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Dicionario Termos Amazonicos
Dicionario Termos Amazonicos
escritor e jornalista.
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O meu dicionário
de
cousas da Amazônia
......................
SENADO
FEDERAL
......................
Mesa Diretora
Biênio 2013/2014
Suplentes de Secretário
Conselho Editorial
Conselheiros
O meu dicionário
de
cousas da Amazônia
Raimundo Morais
......................
SENADO
FEDERAL
......................
Brasília – 2013
EDIÇÕES DO
SENADO FEDERAL
Vol. 175
O Conselho Editorial do Senado Federal, criado pela Mesa Diretora em
31 de janeiro de 1997, buscará editar, sempre, obras de valor histórico
e cultural e de importância relevante para a compreensão da história política,
econômica e social do Brasil e reflexão sobre os destinos do país.
ISBN: 978-85-7018-441-2
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Morais, Raimundo.
O meu dicionário de cousas da Amazônia / Raimundo
Morais. – Brasília : Senado Federal, Conselho Editorial,
2013.
212 p. : il. – (Edições do Senado Federal ; v. 175)
CDD 918.11
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Introdução
e rugosos, esconde uma fera. Pelas seteiras vegetais dessa imensa fortaleza verde,
defendendo o habitat e a vida, a mulher e a honra, tão exaltada e denodada-
mente como o civilizado brioso, espia o índio de frecha na mão. As tocaias estão
guarnecidas, os pontos estratégicos reforçados, a tribo levantada. O íncola anda
certo de que o invasor ou lhe furta a mulher ou lhe escraviza a raça. Dilema
inexorável, afiado como os cornos de um touro, ante essa perspectiva horrível
o aborígine tem que reagir. E reage, afronta, luta, infelizmente para ele sem
resultado vantajoso em virtude das armas aperfeiçoadas do adversário, que,
dias depois do choque, vitoriosamente, por entre nomes complicados e papeletas
em latim, exibe pelos museus e galerias, como troféus, os despojos domésticos e
guerreiros do selvagem.
O fato de se ir das planuras azuis do Atlântico aos íngremes contra-
fortes andinos no convés de rompantes navios, levando música e gelo a bordo,
demonstra que apenas as artérias potâmicas estão desvendadas. Se a embarca-
ção, por qualquer motivo interromper a derrota, encostar à ribanceira e tiver,
em suma, de enviar uma vedetta por terra adentro, quebrando o sigilo ermo
da hileia, surgem logo mil desenganos, tal o desconhecimento do que vai pelo
interior da mata.
Sabe-se tudo, é verdade, sobre os cursos d’água; ignora-se tudo, po-
rém, dentro da selva. Da beirada do rio a civilização, por mais aparelhada
que esteja, não distingue os rumores da floresta. Os dramas do palco sombrio,
animado por atores de tanga e canitara, frecha e tacape, são vedados ao olho
azul e apressado do globe-trotter de chapéu de cortiça, quinzena de xadrez,
binóculo a tiracolo, charuto no queixo, e que vem, depois de anunciar pelos
jornais, descobrir a Atlântida nos sertões de Mato Grosso, ou lobrigar na Ama-
zônia vestígios daquele Ofir bíblico, onde as frotas de Salomão se abarrotaram
de ouro, macacos, pedras preciosas, pavões e madeira.
Compulsem-se os roteiros dos exploradores por ali andados. Armam
as tendas na fimbria dos igapós, dos lagos, dos manadeiros. Vivem à ourela da
água dormente ou veloz. Penetram a hinterlândia pela chanfradura sinuosa
dos igarapés e a contornam sobre a toalha mansa dos paranás. Encurtam as
distâncias, varando pelos furos que anastomosam rios diferentes, e, o que desco-
brem, é sempre visto do caudal para terra.
Onde o naturalista Natterer topou desavisadamente a paradoxa,
bicho meio peixe, meio sapo e meio cobra, já descoberto por Adanson e Ar-
12 Raimundo Morais
1 Estes nomes em latim, leitora amiga, todos cabeludos e arrepiados, devem estar bu-
lindo com seus nervos. O mesmo me sucedeu quando os li pela primeira vez. Quase
justifiquei as lendas que dizem ser a Amazônia berço de monstros, de bichos horren-
dos, que devoram a gente dentro de um mistério sinistro. Mas os sábios possuem,
na têmpera, uma grande dose humorística, gostam de brincar com as pessoas alheias
a sua seara, de maneira que vivem pilheriando comigo, contigo e com a nossa co-
zinheira. Tu sabes, leitora, de que família é o bicho que os naturalistas, assim que
o descobriram e constataram sob o nome de Paradoxa, Dissimilis, Lepidosiren, etc.,
quase botam um pedaço do céu abaixo? Da família das enguias aqui conhecidas por
piranaboia, trairaboia, poraquê, e, sobretudo, por aquele vagabundo muçu, que tu,
eu e a nossa cozinheira estamos fartos de colher até no poço de casa, no balde de
água, inesperadamente, numa loura manhã de sol. A circunstância deste rebarbativo
muçu ser parente da trairaboia, que já tem pulmões; junto ao fato jovial dos sábios
gostarem também de fazer graça com o próximo, é que fez o barulhão da nossa mor-
te quando a acharam, vindo à baila geografias perdidas, continentes naufragados,
Platão, Atlântida, e , até, o pirarucu e o aruanã, que andam também, muito caladi-
nhos, cavando, no fundo para obter pulmões, tanto que, cada qual, já possui um.
Amanhã viram cobra, isto é Lepidosiren, ou, quem nos diz? Paradoxa.
O meu dicionário de cousas da Amazônia 13
fisionomia do vale, cuba fluvial que se cravava no Atlântico até à Paraíba, pes-
cando nas lagunas de Janauacá; Frederico Hartt concebeu a origem geológica
da Planície navegando a sirga dentro dela; Orville A. Derby, então membro de
uma comissão geológica, descobriu os corais devonianos absolutamente desco-
nhecidos na Amazônia e no resto do Brasil, sulcando o rio Maecuru; Ladislau
Neto, o Champollion brasileiro, leu os hieróglifos e caracteres simbólicos dessa
louça admirável, que é a cerâmica de Marajó, cruzando as baías do estuário
amazônico; Bates concluiu aqueles estudos comparados sobre transformismo e
mimetismo, que tanto contribuíram para consolidar os trabalhos de Darwin,
na Origem das Espécies, debruçado nove anos nas ribas de Tefé; Wallace re-
forçou os documentos da sua geografia zoológica, pegando jacumã no Solimões;
Luis Cruls fixou nossa faixa lindeira, com o Peru, alcançando as nascentes do
Javari.
Em qualquer estudo originário do vale amazônico, desde as lindas
paginas de Wappaeus às Grandiosas Migrações de Borboletas, de Emílio Go-
eldi, é da linfa que brota a verdade. O príncipe Adalberto da Prússia, em com-
panhia dos condes de Bismarck e de Oriolla, librou-se nos círculos navais como
um grande hidrógrafo, navegando o Xingu e o Tocantins; o padre Samuel Fritz
levantou a primeira carta da Amazônia do banco de uma igarité; e essa mesma
carta foi corrigida por La Condamine, depois de medir um arco do Equador,
no banco de outra igarité; Alexandre Rodrigues Ferreira escreveu o seu Diário
de Viagem Filosófica, remontando os nossos afluentes e defluentes; Francisco
Orellana inventou a lenda das amazonas brasileiras, ao sabor de uma tunda
memorável, no foz de Nhamundá.
Não há fugir, no Equador brasileiro, do torvelinho aquático, como
se as iaras, ali, tivessem império maior que as ninfas, as sereias, as ondinas,
as nereiades e a própria Anfitrite, nos mares. Barbosa Rodrigues completou o
Sertum Palmarum, rompendo a correnteza e enfiando as angusturas rasgadas
nas cachoeiras; Coudreau jogou ao mundo La France Equinoxiale, depois de se
perder na rede maremática do desaguadouro amazônico; Humboldt, em com-
panhia de Bonpland, estudou as linhas isotérmicas do continente americano,
varando do Orenoco, pelo canal do Caciquiare, até S. Carlos, no rio Negro;
Martius batizou de Naiades a Amazônia, mirando-lhe o vasto lençol patâmi-
co; o nome de Spruce anda gloriosamente ligado a nossa flora em virtude das
suas repetidas singraduras na esplanada; Ferreira Pena avulta na herma do
14 Raimundo Morais
museu paraense por escrever a sua linda e fragmentada obra sob a tolda dos
barcos marajoaras; e os medalhões de Spix e Martius, que noutro momento
estabelecem pendant com o do grande mineiro, no mesmo parque, provêm
das excursões que fizeram ambos à flor da corrente do rio-mar. Emílio Goeldi
foi ouvido com respeito, pelas academias do mundo, depois que perlustrou os
Estreitos de Breves; Rondon descobriu o Eldorado dos naturalistas, remontando
o Trombetas e o Cuminã; Couto de Magalhães ficou célebre nos arraiais cien-
tíficos, depois de transportar, desarmado, um navio da bacia do Paraguai para
a bacia do Araguaia; Jacques Huber só alcançou a nomeada que fruiu, depois
das suas notáveis pesquisas botânicas pelo Purus adentro. Glycon de Paiva che-
gou a ver as conclusões geológicas na bacia do Negro, levantando o croquis do
Caciquiare; Hamilton Rice ganhou as esporas de ouro de sertanista, voando
sobre o manadeiro do rio Parima.
É, pois, curial que O Meu Dicionário de Cousas da Amazônia,
filho das águas, irmão das lagunas, primo das fontes, aflore também do aranhol
hidrográfico. Epítome informativo do que vai por ali, ele reflete a toalha prate-
ada do Guajará, o lençol maravilhoso do estuário, a corda pardo-vermelha do
Amazonas, a colcha escura do Negro, o azul, o verde, o laranja, o branco desses
afluentes que umedecem, fertilizam e alteiam a gleba da Planície.
Suas páginas agitadas, confusas, contraditórias, serenas, harmonio-
sas, plácidas, narrando a vida do homem o costume da gente, a crença do
silvícola, a dor do vencido, o heroísmo da raça, e o avanço do civilizado, lem-
bram o burburinho flúvio, o rodopio das espumas, as angusturas gorgolejantes,
os mananciais silvestres, os pauis escuros, as fontes cristalinas, e constituem,
enfim, o ciclo maravilhoso da Amazônia, que marca, pela fuga das águas, uma
época assistida por esta geração, vista miraculosamente pelos nossos olhos privi-
legiados de homens do século. A obra toda, abrangente de mito, de tradição, de
folclore, de lenda, de costumes, sintetiza o apocalíptico Amazonas, na figura de
gênio ou de deus, transportando no dorso pardo, colhidos no cimo dos montes,
na aba das cordilheiras, no regaço das planícies, ao cortar vertiginosamente o
continente – sementes, troncos, balsas, gramíneas, aves, pássaros, cadáveres,
detritos e areia de ouro.
A terra toda não é filha das águas? É a ciência que o diz através
dos cosmógrafos, dos geógrafos, dos geólogos, dos paleontólogos. É a poesia que
registra através dos rapsodos, dos bardos, dos menestréis.
O meu dicionário de cousas da Amazônia 15
2 Rei Lear era o navio do comando do autor de O Meu Dicionário quando Carlos D.
Fernandes, então médico de bordo, nele viajou pelo Purus. Velho transatlântico, que
transportava carvão para um pontão na boca do Pauini, o famoso poeta crismou-o
de Rei Lear em virtude das semelhanças do toldo do velho barco e o manto do herói
shakespeariano. Cousas literárias do Carlos...
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onde engorda, numa ronda pastoril, o tinga Wall, conhecido por açaí-chumbo. É
rebanho vacum. Em geral, as ourelas do o alimento do pobre do Pará. Amassado
baixo Amazonas e afluentes cobrem-se de produz um vinho purpúreo, aromático,
uma alta cortina vegetal, muralha botâni- que é tomado com açúcar e farinha-d’água
ca, grega de folhagem, friso jade e pagão ou farinha de tapioca. Em Belém, capital
que intercepta ao observador, postado na paraense, as amassadeiras de açaí assina-
calha fluvial, o oceano verde de gramíne- lam suas quitandas com uma bandeirinha
as nativas. Terra adentro desse gigantesco encarnada.
muro clorofilado que assinala o beiço dos Acanhado – Tímido. Que não tem
taludes, estende-se o campo ondulante da desembaraço. Sujeito que não sabe estar
várzea infinda, rechã que emerge dos piri- em sociedade. Pessoa que se mostra cons-
zais lacustres, aos beijos vivos do sol, para trangida numa sala. Que não quer ser
as savanas enxutas de amanhã. É a solução apresentado a ninguém. O filho do juiz é
de continuidade nesses debruns da selva acanhado. Nunca vi um homem tão aca-
que a gente da Planície, e, sobretudo o na- nhado como o promotor que chegou. Tem
vegante, chama de “aberta”. medo até de falar. Tenho acanhamento,
Abicar – Meter a proa da embarcação mamãe.
em terra. Abicar essa canoa. Vamos abicar Acapu – (Vouacapoua americana) –
o navio. Abique o vapor, senão o remanso Árvore das terras altas e de grande porte.
parte o cabo. Muito usada em tabuado, no soalho das
Abiu – (Lucuna caimito) – Sapotá- casas, das pontes, dos trapiches. Empre-
ceo. O fruto, do tamanho de uma pera, é gam-na ainda em toda a sorte de constru-
amarelo por fora. A massa, gomosa, doce, ção civil. Cinzenta escura quando lavrada,
é refrigerante. seca, fica negra com o uso. O acapurana
Abutua – (Abutua concolor Poepp da terra firme (Batesia floribunda), de um
menispermácea) – Liana da qual se extrai chocolate vermelho, é excelente para a
um pó amarelo-esverdeado que tem gos- marcenaria e obras de talha.
to amargo e é aplicado em infusão contra Acará-açu – (Acará ocellata) – Peixe
hidropisia e areia na bexiga. Em forma de de escama, do tamanho de um palmo, vive
emplasto, desmancha inflamações. nos igarapés e margens de rio que tenham
Açacu – (Hura crepitans) – Grande vegetação. Há varias qualidades.
árvore varejeira. A seiva é tóxica. Onde Acari – (Chaetostomus) – É um peixe
medram os açacuzeiros há, infalivelmente, cascudo que se apanha na cabeceira dos
moléstias nas redondezas. Uns atribuem às igarapés em grande quantidade. Enche-se
águas, que se envenenam ao lhes passarem a canoa com ele e transporta-se vivo para o
nas raízes. Outros atribuem ao carapanã, curral nos sítios e fazendas. O curral é uma
que, depois de sentar no açacu, torna tóxi- fossa quadrilátera aberta no solo, cheia
ca a própria picada. d’água, onde se guardam vivos tartarugas,
Açaí – Na várzea existem duas espé- acaris, tamuatás. O acari tem a carne ama-
cies. O que dá em touça, Euterpe oleracea rela e gostosa.
Mart., e o que dá isolado, Euterpe preca- Acauã – (Herpetotheres cachinans) –
toria Mart., além do da terra firme E. ca- Ave agourenta que come cobra. Em Faro
O meu dicionário de cousas da Amazônia 19
há uma lenda sobre essa espécie de gavião. sil, já era corrente na “Ocidental praia”. O
Dizem que ele obriga os homens, com seu uso do pronome ele como complemento
canto sarcástico, a chocarem pedra. direto, diz um filólogo, foi comum entre
Açu – Grande. Sufixo tupi empre- os escritores notáveis de além-mar. E do-
gado em várias palavras como jacaré-açu, cumenta a assertiva com frases como es-
cupuaçu, mendaruçu. tas: “degradou ele”, “viu ela”, “nomeamos
Açucena – (Randia formosa) – Rubi- ela”, “desarmarem ele”, “deixarei ele”, “vi
ácea arbustiva de perfume delicado. Tem ele”, tiradas de clássicos. É, pois, um lusi-
as flores brancas e recortadas em estrela. tanismo trazido pelo conquistador, e que
É silvestre. a gente da Amazônia, só para enfezar ele,
Adalberto da Prússia – (Príncipe) – mantém galharda, sutil e maciamente.
Geógrafo, hidrógrafo, cosmógrafo. Explo- Agarrado – Chegado. Amigo. Que
rou o Xingu e o Tocantins em companhia não deixa o companheiro. Que só anda
de dois condes, o de Bismarck, que não junto. Fulano é agarrado com sicrano.
era o chanceler, e o de Oriolla. Vagamen- Criança agarrada com a mãe. Você anda
te conhecido por nós, brasileiros, em vir- muito agarrado com a mulher do capitão.
tude da inacessibilidade de suas obras, é Agarre-se com seu coronel.
tido nos círculos de ciência germânica em Agorinha – Neste momento. Agora
grande conta. Narram até a seguinte ane- mesmo. Comadre saiu agorinha, neste ins-
dota sobre ele: de volta da peregrinação ao tante. Indagorinha eu ouvi apito do vapor.
Pará, imprimiu os seus trabalhos, porém Vem de baixo.
tão reduzidamente, que não ultrapassaram Água-morna – Mole. Fraco. Indeciso.
a algumas dezenas de exemplares, e estes Que home água-morna. Só botando caba
mesmos destinados a presente a pessoas em cima dele. Ou então, surrando ele com
amigas. Se isto não é verdade é lamentável, urtiga, comadre. Aquilo é sangue de peixe.
porque o autor destas linhas não precisava Nunca vi um água-morna assim. Até pra
ser príncipe nem ter condes na rabadilha comer precisa ser carregado. Roça dele é
para fazer o mesmo, bastava ser rico.* só mato.
Afomentar – Palavra hostil usada Aguanambi – L. G. Orelha-de-cão.
na Amazônia. Vá se afomentar, seu Chi- Águas mortas – Marés de quadratu-
co. Afomentem-se você e a sua avó torta. ra. Quando o fluxo e refluxo mal se fazem
Também é usada nas fricções. Afomente sentir.
ela com manteiga (óleo) de cacau que isso Águas vivas – Marés de lua. Quan-
passa logo. Esfregue ela de com força que é do a correnteza é forte, quer na enchente,
uma vez, meu branco. A construção acima, quer na vazante.
vício aparente do caboclo, é genuinamente Ainda – Tradução da palavra “rain”,
portuguesa. Antes da descoberta do Bra- empregada pelo índio em certas frases
como estas: “xaçô rain”, eu vou ainda;
“catu rain”, é bom ainda. O caboclo usa
* O livro de Adalberto da Prússia a que se refere invarievelmente o advérbio ainda. Eu
o autor foi editado nesta coleção do Senado Fe- quero ainda, escuta ainda, ele não acaba
deral em, sob o número. (Nota desta edição.) ainda. É a tradução verbum adverbum, diz
20 Raimundo Morais
José Veríssimo, das frases indígenas para o a civilização que nós, brasileiros oriundos
português. dos lusos, já fizemos no vale amazônico.
Ajuricaba – Tuxaua de uma tribo Alçapão – Gaiola com que os curu-
indígena que viveu nos arredores de Ma- mins apanham passarinhos. Feita de gua-
naus. Está para o Amazonas histórico nas rumá e talas, com feitios da igreja portu-
mesmas condições que Calabar para Per- guesa, o alto das duas torres, aberto, está
nambuco, isto é, foi aliado dos holandeses preparado de maneira que assim que o
contra a gente da Península Ibérica. De curió, patativa ou colleiro penetra e sen-
maneira que os colonizadores de então, ta para comer a alpista, a tampa fecha e o
portugueses e espanhóis, predominantes retém. Em geral, embaixo da gaiola, num
da época, o tiveram por traidor. Vem daí compartimento separado, está o chamariz,
o estigma, mas vem daí também a fama, que é sempre um passarinho cantador, já
domesticado.
a auréola e o prestígio desse aborígine. Os
nossos grandes poetas, que em geral tecem Alcoviteiro – Que leva recados amo-
coroas ao eleito da sua simpatia e exaltam rosos. Intermediário de bilhetes, lembran-
ças, flores de namorados e amantes.
os que repontam atrevidamente do seio
plácido da turba, vão lhe cantando as faça- Alecrim – (Rosmarinus officinalis) –
nhas ao soluço das liras ou na prosa reflo- Planta cheirosa, empregada nos banhos,
nas roupas, nas cômodas. As mulatas an-
rida de rapsodos. E como é assim, fixando
dam sempre com um ramo de alecrim no
em símbolos, que a história cria os heróis e
pente ao alto da cabeça. Aclimada.
os mártires, os guerreiros e os santos, nada
Aleijões – No meio dos índios não
mais justo que esse enlevo dos nossos co-
se encontram manetas, pernetas, cegos,
evos, que choram a morte do valente sil-
mudos ou aleijados. Mal a criança recém-
vícola não só com profunda saudade, mas
nascida manifesta um sintoma qualquer
certos de que se a causa batava triunfas-
de aberração psíquica, é sacrificada ime-
se por aqui. Ajuricaba içaria na sua ubá,
diatamente. De maneira que entre os abo-
como o almirante Tromp o fez no tope dos rígines não sucede o mesmo que entre os
mastros dos navios da sua esquadra con- civilizados, em cujo seio se encontra uma
tra os ingleses, uma vassoura para varrer verdadeira teoria de aleijões: capengas,
os portugueses destas águas mediterrâneas. estrábicos, corcundas, pés tortos, mãos
Sem discutir o valor de Ajuricaba firmado anquilosadas, membros desviados, etc. O
na tradição, vera ou lendária, como um índio pode ser feio, mas é sempre normal e
destemido guerreiro que honrava a sua perfeito. Mesmo quanto à inteligência, no
raça, discutimos o ponto de vista de certos meio deles não se encontra nem o cretino
biógrafos seus, que julgam uma infelicida- nem o gênio em estado larvário. Apesar da
de para a Amazônia não ter predominado mentalidade viva, da curiosidade nas crian-
aqui a gente dos Países-Baixos. E discuti- ças, o índio fica num meio termo sadio,
mos com os acontecimentos. Na Guiana que lhe denuncia o equilíbrio da raça.
estão há séculos os holandeses, sob o mes- Alexandre Humboldt (Barão) – Ale-
mo céu e sob o mesmo clima da planície mão. Maior cabeça que já nos visitou. Era
equinocial, e, nem de longe fizeram ainda uma enciclopédia. Sabia tudo. Astrôno-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 21
curso vive solapando as próprias margens, encantos guarda uma nota lírica, ingênua,
como se vê nas beiradas, é justo que se di- que reflete a alma do homem e a alma da
vise também o fenômeno oposto: ele cons- terra. É o único dos grandes cursos do Pla-
trói a maior planície do universo. Toda a neta que corre de oeste para leste. Os geó-
Amazônia, patrícia e estrangeira, na vasta grafos calculam a bacia em 5/6 da Europa,
planura escapa, é obra da sua vertigem, dos quais a metade, segundo Wappaeaus,
do seu recuo, da sua hesitação, dos seus pertence-nos. O seu ponto mais estreito e
desvios, da sua loucura, da sua dinâmica. profundo é em Óbidos. Martius calculou
Chamam-no de cima para baixo, de Ma- a largura aí em 1.911 metros e a profundi-
rañón, Solimões e Amazonas. O segundo dade em 132. Herndon mediu a velocida-
desses nomes vem consoante e fantasia dos de, ainda nesse ponto, no tempo do verão,
historiadores com pinta de arqueólogos e em 1 ½ milhas, o que é um excelente cál-
filólogos, do rei Salomão, que teve as fro- culo se acrescentarmos que de inverno a
tas reais por aqui a carregarem, na letra do corrente chega a cinco milhas.
texto bíblico, macaco, pavão, ouro, prata Amiudar – Ficar frequente. Cantar
e pedras preciosas. Certas inscrições petro- repetidamente. Já é madrugada, gente,
glíficas e certos vocábulos arrevesados su- olha galo amiudando. Galo amiudou que
gerem essas conclusões. O terceiro nome, está rachando o bico.
isto é Amazonas, foi Orellana, seu explo-
Amolar – Aborrecer. Sujeito que para
rador inicial, quem lhe deu após ter levado
dizer quatro palavras leva um ano e um
uma surra mestra, na foz do Nhamundá,
dia. Ele vem nos amolar, meu santo. Olha,
de uma tribo de índios de cabelos com-
vai ver se eu estou na avenida, sim? Ora vai
pridos, como em geral usam os silvícolas
amolar o boi.
por aqui, e que se afiguraram ao fugitivo
espanhol de mulheres guerreiras do novo Anágua – Saia branca usada por baixo
continente. Sua bacia verde, luminosa no do vestido.
oriente e fosca no ocidente, tem atraído a Ananás – (Ananas sativa) – Herbá-
maior caravana de sábios do orbe. Alguns, cea de folhas longas, duras e em forma de
aqui viveram onze anos. Outros foram e grandes lanças. É uma bromeliácea nativa
voltaram encantados com a natureza. O que dá frutos de carne branca, sumarentos,
homem que se fixou nas ribas, selvagem acidulados, espinhentos, de cerca de dois
primeiro, catequizado depois e civilizado quilos, com uma coroa no alto. O abacaxi,
agora, é um tipo moldado ao ambiente, que é uma das variedades do ananás, tem
forte, rijo, sereno, com altos atributos de o fruto menor, com a carne amarela como
bondade e índole meiga. Mas o Amazo- gema de ovo e mais perfumado. É uma so-
nas, além destas notas físicas, vive corren- bremesa admirável nos climas quentes, es-
do dentro da lenda, tantas são as fábulas tomacal, digestiva. Um grande poeta que
e os mistérios que o envolvem. Contém andou por aqui, Carlos D. Fernandes, no
um feitiço na atmosfera saturando-lhe o tempo em que foi frugívoro, dizia, que co-
ambiente de paradoxos que se polarizam mer um ananás pela manhã era o mesmo
na realidade e no mito, no vulto e na som- que engolir um galego, um balde e uma
bra. O folclore que lhe descreve todos estes vassoura.
24 Raimundo Morais
Anani – (Sinfonia globulifera da f. das Amazônia não imigra. Quando voa dá im-
Gutíferas) – Árvore famosa em virtude do pressão de uma seta retesada no arco.
leite, que é próprio para emplastar quem Angatecô – L. G. Alma penada. Es-
sofre do peito, isto é, tuberculoso. pírito pecador.
Ananica – Baixinha. De pernas cur- Angelim – (Hymenolobium excelsum)
tas. De tronco baixo – Esta galinha é ana- – Madeira de lei própria para construção
nica. Gente, como aquela saracura é ana- naval. Há várias espécies: o pedra, o gran-
nica, benza-a deus. Olhe, compadre, para de, o comum e o pintado.
este cacaueiro. É verdade, ananicazinho
Anhanga – Deus autóctone que pre-
que é uma beleza.
serva do ataque dos caçadores, nas cam-
Andar – Cada pavimento de um so- pinas e savanas, as aves, os quadrúpedes
brado. Estou morando agora numa casa
e os pássaros. Nos prados amazônicos
de cinco andares. Sobe ao quarto andar,
ele vigia solicitamente a vida dos bichos.
numero oito. No ultimo andar é que eu
Anhanga corresponde a sombra, espírito,
resido.
mas corporifica-se num veado branco, de
Andejo – Ligeiro. Rápido. Termo
olhos de fogo. Quem persegue no mato
nordestino usado no ocidente da Planície.
um bicho com filho pequenino, é assom-
Que navegação andeja, compadre. Apitou,
brado por ele, que desvaira e enlouquece
não há meia hora, no Sacado Grande e já
o temerário. Falando a respeito desta di-
vem ali com uma cachoeira branca na proa
vindade selvagem, primeira referida nesta
que parece as barbas do finado Antônio
Conselheiro, que Deus haja! E queimando obra, é preciso avisar o leitor da anarquia
carvão! Aquilo é carvão, compadre? Eu. por que se classificam os deuses, no que
Espie como é grosso e preto o penacho consiste a sexo. Os especialistas, referindo-
danado do canudo que até parece cobra se se à teogonia aborígine, confundem la-
enrodilhando na fogueira. Oh! Coronel, já mentavelmente os sexos, ou porque essa
aqui? É muito andejo. Varador é compri- confusão já venha tradicionalmente do
do... Só botando sebo nas canelas. índio, ou porque o etnólogo o faça. Assim,
Andirá – (gênero Dysopes) – Morcego por exemplo, Guaraci, que significa sol, e,
do baixo Amazonas. Rio Mundurucânia. pois masculino, ao se dissecar a palavra, dá
Apesar de se encontrar no baixo Amazo- outra ideia: “guará”, vivente, e “cy” mãe,
nas, é um rio quase inexplorado. significa mãe dos viventes. Tudo para o
Andiroba – (Carapa guyanensis) - índio, em matéria de sobrenatural e adora-
Óleo, próprio pra fazer sabão, também é ção, é mãe. O mato tem mãe, a água tem
lubrificante e combustível quando usado mãe, a terra tem mãe, o lago tem mãe, o
nas candeias e lamparinas. Abunda no es- rio tem mãe, os bichos têm mães.
tuário amazônico e no baixo Tocantins. O Anil – (Indigofera anil) – Pó azul
cupim não ataca essa madeira. extraído das folhas do anil. Próprio para
Andorinha – (Panyptila cayanensis) tinturaria. Tingem-se as velas das embar-
– Pássaro muito conhecido pela sua con- cações com ele. Há muito no rio Negro.
dição migratória em todas as partes do Entretanto, essa indústria está decadente,
mundo durante o inverno e o verão. Na quase extinta.
