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João Pessoa, PB
Dezembro/2020
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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DA PARAÍBA
CAMPUS JOÃO PESSOA
COORDENAÇÃO DE INSTRUMENTO MUSICAL
João Pessoa, PB
Dezembro/2020
SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DA PARAÍBA
COORD. DO CURSO TÉCNICO EM MÚSICA - UA04 - CAMPUS JP
Aos dezessete dias do mês de dezembro de 2020, às 18h30, através de sessão de videoconferência desenvolvida na plataforma Google
Meet, realizou-se a Defesa Pública do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), no formato Monografia, in tulado “Conhecendo os
músicos DJs da cena Hip Hop de João Pessoa: quem são, o que fazem e como se tornaram DJs?” elaborado pela discente I s a dor a
P a l ha no Fons ec a , matriculada sob o nº 2 0 1 6 1 7 6 0 0 1 0 no Curso Técnico Integrado ao Ensino Médio em Instrumento Musical do
Campus João Pessoa. A sessão foi aberta pelo Prof. Dr. Italan Carneiro Bezerra (1929870), Orientador e Presidente da Banca
Examinadora, realizando a apresentação da discente e dos demais membros da Banca, composta pela Profª. Me. Anna Libia Araujo
Chaves (1380391), pelo Prof. Me. Radamir Lira de Sousa (1576996 ) e pelo Prof. Me. Adriano Cacula Mendes (1851678), todos
integrantes do quadro de docentes desta Ins tuição de Ensino. O Presidente da Banca Examinadora assumiu os trabalhos, informando
os procedimentos a serem seguidos na ocasião, dando-se o início da apresentação do TCC. Após o término da apresentação do
Trabalho de Conclusão de Curso, a Banca Examinadora reuniu-se em separado para proceder à avaliação e retornou à sala, proferindo
sua deliberação e informando que a discente Isadora Palhano Fonseca teve seu TCC AP RO VADO , obtendo a nota 1 0 0 (c em) . Após
informada a avaliação, encerraram-se os trabalhos e eu, Prof. Dr. Italan Carneiro Bezerra (1929870), Coordenador do Curso Técnico
em Instrumento Musical, lavrei a presente Ata, que vai por mim, pela estudante e pelos membros da Banca Examinadora, analisada,
datada e assinada.
Este documento foi emi do pelo SUAP em 13/01/2021. Para comprovar sua auten cidade, faça a leitura do QRCode ao lado ou acesse h ps://suap.ifpb.edu.br/auten car-documento/ e
forneça os dados abaixo:
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente aos meus pais, por me darem condições e incentivo para
concluir este curso.
A turma de 2016.1, por me apoiarem e naturalmente fazer esse curso ser mais leve,
mesmo quando eu pensei em desistir.
Ao Movimento Hip Hop de João Pessoa, por me acolher, me mostrar do que eu sou
capaz, me trazer novas perspectivas de vida, me apresentar amigos e me mostrar a
maturidade.
Agradeço, é claro, a todos os meus amigos DJs e a todos os entrevistados que me
ajudaram nesse processo doando um pouco de sua vivência e do seu tempo. Desejo progresso
a todos.
Ao meu namorado Israel pelo apoio e por vivenciar o Hip Hop ao meu lado.
Ao meu irmão por ser meu irmão.
Ao Slam, em especial ao Slam Parahyba, que me mostrou a porta de entrada para o
mundo da arte, logo eu que não me via como artista. Agradeço igualmente aos Slams que
organizo, o Subversivo e o Slam das minas. Assim como os Slam que me acolheram em
outras cidades até aqui.
À Batalha da Paz, que organizo com muito carinho, e que se tornou um segundo lar
para mim, me fazendo vivenciar o Hip Hop.
Aos professores do IFPB, ao professor Italan, que me viu desistir e me aceitou de
volta, além de me ajudar a trilhar o caminho deste TCC.
Ao professor Gil que faz a sala de aula menos fria com seu sorriso. À Anna Líbia,
Ericka e Analice, que acreditaram em mim e na minha arte, além de me permitir demonstrá-la
dentro da sala de aula.
7
LISTA DE SIGLAS
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 12: Quais os principais repertórios de um DJ em JP? O que é mais pedido pelo
público?…………………………………………………………………………………….... 38
Conhecendo os músicos DJs da cena Hip Hop de João Pessoa: quem são, o que fazem e
como se tornaram DJs?
RESUMO
Este trabalho objetiva investigar a trajetória dos músicos DJs envolvidos no Movimento Hip
Hop de João Pessoa. A metodologia aplicada foi uma pesquisa de campo utilizando
entrevistas semi estruturadas, as quais observaram o processo de formação e suas
dificuldades, a atuação dos DJ na cena do Hip Hop e seus locais de atuação em João Pessoa.
Em meio a estas discussões encontraremos semelhanças na formação musical dos DJ com as
práticas de formação utilizadas na cultura popular. Discutiremos também o papel social e
político do Hip Hop.
Palavras chave: DJ no Hip Hop; DJ em João Pessoa; Música; Formação; Educação;
Elementos do Hip Hop..
10
Meeting the DJs musicians in the scene of Hip Hop in João Pessoa: who they are, what
they do and how they became DJs?
ABSTRACT
This work aims to investigate the trajectory of the DJs involved in the Hip Hop movement in
João Pessoa city. The methodology applied was a field research using semi-structured
research, which observed the formation process to become a DJ and its difficulties, the DJ
operation in Hip Hop and the places where they operate. In these discussions we find
similarities in the DJ formation process and the practices used in the popular culture
formation. We will also discuss about the social and political role of Hip Hop.
Keywords: DJ in Hip Hop; DJ in João Pessoa; Music; Formation; Education; Hip Hop
elements.
11
SUMÁRIO
Introdução ………………………………………………………..………... 12
1. Explicando os movimentos de rua …………….…………………….….….. 13
2. Revisão de literatura e conceitos gerais da pesquisa ………………….….... 18
2.1 Conceitos gerais da pesquisa ……………………………………..…….. 19
3. Perfil dos DJs ………………………………………………………….…… 21
3.1 Primeiros passos …………………………………………………….….. 21
3.2 Formação e atuação …………………………………………….……..... 26
3.3 Atuação em João Pessoa e no Hip Hop ……………………………..….. 32
Considerações finais ………………………………………………….……..... 42
Referências ………………………………………………………….………... 43
Apêndice ……………………………………………………………….……... 45
12
Introdução
O “Hip Hop”, em que Hip significa quadril, e Hop significa balançar, teve origem nos
Estados Unidos, é um movimento cultural que possui descendência de práticas jamaicanas
que foram exportadas para os EUA por DJs Jamaicanos, tais quais Kool Herc e Tony Screw.
