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John Locke

História da Filosofia Moderna


Prof. Daniel Leite
Vida e Obra

 1632 – Nasce em Wrington, próximo a Bristol,


Inglaterra.
 1647 – Início dos estudos na prestigiosa
Westminster School, em Londres, onde
conhece Richard Lower.
 1652-1658 – “Estudos Clássicos” na
Universidade de Oxford.
 1666 – Início da amizade com Lord Ashley,
futuro Earl de Shaftesbury.
 1668 – Membro da Royal Society.
 1675 – Bacharelado em Medicina.
 1675-1679 – Estadia na França.
 1683-1688 – Estadia na Holanda.
 1688 – Retorna à Inglaterra, acompanhando
Maria II.
 1690 – Ensaio sobre o Entendimento Humano e
Dois Tratados sobre o Governo Civil.
 1704 – Morre em seu escritório, em Oates,
Essex.
Origem e objetivo do Ensaio sobre o
Entendimento Humano
 Contexto: crítica de Richard Cudworth (platônico de Cambridge) ao empirismo
 Origem: na Epístola ao Leitor, Locke afirma que a ideia de escrever o livro lhe veio
em mente quando, ao discutir informalmente com um grupo de “quatro ou cinco”
amigos sobre alguns problemas filosóficos, deu-se conta de que seria necessário,
antes de levar a discussão adiante, analisar o entendimento humano e descobrir
como e o que ele pode conhecer.
 Objetivos: ainda na Epístola ao Leitor, Locke humildemente descreve a tarefa do
livro como a de tentar “remover o entulho” para o desenvolvimento da ciência.
Com isso, diz ele, teríamos os seguintes benefícios: (1) seria evitada a persistência
em investigações que dizem respeito a assuntos insondáveis pelo nosso
entendimento; (2) chegaríamos ao conhecimento de nossas obrigações morais; (3) o
ceticismo e a ociosidade seriam combatidos.
“...Numa época que produz mestres como o grande Huygens e o
incomparável Sir Newton, além de outros de mesma estirpe, é
ambição suficiente trabalhar como subordinado na preparação do
solo e na remoção do entulho no caminho do conhecimento – que
seria certamente mais avançado, não tivesse o engenho e a
produção dos homens deparado com o uso erudito, mas frívolo, de
termos obscuros, afetados e ininteligíveis, introduzidos nas
ciências e transformados em arte, a tal ponto que a filosofia, ou
verdadeiro conhecimento das coisas, é tida como inconveniente e
imprópria para a boa companhia e a conversação polida. Há muito
que abusos de linguagem e formas de discurso vagas e
insignificantes passam por mistérios da ciência. Palavras difíceis e
mal aplicadas, que pouco ou nada significam, adquiriram, por
prescrição, o direito de se confundirem com profunda erudição e
alta especulação; e não é fácil persuadir, quem fala e quem ouve,
de que não passam essas palavras de abrigo da ignorância, de
entrave para o verdadeiro conhecimento” (Ensaio sobre o
Entendimento Humano, Epístola ao Leitor).
Divisão do EEH

Epístola ao Leitor: Origem e objetivos do


livro.
Livro I: Crítica à doutrina das ideias inatas
Livro II: Sobre as ideias
Livro III: Sobre a linguagem
Livro IV: Sobre o conhecimento e o juízo
Livro I: Crítica ao inatismo
 Divisão: Introdução (capítulo 1); Não há na mente
princípios especulativos inatos (capítulo 2); Não há na
mente princípios práticos inatos (capítulo 3); Outras
considerações acerca de princípios inatos especulativos e
práticos (capítulo 4).
 Argumento principal: Não há nenhum princípio
(especulativo ou prático) que esteja presente na mente
de todos os homens.
Resposta inatista: afirmar que um princípio seja inato não é o
mesmo que afirmar que todos têm consciência dele.
Réplica de Locke: se não temos consciência de um princípio,
não está em nossa mente; se não está em nossa mente, não
faz sentido afirmar que é “nosso” princípio.
Livro I: Crítica ao inatismo (cont.)