O meu dicionário de cousas da Amazônia 25
rito de grego. Enriquecendo nesse verde belos. É seu atual presidente o capitão-de-
recôncavo do vale que é Arumanduba, o corveta Dr. Veiga Cabral e vice-presidente
coronel José Júlio para lá canaliza os seus o Dr. Alcindo Cacella.
bens; para lá dirige as próprias energias Ata - (Anoma squamosa) – Pequena
de sexagenário; para lá ruma quando quer árvore. Os frutos, do tamanho de laranjas,
veranear; para lá vai beber no ambiente a de cor verde, lembram, pelas saliências,
paz silvana que a labuta lhe pede. Assim, feitios de pinha. A polpa, em gomos, é
fazendo florescer, povoar, alegrar o des- deliciosa. Não é nativa. Parece oriunda do
vão que o seu trabalho formidável con- Peru. No sul chamam-na pinha.
quistou na juventude, ao olhar magnâni- À toa – Sem razão. Sem valor. Coisa
mo de alguma fada propiciatória, aquele sem utilidade. Esforço perdido. Vaçuncê
industrial conquista também o coração e vai à toa, coronel. Capitão Malaquias já
a amizade da gente paraense, que jamais emprestou perna da cutia. Virou cobra,
poderá esquecer semelhante esforço her- meu branco. Aquilo, agora, só volta se a
cúleo e amigo. Identificado, pois, com a Chica Mangarataia cosicar ceroula dele
natureza do vale, e apesar da cornucópia com linha preta de alguma mortalha.
das graças que a deusa autóctone lhe der- Todo o pau sem importância doméstica,
ramou no colo, facilitando-lhe a saída, o industrial ou econômica, é pau atoa para
coronel José Júlio cumpre o maior dever, o caboclo, principalmente se ele, à primei-
o único dever talvez de todo o bom bra- ra vista, o desconhece. Que pau é aquele?,
sileiro, aqui enriquecido, deve cumprir compadre Orlando. Qual? O grosso. Aqui-
com a terra augusta, que o selecionou e o lo é pau a-toa. E o outro o fino? Também.
elegeu: “nela viver e nela morrer”. E aqueles, da capoeira? Tudo é pau a-toa.
Assado – Irritado. Zangado. Estou as- Atuá – Cogote, nuca na L. G. Ponta
sado com aquele sujeito. Não mexa comi- de Marajó fronteira à ilha do Capim. É
go que eu já ando assado. O coronel anda cheia de pedras.
assado com o padre. Diga que é rabo de Aturá – Cesto em forma de paneiro,
saia... tecido de talas de guarumã ou jacitara,
Assanhada – Namoradeira. Sapeca. própria para conduzir coisas da roça para
Deus me perdoe, mas nunca vi mulher as- casa, sobretudo mandioca. Adicionam-lhe
sanhada como a nora do Chicão. Aquilo quatro varinhas exteriormente, e ao com-
envergonha um frade-de-preda. prido, a fim de lhe servir de pernas.
Assembleia Paraense – Clube onde Aturiá – (Drepanocarpus lunatis) –
se reúne a elite da sociedade em Belém, Planta ribeirinha, arbustiva, que só vinga
capital do Pará. Edificado na Praça da Re- no estuário. Vive em família, debruçada
pública especialmente para esse mister, o na borda dos canais e ilhas. Tem o sinal
prédio elegante, amplo, decorado, é tal- da maré alta deixado pelos sedimentos flu-
vez o mais distinto no gênero em todo o viais na ramaria. Há também um furo, nos
Norte do Brasil. Faltando construir ainda estreitos de Breves, chamado do Aturiá,
a ala direita, já ali se gastaram cerca de mil em cujo cotovelo os navegantes de bar-
contos. O mobiliário, todo de madeiras cos e canoas não passam sem deixar uma
paraenses, é suntuoso. Os salões vastos e peça de roupa, calça, camisa, saia, anágua,
30 Raimundo Morais
ceroula, e até mesmo lençóis, redes e col- parasita, que vive entre o patrão e o toquei-
chas, a fim de abrandar a ira dos espíritos ro, seringueiro este que entrega a borracha
do fundo ali: a iara e a velha pobre. Nessa no toco da árvore por um preço vil.
volta do Aturiá, quando se transpõe de dia, Aviador – Comerciante das capitais
veem-se as margens cobertas de roupas. amazonenses e paraenses que avia, isto é,
Isso recorda, diz Frederico Hartt, os espí- que remete mercadorias para alimentar o
ritos aquáticos da Rússia, os rusalcas, que pessoal dos seringais durante a safra. Casa
têm semelhanças flagrantes com os ama- aviadora que vende gêneros e compra os
zônicos. São belas raparigas que possuem, produtos da Planície.
como as iaras, palácios no fundo dos rios, Aviú – Camarãozinho abundante
dos lagos, recobertos de ouro, pedras pre- nas redondezas de Cametá. Vive à flor
ciosas e para onde levam os homens que d’água. Tão pequenino, que é preciso um
seduzem. Quando fingem ser pobres, ur- pano de filó muito fechado para apanhá-
dem ninhos de palha ou pena colhidas ao lo. Seco ao sol dá uma sopa especial, de
correr da “semana verde”. Nas proximida- raro sabor. O autor desta obra não encon-
des de Pentecostes fazem-se ofertas aos ru- trou, na sua biblioteca, o nome científico
salcas de roupa, trapos suspensos ao ramo deste crustáceo.
das árvores, na beira dos rios, exatamente Axi! – Interjetivo de pouco caso, des-
como no Aturiá, à velha pobre e à iara. prezo, desdém. Quando o cabloco (e a
Augusto de Saint-Hilaire – Natura- cabloca também), roceiro e mesmo da ci-
lista que palmilhou o continente colom- dade, até já com a pinta de civilizado, de-
biano com raro ardor pelas novidades da seja mostrar que repele qualquer indireta,
terra do cruzeiro. Botânico, zoologista, insinuação ou sugestão, é logo: Axi! Ora se
era um namorado francês do enigma do conheça, seu calcanhar de frigideira. Era
Brasil, na frase cantante desse mágico ma- preciso que eu andasse de tamancos como
labarista da palavra que é o grande escritor a tal senhora Antônia das Nabiças. Tire o
Celso Vieira. Rondou a Planície varando cavalo da chuva e vá plantar suas couves,
os chapadões do sistema brasileiro. Che- que é melhor. Está bem, está bem, então
gou até Goiás. Comeu o bicho da taquara aqui é só o boto, hein? Deixe de bestei-
que faz, como ópio, sonhar deliciosamen- ra, seu Jerônimo, e musque-se ... diga que
te. Seu olhar de vidente enxergou bem que vai casar com o filho do José Cabeludo, o
a saúva era nossa grande inimiga, a nossa mariscador do vigário? Eu? Axi! Não logo!
grande desgraça, o empecilho constante Antes uma boa morte. Não caso com toca-
do nosso progresso. Proferiu então a frase dor de bombo nem que desabe um pedaço
que há um século grita em todos os ouvi- do céu velho.
dos: “Ou o brasileiro extermina a formiga Azarado – Panema. Infeliz. Caipora.
ou a formiga extermina o brasileiro.” Sem sorte. Ando azarado mesmo, coma-
Avaluar – Avaliar. Diga que ele só dre. Urucubaca da miudinha. Só pé frio...
paga depois de avaluar os teréns da sogra. Peixe não pega na minha linha. Não dou
Aviado – Seringueiro que tem por sua uma frechada que acerte. Pirarucu só vive
conta, junto do dono do seringal, um certo caçoando comigo; funga na proa da mon-
número de homens. É um intermediário, taria que até parece desafio do Tinhoso,
O meu dicionário de cousas da Amazônia 31
com perdão de Deus. Tartaruga, então mas é com o corpo aberto. O padre me
nem se fala. Não boto vista numa cunha- aconselhou banho de cheiro, comadre,
mucu desde o putirum do major Agapito. com bastante pega-não-me-larga, maca-
Isso é mau olhado de homem, compadre. ca-poranga, casca preciosa, tajá-membe-
Você só vive querendo tomar mulher de- ca, cipó-catinga, priprioca, mucurucaá,
les... O resultado é esse. Soutrodia fuizi- pau-rosa, baunilha e cumaru.
nho arriscar os cobres de uma partida de Azucrinar – Importunar. Atormen-
cacau em Óbidos, num pipo disque do
tar. Que curumim pra azucrinar a gente.
Divino Espírito Santo, e, não lhe conto
Madrinha está doente, não azucrina ela.
nada, comadre, perdi tudo; era onde eu
Este tapuio só anda com história pra mi-
botava... os outros parceiros só paravam
contra mim, cochichando, rindo. O ban- nha banda, vivo azucrinada. Me deixe, seu
queiro, danado como uma onça, dizia Jerônimo, não me azucrine.
isto: vá se defumar primeiro, cunhado, Azulão – Fazenda grossa, azul, usada
senão você perde até a vergonha. É mes- pelos caboclos. Anda de calças de azulão.
mo, compadre. E arranje uma bendição Vai vestir tua saia de azulão que tem mui-
também. Vá com a Xica Engole-Cobra ta tiririca. Só azulão aguenta: é espinho
que ela espanta essa panemice. Você está muito...
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Balaio – Cesto raso de talas de pal- goma-elástica, por esse processo, no tem-
meira, de boca mais larga que o fundo, po de verão.
tecido caprichosamente colorido, onde Balsedo – Largas touças de plantas ar-
se guardam costuras, roupas, miudezas, bustivas ou gramíneas, criadas nos alaga-
cousas domésticas. Nas proximidades de diços, e que dão a impressão de flutuarem
Juruti, vila paraense, há um lago chamado quando a maré e o rio estão cheios. Lances
Balaio. de canarana emaranhada e que muitas ve-
Baldeação – Lavagem diária dos zes se deslocam em piriantãs rio abaixo.
“gaiolas” na Amazônia. Ao nascer do sol, Bamburral – Lugar encharcado,
com os criados botando a mesa do café, cheio de vegetação arbustiva, entremeado
os passageiros de 1a se acordam ao baru- de juquiris, tabocas e cipós, difícil de atra-
lho da guarnição estendendo a mangueira vessar.
d’água até uma tina de madeira. Leva ar- Banana – (Musa) Julgam-na origina-
riba! Grita o mestre. É o sinal para quem ria da Índia, tanto que já houve, na Ama-
está dormindo em rede, seja tripulante ou zônia, uma época chamada pelos historia-
não, sair dela e levantá-la na própria corda dores de pré-banânica, o que logo indica
do armador. E principia a baldeação com se tratar de um vegetal importado, trazido
grandes baques de conteúdos inteiros de talvez pelo índio. A terra oriental da Pla-
baldes d’água jogados com estrondo no nície, no entanto, lhe foi tão propícia, que
convés. O faroleiro espalha areia grossa e em parte nenhuma do globo ela medra
os “moços”, com o pé esquerdo sobre a vas- com tanta facilidade. Já o mesmo não
soura e o cabo na mão direita, principiam sucede no ocidente da Planície, perto das
nossas lindes fronteiriças, onde os tipos
a esfregar. Pelo ritmo bárbaro, de passadas
surgem mirrados, sem o perfume e o gosto
largas, parece uma dança selvagem. Isto
do baixo Amazonas. De banana faz-se pão,
vai, de proa a popa, até dez horas.
aguardente, sabão, vinho, cerveja, vinagre,
Balsa – Aglomerados de peles (bolas) tinta, papel, doce seco, em calda, além de
de borracha unidas umas às outras por lindas e sedosas rendas creme para chapéus
meio de finos cabos de arame. Desce dos e vestidos. Existem no vale a maçã, a inajá,
altos seringais quando o rio, seco, não per- a são-tomé, a chorona, a prata, a branca
mite o tráfego de lanchas e gaiolas. Baixa, e muitas outras. O tipo famoso, todavia,
ao sabor da corrente e empurrada a vare- é a pacova, banana comprida, a mais ino-
jão, até aos pontos em que encontra navio cente e rica em vitaminas. Madura, crua,
para transporte. É a mercadoria levando o é gostosa. Assada, passada, em calda, de
mercador. Os condutores vêm em cima, qualquer forma, enfim, é uma grande so-
trazendo a bagagem em sacos impermeá- bremesa. Não tem caroço e pode ser cor-
veis de seringa amarrados na boca. A via- tada em várias épocas, antes da maturação,
gem representa verdadeira odisseia. A balsa porque a seiva do cacho a faz conservar e
encalhada, engancha em paus, se desfaz a amarelecer. Ultimamente ficou provado
cada passo, obrigando a guarnição a passar isto, nos centros científicos mais adianta-
o dia dentro d’água. É um trabalho her- dos do mundo. Que a pacova verde, bem
cúleo do homem da Amazônia conduzir a verde, extremamente verde, substitui com
34 Raimundo Morais
limites do Brasil com o Peru, foi ele que a à popa, tem dois latinos e uma bujarrona.
determinou. Feita de madeira, cruza o estuário, nave-
Barata (Joaquim Cardoso de Maga- gando entre a contracosta (orla de Marajó
lhães) – Capitão do Exército. Atual inter- aberta para o mar) e a baía do Guajará. É
ventor do Estado do Pará. Figura de alto um excelente veleiro, em cujo leme o ca-
relevo entre os próceres revolucionários, boclo paraense afirma sempre as suas ine-
possui a coragem do leão auxiliada por xcedíveis qualidades de navegante. Quan-
uma fina e lúcida inteligência. Todo o seu do você chegou, minha xera? Ontem. Vim
governo no grande estado do Norte vem no barco do coronel Lobato. Foram duas
sendo moldado na mais absoluta honesti- panadas. Uma até o Mosteiro e outra até
dade e no vero desejo de ser justo, de acer- aqui, em Soure.
tar, de fazer bem à terra em que nasceu Baré – Tribo indígena que viveu nas
restaurando-lhe as prerrogativas, o prestí- redondezas do ponto em que se ergue hoje
gio moral e o crédito. Quando sente que a capital amazonense. Por isso muita gente
errou, através de qualquer ato público, re- chama para Manaus de Barelândia, e para
cua, emenda a mão com o mais louvável o ilustre e querido Dr. Silvério Néri de
e nobre dos gestos, implantando, assim, a velho baré. A verdade é que a raça baré,
confiança entre o povo, que de há muito através de todos os seus filhos, poetas, es-
o adora. Foi em sua companhia que outro critores, artistas, homens de ciência, revela
valente e querido, ilustre e modesto capi- qualidades de nobreza que engrandecem o
tão Aluísio Ferreira, também paraense e povo que ali se funde sob a claridade viva
atualmente chefe das linhas telegráficas de do Equador.
Mato Grosso, fez a revolução de 1924 no Barra – Saída de um porto. Barra pe-
Amazonas. Esses dois militares representa- rigosa. Barra franca. Barra aberta. Belém
ram, naqueles dias, a alma do movimento. tem três barras: Arrozal, Cutijuba e Cha-
Aluísio, então, foi destacado com rapidez péu Virado.
e brilho tão evidentes que não derramou Barranco – Terra na beira dos rios.
uma gota de sangue. Pano telúrico a prumo no porto das habi-
Baratas – (Blattes americaines) – Inse- tações. Atracar ao barranco. Pôr a prancha
tos ortópteros repugnantes que vivem nas no barranco. São expressões usadas a bor-
casas. A metamorfose da barata é demora- do dos “gaiolas” que sulcam o sistema hi-
da; leva quatro anos, segundo Maximino drográfico da Amazônia. Meter a proa no
Maciel. Só os machos voam. Na Amazô- barranco. Manobra que fazem as embar-
nia, além da barata comum, há a barata- cações para evitar que se arreie a montaria
branca e a barata-cascuda. O cheiro desses dos turcos. O navio crava a proa em terra,
corredores é enjoativo. Em geral o sujeito um marujo salta com o chicote do cabo na
albino, na Planície, é apelidado de barata mão, amarra-o numa árvore, e o gaiola fica
branca. Olha a cara daquele barata-branca: rapidamente atracado ao barranco.
tem medo de abrir os olhos. Barreiras – Manchas vermelhas, ama-
Barco – Nome por que é conhecida a relas, brancas, cinzentas, que se divisam
embarcação que conduz gado de Marajó. dos rios nas terras altas que marginam os
Pega de 50 a 100 reses, boca aberta, tolda caudais. Trechos da terra firme desnudos,
36 Raimundo Morais
chagados pela erosão das águas. Barreira doce, feculento. Cozida, é um alimento
do Cuçari, fronteira à ilha das Cuieiras, magnífico. Oriunda da Índia.
pouco acima de Monte Alegre. Barreira do Bate-boca – Discussão violenta.
Cararaucu, a jusante da boca de baixo do Polêmica azeda. Vão dormir, curumins,
Paraná da Capela. São amostras da quali- acabem com esse bate-boca. Por causa de
dade do solo por onde os sábios argutos um periquito tamanho bate-boca. Deixa
podem ter o índice da coluna geológica na de bate-boca, mana. Já vai para dias que
Planície. doutor Bernardinho bate boca com dou-
Barreiro – Lugar de terra salgada no tor Simplício no jornal para saberem dis-
seio da floresta às vezes no beiço dos barran- que que quanto deixou o pai do filho do
cos, à margem dos rios. Os bichos abrem Zebedeu para mãe do dito Zebedeu, que
o solo em concha e enchem-se da argila Deus haja.
salobra. Veem-se, numa democracia curio- Baticum – Pancada no coração. Pal-
sa, papagaios, antas, jabutis, pacas, veados, pitação acelerada. Gente, estou com um
periquitos, araras, mutuns, capivaras, fun- baticum da nossa morte. Às vezes me acor-
gando, bicando, mordendo, escavando a do de noite com um baticum no peito que
gleba, que fica com aspectos granulados. A parece botar minha alma pela boca.
esse ponto chamam “barreiros”. Em geral, Batelão – Barcaça de 3, 4, 5 e 10 to-
o fato sucede no alto Amazonas. Esta ob- neladas de deslocamento, em geral de boca
servação, no entanto, choca-se com o que aberta, própria para ser tirado a remo de
escreveu o ilustre John Branner na sua Ge- mão ou de faia. Usam-no também reboca-
ologia Elementar. Diz ele que o fenômeno do no costado das lanchas que trafegam no
Amazonas e seus afluentes. Os estaleiros
denominado “barreiro”, produto de uma
de Abaeté, Santarém, Óbidos e Uriximiná
formação de eflorescência, é característico
são famosos na construção de batelões de
das regiões áridas ou semi-áridas. Ora os
itaúba preta, madeira insubstituível nesse
“barreiros” amazônicos demoram em lu-
gênero de transporte.
gares onde chove quase todo o ano, não
Batuque – Dança de preto. Gente,
dando tempo a que um mineral solúvel,
onde é aquele batuque? Só sendo em casa
como é o sal, se cristalize. Entretanto o
de seus Malaquias. Batuque ali é pau que
cloreto de sódio no solo amazônico, úmi-
rola. O batuque veio evidentemente com
do, se bem enxuto, é abundante.
a gente do continente negro. É uma im-
Barrigada – Fartadela. Já me ri, meu portação da costa da África. Os navios ne-
bem. Tomei uma barrigada de riso. Nunca greiros que traziam o escravo, conduziam
vi um sujeito fazer tanta careta. A gente também o bicho-de-pé, a lenda, certos vo-
apanha verdadeiras barrigadas de riso. cábulos, muitas moléstias, e essa bárbara
Barulho – Briga. Rolo. O Chico só música chamada batuque.
anda fazendo barulho, homem. Você ain- Batuta – Valente. Ágil. Decidido.
da leva uma facada num barulho desses. Resistente. Aquele rapaz é batuta. Sujeito
Que sujeito barulhento! batuta. Oh! Bicho batuta, picou a voga
Batata-doce – (Batata edulis) – Planta desde a saída. Cabra batuta puxou a fieira
rasteira que dá um tubérculo amarelado, de ponta a ponta.
O meu dicionário de cousas da Amazônia 37
Beiju – Biscoito da Amazônia. Bolo ao dono, que por sua vez fingiu não dar
de fécula de mandioca. É uma das comi- grande importância ao achado. Eu sou
das regionais magníficas. O beijuaçu, fino ateu, graças a Deus, dizemos nós, batendo
como um disco, branco como a Lua, tor- no peito.
rado ao forno, com manteiga, supera qual- Besouros – (Coleópteros) – Insetos tri-
quer bolacha de água e sal das mais finas. turadores, providos de quatro asas. Negros,
Há ainda o beiju-panqueca, mais grosso e manchados de verde, vermelho e amarelo,
mais úmido, com a massa envolta em fo- cobrem-nos uma espécie de armadura de
lha de banana; o beiju-curuba, tendo adi- charão, rija, lustrosa. Têm chifres e pinças.
cionado a massa castanha de caju ralada; Roem as hortas e as roças; cortam paus, es-
o beijucica, muito fino, seco e torrado; o tragam tudo. O vôo de alguns produz um
beijumembeca, bolo mole. rumor característico, que parece o apito
Bem-te-vi – (Pitangus bellicosus) – grosso de “gaiola” ao longe. É navio, gen-
Pássaro de plumagem escura. Papo amare- te... Duvido... é besouro. São lindíssimos
lo e pescoço branco. Bico forte e compri- e numerosos. A espécie de escaravelhos
do. Vive perto das fazendas, dos sítios e até (Magasona) vive no monturo, nas fossas.
pomares das cidades. Ataca e persegue o O longicorne (Acrocinus longimanus) bebe
gavião no ar como o submarino persegue o o leite do caucho. Ali vem besouro, crian-
couraçado: agindo de forma que o grande çada...
rapace não o possa apanhar. Dá um grito Bexiga – Varíola. Entre o povo são co-
claro, sonoro, que diz assim: bem-te-vi! nhecidas várias espécies: a preta, a branca,
bem-te-vi! bem-te-vi! bem-te-vi! e a pele-de-lixa. Disque bexiga em Cametá
Benção – Bênção. Pede benção para está arrasando, meu mano? E é a pele-de-
os brancos, curumim. Benção, madrinha. lixa. Nunca vi tanta bexiga; isso é algum
Quero benção dos mais velhos. O Senhor pecado. Deus não dorme. Aqui se faz, aqui
Bispo, diz que, vai botar benção na fazen- se paga. Um bando de hereges, que não
da do compadre Malaquias. Pode ser que quer saber das imagens. Santo para eles é
visagem acabe lá, mas eu duvido. O fan- canja. Agora, aguentem. Vai tudo com a
tasma é mesmo a mulher dele. Quando ela bexiga. Que se peguem com os sabidos da
vira mula sem cabeça, guarda de baixo... cidade. Já fiz minha promessa para Nos-
Bentinho – Imagem ou oração cos- sa Senhora de Nazaré. Se a peste não der
turada dentro de pequeno saquitel de po- lá em casa vou acompanhar o círio a pé,
legada e que é trazido pendurado ao pes- levando um pote d’água na cabeça para
coço por um cordão. Espécie de amuleto distribuir pelo povo.
que defende dos inimigos e dos “amigos” Biboca – Habitação pequena. Lugar
também. Conta-se que um político para- apertado. Moradia acanhada. A casa, co-
ense, muito positivista, descrente de san- ronel, é uma biboca. Tanta gente numa
to e creio mesmo que de Deus, tomando biboca daquelas. O quartel é uma biboca.
banho a bordo de um “gaiola”, deixou o Eu não me acostumo em biboca.
bentinho, por esquecimento, no banheiro. Bichado – Cheio de bichos. Vocês já
O passageiro que o encontrou foi levá-lo, viram, minha gente, como o feijão está bi-
e, com muita ronha, entregou a imagem chado? Bem que eu disse que metesse logo
38 Raimundo Morais
na frasqueira, mas vocês, nem como cou- Bobo – Ridículo. Mas que homem
sa... Agora, está aí, feijão todo bichado. E bobo, comadre. Só vive dizendo besteira.
milho também, olha aqui. Quem é aquele sujeito bobo, que está fa-
Bicheira – Ferida em consequência lando? É o filho do André. Que mulher
da larva da mosca (Lucilia macellaria) de- boba aquela.
positada na costa de certos animais, prin- Boca – Foz do rio. Desaguadouro. Na
cipalmente do gado vacum. Já viram boi Amazônia, depois da boca da noite e da
Estrela, como está de bicheira? E a vaca boca do mundo, decerto maior e mais res-
laranja, também. Bicheira, aqui, é mato. peitável, a boca por excelência é a boca dos
Existem certos pajés na Amazônia que rios. Existe na floresta, a boca da estrada;
curam a bicheira do gado pelo rasto do a bordo, a boca da embarcação; a boca do
animal. Fazem uma cruz no ar, na direção fogo, a boca-de-lobo, mas nenhuma tão
em que o bicho se encontra, rezam certa expressiva e capaz de engolir tudo e mais
oração, e pronto. Daí a dias a ferida sara... alguma cousa como a boca do Amazonas,
do Tocantins, do Tapajós, do Madeira, do
Bicudo – Nome por que os caboclos
Negro.
chamam o português.
Bochecho – ato de bochechar. Porção
Bigodes – Frisos d’água que as em-
de líquido que pode caber na boca. Faça
barcações produzem à proa, quando na-
um bochecho de malva que a inflamação
vegam. Deslocamentos da toalha líquida
desaparece.
em virtude da velocidade do navio. Quem
Bocó – Palerma. Sujeito de boca
olha do alto do castelo de vante para bai-
aberta. Cretino. Credo, que bocó! Você
xo, em direção ao talhamar, vê aqueles
já viu, compadre Cornélio, como é bocó
dois rolos de espuma que se apartam das
o sobrinho do coronel Seca Pimenteira.
bochechas da nave como se fossem os bi-
Não havia de ser outra cousa. Até parece
godes dalgum monstro marinho. arte do pai do filho do Zebedeu, que Deus
Biribá – (Rollinia, aff. ortopetala) – não me castigue. Ele vai estudar pra mé-
Árvore de porte regular. O fruto, pouco dico disquê. Na minha casa é que ele não
maior que uma laranja, amarelo-esverde- entra, com perdão de São Lucas, que é o
ado, é cheio de bicos na casca. A polpa padroeiro desses doutores. Receita daquele
branca, gomosa, é doce, vagamente ácida bocó, você vai vê, é pá, casca: sete palmos
e saborosa. Silvestre. de terra com ele. Sempre de boca aberta e
Bisca – Pessoa que tem pequeninos dizendo tanta besteira que até parece que
defeitos, falhas de caráter. Aquilo é uma não foi batizado.
boa bisca, madrinha. Enquanto meu pai Bogari – (Jasminum sambac) – Planta
foi chefe político ela não saía daqui. Ago- trepadeira, de flores perfumadas e brancas.
ra, diz que não conhece mais a gente. O Boi – Cordão. Boi-bumba. Certo
promotor é outra bisca, não bota defeito número de homens e mulheres que, pelo
em Jesus Cristo porque ainda não teve oca- tempo de São João, anda fazendo dançar o
sião. Não há quem preste para ele. Bom, boi. Há o “boi-canário”, o “boi-laranja”, o
mesmo, aqui na vila, só ele, mulher dele, “boi-estrela”. E, por ampliação, a “ema”, o
filha dele, curumim dele, cunhatã dele. “pavão”, a “garça”. É um velho divertimen-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 39
ponto em que se acha. Muito menos por nia Latreillei e a Castnia Icarus, crepuscu-
ter sido a comarca, no Amazonas, maior lares, são formas de transição entre os le-
número de vezes rebaixada e maior núme- pidópteros diurnos e noturnos. A Phalona
ro de vezes reintegrada no seu privilégio. Atlas, cujas lagartas vivem nas laranjeiras,
Ainda não figura neste “dicionário” por ter ainda consoante Wappaeus, dá um fio de
sido fundada pessoalmente por Francisco seda forte e brilhante. Entre as borboletas
Xavier Furtado de Mendonça, então go- diurnas, crepusculares e noturnas é fácil
vernador da Capitania do Grão-Pará, em fazer a distinção: as da primeira espécie,
1756; mas, exclusivamente, por ter sido quando pousadas, mantêm as asas ergui-
ali que o Marquês de Pombal, então mi- das, verticais; as da segunda e terceira,
nistro de D. José, deu o primeiro golpe na também quando pousadas, mantêm as
Companhia de Jesus, apeando os dois mis- asas caídas, horizontais. A Amazônia é o
sionários alemães que ali dirigiam a cate- paraíso das borboletas.
quese, levantando o pelourinho, símbolo Boré – Instrumento de madeira, pou-
das garantias municipais; e nomeando um co mais grosso que um clarinete, usado
oficial da milícia para dirigir os negócios pelos índios. Clarim guerreiro. De som
públicos. esquisito e singular, não é corneta, nem
Borboleta – (Lepidóptero) – A fauna trompa, nem trombeta... é boré mesmo.
entomológica da Planície é variada. Ba- Boró – Bilhete de bonde que circula-
tes registrou no Amazonas, segundo Wa- va em Belém como dinheiro. Tinha aceita-
ppaeus, 550 qualidades, “e durante uma ção tal qual uma cédula do Tesouro. Pas-
pequena excursão de 10 minutos colheu sa dali um boró, coronel. Estou sem um
em certo lugar 18 espécies de Papillo”. boró. Boró anda vasqueiro como todos os
Aquele naturalista, que viveu 10 anos em diabos.