Os jamaicanos possuíam contato com os Griots (contadores de história improvisada, que
passavam tradições africanas oralmente) e os SoundSystems (estruturas de som armadas em
locais públicos, realizando uma espécie de festa pública), de modo que essas duas tradições
influenciaram enormemente o inicio do movimento, pois a prática de improviso dos Griots foi
executada em cima das bases do SoundSystem.
De acordo com a reportagem de agosto de 2017 do jornal El Pais1, tais práticas
jamaicanas se uniram em uma festa realizada por Cindy Campbell, irmã mais nova de Kool
Herc, que realizou um evento no bairro do Bronx, em Nova Iorque. No evento citado, que
aconteceu dia 11 de agosto de 1973, o DJ Kool Herc “brincou” com as sonoridades, formando
o que mais tarde viria a ser a base musical do break (dança), enquanto seu amigo, Coke La
Rock, pegou em mãos um microfone e iniciou uma série de rimas improvisadas. Até este
momento o termo Hip Hop não teria sido utilizado, o termo foi introduzido no mesmo ano do
evento mencionado, pelo DJ Afrika Bambaataa, considerado o padrinho do Hip Hop.
O Hip Hop se iniciou com quatro elementos: 1) O Rap (Rhythm And Poetry, ou Ritmo
e Poesia), que representa a música; 2) O Break, que representa a dança; 3) O Graffite, que
representa as artes plásticas; 4) O DJ, que representa a discotecagem. Sendo assim, o Hip Hop
é o conjunto de quatro artes. Atualmente, após a consolidação do Hip Hop, a ONG Zulu
Nation, voltada ao movimento, fundada pelo DJ Afrika Bambaataa, cita em seu site oficial2 a
existência do quinto elemento do Hip Hop, o “Conhecimento”. Esse elemento estaria presente
em todos os outros e foi incorporado visando a luta contra a comercialização em massa e o
sucateamento do Hip Hop. O elemento Conhecimento está presente reafirmando a origem
afro-americana, latina e periférica do Hip Hop, e sua luta social e política, tendo como
definição no site oficial da Zulu Nation:
1
Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/08/11/cultura/1502442803_063516.html.
Informações retiradas de matéria não publicada do estudante de jornalismo e ativista do Hip Hop Gabriel
Carulla.
2
Disponível em: http://www.zulunation.com/elements/. Acesso em 13 mar. 2020.
14
O movimento Hip Hop se iniciou nos Estados Unidos da América em meados dos
anos 70, chegando às metrópoles do Brasil aproximadamente nos anos 80. De acordo com o
documentário Parahyba Hip Hop, de Gerrard Miranda4, a cena do Hip Hop em João Pessoa se
iniciou tendo as mesmas origens dos bailes funk que aconteciam em Centros Comunitários e
no Espaço Cultural José Lins do Rego, e chegou na cidade por meio da divulgação nas mídias
de comunicação (rádio e TV). O primeiro lançamento de Rap de João Pessoa foi o Melô do
Setusa5, do grupo Funk Pêso Brasil e o primeiro grupo de break que se tem conhecimento se
chamava O Elétrico, sendo assim, o Hip Hop chega à João Pessoa com destaque no Rap e no
Break Dance/dança de rua. O elemento do Graffite, de acordo com o documentário, iniciou-se
com maior força no pixo6, depois surgiram os bombs7 e logo depois começaram a surgir
desenhos mais trabalhados pelas paredes da cidade.
Como precursores do Graffite em João Pessoa podemos citar Shiko, que iniciou suas
atividades em JP em 1997, Giga Brow, Cyber, Dedo Verde e Witch, sendo as três últimas as
primeiras mulheres que iniciaram no graffite em João Pessoa. Nomes importantes no Rap das
cidade foram/são: Cassiano Pedra, que em uma viagem à São Paulo trouxe equipamentos,
discos e acessórios do Hip Hop; Princesa Raquel, Pretinha, que pode ser citada como uma das
primeiras mulheres MC da cidade e que está ativa até o momento; Kalyne Lima e Julyana
Terto, que compunham o grupo Afronordestinas, formado apenas por mulheres. Já enquanto
grupos de Rap podemos citar: Abiarap, Família Zona Oeste, Caravana Hip Hop, Ruas V.N.B,
Reação da Periferia, Treta de Favela, Primatas do Mutirão, Menestréis MCs, entre tantos
outros. No elemento do Break citamos Vant Vaz, professor de dança de rua que foi
3
Tradução livre da autora. Disponível no site da Zulu Nation: http://www.zulunation.com/elements/
4
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=umi_NbdCklU
5
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zji-HoIyG9s
6
De acordo com o Dicionário Informal: Pixo. O mesmo que "pichação", ato de escrever ou rabiscar sobre muros,
fachadas de edificações, asfalto de ruas ou monumentos, usando tinta em spray aerossol, dificilmente removível,
estêncil ou mesmo rolo de tinta. Uma parte do movimento considera o pixo como presente dentro do elemento
Graffite.
7
De acordo com o Ministério Artistas Pela Graça: Bomb: podemos chama-lo de graffiti rápido, é feito com
letras gordas, vivas e mais simples, no "bomb" é utilizado duas ou três cores de tinta, uma para preencher a letra
e as outras para contornar e fazer alguns detalhes.
15
responsável por passar conhecimento do break, sendo um dos primeiros bboys8, como
também a Tribo Ethnos, a Turma do Bairro e o grupo Auto controle. No elemento DJ citamos
como nomes importantes na cidade de João Pessoa o DJ Haiteck, DJ Mauro, DJ Tio Dal, DJ
Guto, DJ Adriano, sendo os últimos quatro contribuintes para a realização deste trabalho.
Falamos acerca do Hip Hop na cidade de João Pessoa, porém como é exibido no
documentário Parahyba Hip Hop, o movimento se espalhou não apenas na capital mas
também no interior, como é o caso de Alagoa Grande, que teve destaque no Break, Campina
Grande, em que o movimento se iniciou com o Graffite e o Break, tendo desenvolvido o
Núcleo Hip Hop Campina anos após, Patos, que em relatos se informa que o Break surgiu nas
festividades juninas da cidade e Cajazeiras, que teve também ênfase no Break e nas danças de
rua.
O DJ, nosso objeto de pesquisa, é um dos elementos do Hip Hop e surgiu na Jamaica.
DJ significa Disc Jockey, em que Disc significa disco e Jockey significa manobrista, logo, o
DJ é o “manobrista dos discos”, sendo assim, o DJ pode exercer sua função de diversas
maneiras como: sampleando9, mixando10, produzindo beats11e jingles12, discotecando e
animando festas, dentre outras funções.
