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UNIVERSIDADE ZAMBEZE

FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANIDADE

CURSO DE LICENCIATURA EM DIREITO

O PRINCIPIO DA LIBERDADE DE IMPRENSA VS PRESUNÇÃO DE


INOCÊNCIA – DA VIOLAÇÃO DOS DIREITOS AO BOM NOME, À HONRA E À
IMAGEM

PAULINO FRANCISCO FLORINDO DE JESUS XAVIER JUNIOR

BEIRA, OUTUBRO DE 2020


UNIVERSIDADE ZAMBEZE

FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANIDADE

CURSO DE LICENCIATURA EM DIREITO

O PRINCIPIO DA LIBERDADE DE IMPRENSA VS PRESUNÇÃO DE


INOCÊNCIA – DA VIOLAÇÃO DOS DIREITOS AO BOM NOME, À HONRA E À
IMAGEM

PAULINO FRANCISCO FLORINDO DE JESUS XAVIER JUNIOR

Trabalho de conclusão de curso apresentado


ao Departamento do Curso de Direito da
Universidade Zambeze - Beira, como
requisito parcial para obtenção do grau de
Licenciatura em Direito.

Docente Orientador:

Msc Yolanda Muloche

BEIRA, OUTUBRO DE 2020


FOLHA DE APROVAÇÃO

Monografia aprovada aos ____ de _____________ de 2020, como requisito


parcial para a obtenção do grau de Licenciatura em Direito da Faculdade de Ciências
sociais e humanidade da Universidade Zambeze, por:

____________________________________________________
Msc Yolanda Muloche
(Orientadora da Faculdade de Ciências sociais e humanidade - Universidade
Zambeze)
DECLARAÇÃO

Eu, PAULINO FRANCISCO FLORINDO DE JESUS XAVIER JUNIOR, declaro que


esta monografia é resultado do meu próprio trabalho e está a ser submetida para a
obtenção do grau de Licenciado em Direito na Universidade Zambeze, Beira.
Ela não foi submetida antes para obtenção de nenhum grau ou para avaliação em
nenhuma outra universidade.

Beira, ___ de Outubro de 20__

________________________________________________

(Paulino Francisco Florindo De Jesus Xavier Junior)

9
AGRADECIMENTOS

Aos académicos e autores, cujas obras foram de extrema importância e contribuíram


para a elaboração deste trabalho,
A mestre Yolanda Muloche minha tutora, tanto contribuiu para a eficiência deste
trabalho, incansavelmente atendia as minhas solicitações para quaisquer
esclarecimentos,
Aos meus colegas de trabalho, pelas sugestões, críticas, apelos, apoio e, acima de tudo,
amizade;
Enfim, a todos cujo nome não ficou expresso fica o meu reconhecimento pelo auxílio
prestado.

IV
DEDICATÓRIA

Ao PAPAI dos Céus, que implantou e tornou possível a concretização deste sonho,

Louvado;

À minha MÃE ANA MARIA DA COSTA XAVIER “”, pela confiança e motivação;

Ao meu querido saudoso Pai, PAULINO DE JESUS XAVIER, pela inspiração, in


memoriam;
À toda minha família, pela confiança e carinho demonstrados;

A Tia Rita Mabote que muito ajudou.

Aos meus amigos, de boa vontade, cujo apoio empreenderam para tornar possível a
minha formação, minhas honrarias.

V
RESUMO

O trabalho vai debruçar-se sobre o tema “ O Principio da Liberdade de imprensa Vs


Presunção de inocência – da violação dos direitos ao bom nome, à honra e à imagem”. O
objectivo será centrado em volta do tratamento dado à pessoa do investigado ou acusada
de prática de um ilícito penal pela Imprensa ou Mídia no exercício da sua liberdade de
imprensa pelo que o grande problema reside nas situações em que desta colisão resulte a
violação dos direitos de personalidade, nomeadamente, o direito ao bom nome, a
imagem e a honra da pessoa do investigado ou acusada em processo penal.

Palavras chave: Direito, nome, honra, imagem, imprensa.

VI
ABSTRACT

The work will focus on the theme "The Principle of Freedom of the Press Vs
Presumption of Innocence - of the violation of rights to the good name, honor and
image". The objective will be centered around the treatment given to the person under
investigation or accused of committing a criminal offense by the Press or Media in the
exercise of their freedom of the press. personality, namely, the right to a good name,
image and honor of the person being investigated or accused in criminal proceedings.
Keywords: Law, name, honor, image, press.

VII
ABREVIATURAS

art. - artigo

CRM – Constituição da República de Moçambique

CP –Código Penal de Moçambique

CPP – Código de Processo Penal

CC – Código Civil

Cc – Conselho Constitucional
V.g. – Verbigratias
p. – página
pp – páginas
cfr. – confira.
LOTJ – Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais

VIII
ÍNDICE
AGRADECIMENTOS .................................................................................................... IV

DEDICATÓRIA ................................................................................................................ V

RESUMO ........................................................................................................................ VI

ABSTRACT ................................................................................................................... VII

ABREVIATURAS ........................................................................................................ VIII

1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................9

CAPÍTULO II: A ESSÊNCIA E O ALCANCE DOS PRINCÍPIOS DA LIBERDADE


DE IMPRENSA E O DE PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. ......................................11

2.1. A Liberdade de Imprensa .................................................................................11

2.1.1. Breve Resenha histórica da origem e desenvolvimento da imprensa. .............12

2.1.2. O Desenvolvimento da imprensa em Moçambique. ........................................14

2.1.3. A liberdade de imprensa como um direito fundamental ..................................15

2.1.4. Limites à Liberdade de imprensa .....................................................................17

CAPÍTULO III: O DIREITO AO NOME, À HONRA E À IMAGEM COMO LIMITES


EXTERNOS DA LIBERDADE DE IMPRENSA. ......................................................21

3.1. O Direito ao nome ............................................................................................21

3.2. O Direito a honra..............................................................................................23

3.3. O Direito à imagem. .........................................................................................25

CAPÍTULO IV: COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. ...................................26

4.1. Colisão de direitos e interpretação constitucional............................................27

4.2. A solução sob óptica da doutrina constitucional. ..................................................28

4.3.1. Parâmetro constitucionalmente adequado do Código de Processo Penal. .........35

4.4. REPARAÇÃO DOS DANOS NA HIPÓTESE EM ANÁLISE. ..........................38

4.4.1. Da Responsabilidade Civil. ................................................................................39

4.4.2. Da Responsabilidade Criminal...........................................................................40

5. CONCLUSÃO E SUGESTÕES ..................................................................................42

5.1. CONCLUSÃO .................................................................................................42

IX
5.2.SUGESTÕES .........................................................................................................44

6. BIBLIOGRAFIA .........................................................................................................45

X
1. INTRODUÇÃO

Os princípios de liberdade de imprensa e o de presunção de inocência (consagrados nos


arts. 48º e 59º, nº 2 da CRM, respectivamente), vivem em conflitos desde os tempos
remotos, quando a esfera jurídica de protecção de um certo direito é constitucionalmente
protegida em termos de intersectar a esfera jurídica de outro direito, ou de colidir com
uma norma ou princípio constitucional.

O meu trabalho de fim de curso para a obtenção do grau de licenciatura em


Direito vai debruçar-se sobre o tema “ O Principio da Liberdade de imprensa Vs
Presunção de inocência – da violação dos direitos ao bom nome, à honra e à
imagem”. A minha maior incidência será em volta do tratamento dado à pessoa do
investigado ou acusada de prática de um ilícito penal pela Imprensa/Mediano exercício
da sua liberdade de imprensa.

O grande problema que aqui se coloca, não é puramente a colisão do princípio da


liberdade da imprensa com o de presunção de inocência, porque este pode ser
minimamente resolvido recorrendo a doutrina constitucional1. O grande problema reside
nas situações em que desta colisão resulte a violação dos direitos de personalidade,
nomeadamente, o direito ao bom nome, a imagem e a honra da pessoa do investigado ou
acusada em processo penal.

Porquanto, a colisão dos princípios constitucionais da liberdade de imprensa e de


presunção de inocência está focada com o intuito de alertar para a gravidade do
problema e trazer propostas de resolução deste que se tornou um facto corriqueiro, que é
a exposição de pessoas investigadas em inquéritos policiais ou mesmo os que estão em
prisão preventiva a espera do julgamento, para que a imprensa interrogue, e esta acaba
julgando ou até condenando o acusado ou arguido ou mero indiciado sem respeitar o
direito de presunção de inocência que lhe assiste por direito.

Com isso, esta actividade da Imprensa promove a estigmação perante a


sociedade, de um indivíduo presumivelmente inocente, causando-lhe a exclusão social.

1
CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5ª Edição, Coimbra:
Livraria Almedina, 2002.

9
No capítulo II do presente trabalho debruçarei sobre a conceitualização e o
desenvolvimento dos princípios da liberdade de imprensa e o da presunção de inocência.

Um dos aspectos preocupantes que tanto contribui para a dissipação deste


problema é que os jornalistas sonegam o facto de que o princípio da liberdade de
imprensa na sua perspectiva de concorrência com a liberdade de expressão não é um
direito absoluto, uma vez que no seu exercício encontra limites externos (de natureza
constitucional), o direito ao nome, à honra e à imagem (e sobretudo a presunção de
inocência enquanto garantia constitucionalmente conferida aos visados).

No Capitulo III do meu trabalho analisarei, os direitos ao bom nome, à honra e à


imagem na vertente de limites externos à liberdade de imprensa, onde analisarei como é
que se efectivam esses limites, se existe no nosso ordenamento jurídico uma
consagração concreta e directamente aplicável destes limites externos.

Como acima referido, a vexata quaestio que aqui se coloca, é a situação em que
da colisão da liberdade de imprensa e da presunção de inocência, resulte a violação dos
direitos de personalidade, mormente, ao bom nome, a imagem e a honra da pessoa do
investigado ou acusada em processo penal.

Para tanto, no Capitulo IV deste trabalho, abordarei com parcimónia sobre os


diversos critérios de resolução de conflitos, recorrendo a doutrina constitucional, na
esteira da doutrina constitucional alemã 2 , entre nós, fundamentalmente, através de
Gomes Canotilho, onde tem vindo a se afirmar um conjunto de princípios específicos de
interpretação constitucional3-

Para o desenvolvimento do presente trabalho, primarei pelo método dedutivo,


sendo este entendido como um raciocínio que caminha do geral para o particular, com
vista a proporcionar maior formalidade com o problema em questão, de modo a tornar o
tema a abordar mais explícito, pautarei pela consulta de: Legislação, textos,
documentários combinados, literatura bibliográfica, pesquisa documental e trabalhos
disponíveis na Internet que versam sobre a temática em análise.