Tefé, estudou os insetos no vale como Bota – Cousa embrulhada. Encrenca.
Agassiz estudou os peixes. Diz ele que Mas que bota é essa? Aquilo é uma bota.
há zonas especiais para certos gêneros. A Quero só ver quem descalça esta bota. É
diurna, Papillo, Bates coloca em três regi- uma confusão de todos os diabos. Já fa-
ões. A primeira, alto Amazonas; a segunda lei com o vigário, com o promotor, com
baixo Amazonas; e a terceira estuário. Esta o agente do correio, com o coronel, e nin-
geografia, o sábio atribui a modificações guém dá volta. Bota danada!
climáticas, tão ligeiras que escapam a nos- Brabo – Seringueiro novato, que aca-
sa observação. Nas cercanias de Belém, na ba de chegar do Nordeste. Sem conhecer
área de uma légua, Bates encontrou 700 a região, é completamente cego. Carece
espécies de borboletas. Emigraram em pelo menos de um ano para se adaptar à
bandos à luz do sol. Entre as maiores diur- ambiência. Ainda assim, mesmo depois
nas ele assinalou a Macraglossa annulosa, de integrado e identificado aparentemente
que se confunde com o beija-flor na busca ao meio, jamais alcança aqueles atributos
das essências. Entre as noturnas registrou sutis e extraordinários do caboclo, que
a Noctua Stryx, que não é só a maior da distingue os mais contraditórios rumores,
Amazônia, mas a maior do Brasil, e que se os mais suaves perfumes, as mais delicadas
confunde no voo com o morcego. A Cast- nuanças na hileia. Pela folhagem, pelas flo-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 41
res, pelo rastro, pelos frutos, pelos alísios, o Sul do Brasil, observou que as folhas da
pelos rios, pelas estrelas, pelos assobios, ele bromélia compõem um curioso vaso verde,
tem o sentido exato das estações, dos me- no qual se acha a mais esquisita multidão
ses, dos dias, das horas. O seu grande ca- de formas animais. Alguns desses bichos
lendário é a natureza, em cujo seio, como ali se encontram de passagem, como ver-
nas folhas de um livro, ele soletra os maio- mes, crustáceos, insetos, batráquios e co-
res enigmas da Amazônia. Fenômenos que bras. Certas espécies vivem lá, em estado
escapam aos sábios, são anunciados ao ca- larvário, saindo depois da metamorfose.
boclo pelo seu almanaque ao ar livre, e que Estas revelações, decerto, são interessan-
lhe transmite as informações da flora e da tes. Muito mais interessantes, porém, foi
fauna, dos ventos e dos astros, da terra e a descoberta feita por Fritz Muller no vaso
das águas, dos homens e dos bichos, por aéreo da bromélia. Ali vive uma conchinha
maneiras tão especiais, que ninguém senão bivalva, o Edpidium Bromeliarum, fóssil
ele as interpreta. O “brabo”, coitado, tro- noutra parte, semelhante ao Elpe pinguis,
cando uma zona calcinada, ardente, por assinalado por Barrande, na Boêmia. Se
uma planície virente e úmida, vê, ouve, bem que cinco vezes menor, é uma cópia
cheira, palpa e não percebe nada. fiel deste. O curioso, todavia, é que esse
Braça – Medida usada nos prumos ostracode não podendo emigrar da bro-
de bordo dos “gaiolas”. A linha é dividi- mélia, e muito menos da árvore em que
da em braças. A primeira braça é marca- esta se encontra, projeta suas colônias por
da por um tolete transversal de madeira, toda a mata. Como? Na costa dos animais
de maneira a ficar bem à vista do marujo que visitam a bromélia. É provável, diz
que sonda na borda. Cinco braças! Quatro Fritz Muller, que a concha, como a bro-
braças! Três braças! Duas braças! Braça e mélia, floresça em todo o Brasil. Teremos
meia! Uma folgada! Uma, na marca! Uma na Amazônia, onde a planta em questão
escassa! A embarcação, nesta voz, vai com é abundante, o Elpidium Bromeliarum
a quilha roçando o álveo, porque a média segundo Fritz Muller? É o que se precisa
do calado dos “gaiolas” é uma braça, qua- ver. Será pitoresco encontrar, trepada nos
se seis pés. Alguns demandam mais água, galhos das árvores da Planície, depois de
outros menos. desaparecida dos mares brasileiros, uma
Branca – Cachaça. Também chamam concha que se transmudou da água salga-
branquinha. da para a água doce; que emigrou do ocea-
Brochar – Espancar. Este sujeito vive no para a selva; que subiu da vastidão azul
aqui bancando o valente. Está procurando do Atlântico para um vaso aéreo e verde da
ser brochado. O José vai brochar o pai do hileia em misteriosa surtida.
filho do Zebedeu. Foi uma encrenca da Bubuia – Boiando, flutuando sobre-
nossa morte. nadando. Árvore, canoa, corpo que fica
Bromeliáceas – Família de plantas à flor d’água. Aquela ilha de canarana,
que tem por tipo o ananás. Há várias espé- cunhado, como vai de bubuia. É uma be-
cies que medram nos galhos e forquilhas leza. E aquele tronco, também de bubuia,
das árvores em plena floresta. Fritz Muller, cheio de marrecas. Hoje, pelas matinas,
o naturalista alemão que viveu estudando maria-já-é-dia ainda estava anunciando o
42 Raimundo Morais
sol, passaram de bubuia muitas peles (bo- Buçu – (Manicaria saccifera) – Pal-
las) de borracha. Aquilo é batelão de boli- meira de folhas semelhantes às da bana-
viano que virou na cachoeira do Inferno. neira (musa). É a melhor palha para cobrir
Ou então do porto, que quebrou, do major casas, quer pela durabilidade, que atinge
Guaramiranga. Água ’stavazinho comendo 15 anos, quer pela facilidade de manejar,
lá toda beirada. Seringa no terreiro dele era quer, ainda, pelo tamanho da palma. O
mato. Cada pele deste tamanho. seu habitat predileto é o estuário da Ama-
Bucha – Logro. Que bucha é esta, zônia, principalmente nos arquipélagos
compadre? Negócio com teque-teque. conhecidos como ilhas de dentro e ilhas
Que bucha! Turco, foi o turco. Ele disse de fora. Entre esta grande área e o baixo
que não ganhava nada pra mim e só ago- Amazonas, Prainha, Monte Alegre, San-
ra eu vejo que fui embrulhado. Levei uma tarém, há um vasto comércio de palha de
bucha dos diabos. Não vá comprar bonde, buçu. Barcos a vela, carregados do artigo,
compadre. Turco não é gente. Você sabe o sobem o caudal e vão distribuindo com os
que me disseram? Que na capital da terra fazendeiros que a adquirem, para teto e
deles, atravessando a cidade, tem um bur- parede, não só de grandes vivendas, como
ro corno de ouro. Mentira? Não, comadre. de retiros pastoris nos campos. Este negó-
É um igarapé que atravessa Constantino- cio entre os dois pontos do vale é a melhor
pla chamada, com perdão das pessoas mais prova de que o buçu, abundantíssimo na
velhas, Corno de Ouro. Turco tem olho foz do Amazonas, é raro para o montante.
aberto que parece gaivota. Mulher dele, Buraçanga – Cacete cilíndrico com
lá na Turquia, era só de cara tapada para que as lavadeiras batem roupa. Também
ninguém cobiçar. E você já viu como está usado para separar o caroço do capulho do
aparecendo turco outra vez? No tempo da algodão.
guerra era só libanês e sírio. Mas eu co- Burrada – Asneira. Tolice. Fiz uma
nheço alguns bons, que até parecem turco burrada do tamanho de um bonde. O Ar-
de navio; içam a gente na amizade. Agora tur anda fazendo burrada. Que burrada,
isso! Só se já foram batizados. gente!
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Caeira – Fábrica de cal. Casa com nho. Um dia destes perdeu a ceroula, coi-
fornos onde se queimam as carapaças de tadinho. Abra olho, comadre, que isso não
moluscos dos sambaquis para transformá- é bicho. Bote sentido no coronel. Olhe
las em cal. Na Amazônia chamam a esses que perder a ceroula... Aí há outra cousa...
despojos da cozinha do índio, matéria- Ou jacaré ou raposa...
prima de cal, de mina de sernambi. Os Caiporismo – Desdita, falta de sorte,
sábios, no entanto, chamam-no de sam- azar.
baqui. Tanto um vocábulo como o outro Cairé – Lua cheia, segundo Couto de
provêm do tupi. Magalhães, etnólogo, folclorista, sertanis-
Caiçara – Manga do curral de gado ta, enfronhado nas lendas e teogonias do
feita com achas de madeira, esteios e que aborígine, é subdivindade autóctone. Tem
liga, em geral, o próprio curral à margem por fim despertar a saudade no amante au-
onde as reses são embarcadas para os mer- sente, levar o espírito do apaixonado para
cados consumidores. Estacada triangular junto do ente querido.
onde se prendem os rebanhos vacuns. Caititi – L. G. Lua nova.
Caiçuma – Papa feita com tucupi Caititu – (Dicotyles torquatus) – É um
engrossado com farinha, cará ou fécula de porco-do-mato menor que o queixada.
qualquer tubérculo. Como caça sua carne é mais delicada que
Caído – Namorado. Rendido. Você já a deste.
viu, minha xera, como o Juvêncio está caí- Caixão – Fundo do rio. Termo por
do pro lado da Josefina? Ficou caído desde que é designado o álveo. Quando o caudal
a noite em que ele fez quarto pro finado atinge o seu mínimo volume diz-se que
Mirandolino. Namoraram-se nessa noi- o rio está no caixão, seco, inavegável. O
te, junto do caixão do pobre... Desde ali Acre, este ano, ficou no caixão, compadre.
que ele ficou caído. Credo, cadáver ainda Até parece o Ceará, minha gente. Desce o
quente. Isso é pecado. E grande. A gente barranco para ir buscar água lá embaixo, é
deve respeitar ao menos a presença do de- um pau com formiga.
funto. Corpo tá duro, mas a alma vigia, vê Calangro – (Tropidurus torquatus)
tudo. Que juízo, o finado não haverá de – Lagarto verde-cinza que anda pelos jar-
ficar fazendo mulher... dins.
Caipora – Azarento, infeliz no jogo, Calombo – Inchaço em forma de
sem sorte. José Veríssimo julgava esta pala- bola. Protuberância na pele. Manifestação
vra derivante de “Caapora”, divindade sel- de tumor. Nasceu um calombo no coronel,
vagem que tem a forma de porco. Nunca aqui na testa, lá nele, que ninguém sabe
vi, compadre, sujeito mais caipora que o o que é. Há dias já que aquilo apareceu é
coronel Berimbau. No jogo do bicho, en- nem pra trás nem pra diante. Seu Inácio,
tão, é quanto o ferreiro faça, levou cercan- da botica, diz que é tumor, mas pra mim,
do o jacaré um ano. Nada do bicho. Até é feitiço. Pobre homem, já nem pode botar
que ele o abandonou. Pois bem, no mes- o chapéu dele.
mo dia em que o homem cercou o veado, Camaleão – (Polychrus) – Lagarto
bumba! Jacaré. É da miudinha, comadre. grande, verde, que vive no galho das arvo-
Perde tudo na rua, chapéu, gravata, colari- res, confundido com a folhagem. Muda de
46 Raimundo Morais
cor à aproximação do inimigo, homem ou piranhas e dos jacarés. A bordo dos “gaiolas”
bicho. O mimetismo defende-o, tal a se- que sobem o rio, rumo dos altos afluentes,
melhança que ele tem com a casca do pau, abarrotados de cargas, há uma expressão
com o feitio dos ramos, com o ângulo das que se prende às gramíneas em questão: é
forquilhas. cortar capim. Como esses navios recebem
Cambada – Enfiada de peixes num para rancho 20, 30 reses nas fazendas do
cipó ou envira. Cambada de pacus, de ja- baixo Amazonas, é necessário dar-lhes dia-
raquis, de piramutabas, de mandis. Quan- riamente rações de capim fresco, a que eles
to custa essa cambada? Também usa-se no estão acostumados. Por isso os “gaiolas” pa-
sentido figurado, como termo pejorativo. ram todos os dias a fim de cortar capim,
Aquela gente não presta, é uma cambada. que é a canarana. Até que, numa certa al-
Cambeua – Peixe do mato parecido tura dos rios, ela desaparece. O capim que
ao tamuatá. Também se chama cambeua se vê, então, é o mori, que mata a canarana,
aos chifres cujas pontas estão voltadas para extingue-a nos lugares onde ela viça e do-
baixo e a tudo que é retorcido e torto. mina. O gado dificilmente o come por ser
Cametá - De parte a glória de ter sido amargo e agente de disenterias. Cortam-se,
o berço de homens eminentes, de ser a pá- por isso, as folhas da embaúba e da taboca,
tria aviú e o país dos maparás, Cametá abundantes na orla ribeirinha. O boi gosta
é celebre pela resistência que ofereceu aos desses alimentos.
rebeldes no tempo da cabanagem. Não se Candeia – Vaso de barro ou folha-de-
rendeu ao sítio nem ao assalto. Devia ser flandres, com pavio de algodão, alimenta-
condecorada, à semelhança com as cida- do a azeite de andiroba. Em geral as mu-
des da Europa, que resistem ao assédio e lheres da Planície iluminam os oratórios
ao ataque inimigo. Como foi, por exem- com uma candeia muito simples. Deitam
plo, Leyde nos Países-Baixos, que heroica- água nem pequeno copo ou tigela de bar-
mente se bateu e triunfou das investidas ro, faltando três dedos para encher, e com-
espanholas. Cidade paraense às margens pletam o conteúdo com azeite de andiro-
esquerda do rio Tocantins. ba, que não só flutua como não se mistura
Camotim – Vaso de argila em que o com a água. Colocam, então, sobre o azei-
índio enterrava os defuntos. Na ilha de te, uma rodinha de cortiça com um pavio
Marajó há uma necrópole selvagem, no ao centro e acendem-no. Dá uma chama
município da Cachoeira, chamada Ca- pequena e mortiça durante a noite. É a
motim, de onde os naturalistas exumaram “luz do santo”.
centenas de ossadas humanas enterradas Cândido Mariano Rondon – Ge-
nesses potes funerários. neral brasileiro. O maior bandeirante
Canarana – (Panicum spectabile, Ness) nacional. Devassa os nossos sertões com
– Gramínea aquática que orla as margens indiferença e rapidez. As suas expedições
do Amazonas, os lagos, os igarapés. É o ca- pela hinterlândia passaram a ser cousas
pim mais apreciado pelo gado da planície. comuns, por mais arriscados que sejam
O boi e a vaca deixam qualquer gramínea os trechos percorridos, tal a confiança que
em terra para, enterrados n’água, comerem ele inspira. A sua travessia do noroeste
a canarana. Ali são muitas vezes vítimas das brasileiro, as suas pesquisas no vale do rio
O meu dicionário de cousas da Amazônia 47
Branco, renteando linhas divisórias com a nha que não há meio de tirar. Veste uma
Venezuela e a Guiana Inglesa, a sua des- calcinha no banho, Joaninha. Olha que
coberta do Eldorado dos naturalistas, nas tem muito candiru no porto...
cabeceiras do Trombetas e Cuminã, a sua Canelas – Pernas. Aquilo é uma siri-
batida pelos platôs goianos baixando pelo gaita. Só vive mostrando as canelas. Credo!
Tocantins, são viagens tão perigosas como Que canelas finas. Palito não pega. Você
as da África e da Ásia no reino das feras. está com as canelas de fora, comadre. Ele
Entretanto Rondon as faz com elegância só vive espiando as canelas da mulher do
de quem não teme segredo nas florestas, major. Se ao menos fossem grossas...
nem sigilo nas cachoeiras, nem mistério Cangote – Região occipital. Cogote.
nas águas. Conhecido por mareante das Cangote cheiroso. Cangote de touro. O
selvas, a sua inteligência de rara argúcia, a cangote do Mirandolino está bom para
sua cultura de polarizada erudição, sobre- umas farpas, hein?
tudo nos assuntos de naturalista, dão-lhe Caniço – Varinha flexível, descascada,
um alto e inconfundível relevo no exér- com uma linha, que termina em anzol, nas
cito. Nenhum brasileiro de boa fé, justo, extremidades mais delgadas. É destinada à
consciente da verdade, poderá negar ao pesca de peixes miúdos. Usam também
insigne General Rondon o privilégio de no sentido figurado, para assinalar pessoas
maior sertanista nacional, de palmilhador magras. Comadre Borborema está que é
glorioso de toda sua pátria através de er- um caniço. Aquilo é de tanto estudar di-
mos platôs, de ínvios recantos, de largas reito, fazer leses e escrever sentenças.
planícies, de perigosas travessias. A hin- Canjica – Papa de milho verde rala-
terlândia quase impenetrável, desde a ilha do e cozido com leite, açúcar, sal e canela.
ribeirinha aos cimos que ostentam o divor- Fica mais saborosa quando se adiciona o
tium aquarium, guarda-lhe a marca atre- leite de castanha-do-pará ou coco. Prato
vida e serena das botas. Seus raids memo- obrigado nas mesas da Planície pelo Na-
ráveis valem por silenciosas batalhas com tal e pelo São João. Vai comer uma canjica
a água, com a floresta, com a terra hostil. lá em casa, cunhado, depois da missa do
É sempre comovido que eu lhe registro galo, sim?
a obra de epopeia e o nome glorioso, tão Canto – Esquina. Eu vi o seu José no
glorioso agora como insubstituível quando canto da rua João Alfredo com a Frutu-
ele cerrar o ciclo aureolado de sua fecunda oso Guimarães. Quem era que estava ali
passagem pela Terra. Infelizmente, no Bra- no canto?
sil, nós somente sagramos as figuras depois Capado – Porco castrado. Sujeito
de mortas. Antes disso temos o prazer de gordo. Credo, gente, como ficou major
diminuí-las e até de martirizá-las. Jeremias? Parece um capado. Toutiço dele
Candiru – (Cetopsis) – Peixinho do é só banha. Tem cada prega que parece
tamanho do dedo grande, voraz, que vive rosca. Dizem que foi batatão, que ele
em grupos, devorando tudo nas beiradas. tomou? Nada disso, meu bem. Aquilo é
É perigoso porque entra em qualquer ori- consequência da “saúde da mulher”. Três
fício do corpo humano, matando muitas vidros puseram Jeremias como uma bola;
vezes a vítima. Candiru entrou no Juqui- capado não pega.
48 Raimundo Morais
gostam da gordura em molho, pimenta- menor golpe que ele dá é a grande massa
de-cheiro, sal e limão com que comem-lhe compacta que o vibra. Quando o animal
as unhas cozidas. Mas o caranguejo é tão agarra, corta, ou fura, fá-lo com toda a
interessante, que não me privarei de trans- força que tem, porque a sua grande ener-
crever, em seguida a esta papeleta, o que gia chega até a extremidade de todas as
dele disse, no seu pitoresco livro As praias suas armas. Tem dois cérebros (cabeça e
de Portugal, Ramalho Ortigão. tronco); mas para se resumir, para obter
“Entre os crustáceos, uma espécie to- essa terrível centralização, como se ar-
mada como um símbolo de retrocesso por ranja ele? Arranja-se sem pescoço, tem a
aquelas que ainda imaginam que ela anda cabeça no ventre. Maravilhosa simplifica-
às recuas – o caranguejo, o forte e prestan- ção. A cabeça reúne assim acumulados os
te caranguejo encarregado do importante olhos, as antenas, as tenazes e as maxilas.
serviço sanitário da limpeza das praias, Logo que os olhos penetrantes veem, as
representada pela sua configuração e pela antenas palpam, as tenazes comprimem,
sua estrutura, a mais sólida, a mais pode- as maxilas despedaçam, e, pelo lado de
rosa, a mais terrível máquina de guerra traz, sem mais intermediário, está o es-
que se tem inventado. Ao pé dessa fortale- tômago, perfeita máquina de moer, que
za ambulante, a força do homem armado, tritura e dissolve. Num relance, tudo está
coberto d’aço até os dentes, não é mais que consumado: a presa desapareceu; ficou
irrisão e miséria. digerida. Tudo é superior no crustáceo.
“Devemos agradecer a natureza, diz Os olhos veem para diante e para trás.
Michelet, o ter feito os decápodes tão Convexos, exteriores, facetados, abran-
pequenos. De outro modo quem poderia gem uma grande parte do horizonte. As
combatê-los? Nenhuma arma de fogo os pinças ou as antenas, órgãos de indaga-
morderia. O elefante teria de se escon- ção e de aviso, de tríplice experimentação
der. O tigre teria de trepar às árvores. O têm na extremidade o tato e na base o
próprio rinoceronte não teria segura a ouvido e o olfato. Vantagem imensa que
sua pele tão rija e tão impenetrável. A nós não logramos. O que não seria a mão
esbelta elegância do homem”, continua o humana se farejasse, se ouvisse! Em que
grande escritor, “a sua forma longitudi- conjunto e com que rapidez faríamos en-
nal, dividida em três partes, com quatro tão as nossas observações! A impressão,
grandes apêndices, divergente, arredados dispersa pelo contrário entre três sentidos
do centro, fazem dele, por mais que se diferentes, que trabalha separadamente, é
diga em contrário, um ente fraquíssimo. por esse fato inexata ou fugitiva. No de-
Nas armaduras dos guerreiros, os gran- cápode, que tem dez pés, seis deles são
des braços telegráficos, as pesadas pernas ao mesmo tempo mãos, tenazes e ainda
pendentes, dão uma triste impressão de órgão da respiração. Assim, por via de
uma criatura descentralizada, impotente, um expediente revolucionário, resolve
cambaleante, prestes a tombar ao pri- este guerreiro o problema que tanto afli-
meiro encontro. No crustáceo, pelo con- ge o pobre molusco: ‘respira apesar da
trário, os apêndices ligam-se tão junto à concha’. A isto, o decápode responde:
massa redonda, curta, atarracada, que o ‘Pois eu respirarei pelo pé, pela mão. Este
O meu dicionário de cousas da Amazônia 51
e sobre a das grutas do rio Maracá. Quem que se não limitam a sua especialidade, vê-
fez a exumação da louça marajoara que lhe se Martius, como um iluminado, versando
estudou, a conselho de Ferreira Pena, foi o todos os assuntos: hidrografia, etnografia,
seu então ajudante Orville A. Derby. Este- geologia, meteorologia, zoologia. Foi com-
ve duas vezes na Amazônia. Na primeira, panheiro de Spix, outro bávaro, nesta pere-
disse que os sambaquis eram fenômenos grinação à Planície, como Bonpland o foi
naturais da vaga, da corrente, e da força de Humboldt. Galgou as serras do Parana-
eólica. Na segunda, mais esclarecido, dis- coara, da Velha Pobre e do Almeirim. Von
se a verdade, isto é, que eram despojos da Martius e João Batista Spix, que perlustra-
cozinha aborígine. Chefiou uma comissão ram a Amazônia com tanto brilho, vieram
geológica a fim de restabelecer a teoria de com outros homens de ciência comissiona-
Agassiz, abalada por Orton apoiado por dos pelo rei da Baviera, Maximiliano José,
Darwin e Haeckel, que impugnou o perío- na comitiva da Arquiduquesa Maria Leo-
do glacial no Equador. Fizeram parte dessa poldina da Áustria, quando se casou com
expedição, além de outros, John Branner, D. Pedro I, imperador do Brasil.
Rathbun, Herbert Smith e Orville A. Der-
Carlos Maria de la Condamine –
by, todos apaixonados discípulos do gran-
Francês. Militar quando jovem. Desceu a
de suíço, mas que tiveram que se render à
planície em missão da Academia de Ciên-
evidência: a formação da planície não pro-
cia de Paris para medir um arco do Equa-
veio de geleiras nem foi consequência de
dor. Esse trabalho objetivava determinar,
um drift. Em todo este desmoronamento
com outras medidas tiradas de um polo a
da teoria do gigante sabem com o que Or-
outro, a figura exata da Terra. Depois de
ton botou abaixo? Com uma simples fieira
fossilizada de conchas marinhas encontra- haver passado seis meses no deserto de
das entre argilas, nas barrancas de Pebas, Tarqui, Peru, desceu até Belém numa via-
Peru. Tanto Hartt, como seus companhei- gem dramática, na qual perdeu o médico
ros, depois de largas pesquisas, voltaram da expedição após um levante em Cuencas
certo de que Agassiz errara. consequência de libertinagem. O seu Diá-
Carlos Frederico Philippe Von Mar- rio é a interessante revelação de um obser-
tius – Bávaro. Botânico mais eminente vador ágil e profundo. Nessas páginas ele
do mundo. Tão carinhoso com as plantas pretende provar a existência das amazonas
que era conhecido no vale amazônico por brasileiras, se bem que, do mesmo passo,
“amigo das palmeiras”. Apesar da sua feição se julgue aí que o Eldorado de Manoa
científica, e pois recortada na verdade da provenha apenas do metal que os índios
História Natural, dividiu mitologicamente possuíam em pepitas e folhetas. Manoa e
o Brasil em cinco zonas botânicas: a das Manaus, diz o sábio, devem ser a mesma
Hamadríades, a das Oreades, a das Napees, cousa. Dourado e ouro também.
e das Dríades e a das Náiades. A Amazônia Carnegão – Matéria endurecida dos
ficou enquadrada nesta última, certo por tumores, furúnculos, nascidas. Doutor já
causa de suas águas, de seus rios, de seus la- rasgou postema do coronel, mas carnegão
gos, de seus furos, de seus igarapés. E como tá duro, não sai. Matéria saiu toda, meu
aqui os naturalistas são como os médicos, bem, mas carnegão, quem disse...
54 Raimundo Morais
pregueados ao comprido como se fossem usam como remoque. Ora vá se catar, seu
encarquilhados em um tom claro, tem a anta. Vá se catar, sua lambisgoia.
forma de um cone truncado e não despen- Catatau – Embrulho. Consequência
ca ao ficar maduro, passando o ano no res- de intriga, de mexerico, de fuxico. Tu me
pectivo galho. Do ouriço só cai o tampo, armaste um catatau com o coronel que eu
aberto na face mais larga, que é a de baixo, mesmo não sei como sair dele. Que cata-
quando então desabam as nozes, que não tau é este? Gente, vocês me meteram em
têm grande consistência. As amêndoas, cada catatau.
apesar de magníficas, não possuem tanto Cateretê – L. G. Dança religiosa dos
óleo quando então desabam as nozes, que selvagens. Festa dos índios, por motivo de
não têm grande consistência. As amêndo- vitória guerreira ou ritual da tribo, em que
as, apesar de magníficas, não possuem tan- a dança predomina ao som do carimbó e
to óleo quanto as da bertholletia. Além dis- no passo bárbaro, sem ritmo, duma coreo-
so, o fato do ouriço se abrir na árvore, na grafia mais feroz que alegre.
época da maturação, dá motivo aos mor- Catinga – Cheiro desagradável exa-
cegos, araras e macacos comerem as frutas, lado pelo sovaco do mulato, do preto, e
evitando, assim, a disseminação da semen- que se parece muito com o do bode, da
te. Eis a razão por que a castanha-sapucaia cigana, do jacaré. Que preto pra catingar,
é muito mais rara que a chamada do Pará, seu coronel. É verdade. Mas não fica na
e, pois, menos comercial. Entretanto, os frente daquele mulato que tem pretensões
seus ouriços guardam elementos medici- a branco. Aquele bicho fede tanto, meu
coração, que das ninhadas de pinto, quan-
nais altamente apreciados na farmacopeia
do passam junto dele, não escapa um.
doméstica. Basta para isso que se os encha
Catu – L. G. Bom. Boa.
d’água durante 24 horas e logo essa adqui-
re propriedades miraculosas contra certas Cauim – L. G. Vinho. Aguardente.
moléstias. Bebida fermentada.