O elemento do Hip Hop intitulado Rap nos apresenta a figura do MC, que significa
Mestre de Cerimônia, essa é a figura que exerce o “Ritmo e Poesia” (RAP) em suas
composições improvisadas. O MC é quem trabalha em conjunto com o DJ, pois o DJ
reproduz o beat (que pode ter sido produzido por ele ou por outro DJ), enquanto o MC tenta
improvisar encaixando suas palavras ritmadas no beat escolhido pelo DJ.
Tanto o MC quanto o DJ se encontram presentes nas Batalhas de rap mencionadas
anteriormente, essas batalhas acontecem normalmente com oito ou 16 MCs que se enfrentarão
em duelos de rima improvisada (freestyle13). Existem dois formatos de batalha, o tradicional,
em que cada MC rima por 45 segundos em cada round14, o primeiro MC ataca e o segundo
MC responde ao ataque, após o segundo MC acabar seus 45 segundo o DJ muda o beat,
8
Bboy e Bgirl são as denominações para dançarinos e dançarinas do Break.
9
Samplear consiste em utilizar trechos sonoros de outras fontes em criações suas.
10
Do inglês, mix significa misturar, combinar. É quando o DJ equilibra diferentes elementos sonoros (voz, beat,
instrumentos) na mesma faixa.
11
Do inglês, beat significa bater, ou batida. É a batida por trás das letras, o acompanhamento musical e
eletrônico.
12
Do inglês, consiste em uma música ou melodia de curta duração utilizada para promover produtos ou marcas.
13
Do inglês, “estilo livre”. Termo utilizado para caracterizar a rima improvisada.
14
Do inglês, significa “volta”. É cada período de duração igual que divide o confronto entre MCs.
16
iniciando o segundo round, em que o MC que terminou irá começar atacando por 45
segundos, logo após, o adversário tem 45 segundos de direito de resposta. O outro formato se
chama “bate e volta”, que acontece num formato “4x4”, em que cada MC rima quatro versos
quatro vezes em cada round alternando entre si. Em ambos os formatos se decide o MC que
começa a batalha com um “ímpar ou par”.
A votação para decidir qual MC foi melhor em ambos os formatos se dá normalmente
pelos gritos da plateia e por votos de dois jurados escolhidos previamente que já tenham
contato com as batalhas. Caso aconteça um empate será realizado um terceiro round
antecedido por outro “impar ou par” para decidir qual MC começará o duelo, o terceiro round
possui o formato “4x4”, mesmo que a batalha aconteça no formato tradicional (45 seg.). Ao
final da edição da batalha há um MC campeão e um vice.
Atualmente em João Pessoa e região metropolitana as manifestações mais visualizadas
do Hip Hop são as Batalhas de Rap, acontecendo nove batalhas de rap semanalmente em
praças públicas, sendo essas: Batalha do Geisel, no bairro do Geisel, às segundas-feiras;
Batalha do F1, no bairro Funcionários 1, às terças-feiras; Batalha do Coqueiral, no bairro
Mangabeira, às quartas-feiras; Batalha do Bairro e Batalha do Half, no Bairro das Indústrias e
em Cabedelo, respectivamente, que acontecem às quintas-feiras; Batalha da BR, no Bairro
Costa e Silva, às sextas-feiras; Batalha da Paz e Batalha da Trindade, respectivamente nos
bairros Bancários e Bairro dos Estados, nos sábados; e a Batalha do Nani, no bairro Ernani
Sátiro, aos domingos. Todas as batalhas iniciam aproximadamente às 19h, com exceção da
Batalha da Trindade, que se inicia às 16h. O público das batalhas têm perfil variado, mas em
sua maioria é composto por jovens.
Algumas das batalhas conseguem reunir aproximadamente 200 pessoas por semana,
outras possuem um público reduzido, porém todas cumprem o papel de ocupar as praças da
cidade com arte e cultura.
Além das Batalhas de Rap, as praças de João Pessoa e da Paraíba também são
ocupadas por outro movimento periférico chamado Slam15, desde 2018. Na Paraíba o Slam
criou laços fortes com as batalhas de RAP, acontecendo em conjunto, como é o caso do Slam
do Pedregal, que acontece com a Batalha do Pedregal.
15
Do inglês, significa “bater”. É uma alusão ao barulho metafórico das poesias em relação a questões sociais.
17
16
Com raízes no movimento de contracultura da Poesia Marginal, ou Geração Mimeógrafo, acontecido nos anos
70, época da ditadura militar no Brasil. A poesia e literatura marginal são escritas por pessoas excluídas, à
margem da sociedade, em que suas produções não mostram preocupação com a norma culta, utilizando gírias,
palavrões, ironias, com temas voltados a problemas sociais, sendo vista como um grito dos excluídos.
17
Apresentador do Slam.
18
Para elaborarmos o estado da arte acerca da temática Hip Hop, utilizamos a plataforma
do Google Acadêmico18, pesquisando os termos “DJ Hip Hop”, “Elementos Hip Hop”, “DJ” e
“Hip Hop”. Para realizar a discussão sobre o perfil dos DJs do Hip Hop da cidade de João
Pessoa, apresentamos inicialmente o Hip Hop enquanto movimento sócio-político-cultural.
A perspectiva do Hip Hop enquanto movimento é apresentada por autores como Jorge
Hilton de Assis Miranda (2006) que, em trabalho intitulado “Relação de mercado e trabalho
social no Hip-Hop”, nos apresenta o Hip Hop como um movimento que acontece a nível
mundial, de cunho social, político e cultural, tendo origem afro-americana. Sua origem
afro-americana e influência jamaicana, combinada com o local de origem do movimento, em
Nova Iorque, no bairro do Bronx, caracterizado pela maioria dos moradores serem de origem
africana ou latina, de baixa renda e com o adendo das facções criminosas estarem presentes.
Todas essas particularidades influenciaram o movimento a não só levar cultura para as ruas,
como também pautar lutas políticas como o racismo, a violência na periferia, a falta de
oportunidade para os jovens que moram nesses locais e a desigualdade econômica e social.
Outro trabalho estudado nesta Revisão de Literatura foi da autora Juciane Araldi,
intitulado “Prática Musical de DJs: um estudo sobre formação musical e tecnológica” que
acrescentou em nossa discussão sobre a formação dos DJs, apontando as mudanças ocorridas
nesse processo de formação ao longo das últimas décadas. Da mesma autora utilizamos o
artigo “Alquimistas, músicos, autodidatas: um estudo com quatro DJs” (2004), que
igualmente tem como objeto de pesquisa os DJs , e discute o processo de formação dos DJs,
porém, sem o recorte do Hip Hop.
