monofásicos ou isomorfos que apresentam para qualquer liga do sistema,
sempre uma mesma e única fase sólida.

A solubilidade total num sistema de liga binário (entre dois diferentes tipos de átomos A e B)
ocorrerá se forem respeitadas as seguintes condições (regras de Humme Rothery):

 Diferença entre os tamanhos dos átomos A e B for inferior a 15%;


 Os átomos A e B se cristalizarem em um mesmo tipo de reticulado cristalino;
 Valências e eletronegatividades similares para os diferentes átomos.

Qualquer destas condições não sendo verificadas, haverá a formação de uma segunda fase,
obtendo-se assim os chamados sistemas bifásicos (que apresentam mais de uma fase), ou sistemas
de solubilidade parcial. É o caso da maioria dos sistemas de ligas, dentre os quais se destaca o
sistema Fe-C que apresenta à temperatura ambiente as fases Fe- (ferrita) e Fe3C (cementita) para
as ligas contendo até 6,67 %C. Este sistema é extremamente importante por fundamentar todo o
estudo dos aços, conforme será visto à frente.

1.4 – SISTEMAS DE LIGAS BINÁRIOS Fe-X

Os sistemas de ligas dividem-se, assim, em três grandes grupos: a) sistemas de solubilidade total
(isomorfos ou monofásicos); b) sistemas de solubilidade parcial (sistemas bifásicos ou
complexos); e c) sistemas de solubilidade nula (sistemas bifásicos ou complexos). A formação de
uma segunda fase, para os dois últimos casos, está sempre associada a uma reação invariante (que
ocorre para uma composição química e temperaturas fixas), podendo dar origem aos chamados
sistemas eutéticos, eutetóides, peritéticos, entre outros.

Os sistemas de ligas são melhor representados pelos diagramas de equilíbrio ou diagramas de


tranformações de fases. O termo equilíbrio indica que as transformações, sejam no aquecimento ou
no resfriamento, ocorrem para variações de temperaturas na unidade de tempo (taxas ou gradientes
T/t, expressos em ºC/s) muito pequenas, permitindo que os átomos do material tenham tempo
suficiente para se difundirem e se arranjarem na fase de equilíbrio termodinâmico prevista para
cada temperatura em questão.

Define-se:

Fase: é uma porção de matéria com características próprias, sendo perfeitamente distinguível e
diferenciável uma das outras.
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 15
1/10/2016
1.4.1 – SISTEMAS ISOMORFOS OU MONOFÁSICOS

Nos sistemas de ligas isomorfos (Figura 11), formado por dois componentes puros (A e B),
sempre haverá uma mesma e única fase sólida (solução sólida por exemplo), para qualquer liga
do sistema. Nos diagramas de equilíbrio, o eixo das ordenadas é representado pelas temperaturas
(Tf A e Tf B são as temperaturas de fusão de A e B puros, respectivamente) e o eixo das abscissas é
representado pelas composições químicas de todas as ligas metálicas possíveis do sistema, as quais
variam desde 100% A e 0% B (componente puro A) até 0% A e 100% B (componente puro B). No
diagrama dado, a título de exemplo, a liga X, indicada, apresenta composição química de 20% A +
80% B, sendo que o percentual de B cresce no sentido indicado pela seta. O eixo das composições
pode ser representado em % atômico ou em % em massa (peso). Normalmente para os engenheiros
e metalurgistas a representação das composições em % em massa é mais interessante, pois na
fabricação de uma liga, é muito mais prático pesar tantas toneladas de A e de B, do que calcular a
quantidade de moles de A e de B a fim de se determinar a relação em percentual atômico. Esta
última forma de representação é mais usada pelos químicos e físicos.

liquidus
L


solidus Ti

Tii

isoterma




C C
%B

Figura 11 – Sistema de ligas isomorfo (diagrama de equilíbrio).

Os sistemas isomorfos apresentam a curva “liquidus” que define o início da solidificação de uma
determinada liga no resfriamento (ou seja, para temperaturas acima da temperatura “liquidus” só
existe fase líquida) e a curva “solidus” que indica o término da solidificação (ou seja, para
temperaturas abaixo da temperatura “solidus” só existe fase sólida). Na região compreendida entre
as curvas “liquidus” e “solidus” tem-se em equilíbrio as fases líquida e sólida. No caso da liga X, a
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 16
1/10/2016
solidificação ou fusão da mesma ocorre entre as temperaturas Ti e Tii , dependendo do sentido do
gradiente de temperatura.

O estudo e conhecimento dos diagramas de equilíbrio constituem-se numa poderosa ferramenta


para o engenheiro. Assim, o engenheiro deve saber extrair ao máximo todas as informações
possíveis do mesmo.

A análise completa para uma determinada liga (no caso, liga X), passa necessariamente por duas
etapas (pode-se tomar como um modelo / roteiro didático, a ser seguido sempre):

a) Análise do histórico térmico da liga:

No resfriamento lento, a partir do campo líquido (L), acima da temperatura Ti toda a liga
apresenta-se com uma única fase, no caso a fase Líquida (L). Exatamente na temperatura Ti
, inicia-se a solidificação da liga. Entre as temperaturas Ti e Tii passam a coexistir duas
fases, a sólida (e a líquida (L) - note-se no diagrama que o campo de fases, entre as duas
temperaturas indicadas é agora ( L +  ) -. Exatamente na temperatura Tii é concluída a
solidificação da liga. Abaixo da temperatura Tii , toda a liga apresenta apenas uma fase, a
fase sólida . Esta primeira etapa da análise é concluída fazendo-se a representação
esquemática da microestrutura para cada campo de fase distinto, pelo qual a liga passa com
a diminuição da temperatura (campo monofásico ‘L’, campo bifásico ‘L + ’ e campo
monofásico ‘’), conforme indicado na figura.

Uma aplicação prática direta desta análise responderia à seguinte pergunta:
Que eventos metalúrgicos ocorrem com uma peça da liga X quando colocada dentro de um
forno, na T > Ti , caso, após homogeneizada a temperatura, o forno fosse desligado e o
material resfriado dentro dele mantido fechado?

b) Análise ponto a ponto (definido para a liga em estudo a uma temperatura específica)
das Fases Presentes (FP), das Composições Químicas das Fases Presentes (CQFP) e
das Quantidades Relativas das Fases Presentes (QRFP):

A determinação de quais as FP é muito simples, bastando-se para isso identificar o ponto


de interesse no diagrama (a composição da liga em estudo x temperatura escolhida) e ler no
próprio diagrama em qual campo de fase o ponto escolhido se encontra.

Ex.1: liga X, na temperatura T > Ti (o ponto de estudo cai no campo monofásico


‘L’)  Resposta: “fase liquida L”;

Ex.2: liga X, na temperatura da isoterma indicada Tii < T < Ti (o ponto de estudo cai
no campo bifásico ‘L + ’)  Resposta: “fase liquida L e fase sólida ”;

Ex.3: liga X, na temperatura T < Tii (o ponto de estudo cai no campo monofásico
‘’)  Resposta: “fase sólida ”.
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 17
1/10/2016
A determinação da CQFP depende do campo de fase em que se encontra o ponto de estudo:
a) quando o ponto cai em um campo monofásico, a composição química da fase presente
é igual à composição química da própria liga;
b) Quando o ponto cai em um campo bifásico (é o caso do ponto indicado no diagrama,
formado pela interseção da composição da liga X e a temperatura indicada pela
isoterma) adota-se o seguinte procedimento: i) traça-se uma isoterma no ponto de
estudo, chamada “tie line”; ii) a interseção da isoterma com as fronteiras que limitam o
campo bifásico (de um lado com a curva “solidus”, de outro com a curva “liquidus”)
definem dois novos pontos, os quais apresentam respectivamente as composições C1 e
C2, indicadas no diagrama; iii) a composição C1 do ponto formado pela interseção da
isoterma com a curva “solidus” corresponde à CQFP sólida ‘’, assim como, a
composição C2 do ponto formado pela interseção da isoterma com a curva “liquidus”
corresponde à CQFP líquida ‘L’, na temperatura de estudo (a indicada pela isoterma).

Ex.1: liga X, na temperatura T > Ti (o ponto de estudo cai no campo monofásico


‘L’)  Resposta: “CQ da fase L é a composição da própria liga (20% A + 80%
B)”;

Ex.2: liga X, na temperatura da isoterma indicada Tii < T < Ti (o ponto de estudo cai
no campo bifásico ‘L + ’)  Resposta: “CQ da fase  é C1 (30% A + 70% B) e a
CQ da fase L é C2 (14% A + 86% B);

Ex.3: liga X, na temperatura T < Tii (o ponto de estudo cai no campo monofásico
‘’)  Resposta: “CQ da fase  é a composição da própria liga (20% A + 80%
B)”.

A determinação da QRFP é também depende do campo de fase em que se encontra o ponto


de estudo:
a) quando o ponto cai em um campo monofásico, uma única fase está presente, e,
portanto, a quantidade relativa da fase única é 100%;
b) Quando o ponto cai em um campo bifásico (é o caso do ponto indicado no diagrama,
formado pela interseção da composição da liga X e a temperatura indicada pela
isoterma) recorre-se à regra da alavanca, cujo procedimento é o seguinte:

i) monta-se uma alavanca posicionando-se os pesos nas extremidades da


alavanca (cujos valores correspondem à composição química de cada uma das
fases do campo bifásico) e o apoio da alavanca (cujo valor corresponde à
composição química da liga), conforme apresentado abaixo:
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 18
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ii) calcula-se a QR de uma determinada fase, usando-se a relação entre o braço
oposto da alavanca em relação à fase desejada, dividido pela alavanca total.
Ex.:
QR fase  =  b  / ( a + b ) x 100
QR fase  = (20 – 14) / (30 –14) x 100
QR fase  = 37,5%

iii) a QR da outra fase será:

QR fase L = 100 - QR fase  (expresso em %).

Ex.1: liga X, na temperatura T > Ti (o ponto de estudo cai no campo monofásico


‘L’)  Resposta: “QR da fase L é 100%”;

Ex.2: liga X, na temperatura da isoterma indicada Tii < T < Ti (o ponto de estudo cai
no campo bifásico ‘L + ’)  Resposta: “QR da fase  é 37,5% e a QR da fase L é
62,5% (de acordo com os resultados da regra da alavanca apresentada acima);

Ex.3: liga X, na temperatura T < Tii (o ponto de estudo cai no campo monofásico
‘’)  Resposta: “QR da fase  é 100%”.

É importante ressaltar que o valor da QRFP (expresso em %) representa um valor de


percentual em área. Este fato é extremamente relevante, na prática, pois possibilita
comparar os resultados dos cálculos teóricos, com os resultados da análise de imagem das
micrografias obtidas, quando da realização da metalografia quantitativa do material em
estudo.

A título de exemplo, nas Figuras 12 e 14 são apresentados, respectivamente, os diagramas de


equilíbrio Fe-Cr e Fe-Ni, ambos representativos de sistemas isomorfos de ligas binários típicos.

No diagrama de equilíbrio Fe-Cr (Figura 12) merece destaque a fase , a qual é CCC e apresenta
solubilidade total entre os dois componentes, ou seja, os átomos de Cr podem substituir os átomos
de Fe para quaisquer proporções, e vice-versa, mantendo-se a fase  estável, para determinadas
temperaturas. Já a máxima solubilidade do Cr na fase , CFC, rica em Fe, é de 11,2% Cr, em peso.
Quanto à fase sigma (, evidenciada para teores elevados de Cr, da ordem de 45% Cr, em peso,
esta é uma fase que se enquadra, tipicamente, no grupo das soluções sólidas ordenadas (Figura 13),
apresentando elevada dureza e fragilidade, conferindo, assim, uma baixa tenacidade ao material
quando nele presente. A possibilidade de formação desta fase ( é facilitada quando do uso de
técnicas de soldagem de aços inoxidáveis com elevados teores de Cr, principalmente quando
ocorre resfriamento lento do material soldado próximo à temperaturas de 850 ºC. Deve-se
enfatizar, que o Cr é responsável por conferir, aos aços, a característica de inoxidabilidade, isso
quando presente para teores superiores a 13%, em peso, na forma de solução sólida com o Fe. Por
fim, fica fácil entender o porque do Cr ser o principal elemento alfagêneo (estabilizador da fase ,
CCC) nos aços, devido a sua total solubilidade com o Fe, junto a esta fase.
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 19
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Figura 12 – Diagrama de Equilíbrio Fe-Cr (ASM Handbook, H. Okamoto, 1990).

Uma aplicação prática deste diagrama, pode ser facilmente vislumbrada no estudo da deposição de
um filme de Cr (puro) sob um substrato de Fe também puro, por uma técnica qualquer, por
exemplo CVD (“chemical vapor deposition”). Suponha que após a deposição, deseje-se realizar
um tratamento térmico a alta temperatura, que possibilite a difusão de átomos de Cr para dentro do
reticulado do Fe. Ficaria em aberto, para se responder, a seguinte pergunta:

Ex. 4 - Qual a faixa de temperatura mais adequada para se realizar este tratamento?
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 20
1/10/2016
A resposta para este questionamento permite a realização de uma análise
mais aprofundada, resgatando alguns conceitos até aqui vistos. A primeira
observação a ser feita diz respeito à atmosfera na qual o tratamento pode ser
realizado. Devido à elevada afinidade do Cr pelo oxigênio (tal qual ocorre
com o Ti - ver pg. 12 -, o Cr também forma um óxido muito estável), o
tratamento teria que ser realizado em atmosfera redutora e/ou em fornos de
alto vácuo. Por outro lado, da análise do diagrama Fe-Cr (Figura 12), duas
faixas de temperaturas se destacam, tomando-se por base o lado do
diagrama cujas ligas são ricas em Fe: a) a faixa entre 912 ºC e 1394 ºC, de
domínio da fase  (CFC); e b) a faixa entre 1394 ºC e 1538 ºC, sob domínio
do campo  (CCC). Lembrando-se de que a difusividade de um
determinado metal é normalmente maior na fase CCC, do que na fase CFC
do Fe (ver Tabela 1), e associando-se ao fato de que a difusividade cresce
exponencialmente com a temperatura (ver Equação 1), uma temperatura da
segunda faixa, sob o ponto de vista metalúrgico, seria teoricamente a mais
indicada. Assim sendo, a escolha de uma temperatura da primeira faixa,
incorreria no fato de que no início do tratamento, na temperatura
especificada, os átomos de Cr, situados na frente de difusão junto da
interface entre o filme de Cr e o substrato de Fe, se difundiriam na fase 
(CFC), rica em Fe, de forma mais lenta. Este fato continuaria a ocorrer até o
momento em que a solução sólida de Fe-Cr, junto à frente de difusão,
superasse o valor de 13,4%, quando, então, a fase  (CCC), rica em Fe,
passaria a ser a fase termodinamicamente estável, possibilitando um
incremento na difusividade dos metais em questão.

Átomos de Cr

Átomos de Fe

(a) (b)

Figura 13 – Representação esquemática de uma solução sólida: a) ordenada; e b) normal.

No diagrama de equilíbrio Fe-Ni (Figura 14) merece destaque, por sua vez, a fase , a qual é CFC
e apresenta solubilidade total entre os dois componentes, ou seja, os átomos de Ni podem
substituir os átomos de Fe para quaisquer proporções, e vice-versa, mantendo-se a fase  estável,
para uma ampla faixa de temperaturas, a qual vai de 912 até 1394 ºC. Por sua vez, a máxima
solubilidade do Ni na fase , CCC, rica em Fe, é de 5,8% Ni, em peso, ocorrendo para uma
temperatura da ordem de 480 ºC.
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 21
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Figura 14 – Diagrama de Equilíbrio Fe-Ni (ASM Handbook, L.J. Swartzendruber, V.P. Itkin, and
C.B. Alcock, 1992).

Na Figura 15 é apresentado mais um exemplo de um sistema isomorfo de ligas binário,


representado pelo diagrama de equilíbrio Fe-Mn. De modo similar ao verificado para o sistema Fe-
Ni, a fase  deste sistema, CFC, apresenta total solubilidade entre os átomos de Fe e de Mn,
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 22
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Figura 15 – Diagrama de Equilíbrio Fe-Mn (ASM Handbook, H. Okamoto, 1992).

para uma determinada faixa de temperaturas. Da análise dos diagramas Fe-Ni e Fe-Mn, fica fácil
entender o porque de ambos os elementos, Ni e Mn, serem os principais elementos gamagêneos
(estabilizadores da fase , CFC) nos aços, o que é explicado pelas suas totais solubilidades com o
Fe, junto a esta fase.
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 23
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1.4.2- SISTEMAS EUTÉTICOS

Os sistemas eutéticos podem ser divididos em sistemas de solubilidade nula ou de solubilidade


parcial. Estes sistemas apresentam a reação eutética, a qual ocorre para uma temperatura e uma
composição química fixa, onde um líquido, no resfriamento, se transforma em duas fases sólidas
distintas. Esta reação é normalmente representada da seguinte forma:

a) L  A puro + B puro (para sistemas de ligas de solubilidade nula)


b) L  solução sólida solução sólida  (para sistemas de ligas de solubilidade parcial)

A figura 16 apresenta dois sistemas de ligas eutéticos, um de solubilidade nula (Fig. 16a) e outro
de solubilidade parcial (Fig. 16b).

O sistema de solubilidade nula caracteriza-se por não admitir nenhum átomo do componente A em
solução no reticulado cristalino de B, o mesmo ocorrendo para o componente B em relação ao
componente A (Figura 16a). Para qualquer liga do sistema, após solidificação, sua microestrutura
apresentará um conjunto de cristais (grãos), cujas fases presentes A e B apresentarão composições
químicas de 100% A (A puro) e de 100% B (B puro), respectivamente. Todas as ligas deste
sistema apresentam transformação eutética (note-se que a isoterma eutética atravessa todo o
diagrama, o que não ocorre com o diagrama de solubilidade parcial), podendo ser classificadas em:
a) ligas hipoeutéticas (as situadas à esquerda do ponto eutético); b) a liga eutética; e c) ligas
hipereutéticas (situadas à direita do ponto eutético).

Figura 16 - Sistemas de liga eutético: a) de solubilidade nula; e b) de solubilidade parcial.


