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Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, pág. 221
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Figueiredo Dias, Dto Penal, Parte Geral, Tomo I, pág. 250
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Sónia Isabelle Sousa – A63440
UNIVERSIDADE DO MINHO – ANO LETIVO 2017/2018
DIREITO PENAL I – PARTE TEÓRICA
culpa (…) o conhecimento e vontade de realização do tipo de ilícito objetivo (“o dolo do
tipo”, “o dolo do facto” ou “dolo natural” (…) deve ser visto como elemento constitutivo
do tipo de ilícito subjetivo doloso; enquanto a violação do dever objetivo de cuidado ou a
criação de um risco não permitido deve ser tida como elemento constitutivo do tipo de
ilícito negligente.”3
De todo o modo, cremos que esta posição não abarcará todas as funcionalidades afetas
ao dolo e negligência, que se estendem aos campos da culpa.
No que tange ao Tipo de Culpa, refira-se, desde já, que a sua verificação será condição
sine qua non para que possa falar-se de facto punível. Por outras palavras, só estaremos ante
um crime, quando a respetiva atuação, dolosa, negligente, ativa ou omissiva, seja passível
de ser censurada moral e interiormente (pessoalmente). Tal-qualmente afirma
FIGUEIREDO DIAS, da Escola de Coimbra, o tipo de culpa “não se esgota na (…)
desconformidade com o ordenamento jurídico-penal, necessário se tornando sempre que a
conduta seja culposa, isto é, que o facto possa ser pessoalmente censurado ao agente, por
aquele se revelar expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e
pela qual ele tem por isso de responder perante as exigências do dever-ser sócio
comunitário (…) A função que ao conceito de culpa cabe no sistema do facto punível é por
isso uma função limitadora do intervencionismo estatal visando defender a pessoa do
agente de excessos e arbitrariedades que pudessem ser desejados e praticados pelo poder
do Estado (…). Não há, por conseguinte, em última análise, contradição alguma entre
afirmar, por um lado, que a culpa jurídico-penal se encontra funcionalizada ao sistema,
que ela constitui, neste sentido, um conceito funcional; e defender, por outro lado, que ela
participa, segundo o seu conteúdo, de uma culpa ética (…) como violação pela pessoa do
dever essencial que lhe incumbe de realização desenvolvimento e promoção do ser-livre
(…).”4
Permitimo-nos, aliás, ir mais longe, referindo que o juízo de culpa implica que o próprio
agente avalie (ou não – art. 20.º CP) a ilicitude do respetivo comportamento e decida em
função daí. Natural se torna a inferência de que adrede a este aspeto estará um outro relativo
às próprias circunstâncias de maturidade e desenvolvimento moral e pessoal do agente.
Por outro lado, têm, igualmente, lugar, nesta categoria dogmática, os casos de culpa
dolosa e negligente; naquela ocorre uma conduta em total desafetação pelo bem jurídico-
penal que é lesado; havendo representação e vontade na consumação do tipo criminal; nesta,
vislumbra-se uma atitude irrefletida, de descuido ou falta de precaução, na realização de
certo (s) facto (s) que poderá (ão) perigar ou lesar bens jurídico-penais. De todo o modo, em
qualquer uma das situações, poderá haver lugar a causas de exclusão da culpa.
Finalmente, a punibilidade vem resolver situações em que, embora haja um
preenchimento “(…) integral do tipo de ilícito e do tipo de culpa, “imagem global do
facto” é uma tal que, em função de exigências preventivas, o facto concreto fica aquém do
limiar mínimo da dignidade penal.”5
Em bom rigor, uma conduta que perfaça, integralmente, os pressupostos de um tipo
ilícito e, além disso seja culposa, será, à partida, punível, excetuando-se casos
condicionados pela própria lei, como por exemplo, a impunibilidade da desistência da
tentativa – art. 24.º n.º 1 CP, a coação para evitar o suicido – art. 154.º n.º 3 al. b) CP, e o
favorecimento pessoal de cônjuge – art. 367.º CP.
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Figueiredo Dias, Dto Penal, Parte Geral, Tomo I, pág. 257 e 258
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Figueiredo Dias, Dto Penal, Parte Geral, Tomo I, pág. 259 a 261
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Figueiredo Dias, Dto Penal, Parte Geral, Tomo I, pág. 265
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Dentro dos tipos que incriminam uma conduta relativa a certo facto, incriminadores,
desentranham-se complexos pilares onde jazem elementos de contornos objetivos – tipo
objetivo – e subjetivos – tipo subjetivo.
