Inglaterra. 1647 – Início dos estudos na prestigiosa Westminster School, em Londres, onde conhece Richard Lower. 1652-1658 – “Estudos Clássicos” na Universidade de Oxford. 1666 – Início da amizade com Lord Ashley, futuro Earl de Shaftesbury. 1668 – Membro da Royal Society. 1675 – Bacharelado em Medicina. 1675-1679 – Estadia na França. 1683-1688 – Estadia na Holanda. 1688 – Retorna à Inglaterra, acompanhando Maria II. 1690 – Ensaio sobre o Entendimento Humano e Dois Tratados sobre o Governo Civil. 1704 – Morre em seu escritório, em Oates, Essex. Origem e objetivo do Ensaio sobre o Entendimento Humano Contexto: crítica de Richard Cudworth (platônico de Cambridge) ao empirismo Origem: na Epístola ao Leitor, Locke afirma que a ideia de escrever o livro lhe veio em mente quando, ao discutir informalmente com um grupo de “quatro ou cinco” amigos sobre alguns problemas filosóficos, deu-se conta de que seria necessário, antes de levar a discussão adiante, analisar o entendimento humano e descobrir como e o que ele pode conhecer. Objetivos: ainda na Epístola ao Leitor, Locke humildemente descreve a tarefa do livro como a de tentar “remover o entulho” para o desenvolvimento da ciência. Com isso, diz ele, teríamos os seguintes benefícios: (1) seria evitada a persistência em investigações que dizem respeito a assuntos insondáveis pelo nosso entendimento; (2) chegaríamos ao conhecimento de nossas obrigações morais; (3) o ceticismo e a ociosidade seriam combatidos. “...Numa época que produz mestres como o grande Huygens e o incomparável Sir Newton, além de outros de mesma estirpe, é ambição suficiente trabalhar como subordinado na preparação do solo e na remoção do entulho no caminho do conhecimento – que seria certamente mais avançado, não tivesse o engenho e a produção dos homens deparado com o uso erudito, mas frívolo, de termos obscuros, afetados e ininteligíveis, introduzidos nas ciências e transformados em arte, a tal ponto que a filosofia, ou verdadeiro conhecimento das coisas, é tida como inconveniente e imprópria para a boa companhia e a conversação polida. Há muito que abusos de linguagem e formas de discurso vagas e insignificantes passam por mistérios da ciência. Palavras difíceis e mal aplicadas, que pouco ou nada significam, adquiriram, por prescrição, o direito de se confundirem com profunda erudição e alta especulação; e não é fácil persuadir, quem fala e quem ouve, de que não passam essas palavras de abrigo da ignorância, de entrave para o verdadeiro conhecimento” (Ensaio sobre o Entendimento Humano, Epístola ao Leitor). Divisão do EEH
Epístola ao Leitor: Origem e objetivos do
livro. Livro I: Crítica à doutrina das ideias inatas Livro II: Sobre as ideias Livro III: Sobre a linguagem Livro IV: Sobre o conhecimento e o juízo Livro I: Crítica ao inatismo Divisão: Introdução (capítulo 1); Não há na mente princípios especulativos inatos (capítulo 2); Não há na mente princípios práticos inatos (capítulo 3); Outras considerações acerca de princípios inatos especulativos e práticos (capítulo 4). Argumento principal: Não há nenhum princípio (especulativo ou prático) que esteja presente na mente de todos os homens. Resposta inatista: afirmar que um princípio seja inato não é o mesmo que afirmar que todos têm consciência dele. Réplica de Locke: se não temos consciência de um princípio, não está em nossa mente; se não está em nossa mente, não faz sentido afirmar que é “nosso” princípio. Livro I: Crítica ao inatismo (cont.)
Quanto aos princípios morais, afirma Locke, seria
ainda mais evidente que não são inatos, porque: (1) povos diferentes têm, muitas vezes, princípios morais diferentes; (2) todos os princípios morais dependem da ideia de Deus; ora, não temos uma ideia inata de Deus; logo, não há princípios morais inatos. Se é evidente que não temos ideias inatas, por que tantos filósofos defendem a doutrina inatista? Porque ela é vantajosa aos intelectuais e poderosos, dado que se presta a fundamentar dogmaticamente qualquer tese, sem que haja possibilidade de discussão. A origem das ideias Definição lockeana de ideia: “aquilo que é objeto do entendimento enquanto o homem pensa” (EEH, II, 1, §1) As duas únicas fontes de ideias são a sensação e a reflexão. De início, a mente humana é um “papel em branco”, que precisa ser preenchido com as ideias de sensação e reflexão. A sensação é a percepção, em nossa mente, de objetos particulares, viabilizada pelos sentidos, os quais transmitem à nossa mente a “influência” dos objetos exteriores. A reflexão é a “percepção, dentro de nós, de operações de nossa própria mente com ideias que adquiriu”. Nossas primeiras ideias têm origem na sensação, já que as ideias de reflexão pressupõem sempre a operação de nosso entendimento e este só poderia estar operando se já houvesse algum material – consequentemente as ideias de sensação precedem as de reflexão. As qualidades das coisas Como vimos, Locke entende por “ideia” aquilo que a mente percebe em si mesma. “Qualidade” seria, por sua vez, o poder dos objetos exteriores de causar, em nós, ideias simples.