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 24
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A liga eutética, que leva este nome por apresentar a composição química do ponto eutético, é
sempre a liga de menor temperatura de fusão ou solidificação do sistema. Note-se que ela se
comporta como um metal puro, pois sua solidificação ou fusão ocorre para uma temperatura fixa, e
não para uma faixa de temperaturas, conforme se esperaria para uma liga. O líquido do ponto
eutético solidifica-se formando o constituinte eutético, que é uma mistura das fases A + B (Fig.
16a) ou  +  (Fig. 16b). O constituinte eutético pode se encontrar sob a forma lamelar (forma
mais comum), podendo ainda ser do tipo globular ou acicular. Na Figura 17 tem-se a
representação esquemática da microestrutura lamelar típica de um constituinte eutético, o qual
apresenta lamelas alternadas das fases sólidas A e B puros (Fig. 16a) ou das soluções (fases)  e 
(Fig. 16b).

Fase sólida A
(ou )

Fase sólida B
(ou )

Figura 17 - Representação esquemática da microestrutura lamelar típica de um constituinte


eutético (A + B, sistema de solubilidade nula; , sistema de solubilidade parcial).

Por sua vez, nos sistemas de solubilidade parcial (Figura 16b), os componentes que formam o
sistema de ligas admitem, mesmo que em pequenas quantidades, átomos de um elemento no outro,
em seus reticulados cristalinos, formando os campos monofásicos de solubilidade parcial,  e ,
respectivamente. Neste sistema a composição C1 corresponde ao valor da máxima solubilidade do
componente B no reticulado de A, assim como a composição C2 corresponde ao valor da máxima
solubilidade do componente A no reticulado de B, ambas as máximas solubilidades ocorrendo para
a temperatura eutética.

Nas Figuras 18, 19 e 20 são apresentados, respectivamente, os diagramas de equilíbrio Fe-P, Fe-S
e Fe-Nb, exemplos típicos de sistemas eutéticos de solubilidade parcial.

Os sistemas Fe-P e Fe-S (Figuras 18 e 19) são extremamente importantes na metalurgia, pois
ambos os elementos, o fósforo e o enxôfre, estão sempre presentes nos aços, mesmo que em
pequenos teores. A presença destes elementos provêm da matéria-prima, carvão coque, usado na
produção do ferro-gusa de primeira fusão, que por sua vez é usado na fabricação do aço. Como
visto, sistemas eutéticos tendem a apresentar as ligas de mais baixo ponto de fusão do sistema.
Ocorre que estes dois elementos, em particular, são responsáveis por formar, com o Fe, pontos
eutéticos com temperaturas de fusão muito baixas. O ponto eutético do sistema Fe-P ocorre para a
composição de 10,2% P, em peso, na temperatura de 1048 ºC. Por sua vez, o ponto eutético do
sistema Fe-S ocorre para a composição de 31,6% S, em peso, na temperatura de 988 ºC. A título
de comparação, é interessante lembrar que o Fe puro possui ponto de fusão de 1538 ºC. A grande
diferença de temperatura de fusão evidenciada entre as ligas eutéticas desses sistemas em relação
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 25
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Figura 18 - Diagrama de equilíbrio Fe-P (ASM Handbook, H. Okamoto, 1992).

ao Fe puro, a qual é de 490 ºC, para o eutético do sistema Fe-P e de 550 ºC, para o eutético do
sistema Fe-S, explica o porque destes dois elementos serem considerados os principais
fragilizantes a quente nos aços.
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 26
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Figura 19 - Diagrama de equilíbrio Fe-S (ASM Handbook, From [Kubaschewski] 9).

Na Figura 20 é apresentado do sistema de ligas binário Fe-Nb. Merece destaque a presença de uma
fase intermetálica (fase intermediária) -Fe2Nb ocorrendo entre 38 e 51% Nb, em peso, sendo que
a fase apresentando 46% Nb, comporta-se como metal puro apresentando ponto de fusão de 1627
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 27
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Figura 20 - Diagrama de equilíbrio Fe-Nb (ASM Handbook, E. Paul and L.J. Swartzendruber,
1992).

ºC. Note-se que entre o Fe puro e esta fase existe uma reação eutética ocorrendo para a
composição de 18,6% Nb, em peso, na temperatura de 1373 ºC. Outras duas reações eutéticas
podem ser observadas neste sistema, para composições aproximadas de 56% e 75% Nb em peso,
nas temperaturas de 1535 e 1400 ºC.
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 28
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1.4.3 - SISTEMAS COMPLEXOS

Sistemas complexos são sistemas que apresentam mais de um tipo de reação invariante (reações
que ocorrem para uma composição química e uma temperatura fixas). Além da reação eutética,
merecem destaque, ainda, as seguintes reações invariantes: a) peritética; b) eutetóide; e c)
peritetóide.

Define-se:

Reação peritética: reação em que uma fase líquida e outra sólida se transformam, no resfriamento,
em uma outra fase sólida distinta. Esta reação é normalmente representada pela seguinte forma:
L ;

Reação eutetóide: reação em que uma fase sólida se transforma, no resfriamento, em duas outras
fases sólidas distintas. Esta reação é normalmente representada pela seguinte forma: ;

Reação peritetóide: reação em que duas fases sólidas se transformam, no resfriamento, em uma
outra fase sólida distinta. Esta reação é normalmente representada pela seguinte forma:
;

Nas Figuras 21, 22 e 23, são apresentados três diferentes exemplos de sistemas complexos,
respectivamente, os diagramas de equilíbrio Fe-C, Fe-N e Fe-O. Todos estes diagramas são
representativos de sistemas binários formados por elementos intersticiais e o Fe. Estes sistemas são
especialmente importantes no setor metal-mecânico, pois, o sistema Fe-C, é a base do estudo dos
aços e dos ferros fundidos; o sistema Fe-N, fundamenta o estudo dos tratamentos de nitretação em
ligas ferrosas; e o sistema Fe-O, fornece uma noção importante dos diferentes tipos de óxidos de
ferro que podem ser formados em atmosferas e meios oxidantes.

Define-se:

Aço: na sua definição mais simples (baseada do diagrama Fe-C, Figura 21), é uma liga de ferro
cujo teor de carbono que pode variar desde traços até 2,14% C, em peso. Note-se que esta variação
coincide integralmente com a faixa de composições químicas na qual, o campo da fase (CFC),
ocorre no diagrama.

O sistema Fe-C pode ser representado de duas formas (Figura 21): a) diagrama de fases estável
Ferro-Grafita (utilizando-se apenas das linhas contínuas), no qual o eixo das composições varia de
100% Fe até 100% C, em peso; e b) o diagrama de fases metaestável Ferro-Cementita (utilizando-
se das linhas tracejadas), no qual o eixo das composições varia de 100% Fe até 6,7% C, em peso.
No setor metal-mecânico, o diagrama metaestável é o mais utilizado, pois a grafita pura que é a
fase estável do C neste sistema apresenta pouco interesse para o engenheiro. Exatamente o
contrário ocorre em relação à cementita, pois, apesar de ser a fase metaestável na qual o carbono
se apresenta neste sistema, a cementita apresenta grande importância nos estudos dos aços. O
diagrama metaestável indica que as ligas deste sistema sempre apresentarão duas fases à
temperatura ambiente: a fase (CCC), chamada de Ferrita, e a fase carboneto de ferro, Fe3C (ou
Cementita).
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 29
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Figura 21 – Diagrama de equilíbrio Fe-C (ASM Handbook, H. Okamoto, 1992).

Define-se:

Ferrita ou Fe-: solução sólida de carbono no ferro, apresentando estrutura cúbica de corpo
centrado, contendo traços de carbono, ou seja, a solubilidade do carbono na ferrita é praticamente
nula a temperatura ambiente, atingindo o valor máximo de 0,021% C a temperatura de 727C.
Apresenta estrutura de grãos poligonais irregulares, é uma fase de baixa dureza (HB 90, “Hardness
Brinell”), de baixo limite de resistência a tração (350 MPa), apresentando porém excelente
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 30
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resistência ao choque em função de sua elevada ductilidade ( = 40 a 44%, alongamento em 2”) e


é magnética (Figura 22).

Figura 22 – Aspecto dos cristais de Ferrita (Fe-, CCC), em Ferro com pureza de 99,99%
(Tratamento: recozimento a 800 ºC durante 2 horas em hidrogênio, laminado). Ataque
químico: Nital 3%. Aumento: 250x. (Metallographic supplies – P.F. Dujardin & CO.
Düsseldorf, 1958).

Cementita ou Fe3C: é o nome dado ao carboneto de ferro. A cementita é um composto


intermetálico, de estrutura cristalina ortorrômbica, com relação estequiométrica definida, Fe3C, a
qual apresenta a composição química fixa de 6,67% C (+ 93, 33% Fe). Esta fase é muito dura (HB
650), sendo portanto muito quebradiça. Apresenta baixa resistência à tração (aproximadamente 30
MPa) e ductilidade nula (Figura 23). É, portanto, a fase responsável pelas elevadas dureza e
resistência nos aços de alto-carbono, quando obtidos para condições de resfriamento próximas do
equilíbrio.

A comparação dos tamanhos dos campos (CCC), (CFC), e (CCC), junto às ligas deste sistema
(Figura 21), ilustra a ação do carbono como elemento gamagêneo e, portanto, estabilizador da fase
(CFC), chamada de Austenita. Pode-se observar ainda, neste sistema, três reações invariantes
distintas, a saber:

 Reação peritética (ponto peritético ocorre para 0,16% C a 1493 ºC): L +   ;


 Reação eutética (ponto eutético ocorre para 4,3% C a 1147 ºC): L   + Fe3C
 Reação eutetóide (ponto eutetóide ocorre para 0,76% C a 727 ºC):    + Fe3C
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 31
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Figura 23 – Aspecto de cristais de Cementita (Fe3C), do tipo granular, obtidos da


esferoidização da perlita em aço alto-carbono com composição química, em peso, de:
1,34% C - 0,13% Si - 0,11% Mn - 0,024% S - 0,022% P (Tratamento: recozimento de
esferoidização). Ataque químico: Nital 2%. Aumento: 500x. (Metallographic supplies –
P.F. Dujardin & CO. Düsseldorf, 1958).

Define-se:

Austenita ou Fe-: solução sólida de carbono no ferro, apresentando estrutura CFC, a qual admite
elevados teores de carbono em solução, apresentando ainda um limite de solubilidade máximo em
torno de 2,14% C à temperatura de 1147C (Figuras 24 e 25). Nos aços-carbonos comuns esta fase
só é estável acima de 727C. Caracteriza-se por grãos poligonais irregulares. Possui boa
resistência mecânica, apreciável tenacidade e é não-magnética.

A reação peritética é importante no estudo do processamento de materiais que envolvem altas


temperaturas, tais como soldagem e conformação a quente (em especial no lingotamento
contínuo). A reação eutética é fundamental na fabricação dos ferros fundidos (ligas ferrosas cujos
teores de carbono variam de 2,10 a 6,67% C, segundo este diagrama), por apresentar as ligas de
mais baixo ponto de fusão de todo o sistema. Por fim, a reação eutetóide, cuja extrema relevância
baseia-se no fato de ser devido à sua presença, neste sistema, que a transformação martensítica
(transformação de fase fora do equilíbrio termodinâmico e, consequentemente, não prevista neste
diagrama), pode ser levada à termo, quando da realização do tratamento térmico de têmpera dos
aços.
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 32
1/10/2016

Figura 24 – Aspecto de cristais de Austenita (Fe-, CFC), do tipo poliédricos, em aço ao


níquel, laminado, com uma composição química, em peso, de: 0,63% C - 0,38% Si - 0,94%
Mn - 0,04% S - 0,032% P - 24,56% Ni. Ataque eletrolítico (equipamento: Disa-
Electropolisher; lixamento: papel 2/0; máscara:  11 mm; polimento: 20 seg. - 2,2 A - 45
V; ataque: 3 seg. - 0,5 A; eletrólito: A 2 after knuth winterfeldt). Aumento: 250x.
(Metallographic supplies – P.F. Dujardin & CO. Düsseldorf, 1958).

Figura 25 – Aspecto de cristais de Austenita (Fe-, CFC), do tipo poliédricos e gêmeos


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 33
1/10/2016

“twinned-crystals”, em aço inoxidável ao cromo-níquel, laminado, com uma composição


química, em peso, de: 0,15% C - 0,35% Si - 0,27% Mn - 0,004% S - 0,019% P - 8,95% Ni
- 19.09% Cr (Tratamento: têmpera em água de 1200 ºC). Ataque químico: água régia.
Aumento: 250x. (Metallographic supplies – P.F. Dujardin & CO. Düsseldorf, 1958).

Note-se que não é por acaso que as Figuras 24 e 25, representando cristais de austenita, foram
obtidas a partir de aços de alta liga (ambos contendo elevados teores de Ni), pois conforme o
diagrama Fe-C (Figura 21), a austenita neste sistema binário só é estável acima de 727 ºC. Para
obter uma imagem da fase austenita deste sistema, seria necessário o recurso de microscopia de
câmara quente. Na Figura 24, em particular, está ilustrado também de forma indireta, o efeito dos
elementos C, Ni e Mn (elementos de liga gamagêneos) sobre o sistema Fe-C, resultando na
ampliação do campo  (CFC) para a temperatura ambiente (ver diagramas de equilíbrio Fe-Ni e
Fe-Mn, nas Figuras 14 e 15, respectivamente).

Uma última particularidade do sistema Fe-C, recai no produto obtido da transformação eutetóide
(   + Fe3C). Este produto, chamado de Perlita, consiste em um constituinte microscópico
lamelar, bifásico, formado por lamelas alternadas das fases (CCC) + Fe3C (Figura 26). Apresenta
elevada resistência a tração (aproximadamente 830 MPa), uma boa dureza (de HB 250 a 300) e
boa ductibilidade (= 10%, alongamento em 2”). Apenas a título de curiosidade, o produto obtido
da transformação eutética (L   + Fe3C) é chamado de Ledeburita, sendo também bifásico,
ocorrendo, porém, apenas nos ferros fundidos. Por fim, a aplicação do diagrama Fe-C no estudo
dos aços será abordada de forma mais aprofundada, à frente.

Cementita

Figura 26 – Aspecto de perlita lamelar grosseira (pode-se observar também entre as


colônias de perlita uma rede interligada e agulhas de cementita), em aço alto-carbono com
composição química, em peso, de: 1,34% C - 0,13% Si - 0,11% Mn - 0,024% S - 0,022% P
(Tratamento: superaquecimento a 1050 ºC). Ataque químico: Nital 2%. Aumento: 500x.
(Metallographic supplies – P.F. Dujardin & CO. Düsseldorf, 1958)
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 34
1/10/2016

Na Figura 27 é apresentado o diagrama de equilíbrio Fe-N. Este sistema é muito parecido com o
sistema Fe-C, no que se refere às fases (CCC) e (CFC) do Fe. Apresenta, basicamente, as
seguintes características:

 a austenita de nitrogênio, fase (CFC), é estável acima de 592 ºC;


 existe uma reação eutetóide para a composição química de 2,35% N, em peso, e para a
temperatura de 592ºC:    + Fe4N ;
 tal qual no sistema Fe-C, para resfriamentos suficientemente rápidos, a austenita de nitrogênio
pode sofrer transformação martensítica (transformação de fase fora do equilíbrio
termodinâmico e, consequentemente, não prevista neste diagrama);
 igualmente ao verificado para o sistema Fe-C, os elementos de liga também exercem influência
sobre os campos  (CCC) e  (CFC), podendo ampliá-los ou restringi-los, de acordo se são
alfagêneos ou gamagêneos, respectivamente;

No caso específico de aços para nitretação (com adições de Cr, Mo, Al, Ti, V, W) a transformação
 (CCC)   (CFC), e portanto a temperatura de transformação eutetóide do sistema Fe-N, pode
ser superior à 630 ºC, o que está de acordo com a influência dos elementos de liga na temperatura
da reação eutetóide, de modo idêntico ao verificado para o sistema Fe-C, conforme será visto à
frente.

Com relação às fases nitretos, todos os nitretos de ferro são meta-estáveis, sendo de interesse no
setor metal-mecânico apenas as fases Fe2-3N) e ’(Fe4N). Os diferentes nitretos de ferro
possíveis no sistema Fe-N são:

  (Fe2N): estável até 420 ºC a 1 atm, evolui termicamente para a fase Fe2-3N) liberando N.
Indesejável em aplicações mecânicas devido a sua alta fragilidade, baixa aderência e baixa
estabilidade térmica;
 ” (Fe16N2): esta fase é obtida a partir do revenimento da martensita entre 200 e 250 ºC.
Apresenta uma estrutura de super-reticulado ordenado, evoluindo quando aquecida para a fase
’(Fe4N). Esta fase tem sido o alvo de estudos recentes na busca de novos materiais,
principalmente pelas suas propriedades magnéticas;
 ’(Fe4N): apresenta estrutura cristalina CFC, possui uma faixa de estequiometria variando
entre 5,30 e 5,75% N, em peso. É a fase mais estável do sistema Fe-N, apresentando
estabilidade térmica até 650 ºC. Esta fase apresenta uma menor dureza e maior ductilidade na
interface entre a camada branca e a matriz, comparativamente à fase Fe2-3N) apresentando
melhores características mecânicas;
 Fe2-3N): apresenta estrutura cristalina HC, possui uma larga faixa estequiométrica, variando
entre 5,75 e 11% N, em peso. É estável termicamente até 580 ºC, evoluindo para a fase
’(Fe4N), à temperaturas superiores. Por ser mais dura, é também mais frágil que a fase
’(Fe4N).

Na Figura 28 é apresentado o diagrama de equilíbrio Fe-O. Uma particularidade deste sistema é


que, no estado líquido, ocorre a formação de dois líquidos imiscíveis L1 e L2. No estado sólido,
pode-se observar que a solubilidade do O no reticulado do Fe é praticamente nula (compare a Fig.
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 35
1/10/2016

16a com a Fig. 28). Conforme visto no item 1.3, a baixa solubilidade do oxigênio é devida à sua
natureza eletronegativa, a qual resulta preferencialmente na formação de óxidos estáveis,

Figura 27 – Diagrama de equilíbrio Fe-N (ASM Handbook, H.A. Wriedt, N.A. Gokcen, and R.H.
Nafziger, 1992).
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 36
1/10/2016

apresentando ligações iônicas, no lugar de soluções sólidas, as quais apresentam ligação metálica.