Ainda voltado ao estudo dos DJs localizamos “A música eletrônica dos DJs e a
produção de uma ‘nova escuta''', produzido por Débora Baldelli (2004). Este artigo não faz
recortes aos DJs do Hip Hop, porém nos apresenta o DJ como músico, assim como nos
apresenta seus instrumentos de trabalho e investiga o processo das composições musicais de
um DJ.
Utilizamos também o trabalho de Gustavo Souza (2006), intitulado “Culturas urbanas
periféricas no documentário brasileiro: Funk, Hip-hop e samba”, que nos mostra os estilos
18
Disponivel em: https://scholar.google.com.br/schhp?hl=pt-BR. Acesso em 09 mar. 2020.
19
musicais funk, samba e rap, representados em filmes brasileiros, analisando a visão que a
sociedade tem desses estilos e o papel social que os mesmos têm na periferia brasileira. No
artigo, vemos que o samba serve como unificador das comunidades, celebrando as alegrias da
vida, mesmo que sem luxos e esquecendo os problemas, ao contrário do Funk e do Hip Hop,
que surgiram quando a violência urbana estava em ascensão, propondo letras que falam sobre
o cotidiano na periferia, denunciando a violência nas comunidades, ao mesmo tempo que dão
aos jovens uma oportunidade de vida melhor do que o crime.
Destacamos ainda o artigo “Um estudo psicossocial dos significados e sentidos
expressos nas músicas de MV Bill”, de Jaison Hinkel e Lorena de Fátima Prim (2009). O
artigo em questão se trata de uma análise de quatro músicas do rapper nacional MV19 Bill de
acordo com o viés psicológico, analisando também a dialética exclusão/inclusão social, e a
proposta de enfrentamento desta condição, considerando as músicas como ético-políticas, pois
contam histórias e vivências da periferia, o que reafirma a relação do Hip Hop com as lutas
político-sociais. Ele apresenta brevemente a origem do rap, assim como o conjunto do
movimento Hip Hop, e afirma que o rap é um “possível instrumento político”.
Após apresentados os principais artigos e trabalhos que estudamos para realizar essa
pesquisa, apresentaremos os termos que utilizaremos a seguir.
19
MV sendo Mensageiro da Verdade
20
equipamentos de trabalho são “os discos de vinil, os misturadores ou mixers, que unem os
toca-discos ou pick-up, e sampleadores, que são equipamentos que permitem o recorte, as
montagens e a sobreposição de músicas que têm andamento, ritmo e tonalidades diferentes”
(AZEVEDO; SILVA, 1999, p. 79).
Ao longo do trabalho relacionamos os métodos de formação dos DJs do Hip Hop de
João Pessoa com a passagem de conhecimento praticada na cultura popular. Nesse sentido,
Brandão (1984, p. 45-46), tratando especificamente sobre o folclore20, aponta que os padrões
típicos da reprodução popular do saber acontecem “oralmente, por imitação direta e sem a
organização de situações formais e eruditas de ensino-e-aprendizagem”.
Utilizaremos também durante a discussão sobre o processo de formação dos DJs a
definição de Tribo urbana caracterizada por Maffesoli (2000, 2004), sendo citado por Palhano
(2005, p. 66) como tribos que “se constroem baseadas na escolha e na afinidade, se fazendo
presente nas megalópoles, retomado funções de ajuda mútua, de convívio, de camaradagem,
de sustentação profissional, de ritos culturais, de solidariedade e de proteção que caracteriza
os grupos sociais”.
20
Segundo a UNESCO, desde a sua 25ª Reunião da Conferência Geral, em 1989, é equivalente a cultura popular.
21
Este capítulo tem como objetivo apresentar os dados coletados a partir da pesquisa
Nossos entrevistados são sete DJs que atuam ou já atuaram no movimento Hip Hop da
cidade de João Pessoa, sendo esses: DJ Black, DJ Mauro, DJ Isa Queiroz, DJ Adriano, DJ
Overdose, DJ Guto e DJ Tio Dal, os quais por motivos de praticidade só citaremos nomes em
momentos específicos do trabalho. Os DJs entrevistados têm entre 20 e 45 anos, nos dando
diferentes perspectivas dos temas de acordo com as diferenças de idade.
Os DJs abordados podem ser divididos em duas categorias utilizadas pela própria
linguagem do movimento Hip Hop, sendo essas a “old school” (velha escola), utilizada para
se referir aos pioneiros do movimento (nesse caso, os pioneiros em João Pessoa), categoria
que inclui os DJs que iniciaram suas atividades entre 20 e 30 anos atrás. E a “new school”
(nova escola), que seria composta pelos três DJs que começaram suas atividades entre dois e
seis anos atrás. Este subitem visa nos apresentar aos entrevistados, buscando entender seus
22
primeiros passos para se tornarem DJs, começando a seguir com o Gráfico 1 “Por que se
interessou em ser DJ?”.
O interesse inicial em se tornar DJ tem bastante relação com a vivência de cada um,
de modo que uma parte dos DJs respondeu à pergunta mencionando que simplesmente já se
identificava com a música ao longo da vida. Alguns ainda indicaram que gostavam de ouvir e
brincar com música desde criança, além de brincar com equipamentos de som, como rádios e
toca discos, sendo essa sua fonte de interesse. Tais constatações nos mostram que tanto na
iniciação quanto no processo de formação há uma “relação de curiosidade, experimentação e
adaptação com relação aos aparelhos na sua formação musical” (ARALDI, 2010, p. 4).
Mesmo que a vivência tenha interligação com o que os entrevistados ouviam e viam,
tanto ao vivo como em mídias de comunicação, o contato com as mídias (rádio e televisão)
também foi apontado como fonte dos primeiros interesses. Semelhante à relação de
curiosidade citada anteriormente por Araldi (2010), os entrevistados observavam e ouviam, se
interessando pelo que estava sendo mostrado e posteriormente tentavam imitar, experimentar
e se adaptar. Como exemplo, trazemos a fala do DJ Mauro citando seu primeiro contato visual
com um DJ em atuação:
21
O título escolhido para cada Gráfico se refere à pergunta utilizada na entrevista semi-estruturada. O roteiro da
entrevista pode ser consultado no apêndice.