Cauré – (Falco albigularis) – Ave de
Catapora – L. G. Afogueamento. Fogo
rapina do tamanho de uma pomba juri-
interno. Febre eruptiva. Bexiga de galinha.
ti. Apesar, no entanto, de parecer com o
Varicela. Curumins e cunhantãs em S. Be-
gavião de menor vulto na planície equato-
nedito, na costa de cima (Óbidos), estão
rial, não deixa de ser mais atrevido e peri-
todos caídos com catapora, me disse coma-
goso. É tido pelo povo como símbolo da
dre Mirandolina. Foi vapor que trouxe de felicidade doméstica. Num voo arranja o
baixo. Ia tanto brabo a bordo, fazia pena. que necessita; traz no bico, para casa, as
No embarque do gado, curumim abelhudo cousas que seduzem; da noite para o dia
foi a bordo pegou moléstia. o ninho cresce-lhe encantadamente. Tudo
Catar – Tirar piolho. Costume das lhe cai nas garras, repete Goeldi, sem tra-
mulheres roceiras, nas horas calmas do balho algum. Ataca os pássaros grandes. O
dia. Uma deita no colo da outra. E a que maguari e o mutum sofrem as investidas.
fica sentada abre o cabelo comprido da As galinhas têm-lhe verdadeiro pavor. A
deitada e vai tirando lêndeas e piolhos. lenda de que seu ninho dá sorte, faz com
Você quer me catar, minha xera? Também que se venda, a retalho, nos mercados de
O meu dicionário de cousas da Amazônia 57
poração da água da terra ensopada, verda- justificar o seu registro nesta nota, esteve
deiros nevoeiros. Esta é comum assim que nos Andes, ciclópica muralha que fecha o
o rio principia a vazar. imenso vale pelo ocidente. Transpôs a cor-
Cerrado – Sem caminho. Mato fe- dilheira duas vezes, descrevendo, na sua
chado, difícil de transpor. Vamos pela Viagem dum naturalista em volta do mun-
direita, coração, que por ali está cerrado. do, o rolar das pedras, no torvelinho das
Gente, como ficou cerrado isto! Não faz águas, pela encosta daquelas montanhas
muito tempo que eu andei por aqui de fa- abaixo. E o fez com tal emoção, que essas
cão. Mato não respeita... páginas parecem de um poeta assustado
César Santos – Tratando da vida ama- com o fenômeno. Pelo sul patrício visitou
zônica, desde o oriente da Planície até aos o Rio. E pelo norte Bahia e Pernambuco.
contrafortes andinos, não se pode esque- Ao desembarcar em Olinda, já no regresso
cer, mesmo que a visada seja em conjunto, do Beagle, tentou aí atravessar um quintal.
panorâmica, as grandes individualidades Negada a licença pelo proprietário, que só
comerciais, e, pois, a vida econômica da fez naturalmente por ignorar com quem
plaga. César Santos é uma delas. A far- falava, o sábio irritou-se, abriu as torneiras
mácia e drogaria que têm seu nome falam da maldade contra a nossa gente e disse,
mais alto que qualquer documento escri- naquele diapasão de áugure, quase a mes-
to, atestam a capacidade que fez do mo- ma cousa que o seu ilustre patrício Tho-
desto estabelecimento fundado em 1884, mas Buckle. Cousas fascinantes e falidas
há quase meio século, um grande empório como estas: que a nossa raça é inferior; que
de produtos químicos. E a grandeza da somos um povo sem energia e sem vonta-
Casa, projetando-se para além das lindes de. Confronte-se, no entanto, a civilização
a fama do estabelecimento, mas a força da que nós brasileiros estamos arquitetando
inteligência de César Santos, força e inte- em baixo do Equador, com a civilização
ligência que hoje se refletem na Casa que que franceses holandeses e ingleses andam
ele melhorou, desenvolveu e consolidou fazendo sob o mesmo clima, nas Guianas,
esplendidamente na firma César Santos & e veja-se qual é a raça inferior. Comparadas
Comp. as cidades de Belém e Manaus, cheias de
Ceuci – L. G. Mãe da lágrima. Cho- esplendor e beleza, às cidades guianenses
ro. Pranto. Constelação das Plêiades no desses três povos, o contraste é eloquente e
firmamento da Amazônia. Ceuci está tris- triunfante para nós. Foram maus profetas
te... chorando. os dois eminentes “taumaturgos”. O brasi-
Chácara – Residência nos arrabaldes. leiro é tão grande quanto o Brasil.
Habitação dentro de pomares. Antigamen- Chata – Gaiola da Amazon River de
te em Belém, no Pará, chamava-se rocinha roda à popa que trafega no alto Purus, alto
para este gênero de habitação. Tenho uma Juruá e Acre nos meses de verão. De duas
chácara no Marco da Légua. Vá ver a mi- toldas, máquina em cima do convés, três
nha rocinha na travessa da Glória. pés de calado, cerca de duzentas toneladas
Charles Darwin – Inglês reboante e de deslocamento, é uma excelente embarca-
famoso. Autor da Origem das Espécies. Se ção para o mister em que é aplicada. Doce
bem que não tenha estado na Planície, para de governo, andando a ré, ao sair e ao che-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 59
gar dos portos, manobra melhor, descreven- Chibé – Água, farinha e açúcar bebi-
do círculos magníficos sobre o flanco para da na cuia. E’ um refreco muito alimentí-
onde está carregando o leme. Casco frágil, cio usado pelas populações do interior da
a sua defesa é a multiplicidade de porões. Amazônia.
Muitas vezes navega com um, dois porões Chichuta – Bebê. Criancinha. Coita-
furados e alagados, sem naufragar, devido do do chichuta, quer mamita não? Você
aos demais serem estanques. com essa cara de chichuta, para meu lado,
Chatear – Aborrecer. Amolar. Que não arranja nada. Ora, chichuta...
sujeito para chatear a gente. Vamos em- Chifrada – Marrada. Golpe que o
bora, senão aquele pândego nos chateia touro, ou novilho, boi ou vaca desfere com
aqui até a gata miar. Vá chatear assim pras os cornos. Tenho tanto medo de chifrada...
profundas dos Infernos. Doutor Elói, coitado, morreu de uma chi-
Cheia – Máxima altura dos caudais frada. Eu respeito muito animal galhudo...
alheios ao regime das mares... Este ano, Não sei porque é, mas todo bicho de chifre
compadre, nem como cousa... Ano retra- tem uma quizília comigo... Os cornupetos,
sado, sim, alagou tudo. Aquelas laranjeiras então, não me podem ver. Ficam logo de
que você está vendo ali, foi milagre. Iam olho encarnado. Credo! Desde meninote
morrer quando me peguei com a gloriosa que eles são assim comigo. Que Deus me
Nossa Senhora de Nazaré. Mal abri a boca defenda e o resto... como vier.
água começou descendo. Não gosto de fa- China – Amante. Aquela é a china do
lar mal, mas aquilo é santa pesada mesmo. coronel. Toda vez que nhô Gaudêncio vai
O pé de abiu também é milagre. Foi S. à capital traz uma china. China dele agora
João que salvou. Só quem come fruta dele é bonita pra burro.
é o senhor Bispo. E uma vez por outra, o Chinfrim – Ordinário. Mal arranjado.
padre Cupertino. Que festa chinfrim. O batizado do filho do
Cheiro de papel – Serradura perfu- Anastácio foi uma chifrineira. Como está
mada. Compõe-se de raízes, rizomas, cas- chinfrim o vestido da Tomásia.
cas, paus aromáticos, ralados e misturados Chiqueiro – Curral de porcos. Pega
a trevos, jasmins e rosas. Acondicionado um leitão lá no chiqueiro. Estou cevando
em invólucro delgado de papel, quase um capado no chiqueiro de bacorinhos.
como envelopes, é vendido em balaios de Chocar – Contemplar. Olhar demo-
talas, por mulatas, em Belém. É usado nas radamente. Gente, aquele sujeito só vive a
cômodas, baús e sachetts da roupa branca. chocar moça do coronel. É um olho com-
Perfume suave, impregna-se de tal maneira prido que até parece jacaré chocando.
na fazenda que, mesmo depois de lavada a Chocolateira – Vasilha de folha-de-
camisa ou lenço, ainda se sente o aroma flandres, em forma cônica, com uma asa,
delicioso. destinada a aquecer água ou leite, fazer café
Chiba! – Interjeição jocosa. O mes- ou chá. No sentido figurado é cara. Ainda
mo que viva. Quando alguém espirra, te arrebento essa chocolateira. Ficou, meu
como pilhéria, se responde chiba! Alusão santo, com a chocolateira toda amarrota-
ao espirro do bode. da. Chocolateira dele está em fanico.
60 Raimundo Morais
Corriqueiro – Vulgar. Comum. Sabi- da cegueta. Também chamam cria aos fi-
do. Ora isso é um caso corriqueiro, todo lhos das mulatas e negras que moram com
mundo sabe. Só versos corriqueiros. Que certas famílias. Quem é este moleque? É
prosa corriqueira. Falar corriqueiro. cria de nhá Mirandolina.
Corte – Medida de fazenda suficien- Cruzado – Quatrocentos réis. Dizem
te para fazer um vestido ou um fato. Com- que acharam dinheiro no pé daquela árvo-
prei um corte de chita. O turco tem cortes re. Um pote cheio de cruzados. Foram os
de casimira fina. Vou lhe dar um corte cabanos, dizem que, enterraram.
para a festa de Nazaré, ouviu, coração dos Cuera – Valente. Forte. Destemido. É
outros? um sujeito cuera.
Cortiço – Habitação coletiva de po- Cuí – Farinha muito fina, peneirada,
bres. Grande casa de madeira cheias de sem os bagos grossos. O termo significa
quartos onde residem lavadeiras, operá- quase pó, visto como se diz “cuí do taba-
rios, amassadeiras de açaí, gente, enfim, co”, que é aquele composto de partículas
desamparada da fortuna. As abelhas tam- muito reduzidas do tabaco migado.
bém têm cortiço donde parece vir a seme-
Cuia – Nalga, tigela, vasilha, enfim,
lhança da vida em comum.
feita do fruto da cuieira (Crescentia cujete),
Couto de Magalhães – General bra-
fruto que depois de limpo, miolo extraído,
sileiro. Sertanista. A interlândia do noro-
cortado pelo meio, dá duas cuias. Sem pas-
este do Brasil foi toda palmilhada por ele.
sar pelo processo de envernizamento, que
Trouxe mesmo através dessa região, gal-
a torna preta e lustrosa, é conhecida por
gando o divortium aquarum dos afluentes
cuia pitinga. As mais famosas hoje são as
platinos e amazônicos, furando florestas
de Santarém. Depois de polidas, negras, os
virgens, um “gaiola” desarmado. Foi isso
artistas ali abrem a buril, nas cuias, paisa-
um grande troféu dos seus raids. Governa-
gens, flores, ramos muito delicados.
dor das então províncias de Goiás, Mato
Grosso e Pará, no tempo em que tudo es- Cuiambuca – Fruto da cuieira em
tava por fazer em capítulo transporte, ele cuja parte superior se abre um buraco e
jamais se arreceou das viagens por ínvias que serve para conduzir água do porto,
e agrestes paragens. Escritor, a sua Viagem guardar líquidos, etc. Cuia furada. Cum-
ao Araguaia, mostra-lhe a força descritiva, buca, donde vem o ditado: macaco velho
e O Selvagem que é o seu maior livro, a in- não mete mão em cumbuca.
teligência do homem que se fez naturalista Cuíra – Impaciente. Inquieto. Dese-
para estudar o aborígine e ter enfim uma jo de ver uma pessoa. Desde ontem, meu
concepção etnológica do homem america- filho, que estou cuíra para te abraçar. A
no, da origem provável desse homem e da notícia da tua chegada me pôs cuíra, não
adaptação do seu novo habitat. dormi mais. Ando cuíra, gente, querem
Coxo – Capenga. Com defeito numa ver que é Miloca? Ela disse que havia de
perna. Aquele sujeito é coxo. nos fazer surpresa.
Cria – Filho. Que é da cria da malha- Cumari – L. G. Pimenta. Excitante.
da, um bezerro preto-veludo? Aquela no- Em Manaus corresponde à pimenta-de-
vilha melada já está de cria. Morreu a cria cheiro do Pará, que ali é rara. Fusiforme,
O meu dicionário de cousas da Amazônia 65
de onde se origina. O “uirari” é a liana Curi – Até depois. Até logo. Até a vis-
principal que, junta à “icu”, outra liana, ta. Juntando ao advérbio até, é a forma por
com outras ervas e cipós, maceram-na, que o caboclo se despede. Até curi, minha
filtram-lhe a seiva, fervem-na, conden- gente, até um dia.
sam-na e embebem as taquaras (frechas Curiboca – Escuro. Entre caboclo e
grandes) e as curabis (frechas pequenas). preto.
Segundo o testemunho dos naturalistas, Curinga – Carta de jogar que tem
os índios que melhor fabricam o “cura- todo os valores. Antes dos baralhos traze-
re” são os ticunas, no Solimões, fronteira rem o “Joly”, esse valor, na Amazônia, era
Peru/Brasil. O cipó “uirari” é um estri- dado ao dois de paus. Chamam-se tam-
quínio e o “icu” uma menispermácea. bém curinga a certos políticos que obtêm
Segundo Martius, as duas radicais da tudo, que fazem tudo. Aquilo é o curinga
palavra “uirari”, vocábulo tupi, tem esta do P. R. A. Não esconda o curinga. Você é
significação: “ui”, ir; e “rar” cair; o “i” fi- danado para palmilhar o curinga. Curinga
nal é pronome relativo. Assim, diz ele, a já está com ele.
palavra composta traduz a ideia do vene-
Curuatá – Envólucro da flor de certas
no ser levado na seta e a sua ação rápida
palmeiras. É um tecido vermelho, de for-
e paralisadora ao tocar bicho ou homem.
ma oblonga, aproveitada pata carapuças
Alguns estudiosos da língua tupi acham
do tapuio.
a pronuncia do “curare” sem o acento
Curuba – L. G. Coceira. Calombos
agudo na derradeira sílaba, está deturpa-
da, pois devia ser “curaré”, como é “pura- grossos na epiderme, principalmente nas
qué”, “tucunaré”, “caboré”, “tamanquaré”. virilhas, que irritam a pele provocando uma
Além deste veneno, segundo vários sábios inquietação constante, dolorosa. Você pa-
que nos visitaram, os índios usam do suco rece que está com curuba, meu branco? É
leitoso de algumas euforbiáceas, entre as curuba da preta. Que sujeito curubento.
quais o açacu (Hura crepitans), sem contar Curuçá – L.G. Cruz.
o veneno glandular dos sapos. No Mu- Curumim – L. G. Rapazinho de seis
seu Nacional do Rio de Janeiro é onde a dez anos.
se encontra a coleção mais completa de Curupá – Lugar de seixo ou cascalho.
“curares” e frechas envenenadas. Cheio de pedregulhos. Gurupá, cidade pa-
Curauá – (Bromélia) - De suas fibras, raense, que tem o porto cheios de pedras,
quase brancas, flexíveis, fabricam-se cordas é uma corrutela.
que são consideradas as mais resistentes e Curupira – L. G. Deus defensor da
duráveis da Amazônia. Servem para atar re- floresta. Quem derruba uma árvore ou
des e os índios as usam nos arcos. Há quem corta uma planta é punido por ele. Fica
teça maqueiras, redes, com essa fibra. Ficam então o violador errante, perdido na mata,
lindas, sedosas e altamente duráveis. sem poder atinar com o caminho. Compa-
Curera – Restos de farinha-d’água dre, você não liga importância ao curupi-
que, por muito grossos, não passam no cri- ra. É só cortando mato e apanhando flor a
vo da gurupena. Massa da mandioca com toa. Tome cuidado. Quando ele lhe mun-
a qual se faz o bolo chamado “carimã”. diá nunca mais você toma chibé.
68 Raimundo Morais
Cururu – Dança dos selvagens. Fazia Cutuba – Forte. Bom. Atirado. Oh!
parte do ritual guerreiro. Depois das vi- Bicho cutuba, o João Orelhudo, brigou
tórias, os índios dançam o cururu na ma- com cinco sujeitos e foi pau de verdade.
loca. Há um sapo grande conhecido por Aquilo é cutuba mesmo, não pode ver
sapo-cururu. ninguém, não pode ver ninguém pedindo;
dá a camisa do corpo. Rapaz cutuba, não
Cutimboia – (Herpotodryas carina-
respeita cara. Na língua geral significa: que
tus) – Vive na proximidade das habitações fere, que é cortante.
comendo ovos e pintos. É uma cobra ágil
Cutucar – Tocar com o dedo, com o
nos movimentos, principalmente excitada, cotovelo, com o pé. Chamar a atenção, avi-
quando sua cauda vibra como um chicote sar alguém. Cutucar um bicho no buraco
aplicando verdadeiras surras no homem. com o facão ou pedaço de pau. Não me
Negra-azulada na costa, barriga amarela, cutuca! Que sujeito, só vive me cutucando
não cresce além de dois metros e meio. por baixo da mesa. Eu chamo já o coronel.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Disposição – Apetite. Vontade. Venha apurar o fato, existe sempre uma diferen-
pra janto, minha xera. Não tenho disposi- ça de cerca de cem milhas entre os dois
ção, “meu nome”. Estou sem disposição de primeiros pontos e outras cem entre os
remar; vou guardar a pescaria pra outro dia. dois últimos. Uns dizem ter 854 milhas
Quem sabe se não é gente nova, será? da baía do Guajará à baía do rio Negro;
Disposto – Pronto. Que nunca diz outros, 923. A realidade é que a razão
não. Aquilo é homem disposto pra um está com os primeiros e com os segundos.
tudo: pra remar, pra caçar, pra pescar, No tempo da cheia, março, abril, maio,
pra dançar. Disposto, como só ele. Meu junho, quando a navegação é feita por
finado também era assim. Estava sempre dentro dos paranás, isto é, percorrendo
pronto para o que desse e viesse. Já o filho derrota mais curta, a distância será de 854
não é. milhas de Belém a Manaus. No tempo
Disquê – Dizem que. Expressão em- da seca, setembro, outubro, novembro e
pregada em tom de dúvida, de motejo, dezembro, quando a viagem é feita por
sobretudo ironia. Disquê agora o coronel fora dos paranás, nas grandes enseadas
já é ilustre, honrado, distinto, nobre. É por onde flui o canal, a distância é de 923
da gente rir às bandeiras despregadas. milhas, subindo a 964 se o trajeto for por
Ontem eles diziam o diabo. Disquê era Breves, Macacos, Jacaré, Ituquara, e a 984
isto, aquilo, aquilo outro. Cara deles é es- se for pelo Mututi e Aranaí, furos estes
tranha, comadre. Vão pra onde o vento que fazem parte dos Estreitos de Breves.
sopra, com perdão das pessoas mais ve- De Manaus a Iquitos em tempo de cheia,
lhas. Também já sabe, trastejou, peixe- quer dizer, por dentro dos paranás, 1.101
espada come eles. milhas; por fora, 1.228. Temos assim, no
Disseminação de sementes – Na tempo das cheias, 1.955 milhas de Belém
Amazônia, a distribuição das plantas, o alar- a Iquitos; e, no tempo da seca, 2.151.
gamento das províncias botânicas é feito, Quase duzentas milhas de diferença en-
nas várzeas, em primeiro lugar, pelas águas. tre a capital brasileira do Estado do Pará
Vêm, em seguida, os ventos, os pássaros, as e a capital peruana do Departamento de
aves, os morcegos, os macacos e os quadrú- Loreto, diferença determinada pela alter-
pedes, principalmente as cutias. As semen- nativa dos canais percorridos. Como, po-
tes de seringueira podem frutificar durante rém, nada ocorre na Amazônia sem uma
meses sem que percam a sua vitalidade. ponta de paradoxo, sucede o seguinte: a
Distância1 – Em geral há uma ver- distância mais comprida se faz em menos
dadeira balbúrdia nos números de milhas tempo, porque essa distância é navegada
estabelecidos entre Belém e Manaus e en- na época do verão, quando o Amazonas
tre Manaus e Iquitos. Quando se deseja não corre mais de milha e meia. Enquanto
no inverno essa velocidade sobe, nalguns
pontos, a mais de cinco milhas.
1 As presentes tabelas, organizadas pelo chefe da
Distâncias entre Belém e Manaus
praticagem da campanha Booth Line, Alfredo
Salustiano da Silva, e pelo autor do Dicionário – Do Guajará (Belém) ao farol do Boiu-
retificadas de acordo com os mapas americanos, çu, entrada dos Estreitos, navegando pela
vêm à luz pela primeira vez; eram inéditas. barra do Arrozal, 120 milhas; pela barra
72 Raimundo Morais
do Cutijuba, 127; pela barra do Chapéu milhas, por dentro, 18; do Uareni a Vista
Virado, 140; do farol do Boiuçu à boca Alegre, por fora, 23 milhas, por dentro, 20,
de cima do Ituquara (travessia dos Estrei- de Vista Alegre ao Uruá, por fora, 41 1/2
tos de Breves), navegando pelo Boiuçu, milhas, por dentro, 36; do Uruá a boca do
Tajapuru, Limão, Ituquara, 88 milhas, Juruá, por fora, 12 milhas, por dentro 10;
derrota dos paquetes do Lóide Brasileiro. da boca do Juruá a Fonte Boa, por fora 25
Da boca de Breves (mesma altura do Farol milhas, por dentro, 22; de Fonte Boa ao
do Boiuçu) à boca do Ituquara, indo por Mamoriá, por fora, 41 milhas, por dentro,
Breves, Macacos, Jacaré e Ituquara, der- 35; de Memoriá à foz de Jutaí, por fora, 37
rota dos grandes paquetes da Booth Line, milhas, por dentro, 32; da foz do Jutaí ao
130 milhas. Este segundo e mais longo Bom Jardim, por fora, 29 1/2 milhas, por
trajeto é forçado pela falta d’água do pri- dentro 26; do Bom Jardim a Alegria, por
meiro, pois na passagem do Furo Grande, fora, 25 milhas, por dentro, 19; de Alegria
de maré alta, apenas se obtêm oito metros à vila de Tonantins, 17 milhas, só há um
de profundidade. Da boca do Ituquara caminho; de Tonantins ao Maturá, por
(saída dos Estreitos) a cidade de Gurupá, fora, 58 milhas, por dentro 53; de Maturá
34 milhas; de Gurupá à vila da Prainha, a S. Paulo de Olivença por fora 51 milhas,
por fora, 123 milhas e por dentro, 117; da por dentro 46; de São Paulo de Olivença a
Prainha a Santarém, por fora, 96 milhas, Santa Rita, por fora, 34 milhas, por den-
e por dentro, 88; de Santarém a Óbidos, tro, 32; de Santa Rita a Boavista, por fora
por fora, 74 milhas e por dentro, 64; de 16 milhas, por dentro, 12; de Boavista a
Óbidos a Parintins, por fora 98 milhas e Belém, 19 milhas, só há um caminho; de
por dentro, 90; de Parintins a Itacoatiara, Belém a Ourique, por fora, 26 milhas, por
por fora, 154 milhas e por dentro, 133; de dentro, 20; de Ourique a Santo Antônio,
Itacoatiara e Manaus, por fora, 116 milhas por fora 32 milhas, por dentro, 30; de
e por dentro,130. Santo Antônio a Tabatinga, 11 milhas, só
Distâncias no Solimões – De Ma- há um caminho; de Tabatinga a Letícia, 2
naus a Manacapuru, por fora dos paranás, 1/2 milhas só há um caminho; de Letícia
64 milhas, por dentro, 60; de Manacapu- a Loreto, por fora, 40 milhas, por dentro,
ru à foz do rio Purus, por fora, 70 milhas, 38 1/2; de Loreto a Caballo Cocha, 20
por dentro , 65; da boca do Purus a Co- milhas, só há um caminho; de Caballo
dajás, por fora, 52 milhas, por dentro, 44; Cocha a San Pablo, por fora, 43 milhas,
de Codajás a S. José do Camará, por fora, por dentro, 39; de San Pablo a San Tomás
56 milhas, por dentro, 50; de S. José do do Peruatá, por fora, 29 milhas, por den-
Camará a Coari, por fora, 31 milhas, por tro, 26; de San Tomás de Peruaté a Pevas,
dentro, 26; de Coari a Laranjal, por fora, por fora, 58 milhas, por dentro, 54; de Pe-
24 1/2 milhas, por dentro, 23; de Laran- vas a Santa Teresa, por fora, 76 milhas, por
jal, ao Barro Alto, por fora, 23 milhas, por dentro, 70; de Santa Teresa a Iquitos, por
dentro, 21; do Barro Alto a Caeambé, por fora, 24 milhas, por dentro, 20.
fora, 56 milhas, por dentro, 52; de Caeam- Distâncias pequenas – Do castelo ao
bé a Caiçara , por fora, 41 milhas, por den- Fortim da Barra (Baía do Guajará), 4 mi-
tro 32; de Caiçara ao Uareni, por fora, 20 lhas e ½; do Fortim da Barra ao Pinheiro,
O meu dicionário de cousas da Amazônia 73
os outros. É uma sina, cunhado. Até co- Enduape – L. G. Tanga de pena para
bra, quando eu olho pra ela, vira logo de homens.
papo pro ar. Enecoema – L. G. Bom dia.
Encalhe – Ação do navio varar uma Engenho – Estabelecimento agrícola
praia, um banco, um tabuleiro, ou subir destinado à cultura da cana e à fabricação
num cabeço de pedra. É comum o enca- de açúcar, cachaça, mel. Foi muito co-
lhe na Amazônia, não só porque os canais mum o engenho nas redondezas de Belém,
se mudam de ano para ano, como ainda sobretudo em Barcarena e Igarapé-Miri. A
devido à cerração da fumaça, das nuvens e cana dá com facilidade no Pará. Será pela
dos nevoeiros. Raramente perigoso. Talvez volta à sua cultura, como também à do ca-
de cem encalhações se perca um navio. cau, à do arroz, à do guaraná que o grande
Enchente – No estuário refere-se à Estado do Norte restabelecerá a sua fortu-
maré. Eu vou na maré de enchente. Que na, encalhada com a borracha?
horas hoje principia a enchente? Não me Engraçado – Metediço. Cínico. Atre-
lembro, meu bem. Lua parece que sai de- vido. Ora, não seja engraçado comigo, se-
pois das nove. Maré reponta com ela. Da não conto pra meu pai. Vá ser engraçado
foz do Xingu pra cima, até o fundo da com sua avó torta. Vou dar uma lição na-
Planície, a enchente dura seis meses. De quele engraçado que anda bolindo com a
maneira que o falar por aí sobre o fenô- minha velha.
meno já é outro. Enchente este ano vai ser Enguá – L. G. Pandeiro.
pequena, até agora não deu “repiquete”, Enseada – Arco aberto nas margens
etc... Que enchente grande... Estou com dos rios, das baías, dos portos. A enseada
medo da minha roça. Não plante ainda, nos afluentes sinuosos, côncava, talhada a
compadre; deixe baixar mais o rio; olhe o prumo, profunda, entesta a praia, conve-
“mata-feijão”, que pode vir. Este ano vai xa, declive brando, rasa.
ser peixe assim... Enchente é grande. Entaniçar – Envolver os molhos de
Encoivarar – Amontoar os galhos, tabaco com a tânica, que é a fita das cascas
gravetos e sacaís que restam das queimadas do talo de certas palmeiras, e de largura
a fim de incendiá-los de novo, de modo inferior à grossura de um dedo. Entani-
que o roçado fique bem limpo. çam-se também outros produtos a fim de
Encrenca – Imbróglio. Mas que conservá-los.
encrenca dos diabos. Ninguém sabe a Entocar – Meter a caça no buraco do
quantas anda. Encrencou tudo. Foi uma pau ou nalguma galeria subterrânea. Es-
encrenca fechada. Quando o Januário ti- conder. Encafuar. O cachorro entocou o
rou a mulher do Chicão, este se levantou, caititu.
tocou os cinco mandamentos na verônica Entrudo – Carnaval. Está chegando
do dito cujo, e a encrenca não foi deste o entrudo. Era mais usado o termo nos
mundo. Quebraram as cadeiras, apagaram belos tempos da cabacinha, da laranji-
a luz, não respeitaram as damas. Disquê nha, do limão cheiroso, feitos de água
a política encrencou. Parece que não há perfumada em transparentes películas
mais frente única em Manaus. Foi seu Pe- de borracha, e que se projetavam a dis-
dreira que disse. tância, em verdadeiros bombardeios sem
O meu dicionário de cousas da Amazônia 77
fumaça, porém molhados. Atiraram-me perando uma embiara e nada. Nem paca,
uma cabacinha daquele sobrado que fi- nem veado, nem anta. Ando caipora.
quei como um pinto. Entrudo este ano é Vamos fundear na espera, senão amanhã
pesado. Por que, seu cunhado? Porque é maré não dá pra chegar no nosso destino.
cabacinha à beça. É longe... vento está faltando. No reponte
Envira – Tira da casca da envirei- da maré o vento marajó bate aí que é um
ra que serve para amarrar. Generalizado, deus nos acuda.
qualquer fibra têxtil usada como fio, linha, Espernegado – Esparregado. Prato
corda. Rio afluente do Juruá. que se faz guisando a erva picadinha do
Epiacaba – L. G. Vista. caruru e cobrindo-a depois com ovos es-
Epiacatuba – L. G. Boa vista. trelados.