2
Particularmente de KONRAD HESSE, v. “interpretactión constitucional, In Escritos de
derechoconstituciona”l, Centro dos EstudiosConstitucionales, Madrid, 1992, pp. 33 e ss.
3
Os princípios: a) da unidade constitucional; b) do efeito integrador; c) da maximaefectividade; d) da
justeza ou da conformidade funcional; e) da concordância pratica ou da harmonização; e f) da força
normativa da constituição.

10
CAPÍTULO II: A ESSÊNCIA E O ALCANCE DOS PRINCÍPIOS DA
LIBERDADE DE IMPRENSA E O DE PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.

2.1.A Liberdade de Imprensa

Antes de fazer uma abordagem sucinta sobre a liberdade de imprensa, torna-me


necessário resolver uma prévia questão terminológica, qual seja, a de saber se a
expressão liberdade de imprensa é sinonima a de liberdade de informação ou de direito
de informação. Ora, a resposta a essa questão recorrendo ao direito constitucional
moçambicano, remete-nos ao art. 48º da CRM, onde estão plasmadas as normas a que
no Direito Constitucional português GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA
designam por “constituição da informação”4. E, naquela norma (atento ao art. 48º, nº 2
da CRM) é clarividente a ideia de que a liberdade de expressão, assume um papel
matricial em relação aos restantes direitos, liberdades e garantias da informação, e desde
logo constituindo um pressuposto para a liberdade de imprensa e o direito de
informação5.

Não obstante, o âmbito normativo da liberdade de imprensa é diverso do direito de


informação ou da liberdade de expressão, senão vejamos:

a) O n.º 3 do art. 48º da CRM concretiza as dimensões jurídico-constitucionais da


liberdade de imprensa, que no fundo configuram esta como um complexo de
direitos e liberdades a saber: (i) a liberdade de expressão e de criação dos
jornalistas; (ii) o acesso às fontes de informação; (iii) a protecção da
independência e do sigilo profissional e o direito de criar jornais, publicações e
outros meios de difusão.

Como se pode depreender, a liberdade de imprensa é uma qualificação da liberdade


de expressão e do direito de informação, na medida em que se trata do exercício de tais
direitos pelos meios de comunicação de massa6.

4
Cfr. Constituição da Republica Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra, 1993, p. 225.
5
CANOTILHO, J.JGomes, Direito Constitucional, 2 Vol, Edica, Editora, Coimbra, 2014, p. 152
6
JORGE MIRANDA, apelida de liberdade de comunicação social, o que na CRM se designa por
liberdade de imprensa. Mas acrescenta, «a liberdade de expressão é mais que a liberdade de comunicação
social, porquanto abrange todos e quaisquer meios de comunicação entre as pessoas», Cfr. Manual de
Direito Constitucional. Vol. IV, cit., p. 374.

11
Por um lado, o seu âmbito de protecção é inferior ao da liberdade de expressão, mas
por outro lado, alarga-se a aspectos que não se prendem directamente com esta, como os
direitos internos dos jornalistas ou o direito de acesso às fontes de informação.

b) A liberdade de expressão, conforme o pautado no n.º 2. 1.ª Parte do art. 48.º da


CRM, traduz-se constitucionalmente, na “faculdade de divulgar o próprio
pensamento por todos os meios legais”.

Alguns autores, defendem que o direito de expressão inclui ainda um «direito à


expressão», isto é, um direito positivo de acesso aos meios de expressão, de que seriam
traduções constitucionais, o direito de resposta (…), o direito de antena dos partidos e
organizações sindicais e patronais (…) e o direito das igrejas a meios de comunicação
próprios7.

c) O direito a informação que depreende da última parte do n.º 2 do art. 48º da


CRM, éconsiderado pela doutrina, como um verdadeiro direito, por apelo à
tradicional dicotomia direitos/liberdades, na justa medida em que se configura
simultaneamente como um direito individual, já que é uma garantia
institucionalcontra os poderes públicos ou contra os particulares, e nessa medida,
uma componente fundamental da ordem democrática8.

Nessa perspectiva, a fronteira entre a liberdade de expressão e direito de informação,


no tríplice sentido apontado é evidenciada no sentido de que, a liberdade de expressão
protege a livre divulgação de pensamentos e opiniões. Enquanto o direito de informação
se referiria apenas a informações, isto é, a faculdade de informar e de ser informado.

2.1.1. Breve Resenha histórica da origem e desenvolvimento da imprensa.

A liberdade de imprensa tal como a conhecemos hoje, teve seu início na Inglaterra e
sua história foi marcada por batalhas gloriosas desde 1695, passando pelo final do
século XIX, seguindo até ao advento da Segunda Guerra Mundial.9

7
Cfr.CANOTILHO J.J GOMES e VITAL MOREIRA. Constituição da República Portuguesa Anotada.
Cit., p-225.
8
Neste sentido, NUNA E SOUSA, Liberdade de Imprensa. Coimbra, 1984, pp. 69 e ss..
9
DOTTI, 1980, p. 112 Citado por JoseFabio de Azevedo. “Liberdade de imprensa e a dignidade da
pessoa humana do investigado”. Artigo Publicado na net. www.revistas.unifacs.br.Acessado no dia 18 de
Março de 2015.

12
A história aponta para a necessidade que o homem tinha de comunicar-se, de
informar e de ser informado. Essa necessidade se mostra tão antiga quanto o
aparecimento das primeiras civilizações:

Alguns autores referem que, em 1750 antes de cristo, no reinado de Thomas III,
os egiptólogos descobriram na poeira dos séculos, publicações que relatavam os
escândalos locais. Também na China, onde, segundo Jacques Bourquin já era conhecido
o papel, teria existido em tempos remotos um jornal intitulado King Pao.10

Percebe-se que, já nessa época, havia uma distorção do verdadeiro sentido de


existência do direito a informação, pois, os interesses da imprensa não eram só o de
prestar um serviço à sociedade de uma maneira ética e responsável, mas o de atingir
objectivos que não coincidiam com os da colectividade.

Se quisermos fazer uma digressão histórica sobre a liberdade de imprensa


segundo RENÉ ARIEL DOTTI, a sua origem remota, desde o surgimento dos primeiros
escritos até os dias de hoje, perpassando de Roma, após a codificação da Lei das XII
Tabuas. Com a queda do império Romano, depois de uma fase sombria, em 1455, foram
“criadas as condições sociais e politicas para a invenção da imprensa, que ofereceu pela
primeira vez na história a possibilidade de difundir em massa as ideias e os
acontecimentos11.

Nesse breve histórico, nota-se que a imprensa sofreu modificações ao longo de


sua história conforme evoluía a tecnologia. Dentro desse contexto, as mudanças
económicas e sociais foram determinantes para que a imprensa deixasse de exercer seu
ofício dentro de um sólido modelo pautado na ética e com uma visão humanística do
mundo e da Historia. Além disso, verificou-se que desde os primórdios, a maximização
dos lucros era o principal objectivo, pouco importando o meio pelo qual esse objectivo
fosse alcançado, ou seja, a notícia era manipulada de forma a tornar-se atractiva ao
povo.

10
Idem
11
Idem, opcit: p. 109.

13
2.1.2. O Desenvolvimento da imprensa em Moçambique.

A origem da imprensa em Moçambique coincide com o advento da imprensa em


quase todos os países africanos de língua portuguesa, ou seja, todas colonas portuguesas
em Africa.

Não obstante, em Moçambique,as primeiras iniciativas de uma imprensa


independente dependeram das elites europeias que apoiavam o projecto colonial.
Apenas em 1880, com a publicação de “O Africano”, iniciou-se a circulação de títulos
críticos ao governo local, e estes também foram promovidos pelas elites europeias, neste
caso daquelas que discordavam das estratégias locais do governo metropolitano.

Entretanto, ao longo de todo o período mantiveram-se jornais que apoiavam o


programa colonial e o governo local. O papel jornalístico colaborador sobressaiu em
Moçambique entre os papéis desempenhados pelo jornalismo ao longo do regime
colonial. O boletim oficial, os jornais das companhias de exploração e os títulos que
apoiavam a monarquia e as políticas coloniais metropolitanas estiveram entre os
periódicos que exerceram a colaboração nesta etapa12. Num segundo nível, constata-se o
papel de monitoria do ambiente sociopolítico e económico através do jornalismo, a
exemplo das denúncias de corrupção no governo local, em especial pelos jornais
republicanos, noticiosos e operários.

O emergente jornalismo africano seguiu a linha radical a partir de 1909,


defendeu a República e reivindicou igualdade de tratamento entre europeus e africanos.
Entre os proprietários da imprensa na era colonial destacaram-se o Estado e as
companhias privadas que administravam o território, os seus títulos foram os mais
duradouros e regulares, inclusive devido aos seus projectos e recursos políticos e
económicos. O segundo grupo incluiu proprietários de terras, empresários e
comerciantes. Um terceiro segmento foi o dos jornalistas e tipógrafos. Já no século XX,
ainda incipientes, apareceram os jornais de propriedade das associações de trabalhadores
e de africanos. A utilização do português e do inglês na imprensa contribuiu para uma
circulação restrita às elites europeias e africanas educadas, visto o analfabetismo da
maioria da população. Deste modo, os jornais tinham como proprietários e público a

12
Cfr: S. Carvalho, coord., História de Moçambique, Vol. 2, Agressão Imperialista (1986-1930),
(Maputo: Departamento de História da Universidade Eduardo Mondlane, 1983).

14
elite urbana e politicamente activa e serviram ao processo de debate e disputa entre as
forças sociais, mas também como espaço de negociação dos interesses das elites
coloniais em conflito.

É importante referir que nos finais do século XIX, a imprensa em Moçambique


teve um alto grau de regionalização, com o aparecimento de títulos em diversas partes
do território. Esta característica reflecte a ocupação da colónia, o seu desenvolvimento
económico, a distribuição do poder político e os interesses e conflitos entre os diversos
grupos. Em Moçambique, os jornalistas não dependiam da imprensa para sobreviver,
estes eram proprietários de terras e comerciantes, funcionários públicos, profissionais
liberais e operários.13

A actividade jornalística alicerçava-se nas crenças e nos projectos políticos e


económicos destes grupos. Desta forma, o jornalismo esteve associado ao activismo
político. Os conteúdos veiculados pela imprensa neste período – defensores ou críticos
das práticas coloniais, proponentes da mudança de regime ou da sua manutenção –
indicam um forte paralelismo político no jornalismo. Assinala-se também uma conexão
directa entre os proprietários dos jornais com as ideias que representavam, a exemplo
dos maçons e dos operários.

Nesta mesma linha, verifica-se a coincidência entre os que eram jornalistas e


estavam envolvidos na vida política. A prevalência do jornalismo de opinião também
corrobora a orientação paralela entre o jornalismo e as forças políticas. Por fim, o
pluralismo externo - a variedade de jornais no conjunto da imprensa a expressar as
diferentes tendências políticas - aponta para um forte paralelismo político durante a era
colonial.