23
Foi a Xuxa. A Xuxa nos anos 90 ela tinha um programa o Show da Xuxa. Aí
nessa época o funk tava no auge, o funk antigo né, Claudinho e Buchecha e
tal. Aí iam lá uns djs ao vivo e eu via aquilo lá e achava massa. Um dia foi
um dj de um grupo gringo lá, o DAD, foi a primeira vez que eu vi um dj
com 2 toca discos e aquela zoadinha la (onomatopeia) do scratch. Ai minha
mãe tinha uma vitrola, eu cortei jornal na forma do disco coloquei o disco
dela do Roberto Carlos em cima e fui indo aí. (DJ MAURO, 30/10/2019)
22
A categoria com menor destaque, de acordo com as respostas dos entrevistados, foi a
influência familiar. Nesse sentido, o DJ Overdose dá os créditos ao seu pai por ouvir música
constantemente, tendo desenvolvido nele um contato estreito com a música.
Em seguida, apresentamos a influência do Hip Hop local, apontada por três
entrevistados que citaram a observação e a convivência por meio de redes sociais, mídias de
comunicação ou pessoalmente, com os artistas do Hip Hop local (DJs, MC’s e grupos de rap
foram citados) como um elemento determinante na iniciação da sua carreira.
Dito isso, o cenário Hip Hop de João Pessoa (ou “cena” do Hip Hop, como os
componentes preferem chamar) pode ser caracterizado como uma tribo, nos termos de
Maffesoli (2000; 2004), sendo um grupo de ajuda mútua, de convívio, ritos culturais,
sustentação profissional e de proteção. Podemos notar a proximidade entre os artistas e o
público, a relação de artistas se colocando como público ao assistir outros artistas, além da
relação de aprendizado e formação, que se constitui na passagem oral de conhecimentos de
um para o outro, prática comum na cultura popular.
Foram citadas igualmente as influências de DJs brasileiros e DJs estrangeiros. Quando
citados DJs brasileiros, os entrevistados deram maior destaque aos DJs do funk que faziam
sucesso nos bailes do Rio de Janeiro e também alguns DJs de São Paulo, sendo esses dois
estados citados diversas vezes em relação aos outros estados brasileiros como os que possuem
22
Os números dentro do gráfico se referem a cada vez que tal categoria foi citada. Alguns dos entrevistados
citaram mais de uma categoria.
25
Um destaque acerca da teoria musical, a qual três DJs estudam ou já estudaram, foi a
importância do estudo da teoria musical no desenvolvimento da atividade do DJ, tendo em
vista que os assuntos teóricos como compassos, harmonia, melodia, contratempo, entre outros
assuntos abordados na teoria musical podem acrescentar a sua atividade, assim como
acrescentam à atividade de outros músicos. Como DJ Guto disse “a gente sempre estuda, a
gente que toca, que vive na discotecagem, a gente sempre tem que tá buscando alguma coisa a
mais, então a gente sempre tá estudando”, o que nos mostra a relevância do estudo da teoria
musical, formalmente ou não, para qualquer músico incluindo o DJ, pois de alguma maneira
esse conhecimento acrescentará algo à sua desenvoltura.
Os dados obtidos nessa questão apontam que a formação dos DJs acontece com
dificuldades, visto que ocorre a ausência de cursos profissionalizantes nessa área de
conhecimento, denunciando um possível preconceito social na nossa realidade. Por
consequência desta ausência de cursos os dados nos apresentam que a maior parte da
formação dos DJs se dá de forma autodidata, assistindo a vídeos, observando, repetindo e
praticando no método da “tentativa e erro”, e às vezes contando com dicas dos outros DJs, o
que caracteriza a aprendizagem a partir da oralidade, característica da cultura popular.
A próxima estratégia de formação citada por dois dos entrevistados foi a “Ajuda/aula
de outros DJs”, que acontece com dicas e técnicas sendo repassadas e ensinadas. Ambas as
estratégias de formação mencionadas vão de acordo com Juciane Araldi (2010, p. 3) quando
destaca que “os DJs investigados iniciaram sua prática de maneira informal, aprendendo com
os amigos, com a comunidade em que viviam, com os programas de rádio e de tv, com a
internet”.
Tendo em vista os processos de formação que os DJs apontaram, concluímos que a
formação de um DJ na cidade de João Pessoa se dá com inúmeras dificuldades pelo fato do
difícil acesso e disponibilidade desses conhecimentos, o que ocorre por se tratar da cultura
urbana, com estereótipo de que não é necessário aulas para se passar o conhecimento e de que
as maneiras de se aprender são: sozinho ou com ajuda de outros mais experientes na área,
como mostra o Gráfico 4.
A troca de experiências e conhecimentos entre os DJs e/ou a obrigatoriedade de
aprender sozinho - dois métodos que acabam se tornando necessários para que o processo de
disseminação e formação de conhecimento aconteçam - podem ocorrer por consequência da
difícil acessibilidade a este conteúdo, por não ter espaços de formação em João Pessoa e pelo
DJ não ter local em espaços de formação musical.
Além das estratégias de formação mencionadas, os entrevistados também
mencionaram as aulas e oficinas em ONG’s e projetos culturais, normalmente gratuitos,
voltados para pessoas de baixa renda, e organizados de maneira independente e cooperativa.
Tais oficinas geralmente acontecem em Centros da juventude, Centros comunitários, etc., o
que nos mostra novamente que o ensino dessa prática musical não está presente nos espaços
formais de formação musical, comportamento que pode ser visto como exclusão da arte
urbana, visto que desde que o DJ utiliza o toca discos não só para reproduzir, mas também
28
para extrair e recortar sons (mixar), ele começa a ser considerado um artista
(FIKENTSCHER, 1991). E sendo o DJ um artista, porque diversas vezes ele não está presente
em locais considerados de artistas?
Tal exclusão e estereotipação é recorrente com toda a cultura popular e de rua, a qual
nos apresenta duas vertentes, a primeira, que nega o conhecimento e o saber e a segunda, que
atribui à cultura um papel de resistência contra a dominação de classe. Portanto, o Hip Hop
estaria inserido na segunda vertente, pois o próprio se caracteriza como um movimento de
origem preta e periférica, sendo um movimento de resistência, o qual a classe hegemônica,
que domina, não teria interesse de facilitar ou disponibilizar o acesso, e sim de dificultar.
Os dados obtidos com essa pergunta podem nos levar a certa controvérsia quanto à
discussão da dificuldade do espaço do DJ nos locais de ensino de música, apresentada após o
Gráfico 3, pois três DJs respondem que participaram de aulas, porém, quando investigamos
mais a fundo, algumas dessas aulas foram em ONG’s ou oficinas, como no antigo CIC,
Centro Interativo de Circo, que funcionava no bairro dos Bancários e oferecia diversas
oficinas gratuitas. Nesse contexto, podemos notar a importância dessas organizações não
governamentais em espaços periféricos, sendo uma opção de aprendizado e envolvimento
com a cultura para o jovem considerado marginal socialmente.
