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Eloisa está sempre em busca de ser uma pessoa melhor: “procuro melhorar e melhorei
muito. Eu já fui pior. Melhorei no aspecto de não incomodar, não cobrar tanto das
pessoas, do meu marido, do meu filho”. Ela jura que tem praticado o desapego da louça:
“agora eu permito que outras pessoas lavem a minha louça”.
Mas nada é capaz de afastá-la dessa cruzada, nem o marido, o aeronauta Pedro
Azambuja. Ele revela que no início do relacionamento ela escondia a mania de limpeza.
“Eu acho que ela é obsessiva sim. Ela só pensa nisso”, declara.
Heloísa não aceita esse rótulo. Segundo ela, se fosse obsessiva, não teria em casa dois
cachorros, a Pretinha e o Johnny, que, no mínimo, soltam pelos. Mas bactérias, fungos,
ácaros, dificilmente vão encontrar um inimigo mais implacável como a Eloisa.
A casa tem dois andares, 200 metros quadrados. São os limites do campo de luta contra
os micro-organismos. Parece que a analista de suporte nasceu para isso. “Eu gosto, eu
faço por prazer. O que eu gosto mais é de lavar louça. Lavar louça é muito bom. Ao
varrer, parece que eu estou extravasando. Se eu tiver chateada, varrer para mim é bom.
Pegar na vassoura é bom, eu estou colocando aquilo tudo para fora, eu estou varrendo
aquele problema, estou varrendo aquele estresse”, comenta Eloisa.
Jacira Lira é a empregada doméstica da casa. “Quando foi para vir trabalhar, a senhora
que trabalhava aqui disse: ‘Jacira, você não vai aguentar a Eloisa, que ela é muito
difícil, uma pessoa muito difícil’”, lembra.
“O negócio dela é limpeza. O nome dela é limpeza. Ela tem essa mania”, admite o
marido, o aeronauta Pedro Azambuja. “Tem umas rusgas por conta disso. Eu reclamo às
vezes, porque acho que é um pouco exagerado, não precisava ser tanto”, declara.
Alguns amigos chamam Eloísa de Dona Maria Limpeza. Ela recebe a equipe do Globo
Repórter e dá carta branca para procurarmos sujeira na casa dela.
Para desafiar essa marra antibactericida, vai ter a visita investigativa de um médico
infectologista e dois microbiologistas. Eles vão raspar, guardar, congelar e levar
amostras de alguns cantinhos da casa da Dona Maria Limpeza. “Não existe dia em que
eu faço faxina. Não existe porque a casa está sempre arrumada, sempre limpa”, diz
Eloisa.
Eloísa é limpeza-dependente. Ela conta que limpa a casa mesmo quando chega de uma
festa ou de algum compromisso social. “Confesso que eu acho isso horrível, mas já varri
muitas vezes o quarto do meu filho com ele dormindo. Pode ser uma hora da manhã,
mas eu varro, acendo a luz, mas ele não acorda. Passo pano, tiro poeira, tudo”, conta.
O doutor, então, chega às conclusões: “é um exagero, na minha opinião, varrer casa três
vezes por dia”.
O doutor decretou: ‘exagerada’. Mas, apesar disso, que tal a casa? “Nota 10 com louvor.
Fantástica tua casa”, diz o infectologista para Eloisa.
Eloísa observa as colônias crescidas de bactérias. Na casa dela, eram muito poucas. Em
grande quantidade é que é o problema. “Elas podem causar alguma doença específica.
Já foram relatadas algumas doenças por elas. Tanto a cozinha quanto o banheiro do
primeiro andar, especialmente no boxe, foram as regiões mais limpas. Talvez você faça
uma limpeza mais intensa nessas regiões”, diz o professor de microbiologia Rafael Silva
Duarte, da UFRJ.
Mesmo em uma casa tão limpa, sempre há bactérias, concluem os cientistas da UFRJ.
“Está sendo uma limpeza bastante eficiente”, diz o microbiologista.
Eloísa tem a limpeza premiada. Ela é aprovadíssima pelos testes. “Fiquei super feliz.
Foi muito legal”, comemora.
O que sabemos a respeito desses serezinhos que nos rodeiam? Quanto de Eloísa temos
em cada um de nós? É constatação de pesquisa: o brasileiro, em geral, é chegado a um
banhozinho, mas lavar as mãos não é o nosso forte.
“Quando nós trocamos apertos de mão, não é legal que eu leve a mão aos olhos, que eu
leve a mão ao nariz. Não é legal que eu leve a mão à boca, porque eu não sei por onde
você andou antes de apertar minha mão”, declara o professor de infectologia Edimilson
Migowski, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O bandejão da faculdade é concorrido, são 1200 refeições por dia. No caminho por onde
os estudantes passam até chegar ao refeitório. Na entrada, o aluno tem duas opções.