2.1.3. A liberdade de imprensa como um direito fundamental

Acima analisamos o historial da imprensa, seu desenvolvimento, analisamos a


liberdade da imprensa inserido dentro de um contexto político,no caso particular da
liberdade de imprensa em Moçambique. Observou-se as dificuldades enfrentadas pelos

13
in Em Torno dos Nacionalismos em África, org. A. Nascimento e A. Rocha, (Maputo: Alcance Editores,
2013).

15
meios de comunicação na busca pela liberdade, que evolui em tal sentido, até a sua
consagração no art. 74º da Constituição da Republica de Moçambique de 1990.

No entanto, desta abordagem uma questão não deve calar, qual seja a de saber o
que vem a ser um direito fundamental?

Ora, essa questão muitas vezes é difícil de ser respondida, uma vez que os
direitos do homem têm sofrido modificações devido as alterações históricas,
dificultando definir-lhes um conceito sintético. Daí, várias expressões para designa-los
são empregues, tais como: direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem,
direitos individuais, direitos públicos subjectivos, liberdades fundamentais, etc.

No entender do J.J.Gomes Canotilho, as expressões “direitos do homem” e


“direitos fundamentais” não podem ser confundidas. Segundo a sua origem e
significado, poder-se-ia distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são
direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão
jusnaturalistauniversalista) e direitos fundamentais, que são os direitos do homem
jurídicoinstitucionalmente garantidos. Os direitos do homem adviriam da própria
natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os direitos
fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes em uma ordem jurídica
concreta.

Os direitos fundamentais cumprem a função de direitos de defesa dos cidadãos sob


uma dupla perspectiva:

 Constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência para os


poderes públicos, proibindo, fundamentalmente, as ingerências destes na esfera
jurídico-individual;
 Implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente
direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes
públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade
negativa)14

Portanto, os direitos fundamentais, são direitos inerentes ao homem


institucionalmente garantidos, ou seja, direitos positivados e conferidos pelo

14
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. p. 517

16
ordenamento jurídico. Os direitos fundamentais, constituem em cada ordenamento
constitucional, uma unidade. Mas isso não significa que não podem ser classificadas em
diferentes ângulos. É nesta óptica que na Constituição da Republica de Moçambique,
esses direitos acham-se classificados em individuais e institucionais, sendo individuais,
o direito à vida, os direitos de personalidade/pessoais (art. 40.º e 41.º), o direito ao
trabalho (art. 84.º), direito à educação (art. 88.º), e os demais direitos sociais; e direitos
institucionais o direito de antena (art. 49.º), direito à liberdade de reunião e de
manifestação (art. 51.º CRM), o de livre associação (art. 52.º), o direito das comissões
sindicais (art. 86.º), e.t.c.15

Alguns direitos, somente para o efeito de análise, podem dizer-se individuais ou


institucionais. Na realidade, são simultaneamente individuais e institucionais.

Assim a liberdade de expressão em geral e de imprensa em particular, não é um


direito fundamental exclusivo de indivíduos ou de instituições, é conferido quer a uns
quer a outros.16

2.1.4. Limites à Liberdade de imprensa

O direito de liberdade de imprensa, tal como outros direitos fundamentais, não é


absoluto nem ilimitado o seu exercício.

Não o é na sua dimensão subjectiva, porque os preceitos constitucionais não


remetem para o arbítrio do titular de determinação do âmbito e do grau de satisfação do
respectivo interesse, e também porque é inevitável e sistemática a conflitualidade dos
direitos de cada um com os direitos dos outros. Podemos afirmar com categoria que
nunca se sustentou que o direito a liberdade de imprensa fosse absoluto, já que mesmo
na época liberal individualista se entendia que os direitos fundamentais tinham como
limite a necessidade de assegurar aos outros o gozo dos mesmos direitos17

Não é absoluto também enquanto valor constitucional, visto que apesar de que a
constituição não prevê nenhuma norma geral sobre o exercício dos direitos, quer de
direitos fundamentais, quer de direito a liberdade de imprensa em particular, o art. 43º
da CRM prescreve expressamente que: «os preceitos constitucionais relativos aos
direitos fundamentais são interpretados e integrados de harmonia com a Declaração

17
Universal dos Direitos do Homem e a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos
Povos».

15
M, MIRANDA, Jorge: Manual de Direito Constitucional: Direitos Fundamentais. TOMO IV. 5ª Ed.
Coimbra Editoras. 2012. p. 115.
16
Idem.
17
Veja-se que oart. 4.º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 previa que «A
liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique a outrem. Assim, o exercício dos
direitos naturais de cada homem não tem limites senão os que asseguram aos outros membros da
sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados por Lei».
Porquanto, Encontramos uma norma geral no art. 29.º da Declaração Universal
dos Direitos do Homem, onde não só se afirma que «o indivíduo tem deveres para com
a comunidade fora da qual não é possível o livre pleno do desenvolvimento da sua
personalidade», como também se prescreve que «no gozo dos direitos e liberdades
«ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista
exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdade dos
outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do
bemestar numa sociedade democrática», e se acrescenta que, «em caso algum, os
direitos e liberdades poderão ser exercidos contra fins e os princípios das Nações
Unidas»15

2.2.O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.

Não se pode afirmar o momento histórico exacto onde teria surgido o princípio da
presunção de inocência, pois a doutrina diverge sobre o assunto. Alguns autores definem
como prováveis marcos temporais, a Magna Carta, a Declaração dos direitos da
Virgínia, o Direito Romano, porém, grande parte da doutrina entende que o referido
princípio só ficoupositivado com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Segundo Mônica Ovinski de Camargo (2005. p. 25), há três orientações distintas


para o surgimento do princípio de presunção de inocência, oriundas de contextos
históricos próprios. O primeiro com previsão no artigo IX da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão em 1789, o segundo foi consolidado com o debate das escolas
penais italianas; o terceiro surgiu nas Nações Unidas em 1948 com a Declaração
Universal de Direitos Humanos, subscrita por vários países e que foi modelo para o

15
Cfr:MIRANDA, Jorge: Manual de Direito Constitucional: Tomo IV p.265, Sobre o art. 29, nº 2, da
Declaracao Universal dos Doireitos Humanos, citando Rene Marcic,
Devoirsetlimitationsappartéesauxdroits, in reúne de la comissionInternacionaledesJuristes, t. IX, n-º 1,
1968 73 e ss.

18
surgimento de vários outros textos internacionais como o Pacto Internacional de Direitos
Civis e Políticos de 1966.

Consagrou-o o art. 9º da “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, de


1789 que proclamava solenemente: “todo homem é inocente até queseja declarado
culpado... se se julgar indispensável prendê-lo, todo rigor que não seja necessário para
assegurar sua pessoa deve ser severamente reprimido pela lei.

Desta consagração, dois significados podem se retirar:

a) trata-se de um ‘‘direito natural, inalienável e sagrado do homem ” - regra


processual segundo a qual o acusado não está obrigado a fornecer provas de
sua inocência, pois esta é de antemão presumida ( “étantprésuméinnocent");

b) trata-se de um princípio que impede a adopção de medidas restritivas da


liberdade pessoal do acusado antes do reconhecimento da culpabilidade, salvo
os casos de absoluta necessidade ( “pour s 'assurerde sapersonne ”).16

No entanto, originado na Declaração dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos, em


1978,o Princípio da Presunção de Inocência veio a ganhar repercussão universal com a
Declaração dos Direitos Humanos, da ONU, em 1948, que afirmou em seu art. 11.º:
“Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto
não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual se
assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa”.

Em Moçambique, a presunção de inocência é um dos princípios basilares do Direito,


responsável por tutelar a liberdade dos indivíduos, consagrado no nº 2 do art. 59º da
CRM, que enuncia: “Os arguidos gozam da presunção de inocência até decisão judicial
definitiva.” Tendo em vista que a Constituição da República é a lei Mãe, toda a
legislação infraconstitucional, portanto deverá absorver e obedecer tal princípio.

É certo que o Estado Moçambicano tem direito e interesse em punir indivíduos que
tenham condutas em desconformidade com a lei, podendo aplicar sanção a aqueles que
cometem ilícitos. No entanto esse direito/dever de punir do Estado deve conviver e
respeitar a liberdade pessoal, um bem jurídico do qual o cidadão não pode ser privado,
senão dentro dos limites da lei.

16
GOMES FILHO, Citado por Azevedo, op. cit., p. 09.

19
Portanto, diante do cometimento de um ilícito, para que o Estado imponha pena, ou
que a imprensa julgue ou divulgue informações directamente ligados ou relacionados
com aquele acto ilícito, deverá respeitar o suposto autor de tal ilícito, dando-lhe todas as
garantias constitucionais, e permitindo que este se defenda, e não tenha sua liberdade
cerceada. Sendo necessário, portanto, que ocorra um processo, e enquanto não houver
sentença transitada em julgado, em que o Estado prove a culpabilidade, o suposto autor
será presumido inocente.

2.2.1. Aplicação prática do princípio da presunção de inocência.

A presunção de inocência é como já vimos, um estado de inocência, no qual o


acusado permanece até que seja declarado culpado por sentença transitada em julgado.
Logo, o acusado é inocente durante o processo e seu estado só se modificará com a
declaração de culpado por sentença.

A aplicação desse princípio ocorre tanto no campo probatório, quanto no tratamento de


um acusado em estado de inocência. No primeiro caso, o acusado deve ser presumido
inocente, inquinando sobre a parte que acusa o ónus de prova.17 E só depois de sentença
condenatória transitada em julgado, decorrente de processo judicial, é que ele pode ser
considerado culpado.

Diante disso, o acusado não pode ser obrigado a colaborar na apuração dos
factos, uma vez que o devido processo penal, dá a ele o direito de não produzir provas
contra si mesmo18 (seja por isso que a confissão do arguido não vale como prova de
delito – art. 174º CPP)22podendo na fase do interrogatório permanecer em silêncio (art.
254º, n.º 2). Só devia se proceder deste modo, porque se assim não fosse, o acusado se
transformaria em objecto de investigação, quando na verdade é um sujeito processual.

Dentro desse campo probatório, ainda verifica-se a ligação do princípio da


presunção de inocência com o do “in dúbio pro reo”, pois ocorrido o devido processo
legal, se as provas forem insuficientes e, reste ao juiz alguma dúvida quanto a
culpabilidade do acusado, este deve decidir em favor do acusado, que será declarado
inocente.

17
O mesmo ocorre a nível do Direito Civil quando do – art. 342. nº 1, resulta que, quem alega um facto
cabe fazer a sua prova.
18
Sobre os meios proibidos de interrogatório, escreve o ilustre Professor Figueiredo Dias, p:454 e ss.
22
Cfr: SOUSA, João Castro e: da tramitação do processo penal. Coimbra, p: 214-

20
No segundo caso, no que se refere ao paradigma do tratamento do acusado, no
curso do processo penal, considera-se inocente enquanto não for definitivamente
condenado. Assim sendo, durante as investigações e a tramitação processual, o réu não
deve ser punido antecipadamente, e nem mesmo tratado como culpado, aplicando só as
medidas necessárias, e restringindo o mínimo de direitos possíveis, uma vez que ainda
não se sabe se o acusado é inocente ou culpado.