Além das oficinas, um dos entrevistados considerou como aulas particulares as
informações que outros DJs lhe passaram, dados esses que reafirmam a discussão do Gráfico
3, de que não há opções de formação de DJs em João Pessoa, o que os leva a aprenderem e
29
ensinarem entre si, prática recorrente na cultura popular, como podemos ver em Martins
(2019, p. 15) quando ela menciona que “podemos concluir que a transmissão musical em
grupos da cultura popular se caracteriza principalmente como educação informal, pois se dá
pelo processo de socialização”. Processo esse em que os conhecimentos são repassados
oralmente, e não por meio da escrita. Confirmamos isto mais uma vez quando todos os
entrevistados responderam que atualmente na cidade de João Pessoa não há nenhum local de
formação profissional de DJs.
Nesse sentido, ao ser questionado acerca da presença de escolas para DJs na cidade,
DJ Tio Dal mencionou que “se quiser aprender vai pra internet ou pra SP”, o que nos expõe
que para um pessoense que tem interesse em se tornar DJ ele precisará das ferramentas da
internet, num estudo autodidata, ou, caso queira uma escola, necessitará ir para outro estado a
essa procura. DJ Tio Dal menciona também que em certa época ele já contribuiu com a
formação de DJs em João Pessoa abrindo a escola DJs Promix, voltada exclusivamente ao
público de DJs, no centro da cidade, que atuou durante apenas oito meses, mas mostrou
resultado formando DJs que atuam até o momento atual.
Essa discussão nos guia até a questão 9 do nosso roteiro de entrevista23: “Quais
lugares de JP oferecem esse ensino (formal ou informal)?” E quando questionados,
novamente todos os DJs responderam que não existe um local fixo e regular que ensine essa
prática em João Pessoa, apenas algumas oficinas pontuais em ONG’s, Centros da juventude,
Centros comunitários e alguns DJs que dão aulas particulares. Esses, dentre outros
cursos/oficinas ofertados por instituições governamentais ou não governamentais atendem na
sua maioria pessoas de baixa renda, o que demonstra sua importância na formação de jovens
em um país tão desigual social e economicamente.
Ainda na pergunta 9, questionamos se “É de fácil acesso a formação?” em que três
DJs responderam que não e dois responderam que só com esforço e contatos, pois será
necessária a ajuda de outros DJs para acontecer uma aprimoração dos conhecimentos. O que
novamente reforça que a formação de um DJ se dá de forma independente dentro de sua tribo,
muitas vezes acontecendo por meio da ajuda e do conhecimento repassado por outros. Ambas
as respostas são advindas da dificuldade de ter aulas e uma formação profissional na cidade, e
por consequência desse difícil acesso é necessário esforço de quem realmente tem interesse,
pois provavelmente o indivíduo que estiver iniciando precisará aprender sozinho e conhecer
23
Disponível no Apêndice, p. 43
30
os DJs que estão trabalhando ativamente para poder aprender com os mesmos, o que exige um
esforço maior do que se houvesse acesso a cursos.
Apesar da unanimidade quanto a inexistência de escolas de DJ em João Pessoa,
conseguimos listar alguns cursos que já aconteceram:
- Escola DJs Promix;
- Oficina no Centro da juventude do Rangel;
- ONG no Centro Comunitário do Geisel;
- Centro Interativo de Circo (CIC);
- Aulas só para mulheres, no Centro Interativo de Circo.
processo de formação de quando começaram comparados com os dias atuais, foi unânime a
resposta de que hoje há uma maior facilidade por conta da tecnologia, do maior acesso à
informação, dos equipamentos eletrônicos mais portáteis e compactos que diminuem a
dificuldade de locomoção pois já não é mais necessário carregar caixas com discos de vinil
para cada discotecagem. Tais mudanças tecnológicas acabaram influenciando e modificando a
maneira com que os DJs trabalhavam anteriormente, levantamentos esses que concordam com
Souza (2003, p. 111) quando destaca que “as mudanças sociais e tecnológicas trouxeram
também mudanças nas experiências musicais, contribuindo para outros modos de percepção e
apreensão da realidade e os próprios modelos de formação musical”, uma vez que as
mudanças tecnológicas facilitaram o processo de formação e a atividade dos entrevistados.
Porém, apontando o lado negativo desses avanços, DJ Mauro nos diz que a utilização
de tantos aparelhos eletrônicos, como o notebook, fizeram o DJ perder a “magia” de trabalhar
com a música apenas através da audição, visto que com o notebook é possível que o DJ
visualize a música. Sobre isso ele diz: “porque a gente quando toca com disco a gente não vê
a música, a gente só ouve a música, então a gente mixa ouvindo a música. Hoje em dia você
vê, né? A música, o gráfico dela, você vê lá o compasso, as barras”. As afirmações de DJ
Mauro concordam com Araldi (2010, p. 6) quando esta menciona que “no que se refere à
forma como esses DJs tomaram contato e aprenderam esta prática musical, o ‘ouvir’ aparece
como um meio fundamental”, nesse momento a autora se refere a DJs que iniciaram sua
31
prática um pouco antes do DJ Mauro, portanto, a formação deles foi semelhante, ambos não
tinham tantos recursos tecnológicos, e precisavam necessariamente utilizar a “magia” de
trabalhar com a música apenas ao ouvi-la.
Como já apresentado anteriormente, a formação dos DJs tem uma forte base entre eles
mesmos, discussão que é novamente indicada pelos dados do Gráfico 6. Apenas um DJ
respondeu que nunca ajudou na formação de outros, todos os demais entrevistados afirmam
que já ajudaram com dicas, “toques”, ensinando técnicas, doando equipamentos, ministrando
oficinas e dando aulas.
Com isto, novamente afirmamos uma rede existente entre os DJs para se formarem e
difundirem seus conhecimentos entre si, comportamento observado na cultura popular, em
que os ensinamentos são passados de um para o outro e assim por diante, “no que se refere à
transmissão de conhecimentos para outros DJs, os entrevistados revelam uma preocupação em
socializar “a cultura do DJ”, e para isso utilizam workshops, “dicas” para amigos e oficinas
para outros DJs” (ARALDI, 2010, p. 5). Essa contribuição, ou “socialização da cultura” entre
os DJs foi claramente observada durante as entrevistas, em que dentre sete DJs, cinco destes
estão ligados sendo professores e alunos uns dos outros. DJ Tio Dal ensinou DJ Mauro, que
ensinou DJ Black e DJ Isa Queiroz, e os dois primeiros ensinaram o DJ Adriano.