Erê-catu – Frase que tem dois senti- Espinhel – Comprida linha tipo ame-
dos. A de convidar para partir: Erê-catu, ricano cheia de anzóis e ligada a duas poitas
vamos, avante, sigamos, arriba acampa- (pedras), no fundo d’água. Essas poitas es-
mento, e a de despedida: Erê-catu, adeus, tão assinaladas por boias de curcubitáceas.
minha gente, até curi. Aparelho com que se pegam certos peixes
Escápula – Gancho, olhal de ferro de pele: piraíba, filhote, dourado, guriju-
que todas as casas da Planície têm nas ba, bacu, cangatá. Processo empregado no
paredes das alcovas e quartos para armar estuário e nas baías perto do mar.
redes. Espocar – Abrir. Estalar. Rebentar.
Escorpião – (Titius brasillensis) – É Fazer ruído. Saltar fora.
um aracnídeo que tem o aguilhão na cau- Esse – Letra de ferro ou aço represen-
da, e cuja picada é venenosa e dolorida. As tando um S destinado a prender a corda
pinças das maxilas, sem tóxico, represen- da rede à escápula. Com essa precaução, o
tam órgãos de apreensão, de defesa e de constante embalo da rede não corta a cor-
luta. O preto, maior, é mais perigoso, se da que a sustém nos armadores.
bem que a ferretoada não seja mortal. Estabanado – Estouvado. Sem me-
Esfrega – Surra. Trabalho pesado. Seu dida. Que moço estabanado. Estava dan-
Anastácio deu uma esfrega no filho. Tenho çando e, de repente, carregou a dama na
levado uma esfrega na cópia das atas... É sala. A Filuca levantou a saia na igreja para
uma esfrega, este trabalho. colocar a liga. Aquilo puxa a mãe, é esta-
Especular – Verificar preços. Ver banada.
onde se pode comprar mais barato. Rega- Estabelecimento de porto – Re-
tear. Não compre sem especular primeiro, tardamento da preamar sobre a hora da
compadre. Especule bem. Cada negocian- passagem da lua pelo meridiano no dia de
te, em Belém, tem um preço. É preciso uma sigígia equinocial. Somente se verifi-
especular. Fazenda, então, é uma desgraça; ca este fenômeno onde há fluxo e refluxo
aqui custa tanto, ali tanto, acolá, tanto. Só de maré. Manaus, por exemplo, não pos-
há um meio: é especular. sui estabelecimento de porto.
Espera – Ponto em que se espera Estadão – Pompa. Aparato. Ostenta-
caça. Lugar em que as canoas do estuário ção. Aquela gente vive num estadão. Pare-
esperam maré. Passei um dia no mutá es- cem príncipes. Você já viu, comadre, o esta-
78 Raimundo Morais
dão da viúva do coronel Cornélio. É carro, fera. Onde tem de levar vírgula, é vírgu-
criado, seda, tudo a beça. Que estadão. la; ponto é ponto mesmo. Deixa longe o
Estado do Pará – Jornal paraense finado Vieira e o defunto Castilho, que
de maior circulação no extremo-norte. Deus haja. É exato, compadre; purismo
Abraçando sempre as grandes causas na- chegou ali e armou rede, mas então pau
cionais, esse matutino alcançou uma po- pra burro; estopada é uma menina de pei-
pularidade jamais ultrapassada em Belém. to ao pé do livro dele. Pode dizer que é
Lindo, bem disposto, bem escrito, os seus clássico de 40 assobios, porém dormideira
editoriais e a sua colaboração correm pa- não pega o bicho, melhor, cousa que o bi-
relha com a estética. É seu proprietário cho escreve. Pois é isso, tenho que aguen-
Afonso Chermont, redator-chefe Alcino tar essa estopada…
Cacella e secretário Santana Marques, Estoque d’água – Ponta de corrente
figuras de relevo não só no jornalismo que vara o caudal em sentido oblíquo. É
como na política.
determinado pelo remanso, que, depois de
Estância – Barracão, armazém desti- refluir à massa fluvial, volta a fazer parte
nado a depósitos de madeiras. Lugar em dela. Penetra então bruscamente na toa-
que negociantes guardam tábuas, ripas, vi-
lha, gerando uma confusão de diretrizes.
gas, dormentes.
Quando o prático não é bastante hábil
Esteira – Rasto de espumas que a para evitar o estoque d’água, o “gaiola”
embarcação vai deixando pela popa fora.
desgoverna com o choque recebido à proa
Sinal da passagem do navio feito pelo seu
e muitas vezes enfia-se na margem contrá-
deslocamento e que desaparece da flor
ria, vara uma praia ou sobe num berço de
d’água mal ele se afasta. Tapete de tábua
pedra. É um fenômeno hidrográfico dos
que se usa embaixo das redes, ou, ainda,
rios velozes.
nos serões domésticos das cunhantãs, que
sobre ele costuram, bordam ou estudam. Estrada – Vereda aberta na floresta
Estirão – Trecho reto de rio entre duas por onde o seringueiro anda para cortar
curvas. Em geral, na época do verão, é sem- as árvores da “hévea”. É um simulacro de
pre mais raso que a volta, devido ao lençol caminho, tortuoso, atravessando igarapés,
d’água se espalhar, de uma a outra margem, subindo terroradas, que leva o extrator a
o que não sucede nas curvas, onde o canal, cem rumos num solo todo movimentado,
concentrando a água, aprofunda-se. quando se trata de seringais do alto Amazo-
Estivador – Nome dado ao trabalha- nas. Nas “ilhas”, ou seja, no estuário, apesar
dor de terra, a bordo das embarcações, nos do terreno alagadiço, a terra é mais plana.
portos. Que carrega e descarrega o navio. Já estou sangrando minha estrada. Seringal
Que estiva a carga, que arruma os volumes do compadre quantas estradas tem? Sua es-
no porão. trada é de mais de cem madeiras?
Estopada – Aborrecimento. Cacetea- Estrepe – Espinho, lasca de madeira
ção. Cousa penosa. Vou levar uma estopa- que entra no pé. Que você tem, seu Arruda,
da, hoje. Tenho que ler um livro do Chico pra andar assim coxeando? Estrepe, coma-
Lendia. Antes uma boa morte, compadre. dre. Um espinho de tucumã bem no calca-
Mas dizem que no português ele é uma nhar. Fui puxar o dardo e a ponta quebrou
O meu dicionário de cousas da Amazônia 79
dentro. Estou com uma farpa de lenha na bém porque evita maltratar a rês, pois o
sola do pé. Oh! Estrepe cabuloso. peso do corpo pendurado no estropo que-
Estropo – Alça de cabo que se enfia bra-lhe muitas vezes a espinha.
nos chifres do boi, de modo que este pos- Estrovar – Fazer uma alça de linha no
sa, engatado no aparelho, ser levantado no anzol a fim de ligá-lo ao espinhel, ao cani-
pau de carga e recolhido a bordo. Ajeita ço ou a outro qualquer aparelho de pesca.
esse estropo! Vira! Os grandes embarques Estúrdio – Esquisito. Estapafúrdio.
de gado vivo, hoje, são feitos por meio de Divertido. Que homem estúrdio. Você já
mangas, não só pela rapidez, como tam- viu mulher mais estúrdia, comadre?
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Falador – Maldizente. Indiscreto. tra banda se engraça pra ele. Coronel anda
Irreverente. Que sujeito falador. Falador triste, falando só. Aquilo é feitiço, dizem
como só ele. que deram pra ele no vinho de cacau, coi-
Faniquito – Desmaio. Era gente com tado. Era tão alegre... Se não foi a Mique-
faniquito quando o Mané Cabeludo pu- lina Jambu, que Deus me desampare na
xou a pistola dele, que nem lhe digo nada. hora da morte. Oh! Mulher falsa. Não há
Primeira que caiu foi a Joanna Tucandei- homem que ela não desgraçe. Tão desen-
ra. Aquilo era só valente de língua. Foi xabida, perna fina, amarelona, parece vas-
um faniquito do tamanho de um bonde. soura. Ninguém sabe mesmo porque esses
Nunca vi festa com tanto faniquito. Até a brancos se encantam. Só feitiço.
Engole-cobra, aquela mulatona de Janaua- Fiança – Certo. Infalível. Aquilo é
ri, disquê com faniquito, minha madri- homem de fiança. Quando diz sim, é sim
nha. Também era cada tapa de virar cara mesmo. Caráter de fiança. Não dança de
da gente do avesso. urso. Garantia de um terceiro afiançando
Farofa de casco – Aberta a tartaruga, certo pagamento. A fiança da minha casa
tirados os ovos, vísceras, quartos, filé, o cas- foi dada pelo coronel Anastácio.
co (carapaça) fica aparentemente limpo por Fiapo – Fio de roupa. Fibra. Pedaço
dentro. Levado, porém, ao forno, depois de pequeno de linha. Me tira este fiapo do
lavado e temperado com sal e limão, escor- ombro. De onde veio este fiapo? Qualquer
rega-lhe abundante gordura para o fundo, fiapo serve, é pra um amarrilho ligeiro.
sob a ação do calor. Essa gordura, mistu- Filhos da Candinha – Anônimos.
rada no próprio casco, com farinha-d’água Povo. Coletividade. Os filhos da Candi-
torrada, é farofa. Cada prato da tartaruga é nha é que dizem. Andam dizendo cousas
comido com farofa do casco, como se usa da D. Marocas... Mas quem, meu coração?
com pão. As famílias pobres fazem render Os filhos da Candinha.
o acepipe levando durante dois, três, quatro Flamboyant – (Poinciana regia) – Ár-
dias e até a semana inteira, o casco ao forno vore de porte regular; dizem-na originária
e adicionando-lhe novas doses de farinha de Madagascar. Adaptou-se de tal forma
para diárias farofas. na Planície que se a encontra de um ex-
Fazenda – Propriedade rural de cria- tremo a outro. No princípio do inverno
ção de gado, única acepção em que essa todas as suas folhas se transformam em
palavra é empregada no Pará. É fazendeiro flores escarlates, dando a impressão de um
rico, tem mais de cinco mil cabeças. Fa- gigantesco buquê vermelho nos parques,
zenda dele é em Marajó. Leite, lá, até dá jardins e quintais onde ela medra.
pra tomar banho. Fogo santelmo – Chama azul, morti-
Feição – Fisionomia. Feição dela é ça, que se observa no topo dos mastros das
bonita. Que feição antipática. Feição do embarcações, quando aqueles têm a borla
dia é de chuva. ou a lança de ferro, por ocasião das tem-
Feitiço – Puçanga. Droga, berun- pestades. Efeito da eletricidade atmosférica.
danga, beberagem usada para desgraçar o Nos meses de novembro e dezembro, ao
inimigo. Vou mandar botar esse feitiço na cair das primeiras chuvas na Planície, com o
porta dele que nunca mais a Chica da ou- céu negro e carregado, ao estrondar do tro-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 83
vão e ao fuzilar do relâmpago, como a luz salvatério do Pará. Porque o ponto de vista
de grandes círios acesos no céu, vê-se o fogo largo a enxergar nesse gesto do famoso mi-
santelmo iluminando o topo dos mastros. lionário não é a luta entre o plantador de
Fordlândia – O mal econômico da agora e o proprietário do seringal silvestre
Amazônia tem sido, desde tempos ime- dessa mesma Amazônia, mas a luta desse
moriais, quando ainda Tavares Bastos lu- plantador com o plantador do Oriente. É
tava gloriosamente pela abertura do mais a localidade, a condição geográfica, muito
volumoso rio do Planeta, o receio de que mais que a excelência do produto, que vai
ela nos seja tomada. Entretanto, é impres- decidir da batalha travada entre a Amazô-
cindível dizer, pela própria voracidade das nia e o Oriente. A vitória inevitável trará,
potências colonizadoras, o imperialismo de novo, o nosso predomínio na exporta-
territorial tornou-se quase impossível, má- ção da seringa para os mercados consu-
xime quando se trata de uma nação como midores. A posição da Fordlândia, muito
o Brasil, de 42 milhões de habitantes e mais perto da Europa e da América do
de unidade geográfica definida. Nenhum Norte que os seringais do Oriente, levan-
país, dos mais atrevidos e gulosos, seria tará uma diferença de preços para menos,
capaz, nestes dias de rivalidade comercial, a nosso favor, que as empresas plantado-
de um atentado de tal natureza contra a fe- ras, nas colônias das potências competido-
cunda gleba do Cruzeiro. E isso não tanto ras, não poderão manter. Alguns ingênuos
pela maneira por que eles, conquistadores, e mal informados ainda argumentam com
se vingam e entreolham, mas pelo caráter a facilidade do braço na Ásia ou alhures,
altivo e revel do brasileiro, pela força da como se a época não fosse da maquinofa-
raça, pela projeção maravilhosa com que tura, capaz de esmagar a mão-de-obra. Na
se funde aqui um dos mais poderosos ti- margem do Tapajós já se está montando a
pos do mundo. Quando o arquimilionário maior serraria da América do Sul, o que
Henry Ford pretendeu fixar uma empresa significa para breve uma formidável ex-
na Amazônia, correu um arrepio de sus- portação de madeira, isto em igualdade de
peita entre nossa gente. Desconfiava-se circunstâncias com os demais madeireiros,
de uma arremetida imperialista. O fato, há muito instalados em Belém, queremos
no entanto, bem examinado, não é pos- dizer, pagando os mesmos impostos ao
sível quando se trata do Brasil. O caráter Estado. Acresce ainda que um homem da
nacional do homem, na terra imensa que estatura industrial de Henry Ford, vendo
nós vamos povoando com esplendor e ca- com rara argúcia e privilegiada inteligên-
rinho, não se ajusta mais aos protetorados, cia todos os aspectos da questão referente
e, muito menos, às afrontas de uma pirata- à goma-elástica, deve já ter pensado em
ria territorial. O que o rico americano pre- instalar, no próprio terreno da empresa
tende fazer na Tapajônia merece respeito, concessionária, ou talvez em Belém, uma
deve ter a confiança patrícia, tantas são as vasta fábrica de artigos de borracha, desde
vantagens recíprocas daí advindas. Dentro os mais delicados aos mais grossos. Avalie-
em breve Boavista, se não Santarém, pa- se o futuro do Pará com essas usinas fun-
recerá uma Nova Orleans. As plantações cionando, exportando para todos os mer-
de hévea que ali se multiplicam serão o cados, e, o que é mais importante, trazen-
84 Raimundo Morais
provam a remota existência do mar onde alimentos como bananas e cocos para sus-
hoje se acha a planície amazônica. Derby tentá-los.
encontrou madeiras e folhas fósseis nos Francisco Orellana – Espanhol. Ex-
montes do Ererê e Paituna, vizinhança plorador. Flibusteiro. Foi o primeiro ho-
de Monte Alegre e Óbidos; Chandless mem europeu que sulcou o Amazonas.
achou à margem do Acre, afluente do Pu- Desceu-lhe o caudal dos Andes peruanos
rus, restos de uma espécies de Mososaurus, à foz. Buscava o Eldorado cheio de ouro
que é um gênero característico da idade e pedras preciosas. Encontrou, de lado a
cretácea; Paulo Gervais achou também, lado do rio, floresta e mais floresta. Os ín-
em certo ponto da bacia amazônica, um dios da foz do Nhamundá, de cabeleiras
grande crocodilo, Dinosuchus terror; Ja- compridas, rostos glabros, pareceram-lhe
mes Orton levantou da argila das barra- mulheres. Não precisava mais para um
cas de Pebas uma fiada de 17 espécies de romance. Inventou a tribo guerreira das
concha marinha; G. Gurich topou no rio amazonas, as icamiabas, que não se acaba-
Pauini, afluente do Purus, um jacaré fóssil, vam mais e que ele, de regresso à Espanha,
Gryposuchus jessei, pertencente ao período contou na corte castelhana. Quando vol-
terciário ou quaternário. Além dos fósseis tou à Amazônia, já no cargo de “adianta-
descobertos e constatados cientificamen- do”, à frente de uma expedição, errou o ca-
te pelos sábios, o autor destas linhas, ao minho, perdeu-se e naufragou procurando
tempo que comandou “gaiolas”, trouxe o vestígio de sua saída do Atlântico. Jamais
do alto Purus vários fosseis encontrados descobriu por onde havia rompido para o
no álveo desta artéria fluvial durante as se- mar. Confundiu o estuário do Amazonas
cas. Assim, tartarugas, peixes, crustáceos, com o estuário do Tocantins e andou, em
galhos de árvores foram achados petrifica- torno da ilha de Marajó, como um pássaro
dos, com a circunstância de muitas dessas em torno de uma cobra: girando, girando,
peças estarem num período de transição, girando até se perder.
pois via-se um lado, já petrificado; o ou- Francisco Xavier Ribeiro Sampaio
tro, ainda em estado natural. – Magistrado português dos tempos co-
Francisco Castelnau (Conde) – Ex- loniais. Foi ouvidor e intendente geral do
plorador francês. Viajou ao sabor da cor- Rio Negro. Espírito arguto. A narrativa
rente amazônica, do Peru ao Estado do de sua viagem dentro da Planície, hoje
Pará, onde visitou a bacia do Tocantins. publicada, excede ao trabalho de correção
Como La Condamine, andava por conta do homem da lei. Parece coisa de natura-
do governo francês em estudos científicos. lista. A terra, o índio, as águas, o céu, a
Subindo aos platôs de Goiás, observou o luz, os ventos merecem-lhe palavras cien-
bócio e a papeira ali reinantes. Também tificas, de quem possuía visão que ia além
notou nessa região as fontes termais, prin- das “Ordenações do Reino”. E isso a tal
cipalmente as de águas magnesianas. Foi ponto, que logo o nosso pensamento se
ele quem registrou a maneira curiosa por transporta para um caso idêntico: o de Fá-
que os carajás enterravam seus mortos, em lix de Azara, oficial do exército espanhol,
pé, deixando-lhes a cabeça de fora a fim da que deixou de sua viagem ao Paraguai dois
gente da tribo meter na boca do defunto volumes tão interessantes, tão fiéis e per-
86 Raimundo Morais
cos, o seu pavão, o seu tamborete; isto sem daqui, como os três anos da derrota eram
levarmos em conta o templo de prata e consumidos sob a luz equinocial, mine-
ouro que S. M. andava construindo para rando, cortando madeira, caçando.
agradar também ao Senhor. A primeira vezs que se lê o folheto in-
Porque, é preciso que se diga aos que titulado Viagens dos navios de Salomão no
não estão bem ao par da Bíblia, em maté- rio Amazonas, recebe-se um choque, leva-se
ria de amores, esse rei que sucedera a Davi um tal sacudilela na descrença, que se fica
e passará o trono a Jeroboão, foi tremen- abalado, para não dizer logo, convencido.
do. Era-lhe tão grande o coração como a Porque, deve-se confessar, ninguém acredi-
justiça. Se as sentenças foram profundas, tava nessa armada real por estas paragens.
as paixões ultrapassaram. O Cântico dos O risco dos encalhes, o perigo dos
Cânticos, escrito para Sulamita num arre- rebojos e estoques d’água, as dificuldades
batamento sensual, vale tanto ou mais que da navegação desconhecida, quando ainda
as leis do seu código. não havia práticos habilitados que dirigis-
Sábio e ardente, Salomão não decifrava sem a derrota, e além disso, sem o menor
apenas os enigmas da vida, mas as chara- vestígio atual das escalas, como o deixaram
das do amor. A rainha de Sabá, quando o ingleses holandeses e franceses, levavam
visitou, atraída pela fama do magistrado nosso espíritos a reagir contra a possibili-
coroado, ficou encantada e satisfeita. Tendo dade desses atrevidos raids.
proposto a Salomão vários problemas para Mas o escritor da memória citada.
resolver, incontestavelmente mais difíceis D. Henrique Onfroy de Thoron, nome
do que o de cortar um menino pelo meio sonoro, com aquela cultura vinda do mis-
e dar uma banda a cada mãe, ele, augusta- tério, algo apocalíptica e enleante, começa
mente e sem demora, solucionou tudo. declarando com ares de grande iniciado
A soberana, cativa daquela menta- que os povos da Antiguidade conheciam a
lidade e talvez, quem sabe? enamorada, América, que os fenícios devassavam todos
rendeu-se presenteando-o com cento e os mares, que a filologia ajuda a história e
vinte talentos de ouro, muitíssimas espe- a geografia também. Não é preciso mais
ciarias e pedras preciosas em abundância para se ficar embalado... Ninguém de boa
nunca vista. Além dessa dádiva da rainha fé, diante destes introitos de áugure, pode
de Sabá, que, por sinal, parecia um conde continuar negando... A eloquência da afir-
de Monte Cristo de saias, as naus de Hirão mativa guarda um tal sentido divinatório
andavam no mar, e, de três em três anos, que a gente, ainda no meio da leitura, já
volviam abarrotadas de riquezas. começa a ouvir o marulhar da água na
Pois bem, em torno destas fugidias proa das naves...
notas bíblicas se têm arreado bibliotecas, Exposto isto, principia o narrador
traçado mapas, riscado singraduras, idea- aludido a descobrir a esteira dos barcos
do golfos e baías, arquitetado continentes fenícios e hebreus; a determinar, por ob-
que afundam e emergem, no intuito lou- servações astronômicas, as coordenadas
vável de provar que Ofir demora na bacia geográficas de Parvaim, de Ofir e de Tar-
amazônica, e, mais, que Solimões provém dschisch. Refere Platão, fala na Atlântida,
de Salomão; e que não somente a carga ia cita as Antilhas e aponta, num vago e mis-
88 Raimundo Morais
terioso bordejo pelo mar tenebroso, que é Netuno (assim uma espécie de filho de ja-
esse glauco e ondulado Atlântico, um con- caré com cobra) , quer dizer, de uma afri-
tinente chamado Meopes, habitado pelo cana e de um habitante vindo do oceano”
povo dos merópios. (habitante apenas não). Netuno era o deus
É uma revelação tão singular que Tos- do mar e o marido de Anfitrite. Tinha pa-
canelli, Marco Polo, Cristóvão Colombo, lácios no fundo do oceano e cavalos bran-
se a ouvissem assim nesse tom profético e cos de crinas de ouro que lhe puxavam o
barbado, haviam de sentir o que nós sen- carro sobre ondas.
timos, admiração pelo cosmógrafo. Da “O culto de Belo, Bel ou Baal”, con-
feição pré-histórica do universo, o vidente tinua o cronista, “estava em princípio
volve-se para idiomas e cai, inspirado na identificado com o do Deus-Sol: ora, na
língua quíchua, em pormenores léxicos América, este mesmo culto existia; a assim
tão curiosos para mostrar a etimologia de como na Babilônia se adorava a Belo, as-
Merope, que quase nos dá na gana con- sim no Peru se adorava ao Inca(?) como
sultar uns “bambas” que só acreditam na descendente do Sol.”
língua e na morte da bezerra. Depois desta colorida rajada de eru-
“Marop”, diz o iluminado, “é geniti- dição, frisada por alguns ingênuos parên-
vo de ‘maro’, terra; ela é a terra dos me- teses nossos, o Sr. Thoron deixa escorrer o
rópios, ou nascida da terra, isto é, autóc- seguinte:
tone, expressão que corresponde ao grego “Parvaim [pátria, se não estamos em
gheghenes. erro, de certos filólogos peso-pluma] é
Na hipótese de haver alguém que de- pronúncia alterada de Paruim, por isso
seje, por simples maldade, julgar intuiti- que o antigo alfabeto latino confundia o v
vamente que “maro” antes devia ser mar, com o u [espécie de germano com gênero
não conta conosco, pois nós estamos satis- humano]; que o iod, que é a vogal i, mui-
feitos. Conhecemos as gretas filológicas, o tas vezes se lê com a pronuncia do ai em
peso dos clássicos, o labirinto das raízes, e hebraico. Porém no texto hebraico”, argu-
a responsabilidade formidável desses pre- menta o Sr. Thoron, o ouro de Paruim está
destinados vigias da língua... escrito Zab-Paruim, “e sua versão nos dá
Feita esta restrição aos iconoclastas, aqui completa uniformidade.”
damos a palavra novamente ao Sr. Tho- “A terminação im”, continua o autor,
ron. Ele acha que o termo atlas é quíchua. “indica o plural hebraico; vem acrescenta-
Cita a Líbia, a Grécia, os cananeus, os car- da a Paru porque efetivamente existem na
tagineses, Plutarco, Renan (é preciso real- bacia superior das amazonas [apelo aqui
mente muito talento para embarcar Renan para a geografia dos expoentes na maté-
nas frotas de Salomão!), e fecha galhardo, ria], no território oriental do Peru, dois
com esta prova. rios auríferos, um com o nome de Paru,
“Segundo a história, Belo (com um l outro com o de Apu-Paru, etc.”
só), que foi estabelecer uma colonização E logo adiante: “Montervinos, um
na Babilônia e o sacerdócio (parece que dos cronistas espanhóis, por causa da
também na supradita Babilônia) ao modo abundância de ouro que se tirava do Peru,
dos egípcios, tinha nascido de Líbia e de supôs que o Peru podia ser o Ofir.”
O meu dicionário de cousas da Amazônia 89
Embora fiquemos depois disto assim almente, é preciso ter quatro macaquinhos
sem saber de que freguesia somos, não se no sótão para fazer de Apir Japurá. Nada
deixa também de achar o argumento mui- mais autêntico, no entanto.
to bem deduzido, ricamente engendrado. Transcrevemos na íntegra a explicação
É verdade que os espanhóis na Amazônia, seguinte, para que a pessoa que leia isto,
a começar por Orellana, seu primeiro ex- se é desconfiada, fique no nosso estado de
plorador, em matéria de petas, benza-o enlevo, emoção e convencimento, no que
Deus, eram de se lhes tirar o chapéu. toca às frotas de Salomão nestas ensolara-
Depois, o honesto destrinçador da- das plagas:
quelas maravilhosas viagens, arrisca mais “O quíchua yura ”folhagem” faz em
isto:”Inin é a palavra hebraica derivada vasco urya; vaso em quíchua é kirau, em
de inini ou ineni, “que está convencido”. caldaico kiura; sujo em quíchua millay,
Esses vocábulos hebraicos se referem ao em industâni maila; panela em quíchua
quíchua inin “tem a fé, é crente”. Eis pois paila, e em persa piala, etc.; o mesmo se
na América um nome cujo feitio é todo deve dizer a respeito das mudanças de vo-
oriental. Este império? Tem ainda por li- gais, como em quíchua o ar huayra faz
mites ao sul o ri Beni e a leste o Caiari, em lapônico huiro, em geórgio hairi, em
que chamam hoje, em português, Madei- caldaico haiar, em siríaco oyar, no grego
ra. Beni é a palavra hebraica e árabe que e no latim aer; o nome do número um
tem por significado “filho, gente de seita em quíchua é huc, em industâni hec, em
ou tribo”. Caiari é formado do hebraico búlgaro hic, em telegu hac; língua, em
Ca “coragem, resolução” e irari “rio”, “rio quíchua, kalu, em mongol kelé, em sibe-
da resolução”. rico kil, em finlandês kieli; menino, em
É impossível negar a inteligência ma- quíchua, é churi, no antigo egípcio chiru,
leável do Sr. Thoron. A sua cultura é extra- e em egípcio-copta chiri”.
ordinária, a sua lógica esmagadora... O leitor há de nos perguntar, mas
Seguidamente, o fascinante filólogo que diabo tem isso com as frotas? Perdão,
desarticula a palavra Jutaí, faz um fogo vamos concluir o raciocínio do chibante
de vista de termos rebarbativos e passa ao poliglota:
nome de Abiria. Empalma esse vocábulo “Assim”, fecha ele vitorioso, “pelos
como um pelotiqueiro no palco, tira sí- exemplos de permutas e constituições de
labas, gruda sílabas, sacode-o, remexe-o vogais que não alteram o significado das
na sua luzidia cartola de mágico, e chega palavras, nada se opõe a que o Aypira da
a apir, aypir, aypira, “que não é, segundo Bíblia, “água ou rio Apir ou de Ofir, tenha
explica o linguista, nem mais nem menos vindo do rio Japurá.”
que Japurá, grande afluente do Amazonas Perguntamos: há alguém entre os no-
ou do rio Solimões, em consequência de bres cavalheiros quem se oponha? Não há
uma permuta de letras”. nem poderia haver... Este saber de idiomas
É extraordinário! Se isto dito num tea- é descadeirante. Os pedaços transcritos
tro, a plateia cobriria de palmas. As moças são realmente durinhos, algo cabeludos e
jogar-lhe-iam beijos. Ver-se-iam especta- ásperos, porém de rebimba. De maneira
dores rindo e outros chorando. Porque, re- que os deletreantes destas cousas, a não ser
90 Raimundo Morais
que tenham má boca, já devem estar pelos E continua, sem esclarecer que letras
gorgomilos e prontos a declararem hones- são essas e em que idioma, quando, para
tamente: por aqui já andaram as frotas do confirmar qualquer indício salomônico,
rei hebraico. tais letras deviam ser hebraicas, ou, quan-
“Foi evidentemente”, continua, “esta do muito, fenícias. Assim não são, todavia.
região (Alto Amazonas) que, no tempo de Antes de mais nada, é preciso dizer, ali não
Salomão, recebeu o nome de Tarschisch, existem propriamente letras alfabéticas,
pois a etimologia desta palavra é tomada mas caracteres simbólicos, hieróglifos, que
da língua quíchua, que é a dos Antis. Tars- decoram a louça especialmente a da nação
chisch origina-se de tari ‘descobrir’, chichiy do mound-builders.