Assim, a inclusão do princípio da presunção de inocência nas modernas


Constituições corresponde a uma opção em favor dos valores essenciais de respeito à
pessoa humana no âmbito do processo penal.

CAPÍTULO III: O DIREITO AO NOME, À HONRA E À IMAGEM COMO


LIMITES EXTERNOS DA LIBERDADE DE IMPRENSA.

Como forma de agudizar o especial respeito pelos valores representados como


elementos componentes da personalidade de cada individuo, a constituição da Republica
de Moçambique dando protecção positiva, enquanto direitos em si mesmos, dispõe no
art-º 41, que “todo o cidadão tem direito à honra, ao bom nome, `a reputação, à defesa
da sua imagem pública (…)”.

Importa, portanto, compreender, ainda que sucintamente, o real significado do


direito ao nome, à honra e à imagem, com o objectivo de buscar o ponto de equilíbrio
para o exercício dos princípios em análise no presente trabalho, enquadrando-os como
limites externos à liberdade de imprensa quando colide com a presunção de inocência.

3.1.O Direito ao nome.


O direito ao nome é um direito de personalidade, consagrado no Código Civil. O
art.º 484.º CC prevê a ocorrência de alguém “afirmar ou difundir um facto capaz de
prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa”. Mas o que deve se entender
por tal “facto”?

À partida, o facto que aqui se refere deve se entender como sendo uma afirmação ou
uma insinuação, feita pela palavra (escrita ou oral), pela imagem ou pelo som, que
impliquem ou possam implicar desprimor para o visado. Este resultará (ou poderá

21
resultar) apoucado, desprivilegiado, aviltado, ou, por qualquer modo, diminuído na
consideração social ou naquela que ele tenha de si mesmo.19

Dada a importância deste direito de personalidade, não se pode de algum modo,


distinguir, em razão da relevância social, o nome de quem quer que seja. O facto de
determinada pessoa possuir posição destacada, não torna em princípio, seu nome mais
importante que o nome daqueles que são anónimos perante a sociedade. Isso porque,
proporcionalmente, o nome destes, dentro da sua comunidade, tem a mesma importância
que daqueles que se destacam socialmente.

Portanto, não se justifica, tendo como parâmetro o direito subjectivo da pessoa


humana, o tratamento desigual entre iguais, até porque é um princípio constitucional que
todos os indivíduos são iguais perante a Lei (art. 35º da CRM).

A protecção ao nome, compreende o prenome e o sobrenome, não sendo


admissível o emprego por outrem do nome da pessoa em publicações ou representações
que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória.

Nesse contexto, a protecção ao nome do individuo apresenta-se, em


determinadas circunstâncias, como limite à liberdade de imprensa. Nesse momento, já é
possível perceber que, merecendo o nome a protecção do Estado, enquanto reflexo
derivado da personalidade de seu detentor, em se tratando da pessoa humana sujeita a
investigação preliminar de natureza criminal – estando ela, portanto, na qualidade de
suspeita ou mesmo de indiciada, a divulgação do seu nome através dos meios de
comunicação possui, indubitavelmente, o condão de enodoar esse seu nome, e, por
conseguinte, a sua própria pessoa, entendendo o nome como elemento identificador
perante a sociedade com a qual interage, passando a ser uma pessoa estigmatizada e
detentora de um nome que lhe trará vergonha e não prazer, o que importa em afronta à
sua dignidade enquanto pessoa humana.20

Nesta praz, é do nosso entendimento que, o direito ao nome, sendo um direito de


personalidade e inerentemente ligado a dignidade do ser humano, apesar de não ser
absoluto, porque em certos casos pode se interferir no direito ao nome quando nisto

19
Cfr: CORDEIRO, António Menezes, tratado de direito civil Português II, tomo III, almeidina, p: 553
20
Sergio Ricardo de Souza (2008, p.46).

22
resulte interesse colectivo ou com a pretensão da salvaguarda de outro direito maior.21
Este é um limite externo a liberdade de imprensa, quando colide com a presunção de
inocência, com vista a se preservar a pessoa humana nas suas relações familiares, sociais
e com o próprio Estado.26

3.2.O Direito a honra.

honra é o conjunto de qualidades capazes de individualizar o indivíduo,


acarretando seu destacamento dentro da sociedade. Estritamente relacionada, portanto,
às características que a sociedade, de modo geral, reputa a determinada pessoa: quais os
conceitos e juízos que faz dela, a fama que tem, como se propaga a sua existência no
imo social. Mais além, busca estabelecer qual o conceito ou o quanto sua comunidade a
estima, no que tange aos aspectos moral, intelectual, profissional. Sua dignidade lhe faz
acender o carácter da probidade, de princípios e rectidão moral. O penalista DAMÁSIO
DE JESUS enxerga-a, sob um aspecto benéfico (boa-honra), como o “conjunto de
atributos morais, físicos, intelectuais e demais dotes do cidadão, que o fazem merecedor
de apreço no convívio social”.22 Mas todos têm direito a um respeito social mínimo, não
cabendo dizer que, dados os maus atributos de determinado criminoso ou de pessoa
“indecente”, escapem-lhe os direitos fundamentais basilares, incluindo de sua honra.
Significa dizer que, mesmo sendo verdadeira a atribuição a determinado sujeito de um
facto ofensivo à sua reputação, nasce-lhe ofensa à sua honra, punível por diversos ramos
do direito.

Ora, assim como muitos institutos jurídicos, a ideia de honra tem origem no
Direito Romano. “Prima faciecom o sentido geral de iniuria, que servia para designar os
delitos de contornos imprecisos, perpetrados contra pessoas, consolidando-se, depois,
com a estimação de iniuria na acepção de contumélia, ou seja, ofensa moral”23

A honra comporta essencialmente, duas características, mormente “a dignidade


pessoal reflectida na consideração dos outros e no sentido da própria pessoa.

21
Cfr. MIRANDA, Jorge. Op cit. p. 341.
26
Idem.
22
JESUS, Damásio Evangelista de . Direito penal: parte especial: dos crimes contra a pessoa. Dos crimes
contra o patrimônio. 16 ed: S-araiva, 1994. v. 2. p. 177.
23
CORDEIRO, António Menezes, tratado de direito civil Português II, tomo III, almeidina, p: 558

23
A primeira característica está enraizada no princípio da dignidade da pessoa
humana, onde a honra, independentemente de raça, cor, classe social, religião, etc., é
uma qualidade intrínseca a toda e qualquer pessoa, a segunda característica diz respeito
ao conteúdo da honra, tanto na vertente objectiva quanto na subjectiva. A honra
objectiva, diz respeito `a reputação que uma pessoa goza no meio social em que está
colocada, e a subjectiva é a ideia que cada pessoa tem de si mesma sobre sua própria
dignidade moral.

No entanto, a limitação da liberdade de imprensa ou de informação, incide


exactamente sobre a honra exterior ou objectiva.

Pois, a honra interior ou subjectiva não pode ser atingida, pois como se pode
constatar, esta não está nas mãos de ninguém senão da própria pessoa, e por isso
ninguém pode afectar ou desonrar a honra subjectiva de outrém.

No cerne da limitação a liberdade de imprensa com vista a proteger os direitos da


personalidade, alguns autores consideram que pelas características das sociedades
actuais (muito modernizadas e sofisticadas), a tutela da honra está na defensiva24. Mas
inversamente, uma protecção muito alargada da honra prejudicaria a liberdade de
opinião e a liberdade de a exprimir: só se admitiriam panegíricos. Embora ambos os
vectores sejam considerados necessários para as democracias modernas.

À partida, temos de ter presente que o direito à honra é um direito de


personalidade. Marca um círculo em que o interesse da pessoa beneficiaria prevalece
sobre quaisquer pretensos valores superiores, de outro modo, nem a figura dos direitos
de personalidade faria sentido.

Quando se refere a liberdade de imprensa, há que reporta-la a algo de


socialmente útil ou relevante 25 . É exactamente nesta vertente que, a liberdade de
imprensa quando encarra pela frente o princípio da presunção de inocência, deve sempre
respeitar casuisticamente aquele direito que cada individuo independentemente de ser

24
GERHARD ERDSIEK, Der Ehrenschutz in der defensive. Citado por CORDEIRO, António Menezes,
tratado de direito civil Português II, tomo III, almeidina, p: 557.
25
“Razoável”, nas palavras de DIAS FIGUEIREDO, Direito de Informação e tutela da honra cit., p.137.
31
Toda expressão formal e sensível da personalidade de um homem é imagem para o Direito. A idéia de
imagem não se restringe, portanto, à representação do aspecto visual da pessoa pela arte da pintura, da
escultura, do desenho, da fotografia, da figuração caricata ou decorativa, da reprodução em manequins e
máscaras. Compreende, além, a imagem sonora da fonografia e da radiodifusão, e os gestos, expressões
dinâmicas da personalidade." (MORAIS, Walter - Direito à própria imagem. São Paulo: Revista dos
Tribunais, ano 61, n. 443, setembro de 1972, p. 64)

24
acusado, indiciado ou sob investigação criminal ostenta, por conta daquele princípio
constitucional que anuncia que ninguém pode ser declarado culpado até que exista uma
sentença condenatória transitada em julgado.

3.3.O Direito à imagem.

O direito à imagem é um dos direitos da personalidade dos quais todos os seres


humanos gozam, facultando-lhes o controle do uso de sua imagem, seja a representação
fiel de seus aspectos físicos (fotografia, retratos, pinturas, gravuras etc.), como o
usufruto representação de sua aparência individual e distinguível, concreta ou abstrata31.

No ordenamento jurídico Moçambicano, o direito à imagem é tratado no artigo 79º


do Código Civil, onde prescreve que:

1. O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no


comércio sem o consentimento dela; depois da morte da pessoa retratada, a
autorização compete às pessoas designadas no n.º2 do artigo 71.º, segundo a
ordem nele indicada.

2. Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o


justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou
de justiça, finalidades científicas, didáticas ou culturais, ou quando a
reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos
de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.

3. O retrato não pode, porém, ser reproduzido, exposto ou lançado no comércio, se


do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa
retratada.

A norma retro citada, cria uma certa confusão no seio de vários debates jurídicos,
principalmente quando do nº 2 resulta que “não é necessário o consentimento da pessoa
retratada quando assim o justifiquem (…), exigências de polícia ou de justiça.