 Quanto aos princípios morais, afirma Locke, seria


ainda mais evidente que não são inatos, porque: (1)
povos diferentes têm, muitas vezes, princípios morais
diferentes; (2) todos os princípios morais dependem
da ideia de Deus; ora, não temos uma ideia inata de
Deus; logo, não há princípios morais inatos.
 Se é evidente que não temos ideias inatas, por que
tantos filósofos defendem a doutrina inatista? Porque
ela é vantajosa aos intelectuais e poderosos, dado
que se presta a fundamentar dogmaticamente
qualquer tese, sem que haja possibilidade de
discussão.
A origem das ideias
 Definição lockeana de ideia: “aquilo que é objeto do entendimento
enquanto o homem pensa” (EEH, II, 1, §1)
 As duas únicas fontes de ideias são a sensação e a reflexão. De início, a
mente humana é um “papel em branco”, que precisa ser preenchido
com as ideias de sensação e reflexão.
 A sensação é a percepção, em nossa mente, de objetos particulares,
viabilizada pelos sentidos, os quais transmitem à nossa mente a
“influência” dos objetos exteriores.
 A reflexão é a “percepção, dentro de nós, de operações de nossa
própria mente com ideias que adquiriu”.
 Nossas primeiras ideias têm origem na sensação, já que as ideias de
reflexão pressupõem sempre a operação de nosso entendimento e este
só poderia estar operando se já houvesse algum material –
consequentemente as ideias de sensação precedem as de reflexão.
As qualidades das coisas
 Como vimos, Locke entende por “ideia” aquilo que a mente percebe em si
mesma. “Qualidade” seria, por sua vez, o poder dos objetos exteriores de
causar, em nós, ideias simples.

 Qualidades primárias: são poderes das coisas de nos causarem certas


sensações, poderes esses que correspondem a um atributo real das próprias
coisas. Exemplos: a aspereza, a extensão, a dureza.

 Qualidades secundárias: são poderes das coisas de nos causarem certas


sensações que não correspondem exatamente a nenhum atributo real das
próprias coisas. Exemplos: aquilo nas coisas que me leva às sensações das
cores, sons, odores, gostos, etc.
Crítica à concepção cartesiana de alma

 A alma nem sempre pensa. O pensamento está para a alma como o


movimento está para o corpo. Da mesma maneira que não é
inconcebível um corpo que não esteja se movendo, não é inconcebível
uma alma que não esteja pensando.
 Todo pensamento é inseparável da consciência: “pensamento é
consciência de pensar” (EEH, II, 1, §19).
 Consciência é a percepção do que se passa em nossa mente. Ora, todo
pensamento supõe consciência. Quando dormimos sem sonhar, não
temos consciência, pois não temos percepção do que se passa em nossa
mente. Logo, não pensamos ao dormir sem sonhar. Consequentemente,
nem sempre pensamos.
As ideias simples
 Definição: ideias que “nada contêm em si exceto uma única aparição ou concepção
uniforme, indistinguível em ideias diferentes” (EEH, II, 2, §1).
 Fontes das ideias simples: (1) um único sentido; (2) mais de um sentido; (3)
reflexão; (4) reflexão e sentidos
 (1) Exemplos de ideias simples de um único sentido: ideias de cores e luzes
(providas pela visão); ideias de ruídos e sons (providas pela audição); ideias de
gostos (providas pelo paladar); ideias de odores (providas pelo olfato; calor, frio,
solidez, macio, áspero, duro e mole (providas pelo tato).
 (2) Ideias simples de diversos sentidos: espaço, extensão, figura, repouso e
movimento. Todas elas são obtidas tanto pela visão, quanto pelo tato. Caso perca
um desses dois sentidos, ainda assim poderei formar essas ideias simples.
 (3) Os dois principais tipos de ideias simples de reflexão são: percepção ou pensar e
volição ou querer. Outros exemplos são: lembrança, discernimento, raciocínio,
juízo, conhecimento, fé, etc.
 (4) Exemplos de ideias simples que podem vir à mente tanto pelos sentidos quanto
pela reflexão: prazer e deleite, dor e incômodo, poder, existência, unidade, etc.
As ideias complexas
 Definição: são “as ideias formadas pela união de várias ideias
simples” (EEH, II, 12, §1).