O tipo objetivo refere-se a particulares caraterísticas de materialidade relativamente ao
próprio agente que pratica o crime. Compõem-no:
O autor – refere-se tanto à pessoa humana individual, como, já, ao ente coletivo ou
associação de facto. Por sua vez, poder-se-ão, ainda subclassificar vários tipos de
crimes quanto à qualidade de autores e quantidade de autores:
a) Qualidade de autores
Crimes Comuns, que podem ser praticados por qualquer pessoa
(homicídio);
Crimes Específicos, praticados por certas pessoas, normalmente
vinculadas a um dever especial ou profissional (funcionário);
Crimes específicos puros ou próprios, em que o estatuto
profissional ou qualidade implicam um dever especial
fundamentante da ilicitude e responsabilidade penais (art.
284.º - recusa de médico)
Crimes específicos impuros ou impróprios, quando o
estatuto ou dever apenas agravam a conduta do agente (art.
378.º - violação do domicilio por funcionário)
b) Quantidade dos autores
Crimes singulares, praticados por uma só pessoa
Crimes plurais, conduzidos por várias pessoas (motim)
A conduta, na ótica do Professor FIGUEIREDO DIAS, da Escola de Coimbra,
“vários são os problemas que se levantam (…). É nesta sede que cabe determinar
quais as ações penalmente irrelevantes, de acordo a função de delimitação ou
função negativa de excluir da tipicidade comportamentos jurídico-penalmente
irrelevantes”6; em acréscimo, aquela deverá afetar-se a comportamentos humanos
e, bem assim, voluntários (excluindo-se atos reflexos, instintivos, de estados de
inconsciência e do campo do pensamento ou do sonho). Com efeito existem
condutas que preenchem tipos cuja consumação obriga à verificação de certo
resultado – crimes de resultado – (homicídio ou ofensas à integridade física), ou
que se completam unicamente por via da sua simples execução – crimes de mera
atividade – (violação do domicílio). Em seu pleito, os crimes formais (mera
conduta) são alheios à verificação de resultado, ao invés dos crimes materiais
(comissivos). Por último, nos crimes de execução vinculada (crimes de coação e
burla) o tipo descreve o modo de execução que a ação há-de compreender ; nos
crimes de execução livre, tal não acontece, pelo que ao tipo é indistinta a
modalidade do procedimento, meio ou ação (homicídio).
O bem jurídico será a expressão de “um interesse, da pessoa ou da comunidade,
na manutenção ou integridade de um certo estado, objeto ou bem em si mesmo
socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso” 7.
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Figueiredo Dias, Dto Penal, Parte Geral, Tomo I, pág. 288
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Figueiredo Dias, Dto Penal, Parte Geral, Tomo I, pág. 291
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Neste contexto surgem os crimes de dano, em que a lesão do bem jurídico integra
o tipo legal (homicídio e violação sexual); crimes de perigo, quando apenas se
coloca em perigo o bem jurídico. Dentro deste último, enunciem-se, ainda, os
crimes de perigo concreto, nos casos em que o tipo legal exige que os bens
jurídicos hajam sido, em rigor, sujeitos a uma situação de perigo (exposição e
abandono), e os crimes de perigo abstrato, em que o perigo não faz parte do tipo
legal, mas é aferido pelo juiz em função da perigosidade da conduta (condução de
veículo em estado de embriaguez). Como entende FIGUEIREDO DIAS, nos
crimes de perigo abstrato “são tipificados certos comportamentos em nome da sua
perigosidade típica para um bem jurídico, mas sem que ela necessite de ser
comprovada no caso concreto: há como que uma presunção inelidível de perigo e,
por isso, a conduta do agente é punida independentemente de ter criado ou não um
perigo efetivo para o bem jurídico”8,
Exuberam-se, por último, os crimes simples ou complexos, sempre que o tipo de ilícito
se refira a um ou mais bens jurídicos.
Por outro lado, imperioso será, também, analisar, quanto à variedade de tipos, outro
género de crimes, que, via de regra, são apontados pela doutrina:
1. Crimes qualificados pelo resultado ou crime agravado pelo resultado, que
agravam a pena em função de certo resultado que derive do tipo principal. Nesta
estrutura basilar, o princípio da preterintencionalidade traduzia a fusão de um facto
doloso principal (que constituísse crime) e um resultado não doloso (negligente),
que dele emergisse, agravando, desse passo, a responsabilidade que cominaria numa
só pena, em princípio mais elevada do que a obtida em regime de concurso de crime
fundamental com a agravante. De todo em todo, atualmente, lendo o atual art. 18.º
do CP – crime agravado pelo resultado – verificamos que a noção que presidia ao
conceito de preterintencionalidade foi, na verdade, ultrapassada. Na atual epígrafe,
inexige-se que o crime principal seja um crime doloso, sendo passível a ocorrência
do mesmo a título negligente; em seu turno, a situação agravante não será
obrigatoriamente não dolosa, havendo espaço para dolo eventual (crimes que
punem apenas dolo direto) ou estados circunstanciais, que, em si mesmo, não sejam
criminosos. Desprende-se igualmente, a necessidade de que a pena final seja
superior à que seria obtida em sede plural de infrações. Existe, única e literalmente,
uma agravação da pena estabelecida para o crime principal. Ex: art. 143.º e 144.º,
atento o art. 147.º.