A confusão prende-se em entender o que se pode considerar “justificadas as


exigências de polícia ou de justiça” para que se possa interferir através da exposição ou
retrato da imagem de um certo individuo sem o seu consentimento. Por isso, muitas são,
vezes em que a Mídea usa aquela norma como escudo para poder expor as imagens das

25
pessoas indiciadas de prática de certos ilícitos criminais sem o seu prévio
consentimento.

Ora, no nosso entender, sem querer censurar26 a actividade da Media ou diminuir o


seu papel que é o de informar e denunciar actos que atentam contra a tranquilidade da
colectividade. É evidente que, essa divulgação somente pode ser realizada com
observância do princípio da presunção de inocência. Assim, o jornalista não pode expor
as imagens e dar aos factos expostos o caráter definitivo, antes da sentença final.

CAPÍTULO IV: COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS.

É fácil perceber a heterogeneidade dos direitos fundamentais. Seu conteúdo é, na


maioria das vezes, aberto e variável e somente pode ser aferido quando do deslinde de
um caso concreto ou quando estes direitos estão em relação entre si, ou mesmo com
outros valores protegidos pela Constituição.

É nesta perspectiva que surge a problemática da colisão de direitos fundamentais,


que vem ocupando boa parte da doutrina moderna, ávida por desenvolver soluções a tais
conflitos, que representam grandes problemas na prática, remetendo o intérprete a
operações bem mais complexas que a simples subsunção, utilizada para a interpretação
de normas com estrutura de regras.

Porém, a colisão de Direitos Fundamentais ocorre quando a Constituição ampara ou


resguarda dois ou mais direitos que se encontram em contradição no caso concreto.

Haverá conflito sempre que se deva entender que a Constituição protege


simultaneamente dois valores ou bens em contradição concreta”. Têm-se, assim os
conflitos de bens jurídicos tutelados.27

Para J.J. Gomes Canotilhoa concorrência de conflitos entre direitos


fundamentais 28 : pode se manifestar sob duas formas: a) cruzamento de direitos
fundamentais, que acontece quando o mesmo comportamento de um titular é incluído no

26
Em nenhum momento podemos pensar em fazer uma censura a Liberdade de imprensa, porque a
constituição da Republica de Moçambique, veda essa possibilidade ao prever que, o direito à informação
não pode ser limitado por censura – art. 48/2 in fine da CRM.

27
COSTA, José Manuel Cardoso da. A hierarquia dos valores constitucionais. p. 17.
28
Canotilho, opcit: p. 287

26
âmbito de proteção de vários direitos, liberdades e garantias e; b) acumulação de
direitos, hipótese que um determinado bem jurídico, leva à acumulação, na mesma
pessoa, de vários direitos fundamentais”.

Portanto, o que nos interessa na presente abordagem é aquela colisão que


denomina-se colisão de direitos fundamentais em sentido estrito, que ocorre, quando o
exercício ou a realização do direito fundamental de um titular de direitos fundamentais
tem consequências negativas sobre direitos fundamentais de outros titulares de direitos
fundamentais 29 . Canotilho, acrescenta que não estamos neste sentido, perante um
cruzamento ou acumulação de direitos (como na concorrência de direitos), mas perante
um «choque», um autêntico conflito de direitos.30

4.1.Colisão de direitos e interpretação constitucional

Quando dois direitos consagrados na constituição entram em conflito há que


recorrer a diversos critérios, que dependem da interpretação constitucional e legal.
Gomes Canotilho distingue os casos em que se verifica (a) um conflito entre direitos
fundamentais suscetíveis de restrição; dos casos em que (b) o conflito se verifica entre
direitos fundamentais insusceptíveis de restrição31.

O autor acrescenta que, quando o conflito se verifica entre direitos fundamentais


insuscetíveis de restrição, devem ser resolvidos casuisticamente. O ponto de partida é de
que os direitos são sempre prima facie32, e não direitos definitivos, dependendo da sua
radicação subjectiva definitiva da ponderação e da concordância a ser feita em face de
determinadas circunstâncias concretas.

A posição do Canotilho aponta para a necessidade de as regras do direito


constitucional de conflitos deverem constituir-se com base na harmonização de direitos
e, só no caso de isso ser necessário, na prevalência (ou relação de prevalência) de um
direito em relação ao outro. Por outro lado, essa eventual relação de prevalência só pode
ser apurada em face das circunstancias concretas, pois, só nestas condições é legitimo
dizer que um direito tem mais peso.

29
Robert Alexy (alemão) deu nova roupagem a Dworkin (contrariamente a ele), afirmando a existência
de uma seta que direciona até onde é possível seguir. p. 607, Revista da Ordem dos Advogados, 1997
30
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional, Almedina, Coimbra, Outubro de 198 p 495.
31
Idem. pp.1255-1257
32
Princípios ou regras que devem ser cumpridas sem excepçao.

27
Porém, a colisão ou conflito de direitos fundamentais encerra, por vezes,
realidades diversas que nem sempre são diferenciadas com clareza.

4.2. A solução sob óptica da doutrina constitucional.

Segundo a doutrina constitucional, regra geral quando dois direitos consagrados


na constituição entram em conflito, há que recorrer a diversos critérios, que dependem
da interpretação constitucional, onde assume particular relevo, o elemento sistemático
da interpretação.
A interpretação constitucional – a determinação do sentido da norma
constitucional – não é, consensualmente, de natureza diferente de que se opera noutras
áreas, ou seja, da interpretação das restantes normas do ordenamento jurídico. Por isso,
são comummente aceites, neste âmbito, os cânones gerais da interpretação jurídica,
provenientes da teoria geral de Direito e da metodologia do Direito, constantes do
Código Civil33. Apesar disso, outros princípios hermenêuticos têm vindo a assumir um
particular relevo, no âmbito da interpretação constitucional.
Entre nós, para a resolução da colisão entre direitos fundamentais entre si,
destacam-se, segundo Canotilho, os princípios da unidade da constituição e da
concordância pratica34.
O princípio da unidade Constitucional, estipula que a Constituição deve ser
interpretada de forma a evitar contradições entre as normas. O que obriga o intérprete a
considerar a constituição como um todo, como um conjunto unitário de normas e
princípios. No essencial, o que se pede ao intérprete ‘e que cada norma constitucional
deva ser analisada nesse conjunto unitário de normas e princípios em que deve ser
situada, e não como normas isoladas e dispersas35, no sentido de se obter uma unidade e
uma harmonia de sentido36, evitando assim a contradição entre normas constitucionais.
O princípio da concordância prática, ou da harmonização, impõe a coordenação e
a combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício (total) de uns

33
Que, Segundo Jorge Miranda (Teoria do Estado e da Constituição, Editora Forense, Rio de Janeiro,
2003, p. 453), se podem considerar como substancialmente constitucionais, não repugnando, para o autor,
vê-las dotadas de um valor de costume constitucional (praeterlegem)
34
Sobre os restantes principioscfr; J.J. Gomes Canotilho; Direito Constitucional e Teoria da Constituicao,
pp. 1208-1210; JORGE BACELAR DE GOUVEIA: Manual de Direito Constitucional, Vol II, Almedina,
Coimbra, 2005, pp.664-665.
35
KONRAD HESSE: “ Interpretacion constitucional”, pp. 45 e sgs; J.J. GOMES CANOTILHO: Direito
Constitucional e Teoria da Constituição, pp. 1207-1208; JORGE BACELAR DE GOUVEIA: Manual de
Direito Constitucional, Vol II, Almedina, Coimbra, 2005, pp.664.
36
MIRANDA JORGE: Teoria da Constituição, op cit. p.451.

28
em relação aos outros. O campo de eleição deste princípio situa-se, normalmente, no
âmbito da colisão entre direitos fundamentais ou entre direitos fundamentais e bens
jurídicos constitucionalmente protegidos37.
Até aqui, a questão parece consensual no que tange a resolução do conflito, o
que já não é consensual são as consequências. Para Gomes Canotilho, o principio da
unidade da constituição que acima vimos, preclude a atribuição de uma diferente
dignidade hierárquico-normativa aos diversos bens constitucionalmente protegidos38, o
que obriga, imediatamente, à procura de soluções de concordância pratica e máxima
efectividade através do recurso ao principio da proporcionalidade em sentido amplo39.
Já o autor Jorge Miranda, tem um entendimento diferente, defendendo que,
mesmo no seio de uma constituição compromissória como a nossa, a resolução de certas
contradições pode passar por uma solução de preferência ou prioridade, na efectivação
de alguns princípios frente aos restantes, que nuns casos se traduz em «coordenação»,
mas noutros, em «subordinação».
E, portanto, se em alguns casos a solução de contradições passa por uma solução
de concordância pratica, assente num critério de proporcionalidade, outras há, em que a
solução passa por uma «hierarquização dos valores inerentes aos princípios
constitucionais40.

4.3. A HIPÓTESE DA COLISÃO DO PRINCIPIO DA LIBERDADE DE


IMPRENSA COM O DA PRENSUNÇÃO DE INOCÊNCIA.

Como acima analisamos, é inevitável o conflito ou colisão entre os direitos


fundamentais ou princípios constitucionalmente positivados. Tais colisões, todavia,
surgem inexoravelmente no direito constitucional contemporâneo, por razões
numerosas. Duas delas são destacadas a seguir: (i) a complexidade e o pluralismo das

37
CANOTILHO, J.J. GOMES; Direito Constitucional e Teoria da Constituicao, p.1209; GOUVEIA
,JORGE BACELAR DE: Manual de Direito Constitucional, Vol II, Almedina, Coimbra, 2005, p.664:
38
CANOTILHO J.J Gomes; Direito Constitucional e Teoria da Constituição, pp.1167-1168; GOUVEIA,
JORGE BACELAR DE: Manual de Direito Constitucional, Vol II, p. 664
39
CANOTILHO, opcit: pp.1279-1280. Ora, tendo todos os bens jurídico-constitucionais igual dignidade
constitucional, a solução correcta do conflito deve ser aquela que consiga o equilíbrio menos restritivo
para qualquer um deles. Como propostas metódicas de resolução das colisões de direitos fundamentais, o
Autor avança com a ideia de que o domínio potencial ou domínio normativo da norma, ou «direito prima
facie», da lugar ao «domínio actual» através de um procedimento a posteriori de «concordância pratica»
dos bens jurídicos em presença , sendo certo que muitos deles apresentam uma estrutura principal,
devendo por esse motivo ser jurídico-dogmaticamente constituídos, no plano conceptual, como
obrigações de optimização.
40
MIRANDA,JORGE: Teoria da Constituição, pp.451-452

29
sociedades modernas levam ao abrigo da Constituição valores e interesses diversos, que
eventualmente entram em choque; e (ii) sendo os direitos fundamentais expressos,
frequentemente, sob a forma de princípios, sujeitam-se, como já exposto (v. supra), ao
choque com outros princípios e à aplicabilidade no limite do possível, à vista de
circunstâncias fácticas e jurídicas.