‘colher o ouro miúdo’. O VI volume dos Arquivos do Museu
Tantas provas para nós chegariam. Nacional contém um exaustivo ensaio so-
Estamos entupidos. Como sabemos, en- bre o assunto, obra do eminente arqueólo-
tretanto, o que é a maldade humana, in- go brasileiro Ladislau Neto. Do extraordi-
contentável, irônica, capaz de examinar nário trabalho ressalta um estudo compa-
todas as gretas numa apreciação desta rativo entre os sinais marajoaras e os sinais
mexicanos, chineses, egípcios e hindus,
ordem, vamos transcrevendo até nos pe-
destacando-se, pela síntese e perfeição,
garem na mão.
os caracteres simbólicos dos marajoaras.
E não o fazemos mais da monogra-
Nesse estudo magistral não se faz a menor
fia do Sr. Thoron, sim da monografia do
referência, já não dizemos a letras, mas a
Snr. Ludovico Schwennhagen, intitulada hieróglifos fenícios, e, principalmente, he-
Antiga História do Brasil, e que abrange, braicos, o que parece o melhor atestado da
consoante explica o autor, uma era que inocência nheengaíba e aruã nesta dramá-
medeia entre 1.100 anos antes de Cristo tica aventuura das frotas.
e 1.500 depois. Nessas páginas surgem o
Entretanto, o professor Ludovico não
tirrenos na ilha de Marajó, as amazonas se desconcerta com o silêncio do arqueólo-
em Faro, as naus da empresa de Hirão go alagoano, e fala na chegada das amazo-
bordejando no estuário da maior corda nas, na foz do rio Parintins, até que, para
d’água do Planeta. atingir Faro, conta que semelhante nação
O Sr. Ludovico, incontestavelmente de mulheres guerreiras tinha, na Armênia,
mais pitoresco e sugestivo que o seu co- certo lago com uma ilha chamada por
lega Thoron, segue aludindo às inscrições aquele nome. Foi por isso, declara, que
abertas na pedra pelos fenícios em todo o elas fundaram a cidade de Faro no Nha-
Brasil. Atira-se depois à velha história da mundá (com vistas ao luminoso espírito
Atlântida contada por Platão, que a ouvira de Flexa Ribeiro).
de sacerdotes nos templos à margem do A perspicácia do historiador, como se
Nilo, e quase a cerrar o primeiro capítulo, constata, atravessa corpos opacos. Mas o bi-
grafa essa nota: zarro Sr. Ludovico não se limita a incursões
“No museu Goeldi, do Pará, existem na tribo feminina da Capadócia, enfia-se
alguns vasos com letras que foram encon- também pela corte celeste, e, sem receio de
trados nos aterros da ilha de Marajó.” uma excomunhão, ou, pelo menos, de ser
O meu dicionário de cousas da Amazônia 91
rotar de macaco, reconhecemos, não es- do pela fumaça oriunda da queimação dos
tamos firmes, porque nenhuma região do campos da Amazônia ao tempo do verão.
mundo se acha em condições de fornecer Gente! Já são 6 horas e a fumaça não deixa
essa “mercadoria” como nós. Macaco aqui ver nada.
é o pau que rola. Furo – Braço do rio que liga dois cau-
Apesar da Amazônia não possuir dos dais; às vezes um lago a outro lago; muitas
grandes, gorilas, chimpanzés, orangotan- vezes um furo a outro furo; ou um afluen-
gos, que vivem na Ásia e na África, tem, te, pelo montante da foz, ao curso em
no capítulo gênero miúdo, o que há de que deságua. O melhor documento desta
bom. E em quantidade tal que, se em vez classificação hidrográfica são os Furos de
das frotas de Hirão, viessem as de S. M. Breves, labirinto de canais verdejantes de
Jorge V, ainda ficava macaco. florestas nas margens, que se comunicam,
Referimos estas cousas com toda a se ramificam, se anastomosam, se cruzam,
prioridade e com semelhantes minúcias se repartem numa orgia de ramos e galhos
para permanecermos atrás dos Srs Thoron fluviais. Certos furos no Amazonas impri-
e Ludovico, sempre muito sérios, mui- mem a ilusão, principalmente nas cheias,
to honestos nas histórias que contam... de que alguns afluentes têm duas, três,
Num caso de discussão “científica” sobre quatro e cinco bocas, daí os erros de mui-
os bugios, vê-se que tudo será contra nós, tos especialistas, que afirmam ter este ou
restando-nos apenas um recurso: pergun- aquele rio muitos desaguadouros.
tar aos nobres cronistas: para que desejaria Fuxicar – Intrigar. Encrencar. Contar
Salomão tanto macaco?... mentiras. Embrulhar situações. Ele já vai
Fulo – Zangado. Irritado. Danado. fuxicar. Aquilo parece que tem bicho car-
Ah! Meu bem, não posso ver aquele sujei- pinteiro. Só vive fuxicando.
to que não fique fulo. Aquela peste, quan- Fuzuê – Briga. Complicação. Rolo
do aparece, me deixa fulo. Ando fulo com em bailaricos. Tempo fechou na sala, com-
aquele fulano. padre, e foi um fuzuê da nossa morte. Pri-
Fumaça – Importância. Impertinên- meiro que voou foi candeeiro. Quando a
cia. Cheio de si. Orgulhoso. Mas que su- polícia chegou estava tudo em fanico: ca-
jeito cheio de fumaça. Parece que tem o rei deiras, espelhos, instrumentos. Comadre
na barriga. Que lhe meteu essas fumaças Chiquinha levou um tapa-olho tão violen-
na cabeça? Isso é fumaça de rapaz, compa- to que o farol de bombordo se apagou, lá
dre. Passa com a idade. Nevoeiro produzi- nela, coitada.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Nota do segundo volume da 1a edição
* O primeiro volume desta obra reuniu da letra A à letra F inclusive. Este texto é a
introdução do segundo volume, da letra G à letra Z, que se reuniu nesta edição ao
primeiro volume da 1a edição, constituindo aqui a obra num volume só. [Nota desta
edição].
94 Raimundo Morais
repetindo palavra por palavra, definição por definição, banalidade por ba-
nalidade do que já existe mais ou menos esparso em glossários de brasileiris-
mos; mas, e apenas, um trabalho alegre meu, com a sua pitada de ilustração,
e, sobretudo, original, fora do âmbito de Morfeu. Nada mais fácil para mim,
se desejasse impingir uma farta dormideira, capaz de fazer roncar a gente do
Planeta, que inclui todos os peixes, cobras, sapos, quadrúpedes, pássaros, aves,
rios, praias, árvores, termos correntes, enfim, naquelas paragens do Equador.
Bastava abrir e copiar mazoramente das xerografias e livros especializados o
que neles se contém. Para isso, entretanto, não chegariam vinte grossos volu-
mes, em corpo seis, e dentro da maior síntese possível. Graças aos deuses e às
onze mil virgens nunca pensei em tal xarope. O que eu desejei e desejo, ani-
mado inquestionavelmente por Belzebu, que vive dando ao rabo quando um
cristão faz alguma pilhéria com os pseudo-eruditos, foi mostrar da Amazônia
aquilo que se me afigura interessante; aquilo que eu julgo curioso, engraçado,
notável, através da botânica, da zoologia, do vento, da água, da terra, do
céu, do homem e da lenda. Isto explicado, ninguém deve esperar que O Meu
Dicionário mencione tudo que há no verde e luminoso vale, deste o mistério
das estrelas à fertilidade das minhocas. A obra, em moldes bojudos e rebar-
bativos como queriam alguns manufatureiros da moléstia do sono, tomaria
proporção de tal modo perigoso, que o seu aspecto amedrontador, de bicho-
folharal – , mil, duas mil, cinco mil paginas – lembraria o Dicionário do Sr.
Cândido de Figueiredo, que Deus tenha no reino da gloria. Dessa amplitude,
fatalmente, gerar-se-iam bate-bocas, controvérsias polêmicas semelhantes às
que sucedem em torno da obra do minudente lexicógrafo de além-mar; se não
me atraíssem, como também aconteceu ao autor luso, taponas e bengaladas.
Ora, o intento deste trabalho inocente, sem complicações gramaticais nem
buracos filológicos, é outro, tanto mais respeitável quanto gentil com o públi-
co pela repulsa que oferece ao registro de gato e sapato daqueles meus glaucos e
amados ermos. O que se procura contar aqui, sem adormecer os incautos, são
fatos curiosos, incidentes picantes, fenômenos exóticos, definições pitorescas,
circunstâncias da vida e da morte mal entrevistos pela coletividade. Desde
que me refiro, por exemplo, de preferência ao candiru, peixe pequenino e
que entra em qualquer orifício do corpo humano, deixando de parte o suru-
bim, peixe grande, que apenas entra na panela em virtude da sua finalidade
alimentícia, é porque julgo o peixe menor mais interessante. Eis, em linhas
O meu dicionário de cousas da Amazônia 95
gerais, o espírito d’O Meu Dicionário. E’ claro que, á proporção que ele se
for reeditando (na profecia do eminente e festejado mestre João Ribeiro),
ir-se-á ampliando com outros verbetes, novidades que me ocorrerem, não
porque existam na Amazônia, sim porque sejam curiosos, dignos, em suma,
de figurar numa galeria de quadrinhos, meio sérios e meio risonhos, ante os
quais o que se aspira é o freguês de olhos abertos. Se eu sou contra a morfina,
o ópio, a liamba, os entorpecentes, em geral, como não havia de ser hostil ao
maior narcótico literário que é um dicionário completo? Caso me tivesse pas-
sado pela mente que o simples título da obra, que tanto o restringe, não seria
compreendido por todos os leitores, como o foi pelas grandes individualidades
da crítica, esta nota já teria sido estampada no 1º volume.
com que a gente amazônica usa este vo- já se lera em outros livros. De seu, nem
cábulo, porque só o aplica nesta acepção: uma nota nova e original. Porque o condão
Mariquinha é geniosa, isto é, zangada. dos poetas talvez não seja ver, mas inven-
Que rapaz de gênio barulhento. Você tem tar, ou, pelo menos, entrever somente. Os
muito gênio, seu Sinzenando, só responde maiores poemas do universo, que cantam
com quatro pedras na mão. A não ser na os dramas surpreendidos na luz idealista
camada culta, não empregam a palavra gê- dos troveiros e rapsodos, só crescem e vin-
nio como princípio inspirador de arte, de gam dentro da ficção, incluindo mesmo os
virtude, de ação, de formidável talento; e de Homero, que descreviam batalhas.
muito menos como espírito sobrenatural Graúdo – Sujeito importante. Che-
que preside ao bem ou ao mal no destino fe político. Coronel. Chegou um graúdo
dos homens. Aquilo é um gênio poético. É da capital. Dizquê vem fazer a eleição pro
o gênio da raça que nos guia. governo. Quem não votar com ele parece
Gira – Idiota. Cretino. Maluco. Aque- que é recrutado.
le sujeito é gira, parece que tem um para- Graveto – Galho seco, fino, combus-
fuso frouxo. Lá vem o gira. Ontem queria tível, caído da árvore e que se encontra no
tirar a roupa na avenida, é gira. chão das florestas. Também o chamam
Goiaba – (Psidium guaiava) – Pe- sacaí.
quena árvore. Carrega muito. Os frutos Grávida – Pejada. Que vai dar à luz.
amarelos, redondos, pouco maiores que o Também dizem de barriga. Mulher do
limão, têm polpa vermelha, cheia de caro- compadre Cornélio está grávida outra vez.
cinhos do tamanho de bagos de escumilha. E’ filhenta que é danada. Será que coma-
Há uma variedade verde, longa, de polpa dre Miquelina já esteja outra vez de barri-
branca. Faz-se da massa a célebre goiaba- ga? A neta do Pafúncio está engordando de
da. O doce do fruto, em calda, é muito de- repente. Aquilo é gravidez.
licado no paladar e no perfume. A madeira Grilo – Inseto, triturador, que salta e
é adstringente. Tem muito tanino. Medra tem órgãos estridulantes. Verdes, ao cair
com tal facilidade, que mais mata todas as da noite, zunem por toda a parte. Há o
plantas, e toma conta do terreno fazendo grilo doméstico, que vive em casa, e os grilos
verdadeiros goiabais. campestres, que habitam no mato. Há uma
Gonçalves Dias – O grande poeta ma- espécie chamada “paquinha”, que mora
ranhense também peregrinou na Planície. nos jardins, em galerias, dentro da terra.
Esteve em Manaus. Embebeu-se naquela As crianças caçam-nas. Olha uma paqui-
natureza doce e hostil, branda e rústica, nha que eu peguei, meu mano! Os grilos
quieta e tormentosa. A sua exaltada imagi- vivem zunindo. São músicos, boêmios
nação, a sua vibrátil sensibilidade tolhem- incorrigíveis como as cigarras, segundo a
lhe a segurança visual, a perspectiva direta. lenda, hoje desvanecida por Fabre.
Foi, pois, sob o fio luminoso do Equador, Guá – L. G. Vale. Seio. Bacia.
um mau naturalista: não sabia observar. O Guajará – (Chrisophyllum et lucuma)
que se lê dele, com fogo e beleza, não há – Nomes científicos do guajará preto e do
dúvida, a respeito da Amazônia e dessas guajará vermelho, que medram na terra
lendárias guerreiras que sovaram Orellana, firme. O branco da várzea foi, sem dúvi-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 99
esquerdo da pétrea muralha que circun- lor da menor. Há também a garça morena,
da a desmesurada planície equatorial. dum branco sujo. Pousadas em certas árvo-
Guinada – Desvio na singradura dos res, na beira dos lagos e dos rios, lembram
navios ocasionado pelos rebojos, estoques grandes buquês de noivas, de tal modo en-
de água e mesmo pela falta de cuidado do cobrem a folhagem.
homem do leme. Olha essa guinada, ma- Guirapepô – L. G. Asa.
rujo. Atenção no governo. Ficaste fora do
Guri – Criança. Menino. Vê o que
rumo. Mais a boreste. Mais a bombordo.
Andar assim. este guri está fazendo. Já comeu todo o
Guirá – L. G. Pássaro. Ave. Alado. açúcar. Guri danado. Segunda-feira já vais
pra escola.
Guirantinga – L. G. Nome por que
o índio chama a garça. Mesmo domestica- Gurijuba – (Arius Luniscutis) – Peixe
da, é perigosa. Fura os olhos das crianças. de mais de metro, vive nas águas submari-
A pequena Ardea candissima dá uma aigrete nas do Pará. E’ pegado a espinhel. Comida
delicada. As penas da grande, Ardea agretta, de pobre. O grude é exportado para o es-
também chamada garça real, não tem o va- trangeiro onde fazem dele cola.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
a Amazônia, tida como peso morto no em crise porque lhe elevaram o custo, e a
Brasil por um mau observador do Prata, Colúmbia, atraída pela miragem, entrou
aos pináculos agrícolas e industriais. no mercado prejudicando-nos. Cumpre
Honra, pois, aos sentimentos em- afastá-la reduzindo o preço do café. Sozi-
preendedores desse ianque chamado nhos na Amazônia, sem o auxílio do ouro
Henry Ford, que está edificando na face fecundante e protetor, jamais poderíamos
da imensa planície equatorial a Fordlân- realizar o milagre da reconquista de um
dia roncante de máquinas e povoada de mercado perdido, como era o da borra-
árvores; e, o que é mais, transformando cha. O exemplo das grandes exportações
um trecho desabitado do Brasil num dos pelos mínimos preços deixarem os mais
núcleos mais movimentados do Planeta. lucrativos resultados funda-se na própria
Mas, o que sobretudo nos impressiona e indústria dos automóveis Ford. Carros
muito perfeitos e baratos, projetaram-se
alegra na obra que o rico homem está des-
no mundo enriquecendo o homem que os
dobrando na minha terra, é a restauração
ideou.
do nosso prestígio e do nosso predomínio
na indústria da borracha. A plantação da Henry Walter Bates – Naturalista in-
glês dos mais verdadeiros e fiéis, como ob-
seringa dentro de processos modernos, no
servador, dos que andaram por aqui. Fala
seu próprio habitat, vai de novo restituir
encantado do nosso clima. Dos onze anos
ao Pará o antigo bastão de primeiro ex-
que ele viveu na Amazônia, nove residiu em
portador não só da hévea, porém, o que é
Ega, hoje Tefé, no Solimões. Suas aprecia-
tudo, da melhor hévea do mundo. Associo
ções sobre hábitos, costumes, natureza do
aqui o Amazonas. E isso consubstancian-
vale são preciosas pela verdade que encer-
do logo o que se deve fazer para aniquilar
ram. Durante sua longa estada na Planície
o competidor do Oriente: a estandirzação colecionou 14.712 espécies animais, sendo
do artigo e a redução do preço. Porque só 8.000 novas. Constatou ainda no raio de
podemos destruir o adversário longínquo, uma hora de excursão em torno de Belém,
ao mesmo tempo em que impedimos o metrópole paraense, a existência de 700 es-
nascimento de novas empresas em outros pécies de borboletas. “Foi, graças à extrema
pontos do Planeta, diminuindo o preço variedade dos lepidópteros”, diz Reclus,
do quilo ao mínimo, de maneira que nin- “que Bates pôde fazer aqueles estudos com-
guém, por mais poderoso, se anime a con- parados sobre o transformismo e o mimetis-
correr com as nossas baixas cotações. A va- mo, que tanto contribuíram para munir de
lorização da nossa goma-elástica tem que argumentos o autor da Origem das Espécies
repontar da sua desvalorização. O parado- e consolidar sua hipótese.” As suas observa-
xo, aparentemente inexpressivo, é, de fato, ções étnicas sobre a fidalguia, a nobreza e
resultante das leis econômicas e constitui a a distinção rude e altiva dos mundurucus,
única defesa do nosso produto. O café está são de raro flagrante.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
nião de James Orton contrária a Agassiz e soca-se o café com erva-doce. Entre o café
à ideia, entre os discípulos deste, de vir à e o almoço, pra forrar o estômago, mingau
Amazônia uma expedição cientifica estudar de banana verde, mingau de milho, mingau
o assunto. Chefiada por Hart, e composta de arroz. Entre o almoço e o jantar, vinhos
por Branner, Orvile, Rathbun e Herbert de açaí e cacau. A sobremesa do caboclo
Smith, essa expedição, que vinha com o quase sempre se compõe de frutos crus:
sentido de apoiar o mestre, concluiu que banana com farinha, laranja, uxi, umari,
Agassiz estava errado. bacuri, além da pupunha e do piquiá co-
Jamundá – L. G. Que furta. Ladrão. sidos. Janta, hoje, gente, é tambaqui. Que
Povo de larápios. Também chamam Nha- há pra janta, Maricota? Tamuatás. Estão
mundá. Rio que divide, pela margem es- uma beleza. Vou fazer panela de maniçoba
querda do vale, o Amazonas do Pará. E’ pra nossa janta de domingo. Traga maniva
de água preta e desemboca numa série de boa, seu Januário, e atire num queixada ou
lagos. caititu. Tirei na beira do jejuí uns ovos de
Jangada – Grande número de toros tracajá pra nossa janta.
de madeira flutuante, principalmente de Japá – Quadrilongo tecido de folhas
cedro, amarrados em quadriláteros, com de palmeira para servir de porta, tolda,
aspecto de um vasto estrado à flor d’água. teto de paperi.
Algumas têm duas e três fiadas sobrepos- Japiim – (Cassicus persicus) – Pássaro
tos, calando mais que um couraçado de preto e amarelo; gosta da vizinhança das
esquadra. Esses toros foram árvores tom- casas. Faz o ninho em bolsas de fibras par-
badas no caudal, com o desabamento da das pendentes da frança das árvores. E’ o
terra, e que vinham de bubuia na corrente. grande cantor alado da Amazônia. Tem
Cortadas as raízes e os galhos, ligados uns fama de arremedar todas as vozes, menos
aos outros por cabos e cordas, constitui a a do tangurupará. Dizem que o bico en-
jangada trazida para os mercados compra- carnado desta ave, parecendo estar sujo de
dores de Manaus e Belém. Parecem verda- sangue, o amedronta.
deiras cidadelas flutuantes, com uma, duas, Japijapa – (Carludovica palmata) –
três casas de moradia, galinheiro, curral de Bombonácea, toquila, palha do Chile. Ja-
porcos e tartarugas, mastro. Derivam com mes Orton diz que ela é mais da família
a corrente. Algumas vão até aos Furos de dos pandanus que propriamente da família
Breves, onde se desmancham para os em- das palmeiras. Entretanto o seu flagelo de-
barques, em virtude de encontrarem o flu- nuncia Dea Palmaris. Dá em touças e não
xo e refluxo da maré atlântica. cresce mais de 9 pés. É do seu talo, fervido
Janta – Jantar. Terceira e última refei- e macerado, que se fazem os célebres cha-
ção daquelas em que a gente da Amazônia péus de Chile. Há muita em Manaus, nos
subdivide a sua maneira alimentar. Das jardins, parques, salas. Importada dos altos
sete para as oito da manhã, café com pão, rios, aclimou-se na capital amazonense.
beiju, rosca, farinha de tapioca. Ao meio- Jaqueira – Apelido posto na Faculda-
dia, almoço. Às seis da tarde janta. Fora de de Direito do Amazonas, quando ainda
dessas horas fixas, come-se muito. Logo ao não estava oficializada. É formado, aquele
levantar, uma xicrinha de café. No interior sujeito? Na Jaqueira, coração. Você é ba-
108 Raimundo Morais
charel da Jaqueira. Entretanto de lá têm planta silvestre. Suas flores alvas (fusifo-
saído muitos homens que honram a juris- me em botão), possuem um delicadíssimo
prudência. Esse achincalhe, felizmente, e perfume. As mulheres da Amazônia aro-
para honra do Amazonas, está passado. matizam sua roupa branca com ela. Há
Jaquiranaboia – (Fulgor lanternaria) também o jasmim-da-itália (Jasminum
– O nome indigena de jaquiranaboia quer grandflorum) e o jasmim-de-laranja (Mur-
dizer cigarra, falsa-cobra, de jaqui, cigar- raya exotica).
ra-rana, falso-mboia, cobra. Colorida de Jaticá – Arpão de haste comprida.
jade-laranja, salpicada de branco e preto, Fisga, arpéu, instrumento de arremesso
tem em cada asa um ponto escuro circun- que se atira aos grandes peixes.
dado de amarelo, que dá ideia de farol. Javari – L. G. Rio da Onça. Curso
Voando, lembra borboleta; pousada, gafa- lindeiro, pela margem direta do Amazo-
nhoto. Seu ferrão, tido como perigoso, fa- nas, que separa o Brasil do Peru.
tal mesmo, não é mais que a tromba suga- J. E. Wappaeus – Alemão. Quem
dora de todos os insetos do seu gênero. Na não lhe conheça a origem, depois de lida
floresta gosta muito de sentar no tronco da a sua admirável Geografia Física do Bra-
copaíba. Há quem a tenha observado sobre sil, atribui esse trabalho a um homem de
o tóxico açacuzeiro, donde lhe vem talvez a ciência latino, imbuído de estética, ena-
ferretoada venenosa. A lenda sobre a jaqui- morado da beleza, tão lindas são as suas
ranaboia é de que a sua picada é mortal. descritivas, tão leves as suas páginas, tão
Jararaca – Mulher danada, má, ruim. decoradas as suas narrativas. Trabalho gra-
Aquilo é uma jararaca, seu Januário. Mari- fado em alemão, foi vertido para a língua
do dela come da banda podre. É surra de brasileira por Fr. Lutemberger, com a co-
cipó que o pobre não se apruma. Chega a laboração, nas respectivas especialidades,
andar magro, o coitado. de Saldanha da Gama, Orvile A. Derby,
Jararaca – (Cophias jararaca) – De Barão Homem de Melo, Pimenta Bueno
cor arroxeada, com pontos mais claros Álvaro de Oliveira, Martins Costa, Ramiz
nos flancos, barriga esbranquiçada, é um Galvão e outros. Se Wappaeus não esteve
dos ofídios mais perigosos da Amazônia. na Amazônia, era um gênio de assimila-
Aproxima-se dos povoados. Invade as ca- ção, tal a sua originalidade e a elegância
sas. Há também a jararacuçu (Bothrops ja- de forma que aviva, na nossa memória,
raraca ou Lachesis lanceolatus). o caso de Reclus, que, apesar de nunca
Jarina – (Phytelephas macrocarpa e ter vindo aqui, é distinto e verdadeiro nas
Phytelephas microcarpa) – Palmeira do compilações feitas.
marfim vegetal, que são os caroços. Os da Jeju – (Erythrinus) – Peixe do mato
macrocarpa, brancos; os da microcarpa, que, em certas épocas, é apanhado aos pa-
róseos. Com eles se fazem botões, indús- neiros. No Baixo Amazonas chamam-no
tria muito desenvolvida na Planície. maria-doce, devido à sua carne ser mole e
Jasmim – (Jasminum officinale) – Tre- vagamente açucarada.
padeira própria para grade de jardins, de Jenipapo – (Genipa americana) –
caramanchéis, de pavilhões. Resistente à Árvore vargeira, de porte comum, dá uns
canícula, ela sobe a lavra com facilidade frutos pardos, do tamanho de laranjas
O meu dicionário de cousas da Amazônia 109
grandes, dos quais se prepara um vinho senhora fazer sopa com ele. Juiz e o vigário
admirável. Além desse vinho, os índios de lá não dispensam.
extraem da massa exterior do fruto um João Daniel – (Padre) – Missionário
suco, aplicado na tatuagem. de rara inteligência, de fulgurante estilo
Jepê – L. G. Um. e peregrina imaginação. Inventor de cem
Jequi – Armadilha em forma de funil, aparelhos, inclusive processos de navegar,
tecida de talas, para apanhar peixes. de observar, de aproveitar a energia da hu-
Jereba – Girante. Que volteia, que lha branca. Autor do Tesouro do Máximo
plana no ar. Grande voador. Urubu (Ca- Rio Amazonas, passou dezoito anos na Pla-
thartes aura). Chamam na Planície de je- nície. Escreveu a parte mais importante da
reba aos indivíduos hábeis, escovados, que memória referida, por volta de 1797, no
logram os outros, que vivem inventando cárcere de S. Julião, em Lisboa.
cousas do arco-da-velha, quando tudo não João Lúcio de Azevedo – Escritor
passa de cenário de papelão, de fita. português que formou a sua mentalidade
no oriente da Planície. Veio para Belém
Jiboia – (Boa constritor) – Em tama-
muito jovem, subindo de caixeirinho da
nho chega perto da sucuriju, pois vai a 12
importante casa armadora A . Berneaud
metros de comprido e como esta não tem
& Comp. a sócio principal. Além dos
veneno. Seu tom de chocolate, com pintas
dois irmãos Augusto e Alfredo Bernaud,
negras, é sombrio. Os índios educam-na
a firma se compunha dos três Joãos,
para caçar ratos. E’ o gato da maloca e vive
João Lucio, João Afonso e João Borges.
pelo teto das choças. Mesmo nas cidades,
O primeiro chegou a grande escritor, de
alguns taberneiros e quitandeiros se ser-
fundo histórico, que é hoje; o segundo,
vem desse ofídio para espantar os ratos que
já morto, alcançou o posto de brilhante
lhes devoram as viandas. Não é venenosa. cronista; e o terceiro, marujo, capitão de
Sua arma é a força com que quebra os os- navios, o casca-grossa da trindade, che-
sos da presa para engoli-la inteira depois gou a capitalista... Os Jesuítas no Grão-
de bem gosmada. Os velhos tapuios dizem Pará, a obra mais importante de João Lú-
que a jiboia, depois de desenvolvida, vai cio, revela-lhe qualidades de fino e vero
para o fundo dos rios e lagos, nunca mais historiador, colorista, sintético, elegante.
voltando a terra. Quem escreve esta nota capitaneou vários
Jimboeçaba – L. G. Reza. Oração. navios da linda frota fluvial de João Lú-
Jirau – Estrado erguido sobre achas cio. Assim o Rio Aquiri, o Rio Afuá e o
entre o teto e o solo para guardar manti- Rio Machados, belos gaiolas daquela épo-
mentos nas dispensas. Palanque usado ao ca, foram comandados pelo autor do Meu
ar livre nas ilhas, onde a terra alaga, como Dicionário.
pequenas hortas e jardins aéreos. Joça – Sem importância. Que joça é
Jito – Pequeno. Miúdo. Era um pei- essa? Não vou nessa joça. Aquilo não passa
xe assim, jito, que pulou. Matupiri, será? duma joça.