2. Crimes instantâneos ou duradouros, consoante a lesão do bem jurídico se esgote
no momento (homicídio) ou se prolongue no tempo (sequestro).
3. Crimes de diligência ou empreendimento, art. 363.º CP, quando a tentativa de
realização do facto é tida em semelhança à consumação e, desse modo,
responsabilizante do ponto de cista penal.
4. Crimes fundamentais, são a estrutura ground do tipo, servindo de ponto de partida
para os crimes qualificados e privilegiados, que reúnem elementos atinentes ao
ilícito e à culpa, que, uma vez verificados, respetivamente, aumentarão ou atenuarão
a medida da pena.
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Figueiredo Dias, Dto Penal, Parte Geral, Tomo I, pág. 307 a 309
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ocorrência dos factos, avaliar do respetivo nexo de adequação ao evento sub judice, que, por
corolário, teria de ser, obrigatório e totalmente, previsível. O julgador procederia a uma análise
concreta e sensata, atendendo não só às informações que o próprio agente conhecesse da vítima
(saber ontológico) mas, semelhantemente, ao respetivo quadro experiencial geral (nomologia).
Em bom rigor, e acompanhando, aqui, FIGUEIREDO DIAS, embora este último aspeto
configure um “entorse” ao regime mais puro da adequação, a realidade é que o juiz só
desempenhará bem a sua função enquanto julgador se se permitir conhecer dos elementos de
que, na circunstância da prática do facto, o agente houvesse total sapiência. De todo modo, a
primeira crítica que se poderá apontar a esta formulação é a de ser, nesses termos, bastante
limitativa no plano aferidor da responsabilidade penal, no sentido de que não haverá qualquer
causalidade adequada se a produção do respetivo evento estiver na dependência de uma ação
envolta num iter anormal e atípico, que fuja às consideradas, regras normais de experiência
quotidiana. Erige-se, todavia, a este prepósito, uma questão pertinente:
Quid Juris quanto à intervenção de terceiro e/ou de interrupção do nexo causal?
Ora, segundo esta teoria, qualquer terceiro que surja no processo desencadeado pelo
agente interrompe o nexo causal e exclui a imputação, exceto quando a sua intervenção, em
concreto seja tida como previsível. Cremos de todo o modo, que, também, nesse passo, a teoria
da adequação se mostra, na verdade, insuficiente a muitos níveis, porquanto ocasiões há em que
avaliação e previsibilidade de certo resultado relativamente a uma conduta se manifesta difícil
ou “desajeitada” de um ponto de vista ético-jurídico, seja quando intervém fatores exteriores,
seja em caso de atividades (permitidas do ponto de vista legal) que, só de per si, implicam
determinado risco para particulares bens jurídicos (intervenções médicas, circulação rodoviária).
Ora, é, justamente, neste contexto que entra em palco a designada Teoria da Conexão
do Risco, por nós seguida, como que complementando as falhas das duas conceções
anteriormente explanadas e que pressupõem que um resultado só deverá ser imputado à conduta
(ou, em termo rigoroso, a ação), se o agente tenha criado um risco não permitido ou
potenciado/aumentado um já existente e esse haja desaguado efetiva, concreta e materialmente
naquele primeiro.
Para FIGUEIREDO DIAS, da Escola de Coimbra, todas as hipóteses em que o agente,
por via da sua ação, atenua ou faz diminuir um perigo que pesa sobre a vitima, negam a
imputação ao agente “por inexistência” da criação de um risco não permitido 10.
Quanto às eventualidades em que a conduta não foi além do limite do risco aceite
legalmente, é consensual que deverá ser excluída a imputação do resultado.
Segundo FIGUEIREDO DIAS, “Está este critério relacionado com o facto (…) de a
vida social comportar uma multidão ineliminável de riscos e perigos tolerados pela própria
sociedade, pois estão associados a conquistas civilizacionais e a modelos de desenvolvimento
de que uma sociedade não pode, nem quer prescindir.” Nesse seguimento, o Direito Penal,
enquanto última ratio, não deverá punir comportamentos que hajam “(…) produzido a lesão de
bens jurídicos em virtude da materialização de riscos que são tolerados de forma geral.