A colisão da liberdade de imprensa com o da presunção de inocência tornou-se


corriqueiro na nossa sociedade, com o crescimento retumbante da imprensa falada e
escrita, é frequente assistirmos casos em que pessoas indiciadas de prática de um delito
penal (não só), vê a sua imagem exposta, seu nome divulgado sem o seu consentimento
e sua honra denegrida, sem no entanto se respeitar o princípio de presunção de
inocência, que é uma garantia constitucionalmente conferida. Na verdade o que a
imprensa tem feito é, submeter essas pessoas a julgamento popular e condena-las sem
nenhuma prova legal, usando apenas informações precipitadas fornecidas pela polícia ou
através de depoimentos da população.

E quando assim acontece urge perceber-se ainda estamos mesmo perante uma
pura colisão de direitos fundamentais que pode ser solucionado segundo os critérios
tradicionais de solução de conflitos normativos que acima abordamos ou aqueles não
são aptos como regra geral, para a solução de colisões ora em análise, qual seja, entre a
liberdade de imprensa e presunção de inocência.41

Pois, em referida situação, o problema reside na qualidade das informações


adquiridas através de referidos meios de comunicação, isto porque, nas hipóteses em
que a imprensa possui uma qualidade sensacionalista, a notícia asseverada pode tornarse
perigosa, haja vista que, muitas vezes as informações dos Medias, são repassadas de
forma ilimitada, com a única finalidade de garantir audiência.

Logo, a rapidez e versatilidade com que as referidas notícias são transmitidas,


possui o condão de desrespeitar o princípio da presunção de inocência, bem como
inúmeros princípios fundamentais, porque nota-se que o interesse dos operadores de
jornalismo quando divulgam notícias relacionadas à crimes (utilizando-se de um imenso

41
No entendimento de Jorge Miranda, esse tipo de colisão é normal. Cfr:MIRANDA, Jorge: Manual de
Direito Constitucional: Direitos Fundamentais. TOMO IV. 5ª Ed. Coimbra Editoras. 2012. p. 115
48
Recorde-se o STV Crime sobre investigação – uma “palhaçada” que a STV passou em capítulos
tentando concluir que uma senhora mandara matar seu marido o ano passado. Recorde-se também da
apresentação pública que ocorreu no Macurrungo dos jovens supostos assassinos de três meninos que até
o tribunal acabou por absolver porque nada provou o seu envolvimento no crime.

30
sensacionalismo) é de auferir proveito próprio, o que muitas vezes provoca a
manipulação da opinião pública e consequentemente colabora com a execração do
suposto autor do facto delituoso48, situação essa que desrespeita completamente as
vertentes do princípio da presunção de inocência.

Quando a imprensa outorga a possibilidade da realização de determinado delito a


uma pessoa, paira até então, um sentimento de dúvida, no que tange ao cometimento ou
não da infracção. Todavia, nas hipóteses em que a Media promove um pré-julgamento,
o indivíduo passa a ser visto como culpado pela sociedade, situação esta, que se opõe ao
princípio norteador do processo penal e à garantia constitucional que assegura ao
acusado ser considerado inocente até a sentença penal condenatória não mais passível de
qualquer recurso42.

Destrate, necessário se faz salientar que o limite da liberdade que possui a


imprensa, deve terminar no exacto momento em que começa a violar os direitos
fundamentais garantidos a todos os cidadãos.

Nesta óptica, nitidamente se constata que, este choque do princípio da liberdade


da imprensa com o de presunção de inocência, não é uma colisão típica do sistema
constitucional50, antes uma colisão precipitada pela Media que não tem observado os
limites que a lei impõe para um jornalismo ético que respeite a dignidade da pessoa
humana.

Porquanto, somos da opinião que a colisão de direitos fundamentais, na hipótese


em análise, em que a liberdade de imprensa é exercida sem respeitar o princípio da
presunção de inocência, não é tipicamente uma colisão de direitos ou princípios
constitucionais, mas sim a violação do princípio da presunção de inocência pelos
operadores do jornalismo, porque, (como referimos supra), a liberdade que possui a
imprensa, deve terminar no exacto momento em que começa a violar os direitos
fundamentais garantidos a todos os cidadãos.

42
MELLO, Carla Gomes de. Mídia e Crime: Liberdade de Informação Jornalística e Presunção de
Inocência. Revista de Direito Público, Londrina, v. 5, n. 2, ago. 2010. Disponível
em:http://www.boletimjuridico.com.br/ doutrina/texto.asp . Acesso em: 10 de Março de 2015. 50 A
colisão típica é aquela em que a esfera de protecção de um direito é constitucionalmente protegida em
termos de intersectar a esfera de outro direito ou de colidir com uma outra norma ou principio
constitucional. Ex: A midia no seu dever de informar divulgar imagens e nome de um cadastrado
perigoso, que já foi julgado e condenado por pratica de vários crimes.

31
Este imperativo é anunciado pela CRM quando do nº 2 do art. 56.º, consagra que
«O exercício dos direitos e liberdades pode ser limitados em razão da salvaguarda de
outros direitos ou interesses protegidos pela constituição» - é o tal princípio da
proporcionalidade no exercício dos direitos e liberdades fundamentais.

Ora, o princípio da presunção de inocência, é expressamente garantido pela


constituição (veja-se o art. 59º, nº 2 da CRM).

A seguir apresentamos alguns instrumentos legais no nosso ordenamento


jurídico que são parâmetros defensáveis para evitar que o princípio da liberdade de
imprensa entre em choque com a presunção de inocência. Onde examinaremos o seu
sentido e alcance, bem como sua compatibilidade com o exposto sobre os parâmetros
constitucionais que devem orientar a solução dessa espécie de colisão.

2.1 Parâmetro constitucionalmente adequada da Lei de Imprensa (Lei nº


18/91 de 10 de Agosto).
A lei nº 18/91 de 10 de Agosto, conhecida como lei de imprensa, indicia uma
intenção de evitar que a liberdade de imprensa seja exercida de uma certa fome que não
intersecte a esfera de protecção dos direitos de personalidade, ao consagrar na alínea a)
do art.º 28.º como um dos deveres dos jornalistas: “Respeitar os direitos e liberdades
dos cidadãos”.

O mais interessante para o tema em análise, é que ainda na óptica dos deveres
dos jornalistas, a al.f) do art. 28.º prescreve que como um dos deveresdos jornalistas,
“Repudiar o plágio, a calúnia, a difamação, a mentira, a acusação sem provas, a
injúria e a viciação de documentos”. Interessa para nosso trabalho o sublinhado
(acusação sem provas), este é um nítido parâmetro adequado para evitar que a liberdade
de imprensa colide com a presunção de inocência, porque como acima analisamos, a
presunção de inocência significa que ninguém pode ser considerado culpado sem uma
sentença condenatória transitada em julgado, o que equivale ainda dizer que, sem que se
reúnam provas suficientes para sustentar a indiciação de um certo individuo pela pratica
de um delito penal não se pode afirmar que tal individuo seja culpado. Portanto, apesar
do papel importante que tem a imprensa na materialização dos direitos individuais e

32
colectivos consagrados na lei fundamental43, deve se abster de acusar sem provas ou
expor as imagens das pessoas que ainda estão sendo investigadas.

Entretanto, como se pode constatar, se a imprensa no exercício da sua liberdade,


respeitasse rigorosamente aquele dever consagrado na própria lei que fixa os objectivos
e princípios que devem nortear a actividade jornalística não se verificaria este conflito
eminente com a presunção de inocência, e consequentemente, a honra, a imagem e o
bom nome dos indivíduos indiciados de prática de um crime, estaria preservado até o
trânsito em julgado da sentença condenatória.

2.2 Parâmetro constitucionalmente adequado da conjugação dos arts. 70, nº 1 e


79 do Código Civil.
O Código Civil abriu uma SECÇÃO especial para tratar dos direitos da
personalidade (arts. 70.º a 81.º) e, ao fazê-lo, procurou prescrever uma fórmula capaz de
evitar, até solucionar os possíveis conflitos entre esses direitos e as liberdades de
informação e de expressão. Está a origem do art.º 79, que tem a seguinte leitura:

1. O retracto de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido no comercio sem o
consentimento dela (…);
2. Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim
justifiquem, a notoriedade, o cargo que a pessoa desempenhe, exigência de
policia ou de justiça, finalidade cientifica, (…) ou quando a reprodução da
imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse
publico ou que hajam decorrido publicamente,
3. O retracto não pode, porem, ser reproduzido, exposto ou lançado no comercio,
se do facto resultar o prejuízo para a honra, a reputação ou simples decoro da
pessoa retratada.

A interpretação mais evidente do dispositivo produz a seguinte conclusão: é


proibida, a utilização da imagem de alguém ou a divulgação de factos sobre a pessoa,
em circunstâncias capazes de lhe atingir a honra, a boa fama ou a respeitabilidade,
inclusive para fins jornalísticos (já que a norma não distingue). As excepções ao
preceito são: (i) a exigência autorização da pessoa envolvida ou a circunstância de a

43
Neste sentido, o ANTEPROJECTO DE REVISÃO DA LEI DE IMPRENSA (Revisão pontual da Lei
n.º18/91, de 10 de Agosto).

33
exibição ser necessária para (ii) exigências de polícia ou de justiça, (…) ou (iii) na de
factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente. Ou seja: pode ser
proibido tudo o que não tenha sido autorizado e não seja necessário à administração da
justiça ou à manutenção da ordem pública na sua leitura mais óbvia. Portanto, a norma
não resiste a um sopro de bom direito. Impõem-se, assim, algumas observações.

Em primeiro lugar, o dispositivo transcrito emprega dois estranhos conceitos –


exigência de polícia ou de justiça e interesse público –, estes conceitos não constam do
texto constitucional e são amplamente imprecisos e difusos. Que espécie de informação
ou imagem de uma pessoa poderia ser necessária à exigência de polícia ou de justiça?
Serão factos relacionados a condutas ilícitas, na esfera cível e criminal? talvez. E quanto
ao interesse público? Trata-se de conceito ainda mais indefinido. A divulgação de fotos
de supostos criminosos procurados pela polícia ou indiciados de prática de um delito
poderia enquadrar-se nesse parâmetro, e talvez até mesmo na ideia de exigência de
polícia ou de justiça. De toda sorte, a fragilidade constitucional desses conceitos pode
ser facilmente percebida mediante um exercício simples: o teste de sua incidência sobre
diversas hipóteses é capaz de produzir resultados inteiramente incompatíveis com a
Constituição.

Como se vê, os critérios empregados pelo Código Civil não encontram qualquer
amparo constitucional e, na prática, acabam servindo de escudo para a imprensa
irresponsável que a procura de audiência e lucro, sob pretexto exigência da polícia ou da
justiça, ou mesmo do interesse publico, julga pessoas indiciadas de prática de um delito
criminal, expõe sem mascara nem maquilhagem a sua imagem, comprometendo desse
jeito a sua honra e o bom nome.