32
A questão da renda foi abordada nesta pesquisa para termos uma noção das
dificuldades, facilidades e possibilidades de se sustentar financeiramente apenas exercendo a
profissão de DJ. Sobre essa questão, três dos entrevistados responderam que suas atividades
como DJ são exercidas com o pagamento do cachê, dando destaque a dois deles, DJ Guto e
DJ Mauro, que citam ter se sustentado financeiramente com esta atividade por
aproximadamente 10 anos, atuando como discotecário, radialista, beatmaker, entre outras
possibilidades.
Os outros quatro entrevistados, que em maioria começaram suas atividades como DJ
mais recentemente, encaixando-se na categoria “New School” a qual foi abordada na
introdução do subitem “3.1 Primeiros passos” nos responderam que nem sempre ou raramente
suas atividades são remuneradas. Fazendo este recorte podemos comparar e notar diferenças
entre a cena do Hip Hop de 10 anos atrás para a atual, provavelmente a inclusão de mais DJs
atuando ao passar dos anos resultou no aumento da concorrência. Esses quatro entrevistados
apontam uma grande dificuldade em receber cachê, recebendo-o raramente e com
34
dificuldades, apontam também uma constante contestação quando ofertam seu preço ao
contratante, com pedidos para abaixarem o preço e tentativas de barganha.
Situações essas que são recorrentes com as artes da cultura popular, devido a
desvalorização e a falta de reconhecimento da arte como um trabalho que como todos os
outros possui suas dificuldades, esforços e tem seu preço, que é decidido por quem exerce a
função, tendo base no mercado e na oferta e procura. No caso dos DJs acontece ainda de
alguns contratantes não os reconhecerem sequer como artistas, com o pensamento de que
apenas reproduzem as músicas dando play e pause, o que dificulta ainda mais a concordância
do valor estabelecido pelo artista.
24
Ex. 2Pac - Changes https://www.youtube.com/watch?v=7UUJfwtuFu4
25
Ex. Facção Central - Hoje Deus anda de blindado https://www.youtube.com/watch?v=90nzxX3L56M
26
Ex. Cirurgia Moral part. Kabala - A minha parte eu faço https://www.youtube.com/watch?v=QlBidTJuAdc
27
Ex. Yoshida - VVS https://www.youtube.com/watch?v=mz0AmPCVDUA
36
que em tradução literal significa “música preta”, é um estilo musical que inclui as músicas de
origem africana, ela inclui por exemplo o Jazz, Blues, Funk, Reggae, Hip Hop, Afrobeat,
entre outros. O R&B, foi mencionado por um DJ separadamente, mas no gráfico é
contabilizado como Black Music.
As últimas cinco categorias foram mencionadas por apenas um entrevistado cada uma,
essas foram: Rap feminino28, Rap nacional29, Bregafunk30, Músicas periféricas e a última foi o
Repertório eclético.
A categoria “Rap feminino” foi mencionada pela única mulher entrevistada, DJ Isa
Queiroz, a própria fala durante a entrevista sobre as dificuldades de ser mulher nesse meio
ocupado majoritariamente por homens, dito isso, ela utiliza seu espaço como forma de
resistência feminina, dando prioridade a faixas femininas, conta também do seu projeto inicial
de tocar apenas faixas femininas, porém, como as demandas são outras, nem sempre é
possível.
O termo “Músicas da periferia” (periféricas), que inclui todos os estilos musicais que
nascem da favela e que são marginalizados, foi utilizado apenas por um DJ. As categorias do
Bregafunk e do Rap Nacional, utilizados por outros dois entrevistados se encaixam como
músicas periféricas, contudo, para uma melhor ilustração, preferimos separá-las no gráfico.
Apenas o DJ Tio Dal definiu as suas discotecagens como Ecléticas, dizendo que gosta
de mixar músicas de gêneros diferentes, que normalmente não são utilizados juntos, podemos
apontar isso quando ele fala: “todos os estilos podem ser mixados, usados e abusados”.
28
Ex. Rafa Rasta - Pense https://www.youtube.com/watch?v=8pmn17ZNBDA
29
Ex. Manos da Sul - Tudo pelo corre - https://www.youtube.com/watch?v=Ma4c7YBMfz4
30
Ex. MC Marley feat. MC Dricka - Seja fada - https://www.youtube.com/watch?v=fpt3UJWVcuw
37
A maioria dos DJs não atuam apenas no Hip Hop, como podemos ver de acordo com o
gráfico, dentre os entrevistados apenas um afirmou que o Hip Hop é a única vertente musical
a qual ele trabalha. Esses dados concordam com Araldi (2010, p. 5) pois “é comum o DJ
circular por diversos espaços e estilos, tais como o pop rock, MPB, bossa nova e rap”.
Porém, diante das respostas dos entrevistados, podemos notar que isso não acontece
apenas por sua escolha, mas sim por terem que se adaptar ao mercado de trabalho, por
exemplo: em festas de 15 anos, formaturas e eventos privados, o DJ precisará tocar o
repertório que seu contratante solicitar.
Podemos relacionar a resposta de DJ Black, o único que respondeu atuar como DJ
apenas no Hip Hop com a resposta do próprio na pergunta 11, “Quais são suas atividades na
cidade?”, em que ele nos diz que é DJ de batalhas de Rap e de eventos culturais, espaços que
o permitem discotecar apenas Rap.
Tendo em vista que o movimento Hip Hop raramente consegue ofertar aos seus
artistas um cachê que possa sustentá-los financeiramente, em alguns casos podemos notar que
a ecleticidade, mesmo sendo uma característica que cria novos horizontes e incrementa na
performance e no conhecimento do DJ (ARALDI, 2010, p. 5), pode acontecer como estratégia
ou necessidade de adaptação a ambientes que lhe proporcionem um cachê que o movimento
Hip Hop talvez não poderia se comprometer a pagar.
38
Elucidamos que não é necessário atuar com diversos gêneros musicais para se
caracterizar como eclético, tendo em vista que é possível mixar qualquer gênero musical para
alcançar o resultado esperado, como exemplo: é possível mixar ou samplear um samba
tornando-o uma base de rap.
31
Ex. MC Vytinho part. MC Bianca - Tudo no sigilo https://www.youtube.com/watch?v=9pBws6pwY-E
32
Músicas da comunidade LGBTQI+ são músicas produzidas por membros desse grupo político, que
normalmente também são consumidas por este público.
Ex. Gloria Groove - Muleke brasileiro https://www.youtube.com/watch?v=L2pMsZOud3Y
39
categoria das Músicas da comunidade LGBTQI+, pois por ser mulher e utilizar seu set como
resistência ela provavelmente toca em ambientes em que as pessoas da comunidade
LGBTQI+ se encontram.