Cumpre à ordem jurídica definir quais as regras a observar, quais as preocupações e cuidados
a ter na prática dessas atividades que por si mesmas comportam perigos para bens jurídicos. E
nesse sentido surgem as normas que regula, por exemplo, a circulação rodoviária (…)” 11.
Intimamente relacionado com estas situações estarão aquelas que, não sendo, ipso facto,
legalmente permitidas, são, na verdade, admissíveis dentro de um entendimento, dito,
10
Figueiredo Dias, Dto Penal, Parte Geral, Tomo I, pág. 314
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Figueiredo Dias, Dto Penal, Parte Geral, Tomo I, pág. 314 e 315
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normal, nos contornos típicos da vida nos dias de hoje. Ora, também aqui, a imputação
haverá que ser excluída.
Quid Juris, agora, no que se dedica às situações que sempre viriam a ocorrer
posteriormente, mesmo que o agente não tivesse atuado contra legem? Por outras palavras, o
que dizer de direito quando o resultado sempre se verificaria mesmo que o agente tivesse
atuado licitamente?
Nesta tipologia ocasional, seguindo na pegada de ROXIN e, bem assim da Escola de
Coimbra, se o julgador concluir, através de uma análise, ex post, que o evento ocorreria, sem
quaisquer margens para dúvidas, ainda que, ex ante, o agente atuasse alternativamente, em
termos lícitos ou, douto passo, a ação ilícita não tivesse sido executada, a imputação objetiva
não terá campo de atuação, porquanto não ocorre, literalmente, a forja de um risco permitido,
nem tão-pouco se revela acessível ao próprio conhecimento a prova de uma eventual
potenciação do mesmo. Todavia, a este respeito, para uma minoria de autores, a questão da
negação da imputabilidade objetiva, no plano da Teoria da Conexão do Risco, deverá colocar-se
sobre prismas diferentes que não passam exatamente pela facilidade ou dificuldade em
averiguar se certa conduta ampliou, ou não, o risco, mas apenas em saber se o agente não
tivesse atuado ilicitamente, por ação ou omissão, o resultado, invariavelmente, se verificaria.
Em bom rigor, volvendo àquela que consideramos, como que, o princípio-chave à noção
da Teoria da Conexão do Risco, de mais a mais aventada por FIGUEIREDO DIAS, da Escola
de Coimbra – “provar a potenciação do risco e a sua materialização no resultado típico” 12 -,
remataremos com a conclusão de que se, reunidos todos os elementos que, ao julgador da causa,
sejam tidos por necessários, se comprovar que houve, in facto, uma potenciação do risco por
parte do agente, motivando concretamente um resultado que, doutra forma, não teria lugar, este
ser-lhe-á imputado objetivamente. Havendo dúvida, valerá o princípio em favor do réu (in
dúbio pro reo).
Finalmente, a derradeira caraterística da conexão do risco reside no facto de que o
perigo gerado por certa conduta de que veio a derivar materialmente um evento terá que centrar-
se, indelevelmente, no âmbito daquele (s) que foi (oram) definido (s) pelo círculo protecional da
norma.
Aqui chegados, passamos para a última etapa do tipo incriminador, que é, justamente, o
tipo subjetivo de ilícito, que poderá ser doloso (representação e vontade de realização do facto
típico – respetivamente, dolo do facto e dolo do tipo) ou negligente (violação do dever objetivo
de cuidado). Analisaremos, por conveniência da hipótese prática cuja resolução vimos
preparando, o primeiro desses domínios.
Com efeito, adentro dos vários elementos que compõem o tipo subjetivo de ilícito
doloso, vislumbra-se como elemento comum a figura de dolo. Existem, em especial, outros que,
ao invés, surgem desgarrados do tipo objetivo e impõem ou exigem que se tenha verificado
certa “intenção” (ex: apropriação) ou motivação pessoal, interior, etc. Curioso é o facto de que,
pelas próprias tonalidades, estes elementos particulares acabam, por ser, a maioria das vezes,
mais úteis enquanto averiguação da culpa do agente, que propriamente enquanto elemento do
tipo de ilícito.