Figura 28 – Diagrama de equilíbrio Fe-O (ASM Handbook, H.A. Wriedt, 1992).


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 37
1/10/2016

Merece destaque, neste sistema, a fase Fe3O4, a qual é a principal fase responsável pela proteção
de superfícies ferrosas, quando do uso do tratamento superficial de ferroxidação.

É importante, neste ponto, conhecer de forma bem clara o papel do tipo de ligação interatômica
nas características e nas propriedades dos diferentes tipos de materiais, bem como nas suas
respectivas fases.

A título de revisão, existem três tipos de ligações interatômicas principais: a metálica, a


iônica e a covalente. Independente do tipo de ligação, os átomos procurarão se ligar de
forma a atingir uma configuração eletrônica estável, a qual é obtida quando suas camadas
de valência adquirem 8 elétrons (apenas os gases perfeitos possuem configuração
eletrônica estável, não precisando se ligar a nenhum outro átomo para atingir esta condição,
são eles: He, Ar, Ne, Xe, Kr, Ra,...).

Ligação metálica: como sabido, os átomos metálicos apresentam 1, 2 ou, no máximo, 3


elétrons de valência. Com esta configuração, em um material sólido, estes elétrons não se
ligam a nenhum átomo, em particular, sendo livres para derivar ao longo de todo o metal (é
o que se chama de mar ou nuvem de elétrons). Ocorre em todos os metais e ligas e,
portanto, em suas respectivas fases. Devido aos elétrons de valência livres, são bons
condutores elétricos e térmicos. Normalmente os metais puros apresentam baixa dureza,
alta ductilidade e, portanto, alta conformabilidade. Podem, ainda, apresentar energias de
ligação tanto fortes (é o caso do Tungstênio, cuja temperatura de fusão é de 3410 ºC), como
fracas (sendo o caso do Mercúrio, cuja temperatura de fusão é de - 39 ºC);

Ligação iônica: são encontradas em compostos constituídos por elementos metálicos e não-
metálicos (átomos situados nas extremidades horizontais da tabela periódica). Na ligação
iônica ambos os elementos passam a existir como íons. Os materiais iônicos apresentam
configuração eletrônica estável, decorrente da ligação, sendo que a magnitude da ligação é
igual em todas as direções ao redor do íon (ligações ditas não-direcionais). Ocorre,
predominantemente, nos materiais cerâmicos. Os materiais iônicos são caracteristicamente
duros, frágeis, isolantes térmicos e elétricos, apresentando elevadas temperaturas de fusão,
características estas que são típicas dos materiais cerâmicos (sendo o caso das fases óxidas,
nitretos e carbonetos, normalmente presente no aços).

Ligação covalente: neste caso, a configuração eletrônica estável dos elementos que
constituem o material é obtida através do compartilhamento de elétrons entre os átomos
adjacentes. O número (N) de ligações covalentes possíveis para um determinado átomo é
dado pela fórmula N = 8 - N’, onde N’ representa o número de elétrons de valência. A
ligação covalente é do tipo direcional, o que significa que só ocorre entre os átomos
específicos da ligação e na direção de compartilhamento de elétrons. Ocorre em materiais
sólidos como diamante (carbono), silício e em compostos constituídos por elementos do
lado direito da tabela periódica, sendo o caso do SiC. A ligação covalente pode ser
extremamente forte, como no diamante (funde acima de 3550 ºC e é muito duro) ou muito
fraca, sendo o caso do bismuto (funde a 270 ºC).
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 38
1/10/2016

A maioria dos compostos (ou suas fases) é parcialmente iônica e covalente (poucos
materiais apresentam ligações puramente iônicas ou covalentes). Quanto mais distanciados
na tabela periódica (maior diferença em eletronegatividade) maior é o grau em ligação
iônica. Por outro lado, quanto mais próximos na tabela, maior é o grau de covalência.

Finalizando este capítulo, cabe enfatizar, como não poderia ser diferente, que em todos os sistemas
binários vistos, verifica-se junto ao eixo do Fe, sempre a presença dos três campos monofásicos,
representativos de suas três fases alotrópicas, no estado sólido, que são os campos (CCC)
(CFC) e  (CCC), sendo que este último estende-se até a temperatura de fusão do Fe, que é de
1538 ºC, conforme visto.
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 39
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2 – AÇOS
2.1 – OS AÇOS SEGUNDO O DIAGRAMA DE EQUILÍBRIO Fe-C

Conforme visto no capítulo anterior, o sistema Fe-C fundamenta todo o estudo dos aços e dos
ferros fundidos. Aproveitando o diagrama de fases, na Figura 29 é apresentada a classificação dos
aços e dos ferros fundidos em função da reação invariante eutetóide e eutética, respectivamente.

Aço Ferro fundido


eutetóide Eutético

Aços
Hipoeu- Aços Ferros Fundidos Ferros fundidos
tetóides Hipereutetóides Hipoeutéticos Hipereutéticos

Figura 29 – Classificação dos aços e ferros fundidos segundo o diagrama Fe-C (adaptado Metals
Hnadbook, H. Okamoto, 1992).

Centrando a atenção exclusivamente para o caso dos aços, segundo a reação eutetóide, os aços
normalmente são classificados em quatro categorias (Figura 29):
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 40
1/10/2016

 Aços que não apresentam transformação eutetóide: ligas apresentando teores de carbono
variando entre traços até 0,021% C, em peso;
 Aços hipoeutetóides: ligas apresentando teores de carbono variando entre 0,02 e 0,76% C, em
peso;
 Aço eutetóide: a liga que apresenta 0,76% C, em peso, ou seja, exatamente a composição
química do ponto eutetóide; e
 Aços hipereutetóides: ligas apresentando teores de carbono variando entre 0,76% e 2,14% C,
em peso;

O diagrama de equilíbrio de fases Fe-C, conforme apresentado na Figura 21, é consideravelmente


limitado quando se deseja distinguir, para cada um dos tipos de aços, acima apresentados, suas
microestruturas típicas, pois todas as ligas deste sistema, apresentam na temperatura ambiente e
para condições de resfriamento dentro do equilíbrio, sempre as mesmas duas fases, ou seja, as
fases  (CCC) e Fe3C. Além disso, essas duas fases estão sempre presentes na forma de
constituintes, os quais são diretamente responsáveis pelas características da microestrutura do
material. Existem três tipos de constituintes para os diferentes tipos de aços, considerando-se a
obtenção dos mesmos para condições de resfriamento similares às do diagrama em estudo, a saber:

 Cristais ou grãos de Ferrita (constituinte monofásico - Fig.22);


 Cristais ou precipitados de Cementita (constituinte monofásico - Fig.23); e
 Colônias de Perlita (constituinte bifásico, lamelar, conforme já visto - Fig. 26).

Assim sendo, na prática, o diagrama focado nos constituintes, torna-se mais interessante. O
diagrama de constituintes do sistema Fe-C é apresentado na Figura 30, sendo dada ênfase para a
faixa de composições que apresenta interesse direto para o estudo dos aços, ou seja, de 100% até
97,86% Fe (ou, de 0% até 2,14% C), em peso.

A comparação direta dos diagramas das Figuras 29 e 30 possibilita identificar, para cada tipo de
aço, os constituintes que formam suas respectivas microestruturas, o que pode ser resumido da
seguinte forma:

 Aços que não apresentam transformação eutetóide: sua microestrutura é formada pelos
constituintes Ferrita (matriz) e Cementita (precipitados). (Figura 31);
 Aços hipoeutetóides: apresentam microestrutura formada pelos constituintes Ferrita e Perlita
(Figura 32);
 Aço eutetóide: apresenta microestrutura formada apenas pelo constituinte Perlita (Figura 33); e
 Aços hipereutetóides: apresentam microestrutura formada pelos constituintes Perlita e
Cementita (Figura 34);

Define-se:

Matriz: é uma porção de matéria formada sempre pela fase contínua, interligada.

Precipitado: é sempre a fase dispersa, não interligada.


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 41
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 
Acm

912 ºC Fe3C
A3 A1

727 ºC
 

Fe3C
Ferrita +
Cementita Perlita

Ferrita + Perlita Perlita + Cementita

Fe %C

Figura 30 – Diagrama de constituintes do sistema Fe-C, para a faixa de composições variando


entre 100% e 97,86% Fe (ou entre 0% e 2,14% C), em peso.

Na Figura 30, são ainda indicados os nomes de três importantes curvas do sistema Fe-C, a saber:
A1, A3 e Acm.

Define-se:

Curva A1: a curva A1, representativa da isoterma eutetóide (727 ºC), a qual, em conjunto com a
curva A3, defini uma região conhecida por zona crítica;

Curva A3: a curva A3, indica o início da transformação , no resfriamento;

Zona crítica: formada pelo conjunto das curvas A1 e A3, leva este nome por separar duas regiões
bem distintas do diagrama, a região  (ferrita) e a região (austenita). Em outras palavras, a zona
crítica identifica uma faixa de temperaturas, abaixo da qual não existe a fase (ou constituinte
monofásico) (austenita);
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 42
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Na Figura 31 é apresentado o histórico de resfriamento a partir do campo austenítico () e a


respectiva evolução dos constituintes, nos diferentes campos do diagrama, para uma liga que não
apresenta transformação eutetóide, no caso a liga X (liga com teor de carbono inferior a 0,021%
C). Deve-se ressaltar que apenas as ligas que cruzam a isoterma eutetóide (ligas com teores de
carbono maiores que 0,021% C), apresentam a ocorrência desta transformação, no resfriamento
dentro do equilíbrio, e, consequentemente, o constituinte perlita, o que não é o caso da liga
considerada.

Pode-se observar no ponto 1, o início da transformação , onde cristais de ferrita nucleiam-se
de forma estável na matriz de austenita. No ponto 2, a transformação  é concluída, dando
lugar a uma microestrutura formada apenas por cristais de ferrita. Com a continuação do
resfriamento, no ponto 3 ocorre a saturação do reticulado da ferrita com átomos de carbono,
indicada pelo cruzamento da liga X com a curva solvus. A partir deste ponto inicia-se a
precipitação do constituinte cementita na matriz de ferrita, conjunto este que representa a
microestrutura final da liga, na temperatura ambiente.

Microestruturas de uma amostra de ferro contendo traços de carbono, microestruturas, estas,


típicas de aços com teores de carbono inferiores a 0,021% C, em peso, podem ser vistas também
na Figura 31. Atente-se para o constituinte cementita, precipitado preferencialmente nos contornos
de grãos de ferrita.

Define-se:

Curva solvus: indica a variação de solubilidade de um elemento no reticulado cristalino de um


outro, em função da temperatura. Pode-se observar (Figura 31), que a solubilidade do carbono na
ferrita, diminui de 0,021% C para aproximadamente zero, com a diminuição da temperatura de
727 ºC para a temperatura ambiente.

A Figura 32 acompanha o histórico de resfriamento a partir do campo austenítico () e a respectiva


evolução dos constituintes, nos diferentes campos do diagrama, para uma liga X, hipoeutetóide. O
comportamento desta liga é idêntico para todas as demais ligas hipoeutetóides (ligas com teores de
carbono entre 0,021% e 0,76% C). Note-se que todas essas ligas cruzam a isoterma eutetóide
apresentando, deste modo, a transformação eutetóide quando do resfriamento dentro do equilíbrio,
e, consequentemente, o constituinte perlita, na temperatura ambiente.

Pode-se observar no ponto 1, o início da transformação , onde cristais de ferrita nucleiam-se
de forma estável na matriz de austenita. Estes primeiros cristais de ferrita são todos formados à
uma temperatura superior à do ponto eutetóide, durante o resfriamento da liga, antes de se atingí-
la. Em função disso, estes cristais, em particular, levam o nome de ferrita proeutetóide (p). A
composição química (CQ) e a quantidade relativa (QR) de cada constituinte muda ponto a ponto,
com a variação da temperatura no campo bifásico  + . Deve-se atentar para o fato de que a
composição química da austenita não transformada evolui para o teor de 0,76% C, segundo a
curva A3, à medida em que a temperatura cai do ponto 1 para o ponto 2, pois a ferrita proeutetóide
nucleada na matriz austenítica apresenta uma quantidade de carbono bastante inferior (< 0,021%
C) em relação àquela inicialmente presente na austenita (X% C, no ponto 1). Em outras palavras,
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 43
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
1 
912 ºC 

2  

Fe3C


 727 ºC
 

Isoterma eutetóide

Curva solvus
Fe3C
3

 Fe3C

Fe % C
X

Figura 31 - Histórico de resfriamento, evolução dos constituintes e micrografias típicas para uma
liga que não apresenta transformação eutetóide (amostra de ferro com pureza de 99,85% ,
sinterizado em atmosfera levemente carbonetante. Aumento: 1000x).
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 44
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pode-se dizer que a austenita vai enriquecendo de carbono à medida em que a temperatura cai do
ponto 1 para o ponto 2. No ponto 2, a transformação  é concluída, pois a austenita não
transformada adquire exatamente a temperatura e a composição do ponto eutetóide, sofrendo
assim a transformação eutetóide, a qual resulta na formação da perlita. A microestrutura final
passa a ser formada pelos constituintes ferrita e perlita, não ocorrendo mais nenhuma
transformação até a temperatura ambiente.

Conforme apresentado no capítulo anterior, o mesmo procedimento de determinação das FP (fases


presentes), CQFP (composição química) e QRFP (quantidade relativa) é, também, válido para os
constituintes, podendo-se determinar para cada ponto do diagrama, todo o conjunto de
informações visto.

Ainda na Figura 32, a comparação das duas micrografias apresentadas permite evidenciar um
fenômeno extremamente importante, de caráter puramente difusivo, conhecido por crescimento de
grão. Note-se que a micrografia ‘a’ apresenta uma microestrutura bastante refinada, ao contrário
da micrografia ‘b’, onde ambos os grãos de ferrita e de perlita são tipicamente grosseiros. Esta
diferença é decorrente do tratamento de superaquecimento a 1000 ºC, ao qual a amostra ‘b’ foi
submetida, após a laminação a quente.

Define-se:

Crescimento de grão: processo termicamente ativado que consiste na troca de posições de átomos
junto à interface entre dois grãos adjacentes, de modo que átomos do grão menor movimentam-se
através do contorno de grão assumindo a orientação cristalográfica do grão adjacente maior. Em
outras palavras, caracteriza-se pelo crescimento dos grãos maiores às custas dos grãos menores,
pois a movimentação de um contorno de grão tipicamente côncavo só é termodinamicamente
favorável na direção do seu centro de curvatura, o que resulta na liberação de energia do sistema,
conforme ilustrado na Figura 33 (ver também Figura 1.3 e item 1.2).

Para o engenheiro mecânico, este fenômeno começa a ser significativo nos aços, quando aquecidos
à temperaturas acima de 500 ºC. Devido a isso, muito cuidado deve ser tomado na especificação
da temperatura de austenitização, quando da realização de qualquer tratamento térmico. Esta
observação está diretamente relacionada com a influência da temperatura de austenitização, obtida
a partir de uma determinada taxa de aquecimento, no tamanho de grão da austenita. Uma austenita
grosseira resulta em produtos de transformação grosseiros (ferrita, perlita e/ou cementita). Deve-se
lembrar que o tempo de permanência em temperatura elevada, apesar de menos efetivo que a
temperatura, exerce também influência na evolução do crescimento de grão, sendo que quanto
maiores a temperatura e o tempo de exposição, maior também será o efeito de crescimento de grão
da austenita, de acordo com as leis de difusão (Leis de Fick).

Por sua vez, o crescimento de grão deve ser evitado ao máximo em função do comprometimento
de determinadas propriedades do material. Com segurança, pode-se dizer que quanto menor o
tamanho de grão médio, maior é a dureza e a tensão de escoamento de um material. Esta afirmação
foi comprovada a partir de estudos realizados por Hall e Petch, utilizando-se de materiais
metálicos puros. Tais estudos permitiram deduzir as equações, conhecidas como equações de Hall-
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 45
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

912 ºC 

1 
A3  Fe3C
 P

2 727 ºC
 

Isoterma eutetóide
Fe3C

Fe3C e
e
p
p
Perlita lamelar
p

Fe % C
X

a b
Figura 32 - Histórico de resfriamento, evolução dos constituintes e micrografias típicas para uma
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 46
1/10/2016

liga hipoeutetóide (aço de médio teor de carbono com composição química, em peso, de:
0,45% C - 0,245% Si - 0,48% Mn - 0,024% S - 0,062% P): a) laminado a quente; e b)
superaquecido a 1000 ºC). Ataque químico: Nital 2%. Aumento: 250x. (Metallographic
supplies – P.F. Dujardin & CO. Düsseldorf, 1958).

Petch, as quais relacionam, respectivamente, tamanho de grão e dureza (3) e tamanho de grão e
tensão de escoamento (4), a saber:

H = H0 + kH .d-1/2 (3)

 = 0 + k .d-1/2 (4)
sendo,

H, dureza;
H0, dureza esperada para um cristal hipotético de tamanho infinito (interseção da reta com o eixo
das ordenadas);
kH, coeficiente angular da reta;
d, diâmetro médio de grão;
tensão de escoamento;
0 e k, constantes equivalentes a H0 e kH;

Figura 33 – Fenômeno de crescimento de grão (van Vlack, 1970).

É importante lembrar também que o refino de grão é um dos principais mecanismos de


endurecimento e/ou aumento de resistência mecânica conhecidos, sendo o principal mecanismo de
aumento de resistência presente nos aços microligados ao Ti,V e/ou Nb.

Na Figura 34 é apresentado o histórico de resfriamento a partir do campo austenítico () e a


respectiva evolução dos constituintes, nos diferentes campos do diagrama, para a liga X, eutetóide.
Esta liga é especial e única em todo o sistema, pois sua composição química coincide com a
composição do ponto eutetóide do diagrama Fe-C.
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 47
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912 ºC 


Fe3C
 1

727 ºC
 

Isoterma eutetóide
Fe3C
Fe3C e
e

Perlita lamelar

Fe % C
X

Figura 34 - Histórico de resfriamento, evolução dos constituintes e micrografia típica da liga


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 48
1/10/2016

eutetóide (aço de alto teor de carbono com composição química, em peso, de: 0,76% C,
traços de Si, Mn, S e P). Ataque químico: Nital 2%. Aumento: 250x. (Metallographic
supplies – P.F. Dujardin & CO. Düsseldorf, 1958).