Apesar de ser pouca ou quase inexistente no nosso direito, a doutrina produzida


sobre o referido art.º 79 do CC, nada nos impede que viajemos até o direito Brasileiro, e
advogarmos a posição de Luís Gustavo que criticava o art.º 20 de Código Civil
brasileiro, que tem quase o mesmo conteúdo que o nosso, condenando o dispositivo nos
seguintes termos: “

“O artigo 20 do novo Código Civil44, que representa uma ponderação de interesses por
parte do legislador, é desarrazoado, porque valora bens constitucionais de modo
contrário aos valores subjacentes à Constituição. A opção do legislador, tomada de

44
Lê-se art. 79º do Código Civil Moçambicano.

34
modo apriorístico e desconsiderando o bem constitucional de presunção de inocência,
por uma lado, e da liberdade de imprensa por outro lado, pode e deve ser afastada pela
interpretação constitucional. 45”

Posto isso, conclui-se que, a única forma de fazer o art.º 79 do CC conviver com
o sistema constitucional, seria entender que: ao contrário do que se poderia parecer em
uma primeira leitura, a divulgação de informações verdadeiras e obtidas licitamente sem
intersectar os direitos individuais e garantias constitucionais (incluindo a presunção de
inocência) sempre se presume necessária ao interesse público ou mesmo exigências de
polícia ou de justiça, caso não se entenda o dispositivo dessa forma, não poderá ele
subsistir validamente.

4.3.1. Parâmetro constitucionalmente adequado do Código de Processo


Penal.
A estigmatização de um individuo que esta sendo investigado, muitas das vezes é
causada pela publicação pela imprensa, dos actos da investigação durante a instrução
preparatória, decorrente da precipitação e do abuso da autoridade ou ignorância da lei
pelas autoridades policiais, quando submete o investigado à humilhação pública, ou
exibi-lo, contra a sua vontade, como uma conquista, para toda a Media.

De facto, o valor publicidade é regra essencial à democracia, assim como é um


princípio norteador relativo a forma no nosso Processo Penal. Nos termos do art. 407º
do C.P.P e do art. 13.º da Lei nº 24/2007, de 20 de Agosto (Lei da Organização
Judiciaria), as audiências dos tribunais são públicas. Significa isto que qualquer cidadão
tem direito a assistir e ouvir o desenrolar de audiência do julgamento, mas também que
são admissíveis os relatos públicos daquela audiência46.

Dai decorrer a confusão por parte da imprensa, alias, essa confusão foi notória
quando o Presidente da República solicitou, em 13 de Junho de 2007, ao Conselho
Constitucional a fiscalização preventiva, por impulso das organizações MISA
Moçambique, Fórum Nacional de Editores e Sindicado Nacional de Jornalistas,
representando os jornalistas moçambicanos, manifestando a sua preocupação em relação

45
CARVALHO,Luis Gustavo Grandinetti Castanho de: Colisão entre Liberdade de Expressão e Direitos
da Personalidade. Critérios de Ponderação. Interpretação Constitucionalmente adequada do Código
Civil e da Lei de Imprensa: Disponível em: http://www.verbojuridico.com.br/ doutrina/texto.asp .
Acessadoem: 12 de Março de 2015.
46
Opcit: João Trindande& Luís Mondlane: Apontamentos de Direito Processual Penal 1994/95.

35
ao conteúdo do nº 2 do art.º 13 da LOTJ, alegando que tal ignora o princípio de
publicidade das audiências em processo criminal e o direito dos cidadãos à informação,
estabelecidos no nº 2 do artigo 65 e nº 1 do art. 48.º, ambos da Constituição da
República).47

Ora, importante é, perceber que este princípio diz respeito à fase do julgamento,
mas deve ceder espaço, em certos casos, ao segredo, ao oculto. O sigilo em si mesmo,
não significa uma burla ao Estado Democrático de Direito, mas sim, sua imposição
abusiva, sem nenhum fundamento no interesse publico ou social, ou em outro valor
constitucionalmente relevante.

Seja por isso que, a instrução preparatória é caracterizada pelo secretismo. O


caracter secreto da instrução preparatória (art. 70.º do CPP e art. 12º do Decreto Lei
35007) deriva exactamente da necessidade de furtar o arguido ao vexame de conhecer
ou saber conhecida pelo público as respectivas diligencias instrumentais que podem o
estigmatizar precipitadamente enquanto lhe assiste o direito de presunção de
inocência48.

4.3.2. O Direito de Resposta como um mecanismo de resolução do problema em


análise.
Como se pode depreender da abordagem supra, a imprensa é também poder
social, que pode afectar o direito particular, quanto ao seu bom nome, a honra, imagem
etc. Em segundo lugar, a liberdade de imprensa tomou-se cada vez menos uma
faculdade individual de todos, passando a ser cada vez mais um poder de poucos.
Hoje em dia, os meios de comunicação de massa já não são expressão da
liberdade e autonomia individual dos cidadãos, mas sim dos interesses comerciais ou
ideológicos de grandes organizações empresariais, institucionais ou de grupos de
interesse.57
Desta forma, surge a necessidade da defesa não só da liberdade de imprensa, mas
da liberdade face à imprensa. Neste contexto, surge o direito de resposta como um
“contrapeso da liberdade de imprensa e do poder da imprensa”.

47
V. g. Acórdão nº 3/CC/2007 de 23 de Julho, Conselho Constitucional: República de Moçambique.
Processo nº 07/CC/07
48
CASTRO, João e Sousa: A tramitação do Processo Penal, Coimbra editora, P. 194.
57
MOREIRA, Vital. O Direito de Resposta na Comunicação Social. Coimbra: Coimbra
Editora, 1994, p. 09.

36
No nosso direito pátrio, o regime jurídico do direito de resposta encontra-se
consagrado nos arts. 33º e 34º da Lei 18/91 de 10 de Agosto, que em suma prescreve:”
“O direito de resposta assiste a toda a pessoa singular ou colectiva ou organismo público
que se considere lesado pela publicação, transmissão radiodifundida ou televisiva, de
referências inverídicas ou erróneas susceptíveis de afectar a integridade moral e o bom
nome do cidadão ou da instituição, o seu exercício deve ser feito dentro do prazo de 90
dias, conforme os termos referidos no artigo 33: Com a publicação da resposta,
desmentido ou rectificação, dentro de dois números a contar da sua recepção, no mesmo
período, no mesmo lugar e com igual relevo ao do escrito que lhe deu causa, ou na sua
difusão na mesma emissora, programa e horário em que foi divulgada a transmissão que
lhe deu causa; A publicação ou difusão é feita de uma só vez, sem interpelação nem
interrupção, e é gratuita; O conteúdo da resposta é limitado pela relação directa e útil
com o conteúdo da publicação ou difusão que lhe deu causa, não devendo exceder a
extensão do escrito ou emissão a que responde, nem conter expressões desprimorosas ou
que envolvam responsabilidade civil ou criminal, a qual, em todo o caso, só ao autor da
resposta poderá ser exigida.”
Atento a este dispositivo legal, inequivocamente constata-se que o direito de
resposta é um direito de interesse pessoal no que diz respeito à defesa da honra, imagem
e reputação. E, ele deve ser considerado um verdadeiro estado de legítima defesa, pois o
ofendido age imediatamente, antes que o dano da ofensa cause males maiores.49

O direito de resposta é uma legítima defesa da moral. Porque, como entende


NOBRE FREITAS, o bem lesado não é um bem moral ou físico, mas um bem de maior
valor para muitos, os atributos respeitáveis da personalidade.50

Destes conceitos, depreende-se que a natureza jurídica do direito de resposta


corresponde a um direito da personalidade, direito humano ou fundamental, cujo traço
fundamental é a possibilidade de ser utilizado como um verdadeiro instrumento de
“legítima defesa”.

Mas será que o direito a resposta é um instrumento suficiente para resolver o


problema da violação do direito à imagem, à honra e o bom nome, quando a liberdade
de imprensa entra em choque com a presunção de inocência?

49
Neste sentido, JORGE MIRANDA, op. cit., p. 559.
50
NOBRE, Freitas. Comentários à Lei de Imprensa. 3a ed. São Paulo: Saraiva, 1985.

37
Forçoso é, admitir que o direito de resposta, integrante do direito de informação,
é um instrumento capaz de solucionar o problema da violação do direito à imagem, à
honra e o bom nome dos indivíduos na hipótese da colisão da liberdade de imprensa
com a presunção de inocência por razões fáceis de depreender: Primeiro porque
observa-se, uma “visão rasa” a respeito da utilidade do instituto. Considerando que, o
acesso ao direito de resposta ficara restrito àqueles que foram directamente ofendidos.
Mas considerando-se, que o direito de informação importa no direito à informação
verdadeira, e que esta constitui um direito difuso da sociedade, urge repensar o instituto
de forma mais ampla, de modo que, qualquer legitimado com o fim de preservar a
verdade de um fato possa exercer este direito difuso, (não cingindo-se apenas aos
herdeiros ou cônjuge da pessoa directamente ofendida).

Sem querer defender a ampliação da legitimidade para a propositura de acções


em face à imprensa. Mas, apenas, a possibilidade de conferir-se a qualquer cidadão o
acesso ao direito de resposta, como forma de democratizar-se a informação.

Outra fragilidade que este mecanismo apresenta na mitigação ou resolução do


problema da violação dos já referidos direitos de personalidade, é a sua eficácia no que
tange a sua repercussão positiva para desmentir uma falsa informação já publicada e
propagada ao nível da sociedade (como se sabe uma informação sensacionalista que
comporta escândalos, noticias sobre crimes propaga-se com muita facilidade porque o
que é publicado é difícil de se contestar), e por isso difícil será a sua anulação pelo
direito de resposta, e a redenção da imagem, honra e o bom nome do individuo
envolvido, tendo em conta ainda que, o direito de resposta é um processo que comporta
certos procedimentos e prazos para se efectivar.

Portanto, o direito de resposta, apesar de contribuir para melhorar e diversificar a


informação e possuir um enorme valor democrático, o mesmo não é todo eficaz para
solucionar o problema em análise.

4.4. REPARAÇÃO DOS DANOS NA HIPÓTESE EM ANÁLISE.

Apesar de existirem instrumentos legais que se podem aplicar para a


responsabilização pelos danos causados aos indivíduos em sua honra, imagem e bom
nome, em razão da colisão do princípio da liberdade de imprensa com o de presunção de
inocência, o nosso sistema de justiça têm actuado de uma maneira tímida ou quase não

38
tem interferido na resolução deste tipo de problemas. Portanto, este facto tem servido de
um estímulo para que a Media continue a ofender a honra das pessoas.

A seguir apresentamos alguns mecanismos que são defensáveis no nosso


ordenamento jurídico para a responsabilização da Media irresponsável que actua sem
respeitar à dignidade da pessoa humana.