Na realidade, genericamente, o dolo constitui, como se disse, o conhecimento e
voluntas da realização do tipo objetivo de ilícito, ao qual haverá, depois, que correlacionar-se
uma culpa, de tal modo, que do caráter psicológico-intelectual do primeiro ressalte, outrossim,
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Figueiredo Dias, Dto Penal, Parte Geral, Tomo I, pág. 320
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um outro moral e, diga-se, em abono da verdade, mais íntimo ou pessoal, que demonstre, por
parte do agente, uma atitude de total indiferença, desleixo ou consideração, por aquilo que se
entende por válido juridicamente.
Em termos estruturais, o dolo compreende duas fases/ etapas ou momentos:
1. Intelectual
2. Volitiva
Facto Típico
a) Os elementos que tangem à descrição típica de factos contextuais, terão,
obrigatoriamente, que fazer parte do conhecimento do sujeito que ergue a
ação.
b) No que toca aos elementos normativos, evidentemente que não poderá ser
exigido ao indivíduo não jurista que tenha sapiência de certas
peculiaridades inerentes à qualificação legal de certa conduta ou do
respetivo substrato. Nesse sentido, qualquer falta de informação constituirá,
apenas, um erro de subsunção, irrelevante para o dolo do tipo. O que
realmente se pretende, a este nível, é que seja efetuada, por parte do agente,
uma concreta apreensão (ou para alguns, que exista aquiescência) do
contexto significativo próprio daquela, valorando o resultado, que lhe vem
afeto, como ilícito.
c) Por outro lado, o agente, no momento em que pratica ação, deverá
representar a totalidade do facto típico, porém, de forma renovada e
atualizada. Nesta hipótese, não existirão, à partida, quaisquer dúvidas sobre
a verificação do dolo do tipo.
Acrescem, porém, outras situações em que se estende sobre o agente “um
permanente saber acompanhante” que poderá ser suficiente para a
caracterização do dolo do tipo, bastando que haja da parte daquele primeiro
a consciência lateral (um mero saber da situação); designadamente, se um
indivíduo comete um crime de violação com uma menor e, empolgado com
tal ocorrência, se esquece da idade da mesma, haverá dolo do tipo,
conquanto que se prove que ele, pelo menos, num momento anterior, já
sabia que ela era menor; ele teria essa informação armazenada na sua
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Ora, nestas situações é usual intervir a doutrina do Dolus Generalis, nos moldes da qual,
o dolo da primeira conduta valerá, igualmente, para a segunda, assim se concebendo um só dolo
geral. Neste sentido, controvertendo esta conclusão à hipótese concreta que exemplificamos,
tendo A atuado com dolo homicida na primeira conduta, e ainda que esta não determine
imediatamente o resultado, nada impediria que fosse acusado de homicídio doloso consumado.
Para alguns autores, todavia, tal não se processa desta maneira. De facto, o rigor técnico
do dolo homicida implica que o agente admita como possível a verificação dos constituintes
objetivos do crime e, desse passo, aceite ou se conforme com o resultado. Se, na hipótese, o
dolo homicida de A termina quando este julga B faleceu, ou seja, após a primeira ação, não fará
sentido imputar-se-lhe a punição de um crime de homicídio doloso consumado, quando a morte
de B acaba apenas por ocorrer em sequência da segunda conduta, onde, naturalmente, não
existe, já, dolo homicida. Acrescentam, ainda, que ao admitir-se a tese do Dolus Generalis,
estar-se-á a classificar o primeiro dolo como meramente antecedente (antecedens), o qual não
enforma os princípios básicos que permeiam a figura genuína do dolo. Neste sentido, rematam
que a punição correta deveria passar pelo concurso de crimes, em que a primeira conduta seria
punida a título de tentativa de homicídio doloso e a segunda a título de homicídio negligente
consumado.
A latere, no campo do decurso do processo causal, quanto a situações que poderão
merecer o mesmo tratamento deferido para o erro sobre a factualidade típica a aí excluírem o
dolo, encontramos a (1) Aberratio ictus vel impetus e o (2) Erro in persona vel objecto.
(1) O primeiro caso (aberratio ictus vel impetus) corresponde à situação em face da qual, o
agente se propõe a atingir determinado objeto, porém, erra na execução, afetando outro.
Por exemplo: A atira contra B, pretendendo matá-lo, mas erra na “pontaria” e acerta em
C, que estava sentado ao lado, Quid Juris?
Ora, um dolo homicida diz respeito ao conjunto de elementos típicos que compõem o
caso concreto e pressupõe uma relação de causalidade imediata entre o risco de uma
ação e o resultado produzido. Neste seguimento, o agente deveria conhecer da ação e do
resultado, prevendo-o e/ou conformando-se com ele. De todo em todo, continua a haver
a intenção de matar “outra” pessoa como se afigura no CP, no art. 131.º, e, sendo assim,
entendemos que, naquela hipótese, A deveria sempre ser punido a título de tentativa de
homicídio de B, eventualmente em concurso com um crime negligente de homicídio
consumado de C.