A liga eutetóide apresenta uma única transformação no estado sólido (a partir do campo
austenítico), ocorrendo exatamente no ponto 1. Neste ponto, a austenita sofre a transformação
eutetóide, resultando no constituinte perlita. A microestrutura final passa a ser formada
exclusivamente por perlita, não ocorrendo mais nenhuma transformação até a temperatura
ambiente.

A formação da perlita pode ser explicada de forma simplificada, conforme ilustrado na Figura 35.
Ao se atingir a temperatura de 727 C inicia-se a nucleação de pequenos embriões de ferrita ()
nos contornos de grãos da austenita (), a qual apresenta inicialmente 0,76% C. Como a
solubilidade do carbono na ferrita é muito baixa, sendo de 0,021% C, na temperatura citada, todo
restante de carbono não aceito em solução sólida na ferrita, se difunde para as adjacências destes
embriões enriquecendo-os de carbono. Consequentemente, nas adjacências dos embriões de ferrita
nucleiam-se embriões de cementita (com 6,67% C). Estes embriões vão crescendo até se
completar toda a transformação da austenita em ferrita e cementita, as quais se dispõem em
lamelas alternadas, resultando no constituinte bifásico chamado perlita.

Difusão de
 Difusão de
Difusão do C Difusão do C
carbono carbono

 
FeFe
3C3C Fe3C Fe3C
Fe3C Fe3C

Figura 35 – Formação da perlita (adaptado de Thelning, 1984 - after Hillert).

Por fim, na Figura 36 tem-se o histórico de resfriamento a partir do campo austenítico () e a
respectiva evolução dos constituintes, nos diferentes campos do diagrama, para uma liga X,
hipereutetóide. O comportamento desta liga é idêntico para todas as demais ligas hipereutetóides
(ligas com teores de carbono entre 0,76% C e 2,14% C). Note-se que todas essas ligas, de modo
similar ao que ocorre para as ligas hipoeutetóides, cruzam a isoterma eutetóide, apresentando,
deste modo, a transformação eutetóide e, consequentemente, o constituinte perlita quando do
resfriamento dentro do equilíbrio.
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 49
1/10/2016


 Acm
912 ºC

 1
Fe3C p


Fe3C

 2 727 ºC
 

Isoterma eutetóide
Fe3C
e
Fe3C e

Perlita lamelar

Fe3C p

Fe % C
X

Figura 36 - Histórico de resfriamento, evolução dos constituintes e micrografia típica de uma liga
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 50
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hipereutetóide (aço de alto teor de carbono com composição química, em peso, de: 0,76%
C, traços de Si, Mn, S e P). Ataque químico: Nital 2%. Aumento: 250x. (Metallographic
supplies – P.F. Dujardin & CO. Düsseldorf, 1958).

Pode-se observar no ponto 1, o início da transformação da austenita em cementita. Os cristais de


cementita nucleiam-se de forma estável na matriz de austenita, normalmente nas regiões de
contornos de grão. Estes cristais, em particular, formados à uma temperatura superior à do ponto
eutetóide, levam o nome de cementita proeutetóide (Fe3Cp). A composição química (CQ) e a
quantidade relativa (QR) de cada constituinte muda ponto a ponto, com a variação da temperatura
no campo bifásico  + Fe3C. Deve-se atentar para o fato de que a composição química da austenita
não transformada evolui para o teor de 0,76% C, segundo a curva Acm, à medida em que a
temperatura cai do ponto 1 para o ponto 2, pois a cementita proeutetóide nucleada na matriz
austenítica é formada com uma quantidade de carbono bastante superior (= 6,67% C) em relação
àquela inicialmente presente na austenita (X% C, no ponto 1). Em outras palavras, pode-se dizer
que a austenita vai empobrecendo de carbono à medida em que a temperatura cai do ponto 1 para o
ponto 2. No ponto 2, a transformação  é concluída, pois a austenita ainda não transformada
adquire exatamente a temperatura e a composição do ponto eutetóide, sofrendo assim a
transformação eutetóide, a qual resulta na formação da perlita. A microestrutura final passa a ser
formada pelos constituintes cementita e perlita, não ocorrendo mais nenhuma transformação até a
temperatura ambiente.

Nas representações esquemáticas que ilustram as evoluções dos constituintes das ligas em estudo
das Figuras 32, 34 e 36, as fases ferrita e cementita, presentes no constituinte perlita, são
representadas pelos símbolos e e Fe3Ce, respectivamente (no caso o sub-índice ‘e’ vem de
eutetóide).

Deve-se enfatizar que os tratamentos térmicos que originam as microestruturas características


vistas até o presente momento, nas Figuras 31, 32, 34 e 36, são o recozimento pleno e a
normalização. Estes tratamentos apresentam condições de resfriamento bastante lentas, as quais
permitem que as transformações de fases, de caráter difusivo, apresentadas no diagrama de
equilíbrio Fe-C, sejam levadas a termo, sendo assim possibilitado o uso desse diagrama para
estimar aproximadamente as microestruturas dos aços, quando submetidos a esses tratamentos.

2.1.1 – INFLUÊNCIA DOS ELEMENTOS DE LIGA NO DIAGRAMA Fe-C

No ferro puro as transformações alotrópicas / (transformação A4) e / (transformação A3)
ocorrem nas temperaturas constantes de 1394 ºC e 912 ºC, respectivamente. Quando um segundo
elemento entra em solução com o Ferro cada uma delas passa a ocorrer para uma determinada
faixa de temperatura. Segundo a natureza do soluto introduzido no reticulado do Ferro, pode-se
observar a ocorrência de dois tipos de efeito. No primeiro, o efeito do soluto é o de elevar a
temperatura de transformação A4 e o de abaixar a temperatura de transformação A3, ampliando o
domínio de existência da fase (CFC). Tais solutos, no caso elementos como o Mn, Ni, C, entre
outros, são denominados de elementos de liga gamagêneos, ou seja, elementos estabilizadores da
fase  (CFC). No segundo tipo, a presença do soluto tende a abaixar a temperatura de
transformação A4 e a de elevar a temperatura A3, aumentando o campo de existência da fase 
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 51
1/10/2016

(CCC). Os solutos que produzem esse efeito, no caso elementos como o Si, Cr, Mo, entre outros,
são chamados de elementos de liga alfagêneos, ou seja, elementos estabilizadores da fase 
(CCC).

De modo similar, a presença de um terceiro elemento no sistema Fe-C modifica os domínios de


existência das fases previstas no diagrama Fe-Fe3C (ver Figura 21). Um efeito especialmente
importante, diz respeito às alterações introduzidas no domínio de existência da fase (CFC), ou da
austenita. É sabido que teores crescentes de elementos como o Cr, Mo e Si elevam a temperatura
da reação eutetóide, diminuem o teor de carbono do ponto eutetóide, além de diminuírem a
solubilidade de carbono na austenita. Como resultado, teores crescentes desses elementos reduzem
progressivamente a extensão do campo austenítico. Por outro lado, a adição de elementos como o
Mn e o Ni, tendem a diminuir tanto a temperatura como o teor de carbono do ponto eutetóide.

O efeito dos elementos, individualmente, nos aços de baixa liga, pode ser melhor visualizado na
Figura 37, onde é mostrada a influência de determinados elementos de liga na temperatura e

Figura 37 – Influência de elementos de liga na temperatura e teor de carbono do ponto eutetóide


(Thelning, 1984).
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 52
1/10/2016

na composição do ponto eutetóide. De modo genérico, independente do tipo de elemento, pode-se


afirmar que a presença de elementos de liga no aço desloca o ponto eutetóide para a esquerda, ou
seja, para teores de carbono menores do que 0,76% C, em peso. Uma das vantagens da adição de
elementos de liga nos aços é que se possibilita a obtenção de uma estrutura perlítica com teor de
carbono inferior a 0,76% C, o que é altamente indicado quando se deseja realizar a conformação
mecânica no material, aliando-se ao material uma elevada temperabilidade. A explicação para o
aumento da conformabilidade em aços que possuem elementos de liga recai no fato de que, ao se
obter uma perlita com teor de carbono inferior a 0,76% C, modificam-se também as quantidades
relativas das fases nela presentes, sendo que, neste caso, a perlita passa a apresentar uma menor
quantidade de cementita (Fe3C), fase esta responsável pelo aumento relativo da dureza e
consequente diminuição da ductilidade, conforme visto no item 1.4.3.

Define-se:

Temperabilidade: capacidade do aço de endurecer a uma determinada profundidade pela formação


da martensita, quando submetido a um resfriamento brusco a partir do campo austenítico
(tratamento térmico de têmpera). A fase (ou microconstituinte) martensita, por ser obtida para
condições de resfriamento fora de equilíbrio, não é prevista no diagrama de equilíbrio Fe-C.

Martensita: solução sólida supersaturada de carbono no Ferro, apresentando estrutura cristalina


tetragonal de corpo centrado (TCC), na temperatura ambiente, elevadíssima dureza (a qual é uma
função do teor de carbono da liga, podendo variar de HV 780 ou HRC 60, para aços contendo
0,4% C, até HV 1000 ou HRC 67, para aços contendo 1,0% C, em peso – sendo “HV = Hardness
Vickers” e “HRC = Hardness Rockwell C”). Nas Figuras 38 e 39 são apresentados os dois tipos
existentes de estruturas de martensitas encontrados em ligas do sistema Fe-C, martensita do tipo
massiva e do tipo acicular, respectivamente. O primeiro tipo (Figura 38), ocorre em aços-ao-
carbono, com teores de carbono de até 0,6% C, em peso. O segundo tipo (Figura 39), mais
familiar, ocorre em aços com teores de carbono acima de 0,6% C, em peso, sendo caracterizada
por placas de martensita dispostas aleatoriamente em uma matriz de austenita (austenita retida).
Aços apresentando teores de carbono entre 0,6 e 1,0% C, em peso, podem possuir
simultaneamente ambos os tipos de martensita.

Voltando à Figura 37, em termos de temperatura da reação eutetóide, se esta temperatura é


aumentada ou diminuída com a adição de elementos de liga, respeita-se o que já foi visto em
termos de estabilização das fases  (CCC) ou  (CFC) do ferro. Se o elemento de liga é alfagêneo,
a temperatura do ponto eutetóide é aumentada. Em contrapartida, se o elemento de liga é
gamagêneo, a temperatura do ponto eutetóide é diminuída. A influência dos elementos de liga
alfagêneos e gamagêneos sobre a temperatura e composição química do ponto eutetóide é ilustrada
de forma sintética na Figura 40, em complemento aos resultados apresentados na Figura 37.

Assim sendo, os elementos de liga nos aços podem ser classificados em três grupos distintos, a
saber (estão indicados abaixo apenas os principais):
 Elementos de liga gamagêneos: Mn, Ni, Co, Cu, C e N;
 Elementos de liga alfagêneos: Si, Cr, W, Mo, V, Ti, Be, Ta, Zr, B, S, P, Ce, Nb;
 Elementos de liga formadores de carbonetos (e/ou nitretos, à exceção do W): Cr, Mo, W, V,
Nb, Ta, Ti e Zr.
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 53
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Figura 38 – Martensita do tipo massiva (“massive or lath martensite”), (Metallographic


supplies – P.F. Dujardin & CO. Düsseldorf, 1958).

Figura 39 - Martensita do tipo acicular (“acicular or plate martensite”), (Metallographic


supplies – P.F. Dujardin & CO. Düsseldorf, 1958).

Deve-se destacar que os elementos de liga modificam as propriedades do aço através das
mudanças que introduzem na sua microestrutura. Tais modificações estão diretamente
relacionadas com a forma com que os mesmos se apresentam no material. Os elementos de liga
podem se apresentar sob diferentes formas nos aços:
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 54
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ELEMENTOS
912 ºC DE LIGA
ALFAGÊNEOS

Fe3C

727 ºC
 

Ponto eutetóide
Curva solvus

ELEMENTOS
DE LIGA Fe3C
GAMAGÊNEOS

Fe % C

Figura 40 – Representação esquemática da influência dos elementos de liga alfagêneos e


gamagêneos sobre a temperatura e composição química do ponto eutetóide.

 Formando solução sólida com o Ferro, sendo que o material tem sua resistência aumentada
pelo mecanismo de endurecimento por formação de solução sólida. Cabe ressaltar que toda
liga (no caso, o aço) é sempre mais dura e resistente que seu respectivo metal base (no caso, o
Ferro puro). Dois exemplos de solução sólida típicas podem ser encontrados nos aços do tipo
inoxidáveis, a saber:
a) os aços inoxidáveis ferríticos, que constituem-se principalmente em ligas do sistema
Fe-Cr-C, apresentando normalmente teores superiores a 13% Cr, em peso, e traços de
carbono, sendo que o Cr é encontrado preferencialmente em solução sólida
substitucional com o Ferro na fase (CCC);
b) os aços inoxidáveis austeníticos, que constituem-se principalmente em ligas do sistema
Fe-Cr-Ni-C, apresentando teores elevados tanto de Cr como de Ni (normalmente
variando entre 13% a 25% para o Cr e entre 7% a 20% para o Ni, em peso) e traços de
carbono, sendo que ambos os elementos Cr e Ni são encontrados em solução sólida
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 55
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substitucional com o Ferro na fase (CFC).


 Dissolvendo-se na cementita e formando carbonetos complexos com o Ferro, ou,
simplesmente, combinando-se com o carbono e precipitando-se na matriz na forma de um
carboneto de elemento de liga (sendo, necessariamente, o carboneto de elemento de liga
termodinamicamente mais estável do que a cementita). Neste caso, o material tem sua
resistência aumentada pelo mecanismo de endurecimento por precipitação de partículas de
segunda fase. Um exemplo de um carboneto complexo com o Ferro é o (Fe,Mn)3C, sendo que
TiC, NbC, Cr23C6, WC, são exemplos típicos de carbonetos de elementos de liga;
 Formando compostos intermetálicos com o Ferro, os quais se caracterizam por apresentar
fórmula estequiométrica e composição química fixas (a título de exemplo, compostos do tipo
FexMy , sendo M = metal). Neste caso, o material tem sua resistência também aumentada pelo
mecanismo de endurecimento por precipitação de partículas de segunda fase na matriz
metálica; e, por fim,
 Formando inclusões não-metálicas ou inclusões metálicas dispersas na matriz. No primeiro
caso, as inclusões não-metálicas ocorrem principalmente na forma de óxidos e sulfetos, como
partículas de segunda fase dispersas de Al2O3, SiO2, ou MnS, entre outras. No segundo caso,
as inclusões metálicas são decorrentes de elementos de liga que apresentam solubilidade nula
com o Ferro, sendo o Pb (chumbo), o principal exemplo deste caso.

É importante ressaltar que um determinado elemento de liga não se localiza exclusivamente num
único constituinte, mas se distribui sob várias formas em diferentes constituintes. É evidente que
cada elemento manifesta, em geral, uma preferência marcada pela forma com o qual o mesmo será
encontrado na microestrutura do material. Assim sendo, pode-se prever, de forma aproximada,
uma tendência genérica na repartição dos elementos de liga presentes no material. Tal repartição
nos diferentes constituintes depende geralmente da quantidade ou concentração dos mesmos e do
histórico térmico a que foi submetido o material ao longo de seu processamento. Certos elementos
como o Ni, Si, Al e Cu são frequentemente encontrados em solução sólida. Outros, como o Cr,
Mo, W, Nb e Ti se apresentam usualmente como carbonetos (ou nitretos, ou óxidos) e, em menor
grau, em solução sólida. Estes últimos, quando em teores elevados, podem formar também
compostos intermetálicos com o Ferro (Fe3W2, Fe3W, Fe2Mo2, FeMo, ...). Alguns elementos,
conforme já visto, podem estar presentes, ainda, como inclusões não-metálicas (MnO, MnS, SiO2,
Al2O3, TiO2, Fe4N, ...).

A Figura 41 apresenta uma parte da classificação para avaliação micrográfica de inclusões de aços
adotada pela Associação dos Siderúrgicos Suécos de Estocolmo. São apresentadas as
representações de dois tipos de inclusões, da série grossa: a) tipo A - sulfetos ou sulfuretos (para
espessuras de até 6 m), nas classificações 1, 3 e 5, respectivamente; e b) tipo D – óxido, globular
(para espessuras de até 12 m), também nas classificações 1, 3 e 5, respectivamente. Deve-se
ressaltar que a observação das inclusões em amostras de aços é uma importante etapa da análise
metalográfica e é realizada no microscópio ótico imediatamente após o polimento, antecedendo,
porém, à etapa de ataque químico da amostra.

2.2 – CLASSIFICAÇÃO DOS AÇOS

Conforme visto, os aços são ligas ferrosas de baixo teor em carbono, contendo ainda impurezas e,
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 56
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1 3 5
A – TIPO SULFETOS OU SULFURETOS

1 3 5
D – TIPO ÓXIDO, GLOBULAR

Figura 41 – Parte da classificação para avaliação micrográfica de inclusões de aços adotada pela
Associação dos Siderúrgicos Suécos de Estocolmo, para dois tipos de inclusões, da série grossa: a)
tipo A - sulfetos ou sulfuretos (para espessuras de até 6 m), nas classificações 1, 3 e 5,
respectivamente; e b) tipo D – óxido, globular (para espessuras de até 12 m), também nas
classificações 1, 3 e 5, respectivamente (a figura original é 4,3 vezes, linearmente, maior do que a
apresentada aqui), (Hubertus Colpaert, 1974).

eventualmente, elementos adicionados como liga. Consideram-se usualmente três tipos principais
de aços, de acordo com a composição química:
 aços-ao-carbono: caracterizados como ligas do sistema Fe-C, contendo até 2,14% C, em peso,
além de certos elementos residuais advindos do processo de fabricação. Conforme visto na
Figura 29, o diagrama de equilíbrio Fe-C fundamenta todo o estudo deste grupo de aços;
 aços de baixa-liga: caracterizados como ligas do sistema Fe-C contendo elementos adicionados
intencionalmente e/ou apresentando elementos residuais em teores acima dos que são
considerados normais. Neste caso, apresentam um somatório de elementos de liga inferior a
5%;
 aços de alta-liga: diferenciam-se dos aços de baixa-liga pela quantidade de elementos de liga,
apresentando um somatório de elementos de liga superior a 5%.