Que camarão jito, meu São Francisco das John C. Branner – Naturalista ame-
Chagas. E’ havido, madrinha. Compadre ricano. Presidente e lente de geologia na
Satiro, mandou, lá de Cametá, disquê pra Universidade Stanford em Califórnia. Foi
110 Raimundo Morais
um comovido amigo do Brasil, tanto que que amanhece enforcado no galho das
escreveu a Geografia Elementar, que para árvores. Às nove horas, quando rompe a
sua glória, é das maiores, especialmente aleluia, rompe também a pancadaria no
dedicada aos estudantes brasileiros. A lombo do Judas até o deixarem em fani-
síntese maravilhosa desse trabalho corre cos. Nos altos rios descem-no da corda
parelha com a profundidade da matéria. a balas de rifle. Também usam colocá-lo
Os capítulos: “Geologia dinâmica”, “Ge- numa balsa de madeira e soltam no rio
ologia estrutural” e “Geologia histórica” abaixo. Em cada barraca ou barracão que
valem por um surto admirável de sabe- ele passa, estronda a fuzilaria que, por fim
doria. As suas considerações sobre a Pla- o despedaça.
nície, que ele visitou em companhia de Jupati – (Raphia tadigera) – Palmei-
Frederico Hartt, quer na parte referente ra que só habita em terras banhadas pelo
aos fósseis, quer na parte propriamente fluxo e refluxo da maré. Do talo cilíndrico
telúrica, honram a inteligência do ho- das folhas se extrai uma fibra alva, delica-
mem, ilustram a evolução do Planeta, da, da qual se fabricam chapéus tão leves
aclaram os horizontes da trajetória da que parecem feitos de plumas.
Terra e da humanidade. A segunda vez Jurumum – (Cucurbita maxima) –
que veio ao Brasil foi por conta de Edi- Abóbora alimentícia que figura nas mesas
son, e no caráter de botânico à procura regionais nas mesmas condições da batata.
de madeira apropriada a certos aparelhos O filhó do jurumum é magnífico.
elétricos. Era escritor. Em 1921 publicou Jurupari – Deus autóctone. É o De-
uma série de contos sobre os negros do mônio. Aparece em pesadelos, tira a fala às
Tennessee, sobre a criação, sobre o moti- vítimas, sufoca-as e aterroriza-as. Sempre
vo por que as serpentes não têm pernas, que o índio se deita na mata, colhe certa
e outros muitos curiosos e alegres. Não folha que espanta o Jurupari, a fim de que
foi só amigo da terra brasileira, mas do este não lhe flagele o sono.
homem também, no qual reconhecia gê- Jurupencém – L. G. Boca partida,
nio inventivo, inteligência, operosidade. rachada, dividida. Espírito Santo.
Residiu no Brasil. Seu juízo sobre nós é Jururu – Triste. Calado. Pescoço
valioso porque, além da cultura, possuía mole, cabeça pendida. Você anda jururu,
um grande caráter. De parte os trabalhos coronel, há alguma cousa? Nunca vi com-
sobre geologia e cerâmica, publicou uma padre Anastácio tão jururu como agora.
gramática da língua brasileira, o que bem Disquê gente da cidade não quer saber
demonstra a projeção da sua inteligência mais dele pra chefe.
em todas as províncias da sabedoria. Jutaí – (Hymenaea courbaril L) – Le-
Judas - Divertimento popular do sá- guminosa. Grande árvore em que as araras
bado de aleluia. E’ um grande boneco fi- pousam para lhes comer os frutos. Dela se
gurando um homem (“O Judas bíblico”) extrai a resina jutaicica.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
de-candeia. Da família dos lauráceas, me- Luís Cruls – Astrônomo notável. Pai
drando nos igapós, de porte desenvolvido, do festejado homem de letras Gastão Cruls,
a madeira tem um cheiro vivo de terebinti- autor da Amazônia Misteriosa. Foi quem
na. O óleo, fino, dourado, em condições de retificou a linha Cunha Gomes, determi-
acionar motores antes mesmo de ser purifi- nando-lhe a verdadeira situação em novas
cado, é conhecido por gasolina vegetal. coordenadas. Diretor do observatório do
Luís Agassiz – Naturalista suíço. Ge- Rio de Janeiro, o eminente cientista deu
ólogo. Zoólogo. Paleontologista. Visitou o o seu concurso à Planície nesse definitivo
Amazonas em companhia da esposa, que trabalho de limites entre o Brasil e o Peru,
era quem escrevia o celebre Diário em
ficando desde aí precisamente estabelecida
cujas páginas o habitante da Planície foi
nas cartas geográficas a nascente do Javari.
tão atacado na sua moralidade. Homem
Mas ele andou também nas terras alpestres
de imaginação, levantou a teoria das ge-
leiras. Reconstruiu a fisionomia do vale, do Sistema Brasileiro, observando o solo
que se estendia, segundo a sua visão re- da futura metrópole nacional. Descobriu
trospectiva, Atlântico a dentro, a ponto de no sopé dos Pirineus, ao fundo da bacia
receber como afluentes, naqueles idos pré- Tocantins, águas termais; e, se não esta-
históricos, os rios brasileiros que deságuam mos em erro, foi ele ainda que precisou a
hoje no mar até a Paraíba do Norte. O seu verdadeira altura dessa cordilheira, tida em
estudo sobre peixes é dos mais completos 2.752 metros, quando, na realidade, não
que já se fizeram por aqui. excede a 1.385.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
prega-se ela nos beijus e nos mingaus para tanta eficiência na Amazônia. E mais me
convalescentes. Corre, como propaganda prendeu o livrinho, pelo fato de aí, nessas
talvez da força da terra acriana, que, ali, a linhas históricas da moléstia e do medica-
mandioca vira macaxera, isto é, planta-se mento, virem estes dados: “A MALÁRIA,
mandioca e nasce macaxera. designada também pelos nomes de impa-
Machadinho – Pequenino machado ludismo, sezões, maleitas, febres palustres,
com que o seringueiro corta a hévea a fim telúricas, é uma doença conhecida desde
de lhe extrair o leite. Debaixo do golpe co- a mais remota Antiguidade. Hipócrates
loca uma tigelinha de folha-de-flandres ou 500 anos ates de Cristo a tinha observado
de barro, para onde escorre o líquido que e dividido em quotidiana, terça e quarta.
se vai chamar depois goma-elástica, borra- A MALARIA começou a ser, entretanto,
cha ou ouro negro. mais bem diferençada das demais febres
Macacaua – (Tinamus, esp.) – Menor quando, em 1640, a condessa Del Chin-
que o inhambu, parece-se com a perdiz. chon, mulher dum vice-rei do Peru, e seu
Galináceo, bom prato. médico Juan del Vigo levaram para a Euro-
Macuru – Balouço onde as crianças pa as cascas de quina, usadas desde tempos
ficam horas e horas brincando. É um arco imemoriais pelos peruanos contra as febres
de cipó forrado de pano com duas faixas intermitentes. O emprego deste remédio,
também de pano cruzando-se no fundo e segundo o método dos jesuítas de Lima,
nas quais o pequeno senta e enfia as perni- curava estas febres ao passo que nenhum
nhas. Suspenso o aparelho ao teto por uma efeito produzia sobre outras que passaram
corda, o pequerrucho com os pés, que mal a chamar-se essenciais. Em 1847, Meckel,
tocam o solo, balança-o. descobriu o pigmento malárico; Wirchow,
Madeira – Árvore. Designação que o Feschl, Frerichs, Kelsch e Kiner estudaram
seringueiro dá a hévea. Só cortei hoje cin- as lesões produzidas pela infecção no cor-
quenta madeiras. O diacho da chuva não po humano e em 1880 Laveran descobriu
me deixou ir adiante. Tinha dez madeiras o gérmen da MALÁRIA. Ross verificou
naquela estrada, junto ao igarapé, que são que esse parasita completa o ciclo da sua
mesmo monstros. Oh! Madeiras bonitas! evolução no corpo do mosquito, explican-
Mãe-d’água – Boiúna. Cobra grande. do, assim, ser este inseto o transmissor da
Espírito aquático das lendas amazônicas. infecção, opinião aliás corrente há mais de
Hartt, registrando os mitos, conta a “His- duzentos anos entre os camponeses tosca-
tória do Paitunaré”, cobra grande. nos e do Tirol italiano. Estas febres não
Malacafento – Prenúncio de doença. existem somente nos climas tropicais mas
Mofino. Presa de mal-estar. Gente, ama- ainda em muitos países de clima frio como
nheci hoje malacafento, parece que vou a Itália, França, Grécia, Inglaterra, Suécia,
adoecer. E’ uma morrinha, um desejo de Rússia, etc.” Transcrevendo estas notas,
rede, que só sezão. para o grande público, viso desfazer a im-
Malarina – Um prospecto da firma pressão geral de que só na Amazônia existe
César Santos & Cia. Sobre a malarina, malária. Os homens de ciência conhecem
há já tempo em minhas mãos, atraiu-me a verdade, mas a massa coletiva da popu-
a curiosidade para esse medicamento de lação de outros estados, principalmente, a
116 Raimundo Morais
ignora. É uma doença que nos foi trazida Manaus – Tribo selvagem que ha-
e que a “Malarina” e a profilaxia brasileira bitou o local onde se acha atualmente a
andam combatendo vantajosamente. metrópole amazonense. Lugar da Barra,
Mal-assombrado – Lugar onde apa- nome por que foi conhecida nos seus pri-
recem almas do outro mundo. Ponto no meiros dias. Perto do atual palácio da pre-
qual as visagens se manifestam. Os espí- feitura ainda se encontram, nos cemitérios
ritos não saem daquele barracão. Aquilo aborígines, as urnas funerárias, os despojos
é dinheiro enterrado. De noite é assobio, da famosa nação dos índios. Os manaus
pedrada, grito, gemido, soluço, que as- eram uma raça valente e que exibia, como
sombra o mais pintado. Não há quem decoração indumentária, folhetas e pepitas
durma lá. Barracão mal-assombrado. E’ de ouro. La Condamine, fazendo algumas
um tipo mal-assombrado. considerações sobre o célebre e fantástico
Maloca – Aldeia de índios. As barra- Eldorado de Manoa, sugere, com muita
cas, cobertas de palha, têm feitios cônicos. argúcia, a possibilidade de ter vindo dos
Cada tribo possui a sua maloca, mais ou índios manaus, sempre recobertos de me-
menos povoada. Algumas, restos de raças tais dourados, a lenda do Eldorado de Ma-
quase extintas, só têm uma casa, que é mu- naus. Há, decerto, uma notável semelhan-
dada de acordo com a maturação das roças,
ça. Deixando, porém, de parte a tradição e
com o aparecimento das formigas-de-fogo,
a lenda, é justo que se veja a linda capital
com a vizinhança dos seringueiros, com o
do Amazonas de agora, limpa, alegre, mo-
desaparecimento da caça e do peixe.
derna, subindo e descendo no movimenta-
Mama em onça – Interesseiro. Que
do terreno em que se levantou à borda de
namora moça vesga, capenga, maneta. Ca-
inúmeros igarapés, ao presente aterrados
sado com mulher feia. Comadre já viu a
pela mão do homem. Se a cidade crescesse
mulher do promotor? Já. E’ medonha, um
coirão. Aquele homem mama em onça, sobre a topografia antiga, verdadeira rede
que Deus não me castigue. Disquê é por hidráulica, era, nestes dias, uma curiosa
causa do dinheiro do pai. Veneza amazônica, pois onde hoje trafe-
Mamoeiro – (Carica papaia) – Árvo- gam os bondes e os automóveis, singravam
re de caule fofo, sem utilidade para marce- as ubás e igarités. Erguida sobre lombadas
naria ou carpintaria. Tronco reto, no topo de terreno alto, a ponto das viaturas de 30
tem um buquê de grandes folhas. Seu anos passados necessitarem de três cavalos
fruto, semelhante a um melão pequeno, para trafegarem, Manaus é bem a cidade
quando maduro, constitui uma excelente das colinas, que a população vai, numa
sobremesa. Verde, é posto como adubo na terraplenagem insensível, escavando, bai-
carne cozida. Dizem que espanta o cara- xando, nivelando até rasá-la em planície.
panã. Sem o mamão macho não frutifica. Capital do vasto e generoso Estado do
Dá nos terrenos baldios, nas capoeiras, nas Amazonas, aí residem, no Palácio Rio
taperas. Adaptou-se tanto aqui, a ponto da Negro, os seus presidentes. O derradeiro
Amazônia parecer o seu país de origem. E’ deles, na 1º Republica, foi esse querido o
mexicana. bondoso Durval Pires Porto, engenheiro,
Mamote – Bezerro que ainda mama. varão ilustre e de largas virtudes, honesto,
O meu dicionário de cousas da Amazônia 117
respeitoso, incapaz de um ato que não seja Mangue – (Risofora mangle) – Plan-
digno e honrado. ta palustre do litoral, com raízes aéreas.
Mandií – (Pimelodus) – Peixinho de Medra sobre o tijuco e possui tanino. O
pele que não passa dum palmo. Os garo- caranguejo gosta muito dos mangues, por-
tos pescam-no no porto de Belém a cani- que as raízes levantadas como grandes e
ço e a linha. No alto Amazonas anda em finos pés de galinha, facilitam-lhe o movi-
cardume, sendo maior e mais gordo que mento, a fuga para os esconderijos abertos
o do estuário. É perigoso tirá-lo da malha no tijuco.
das tarrafas e redes por causa dos esporões Mangueira – (Mangifera indica) –
laterais, agudos, dolorosos quando ferem. Aclimado na Amazônia, este grande vege-
Excelente alimento assado ou cozido. As tal oriundo da Ásia é, além de magnífica
caldeiradas de mandiís são famosas. Há árvore de sombra, um excelente fornece-
ainda a ilha do Mandií no estuário do To- dor de frutos, que amadurecem e caem
cantins, onde se vê assentado o farol do nos primeiros meses de inverno. Não fora
mesmo nome. a sua raiz, que rebenta o calçamento das
Mandinga – Feitiço. Bruxaria. Ama- ruas à proporção que cresce, e nenhum
nheceu mandinga na porta do coronel. outro indivíduo botânico lhe disputaria
Disquê é cabelo de defunto com terra de a primazia como árvore decorativa e de
cemitério e pena de coruja. sombra nas avenidas e parques.
Maneira – Abertura perpendicular, Maniçoba – Panelada de folhas de
do tamanho dum palmo, que costuma maniva socadas ao pilão e cozinhadas com
ter, num dos flancos, a saia da mulher do adubo de peixe ou carne. Em geral a gen-
interior da Planície. Estás com a maneira te da Amazônia faz hoje esse prato com
aberta, Chiquinha. Fizeste a maneira gran- mocotó, língua salgada, tripa, cabeça de
de demais. porco. Iguaria excelente, muito parecida a
Maneta – Que tem falta de uma das uma feijoada completa, precisa ferver pelo
mãos. menos 24 horas, a fim de que as folhas fi-
Mangaba – (Hancornia especiosa) – quem tenras e macias.
Pequena árvore nativa gomífera. O fruto, Manicoré – L. G. Alma de porco. Ci-
gosmento, pegajoso, dum verde ferrugino- dade e afluente à margem direita do rio
so por fora e branco por dentro, posto na Madeira. O caudal tem roído de tal forma
água depois de caído da árvore, maduro, o porto da cidade, que a primeira fila de
pois, perde a resina e fica em condições de casas está para se precipitar nas águas.
ser comido. O sorvete é excelente. Manipueira – Caldo de mandioca.
Mangar – Zombar. Caçoar. Vá man- Tucupi antes de ir ao sol ou ser fervido,
gar do boi, seu José. Quem manga tam- cru. E’ um tóxico terrível.
bém morre. Deixe de mangar dos outros. Maniva – (Manihot utilíssima L.,
Olhe castigo espanhol. euforbiácea) – Vegetal arbustivo, cujos
Mangaua – Irmão de leite. Filho da tubérculos se chamam mandioca. Não é
nossa ama. Que se criou conosco. Quem é silvestre. Parece trazido pelo índio, ou pelo
esse moleque? Meu irmão mangaua. negro, como o foi o milho do selvagem, de
118 Raimundo Morais
mamotes, aí passam 30, 40, 60 dias sus- las encalhados lá por cima, destinados a
tentados pelos vaqueiros que trazem cano- passar ali perto de um ano, muitas vezes
as cheias de canarana e a distribuem em desencalham com o “repiquete” do mata-
duas rações diárias pela manada. Na ge- feijão e descem a salvo.
neralidade morre parte desse gado, triste, Matalotagem – Farnel. Comida que
mal alimentado, casco descolado, quando se leva para viagem. Peixe ou carne assa-
não é o caudal que sobe a arrebata as reses, da com farinha, num saco de pano, que
maromba e tudo. se conduz no jamaxi ou no panacu a fim
Marrecão – (Chenalopex jubatus) – de se passarem alguns dias na roça ou nas
Corpo de ganso, cores vermelhas, azuis, pescarias. Sua matalotagem, mano João, é
negras e bronzeadas, é um dos mais lin- pra quatro dias; carne está bem seca; o pei-
dos palmípedes de Planície. Ouvido fino, xe é piracuí. Vai também tucumã e uxi pra
representa um guarda vigilante, pois qual- vaçumê ir roendozinho na canoa.
quer estranho à casa é denunciado por uma Matapi – Cesto cônico feito de talas
espécie de grunhido, de canto tremido, de de palmeira para apanhar peixe no fundo
aviso baixo que ele dá. dos igarapés e lagos.
Maruim – (Ceratopogon) – Pequeni- Mateiro – Caminhante das selvas. In-
no díptero, quase redondo, que aparece divíduo que tem o instinto de se locomo-
em nuvens pela manhã. E’ comum no ver na floresta amazônica sem instrumen-
inverno. Causa vivo aborrecimento pela tos. Vai para onde quer. E’ o mateiro que
impossibilidade de evitá-lo. abre as estradas de seringa. O solo, a flora,
Mastruço – (Chenopodium ambrosio- a fauna são os seus guias. Sem bussola, ele
ides) – Também conhecido por-erva-de- vara as mesopotâmias, corta dum rio pra
santa-maria, esta planta herbácea é muito outro. E’ um privilegiado da natureza.
aplicada contra vermes intestinais. Tanto Matéria – Pus. Nascida dele parecia
os médicos, cientistas, como a pagelança uma laranja de grande; quando rompeu,
doméstica, usam-na misturada ao óleo de foi matéria que nem sei. Inda está saindo
rícino contra lombrigas; mentraz. matéria do tumor do Joanico aqui no pei-
Mata-feijão – Repiquete inesperado to, já nele.
que aparece, no princípio da vazante, nos Matinas – Primeiros repiques de sino
altos afluentes do Amazonas e Solimões. nas igrejas com o raiar do dia. Assim que
Em maio e junho, quando as praias mar- bater matinas, em Nazaré, nós levanta.
ginais já estão descobertas, os moradores Matintaperera – (Diplopterus nai-
plantam nelas a mandioca, o milho, a me- vius) – Ave trepadora e que come inseto.
lancia, o melão, o feijão. Areias adubadas Reputada como descobridora de manan-
pela colmatage, são fertilíssimas. Sucede, ciais, que assinala com a presença, o sel-
porém, que em certos anos, quando a vagem a tem como encarnação de uma
plantação já está grelando, vem uma en- divindade silvestre. Às vezes ela se trans-
chente inesperada que interrompe a va- forma num tapuinho capenga de barrete
zante, alaga a praia e destrói a sementeira. vermelho, segundo lenda, e é, então, o
E’ a isso que os habitantes do ocidente da deus autóctone que castiga os meninos
Planície chamam de mata-feijão. Gaio- rebeldes, malcriados, travessos, desobe-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 121
dientes às mães e às avozinhas. Quando lisa, por fora. Por dentro, ora é encarnada,
as crianças não se corrigem ele as furta com as sementes pretas, ora branca com
de casa. as sementes claras. Também dá muito nas
Matupiri – (Tetragonopterus) – Um praias. E’ uma das frutas refrigerantes na
dos menores peixes da Amazônia. De es- Planície.
cama, prateado, com algumas manchas Melão – (Cucumis melo) – Perfumada
escuras, serve para isca na pescaria que se cucurbitácea que se cultiva nas praias do
faz aos grandes peixes. Vive nos igarapés Amazonas e de todo o vale, se bem que
e igapós. Decorativo, botam-no junto às não seja silvestre. Há uma espécie branca
tartaruguinhas nos vasos de vidro, espécie esverdeada por dentro e outra alaranjada.
de aquário de algumas salas da Planície. Por fora é amarela e cheia de gomos.
Matuto – Sujeito do interior. Rocei- Mel-de-pau – Mel de abelha. Encon-
ro. Acanhado. Que leva conto do vigário. tra-se na mata, principalmente nas árvores
Que compra bonde. Que pergunta tudo. podres, nas madeiras de lei. A melípona
Que anda de fraque de noite. Que veste é muito comum na floresta amazônica.
smoking de manhã. Que pede licença para Além do mel, fabrica a cera preta, perfu-
entrar em botequim. Que vive examinan- mada. Também aplicam a expressão em
do as notas que recebe. Que calça borze- casos complicados, misteriosos, cheios de
guins de rangedeiras. Que bota ponta de lances ocultos. Aquilo é um verdadeiro
cigarro atrás da orelha. Que anda com mel-de-pau, cunhado. Ninguém sabe de
o lenço no pescoço. Que cumprimenta nada. Que mel-de-pau é esse, minha gen-
quanta cara encontra. Que diz amém a te, disquê Mirandolina teve um filho?
tudo. Que volta para o sítio sem xeta. Membi – L. G. Gaita.
Maximiliano da Áustria – (Prínci- Memória – Anel. Bonita aquela me-
pe) – Naturalista. Botânico. Descrevendo mória dela. A sua memória de prata é uma
a nossa floresta, disse que o Brasil era a re- lindeza. Fiz esta memória de tucumã des-
pública livre das plantas, onde em geral o tinada ao dedo mindinho: é pra me lem-
déspota humano pouco aparecia. Naqueles brar duma coisa...adivinhe? Perdi minha
tempos. A vida dessa república, na referên- memória de ouro.
cia de Wappaeaus, mostra a luta incessante Mentruz – Mastruço.
pela liberdade e igualdade dos tipos vege- Me-olha – Na maneira de falar do
tais, atividade que se desdobra também caboclo da Amazônia, os pronomes prece-
entre os homens na luta pela vida. dem os verbos. Ele não diz olha-me nem
Melado – Suado. Encharcado. Mo- que o rachem; é me olha, me escuta, me
lhado. Suei tanto que fiquei todo mela- manda, me ama. Erro, segundo os puris-
do. Me dê uma camisa que estou melado. tas; a verdade, no entanto, é que assim se
Aquela chuva me deixou melado. Venho usa no espanhol. E não há motivo para se
escorrendo em suor, todo melado. Mela- julgar a língua de Cervantes um idioma
do, no Sul, é símbolo de mel. Aqui na Pla- atrasado ou sem beleza. Ao contrário, é
nície, não, mel é mel mesmo. mais plástico, harmonioso e sonoro que o
Melancia – (Citrullus vulgaris) – português. Eu estou inteiramente com o
Cucurbitácea verde, rajada de branco e caboclo. Me dá, me belisca, me cutuca, me
122 Raimundo Morais
vas da Planície. Pequenino, preparam-lhe alguns são lavrados em forma simples, ci-
a carne na própria carapaça, que, depois lindróide, elíptica ou de conta. Outros, de
de ir ao forno com o picado dentro, tem linhas zoomórficas, representam quelô-
o nome de casquinho de muçuã. Vive nos nios, batráquios, quadrúpedes, serpentes.
lagos pouco profundos e em terra, quando Ainda outros, de modelos antropomorfos,
eles secam. Caçam-no a fogo no verão. lembram focinhos, carrancas, bicos, chi-
Mucuim – (Tetrancychus molestissi- fres de monstros. A essa relíquia se em-
mus) – Do gênero Trombidium, quase mi- prestam atributos miraculosos. Dão amor,
croscópico, vermelho, vive no capim e nas felicidade, saúde, riqueza. O mineral em
ervas no tempo do inverno. Com o verão que é talhado o muiraquitã amazônico, é a
duro desaparece. Produz uma coceira ter- nefrite. O do asiático é a jadeíte.
rível. Quando se volta do campo, é tal a Mujanguê – Massa de ovos crus de
carga de mucuim, que se torna necessária tartaruga, tracajá, gaivota, misturados
fazer uma fricção de álcool pelo corpo, a com farinha-d’água e açúcar. E’ um ace-
fim de matá-los. pipe muito usado nas viagens da planície
Mucuracaá – (Petiveria aliacea) – amazônica. Salta-se nas praias, colhem-se
Planta de cheiro esquisito, sarmentosa, os ovos nas covas, e a refeição, forte, subs-
sudorífica, empregada na terapêutica re- tancial, está feita. E’ o mujanguê.
gional.
Mundé – L. G. Armadilha de madeira
Muçurana – (Rhachidelus bras.) –
para apanhar caça, principalmente graúda.
Muçu falso. Cobra sem veneno que, depois
Feito de tronco ou taboa suspensa numa
de lutar com as venenosas, as mata infali-
das extremidades, o chamariz está ligado
velmente. Parece uma aliada do homem.
a um aparelho que desprende a peça prin-
E’ escura, lisa e lustrosa. Os zoólogos bem
cipal, pesada, e que esmaga o quadrúpede
informados da fauna brasileira recomen-
ou ave que a toca.
dam aos caçadores que não á matem, tão
útil ela nos é. Mundurucânia – País dos munduru-
Muirapuama – (Ftychopetalum ola- cus. Região do guaraná. Terra em que vivia
coides) – Árvore mediana e florestal da a grande tribo selvagem dos mundurucus,
terra alta na Amazônia. As raízes são em- que foram os índios por fidalgos das selvas,
pregadas em banhos contra o beribéri. E’ tais os seus atributos de caráter e dignida-
tida como afrodisíaca. de. E’ um dos trechos da planura amazô-
Muiraquitã – Amuleto de pedra ver- nica de um raro futuro pela fecundidade
de atribuído às icamiabas, mulheres sem de sua gleba, virgindade de suas matas,
marido, tidas como pertencentes a uma riquezas de sua fauna. O grande índice de
nação guerreira que enjeitava o filho varão. tudo isso são os japoneses, que estão lá ins-
A tribo feminina é pura lenda inventada talados com uma próspera colônia.
pelo espanhol Orellana, que foi o primei- Mungubeira – (Bombax munguba) –
ro a explorar a descer o caudal do Amazo- Árvore vargeira, porte mediano, da família
nas, dos Andes ao Atlântico. Quanto ao das bombáceas. Em certos meses do ano
talismã, é um fato. Existe. Feito de pedra perde as folhas, de sorte a parecer, ao cair
verde malva, com finos veios ferruginosos, dos nevoeiros, uma árvore europeia sob a
126 Raimundo Morais
neve. Sua paina, creme, brota dentro de sa tinta, resiste mais. Há um ditado: “Já é
grandes cápsulas roxas. tempo de muruci, cada um cuide em si”.
Munguzá – Mingau de milho branco Murucututu – (Athene torquata) –
feito com leite de castanha ou de coco. Ave noturna, agourenta, com que as amas
Mupicar – Remar ligeiro, miudinho, amedrontam as crianças contando ao fazê-
acelerado. Mupica essa remada, parente. -las dormir. Vive nas matas próximas aos
lagos e igarapés. E’ uma subdivindade da
Também se emprega no sentido de marcar
mitologia aborígine da Amazônia.
o caminho na floresta, quebrando ramos
Mururé – (Brosimopsis acutifolia) – Ár-
na passagem para orientar a volta.
vore donde se extrai o mercúrio vegetal.
Mureru – Ninfeácea que erra de bu-
Mutá – Palanque no tronco das árvo-
buia nos lagos. Tem a forma de uma cam-
res onde o caçador espera a embiara, peixe
pânula. No estuário chamam-na de muru- ou caça, para frechá-los.
ré. E’ um dos alimentos do peixe-boi.