Quem vai lavar as mãos, segue para os lavatórios. Quem vai direto para o restaurante,
segue outro caminho. Vamos fazer um teste para saber onde o fluxo é maior. Vamos
contar quantos alunos vão direto para o refeitório e quantos passam pelo banheiro. Em
cinco minutos, o placar ficou assim: 54 a 12. Praticamente só um de cada cinco
estudantes passou pelo banheiro antes de ir para o bandejão.
Fazemos um segundo teste. E no final o mesmo resultado: a turma que não passa pelo
banheiro ganhou por 70 a 11.
“Você já vem da sala de aula, lava a mão, vem direto para cá. E tem gente que não lava
mesmo”, comenta um aluno. “As pessoas já querem entrar logo na fila. Tem gente que
lava a mão antes lá e tem alguns que esquecem também”, justifica outro estudante.
Ele deve muito disso ao alarme que soa cada meia hora. Quando toca o alarme, a
movimentação começa na cozinha. Os cozinheiros vão direto para a torneira. Mas
primeiro eles passam pela fila para lavar as mãos, de meia em meia hora. É a certeza de
que as mãos que tocam os alimentos são de confiança. Elas não são lavadas só com
água. É com sabão que se destroem as bactérias.
“Elas têm uma capa de gordura. Então, quando você faz uma limpeza com água e sabão,
você destrói essa capa da bactéria e inviabiliza, mata a bactéria”, explica o professor de
infectologia Edimilson Migowski, da UFRJ.
A ultrassonografia faz parte de um teste revelador sobre a limpeza das mãos. Nossa
equipe montou uma engenhoca capaz de responder corretamente uma pergunta à qual,
em geral, todo mundo responde sim: “Você sabe lavar as mãos?”.
As pessoas passam um creme especial nas mãos, depois lavam, enxugam e põem as
mãos na caixa reveladora. Os pontinhos brancos entregam: são as regiões onde a
limpeza não foi legal.
Arrumamos um voluntário, o Carlos. Ele passa o creme nas mãos, faz lavagem e coloca
as mãos na caixa. Resultado: “Toda essa parte em destaque foram os locais onde ele não
lavou com sabão corretamente”, informa a professora Íris.
“Outra coisa que você fez também erradamente é não retirar o relógio. Então, para a
lavagem das mãos, a gente precisa retirar o relógio, precisa lavar os punhos, lavar a
ponta dos dedos, a parte entre as unhas”, explica a professora de enfermagem da UERJ.
Agora é a vez de Humberto. “A gente vai passar um produto nas suas mãos. Não é
sabão”, aponta Íris.
A enfermeira já condenou o terno. “Esse tipo de roupa comprida é muito ruim para
lavagens das mãos, porque inviabiliza a lavagem dos pulsos”, aponta.
“Outra coisa que você fez errado foi colocar a mão na pia. Então, o correto, depois que
você lava a mão, é você pegar o papel, secar a mão e só depois você fechar a pia, se a
pia não é automática, porque a torneira ela está contaminada. Na secagem das mãos, o
correto é que você seque de cima para baixo”, ensina Íris.
Humberto ficou meio sem graça: “agora vou ter que mudar toda a minha estratégia de
lavar a mão”.
“Então, o primeiro passo é umedecer as mãos. Muitas pessoas colocaram as mãos direto
no sabão. O próximo passo é você colocar o sabão e aí você vai esfregar uma palma da
mão à outra. Depois, você vai lavar o dorso de uma mão com a palma da outra,
lembrando a importância de se retirar os anéis, utensílios, relógios. Lavar essa área do
polegar e as unhas é fundamental. Depois, a área do punho, sempre com movimentos
circulares. Quando você vai retirar o sabão, é fundamental esse sentido (com as mãos
para cima), porque, muitas vezes, as pessoas abaixam a mão e aí você contamina toda
área que você lavou”, explica.
É a vez de Íris testar as mãos dela no ultrassom e o resultado revela: nenhum ponto
florescente.
Seriam as mãos a parte mais promíscua de nosso corpo? Em quantos lugares elas tocam
ao longo de um dia? Mãos fazem o leva e traz de uma rede invisível de micro-
organismos. “Põe a mão em alimento, põe a mão no celular, passa o celular para outro,
põe a mão em outra pessoa e você vai disseminando uma série de doenças”, aponta a
professora de enfermagem.
E na escola: se não lavar as mãos, não passa de ano? As professoras ensinam os alunos a
lavar as mãos com a música. O Mateus estava pronto pra lavar as mãos, quando então
ele viu bolas e resolveu brincar com elas.