Os objetivos da adição de elementos de liga são específicos para cada um dos dois grupos de aços
ligados. Nos aços de baixa-liga, a adição tem por finalidade atender aos seguintes objetivos:
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 57
1/10/2016

 a busca da homogeneização das propriedades mecânicas ao longo de toda a seção transversal


do componente mecânico;
 o aumento da temperabilidade do material. Quanto maior a temperabilidade, maior será a
profundidade de endurecimento após a realização de um tratamento térmico de têmpera; e, por
fim,
 a redução de peso morto, pelo aumento de resistência mecânica, quando do projeto de um
determinado componente mecânico.

Por outro lado, nos aços de alta-liga a adição tem por finalidade atender a objetivos específicos,
tais como:
 o aumento da resistência ao desgaste (é o caso dos aços-ferramentas, aços-rápidos, aços
indeformáveis para trabalho a frio, aços indeformáveis para trabalho a quente, entre outros);
 o aumento da resistência à corrosão (sendo o caso típico dos aços inoxidáveis, de um modo
genérico);
 o aumento da resistência à elevadas temperaturas (alguns aços inoxidáveis como o austenítico
ABNT 310 - o qual apresenta em média 25% Cr, 20% Ni, 1,5% Mn, 1,5% Si, em peso, além
de traços de carbono e balanço em Fe - são chamados de aços refratários);
 a melhoria das propriedades elétricas e magnéticas (a adição de Si e Co em teores elevados
tende a melhorar tais propriedades nos aços); e, por fim,
 a melhoria da usinabilidade (pois a adição de S, P ou Pb, para teores acima dos considerados
usuais para estes elementos, normalmente maiores do que 0,05%, em peso, garante tal
predicado no aço).

2.2.1 – AÇOS-AO-CARBONO

A maioria dos aços-ao-carbono contém de 0,10 a l,50% C, em peso. Apesar do estudo destes aços
ser fundamentado no diagrama Fe-C, na prática todo aço-ao-carbono constitui-se em uma liga
complexa, apresentando também concentrações de P, S, Mn e Si, podendo-se observar ainda a
presença de traços de outros elementos tais como N, O e Al, entre outros.

Os elementos Fósforo (P) e Enxôfre (S) são normalmente considerados como impurezas nos aços.
A presença destes elementos advêm do carvão-coque, que é uma das matérias-primas usadas na
fabricação do ferro-guza de primeira fusão (liga de Fe apresentando de 4 a 5% C, em peso), o qual
é obtido na etapa de redução do minério de ferro em altos-fornos e usado na etapa de refino do aço
junto aos fornos conversores.

A presença dos elementos Manganês (Mn) e Silício (Si) nos aços é consequência de dois aspectos
técnicos distintos:
 conforme visto no diagrama Fe-S (Figura 19), o enxôfre tende a causar a fragilização a quente
nos aços devido à formação de um constituinte eutético de baixo ponto de fusão com o Fe (988
ºC). Como o enxôfre está presente como contaminante na composição do aço, o efeito negativo
que ele causaria ao se combinar com o Fe tem que ser evitado a todo custo. Isto é conseguido
através da adição do Mn na composição da liga enquanto líquida, durante o banho. Ocorre que
o Mn une-se preferencialmente ao S, formando o sulfeto de manganês (MnS), por ser uma fase
termodinamicamente mais estável que a fase concorrente que formar-se-ia na ausência de Mn
no banho, no caso, o sulfeto de ferro (FeS). Deve-se destacar que a fase MnS apresenta
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 58
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elevado ponto de fusão e alta ductilidade. Daí ser comum encontrar em aços laminados, esta
fase dispersa na matriz apresentando morfologia alongada no sentido da laminação (Figura
41).
 O silício, por sua vez, é necessariamente adicionado ao banho da liga, durante o processo de
refino do aço, com a finalidade de se combinar com o oxigênio presente no processo,
resultando na formação do óxido de silício (SiO2), que é removido através da retirada da
escória do banho. Aços que apresentam Si na composição são chamados de aços acalmados.
Este nome decorre do fato de que o oxigênio, usado para controlar o teor de carbono da liga
através da formação de CO e CO2, tende a causar um forte borbulhamento do banho durante a
etapa de refino. Com a retirada do oxigênio através do uso do Si, o banho pára de borbulhar,
dando-se a impressão de se ter acalmado. Quando ao invés de Si usa-se o Alumínio (Al), o
oxigênio presente no banho é removido a partir da formação e retirada pela escória do óxido de
alumínio (Al2O3). Aços que apresentam Al no lugar do Si, em sua composição, são chamados
de aços superacalmados.

Apenas a título de curiosidade, segundo a influência do teor de carbono sobre a dureza do aço,
costuma-se classificar os aços-ao-carbono em seis grupos principais (aqui a palavra “doce” deve
ser entendida com o sentido de mole, macio, dúctil):
 aços extra-doces, contendo até 0,15% C, em peso;
 aços doces, com teores entre 0,15 e 0,30%, em peso;
 aços meio-doces, com teores entre 0,30 e 0,40% C, em peso;
 aços meio-duros, com teores entre 0,40 e 0,60% C, em peso;
 aços duros, com teores entre 0,60 e 0,70% C, em peso;
 aços extra-duros, com teores entre 0,70 e 1,50% C, em peso.

A título de curiosidade, utilizando-se do recurso das técnicas modernas de fabricação, as quais têm
possibilitado a obtenção de aços não-ligados apresentando baixíssimos teores de elementos
intersticiais, recentemente (no final dos anos 90) foi desenvolvido pela indústria siderúrgica um
novo tipo de aço, os chamados “free interstitial steels” ou, simplesmente, aços livres de
intersticiais. Este desenvolvimento vem no sentido de atender as necessidades da indústria
automotiva no setor de fabricação de carrocerias, a qual tem exigido a utilização de chapas de aços
apresentando, cada vez mais, elevadas ductilidade, estampabilidade e profundidade de
embutimento. Estes aços enquadram-se dentro da categoria dos aços extra-doces, pois apresentam
teores de intersticiais inferiores a 0,01%, em peso.

2.2.2 – AÇOS DE BAIXA-LIGA

Da mesma forma que o verificado para os aços-ao-carbono, tanto os aços de baixa-liga como os
aços de alta-liga constituem-se em ligas complexas, onde os elementos P, S, Mn e Si ou Al
também estão presentes pelos mesmos motivos acima apresentados.

No caso específico dos aços de baixa-liga, elementos como Cr, Ni, Mo, Si, Mn e B são
adicionados em quantidades moderadas, conforme já visto, com a finalidade principal de aumentar
a temperabilidade do material e possibilitar a otimização de suas propriedades através da
realização de tratamentos térmicos específicos. A escolha correta do tratamento térmico possibilita
a obtenção de microestruturas específicas, as quais são as responsáveis pelo conjunto de
propriedades mecânicas que o aço apresentará após a realização do mesmo, garantindo sua
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 59
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utilização para uma determinada aplicação (importante quando da especificação do material na


etapa de projeto de um componente mecânico).

2.2.3 – AÇOS DE ALTA-LIGA

Entre os principais elementos de liga introduzidos no aço para lhe conferir propriedades
específicas destacam-se o Ni, Cr, Si, Mn, Mo, V, W, Ti, Nb. Conforme será visto à frente, a norma
brasileira classifica os aços de alta-liga em duas classes distintas, a saber: a) aços resistentes a
corrosão e a altas temperaturas; e b) aços ferramentas.

Alguns aços de alta-liga apresentam baixíssimos teores de carbono, sendo representativos da


classe de aços resistentes a corrosão e a altas temperaturas. A título de exemplo, pode-se destacar
os aços inoxidáveis do tipo austenítico que, conforme já visto, constituem-se essencialmente em
ligas do sistema Fe-Cr-Ni, nas quais o carbono é um elemento indesejável. Neste caso, em
particular, a baixa quantidade de carbono na liga tem por objetivo evitar a possibilidade de
ocorrência do fenômeno de sensitização do aço, sob influência de temperaturas elevadas (típicas
em processos de soldagem do material), que consiste na precipitação do carboneto Cr23C6 junto
aos contornos de grão do material, empobrecendo a matriz de Cr. Deve-se ter em mente, que a
propriedade de inoxidabilidade somente é garantida ao aço quando este apresenta no mínimo 13%
Cr, em peso, dissolvido na matriz, em solução sólida com o Ferro. Quando da sensitização do aço
o Cr sai de solução sólida e combina-se com o carbono presente na liga, empobrecendo a matriz de
Cr, o que resulta na perda da inoxidabilidade do material. Neste tipo de aço, costuma-se adicionar
pequenos teores de Nb ou Ti, quando da fabricação da liga, os quais, por apresentarem muito
maior afinidade pelo carbono do que aquela verificada para o Cr e o carbono, garantem
praticamente a completa eliminação do risco de sensitização da liga, uma vez que todo o carbono
do aço combina-se preferencialmente com o Nb ou Ti, formando as fases NbC ou TiC, ambas de
elevada estabilidade termodinâmica, o que suprime qualquer possibilidade de precipitação da fase
Cr23C6 e, consequentemente, de retirada do Cr de solução sólida.

Por outro lado, em determinados casos como alguns aços para ferramentas, podem ser encontrados
teores de C superiores a 2,06%, que corresponde ao limite de solubilidade máximo de C na
austenita ou Fe-. Um exemplo típico deste caso é o aço para trabalho a frio ABNT D3, contendo
aproximadamente 2,0% C, 11,5% Cr, 0,2% V, em peso (estão listados apenas os principais
elementos). Esta grande quantidade de carbono é adicionada para garantir a precipitação de
partículas de segunda fase na forma de carbonetos de cromo (Cr23C6), o que garante um aumento
considerável da resistência do material.

2.2.4 – CLASSIFICAÇÃO SEGUNDO AS NORMAS ABNT E DIN

Dentre os diversos sistemas de classificação de aços duas linhas básicas são preferencialmente
utilizadas: o sistema americano baseado na norma desenvolvida pela AISI - “American Iron and
Steel Institute” e o sistema europeu baseado na norma alemã DIN - “Deutsche Industrie Norm”.

No Brasil, as normas de classificação de aços são regidas pela ABNT - Associação Brasileira de
Normas Técnicas, que se baseia no sistema americano de classificação (AISI).
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 60
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2.2.4.1 - CLASSIFICAÇÃO SEGUNDO A NORMA ABNT (ou AISI)

Esta norma classifica os aços em dois grandes grupos de forma distinta:


 Aços-ao-carbono e os aços de baixa-liga; e
 Aços de alta-liga.

i) Aços-ao-carbono e Aços de baixa-liga

Estes aços são classificados por meio de 4 números precedidos por uma letra maiúscula que
especifica o processo de fusão. Eventualmente a especificação pode apresentar ainda, de forma
complementar, letras após o quarto número. A norma estabelece as seguintes considerações:
 O primeiro número representa o(s) elemento(s) de liga(s) presentes no aço;
 O segundo número representa o teor desses elementos de liga (deve-se consultar as tabelas,
junto à norma);
 Os terceiro e quarto números representam o teor de carbono multiplicado por 100.

Como exemplos de letras que antecedem os números, destacam-se, dentre outros, E = aço
produzido pelo processo elétrico básico (cujos teores de P e S são inferiores a 0,025%); B =
processo Bessemer básico; C = processo Siemens-Martin básico; D = processo Siemens-Martin
ácido. Como exemplos de letras após o quarto número, pode-se citar: H = aço fornecido como
temperado; L = aço com teor de C inferior ao indicado; F = aços de fácil usinagem. Na Tabela 6 é
apresentada a classificação de aços-ao-carbono e aços de baixa-liga pela norma ABNT.

Tabela 6 – Classificação de aços ao carbono e aços baixa-liga pela norma ABNT.

ABNT ou AISI TIPO DE AÇO


Cl0XX Aços-ao-carbono
C11XX Aços de usinagem fácil (com alto teor de S)
C12XX Aços de usinagem fácil (com altos teores de P e S)
13XX Aços ao Mn (de 1,5 a 2,0% Mn)
23XX Aços ao Ni (de 3,25 a 3,75% Ni)
25XX Aços ao Ni (de 4,75 a 5,25% Ni)
31XX Aços ao Ni-Cr (l,l0-l,40% Ni e 0,55-0,90% Cr)
E33XX Aços ao Ni-Mo (3,25-3,75% Ni e 1,40-1,75%Cr)
40XX Aços ao Mo (0,20-0,30% Mo)
41XX Aços ao Cr-Mo (0,40-l,20% Cr e 0,08-0,25%Mo)
43XX Aços ao Ni-Cr-Mo (l,6-2,0% Ni; 0,4-0,9% Cr; 0,2-0,3% Mo)
46XX Aços ao Ni-Mo (l,40-2,00%Ni e 0,15-0,30% Mo)
48XX Aços ao Ni-Mo (3,25-3,75% Ni e 0,20-0,30% Mo
50XX Aços ao Cr (0,27-0,50% Cr)
5lXX Aços ao Cr (0,70-1,20% Cr)
61XX Aços ao Cr-V (0,70-1,l0% Cr e 0,10%V)
86XX Aços Ni-Cr-Mo (0,2-0,4% Ni; 0,3-0,5% Cr; 0,08-0,l5% Mo)
87XX Aços Ni-Cr-Mo (0,4-0,7% Ni; 0,4-0,6% Cr; 0,2-0,3 %Mo)
92XX Aços ao Mn-Si (l,4-2,0 %Si e 0,60-0,90% Mn e 0-0,7% Cr)
XXBXX Aços ao B contendo 0,0005-0,003% B (Ex.: aço 10BXX =
aço-ao-carbono com B; aço 50BXX = aço ao Cr com B)
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A título de exemplo, um aço ABNT 1020 é um aço-ao-carbono contendo cerca de 0,20% C; um


aço ABNT 5160 é um aço ao Cr apresentando cerca de 1,0 %Cr e 0,60 % C (os teores dos
elementos P, S, Mn, Si ou Al, conforme visto, não precisam ser apresentados). Nas Tabelas 7 e 8
são apresentados respectivamente alguns exemplos de aços-ao-carbono e aços de baixa-liga, bem
como suas respectivas composições.

Tabela 7 – Exemplos de aços-ao-carbono e suas respectivas composições (à exceção dos teores


normais de P: máx. 0,035%; S: máx. 0,040%; Mn: máx. 1,05%; e Si: máx. 0,35%),
segundo a norma ABNT (os valores indicados são os teores médios da norma).

Aço %C, em peso


ABNT 1008 0,08
ABNT 1010 0,10
ABNT 1015 0,15
ABNT 1020 0,20
ABNT 1025 0,25
ABNT 1035 0,35
ABNT 1045 0,45
ABNT 1060 0,60
ABNT 1084 0,84
ABNT 1095 0,95

ii) Aços de alta-liga

A norma ABNT classifica os aços de alta-liga em duas classes distintas:


 Aços resistentes a corrosão e a altas temperaturas; e
 Aços ferramentas.

Os aços resistentes a corrosão e a altas temperaturas são classificados com três números. Como
exemplo, pode-se citar:
 Aço ABNT 430 (aço inoxidável ferrítico);
 Aço ABNT 403 (aço inoxidável martensítico);
 Aço ABNT 304 (aço inoxidável austenítico);
 Aço ABNT 304L (aço inoxidável austenítico com teor de C abaixo do especificado);

É interessante destacar que os aços inoxidáveis da classe 300 são todos austeníticos, assim como
os aços da classe 400 podem ser ferríticos ou martensíticos. A Tabela 9 apresenta exemplos de
aços de alta-liga resistentes a corrosão e a altas temperaturas, detalhando-se a microestrutura de
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equilíbrio bem como suas respectivas composições.

Tabela 8 – Exemplos de aços de baixa-liga e respectivas faixas de composições indicando os


valores máximos e mínimos para cada elemento (à exceção dos teores normais de P:
máx. 0,035%; S: máx. 0,040%; Mn: máx. 1,05%; e Si: máx. 0,35%), segundo a norma
ABNT (Villares).

Aço Composição (% em peso)


C Cr Ni Mo V Si
ABNT 4340 0,38 0,70 1,65 0,20 - -
0,43 0,90 2,00 0,30 - -

ABNT 4140 0,38 0,80 - 0,15 - -


0,43 1,10 - 0,25 - -
ABNT 4130 0,28 0,80 - 0,15 - -
0,33 1,10 - 0,25 - -

ABNT 8660 0,56 0,40 0,40 0,15 - -


0,64 0,60 0,70 0,25 - -
ABNT 8650 0,48 0,40 0,40 0,15 - -
0,53 0,60 0,70 0,25 - -
ABNT 8640 0,38 0,40 0,40 0,15 - -
0,43 0,60 0,70 0,25 - -
ABNT 8630 0,28 0,40 0,40 0,15 - -
0,33 0,60 0,70 0,25 - -

ABNT 5160 0,56 0,70 - - - -


0,64 0,90 - - - -
ABNT 5150 0,48 0,70 - - - -
0,53 0,90 - - - -
ABNT 5140 0,38 0,70 - - - -
0,43 0,90 - - - -
ABNT 52100 0,98 1,30 - - - -
1,10 1,60 - - - -

ABNT 6150 0,48 0,80 - - mín. -


0,53 1,10 - - 0,15 -

ABNT 9260 0,56 - - - - 1,80


0,64 - - - - 2,20
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Tabela 9 – Exemplos de aços de alta-liga resistentes a corrosão e a altas temperaturas, detalhando-


se a microestrutura de equilíbrio bem como suas respectivas composições (à exceção
dos teores de P: máx. 0,035%; S: máx. 0,04; Mn: máx. 2,00%; e Si: máx. 1,50%),
segundo a norma ABNT (Villares).

Aço (tipo) Composição (% em peso) Microestrutura


C Cr Ni Mo Outros (estado de tratamento)
ABNT 410 (inoxidável 0,10 12,00 - - - ferrítica (recozido)
martensítico) martensítica (temperado)

ABNT 420 (inoxidável 0,35 13,00 - - - ferrítica (recozido)


martensítico) martensítica (temperado)

ABNT 416 (inoxidável 0,15 13,00 - - S 0,15 ferrítica (recozido)


martensítico) máx. mín. martensítica (temperado)

ABNT 302 (inoxidável 0,15 17,50 8,30 - - parcialmente martensí-


austenítico) máx. tica (deformado a frio)

ABNT 304 (inoxidável 0,08 18,30 8,50 - - parcialmente martensí-


austenítico) máx. tica (deformado a frio)

ABNT 304L (inoxidável 0,03 19,00 10,00 - - parcialmente martensí-


austenítico) máx. tica (deformado a frio)

ABNT 310 (inoxidável 0,25 25,00 20,00 - - parcialmente martensí-


austenítico) máx. tica (deformado a frio)

ABNT 316 (inoxidável 0,08 16,50 11,00 2,20 - parcialmente martensí-


austenítico) máx. tica (deformado a frio)

ABNT 316L (inoxidável 0,03 17,00 12,00 2,20 - parcialmente martensí-


austenítico) máx. tica (deformado a frio)

* teores de enxôfre elevados: melhoria da usinabilidade.


