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Memória e Patrimônio
Revisão dos assuntos, leituras e atividades passadas e preparação para as próximas – tira-dúvidas e breve resumo
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ALÉM DAS CITADAS AO LONGO DO TEXTO: MATOS, Edilene (Org.). Arte e Cultura: memória e transgressão. Salvador: EDUFBA, 2011.
[...] a memória coletiva foi posta em jogo de forma importante na luta das
forças sociais pelo poder. Tornar-se senhores da memória e do esquecimento é
uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que
dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da história
são reveladores destes mecanismos de manipulação da memória coletiva.
(LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: UNICAMP, 2003, p. 442).
MEMÓRIA SOM
Memória, Narrativas e Seletividade
Formalmente, o conceito de seletividade se refere a uma configuração de regras de seleção que operam a) pela atualização de
apenas um setor no conjunto de possíveis resultados e b) pela produção de uma homogeneidade ou consistência nos
acontecimentos atualizados. Poderíamos dizer, de forma simplificada, que seletividade é a restrição não aleatória (isto é,
sistemática) de um espaço de possibilidades. (OFFE, Claus. Problemas Estruturais do Estado Capitalista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1982, p. 151).
Lembrar, esquecer, silenciar (aula 16/09)
Além de ser mãe das Musas e personificação da memória, Mnemósine é um rio; o rio certo a
ser bebido após a morte pelos iniciados nos Mistérios de Orfeu, o pai de Museu, a fim de que
por meio das águas da lembrança plena suas almas alcançassem a sabedoria e assim
escapassem do tormentoso ciclo de reencarnações (BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega.
Petrópolis: Vozes, 1999b. v. II). Localizados nos Campos Elísios, a parte “mais alta e nobre” do
Hades: “um imenso abismo, onde, após a morte, todas as almas são lançadas, sem prêmio
nem castigo, e para todo o sempre” (BRANDÃO, 1999, p. 162-163); ao lado dele, corre Lethe,
o rio do Esquecimento, significado literal da palavra grega que o nomina, bebido pelos não-
órficos “a fim de esquecer suas existências terrenas.” (BRANDÃO, 1999, p. 165).
(BULHÕES, Girlene Chagas. Museus para o Esquecimento: seletividade e memórias silenciadas nas performances museais, 2017. Dissertação (Mestrado em Performances
Culturais) - Universidade Federal de Goiás, p. 131).
Para os Yorubá também há orixás que são deusas e rios, uma delas é Oxum. Nas palavras do
Ojú Obá Pierre Verger (1997),
Oxum é a divindade do rio de mesmo nome que corre na Nigéria, em Ijexá e Ijebu. Era, segundo dizem, a segundo mulher de
Xangô, tendo vivido antes com Ogum, Orunmilá e Oxossi. As mulheres que desejam ter filhos dirigem-se a Oxum, pois ela
controla a fecundidade, graças aos laços mantidos com “Ìyámi-Àjé” (Minha Mãe Feiticeira). (p. 62).
Dona de todos os rios, costuma-se dizer que Oxum é a Senhora do dengo, do amor, da vaidade,
do ciúme, dos Afetos: nossos dengos e também nossos perrengues; as coisas que nos atingem,
que podem nos fazer “submergir, irrigar, fecundar e inundar”, navegar tranquilas e tranquilos ou
naufragar; tudo aquilo que faz mover nossos corpos. Museus são Corpos Políticos que navegam
pelos Rios da Memória e do Esquecimento; aquilo que os afeta no Mnemósine tornam-se objetos
museais ou museália, as coisas que dentre tantas outras coisas são selecionadas, documentadas,
pesquisadas, conservadas e, talvez ou às vezes, comunicadas. (BULHÕES, 2017, p. 131).
MEMÓRIA SOM
“LUGARES DE MEMÓRIA” – Pierre Nora, historiador francês, criador deste e do conceito “DEVER DE MEMÓRIA”
Memória, Representação e Identidade (aula 07/10)
[...] um “enredo” por meio do qual os acontecimentos são rigorosamente interconectados em uma estrutura sequencial, com um começo,
meio e fim. O enredo torna possível a apresentação de eventos históricos como um todo coerente e interconectado, sendo o que habilita o
historiador a apresentar o que White chama de acontecimentos caóticos e arbitrários como uma totalidade significativa. (GONÇALVES, José
Reginaldo Santos. A Retórica da Perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ; IPHAN, 1996, p. 16).