(2) Na segunda circunstância (erro in persona vel objeto), não ocorre erro na execução,
mas na formação da voluntas, ou, noutro prisma, enquanto desconhecimento de índole
física ou numérica; se A atira contra B, acreditando piamente que se tratava do sujeito
que, dias antes, assaltou a sua casa, todavia confunde-o com C, ocorre um erro ao nível
da identidade da pessoa. Por seu turno, imagine-se que A furta a uma vizinha um colar
de diamantes falso, pensando que se trataria de um outro, verdadeiro, que, por várias
vezes, a viu utilizar e que, a olho nu, era idêntico. Nesta hipótese, está-se ante uma
situação de erro sobre a identidade do objeto. Em qualquer dos casos, respetivamente, a
intenção de matar, ou furtar, manifesta-se, mas em pessoa ou objeto diferente. A
solução terá que passar somente pelo instituto da tentativa. Não faltam, de todo o modo,
autores que defendem outra tese, invertendo as preposições: se, realmente, existe desejo
firme de matar e furtar, e tal se verifica, embora em pessoa ou objeto diferente, haverá,
invariavelmente, por pleito, um homicídio doloso consumado, e uma situação de crime
de furto consumado.
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2. FASE VOLITIVA – Esta fase corresponde ao momento volitivo do dolo, isto é, afora o
conhecimento da factualidade típica, do decurso do processo causal, e das normas proibidas,
previstas em sede intelectual, o facto terá que pressupor uma vontade dirigida à sua
realização concreta.
Destarte, no dolo direto, ou de primeiro grau, a realização do facto típico constitui o
fim imediato da ação do agente. Art. 14.º n.º 1 CP – “Age com dolo quem, representando um
facto que preenche um tipo de crime atuar com intenção de o realizar”. Em bom rigor, as
motivações são perfeitamente irrelevantes, pois constituem o único meio de alcançar o fim
pretendido. De todo o modo, poderão importar em termos de averiguação da culpa,
nomeadamente, qualificando um furto ou um homicídio, pela especial censurabilidade dos
meios.
O dolo direto necessário (de segundo grau), previsto no art. 14.º n.º 2 “Age ainda com
dolo quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como
consequência necessária da sua conduta”, diz respeito aos casos em que a realização do
facto típico não constitui um objetivo imediato do comportamento levado a cabo pelo agente,
mas que, com certeza, ou grande probabilidade virá a ter lugar por necessidade ou
consequência desse.
Finalmente, existe, ainda, o dolo eventual (que confronta de perto com a figura da
negligência consciente), cuja materialização legal se plasma no artigo 14.º n.º 3 do CP
“Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como
consequência possível da conduta, há dolo se o agente atuar conformando-se com aquela
realização”.
Várias foram as teorias que se prepuseram caraterizar a figura em apreço:
Teorias da Probabilidade, que assentam toda a sua argumentação na ideia da
probabilidade da realização do facto típico por parte do agente (ou, pelo menos,
que a mesma não seja improvável), tarefa, que, em termos rigorosos, não eleva,
de todo em todo, a generalidade dos elementos que integram o dolo eventual;
Teorias da Aceitação, que se resumiam a que o agente, pretendendo atuar de
certo modo, e na impossibilidade de tal ocorrer efetivamente, aceitaria, por
resignação, o efeito indesejado.
Teorias da Conformação, que são as que melhor identificam o real teor do dolo
eventual, previsto no art. 14.º n.º 3 do CP. Com efeito, nestes termos, o agente
compreende (representa) que a sua ação é apta à prossecução de um facto
descrito como ilícito, e, mesmo assim, aceita correr esse risco, o qual, se se
concretizar na verificação do respetivo crime, legitimará a respetiva conexão
com o foro volitivo e psicológico (íntimo) do agente, justificando a presença do
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Figueiredo Dias, Dto Penal, Parte Geral, Tomo I, pág. 347
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CRIMES NEGLIGENTES
Na ótica de FIGUEIREDO DIAS, “O facto negligente (…) constitui (…) uma das
formas básicas, tipicamente cunhadas, de aparecimento do crime, ao mesmo nível do facto
doloso. Com a qualificação como forma especial do crime não se faz jus nem à verdadeira
natureza do facto negligente, nem – sobretudo – ao relevo e significado político-criminal e
dogmático que aquele facto assume hoje no contexto da criminalidade total”20.