** os inoxidáveis austeníticos são não-temperáveis.

Por sua vez, os aços ferramentas são classificados segundo uma letra que retrata de alguma forma
o material, seguida de um ou dois números. Destacam-se as seguintes categorias de aços de acordo
com as respectivas letras:
 W: aços temperáveis em água;
 O: aços temperáveis em óleo;
 A: aços temperáveis ao ar;
 S: aços resistentes ao impacto;
 T: aço rápido ao W;
 M: aço rápido ao Mo;
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 H: aço indeformável para trabalho a quente;


 D: aço indeformável para trabalho a frio;
 L: aço para uso especial em baixa-liga;
 F: aço para uso especial contendo C e W.

A título de exemplo tem-se o aço ABNT D6, apresentando 2,1% C, 11,5% Cr, 0,7% W, 0,2%V.
Este aço, usado na fabricação de ferramentas como punções e matrizes, é normalmente
classificado como um aço indeformável para trabalho a frio. A Tabela 10 apresenta exemplos de
aços de alta-liga ferramentas, detalhando-se suas respectivas composições.

Tabela 10 – Exemplos de aços ferramentas e respectivas composições (à exceção dos teores


normais de P: máx. 0,035%; S: máx. 0,040%; Mn: máx. 1,05%; e Si: máx. 0,35%),
segundo a norma ABNT (Villares).

Aço Composição (% em peso)


C Cr W Mo V Si Mn Ni Co
ABNT D3 2,0 11,5 - - 0,2 - - - -
ABNT D2 1,5 12,0 - 0,95 0,9 0,3 - - -
ABNT S1 * 0,45 1,4 2,0 0,2 0,2 1,0 - - -
ABNT O1 * 0,95 0,5 0,5 - 0,12 - 1,25 - -
ABNT W2 * 1,00 - - - 0,25 - - - -
ABNT W1 * 0,70 - - - - - - - -
ABNT H21 0,30 2,65 8,5 - 0,35 - - - -
ABNT H12 0,35 5,0 1,35 1,5 0,25 1,0 - - -
ABNT H13 0,40 5,0 - 1,5 1,0 1,0 - - -
ABNT H11 0,38 5,0 - 1,35 0,4 1,0 - - -
,
ABNT P20 * ** 0,36 1,8 - 0,2 - - 0,6 1,0 -
ABNT M35 0,92 4,15 6,3 4,8 1,85 - - - 4,8
ABNT M2 0,85 4,25 6,1 5,0 1,9 - - - -
ABNT M7 1,0 3,8 1,8 8,7 2,0 - - - -
ABNT T1 0,75 4,25 18,0 - 1,1 - - - -
* aços de baixa-liga
** aços classe P: aplicações em moldes para plásticos

2.2.4.2 – CLASSIFICAÇÃO SEGUNDO A NORMA DIN

A norma DIN classifica os materiais de três modos distintos, podendo ser pela composição
química, pela resistência mecânica (utilizando-se ou da tensão de ruptura ou da tensão de
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escoamento) ou, ainda, por meio de números.

i) Classificação segundo a composição química

A classificação segundo a composição química apresenta três categorias diferentes, a saber:

a) Aços-ao-carbono, aços fundidos e ferros fundidos não-ligados:

Estes materiais, apresentando teores básicos de elementos decorrentes do processo de fabricação


(Si < 0,5%, Mn < 0,8%, Cu < 0,25% e Al < 0,1%, em peso), são classificados por uma letra C que
indica se tratar de aço-ao-carbono e dois números que indicam o teor de carbono multiplicado por
100. Letras adicionais podem completar a especificação (ex.: k = pequenos teores de P e S; G =
recozido; N = normalizado; V = temperado e revenido; E = temperado e cementado; GS = aço
fundido; ...). Exemplificando, o aço DIN C15 é um aço ao carbono contendo 0,15% C. Um
segundo exemplo pode ser o aço DIN Ck45N, ou seja, um aço ao carbono com pequenos teores de
P e S, apresentando 0,45% C, sendo fornecido no estado normalizado. A Tabela 11 apresenta os
equivalentes dos aços da Tabela 7 segundo a norma DIN.

Tabela 11 – Equivalentes dos aços da Tabela 7 segundo a norma DIN.

Aço Equivalente
ABNT 1008 DIN C8
ABNT 1010 DIN C10
ABNT 1015 DIN C15
ABNT 1020 DIN C20
ABNT 1025 DIN C25
ABNT 1035 DIN C35
ABNT 1045 DIN C45
ABNT 1060 DIN C60
ABNT 1084 DIN C84
ABNT 1095 DIN C95

b) Aços e ferros fundidos de baixa-liga (elem. de liga  5%)

Estes materiais são classificados pelo teor de carbono multiplicado por 100, seguido dos elementos
de liga presentes e seus respectivos teores multiplicados por um fator de multiplicação. Alguns
valores típicos de fatores de multiplicação: Mn = 4; Cr = 4; Ni = 4; Mo = 10; .... Os exemplos
abaixo são representativos de especificações deste grupo de aços:
 Aço DIN 16 MnCr 5: aço com 0,16% C, 1,25% Mn e traços de Cr;
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 Aço DIN 26 CrMo 4: aço com 0,26% C, 1,00% Cr e traços de Mo;


 Aço DIN 34 NiCrMo 5 5 4: aço com 0,34% C, 1,25% Ni, 1,25% Cr e 0,40% Mo.

A Tabela 12 apresenta os equivalentes dos aços da Tabela 8 segundo a norma DIN.

Tabela 12 – Equivalentes dos aços da Tabela 8 segundo a norma DIN (Villares).

Aço Equivalente
ABNT 4140 DIN 42 Cr Mo 4
ABNT 4130 DIN 25 Cr Mo 4
ABNT 8660 DIN 60 Ni Cr Mo 2
ABNT 5140 DIN 41 Cr 4
ABNT 52100 DIN 100 Cr 6
ABNT 6150 DIN 50 Cr V 4
ABNT 9260 DIN 60 Si 7

c) Aços e ferros fundidos de alta-liga (elem. de liga > 5%)

Idêntico ao caso anterior, porém apresentando necessariamente um X na frente da especificação,


que é o indicador de o material se tratar de alta-liga. A presença do X na especificação anula os
fatores de multiplicação considerados no caso de aços de baixa-liga. A título de exemplo, são
consideradas as seguintes especificações de aços:
- Aço DIN X 7 Cr 13: aço inoxidável ferrítico com 0,07% C e 13% Cr;
- Aço DIN X 15 CrNiSi 25 20: aço inoxidável austenítico com 0,15% C, 25% Cr, 20% Ni e
traços de Si;
- Aço DIN X 165 CrMoV 12: aço indeformável com 1,65% C, 12% Cr e traços de Mo e V.

As Tabelas 13 e 14 apresentam, respectivamente, os equivalentes dos aços das Tabelas 9 e 10


segundo a norma DIN.

ii) Classificação segundo a resistência

Esta classificação especifica o aço através do seu limite de resistência a tração (tensão de ruptura)
ou do seu limite de escoamento, dados em N/mm2 (ou MPa). Algumas letras usadas na
especificação desta norma são: R = aço acalmado; Ro = aço no estado bruto de fusão; RR = aço
super-acalmado; U = aço não acalmado; St = tensão de ruptura; Ste = tensão de escoamento,.... A
título de exemplo são apresentados dois casos ilustrativos:
- Aço DIN RSt 37: aço acalmado, com rup = 370 MPa;
- Aço DIN RoSt 33: aço no estado bruto de fusão, com rup = 330 MPa.
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Tabela 13 – Equivalentes dos aços de alta-liga resistentes a corrosão e a altas temperaturas da


Tabela 9 segundo a norma DIN (Villares).

Aço (tipo) Equivalente


ABNT 410 (inoxidável martensítico) DIN X 10 Cr 13 (similar)
ABNT 420 (inoxidável martensítico) DIN X 30 Cr 14 (similar)
ABNT 416 (inoxidável martensítico) DIN X 12 Cr S 13 (similar)
ABNT 302 (inoxidável austenítico) DIN X 12 Cr Ni 18 8
ABNT 304 (inoxidável austenítico) DIN X 5 Cr Ni 18 8 (similar)
ABNT 304L (inoxidável austenítico) DIN X 2 Cr Ni 18 9 (similar)
ABNT 310 (inoxidável austenítico) DIN X 15 Cr Ni Si 25 20 (similar)
ABNT 316 (inoxidável austenítico) DIN X 5 Cr Ni Mo 18 10 (similar)
ABNT 316L (inoxidável austenítico) DIN X 2 Cr Ni Mo18 10 (similar)

Tabela 14 – Equivalentes dos aços ferramentas da Tabela 10 segundo a norma DIN (Villares).

Aço (tipo) Equivalentes


ABNT D6 (indeformável para trabalho a frio) DIN X 210 Cr W 12
ABNT D3 (indeformável para trabalho a frio) DIN X 210 Cr 12
ABNT D2 (indeformável para trabalho a frio) DIN X 155 Cr V Mo 12 1 (similar)
ABNT S1 (resistente ao impacto) * DIN 45 W Cr V 7 (similar)
ABNT O1 (temperável em óleo) * DIN 100 Mn Cr W 4 (similar)
ABNT W2 (temperável em água) * DIN 100 V 1 ou DIN C 100 W1 (similares)
ABNT W1(temperável em água) * DIN C 70 W1 (similar)
ABNT H21 (indeformável para trabalho a quente) DIN X 30 W Cr V 9 3
ABNT H12 (indeformável para trabalho a quente) DIN X 37 Cr Mo W 5 1 (similar)
ABNT H13 (indeformável para trabalho a quente) DIN X 40 Cr Mo V 5 1 (similar)
ABNT H11 (indeformável para trabalho a quente) DIN X 38 Cr Mo V 5 1 (similar)
ABNT P20 (para moldes plásticos) * DIN 35 Cr Mo 4 (similar)
ABNT M35 (rápido ao Mo)
ABNT M2 (rápido ao Mo)
ABNT M7 (rápido ao Mo)
ABNT T1 (rápido ao W)
* os aços de baixa-liga
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iii) Classificação por números

Esta classificação utiliza 7 números, sendo o primeiro referente ao tipo de material, os quatro
números seguintes indicando o tipo de aço e a composição química e os dois últimos números
sendo utilizados para dados complementares. Esta forma de especificação torna-se mais
complicada uma vez que necessita de tabela para consulta, não sendo auto-explicativa como nos
casos anteriores. Como exemplo: aço DIN 1.7035 = aço DIN 41Cr 4 (aço com 0,40% C e 1,00%
Cr). De forma genérica: aço DIN X.XXXX.XX

2.3 – INTRODUÇÃO AO TRATAMENTO TÉRMICO DOS AÇOS

Basicamente, pode-se dizer que a realização de tratamento térmico nos aços possibilita a obtenção
de microestruturas especiais, as quais conferem ao material um conjunto de determinadas
propriedades mecânicas o qual é indicado para uma gama de aplicações específicas.

Todo tratamento térmico abrange três etapas distintas e igualmente importantes: a) aquecimento;
b) permanência na temperatura especificada; e c) resfriamento. A nível introdutório, especial
atenção é normalmente dada somente à etapa de resfriamento, pois uma vez austenitizado de
forma adequada o aço, a transformação da austenita poderá ocorrer para diferentes constituintes, o
que é uma função do tipo (se contínuo ou isotérmico) e da forma (rápida, intermediária ou lenta)
em que o resfriamento ocorrer.

Por outro lado, regras práticas normalmente indicadas pelo próprio fabricante do aço garantem
uma boa condição de aquecimento, quando da austenitização da liga, onde se procura evitar
basicamente o crescimento de grão excessivo bem como a “queima” do material.

Define-se:

Queima: fenômeno que se caracteriza pelo superaquecimento do aço à temperaturas vizinhas da


linha “sólidus”, tornando o aço quebradiço e resultando normalmente na oxidação (precipitação de
fases óxidas) junto aos contornos de grão do material. O aço, neste caso, é chamado de queimado e
sua regeneração não se torna mais possível (Colpaert, 1974).

Quanto ao tempo de permanência na temperatura especificada de tratamento, este é uma função


diretamente relacionada à transferência de calor do forno (aquecimento por resistências, por
radiação, por indução magnética ou por plasma), bem como do meio (sólido, líquido ou gasoso)
usado para o aquecimento da carga ou da peça. Normalmente nos fornos convencionais
(aquecimento por resistência) costuma-se deixar cerca de 1 a 1,5 minuto por milímetro de seção
transversal.

Dentre os diversos tratamentos térmicos existentes para os aços, merecem destaque: a) o


recozimento pleno; b) a normalização; c) a têmpera; d) o revenimento; e) a austêmpera; e f) a
martêmpera. Estes tratamentos são definidos à frente com o auxílio dos diagramas TTT (tempo,
temperatura, transformação) e dos diagramas TRC (de transformação sob resfriamento contínuo).
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2.3.1 – DIAGRAMAS TTT (TEMPO, TEMPERATURA E TRANSFORMAÇÃO)

Os diagramas TTT (tempo, temperatura, transformação) são conhecidos também por Diagramas de
Transformação Isotérmica, pelo fato de que nele são apresentados os produtos de transformação da
austenita quando esta se transforma isotermicamente, ou seja, a uma determinada temperatura
constante. Estes diagramas, por apresentarem em um dos eixos a variável tempo (eixo das
abscissas), relacionam-se diretamente com a cinética de transformação e, portanto, com a
velocidade com que a austenita se transforma a uma determinada temperatura (eixo das
ordenadas), diferentemente dos diagramas de equilíbrio, os quais relacionam-se exclusivamente
com os aspectos termodinâmicos, ou seja, com as fases de equilíbrio previstas para cada liga do
sistema em função da temperatura, conforme já visto. As curvas presentes nos diagramas TTT
indicam os tempos de início e fim de transformação da austenita na temperatura considerada. Estas
curvas são chamadas de curva de início (Ci) e curva de fim (Cf) de transformação da austenita e,
para os aços-ao-carbono apresentam o formato característico de um C.

A Figura 42 mostra um diagrama TTT esquemático para o aço eutetóide. Cabe ressaltar que cada
aço apresenta um diagrama TTT próprio, valendo exclusivamente para o aço considerado. Devido
a enorme quantidade de aços diferentes, existe uma infindável quantidade de diagramas TTT, o
que torna fundamental o bom entendimento dos mesmos. Esta observação decorre do fato de que
estes diagramas, associados aos diagramas TRC (transformação sob resfriamento contínuo)
tornam-se ferramentas poderosas na prática dos tratamentos térmicos.

Voltando à Figura 42, a análise detalhada do diagrama indica a presença de dois campos distintos
para a fase austenita, podendo-se observar:
a) o campo da austenita estável, o qual ocorre para temperaturas acima da temperatura A1 (727
ºC), de acordo com o diagrama de equilíbrio Fe-C;
b) o campo da austenita meta-estável, o qual está situado entre as temperaturas A1 (727 ºC) e Mi
(Mi = temperatura de início de transformação martensítica), bem como à esquerda da curva de
início de transformação da austenita, ou seja, para tempos menores do que aqueles nos quais a
austenita meta-estável começa a se transformar isotermicamente em um produto determinado.

Pode-se observar também (Figura 42), um campo específico para a fase/constituinte martensita,
situado para temperaturas abaixo da temperatura Mi. Cabe explicar que, quando a austenita é
resfriada bruscamente para temperaturas abaixo de Mi, a transformação isotérmica deixa de
ocorrer, dando lugar a uma transformação dita atérmica, não-difusional e independente do tempo,
chamada de transformação martensítica, a qual ocorre por meio de cizalhamento de planos
cristalográficos da estrutura do ferro, dando origem à fase de não-equilíbrio conhecida por
martensita (definida no ítem 2.1.1). A transformação martensítica é dita uma transformação
militar, pois porções de martensita são formadas, à velocidades próximas da do som, para cada
gradiente de temperatura abaixo de Mi, prosseguindo de forma régia com a queda de temperatura e
interrompendo-se caso a temperatura for mantida constante. Pelo fato da temperatura Mi ser muito
baixa, a difusividade atômica torna-se muito baixa, mesmo para elementos instersticiais como o
carbono. Com a queda brusca da temperatura, o carbono fica obrigado a se manter em solução
sólida no Ferro, dando origem à estrutura TCC (tetragonal de corpo centrado), não prevista no
diagrama de equilíbrio. O tratamento térmico de têmpera, responsável pela obtenção da estrutura
martensítica nos aços, é apresentado à frente, com o recurso dos diagramas TRC, uma vez que o
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 70
1/10/2016

resfriamento brusco é um resfriamento tipicamente contínuo.

À direita da curva de fim de transformação da austenita (Figura 42), ou seja, para tempos maiores
do que aqueles nos quais a austenita meta-estável termina a sua transformação isotérmica, pode-se
verificar a formação de diferentes produtos, dependendo da temperatura em que a transformação
ocorreu. Para o caso em estudo, pode-se observar no diagrama TTT, a obtenção de dois tipos
distintos de perlita, apresentando morfologias diferenciadas, as quais são denominadas de perlita
grosseira e de perlita fina, em função da temperatura em que a transformação ocorre. A obtenção
de perlita, para o aço considerado, é verificada para uma faixa de temperaturas aproximada
variando entre A1 e 550 ºC. Pode-se observar que quanto menor a temperatura em que a
transformação ocorre, mais refinada é a microestrutura resultante e, consequentemente, maior a
dureza do constituinte e do material obtido, o que é explicado pelo mecanismo de aumento de
resistência por refino de grão, conforme visto no ítem 2.1. Além da perlita, já definida no ítem
1.4.3, o diagrama TTT do aço eutetóide apresenta um outro produto de transformação da austenita,
o qual é chamado de bainita. Ambos os produtos, perlita e bainita, são obtidos através de
transformação envolvendo difusão atômica, caracterizando-se portanto por uma transformação
termicamente ativada e dependente do tempo, conforme esperado.