Qualidades primárias: são poderes das coisas de nos causarem certas
sensações, poderes esses que correspondem a um atributo real das próprias coisas. Exemplos: a aspereza, a extensão, a dureza.
Qualidades secundárias: são poderes das coisas de nos causarem certas
sensações que não correspondem exatamente a nenhum atributo real das próprias coisas. Exemplos: aquilo nas coisas que me leva às sensações das cores, sons, odores, gostos, etc. Crítica à concepção cartesiana de alma
A alma nem sempre pensa. O pensamento está para a alma como o
movimento está para o corpo. Da mesma maneira que não é inconcebível um corpo que não esteja se movendo, não é inconcebível uma alma que não esteja pensando. Todo pensamento é inseparável da consciência: “pensamento é consciência de pensar” (EEH, II, 1, §19). Consciência é a percepção do que se passa em nossa mente. Ora, todo pensamento supõe consciência. Quando dormimos sem sonhar, não temos consciência, pois não temos percepção do que se passa em nossa mente. Logo, não pensamos ao dormir sem sonhar. Consequentemente, nem sempre pensamos. As ideias simples Definição: ideias que “nada contêm em si exceto uma única aparição ou concepção uniforme, indistinguível em ideias diferentes” (EEH, II, 2, §1). Fontes das ideias simples: (1) um único sentido; (2) mais de um sentido; (3) reflexão; (4) reflexão e sentidos (1) Exemplos de ideias simples de um único sentido: ideias de cores e luzes (providas pela visão); ideias de ruídos e sons (providas pela audição); ideias de gostos (providas pelo paladar); ideias de odores (providas pelo olfato; calor, frio, solidez, macio, áspero, duro e mole (providas pelo tato). (2) Ideias simples de diversos sentidos: espaço, extensão, figura, repouso e movimento. Todas elas são obtidas tanto pela visão, quanto pelo tato. Caso perca um desses dois sentidos, ainda assim poderei formar essas ideias simples. (3) Os dois principais tipos de ideias simples de reflexão são: percepção ou pensar e volição ou querer. Outros exemplos são: lembrança, discernimento, raciocínio, juízo, conhecimento, fé, etc. (4) Exemplos de ideias simples que podem vir à mente tanto pelos sentidos quanto pela reflexão: prazer e deleite, dor e incômodo, poder, existência, unidade, etc. As ideias complexas Definição: são “as ideias formadas pela união de várias ideias simples” (EEH, II, 12, §1).
Locke apresenta duas classificações diferentes, mas não
excludentes, das ideias complexas.
Segundo a operação da mente que as formou, as ideias complexas
são classificadas como (1) complexas de combinação (ex.: ideia deste homem, ideia de universo, etc.); (2) complexas de relação (ex.: ideia de paternidade, ideia de amizade, etc.); (3) complexas de abstração (ex.: ideia geral de homem, ideia geral de rosa, etc.).
Segundo o tipo, as ideias complexas podem ser classificadas como:
(1) de modo (ex. ideia de beleza, ideia de triângulo, ideia de dois, etc.); (2) de substância (ex.: ideia de Rafael, ideia de rosa, etc.); (3) de relação (ex.: paternidade, amizade, etc.). As ideias complexas de modo Definição: são ideias que, “embora compostas, não contêm em si a suposição de sua subsistência por si mesmas; ao contrário, são consideradas ‘dependências’ ou afecções de substâncias”. Locke divide as ideias complexas de modo em duas classes: (1) ideias de modo simples; (2) ideias de modo misto. Ideias complexas de modo simples são “variações ou diferente combinações de uma mesma ideia simples, sem a mistura de nenhuma outra” (EEH, II, 12, §5). Exemplos: ideia de dúzia e vintena, que são apenas combinações da ideia de unidade. Ideias complexas de modo misto são ideias de modo “compostas de ideias simples de diferentes tipos reunidas para uma única ideia complexa”(EEH, II, 12, §5). Exemplos: ideia de beleza (“união de cor e figura que deleita o espectador”) e ideia de furto (“transferência ilícita de posse sem o consentimento do proprietário”). A ideia de infinito Para Locke a ideia de infinito é uma ideia complexa de modo simples de quantidade. Ela pode ser formada a partir de uma variação de qualquer uma das três seguintes ideias simples: distância, duração ou unidade. No primeiro caso chegamos à ideia de espaço infinito; no segundo, à de eternidade (duração infinita); no terceiro, à de número infinito. Em todos os casos, a ideia de infinito é obtida pela adição contínua de ideias simples de um dos três tipos (distância, duração ou unidade). Possível objeção: com isso Locke não explica como é possível a passagem da ideia de uma quantidade muito grande (de distância, duração ou unidade) à ideia de infinito. Resposta de