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Figueiredo Dias, Dto Penal, Parte Geral, Tomo I, pág. 561
19
Figueiredo Dias, Dto Penal, Parte Geral, Tomo I, pág. 588
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Figueiredo Dias, Dto Penal, Parte Geral, Tomo I, pág. 629
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Em termos legais, a negligência apresenta-se definida no art. 15.º, do CP, nas suas
vertentes, respetivamente, consciente e inconsciente.
Ora, a estrutura dogmática de um tipo de crime negligente assenta as suas raízes na
doutrina do “duplo escalão”21 ou duplo grau, que apresenta um tipo de ilícito e tipo de culpa.
Analisando o Tipo de Ilícito, enquanto Tipo de Ilícito Objetivo Negligente, importará
especificar, desde já, que este procura analisar situações em que houve, por parte do agente,
uma violação do dever objetivo de cuidado (dever de diligência), que conduziu à produção do
resultado, e, por outro lado, se este seria previsível e evitável pelo homem médio, avisado e
prudente, do mesmo hemiciclo social e profissional do agente, uma vez colocado na respetiva
situação concreta.
Mas em que termos se processa este dever de diligência?
1. Na verdade, este dever consubstancia-se em diversas normas jurídicas de conduta
existentes na sociedade, seja por via de leis, regulamentos ou regras de experiência
geral.
2. Por outro lado, o respeito pelas leis da arte, exigidas a determinadas profissões ou
grupos. Lembremos o casos dos médicos, que no decurso de uma intervenção cirúrgica
deverão atuar diligentemente, de acordo com as regras e experiência de leges artis
próprias da profissão. Muitas vezes, tratam-se de normativos de trabalho, ou de
execução do mesmo, e que resultam, maxime¸ de um saber de experiência feito, a partir
de uma avaliação de certos riscos associados, impondo, desse passo, expressamente ou
não, limitações várias.
Exceções terão, no entanto, que ser feitas, a situações em que a violação de certas regras
impostas se revelam necessárias para evitar um mal maior; imagine-se o caso de um
piloto de aviões que deteta uma avaria no seu aparelho, com 350 passageiros, e, de
forma a evitar que o mesmo se despenha, vê-se forçado a aterrar numa estrada, que, do
seu conhecimento, é abandonada, apenas nela circulando, raras vezes, rebanhos. Em
rigor, a conduta do chefe da aeronave é atentória de uma norma profissional – aterrar
fora dos locais destinados para o efeito -; em todo o caso, justifica-se 22.
3. Constituirá uma violação do dever de cuidado a aceitação de tarefas para as quais o
agente não se encontra devidamente instruído ou capaz para as desempenhar. Como
define FIGUEIREDO DIAS, “O que tudo traduz a ideia de que a negligência só
poderá definitivamente afirmar-se relativamente àquele que aceitou o desempenho de
uma atividade para a qual não se encontrava física e psiquicamente apto quando o
risco daí resultante era dele desconhecido ou era pelo menos cognoscível” 23.
4. Em seu turno, adrede a estas noções, emerge como dever obrigatório firmado pelo
Direito o dever de evitar a lesão a terceiros. No fundo, exigir-se-á do sujeito a
abstenção, válida, de qualquer comportamento que possa preencher um delito ou tipo de
ilícito.
5. Destaca-se, ainda, neste enquadramento o chamado princípio da confiança, segundo o
qual, ninguém terá que padecer pelas faltas de cuidado de outrem. No fundo, cada um
espera que o outro cumprirá a respetiva norma objetiva de cuidado – “(…) ninguém terá
em princípio que responder por faltas de cuidado de outrem, antes se pode confiar em
que as outras pessoas observarão os deveres que lhes incumbem”, um exemplo típico
desta perceção passa-se no plano das normas de trânsito, no sentido de que quem as
respeita contará com igual atitude por parte dos restantes utentes – “Nesta aceção é
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A este respeito, importará perguntar em que medida intervém a imputação objetiva nos
crimes negligentes?
Ora, trata-se de uma querela que tem arrastado enormes diferendos doutrinais, pelo
facto de alguns autores considerarem que o crime negligente só se processa em
situações onde se verifique um resultado, facto que, no entanto, na ótica de
FIGUEIREDO DIAS, não parece viável – “(…) não está dito nem faz parte da natureza
das coisas ou da estrutura lógico-material da negligência que esta tenha de constituir
sempre (se bem que devamos conceder que o constitui quase sempre) um delito de
resultado, bem podendo surgir por vezes como delito de mera atividade (…). Em casos
tais não tem sentido a afirmação de que o tipo de ilícito negligente se resume a uma
questão que, como o da imputação objetiva (do resultado), em rigor nem sequer se
suscita aqui. E o argumento é reforçado, ainda neste contexto, pelo teor literal do art.