Quantas são? “Eu acredito que elas provavelmente dominam o mundo, são as mais
populosas”, aponta o professor de microbiologia Rafael Silva Duarte, da (UFRJ).
“Estima-se que em um grama de terra a gente possa ter dez até a potência oito de células
de micro-organismos”, ressalta a bióloga Lara Durães Sette, da Unicamp.
Após a demolição, a massa de sujeira avançava mais rápido que a capacidade de fuga,
com nuvem, poeira, escombros. Com máscaras, os garis começavam a remoção de
milhões de pequenos seres, em cada grama de areia.
“Nós sempre estamos portando bactérias. Não existe vazio ecológico”, diz o professor
de infectologia Edimilson Migowski, da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ).
“Nós temos micro-organismos no solo, nós temos micro-organismos nas árvores, nós
temos dentro de nós, em nossos corpos, temos micro-organismos no gelo, no mar, no
rio, em todo lugar imaginável. Eles são onipresentes”, aponta a bióloga Lara Durães
Sette, da Unicamp.
Nós podemos portar uma determinada bactéria e não desenvolver doença, mas pode
transmitir para alguém que venha a contrair a doença. “Se você for fazer um
levantamento na população, você vai ver em 5% a 10% da população jovem com
bactéria que causa meningite, o meningococo, mas nem todo mundo tem”, aponta o
doutor Edmilson.
Se nós temos bactérias, os alimentos têm também.
Falou em comida e cozinha, Edna, Maria do Carmo e Vera se animam. Fruta é para ser
lavada quando chega do mercado ou da feira? As três não param. Têm dúvidas e querem
dicas.
Para explicar a essas questões, vamos usar os sentidos. Primeiro, o tato. “Como
brasileiro, graças a Deus, a gente pode apalpar os alimentos. Então, eu posso chegar e,
não apertar, mas apalpar o alimento sem pressioná-lo demais. Eu consigo identificar
muito das características do alimento”, aponta a professora de nutrição Maria Elisabeth
Pinto e Silva, da Universidade de São Paulo (USP).
Usando a visão: “se o alimento está amassado, eu não vou selecionar”, diz a professora
de nutrição Maria Elisabeth Pinto e Silva, da Universidade de São Paulo (USP).
Usando o olfato: “quando você chega perto de um abacaxi, você sente o cheiro do
abacaxi. Quando você pega uma manga verde e uma manga mais madura, você sente o
cheiro da manga”, declara a professora de nutrição Maria Elisabeth Pinto e Silva, da
Universidade de São Paulo (USP).
Até para fazer suco de laranja, tem macete higiênico também. “Na hora em que eu
corto, eu posso levar alguma sujeira para dentro. O ideal é você fazer um cinto e cortar
ao redor. Eu corto a laranja, não tenho contaminação nenhuma”, a professora de
nutrição Maria Elisabeth Pinto e Silva, da Universidade de São Paulo (USP).
Cuidado com o que sai da boca para fora. “Não é nem ideal a gente ficar conversando
em cima do alimento”, a professora de nutrição Maria Elisabeth Pinto e Silva, da
Universidade de São Paulo (USP).
Para arrumar a geladeira, tem critério. Vamos começar de baixo para cima. Na gaveta,
ficam as frutas. Na prateleira de cima, estão as folhas e outras frutas. No terceiro andar,
guardamos as verduras. Carnes ficam na parte mais alta, abaixo do congelador, onde a
temperatura em geral é mais baixa.
Em um cenário endurecido pelo frio a -80°C, está guardada coleção brasileira de micro-
organismos. Métodos de preservação internacionalmente reconhecidos garantem a vida
das células por muitos anos, para processos industriais ou pesquisa. Nas ampolas, estão
algumas das 1,2 mil peças da coleção brasileira de micro-organismos.
E essa coleção tem curadora: Lara Sette, doutora em microbiologia. “Eu sou
apaixonada, completamente por micro-organismos. Quando eu vejo um desmatamento,
todo mundo fala: ‘nossa, quantas árvores’. Eu penso: ‘nossa, quantos micro-
organismos’”, revela a pesquisadora.
“Quando as pessoas comentam: ‘o que você faz?’. Falo: ‘sou microbiologista, trabalho
com micro-organismo’. Todo mundo já fica com cabelo em pé, não quer nem chegar
perto de mim. Já pensam em doença”, afirma Lara.
Dentro do laboratório, a mesa está posta com pão, vinho, cerveja, iogurte, cogumelo e,
ao lado, as estrelas do laboratório e uma bela diversidade de micro-organismos. E a
doutora nos apresenta à família. “Ela é a grande estrela, vamos dizer, dos processos
biotecnológicos, uma levedura chamada Saccharomyces cerevisiae. O vinho, a cerveja,
o pão, incluindo também o combustível que usamos no nosso carro, produzido pela
fermentação de açúcares por essa levedura”, explica.