Esta questão foi posta para levantar a discussão acerca do Hip Hop como um
movimento de cunho político social (MIRANDA, 2006). E contrariando as expectativas de
uma unanimidade positiva sobre a atuação no movimento Hip Hop ter um diferencial por
conta de ser um movimento social, três dos entrevistados nos responderam que “não”,
discordando. Um deles ressalta que antigamente sim, discorrendo sobre as mudanças
ocorridas no movimento em comparação a época em que ele começou a atuar.
Já os outros quatro DJs afirmam que “sim”, atuar como DJ no Hip Hop tem seu
diferencial de atuar como DJ em outras vertentes musicais, por estar tão ligado às lutas
sociais. Esses entrevistados ressaltam que diversos eventos de Hip Hop ocorrem em
comunidades, algumas vezes procurando melhorias e outras apenas para levar o
entretenimento e a ideologia do Hip Hop. Ainda nos foi acrescentado que além do Hip Hop,
os outros gêneros musicais que tem origem na periferia (como o Funk e o Bregafunk) também
demonstram seu lado social, muitas vezes oferecendo aos jovens que não tem muitas
oportunidades de emprego (por serem lidos socialmente como “marginais”) o caminho da
cultura, da arte e da música.
Considerando nossas discussões anteriores no Gráfico 4 sobre a formação dos DJs em
João Pessoa, notamos que parte da formação dos DJs se dá por meio de cursos e oficinas
gratuitas oferecidas por projetos sociais, ONG’s e Centros Comunitários. Tais cursos e
40
oficinas nos mostram a atuação do DJ em projetos sociais e políticos, tendo em mente que
tais iniciativas são ofertadas gratuitamente ao público de baixa renda, muitas vezes com o
objetivo de oferecer aos jovens uma oportunidade de entrosamento com a arte que pode por
consequência os distanciar da violência e do crime, caminhos de fácil acesso para jovens
vulneráveis. DJ Mauro foi um dos DJs que respondeu afirmativo a esta pergunta, além disso,
relembrou que já deu aulas em projetos sociais.
Como dito em nossa Revisão de literatura o Hip Hop se caracteriza como um
movimento de cunho social, político e cultural, e acreditamos que o DJ não se distancie de
tais características, sendo ele um dos elementos do Hip Hop.
O “Centro histórico” de João Pessoa foi o mais citado, em que quatro dos
entrevistados citaram este local, que fica aos arredores da Praça Antenor Navarro, no centro
de João Pessoa, local que conta com diversas casas de show e é muito frequentado pela
juventude pessoense. As seguintes são as “Casas de show”, citada por três dos entrevistados e
as “Boates na praia”, citadas por dois entrevistados. As boates da praia se encaixam como
“Casas de show”, assim como o Centro Histórico, tendo em vista que os locais de atuação dos
DJs são as casas de show lá presentes, porém preferimos manter a diferenciação para maior
especificidade acerca dos locais de atuação da cidade.
Todas as outras categorias foram mencionadas apenas por um dos entrevistados, sendo
essas: “Raves”, “Beatmaker”, “Composição de jingles”, “Eventos culturais” e “Tocar em
rádio”. As Raves tiveram destaque na fala de um dos entrevistados por já possuírem um
41
público fiel na cidade. Os eventos culturais acontecem com certa regularidade, e em alguns os
DJs são convidados a realizarem a discotecagem do evento.
Já as categorias “Beatmaker” (aquele que compõe beats, bases para músicas),
“Compor jingles” e “Tocar em rádio” (radialista) merecem destaque por serem também
funções e ações de DJs, porém menos citadas como vemos no Gráfico 14, em que a maioria
dos DJs menciona locais para se atuar discotecando.
42
Considerações finais
Ao longo deste trabalho apresentamos os DJs entrevistados: DJ Black, DJ Mauro, DJ
Isa Queiroz, DJ Tio Dal, DJ Overdose, DJ Guto e DJ Adriano, nos dando uma perspectiva dos
DJs atuantes no movimento Hip Hop de João Pessoa, DJs em maioria do sexo masculino, de
idades variadas, assim como seus repertórios e locais de atuação.
O ponto em destaque que mais os une, além do Hip Hop, é seu processo de formação,
o qual apresenta dificuldades devido a falta de cursos profissionalizantes em João Pessoa,
destacamos também a importância da escola de DJs “DJs Promix”, aberta por DJ Tio Dal,
escola esta que formou diversos DJs que atuam até o momento presente na cidade de João
Pessoa. A ausência de cursos cria a necessidade de estratégias de formação, estratégias essas
que fortalecem a caracterização dos DJs como uma tribo, segundo Maffesoli (2010), e ainda
se assemelham ao processo de formação utilizado pela cultura popular, em que o
conhecimento é repassado oralmente e por repetição. O que pode se caracterizar como um
indicativo de discriminação social somando-se a ser um movimento periférico, subversivo e
de luta social e de classe.
Os DJs entrevistados atuam em diversos locais da cidade, desde a praia até o centro,
discotecando tanto em Batalhas de Rap quanto em Festas Particulares e tocando repertórios
variados, desde o Bregafunk ao rap Old School. O que nos mostra a diversidade de atuação
dos DJs, mesmo que estejam ligados pelo movimento Hip Hop, podemos concluir também
que a maioria não atua apenas no Hip Hop, por escolha pessoal ou por estratégia de sustento
financeiro, tendo em vista que o Hip Hop por ser movimento periférico normalmente não
consegue pagar o cachê aos seus artistas.
O sustento financeiro atuando apenas como DJ também foi posto em pauta, sobre o
qual podemos concluir que alguns DJs conseguem se sustentar financeiramente apenas com
esta atividade, como foi o caso dos entrevistados DJ Guto e DJ Mauro por aproximadamente
10 anos. Porém, em contrapartida, outros DJs passam por dificuldades quanto a remuneração,
conseguindo-a raramente e com tentativas de barganha.
Por fim, destacamos a importância do movimento Hip Hop, sua atuação político-social
e sua relevância na atividade dos DJs, um de seus cinco elementos. Além de que esperamos
que esse trabalho possa contribuir nos estudos sobre o Hip Hop na cidade de João Pessoa, que
atualmente movimenta diversas praças da cidade com cultura, entretenimento e conhecimento
gratuitos.
43
REFERÊNCIAS
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PANIZZI, Wrana; MIX, Miguel Rojas (Orgs.). Porto Alegre: Editora da UFRGS, p. 103- 113,
2003.
45
APÊNDICE
Roteiro de entrevista:
33
A diferenciação das cores representa os eixos trabalhados. Cada cor se refere a um capítulo.