Determinadas preferencial e majoritariamente por representantes políticos e intelectuais (gestores, gestoras, técnicas
e técnicos de museus inclusas e inclusos), que se autoproclamam mais capacitadas e capacitados que as demais
pessoas da sociedade para a tarefa de seleção, preservação, pesquisa, interpretação e comunicação das memórias e
bens culturais; as Narrativas Nacionais não são apenas discursos textuais; são formas de ação (Performances,
portanto) que formam “uma totalidade significativa” capaz de determinar ou influenciar comportamentos por meio
da invenção de tradições e valoração de culturas.
Esse Patrimônio Cultural inventado nos gabinetes, alegoria de um Brasil mítico e idealizadamente apaziguado sob o
manto da unidade nacional, é distante da nossa identidade multifacetada. Composto majoritariamente por bens
heteronormativos representativos das classes dominantes, privilegia o discurso da história oficial, escrita pelos
colonizadores e pelos considerados vencedores, e ignora, subalterniza ou menospreza muitos dos “diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira” preconizados na nossa Constituição Federal.
Ainda segundo Gonçalves (1996), as políticas públicas a serviço desse modelo de gestão possuem um caráter
conservacionista e visam, principalmente, evitar a realização do maior medo dos preservacionistas: a destruição
definitiva do patrimônio e das identidades culturais originais, também criadas nos gabinetes. A fim de evitar tais
perdas, em nível federal foram criados dois instrumentos:
2- O Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que Constituem Patrimônio Cultural Brasileiro: criado pelo
Decreto nº 3.551 de quatro de agosto de 2000 (BRASIL, 2000) para os bens patrimoniais de natureza imaterial,
por seu intermédio a proteção do bem se dá mediante a inscrição do mesmo em um dos quatro livros que
compõem o Registro – Saberes, Formas de Expressão, Celebrações ou Lugares.
[...] uma manipulação ideológica do que pode ser ou não patrimônio. O poder de decidir o que deve ser preservado é
de determinado grupo (na maioria das vezes, uma elite) em detrimento do coletivo. [...]. Cria-se uma crise não
somente de representação, mas também de identidade. (OLIVEIRA; KUNZLER, 2014, p. 16).
O longa "A Grande Sedução", de Jean-François Pouliot, é antes de tudo uma comédia de guerra contra o vampirismo neoliberal que sugou as economias
primitivas. Rebelde à penúria material mas jamais contra a modernidade industrial, o que é curioso. Uma vila de pescadores na UTI, materialmente
arruinada e cujos moradores vivem sob um humilhante seguro-desemprego, percebe que sua ressurreição pode vir com a instalação de uma fábrica de
plásticos. A mobilização do povoado será digna de tempos de guerra. Mobilização em alinhar essa diminuta ilha do litoral canadense aos conformes
impostos pelo contrato, que exige que haja um médico residente. Se até boa parte dos aldeões está cansada da decrepitude local e anseia pelo eldorado
continental, como um médico de fora estará sorrindo ali? O "Churchill" da ilha, o velho ex-pescador Germain, resolve maquiá-la para um jovem médico
obrigado a passar 20 dias lá. Ele é Christopher, chegado numa carreira de pó e cujos gostos fazem os aldeões trocarem o hóquei pelo críquete, suas
mulheres abrirem sorriso convidativo, a tinta camuflar a madeira das casas. Tal prostituição, típica desses tempos nos quais a imagem é tudo, assassina
certa tradição local e legitima a mentira como mandamento moral. Eis uma grande idéia sepultada pelo humor sem graça do filme, cujo tom fabular
recorre a clichês cafonas. "A Grande Sedução" desbancou "As Invasões Bárbaras" nas bilheterias canadenses, e não à toa. O filme de Denys Arcand tem
olhar irônico sobre um passado supostamente morto, o dos anos 60. Já Pouliot, ainda que o humor dilua a gravidade política do tema, vê os
acontecimentos históricos como processo ininterrupto. São filmes revoltados com o mundo, mas "A Grande Sedução" é o doente que recusa a morte
enquanto o outro é o enfermo que zomba da morte para esconder seu choro covarde.