Locke: a ideia de infinito contém de fato algo além da ideia de uma grande quantidade, a saber, a ideia pouco clara de um “sem- limites” para além dessa grande quantidade. Resumo: Ideia de infinito = Ideia de uma grande quantidade + ideia (indefinida) de um “sem-limites” para além dessa grande quantidade. Ideias complexas de modo misto As ideias de modo misto são formadas a partir da combinação de ideias simples de tipos diferentes. Exemplos: obrigação, embriaguez, sacrilégio, assassinato, xenofobia, etc. Para que tal combinação possa ser realizada por nossa mente, basta que as ideias sejam compatíveis. Não posso, por exemplo, combinar as ideias de azul e pensar. Consequentemente, daí não deriva nenhuma ideia complexa. Como há infinitas combinações possíveis de ideias simples de tipos diferentes, há infinitas ideias de modo misto, que poderíamos formar em nossa mente caso quiséssemos. Evidentemente, nem todas elas correspondem a algo na realidade. Ademais, quando as ideias de modo misto correspondem a algo na realidade, normalmente correspondem a algo passageiro. Por isso, dependem em grande parte da nossa linguagem. Por exemplo, raramente chegamos à ideia “assassinato de um homem velho”, porque na língua portuguesa não existe nenhuma palavra que nos remeta a essa ideia. Chegamos, no entanto, muito mais comumente à ideia ”assassinato do próprio pai”, porque em português existe a palavra “parricídio”. As ideias complexas de modo misto Há três maneiras pelas quais podemos ser levados a formar uma ideia de modo misto em nossa mente: 1. Por uma experiência direta que nos leve a unir determinadas ideias [sem que o resultado seja uma ideia complexa que pudesse subsistir por si, é claro, pois neste caso chegaríamos a uma ideia de substância e não a uma ideia de modo]. Exemplo: podemos chegar à ideia de modo misto “duelar” ao ver dois homens duelando. 2. Por uma experiência indireta que nos leve a unir determinadas ideias. Exemplo: uma criança que já tenha as ideias de “matar” e de “pessoa inocente”, chegar à ideia de “assassinato” caso seu pai lhe explique. 3. Por uma operação espontânea da nossa mente. Exemplo: podemos simplesmente unir as ideias de “matar” e “homem velho” em nossa mente, formando, assim, a ideia de “gerontocídio”. As ideias complexas de substância Há certas ideias simples que frequentemente chegam à nossa mente em conjunto (pela sensação ou pela reflexão). Como não admitimos que essas qualidades que nos provocam essas ideias pudessem subsistir independentemente e se unirem por vontade própria, somos levados a supor um substrato por trás delas. É dessa maneira que chegamos à ideia complexa de substância. Por exemplo, se vamos a um jardim, podemos ter a experiência de uma determinada figura, ligada a um determinado odor, com uma determinada cor, etc. E essas ideias podem vir à nossa mente todas em conjunto por um longo período de tempo. Ora, imaginando que as qualidades que nos provocam essas ideias não poderiam subsistir independentemente, nem se uniriam por si mesmas, formamos a ideia da substância “(esta) rosa”. Resumo: A ideia complexa da substância “(esta) rosa” = conjunto de ideias simples de sensação (exemplo: cor W, cheiro X, formato Y, etc.) + ideia de um “não sei quê” por trás dessas ideias, que lhes serviria de substrato. As ideias de alma e de Deus Ideia da minha alma: conjunto de ideias simples de reflexão + ideia de um “não sei quê” por trás dessas ideias, que lhes serviria de substrato. Ideia de Deus: conjunto de ideias de reflexão (conhecimento, poder, existência, etc.) elevadas a um grau infinito + ideia de um ”não sei quê” por trás delas, que lhes serviria de substrato.
“A ideia de infinito, agregada a nossas ideias de existência, poder,
conhecimento, etc., perfaz a ideia complexa que representa, para nós mesmos, da melhor maneira possível, o ser supremo. A essência mesma de Deus (que não conhecemos, pois não conhecemos nem mesmo a essência de um seixo, de um mosquito, ou de nós mesmos) é simples e incomposta; e, no entanto, podemos afirmar que nossa única ideia dele é uma ideia complexa de infinitos e eternos conhecimento, existência, poder, felicidade etc., ideias distintas, algumas relativas, originárias de sensação ou reflexão, das quais dependem nossa noção ou ideia de Deus” (EEH, II, 23, §35). O conhecimento e o juízo O conhecimento é a percepção do acordo ou desacordo entre as ideias.
Tipos de conhecimento: (1) identidade e diversidade; (2) relação; (3)
existência necessária ou conexão necessária; (4) existência real
Graus de conhecimento: (1) intuitivo; (2) demonstrativo; (3) conhecimento