800
T (ºC)
 estável
A1
700  meta-estável
Perlita grosseira
(HRC 5 a 20)
600
Perlita fina
(HRC 30 a 40)
500
Ci Cf
Bainita superior
(HRC 40 a 45)
400
 meta-estável Bainita inferior
(HRC 50 a 60)
300

Mi
200
M50% Martensita +  retida
M90% (HRC 65 a 67)

100

0
10-1 1 10 102 103 104 105
Tempo (s)

Figura 42 – Diagrama TTT esquemático para o aço eutetóide.


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 71
1/10/2016

Define-se:

Bainita: constituinte bifásico formado por agregados de ferrita em forma de pena (bainita superior,
obtida para temperaturas da ordem de 450 ºC) ou por ferrita acicular em forma de agulhas (bainita
inferior, obtida para temperaturas da ordem de 200 ºC) apresentando uma dispersão extremamente
refinada de carboneto de ferro (cementita) ao longo da ferrita. Sua dureza pode variar de HRC 40 a
60. Caracteriza-se por conferir aos aços uma excelente relação entre resistência mecânica e
ductilidade, ou seja, excelente tenacidade, sendo especialmente indicado para a fabricação de
cabos de elevadores, cordas de instrumentos musicais, entre outras aplicações.

Na Figura 43 é apresentado o aspecto típico do constituinte bainita nos aços. Pelo fato da fase
cementita ser extremamente refinada na estrutura bainítica, normalmente não se consegue
distinguir a fase carboneto distribuída na ferrita. Neste caso específico, seria necessário o recurso
da microscopia eletrônica, usando-se aumentos da ordem de 15.000X, inviáveis por microscopia
ótica.

Figura 43 – Aspecto da bainita obtida em aço tratado isotermicamente. Ataque químico Nital-3%.
(Metallographic supplies – P.F. Dujardin & CO, 1958).

Cabe ressaltar que a obtenção de uma microestrutura bainítica nos aços somente é garantida
quando da transformação isotérmica da austenita, o que é conseguido a partir do tratamento
conhecido por austêmpera, conforme evidenciado na Figura 44.

Voltando à Figura 42, resta ainda explicar a ocorrência de austenita retida ( retida), evidenciada
no campo martensítico, definido para temperaturas abaixo de Mi. Sua presença, evidenciada em
aços contendo teores acima de 0,4% C, em peso, é explicada pelo fato de que a transformação
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 72
1/10/2016

martensítica ocorre com um aumento de volume da ordem de 4% (1,33% de aumento linear).


Como a formação da martensita ocorre a partir dos contornos de grãos da austenita para a o seu
interior, ou seja, no sentido da fronteira para o centro do grão, o aumento de volume, evidenciado
à medida em que a transformação ocorre, tende a impossibilitar para determinadas condições a
continuidade da transformação, sendo a falta de espaço para a expansão volumétrica ocorrer a
principal causa da presença de austenita retida junto aos cristais de martensita. Para o caso em
estudo, ou seja, em um aço eutetóide, a quantidade de austenita retida distribuída entre as placas de
martensita é da ordem de 8%, em área (Figura 39: a austenita retida é a fase branca).

2.3.1.1 – TRATAMENTO TÉRMICO DE AUSTÊMPERA

Na Figura 44 é apresentado o diagrama TTT esquemático do aço eutetóide, estando indicado (em
vermelho) a simulação de um percurso típico de resfriamento e de transformação da liga
austenitizada para a obtenção de uma microestrutura bainítica (comparar com a Figura 42). Deve-
se ressaltar que, uma vez cruzada a curva em C de fim de transformação da austenita, nenhuma

800
T (ºC) 727 ºC A
700

600 A
+
F F+C
500 +
C

400

Am
300

Mi
200
M50%
M + Ar
M90%
100

0
10-1 1 10 102 103 104 105
Tempo (s)

Figura 44 – Diagrama TTT esquemático do aço eutetóide apresentando um percurso típico de


resfriamento e de transformação da liga austenitizada para a obtenção de bainita (as letras A, F, C
e M indicam as fases austenita, ferrita, cementita e martensita, respectivamente).
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 73
1/10/2016

transformação adicional ocorre no aço, sendo que a estrutura obtida permanece estável até a
temperatura ambiente. No caso em estudo, a transformação é concluída com a obtenção da
estrutura bainítica. A reprodução da condição de resfriamento e de transformação, acima
considerada, é normalmente realizada, na prática, através do tratamento térmico conhecido por
austêmpera.

Define-se:

Austêmpera: tratamento que provoca uma transformação isotérmica da austenita em temperatura


inferior à do cotovelo da curva em C, de início de transformação, de modo a dar como produto
uma microestrutura bainítica. A transformação isotérmica da austenita é normalmente garantida a
partir da utilização de banhos de sais fundidos em temperaturas de até 450 ºC e de chumbo na fase
líquida, acima de 327 ºC.

Apenas a título de curiosidade, define-se:

Recozimento isotérmico: tratamento que provoca uma transformação isotérmica da austenita em


temperatura superior à do cotovelo da curva em C, de início de transformação, de modo a dar
como produto uma microestrutura perlítica.

2.3.2 – DIAGRAMAS TRC (TRANSFORMAÇÃO SOB RESFRIAMENTO CONTÍNUO)

A Figura 45 apresenta o diagrama TRC (diagrama de transformação sob resfriamento contínuo)


esquemático para o aço eutetóide. Neste diagrama estão representadas também, a título de
comparação, em linhas tracejadas, as curvas típicas em C de início e fim de transformação
isotérmica da austenita (do diagrama TTT do aço eutetóide), além de uma curva representativa da
taxa crítica de resfriamento (em vermelho), conforme indicada na figura.

Os diagramas TRC são assim chamados pelo fato de que nele são apresentados os produtos de
transformação da austenita quando esta se transforma sob condições de resfriamento contínuo.
Estes diagramas apresentam no eixo das abscissas a variável tempo e no eixo das ordenadas a
variável temperatura e relacionam-se diretamente com a cinética de transformação, neste caso,
definida pela velocidade com que a austenita se transforma a uma determinada taxa de
resfriamento. As curvas presentes nos diagramas TRC indicam também os tempos de início e fim
de transformação da austenita nas diferentes taxas de resfriamento consideradas. Estas curvas são
igualmente chamadas de curva de início (Ci) e curva de fim (Cf) de transformação da austenita. Em
relação ao diagrama TTT, as transformações obtidas sob condições de resfriamento contínuo
normalmente sofrem um pequeno retardo tanto em termos de temperaturas como de tempos, ou
seja, ocorrem para temperaturas ligeiramente menores e para tempos ligeiramente maiores. Resulta
disso que as curvas TRC sempre apresentam-se ligeiramente deslocadas para baixo e para a direita
em relação às respectivas curvas do diagrama TTT do mesmo aço considerado. A Figura 45 ilustra
adequadamente este fato. Deve-se ressaltar também que cada aço apresenta um diagrama TRC
próprio, valendo exclusivamente para o aço considerado, existindo, portanto, uma infindável
quantidade de diagramas TRC.

A análise do diagrama TRC do aço eutetóide permite evidenciar que através de resfriamento
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 74
1/10/2016

contínuo não é possível a obtenção da microestrutura bainítica, o que se repete para os demais
aços-ao-carbono. Note-se que a parte inferior das curvas em C do diagrama isotérmico desaparece
no diagrama TRC, indicando apenas a possibilidade de obtenção de perlita, grosseira ou refinada,
dependendo da taxa de resfriamento utilizada, além da possibilidade de obtenção de uma
microestrutura martensítica, para o caso de se utilizar uma taxa de resfriamento mais rápida que a
taxa crítica de resfriamento, indicada na Figura 45. A taxa crítica é aquela que tangencia a curva
de início de transformação da austenita (Ci) no seu ponto mais extremo à esquerda. Caso a taxa de
resfriamento utilizada em um determinado tratamento cruze a curva de início de transformação
(Ci), porém não cruze com a curva de fim de transformação da austenita (Cf), a liga apresentará à
temperatura ambiente uma mistura de perlita e martensita, além de um pouco de austenita retida.

800
T (ºC) 727 ºC  estável
700

Ci Perlita grosseira
600 Cf

Perlita fina
500

400

300
 meta-estável
Mi
200
M50%
Martensita +  retida
M90%

100
Taxa crítica de resfriamento
0
10-1 1 10 102 103 104 105
Tempo (s)

Figura 45 – Diagrama TRC esquemático para o aço eutetóide.

Na prática, a aplicabilidade do diagrama TRC é bem mais ampla do que a do diagrama TTT, pois a
maioria dos tratamentos térmicos de interesse na engenharia são realizados utilizando-se
resfriamentos contínuos. Na Figura 46 é apresentado o diagrama TRC esquemático do aço
eutetóide, com a superposição de curvas de resfriamento contínuo típicas dos tratamentos térmicos
de têmpera em água, têmpera em óleo, normalização e de recozimento pleno, estando indicados,
ainda, os respectivos constituintes obtidos para cada tratamento.
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 75
1/10/2016

800
T (ºC) A1
700

600

500
Recozimento pleno

400 Normalização
Têmpera
em água
300
Têmpera
Mi em óleo
200
Perlita
Perlita fina grosseira

100 Martensita
+ retida Martensita + Perlita

0
10-1 1 10 102 103 104 105
Tempo (s)

Figura 46 – Diagrama TRC esquemático do aço eutetóide, com a superposição de curvas de


resfriamento contínuo típicas dos tratamentos térmicos de têmpera em água, têmpera em óleo,
normalização e de recozimento pleno, com a indicação dos respectivos produtos de transformação.

2.3.2.1 – TRATAMENTO TÉRMICO DE TÊMPERA E REVENIDO

Define-se:

Têmpera: tratamento que consiste no aquecimento da liga acima da zona crítica (linhas A3 e A1 do
diagrama Fe-C, respectivamente para os aços hipoeutetóides e para os aços hipereutetóides),
seguido de um resfriamento rápido (contínuo), o qual pode ser feito em água, óleo, ou mesmo ao
ar, dependendo da temperabilidade do aço, a qual é responsável por definir a taxa de resfriamento
mais adequada para a liga considerada (ver Figura 45), promovendo a transformação da austenita
em martensita, em temperaturas abaixo da temperatura Mi. Quando a temperatura final do
tratamento de têmpera é superior à temperatura Mf (temperatura de fim de transformação
martensítica da liga considerada), parte da austenita permanece associada à martensita, não
sofrendo a transformação e ficando retida entre as agulhas de martensita, recebendo assim o nome
de austenita retida (ver item 2.3.1). O tratamento de têmpera, em geral, tem por objetivo o
aumento da dureza, do limite de escoamento, da resistência a tração, à compressão e ao desgaste,
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 76
1/10/2016

às custas da diminuição da resistência ao choque, do alongamento, da estricção e da ductilidade do


aço.

A quantidade de austenita retida é uma função da quantidade de carbono da liga, tornando-se


importante nos aços a partir de 0,4%C, em peso. A Figura 47 apresenta a evolução da quantidade
de martensita do tipo massiva ou na forma de agulhas (“lath martensite”) e de austenita retida em
função do teor de carbono do aço. Nesta figura é também apresentada a evolução da temperatura
de início de transformação martensítica (Mi) também em função do teor de carbono do material.

Mi
Temperatura Mi (ºC)

’
(% vol.)

% vol. relativo
de martensita 
massiva (’) (% vol.)
% vol. de 
 retida

TeorTeor
de carbono (% em
de carbono peso)
(% em peso)

Figura 47 - Evolução da quantidade de martensita do tipo massiva (“lath martensite”), da


temperatura de início de transformação martensítica (Mi) e da quantidade de austenita retida em
função do teor de carbono do aço, em peso (adaptado de Reed-Hill, 1991).

A análise da Figura 47 possibilita a obtenção de algumas informações extremamente importantes:


a) com relação ao tipo da martensita: verifica-se que o tipo da martensita é uma função direta do
teor de carbono da liga. Para aços contendo teores acima de 1,0% C, a martensita é
praticamente, na sua totalidade, do tipo acicular ou “plate martensite” (ver item 2.1.1);
b) com relação à temperatura de início de transformação martensítica Mi: fica evidenciado que
quanto maior o teor de carbono da liga, menor é a temperatura Mi. Note-se que Mi diminui de
cerca de 500 ºC para um aço com 0,2% C, para cerca de 150 ºC para um aço com 1,2% C.
Deve-se ressaltar que à medida em que Mi diminui, o mesmo ocorre com Mf (temperatura de
fim de transformação martensítica). Consequentemente, para aços apresentando teores
superiores a 0,4% C, Mf encontra-se abaixo da temperatura ambiente, resultando na ocorrência
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 77
1/10/2016

de austenita retida, no material tratado;


c) com relação à quantidade de austenita retida: esta aumenta com o teor de carbono da liga.
Pode-se observar que aços apresentando teores inferiores a 0,4% C praticamente não
apresentam austenita retida após o tratamento de têmpera. A quantidade de austenita retida
cresce a partir de 0,4% C para cerca de 40% em volume, em aços apresentando teores
superiores a 1,4% C, em peso.

Por fim, deve-se especificar de forma correta o tempo de manutenção na temperatura especificada,
precedendo-se à etapa de resfriamento no tratamento de têmpera. O tempo de permanência na
temperatura especificada de tratamento, para uma adequada homogeneização da temperatura na
peça, ou completa austenitização do material, é via de regra, da ordem de 20 minutos para cada
centímetro de espessura da peça, ou seja, cerca de 2 min/mm de seção transversal. Esta regra, para
definição do tempo de permanência, é válida também para os demais tipos de tratamentos.

Por outro lado, é fundamental ressaltar que sempre e de forma imprescindível, imediatamente após
a têmpera, faz-se necessário a realização do tratamento térmico de revenido, visando o alívio de
tensões. Isto se deve à condição de extrema fragilidade conferida ao aço, pelo tratamento de
têmpera, quando da transformação martensítica (ver item 2.1.1), decorrente da elevada dureza da
martensita formada e das tensões internas e residuais inerentes à esta transformação.

Como no resfriamento rápido necessário para a realização da têmpera, a velocidade de


resfriamento da superfície é sempre maior que a do núcleo ou centro do material ou da peça (ver
Figura 48), aquela se transforma primeiro em martensita e, na sequência, o mesmo ocorre com o
núcleo. Lembrando-se que a transformação martensítica ocorre com aumento de volume
(conforme visto no item 2.3.1) e considerando-se que o núcleo é a última parte do material a se
transformar, é comum o surgimento de tensões de tração na superfície, as quais podem dar origem
a fissuras, podendo resultar, ainda, no trincamento das peças. Se haverá ou não uma resultante de
tensões de tração e, portanto, o risco de formação de trincas na superfície da peça, isso dependerá
da resultante de dois esforços concorrentes: a) dos esforços originados a partir da contração
térmica devido ao resfriamento brusco; e b) dos esforços originados a partir da expansão
volumétrica devido a transformação martensítica no material. A escolha adequada do aço
associada à elevada temperabilidade do material ajudam a reduzir esse risco.

Define-se:

Revenido: tratamento que consiste em reaquecer a peça ou o material temperado até uma
temperatura conveniente, abaixo da zona crítica (linha A1 do diagrama Fe-C), e resfriá-la
novamente até a temperatura ambiente. São usuais tempos de permanência da ordem de 1, 2 ou até
4 horas, na temperatura adotada, a qual é escolhida normalmente para valores variando entre 150 e
650 ºC (a faixa de temperatura entre aproximadamente 200 e 300 ºC não é recomendada por
apresentar o problema associado à fragilidade ao revenido, que se caracteriza pela diminuição da
resistência ao choque do aço). A escolha da temperatura de revenido é uma função direta do
conjunto de propriedades mecânicas que se deseja obter no aço, após a realização dos ciclos
térmicos de têmpera e revenido, informações, essas, disponíveis nos diagramas de revenimento,
os quais são fornecidos normalmente pelo fabricante do aço, conforme visto à frente. O revenido
tem por objetivo o alívio de tensões internas perigosas e a diminuição da dureza e da fragilidade
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 78
1/10/2016

excessivas, as quais são típicas do material temperado. Com o revenido diminui-se


progressivamente, com o aumento da temperatura de tratamento, a dureza, o limite de resistência a
tração e o limite de escoamento, aumentando-se, em contrapartida, o alongamento, a estricção e a
resistência ao choque.

A nível metalúrgico, no material, o aquecimento da martensita, durante o revenido, possibilita a


reversão do reticulado TCC (tetragonal de corpo centrado), meta-estável, para o reticulado estável
CCC (cúbico de corpo centrado), produz ainda reajustes internos que produzem alívio de tensões
e, por fim, produz uma precipitação de partículas de carbonetos que crescem e se aglomeram, de
acordo com a temperatura e tempo especificados. As seguintes transformações podem ser
observadas em função da temperatura de revenido:
a) entre 25 e 100 ºC: ocorre uma segregação ou uma redistribuição de átomos de carbono junto às
discordâncias, afetando pouco a dureza do material;
b) entre 100 e 250 ºC (também chamado de 1o estágio do revenido): ocorre a precipitação do
carboneto de ferro do tipo  (Fe2-3C), de reticulado hexagonal, iniciando-se a diminuição da
dureza do material;
c) entre 200 e 300 ºC (também chamado de 2o estágio do revenido): ocorre a transformação de
austenita retida em bainita, sendo que a dureza do material continua a cair;
d) entre 250 e 350 ºC (também chamado de 3o estágio do revenido): forma-se um carboneto de
ferro metaestável do tipo Fe5C2, podendo evoluir para a cementita, sendo que a dureza do
material continua a cair;
e) entre 400 e 600 ºC: ocorre uma recuperação da subestrutura de discordância, sendo que os
aglomerados de cementita passam para uma forma esferoidal, ficando mantida uma estrutura
de ferrita fina acicular, sendo que a dureza do material cai rapidamente nesta faixa de
temperatura;
f) entre 500 e 600 ºC (também chamado de 4o estágio do revenido): somente nos aços contendo
W, Mo e V (normalmente nos aços de alta-liga, do tipo rápidos) ocorre a precipitação de
carbonetos de liga nesta faixa de temperatura, resultando no efeito conhecido por
endurecimento secundário, que se caracteriza por um ganho adicional de dureza e resistência
mecânica, otimizando-se as propriedades do material quando revenido nessas temperaturas; e
g) entre 600 e 700 ºC: ocorre recristalização e crescimento de grão, a cementita precipitada
apresenta-se de forma esferoidal, a ferrita apresenta-se de forma equi-axial, resultando numa
estrutura frequentemente chamada de esferoidita, a qual se caracteriza por ser muito dúctil e de
baixa dureza. A microestrutura obtida no revenido realizado nesta faixa de temperaturas é
similar à apresentada na Figura 23, guardando-se as devidas proporções das dimensões dos
precipitados de cementita e dos grãos de ferrita, uma vez que a estrutura obtida no revenido é
significativamente mais refinada do que a obtida através da esferoidização da perlita.