 Locke apresenta duas classificações diferentes, mas não


excludentes, das ideias complexas.

 Segundo a operação da mente que as formou, as ideias complexas


são classificadas como (1) complexas de combinação (ex.: ideia
deste homem, ideia de universo, etc.); (2) complexas de relação
(ex.: ideia de paternidade, ideia de amizade, etc.); (3) complexas
de abstração (ex.: ideia geral de homem, ideia geral de rosa, etc.).

 Segundo o tipo, as ideias complexas podem ser classificadas como:


(1) de modo (ex. ideia de beleza, ideia de triângulo, ideia de dois,
etc.); (2) de substância (ex.: ideia de Rafael, ideia de rosa, etc.); (3)
de relação (ex.: paternidade, amizade, etc.).
As ideias complexas de modo
 Definição: são ideias que, “embora compostas, não contêm em si a
suposição de sua subsistência por si mesmas; ao contrário, são
consideradas ‘dependências’ ou afecções de substâncias”.
 Locke divide as ideias complexas de modo em duas classes: (1) ideias
de modo simples; (2) ideias de modo misto.
 Ideias complexas de modo simples são “variações ou diferente
combinações de uma mesma ideia simples, sem a mistura de nenhuma
outra” (EEH, II, 12, §5). Exemplos: ideia de dúzia e vintena, que são
apenas combinações da ideia de unidade.
 Ideias complexas de modo misto são ideias de modo “compostas de
ideias simples de diferentes tipos reunidas para uma única ideia
complexa”(EEH, II, 12, §5). Exemplos: ideia de beleza (“união de cor e
figura que deleita o espectador”) e ideia de furto (“transferência
ilícita de posse sem o consentimento do proprietário”).
A ideia de infinito
 Para Locke a ideia de infinito é uma ideia complexa de modo simples de
quantidade. Ela pode ser formada a partir de uma variação de qualquer
uma das três seguintes ideias simples: distância, duração ou unidade. No
primeiro caso chegamos à ideia de espaço infinito; no segundo, à de
eternidade (duração infinita); no terceiro, à de número infinito.
 Em todos os casos, a ideia de infinito é obtida pela adição contínua de
ideias simples de um dos três tipos (distância, duração ou unidade).
 Possível objeção: com isso Locke não explica como é possível a passagem
da ideia de uma quantidade muito grande (de distância, duração ou
unidade) à ideia de infinito.
 Resposta de Locke: a ideia de infinito contém de fato algo além da ideia
de uma grande quantidade, a saber, a ideia pouco clara de um “sem-
limites” para além dessa grande quantidade.
 Resumo: Ideia de infinito = Ideia de uma grande quantidade + ideia
(indefinida) de um “sem-limites” para além dessa grande quantidade.
Ideias complexas de modo misto
 As ideias de modo misto são formadas a partir da combinação de ideias simples
de tipos diferentes. Exemplos: obrigação, embriaguez, sacrilégio, assassinato,
xenofobia, etc.
 Para que tal combinação possa ser realizada por nossa mente, basta que as
ideias sejam compatíveis. Não posso, por exemplo, combinar as ideias de azul
e pensar. Consequentemente, daí não deriva nenhuma ideia complexa.
 Como há infinitas combinações possíveis de ideias simples de tipos diferentes,
há infinitas ideias de modo misto, que poderíamos formar em nossa mente
caso quiséssemos. Evidentemente, nem todas elas correspondem a algo na
realidade.
 Ademais, quando as ideias de modo misto correspondem a algo na realidade,
normalmente correspondem a algo passageiro. Por isso, dependem em grande
parte da nossa linguagem. Por exemplo, raramente chegamos à ideia
“assassinato de um homem velho”, porque na língua portuguesa não existe