4.4.1. Da Responsabilidade Civil.


No que respeita a responsabilidade civil dos danos causados pela imprensa, a lei
de imprensa faz uma remissão directa para os princípios gerais do Direito Civil (art.º 41
da Lei 18/91 de 10 de Agosto. O que por via da regra nos remete (na hipótese em
analise) para a reflexão sobre a responsabilidade civil por danos morais, partindo da
lógica de que os bens jurídicos em analise não são patrimoniais 51 . Actualmente a
questão da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais encontra-se resolvido, tal como
vem consagrado no art.º 496, n.º 1 do CC onde determina-se que na fixação da
indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade
mereçam tutela do direito. Ainda no art.º 496, n.º 3 CC determina-se que o montante da
indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal.

Porquanto, para o nosso trabalho, já foi claramente demonstrado que, os bens


jurídicos em análise merecem tutela do direito e por isso são passíveis de indemnização.

Sem perceber de vista que na fixação do montante indemnizatório por danos não
patrimoniais deve se ter como guia que orienta a mente do juiz na aplicação do critério
da equidade o princípio da dignidade da pessoa humana, de modo que não se atribua
indemnizações que possam levar a concepção que há pessoas sem valor algum.52

Há situações em que, temos dano não patrimonial indirecto nas situações em que
o mesmo facto é susceptível de provocar danos de duas espécies patrimonial e não
patrimonial, devendo nestas situações a reparação abranger a um aspecto duplo: a
compensação do puro dano não patrimonial acrescida da indemnização dos reflexos
matérias ou seja dos danos patrimoniais causados53. Por exemplo da publicação de uma

51
Mas aprofundado sobre bens jurídicos não patrimoniais; COSTA, Mário Júlio de Almeida, direito das
obrigações, 9 edição, Almeidina, pág. 543
52
RANGEL, Rui Manuel de Freitas, A reparação judicial dos danos na responsabilidade civil, 3ª edição,
Almeidina, pág. 205
53
MarioJulio de Almeida: Direito das obrigações, 9ª edição Almeidina, pag.544

39
notícia acusando uma pessoa de prática de um crime de furto ou de abuso de confiança,
podem resultar não só o sofrimento morais à vítima, mas também podem ocasionar
perdas económicas pela diminuição de oportunidades do emprego ou ainda um desgosto
que leva a um estado depressivo e uma consequente paralisação do trabalho.

4.4.2. Da Responsabilidade Criminal.


Tal como sucede na responsabilidade civil, para a responsabilização criminal por
abusos de imprensa, a lei de imprensa remete para a legislação penal comum, com as
especialidades que a própria lei de imprensa comporta54.

Note-se que a hipótese em análise, ou seja, para a situação de ofensas dos


direitos de personalidade em resultado da colisão do princípio da liberdade de imprensa
com o de presunção de inocência, não é consentânea a aplicação dos tipos Difamação
(art.º 229 CP) e Injuria (art.º 231 CP) pois estes, respectivamente, ofendem: “a
reputação (honra objectiva - o conceito, a reputação em que cada pessoa é tida); e a
dignidade (honra subjectiva - sentimento que cada pessoa tem a respeito da sua
dignidade).

Está-se, assim, diante do crime de difamação e injúria, pois segundo o


entendimento da maioria dos doutrinadores este será caracterizado quando a imputação
referir-se a facto típico, que a lei define como crime, e não à hipótese legal de crime.
Assim, o acontecimento deve ser preciso, claro, específico, para que se possa ser
definido como crime.55 Até porque a refere-se à imputação de um determinado facto
falso (pode ser facto criminoso) a alguém.

Embora a difamação e a injúria possam macular a honra, não abalam o princípio


da presunção de inocência; pois este diz respeito à não culpabilidade antes da sentença
penal transitada em julgado. Logo, este princípio está directamente relacionado a
imputação de crimes; só podendo, assim, ser abalado pela imprensa quando esta comete
uma das modalidade prevista como nesta secção.

Não é admitida a prova da verdade dos factos imputados, salvo:

54
Veja-se o nº 2, art. 42 da Lei da 18/81 de 10 de Agosto.
55
MIRANDA, op. cit., p. 270

40
a) Quando tratando-se de particulares a imputação haja sido feita sem que o
interesse publico ou interesse legitimo do ofensor justificassem a sua
divulgação;
b) Quando tais factos respeitem a vida privada ou familiar do difamado;
c) Quando for imputado a pessoa particular ou servidor público, fora do
exercício das suas funções um facto criminoso sobre que houver condenação
ainda não cumprida, ou acusação pendente em juízo, mais em um e outro
caso será unicamente admissível a prova resultante da sentença em juízo
criminal, passada em julgado;
d) No caso da acusação estar pendente em juízo, sobrestar-se-á no processo por
difamação ate final da decisão sobre o facto criminoso, nos termos do n.º 1
do artigo 230 do CP.

É fundamental para a configuração destes delitos, uma verdadeira a imputação,


longe de ser uma acção censurável.56

E ainda, a falsidade da imputação diz respeito à dois elementos: a) a autoria; e b)


o crime. Assim, o facto imputado pode não ser verdadeiro e, se verdadeiro pode ser falsa
a autoria imputada. Ou seja, tanto faz a ocorrência de um ou do outro para ser
caracterizada a falsidade da notícia.

Quanto aos agentes responsáveis pelos crimes de imprensa, que acima


analisamos, os arts. 43º e 44 da Lei nº 18/81 de 10 de Agosto resolvem. Estes
dispositivos, admitem coexistir nos crimes de imprensa, a autoria material, a autoria
intelectual e cúmplices (arts. 43º e 44 da Lei 18/81 de 10 de Agosto).57

56
É o que se pode depreender da leitura do art.º 230 do CP.
57
O mesmo que sucede no direito penal comum, arts. 20 a 22 do CP.

41
5. CONCLUSÃO E SUGESTÕES

5.1.CONCLUSÃO

Neste trabalho, dedicou-se a abordar sobre um dos mais activos e sensível tema
de Direito, que merece maior reflecção – o da violação dos direitos de personalidade por
consequência da colisão da Liberdade de imprensa com o da presunção de inocência.

Seria mais prático e flexível, tratar o assunto de uma forma generalizada, seja,
falar superficialmente do problema da violação dos direitos à imagem, à honra e ao bom
nome pela imprensa, no exercício despreocupado da sua liberdade, aliás, argumentos
não nos faltariam para o efeito, porque este é um assunto de debate em vários fóruns de
Direito desde a emergência das sociedades modernas e democratizadas.

Portanto, preferimos analisar o problema sob o prisma da colisão da liberdade de


imprensa com a presunção de inocência, por questões óbvias, aliada a sua novidade,
actualidade e especificidade, porque apesar de o problema ser de maior visibilidade,
pouco já foi discutido, tanto a nível da doutrina assim como a nível de trabalhos
científicos em Direito.

O nosso ponto de partida, foi a análise conceptual e o alcance dos princípios em


análise, o regime jurídico dos bens jurídicos honra, imagem e bom nome como limites
externos da liberdade de imprensa.

Analisamos de forma sucinta, as técnicas usadas para solucionar o problema da


colisão de direitos fundamentais, onde concluímos que para o problema em análise,
essas técnicas não eram eficazes dada a sua especificidade e contornos.

Mas também foi dito que, quanto aos danos resultantes desta colisão, existem no
nosso ordenamentos jurídicos instrumentos jurídicos capazes de no mínimo amenizar o
problema, mas que, o sistema da justiça nacional não tem se preocupado com o assunto,
foi dai que chamamos a responsabilidade civil por danos não patrimoniais.

Observou-se que, em relação a responsabilidade criminal, por tratar-se de um


aspecto específico, qual seja, o ataque ao princípio da presunção de inocência, “a
imputação de falso crime ao alguém”, com o tipo “difamação e injúria ” é consentânea
nestas situações. Assim, não se abordou os aspectos subjetivos do problema tratando os

42
tipos “Injúria” ou “Difamação”. O estudo ateve-se somente às matérias criminais, pois é
por meio delas que se pode imputar falso crime às pessoas abalando, consequentemente,
a presunção de que as mesmas são inocentes.

Contudo, para que o princípio da presunção de inocência possa ultrapassar o


caráter meramente retórico faz-se necessário o efectivo respeito ao mesmo.

Tratando-se de matérias criminais o cumprimento ao princípio pode ser


alcançado-se os profissionais da imprensa observarem algumas regras básicas do bom
jornalismo, sendo a primeira delas o cuidado na apuração da notícia.

Repare-se que já tornou-se comum em programas de televisão58, apresentadores


que mais parecem actores, que de maneira ilegítima arvoram-se dignos representantes
da voz dos incautos, incitarem o povo à violência, quando proferem discursos
inflamados com frases de efeito como “bandido bom é bandido morto” “lugar de
bandido é atrás das grades” e perguntas com respostas implícitas como “o que a gente
deve fazer com um sujeito desses”? Ou criticando de forma irresponsável as instituições
de justiça com o intuito de fazer o povo desacreditar na máquina estatal no combate à
violência.

58
É o EXEMPLO o programa que passa aos sábados na Televisão Miramar em simultâneo com a Radio
da mesma emissora, intitulada de “Balanço Geral Casos de Policia”.

43
5.2.SUGESTÕES

Em termos de sugestões, urge ao nosso legislador tomar posição, em


homenagem ao princípio da dignidade da pessoa humana, aprovando uma nova lei de
imprensa para preencher o vácuo legislativo sobre uma função tão importante que é a
função de informar, para que a imprensa descomprometida com a verdade e a ética seja
devidamente controlada e punida de forma exemplar.

Por sua vez, espera-se que o Poder Judiciário, possa cumprir com o seu papel,
estabelecendo, dentro do que existe na Constituição da República, Código Civil e
Código Penal, as devidas punições daqueles que teimam em ofender a dignidade da
pessoa humana do investigado, rumo a uma sociedade mais humana, ética, solidária e
protectora dos direitos, garantias e dignidade da pessoa humana e, com isso, lutar-se
para a concretização do almejado Estado de Direito e democrático preocupado com o
bem estar social.

44
6. BIBLIOGRAFIA

• CORREIA, Eduardo, Direito Criminal, Almedina, Coimbra, 2004, Vol. I,


Reimpressão
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Fundamentais, 3ª Edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2000.
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• Dicionário Universal da Língua Portuguesa, Texto Editora, 8.a Edição, Lisboa,
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• Código Penal Português
• Código de Processo Penal Moçambicano
• Código de Processo Penal Português
• Coletânea de Legislação penal
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45
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• Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP);

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• Lei de Imprensa (Lei 18/91 de 10 de Agosto)
• Decreto 60/2004 de 08 de Dezembro, que altera alguns artigos da Lei de
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1bb0a7802572e50037dff6?OpenDocument&Highlight=0,omiss%C3%A3o,i
mpura.
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