“Essa bactéria aqui é uma actinomiceto do gênero streptomyces. Ao todo, 70% dos
antibióticos hoje que estão no mercado são produzidos com base nessa bactéria”,
informa a doutora.
E para tossir? O professor de infectologia UFRJ explica que o ideal é que, ao tossir ou
espirrar, a pessoa coloque o braço na frente do rosto.
É só um cuidado a mais. E se o espirro pode ser contagioso, o que dizer do beijo? “Às
vezes, em menos de 10 minutos, o homem beija três mulheres. E mulheres em menos de
três minutos beijam três homens”, diz um jovem.
É uma troca de energia? “Algumas doenças podem ser transmitidas a partir do beijo na
boca também, isso acontece”, destaca o professor de microbiologia Rafael Silva Duarte,
da UFRJ. “Um mililitro de saliva pode ter milhões de células bacterianas de diferentes
espécies”.
E uma troca de bactérias seria uma troca química? “Se rolar uma química é maneiro,
mas, se não rolar também, é mais uma”, comenta um rapaz.
Fomos até uma micareta, carnaval fora de época. “Se micareta não tiver beijo, não tem
graça”, afirma o jovem.
“A cavidade oral é um dos ambientes que a gente considera, do corpo humano, mais
rico em diversidade e quantidade de bactérias. Então, é um ambiente realmente bastante
contaminado”, aponta o professor de microbiologia Rafael Silva Duarte, da UFRJ.
Beijos: feira livre de micro-organismos. “Acho que beijo tem que ser algo bem
escolhido, bem selecionado. Beijar qualquer boca pode não ser tão interessante assim,
pelo menos do ponto de vista de doença infecciosa”, ressalta o professor de infectologia
Edimilson Migowski. Ele ainda lista as doenças que podem ser transmitidas pelo beijo:
“Cárie, herpes, mononucleose, tuberculose, caxumba”.
“O beijo pode transmitir uma enormidade, uma quantidade enorme de doenças. Tem até
uma doença chamada ‘doença do beijo’, a mononucleose”, revela Edimilson Migowski.
“Porque é mais comum entre adolescentes, que acaba associando, beijando mais do que
as pessoas mais velhas”.
“Aquele hábito extremamente comum, mas que a gente abomina, que é, ao dar comida
para o neném, o adulto cheio de cárie sopra e dá para o bebê é uma forma que aquele
bebê tem de estar sendo colonizado por uma bactéria que não é do bem”, destaca o
professor de infectologia Edimilson Migowski, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ).
Mesmo que a pessoa não tenha cárie, podemos portar a streptoccocus mutans, a bactéria
da cárie. Portanto, mamães, sem soprinho bacteriano, por favor.
“Se ele entra em um período de remissão, porque você deixou a pessoa totalmente em
uma redoma de vidro, o sistema imune vai dizer assim: ‘e agora, o que tem que fazer?’.
E ele começa, segundo alguns, a produzir determinadas doenças, como por exemplo
rinite, a asma”, explica o professor de infectologia Edimilson Migowski, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
“Uma criança que tem rinite ou asma tem uma necessidade especial de ficar longe de
tudo que tem pó. Mas não necessariamente de tudo que seja sujeira de uma forma geral.
Ele não precisa viver em uma bolha”, aponta a pediatra e alergista Renata Cocco, da
Unifesp.
“Em um ambiente onde as crianças estão na rua, cheias de parasitose intestinal, cheia de
problema, elas têm menos asma brônquia, menos rinite que aquela criança que é toda
cuidada, toda cercada de muito mimo e cuidado”, ressalta o professor de infectologia
Edimilson Migowski, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Desde o meio do século passado, houve um aumento significativo de saneamento
básico, do uso de antibióticos e vacinas. O controle de infecções é bem maior. O
problema é o uso indiscriminado de antibióticos que favorece o surgimento de bactérias
perigosamente fortes.
“De vez em quando, a gente ouve esses casos de bactérias resistentes e pessoas
morrendo porque não existe antibiótico para curar aquele tipo de bactéria”, aponta a
pediatra e alergista Renata Cocco, da Unifesp.
No parquinho, Giovana corre para lavar o pé que ficou sujo de lama e caminha descalça.
A mãe revela que a menina não tem nenhuma alergia. “Você costuma ver crianças com
gripe, resfriado. Ela é muito difícil”, diz o pai.
A mãozinha estava brincando no parque, e a chupeta foi para a boca. Vamos evitar
excessos, mas sem perder a infância jamais.