nenhuma palavra que nos remeta a essa ideia. Chegamos, no entanto, muito
mais comumente à ideia ”assassinato do próprio pai”, porque em português
existe a palavra “parricídio”.
As ideias complexas de modo misto
Há três maneiras pelas quais podemos ser levados a formar uma ideia
de modo misto em nossa mente:
1. Por uma experiência direta que nos leve a unir determinadas
ideias [sem que o resultado seja uma ideia complexa que pudesse
subsistir por si, é claro, pois neste caso chegaríamos a uma ideia
de substância e não a uma ideia de modo]. Exemplo: podemos
chegar à ideia de modo misto “duelar” ao ver dois homens
duelando.
2. Por uma experiência indireta que nos leve a unir determinadas
ideias. Exemplo: uma criança que já tenha as ideias de “matar” e
de “pessoa inocente”, chegar à ideia de “assassinato” caso seu pai
lhe explique.
3. Por uma operação espontânea da nossa mente. Exemplo: podemos
simplesmente unir as ideias de “matar” e “homem velho” em
nossa mente, formando, assim, a ideia de “gerontocídio”.
As ideias complexas de substância
 Há certas ideias simples que frequentemente chegam à nossa mente em
conjunto (pela sensação ou pela reflexão). Como não admitimos que essas
qualidades que nos provocam essas ideias pudessem subsistir
independentemente e se unirem por vontade própria, somos levados a supor
um substrato por trás delas. É dessa maneira que chegamos à ideia complexa
de substância.
 Por exemplo, se vamos a um jardim, podemos ter a experiência de uma
determinada figura, ligada a um determinado odor, com uma determinada cor,
etc. E essas ideias podem vir à nossa mente todas em conjunto por um longo
período de tempo. Ora, imaginando que as qualidades que nos provocam
essas ideias não poderiam subsistir independentemente, nem se uniriam por
si mesmas, formamos a ideia da substância “(esta) rosa”.
 Resumo: A ideia complexa da substância “(esta) rosa” = conjunto de ideias
simples de sensação (exemplo: cor W, cheiro X, formato Y, etc.) + ideia de
um “não sei quê” por trás dessas ideias, que lhes serviria de substrato.
As ideias de alma e de Deus
 Ideia da minha alma: conjunto de ideias simples de reflexão + ideia de um
“não sei quê” por trás dessas ideias, que lhes serviria de substrato.
 Ideia de Deus: conjunto de ideias de reflexão (conhecimento, poder,
existência, etc.) elevadas a um grau infinito + ideia de um ”não sei quê” por
trás delas, que lhes serviria de substrato.

“A ideia de infinito, agregada a nossas ideias de existência, poder,


conhecimento, etc., perfaz a ideia complexa que representa, para nós
mesmos, da melhor maneira possível, o ser supremo. A essência mesma de
Deus (que não conhecemos, pois não conhecemos nem mesmo a essência de
um seixo, de um mosquito, ou de nós mesmos) é simples e incomposta; e, no
entanto, podemos afirmar que nossa única ideia dele é uma ideia complexa de
infinitos e eternos conhecimento, existência, poder, felicidade etc., ideias
distintas, algumas relativas, originárias de sensação ou reflexão, das quais
dependem nossa noção ou ideia de Deus” (EEH, II, 23, §35).
O conhecimento e o juízo
 O conhecimento é a percepção do acordo ou desacordo entre as ideias.

 Tipos de conhecimento: (1) identidade e diversidade; (2) relação; (3)


existência necessária ou conexão necessária; (4) existência real

 Graus de conhecimento: (1) intuitivo; (2) demonstrativo; (3) conhecimento


de existência dos objetos externos

 O juízo e a probabilidade

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