15.º do CP: a negligência é aí apresentada, em qualquer das duas modalidades que
assume, conexionando a violação do cuidado objetivamente devida não com a
produção do resultado, mas com “a realização de um facto que preenche um tipo de
crime”. (…) quando se falar da violação de cuidado objetivamente devido como
elemento do tipo de ilícito negligente quer-se designar (…) a violação de exigências de
comportamento em geral obrigatórias cujo cumprimento o direito requer, na situação
concreta respetiva, para evitar realizações não dolosas de um tipo objetivo de
ilícito.”25
A esta conceção, porém, são-lhe apontadas algumas críticas, sobretudo, no que
se refere ao crime de homicídio negligente previsto no art. 137.º do CP, enquanto crime
material ou de resultado, que pressupõe a morte de outrem, como consequência de uma
conduta negligente. Para essa parte da doutrina, a morte é, em rigor, uma componente
fundamental do tipo de ilícito objetivo, e, nesse sentido, para que determinado agente
possa ser responsabilizado penalmente, a sua ação terá que criar ou potenciar um risco
relevante para a produção daquele específico resultado.
Pela nossa parte, entendemos que o tónus fundamental e estrutural dos crimes
negligentes, e constitutivo do próprio tipo de ilícito, haverá que ser o dever objetivo de
cuidado, de forma a evitar lesão (homicídio) ou pôr em perigo (embriaguez – 292.º CP)
certo bem jurídico.
Acresce, no entanto, que, num homicídio negligente (ou crime de resultado), a
ocorrência de morte não basta para que se puna certo individuo, pois, ter-se-á que
avaliar se o resultado produzido se encontra casualmente (subentenda-se
previsibilidade) ligado à ação negligente, dado que só assim se fará valer o conteúdo do
art. 15.º do CP.
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Mas em que sentido pode ser interpretada a expressão “ofender o corpo ou a saúde”?
Em rigor, ofender o corpo implica uma alteração ou perturbação significativa no bem-
estar físico do organismo de um ser-humano, incluindo-se, neste espaço, as situações que
provoquem uma diminuição da estrutura corporal, lesões de substância corporal, como nódoas
negras, feridas e cortes cutâneos, etc. Incluem-se, aqui, também, os casos em que se ofendem
“partes do corpo”, quando se encontrem inclusas na pessoa, a título contínuo; vejam-se, a este
título, as próteses dentárias, de membros inferiores, valvulares, etc…
Quanto a lesões foro psíquico, muitas são as teses que têm vindo a palco no seio da
doutrina, no sentido de as excluir por completo do círculo de abrangência da citada expressão.
Em nosso parecer, defendemos que, dentro de certos limites, poderão ser contempladas neste
tipo legal, conquanto que emirjam em simultâneo ou na sequência de uma ofensa corporal, ou,
quando pela sua violência, impliquem acentuado desgaste físico ou consideráveis situações de
amedrontamento, motivadoras de stress, com evidentes e imediatas repercussões físicas do
lesado. De todo em todo, este conteúdo não deverá estender-se em demasia, sob pena de se
entrar em domínios que não pertencem, já, a restantes tipos definidos pelo CP, como, por ex, a
honra, e que atuam bem de perto com princípios de defesa da dignidade pessoal.
A lesão da saúde respeita diretamente a ofensas que inflijam com a normal
operacionalidade fisiológica do organismo do ser-humano. Em termos médicos, procuram
abarcar-se situações em que se interfere com as normais e banais atividades funcionais do
corpo, criando ou agravando um estado de doença. São também, admissíveis, a este nível, casos
em que se promova a outrem um estado de doença ou se acentue uma patologia já existente.
Por sua vez, excluem-se deste entendimento as intervenções médicas que
desconsiderem os normativos profissionais exigidos (legis artis). As lesões infligidas antes do
nascimento (pré-natal) e acetinadas contra animais.
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Noutro corredor, indique-se que o tipo de ilícito objetivo em apreço poderá preencher-se
não só por via da ação, como pela da omissão. Neste último caso, incluem-se as questões
relacionadas com o dever de garante, nomeadamente, as eventualidades em que alguém se
escusa a agir quando esteja obrigado a evitar determinado resultado. Imagine-se que B padece
de insuficiência renal e que se encontra acamado; Se A, seu pai, não lhe administrar a
terapêutica devida, legando-o em sofrimento, estará preenchido, pelo menos, o propósito
definido pelo art. 143.º CP.
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