Deve-se enfatizar que em todas as etapas do revenido onde se verifica a redistribuição de átomos
de carbono ou a precipitação de fases carbonetos, estes eventos ocorrem simultaneamente à saída
do carbono de solução sólida da martensita, por meio de difusão atômica, resultando na
transformação progressiva da estrutura TCC (martensítica) para a estrutura CCC (ferrítica). Daí se
explica o termo típico usado para a martensita revenida, a qual é chamada de martensita cúbica.
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 79
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2.3.2.2 – TRATAMENTO TÉRMICO DE MARTÊMPERA

A Figura 48 apresenta o procedimento tipicamente usado no tratamento térmico de martêmpera do


aço, o qual consiste em resfriá-lo de forma contínua até a uma temperatura ligeiramente superior à
temperatura Mi, de modo que, após a manutenção em um pequeno intervalo de tempo nesta
temperatura, tempo este suficiente apenas para ocorrer a equalização das temperaturas tanto da
superfície quanto do núcleo, garante-se que a evolução da transformação martensítica ocorrerá
simultaneamente em ambas as partes do material, núcleo e superfície, com a continuidade da
queda da temperatura para valores inferiores a Mi. Este procedimento diminui os riscos de
surgimento de tensões de tração na superfície do material e, consequentemente, de fissuras nas
peças tratadas, quando comparadas às peças temperadas.

800
T (ºC) A1
700

600

500

Curva de resfriamento
400 contínuo da superfície

Curva de resfriamento
300 contínuo do núcleo

Mi
200

100 Martensita + retida

0
10-1 1 10 102 103 104 105
Tempo (s)

Figura 48 – Procedimento de resfriamento contínuo tipicamente usado no tratamento térmico de


martêmpera do aço.

2.3.2.3 – TRATAMENTO TÉRMICO DE RECOZIMENTO PLENO

Define-se:
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 80
1/10/2016

Recozimento Pleno: é o tratamento por resfriamento contínuo que provoca a transformação da


austenita num produto constituído por perlita, a qual pode estar associada à ferrita (ferrita
proeutetóide), no caso dos aços hipoeutetóides e à cementita (cementita proeutetóide), no caso dos
aços hipereutetóides. Na prática, este tratamento consiste no aquecimento do aço até acima da
zona crítica (linhas A3 e A1 do diagrama Fe-C, respectivamente para os aços hipoeutetóides e para
os aços hipereutetóides), seguido de um resfriamento bastante lento, o que é normalmente
conseguido resfriando-se o material dentro do forno com a porta mantida fechada, após a completa
austenização do material. O recozimento pleno tem por objetivo restituir ao material suas
propriedades normais que foram alteradas por um tratamento mecânico ou térmico anterior ou
ainda refinar texturas brutas de fusão. Este tratamento “apaga” todas as texturas obtidas pelos
tratamentos anteriores, porque, ao passar pela zona crítica, no aquecimento, este se recristaliza
sempre sob a forma de grãos normais de austenita (chamados de equiaxiais), independente da
textura (textura inicial) que apresente antes de se atingir a referida zona. A temperatura de
recozimento varia em função do teor de carbono do aço, sendo indicado 50 ºC acima do limite
superior da zona crítica (acompanhando as linhas A3 e A1).

2.3.2.4 – TRATAMENTO TÉRMICO DE NORMALIZAÇÃO

Define-se:

Normalização: consiste num tipo de recozimento com o resfriamento contínuo do material sendo
realizado ao ar e não dentro do forno. A normalização tem por objetivo refinar a microestrutura,
quando comparada àquela obtida no recozimento pleno, o que é conseguido pela maior taxa de
resfriamento imposta ao material quando este é resfriado ao ar, resultando na passagem da
temperatura pela zona crítica a uma velocidade maior e, consequentemente, na obtenção de um
super-resfriamento mais elevado.

Super-resfriamento: no presente contexto, é representado pelo gradiente de temperatura (T), para


o qual a austenita é resfriada para uma condição de metaestabilidade, abaixo da zona crítica,
resultando numa condição de fora de equilíbrio. Quanto maior o super-resfriamento, mais fora do
equilíbrio a austenita se encontra, podendo-se esperar, neste caso, uma taxa de nucleação de
cristais da fase ferrita muito mais elevada (transformação /, no resfriamento), o que resulta na
obtenção de uma maior quantidade de grãos da nova fase e, deste modo, no refinamento da
microestrutura obtida. Em outras palavras, o super-resfriamento atua como força motora para a
nucleação da fase em transformação, exercendo influência direta na taxa de formação de núcleos
estáveis da nova fase.

A temperatura de normalização varia em função do teor de carbono do aço, sendo indicado 50 ºC


acima das linhas A3, para os aços hipoeutetóides e Acm, para os aços hipereutetóides, as quais
delimitam o campo austenítico no diagrama Fe-C.
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 81
01/10/16

2.3.3 – TEMPERABILIDADE

A temperabilidade de um aço pode ser entendida como a capacidade de endurecimento ou a


capacidade que o aço possui de obter estrutura martensítica (Figuras 38 e 39) a uma elevada
profundidade sob determinadas condições de resfriamento, conforme já visto no item 2.1.1.

Pode-se dizer que o afastamento do cotovelo da curva de início de transformação do eixo das
ordenadas, do diagrama TTT do aço considerado (Fig. 42), é proporcional à temperabilidade do
material, ou seja, quanto maior for esse afastamento menor será a velocidade de resfriamento
necessária para garantir a formação de martensita e, portanto, garantir o seu endurecimento.

Quando se deseja conhecer a profundidade de endurecimento de um determinado aço, para o caso


da fabricação de peças de responsabilidade, é comum recorrer-se à prática de ensaios. O ensaio de
temperabilidade Jominy, devido à sua praticidade e versatilidade é um dos mais usados. Na Figura
49 é apresentado o dispositivo típico utilizado na prática deste ensaio e o detalhe do corpo-de-
prova cilíndrico padrão, de comprimento de 4” e diâmetro de 1”.

1.25” de diâmetro

Corpo-de-prova

de diâmetro
de diâmetro
Orifício do
jato de água -
diâmetro .5”

Figura 49 – Dispositivo utilizado no ensaio Jominy e detalhe do corpo-de-prova (adaptado de


Reed-Hill, 1991).

Este ensaio consiste em promover a têmpera do corpo-de-prova a partir da incidência de um jato


de água contra a base inferior do cilindro. Impressões de dureza Rockwell-C feitas ao longo de
uma geratriz desse cilindro, a começar da base temperada, permite traçar a curva indicativa do
modo com que a dureza diminui, à medida que os pontos examinados se distanciam da base que
recebeu o jato de água. Uma diminuição suave dos valores da dureza até regiões afastadas da base,
revela tratar-se de um aço capaz de endurecer pela têmpera até apreciável profundidade (“deep
hardening”), comportamento este típico de um aço de elevada temperabilidade, cujo aspecto é
indicado pela curva 1, da Figura 50, a qual apresenta resultados típicos do ensaio Jominy para dois
aços de comportamentos distintos. Por sua vez, a queda brusca nesses valores, logo nas primeiras
determinações, isto é, naquelas feitas junto à base temperada, significa que o aço tende a tomar
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 82
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têmpera somente próximo da superfície submetida ao jato de água (“shallow-hardening”),


comportamento este típico de um aço de baixa temperabilidade, cujo aspecto é indicado pela curva
2, da Figura 50 (Colpaert, 1974).

Dureza
60
(HRC) Curva 1

55

50

45

40

35

30 Curva 2

25

20

0 8 16 24 32 40 48 56 64
Distância da ponta temperada (em 1/16”)

Figura 50 – Gráfico da evolução da dureza ao longo de corpo-de-prova Jominy para diferentes


aços.

A versatilidade deste ensaio é evidenciada pelo fato de que em um único corpo-de-prova diferentes
taxas de resfriamento contínuo são simuladas ao longo da geratriz do cilindro, conforme mostrado
na Figura 51, uma vez que a troca térmica e a respectiva perda de calor do corpo austenitizado se
faz preferencialmente de modo unidirecional, a partir da base na qual o jato de água incide. Deste
modo, no mesmo corpo-de-prova são efetivamente simuladas taxas de resfriamento típicas de
tratamentos térmicos de têmpera em diferentes meios de resfriamento, de normalização e de
recozimento pleno.

Na Figura 51 é apresentada, de forma ilustrativa, a superposição das curvas de resfriamentos para


diferentes posições de um corpo-de-prova Jominy, no respectivo diagrama TRC do aço eutetóide
considerado, além dos produtos de transformação obtidos em cada ponto do corpo ensaiado.
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Martensita

Martensita + Perlita nodular

Perlita fina

Perlita

Figura 51 – Curvas de resfriamentos para diferentes posições de um corpo-de-prova Jominy de um


aço eutetóide e respectivos produtos de transformação obtidos em cada ponto do corpo ensaiado
(adaptado de Atlas of IT and CT Diagrams, ASM, 1977).

2.4 – EFEITO DOS ELEMENTOS DE LIGA E DO CARBONO NAS PROPRIEDADES


MECÂNICAS DOS AÇOS

O conjunto de propriedades que um determinado aço possui é fortemente dependente das


propriedades e características da sua microestrutura, a qual é uma função direta da composição
química do material e do processo de fabricação e/ou do tipo de tratamento térmico para o qual a
liga foi submetida.

Para o melhor entendimento do efeito dos elementos de liga e do carbono nas propriedades dos
aços é importante conhecer como estes influenciam as propriedades dos seus constituintes, com
ênfase para a ferrita e a martensita.

Na Figura 52 é apresentada a influência dos elementos de liga, quando presentes na forma de


solução sólida com o ferro, sobre a dureza da ferrita (mecanismo de endurecimento por solução
sólida). Pode-se observar que o fósforo (P) é um dos principais elementos endurecedores da ferrita
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 84
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em solução sólida. Comportamento similar é evidenciado com o enxôfre (S). Ambos estes
elementos são utilizados na fabricação de aços de usinabilidade fácil, conforme já visto na Tabela
6, uma vez que ao endurecerem fortemente a ferrita, mesmo para pequenas quantidades de liga,
tem-se facilitada a quebra do cavaco durante a usinagem, diminuindo-se o risco de desgaste da
ferramenta pelo aquecimento gerado pelo atrito desta com o cavaco formado durante o corte.
Pode-se verificar, ainda, que o Si e o Mn são também fortes endurecedores da ferrita em solução
sólida. Este efeito é mais suave para os elementos Ni, Mo, V, W e Cr.

Merece destaque o fato do Cr apresentar o menor efeito de endurecimento da ferrita, quando em


solução sólida. Devido a isso, o que garante ao material uma adequada ductilidade, e associado ao
fato de o Cr ser o principal elemento de liga em termos de aumento da temperabilidade dos aços
(pois é o que promove o maior deslocamento das curvas em C, nos diagramas TTT/TRC, para
tempos maiores, ou seja, para a direita), este elemento de liga é extremamente importante nos aços
usados na fabricação de componentes mecânicos que empregam técnicas de conformação
(forjamento, por exemplo) e que necessitam da realização do tratamento térmico de têmpera para a
otimização de suas propriedades.

Figura 52 – Efeito da adição de elementos de liga substitucionais sobre a dureza da ferrita


(Thelning, 1984).

Na Figura 53 é apresentado o efeito da adição de elementos de liga formadores típicos de nitretos


sobre a dureza, após a realização de tratamento termoquímico superficial de nitretação. Pode-se
observar que o Al é o principal elemento de liga formador de nitreto e o que apresenta o maior
efeito de endurecimento no material quando ligado ao nitrogênio (endurecimento por precipitação
de partículas de segunda fase, no caso, nitreto de alumínio), o que torna este elemento altamente
recomendável em aços para fins de nitretação. Efeito similar, porém com menor poder de
endurecimento, ocorre para o Ti, o qual também forma um nitreto termodinamicamente muito
estável, ou seja, o nitreto de titânio. Note-se que para pequenos teores de Al e Ti, em aços
nitretados, camadas com dureza da ordem de HV 1000 podem ser facilmente obtidas.
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 85
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Figura 53 - Efeito da adição de elementos de liga sobre a dureza, após a realização de tratamento
de nitretação. Composição base do aço: 0.25% C, 0.3% Si e 0.7% Mn (Thelning, 1984).

Na Figura 54 é apresentado o efeito do carbono nas propriedades mecânicas dos aços-ao-carbono.


Como sabido, o carbono é o maior endurecedor do ferro e o elemento mais prejudicial à
ductilidade deste metal. Isso explica o fato de que, com o aumento do teor de carbono, a dureza
aumenta e a ductilidade, determinada pela medida do alongamento, cai continuamente. Em termos
de resistência mecânica, observa-se que o limite de resistência a tração atinge um valor máximo
para teores de carbono variando entre 1,3 e 1,4 %C, em peso, diminuindo para teores de carbono
maiores. Este fato é facilmente explicado pelo aumento da fração de cementita proeutetóide junto
aos contornos de grão das ligas hipereutetóides, fase esta que apresenta baixa resistência mecânica,
da ordem de 30 MPa, e que confere ao material uma maior fragilidade pela sua elevada dureza,
conforme já visto anteriormente.

Na Tabela 15 são apresentadas as propriedades mecânicas de aços-ao-carbono nos estados


normalizados e recozidos, em função do teor de carbono. A comparação dos resultados
apresentados permite evidenciar maiores valores de resistência mecânica (limite de escoamento e
limite de resistência a tração) e de dureza para as ligas normalizadas. Isto decorre do refino da
microestrutura evidenciado nas ligas normalizadas, conforme já visto (resultando no mecanismo
de endurecimento por refino de grão), quando comparadas com as ligas recozidas, as quais
apresentam um crescimento de grão excessivo, o que gera uma diminuição da resistência mecânica
do material como um todo.
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 86
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Figura 54 – Efeito do carbono na dureza, no limite de resistência a tração e no alongamento


(ductilidade) em aços-ao-carbono resfriados lentamente (tipicamente recozidos plenos), (Hubertus
Colpaert, 1974).

Na Figura 55 é apresentada a evolução da dureza da estrutura martensítica, obtida através da


têmpera, em função do teor de carbono. Cabe enfatizar que a dureza da fase martensita depende,
praticamente de forma exclusiva, da quantidade de carbono que nela está presente formando a
solução sólida supersaturada. Por outro lado, a dureza de um determinado aço, submetido ao
tratamento térmico de têmpera depende, além da quantidade de carbono presente na martensita,
também da quantidade relativa da fase martensita presente no material, considerando-se a
temperabilidade e as diferentes regiões deste. É evidente que um mesmo aço apresentará durezas
diferenciadas se para uma determinada condição de tratamento apresentar 100 % de martensita e
em outra condição apresentar 75% de martensita e 25% de perlita.
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Tabela 15 - Propriedades mecânicas de aços nos estados normalizados e recozidos, em função do


teor de carbono.

NORMALIZADO RECOZIDO
C (%) ESC MÁX  (%) Dureza ESC MÁX  (%) Dureza
2
(kgf/mm ) (kgf/mm ) 2
em 2” Brinell 2
(kgf/mm ) (kgf/mm ) 2
em 2” Brinell
0,01 18 31 45 90 12 29 47 90
0,20 31 45 35 120 25 41 37 115
0,60 42 76 19 220 34 67 23 190
0,80 49 94 13 260 36 80 15 220
1,00 70 106 7 295 36 75 22 195
1,40 67 103 1 300 35 69 19 215

Ainda na Figura 55, são apresentadas em função do teor de carbono, para fins de comparação, a
evolução da dureza de ligas apresentando estrutura perlítica, obtidas a partir do tratamento de
normalização (resfriadas ao ar) e, também, apresentando estrutura de carboneto esferoidizado,
obtidas a partir do tratamento de esferoidização. Os resultados apresentados nesta figura indicam
claramente a importância da estrutura martensítica em termos de otimização da dureza do material,
a qual é a estrutura, quando devidamente revenida, mais indicada na fabricação de componentes
que exigem alta tenacidade e elevada resistência mecânica.

Figura 55 – Gráfico comparativo da evolução da dureza de ligas apresentando estrutura


martensitíca, perlítica e de carboneto esferoidizado, em função do teor de carbono (adaptado de
Reed-Hill, 1991, after Krauss – ASM).
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2.5 – APLICAÇÕES, PROPRIEDADES E DIAGRAMAS DE REVENIMENTO DOS AÇOS

2.5.1 – AÇO-AO-CARBONO (Fonte: Aços Villares)

a) Aço ABNT W1 ou DIN C 70 W1


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2.5.2 – AÇOS BAIXA-LIGA (fonte: Aços Villares)

a) Aço ABNT 4340 (sem similar DIN)


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ABNT 4340
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b) Aço ABNT 4140 (DIN 42 Cr Mo 4)


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ABNT 4140
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c) Aço ABNT 4130 (DIN 42 Cr Mo 4)


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ABNT 4130
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d) Aço ABNT 8660 (DIN 60 Ni Cr Mo 2)


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ABNT
8660
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e) Aço ABNT 8650 (sem similar DIN)


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ABNT 8650
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f) Aço ABNT 8640 (sem similar DIN)


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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 106
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ABNT 8640
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 107
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g) Aço ABNT 8630 (sem similar DIN)


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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DOS AÇOS – SILVIO FRANCISCO BRUNATTO 109
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ABNT 8630

(Fonte: Aços Villares)

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