Mutum – Pássaro negro, do tamanho
Muruci – (Byrsonima) – Além dos fru- dum peru, bico encarnado, come prego,
tos, que são excelentes, próprios para com- dedal, chifre, anéis, o que encontra. Há
potas e doces em pasta, a sua casca dá uma varias espécies. O mutum-poranga (Crax
tinta castanho-vermelha com que a nossa alector), o mutum vulgar (Crax caruncula-
gente tinge as suas velas a fim do caruncho ta), o mutum fava, o mutum cavalo (ourax
não dar no pano. Até mesmo a roupa dos mitu) e o mutum-pinima.
curumins e dos vaqueiros, impregnada des- Muiracuruçá – L. G. Rosário.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
em quando vira cobra. Não quero negócio para o jusante, ouve, entre pessoas radica-
com gente pancada. das ao solo, e, pois, afeitas ao falar coríntio,
Paneiro – Cesto muito comum na senão paperi. Taperi deve ser uma corrup-
Amazônia, de grandes olhos, feito de ta- tela, derivada certamente da suposição que
las de palmeira, onde se acondiciona, de- o vocábulo venha de tapera, casa velha, o
pois de forrado interiormente com a palha que seria absurdo ao se tratar de uma casota
de ubim, a farinha-d’água. Há de várias recente e que não dura um ano.
medidas: meia quarta, uma quarta, meio Papoula – (Hibiscus rosa sinensis) –
alqueire, um alqueire. Este regula, em mé- Planta arbustiva com lindas flores de várias
dia, 30 litros ou 30 quilos. tintas. As mais bonitas são as encarnadas,
Panema – Desditoso. Inútil. Que não sangue vivo, em forma de grandes campai-
encontra caça nem peixe. Caipora. Desde nhas. Plantadas aqui, ali, nos gramados,
que eu botei os olhos naquele sujeito, D. picam o verde de vermelho e dão um pito-
Florência, que nunca mais vi um papagaio, resco original à pelouse.
uma tartaruga, um macaco. Fiquei panema, Pará – L. G. Mar.
panema. Parece que ele espalha urucubaca Paraém – L. G. Peixe seco.
da miudinha. Disque casa dele é só coruja, Parajuru – L. G. Estreito. Furo.
gavião, lagarto, matintaperera, murucu- Paraná – Braço de rio, com saída pelo
tutu. Se defume, meu bem, com arruda e montante e pelo jusante no mesmo rio,
pega-não-me-larga. Espanta tudo. constituído em geral por uma ilha encos-
Papagaio – Brinquedo feito de talas e tada a uma das margens continentais da
papel, com rabo de pano, que os meninos bacia. Também há paranás rasgados entre
empinam preso ao barbante ou linha. Nos ilhas, como, por exemplo, os do Marima-
dias de verão, quando sopram os alísios, o rituba, Amador e Maracauaçu. A navega-
céu da Planície fica pintado de papagaios ção na Amazônia, tanto quando possível, é
de todos os tamanhos e feitios. Fazem-nos feita dentro dos paranás, por dois motivos:
também redondos e chamam-nos arraias. 1º, porque encurta a distância, em virtu-
Guerreiam-se e lutam no ar. Alguns le- de deles se acharem na parte convexa das
vam laminas de vidro na cauda para cortar voltas; 2º porque aí a água corre menos.
a linha do adversário quando quer dar o Arredios, pela natureza da sua posição ge-
golpe chamado moquear, isto é, colher o ográfica, da linha profunda do canal, são
outro pelo rabo. quase sempre inavegáveis de verão.
Papaná – L. G. Borboleta. Paranamiri – E’ o mesmo Paraná, se
Paperi – Pequeno abrigo, feito na bem que mais estreito e sinuoso. Sucede até
mata e na borda dos rios, de algumas folhas que certos paranamiris são mais extensos
de palmeira. Casota improvisada para ligei- que os verdadeiros paranás. Apenas pela di-
ra defesa da chuva e do sol; há muita gente minuta largura e pelas voltas vivas, próprios
no Amazonas, principalmente o nordestino pois à navegação miúda, de lanchas e gaio-
que, estropiando a pronúncia, chama tape- las, vinga a designação diminutiva.
ri, em desacordo com os velhos caboclos do Paranapucu – L. G. Braço de mar.
baixo Amazonas, guardas fiéis da língua ge- Pardavasco – Mulato metido a bran-
ral e de seus dialetos. Ninguém, de Manaus co. Aquilo é um pardavasco de 18 quilates.
132 Raimundo Morais
Sujeito com todos os estigmas do afer e fazem-se ventarolas, pastas e bolsas para
que só leva dizendo que é apenas moreno. guardar lenços, camisas, roupa branca.
Meu noivo é branco moreno. Dizem que Patranha – Mentira. Boato falso. E’
ele é preto, mas por inveja, por ciúme... tanta patranha agora que a gente não sabe
Parasquê – Parece quê. Revela dúvida, de que freguesia é. Isso é patranha. Disque
se bem que não seja irônica. Paresquê ele vem ai a 3º Republica, meu bem? Sei lá! O
desta vez embarca. Mais usada no fim da tempo é de patranha.
frase: o noivo passou esta noite, paresquê. Paturi – (Heliornis fulica) – Patinho
Está chovendo no roçado dele, paresquê. d’água.
Pari – Pano de talas e varas com que Pau à-toa – Classificação de que se ser-
se constrói o cacuri, que é uma espécie de ve o caboclo para designar certos vegetais de
tapagem armada nas praias e onde o peixe que ele não sabe o nome. Maneira de desa-
que desce ou sobe a margem esbarra, resvala, pertar pra esquerda. Que árvore é aquela,
procurando o fundo e cai no saco do cacuri. seu Sizenando? Pau à-toa. E aquela outra?
Parola – Contador de histórias. Fala- Também. E aquela, lá ao longe? Igualmen-
dor. Você não passa de um parola. te. Então aqui é só pau à-toa? Quase só.
Parte – Modo. Maneira. Exigência. Paumaris – Tribo indígena que habita
Deixa de parte pra meu lado. Só vives as margens do rio Purus. Sofre de moléstia
com partes. Isto é parte dele. Estou farto do fígado, tendo a epiderme, principal-
de parte. Leva este menino que só vive fa- mente nas partes expostas à luz, toda man-
zendo parte. chada de placas cinzentas, quase azuladas.
Passagem – Termo por que os nave- São talvez os selvagens mais degradados do
gantes da Amazônia designam certos pon- vale. Não plantam, não criam, não têm in-
tos difíceis na derrota. Passagem de pedras. dústria. De verão, vivem nas praias ribei-
Passagem de bancos. Passagem de paus. A rinhas do rio comendo ovos de gaivotas,
passagem mais rasa entre Belém e Manaus camaleão e tartaruga. De inverno, sobre
é o Furo Grande, no estreito do Boiuçu, rústicas jangadas de madeira com ligeiros
arquipélago de Breves. A passagem mais paperis por moradias, internam-se nos la-
profunda é Óbidos, garganta do Amazo- gos onde se alimentam de peixe. Uma raça
nas. A passagem de pedras mais perigosa, aborígine vencida e quase extinta.
nas grandes vazantes, é a Puraquecoara, Pavão – (Euripiga solaris) – Papa-
também conhecida por Morona. Tem um -moscas e tem um movimento no corpo,
farol e está balizada com duas pirâmides sobre as pernas fixas, que dá ideia de es-
de cimento sobre cabeços de pedra. De- tar dançando um minueto. Quando vê
mora a jusante de Manaus duas horas. um inseto, fixa-o de tal modo que parece
Patauá – (Oenocarpus pataua Mart). hipnotizá-lo. Depois, com rápida e cer-
– Palmeira. O vinho do fruto, grosso, pa- teira bicada, devora-o. Rajado de preto e
rece chocolate, se bem tenha a cor creme branco, sua vida é comer moscas.
laranja. Muito oleoso. Pávulo – Gabola. Fanfarrão. Pedante.
Patchuli – (Andropogon squarrosus) Que se vangloria de amores, de valentias.
– A raiz desta erva, fina como um cipó, Mas que sujeito pávulo. Mulher nem olha
produz um perfume agradável. Com ela pra ele e é aquela gabolice. Apanhou como
O meu dicionário de cousas da Amazônia 133
cachorro e anda com pavulagem, bancan- Peru, fidalgo de Castela, a sua viagem cons-
do o herói. tituiu a maior tragédia que já se escreveu so-
Paxicá – Guisado do fígado da tar- bre as águas barrentas do rio-mar. Buscava
taruga. Cortam essa víscera em quadradi- o aventureiro os tesouros encantados do El-
nhos do tamanho de dados e guisam-na dorado. Ele próprio, soberano daquele rei-
numa caçarola. E’ um dos mais finos pra- no ambulante, pereceu vítima, com outros
tos do magnífico boi do Amazonas; muito companheiros, de Pedro de Aguirre, mem-
oleoso, porém. bro da mesma expedição, que lhe tomou o
Paxiúba – (Iriartea exorrhiza) – Pal- comando da frota. Vinte e tantas embarca-
meira donde se extraem fibras têxteis e ta- ções miseráveis, sem conforto, remadas por
buado em forma de ribas, que servem para índios, representavam aquele triste reino
soalho de casa e de ponte, revestimento em marcha. Traziam, quando largaram do
de paredes, etc. As raízes, sobre as quais Peru, carta de prego para o Inferno. Até a
assenta o tronco, parecem um feixe de es- amante de Ursúa, como se fizesse parte dos
pingardas ensarilhadas. despojos, passou às mãos do usurpador que,
Peconha – Circuito de enviras que os por fim, foi morto nas Antilhas.
apanhadores de açaí metem nos pés para Peiê – L.G. Dez.
se firmarem nos caules e subirem com se-
Peito-de-forno – E’ o picado da tar-
gurança as arvores de tronco fino.
taruga temperado com limão, sal e pimen-
Pé-d’água – Chuva grossa. Apanhei
ta, espalhado no próprio peito, recoberto
um pé-d’água no caminho que estou como
com uma leve camada de farinha-d’água
um pinto, todo molhado.
bem fina, passada numa gurupena de cri-
Pé-de-chumbo – Alcunha antiga
vo miúdo, e levado ao forno. Serve-se na
dada ao português. Também chamavam
mesa, mesmo nas cidades, onde as famílias
calcanhar-de-frigideira.
já têm hábitos apurados, assim ao natural,
Pé-de-prato – Demônio. Espírito ma-
como saiu ao forno.
ligno. Gente, parece que o pé-de-pato se
meteu na casa do compadre? Lá ninguém se Peixão – Mulher bonita, gordota.
entende. E’ um bate-boca da nossa morte. Você viu, compadre, na saída da igreja,
Pé de vento – Trovoada seca. Corren- aquele peixão? Cabocla de verdade, chega
te aérea súbita, imprevista, que surpreende a estar roliça. Aquilo é de comer tambaqui
o navegante, virando-lhe a canoa, rom- e beber açaí. Se não estou em erro, é da ou-
pendo-lhe a vela, levantando em tromba tra banda. Já dancei com ela no Janauari.
as areias da praia. E’ só priprioca e jasmim. Foi compare Ju-
Pedra-ume-caá – (Myrcia ou Eugenia) linho que me apresentou esse peixão numa
– Planta arbustiva das praias enxutas. E’ noite em que a coroa do Divino pernoitou
muito procurada a de Parintins, excelente no sítio do senador Silvério.
contra a diabetes. Empregam-na fazendo Pele – Nome por que é conhecida a
chá das folhas. bola de borracha, vinda dos seringais. Al-
Pedro de Ursúa – Explorador espa- gumas chegam a pesar 50 e 100 quilos. O
nhol que desceu o Amazonas, de Lima à conhecimento de bordo, os manifestos,
ilha Margarida (1560). Governador no os despachos registram peles de borracha,
134 Raimundo Morais
como se a mercadoria fosse couro de al- de doente. Do palácio e do hospital, por ser
gum animal. fina e inofensiva. A branca (Sciaena amazo-
Pequena – Namorada. Hoje só danço nica), é a mais procurada. A preta (Plagios-
com a minha pequena. A pequena ficou cion auratus), não é tão abundante quanto a
assada por causa da flor que eu dei pra ou- primeira. Nada de comida pesada, está ou-
tra. Está como uma cobra. Que pequena vindo? Pescadinha branca, em água e sal, ou
sapeca. gralhada, até que lhe voltem as forças.
Pequetito – Pequenino. Que mosqui- Pescoção – Tabefe. Dei quatro pesco-
to é este? Maruim. Como é pequetito. ções naquele caraolho, que ele viu estre-
Perau – L. G. Caminho falso. Gran- linhas.
de profundidade junto dos taludes, à beira Piaçaba – (Leopoldinia piassava).
dos barrancos. Sumidouro, fojo. Vem do – Palmeira. Dá uma fibra arroxeada que
tupi pirau (onde falta o pé). Depressão lembra a cerda do porco. Dela fazem-se
funda, ignorada do leito. cabos, cordas, espias, viradouros, escovas,
Percevejo – (Canorhinus vestitus) – E’ vassouras. Abunda no rio Negro.
a espécie, segundo Wappaeus, mais hemó- Picada – Vereda aberta a facão. Cami-
fila. Há o percevejo doméstico e o perce- nho no meio da floresta que mal dá passa-
vejo do mato. Este mais sugador, aquele gem para uma pessoa. Estou abrindo uma
mais fedorento. picada que vai da minha estrada de seringa
à estrada do compadre Malaquias. Vi hoje
Pereba – Feridinha, sarna, erupção
uma picada na mata. Aquilo é peruano
herpética.
que anda atrás de caucho.
Periantã – L. G. Ilha flutuante de ca-
Pichana – L. G. Gato.
narana que desce a flor d’água na corrente.
Picota – Galinha-de-angola. No Sul
Chamam-na erradamente de barranco as
chamam-na capote. Geralmente pedrês.
pessoas que não são da Planície.
Criada nos sítios da Amazônia, ao ar li-
Periquito – Nó. Laço que se faz com o
vre, fica rústica e com hábitos silvestres.
próprio cabelo no alto da cabeça das crianças. Põe os ovos fora de casa, no mato, em
Faz um periquito nesse menino. Está com as densas capoeiras onde é difícil penetrar.
madeixas todas atrapalhadas, é melhor fazer Desaparece na volta dum mês. E quando
um periquito. Também se chamam de peri- regressa é com a ninhada de picotinhos.
quito os dois nós extremos feitos na morta- Vem bicando, ciscando, cantando. Os ja-
lha dos defuntos indígenas, nos sambenitos. camins mansos do terreiro, amigos de pin-
Perlenga – Discurso. Falatório. Par- to, saúdam-na com esturros ventríloquos,
lenda. Palavreado. Que perlenga pau. Eu agachando-se, de asas abertas. Cumpri-
já estava dorme não dorme. A perlenga da- mento que a picota reponde, no caráter de
quele sujeito é pior que dormideira. mãe que está criando muitos filhos, com
Pernóstico – Paroleiro. Que fala difí- esta queixa: “’stou fraco! ’stou fraco, stou
cil. Que emprega palavras científicas sem fraco!” E está fraca mesmo. Perto de um
que nem pra-quê. mês no choco.
Pescada – E’ um dos peixes mais esti- Picuá – L. G. Cesto, saco, balaio onde
mados da Amazônia. Manjar de casa rica e se guardam objetos domésticos. Também
O meu dicionário de cousas da Amazônia 135
dos rios, quando os moradores das mar- Colares, esturário do Tocantins, é abun-
gens, com paneiros, tarrafas, serapilheiras, dante e pescado a espinhel.
frechas enchem canoas e canoas de pira- Piranha – (Serrasalmo) – Há bran-
mutabas, mandiís, pacus e outros peixes. ca, vermelha e preta. De escama, quase
O som confuso que essa multidão ictioló- redonda, como um disco, vive em cardu-
gica provoca, parece vir de longe. me, pronta a devorar a presa, seja embora
Piracuí – Farinha de peixe. Depois de um grande animal, como boi ou cavalo.
secar bem a carne do pirarucu, tambaqui, O ponto é haver um rasgão no couro do
pirapitinga, ao moquém, socam-na em pi- bicho ou na pele do homem ao atravessar
lão de madeira até reduzi-la a farinha. Tal um rio ou laguna. Voracissima, como o ti-
processo faz conservar por muito tempo gre, não pode ver carne ou sangue. E mes-
esse alimento, próprio para a matalota- mo conhecida, por esses caracteres ferozes,
gem dos viajantes, caçadores, pescadores. como o tigre da água.
Fácil de conduzir num pequeno jamaxi, o Pirão – Farinha-d’água misturada
piracuí é dos alimentos do índio o mais com caldo de peixe ou carne para servir
comum e sadio. de pão.
Piraíba – (Piratinga pirá-aiba) – Pei- Pirapaném – L. G. Estrela dalva. Pi-
xe de pele, é, ainda, o maior da Amazô- loto da manhã no céu.
nia. Chega a três metros de comprimento, Pirapitinga – (Chalceus opalinus) –
engolindo um homem. Vive nos grandes Peixe branco, na tradução indígena. Apesar
rios e baías. De vez em quando salta fora de ter muita espinha, é um prato delicado.
d’água quase a prumo. O caboclo conhe- De meio metro de comprido, no tempo da
ce, pelo salto da piraíba, se o rio enche ou desova sobe em piracemas, estrondando
vasa. Quando ela pula para o montante, nas margens do Amazonas rio acima.
enche; para o jusante, vasa. Malvista a sua Pirarara – (Silurus pirarara) – Peixe
carne, que aliás é saborosa, pela gente rica, de pele dos rios. Malhada de preto, bran-
só as classes menos abastadas das cidades co e vermelho, a sua gordura é tida como
da Amazônia a comem. No entanto os mé- de muito valor na pagelança doméstica.
dicos americanos, do Hospital da Cande- Fomente ele, comadre, com manteiga
lária, acima de Porto Velho, no rio Madei- de pirarara. É tiro e queda. Mano Chi-
ra, preferem-na a qualquer peixe, mesmo co estava assim. Pois com dois fomentos
à pescada, na alimentação dos doentes. O foi roçar. A gordura é aplicada ainda com
caso se torna mais singular, porque alguns grande êxito nos papagaios e periquitos.
desses médicos eram verdadeiras sumida- Obrigam esses trepadores a engolir nacos
des no mundo científico. de carne da pirarara para lhes transfor-
Piramutaba – (Platystoma Vaillantü) mar o colorido da plumagem. De ver-
– Peixe de pele, de três palmos, que nem é des, ficam todos malhados de encarnado.
muito procurado nem muito desprezado. Gente, como o louro tá diferente... Foi
E’ comida de pobre. No baixo Amazonas, manteiga de pirarara, nhá Zefa.
no tempo da desova, maio e junho, os car- Pirarucu – (Sudis gigas) – Um dos
dumes sobem estrondando pela margem grandes peixes da Amazônia. De escamas
do rio. Nas baías de Marajó, do Sol, de vermelhas, donde lhe vem o nome, é co-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 137
isso é um bem para a cidade e para a em- refluxo, em Manaus são os ventos alísios,
presa concessionária. Se a corrente pene- vindos do mar, que, depois de carregados
trasse por aí, a erosão seria fatal, trazendo de umidade na travessia do Atlântico, des-
como consequência o desmoronamento penham as chuvas no vale, auxiliados, para
da muralha, como há pouco sucedeu com as cheias periódicas, pelo gelo derretido na
o velho trecho próximo ao Ver-o-peso. O cordilheira dos Andes.
estabelecimento do porto de Belém é de Posta – Manta de pirarucu. Nome
30’. Ele tem três barras que lhe dão aces- por que, na Amazônia, se chama a uma das
so: a do Chapéu Virado, que é a do norte, bandas do Sudis gigas, aberta ao comprido,
mais profunda, assinalada pelo farol do para depois secar ao sol. Que posta rosada
mesmo nome e o farol do Tatuoca; a do de pirarucu! Veja esta posta de peixe como
centro, chamada do Cotijuba e assinala- está bonita, compadre. Tenho trinta postas
da pelo farol deste nome; e a do sul, mais para empacotar.
rasa, perigosa e estreita, conhecida pelo Potoqueiro – Cantador de mentiro-
nome do farol que a baliza: Arrozal. las. Nunca vi um potoqueiro como este re-
Porto de Manaus – O regime do por- gatão. Mente mais do que a preta do leite.
to de Manaus é fluvial. Enche e vaza de Potoca vive na língua dele. Não respeita
seis em seis meses. As águas principiam a barba das pessoas mais velhas.
baixar em junho e a encher em novembro,
Poxi – L. G. Mau, feio.
com pequenas variantes determinadas pelo
Praga – Abundância de carapanã.
verão e pelo inverno mais ou menos bran-
do ou copioso. A maré atlântica não chega Hoje tem muita praga, chega a estar zu-
até Manaus, de sorte que não há aí estabe- nindo. Tranca porta, janela, tudo cedo que
lecimento do porto, que é o retardamento praga é demais. Quanta praga, doutor! No
da preamar sobre a hora da passagem da baixo Amazonas, o processo de defesa con-
Lua pelo meridiano no dia de uma sizígia tra o carapanã é a casa fechada antes de
equinocial. Seu porto de acesso, construí- cair a noite. Cerram-se as portas, as janelas
do sobre flutuantes onde podem atracar os e apagam-se as luzes. Pouca gente aí usa
maiores paquetes do mundo, honra a inte- mosquiteiro, como sucede no ocidente da
ligência do homem amazonense. À margem Planície, nos altos rios, onde o nordestino
setentrional da baía do rio Negro, distante 6 se serve dele invariavelmente, e chama, em
milhas da foz, circunda, além do flutuante vez de praga, mosquito. E’ mosquito pra
de embarque e desembarque, uma vermelha mandar pra o Cão. Vote!
muralha de pedra (“Arenito”). Nas grandes Praia de viração – Tabuleiro em que
inundações, quando o degelo andino coin- se viram tartarugas; só possível em tempo
cide com as chuvas da Planície, a água sobe de verão, quando o quelônio sai d’água e
ao último pano da muralha, pouco faltando sobe a terra para desovar na areia. Viram-no
para alagar a terra marginal dentro do cais. então de peito para cima aos cem, duzentos,
A influência hidrográfica aí é mais meteo- milhares, de forma que ele não pode mais se
rológica que astral. Ao contrário do porto locomover. Vamos fazer uma viração ama-
de Belém, no oriente da Planície, onde a nhã na praia do Tamanduá. E’ um proces-
Lua é que rege o movimento de fluxo e so que concorre para extinguir a tartaruga,
140 Raimundo Morais
pois é feito antes da reprodução. Já existem que é falso. Que deseja a senhora que se
posturas municipais proibitivas. faça ao dono ou dona desta prenda? Que
Prancha – Grande tábua de um só vá lamber sabão. Que vá ver o sol nascer.
pau, que os “gaiolas” conduzem a bordo Que não minta mais.
para estabelecer comunicação entre o navio Priprioca – (Killinga) – Herbácea.
e os portos de escala. E’ pela prancha que As raízes, tubérculos ganglionados, têm
carregam e descarregam mercadorias; em- um aroma original. Raladas, servem ao
barcam e desembarcam passageiros. Bota a cheiro de papel usado na Amazônia para
prancha! Tira a prancha! São vozes ouvidas perfumar as gavetas de cômodas, os baús,
nos “gaiolas” durante a chegada e a saída de os sachets.
qualquer lugar no curso da derrota. Proa – Insolência. Arrogância. Veja
Prático – Piloto fluvial. Que dirige a aquela proa, seu doutor. Nem navio de
navegação a bordo dos “gaiolas”. E’ quem guerra... Que proa! Quanto mais se ele
dá o rumo, ordena a mudança de dire- fosse mesmo formado. Rábula barato...
triz, manda sondar. Todos os movimen- Nem da Jaqueira ao menos ele é...
tos da água lhe são familiares. O rebojo, Promessa – Voto que os fiéis fazem
o remanso, o estoque d’água, a corredeira ante os seus padroeiros e que cumprem
corresponde para ele a um fenômeno telú- num determinado dia depois de atendidos.
rico, a um acidente topográfico, no fundo Por doenças físicas e morais prometem di-
do rio nas margens. A derrota é feita pela nheiro, penitências, rezas, velas, membros
terra. As enseadas, as pontas, as árvores, de cera. O santo, então, cremos que antes
as abertas, os capinzais é que marcam o por bondade que pela paga, faz o milagre.
canal. Uma sumaumeira manda abrir da Há indivíduos, todavia, tão caloteiros, que
margem; um capinzal manda encostar. depois de servidos, esquecem o benefício.
Preamar – Quando a água da maré Outros, sovinas, só no momento do aperto
atinge ao seu mais alto nível. é que dizem dar isto e aquilo. Outros, ainda,
Prego – Casa de penhor. Está com as mesmo no instante afetivo, estão usuraria-
joias todas no prego. Relógio dele só vive mente regateando com a divindade. Existe
no prego, coitado! Também se emprega no um conto nas Várias histórias, de Machado
sentido de parar por cansaço ou falta de de Assim, que é uma verdadeira vergonha
combustível. Gente, carroça do Mané da em matéria de promessa. Um devoto dimi-
Horta deu o prego. Também cavalo dele não nui tanto o preço da cura da mulher, que
come, disque vive como o cavalo do inglês, S. Francisco de Sales fica escandalizado. E’
que Deus não me castigue. Automóvel do o próprio silvícola que narra isso aos cole-
governador deu o prego na Avenida. Falta gas na presença alarmada de um sacristão.
de gasolina, parece quê. Por que não usam Depois do fiel prometer uma perna de cera
álcool, que é cousa nossa e mais barata? para o azeite do culto, arrepende-se e só
Prenda – Jogo de salão. Divertimento quer dar 1.000 Padre Nossos e 1.000 Ave
doméstico entre rapazes e raparigas. Vamos Marias. Miséria inconcebível que o santo
brincar de prenda? Pague prenda. Por que conta ironicamente, sorrindo, a S. Miguel,
o seu fulano na berlinda? Porque é bonito. a S. João Batista e a S. Francisco de Paula,
Porque é rico. Porque é namorador. Por- numa doce cavaqueira sagrada, em hora de
O meu dicionário de cousas da Amazônia 141
folga religiosa, para mostrar a usura de cer- vermelho sem dizer que era o príncipe de
tos católicos. Gales. E pedia logo uísque para oferecer
Pronto – Sem dinheiro. Estou hoje ao herdeiro do trono da Inglaterra. Mim
liso, sem um tostão. Não tenho com que pesado, mim bife, mim patriota. E dizia
mandar cantar um cego. Fiquei pronto no horrores da rainha Isabel com sir Walter
jogo do bicho. Ando cercando o macaco Raleigh. Puçanga é o nome de um formo-
há dois meses, mas nada. O bicho salta so livro de Peregrino Júnior e que foi pre-
que nem o macaco-de-cheiro no mato. miado pela Academia Brasileira de Letras.
Prosa – Falador. Padroeiro. Este su- Pucuri – (Nectandra puchuri major) –
jeito é um prosa, vice contanto histórias Da família das lauráceas. Os frutos, com
do arco-da-velha. Que prosa, aquilo é só favas ovoides, aromáticas, têm o sabor da
da boca pra fora. Vá ser prosa assim para noz-moscada. São medicinais.
o diabo. Puera – Lama enxuta. Fundo de la-
Puba – Apodrecida. Mandioca puba, goa seca. Campos desencharcados, endu-
amolecida na água durante muitos dias. recidos pelo sol. Há quem chame ipuera.
Puçá – Instrumento de pesca. Sim- Putirum – Ajuntamento de vizinhos
ples aparelho com que o caboclo apanha e amigos para trabalhos de roça, constru-
peixe miúdo, marisco. E’ um arco de cipó ção de casa, pescaria. Auxílio recíproco dos
ou arame em que se veste um saco de pequenos lavradores. O putirum, apesar
pano, em forma de funil, de malhas mais de ser uma reunião para fins agrícolas e
ou menos abertas. Usam-no com cabo, domésticos, é, de fato, um pretexto para
nas pescarias de camarão, como um saco
festas, ladainhas, danças. Tanto que, antes,
de entomólogo para apanhar borboletas. E
na casa em que se faz o putirum, há uma
usam-no com alça, atada à linha, quando
verdadeira acumulação de comestíveis para
o mergulham no leito dos rios e lagos.
o sustento de 10, 20, 30 pessoas. Juntam-
Puçanga – Medicamento de curan-
se o pirarucu, a farinha, os xerimbados
deiro. Droga da pagelança. Beberagem.
destinados ao alimento dos convidados.
Mezinha, em geral de ervas, folhas, cipós,
Comem-se até as galinhas dos santos, os
aplicada na feitiçaria. Cuidado com algu-
leitões do senhor bispo, os jabutis do vi-
ma puçanga. Não toma nada lá no sítio
gário. Verdadeira heresia, pecado mesmo.
dela, nem vinho de cacau, nem açaí, nem
Credo!
café. Aquilo é mestra em puçanga. O ma-
jor Bonifácio, quando andou enrabichado Puxando – Depressa. Olha como
pela Chica Engole-cobra, diz que foi man- aquele “gaiola” vem puxando pra chegar
dinga feita por ela. Assim compadre Cae- de dia. Naveguei desde ontem puxando.
tano... Bebeu lá um café, e, não lhe digo Também se diz do bêbedo. Um sujeito que
nada, nunca mais pegou um mandií, de só vive puxando. Não te mete que ele está
panema, minha xera. Um doutor inglês, puxando.
coitado, que, andava por aqui pegando Puxar fogo – Sinal dado à máquina
as suas aranhas, as suas minhocas, os seus a fim de que maquinista de quarto mande
grilos, ficou tão virado da bola com a fei- ativar os fogos para a embarcação partir.
tiçaria da mulher, que não podia ver boto Mande puxar fogo, imediato.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Amazônia tece um tipo intermediário, mais cabeças de gado, seu cacaual, sua roca, seu
forte, porém menos belo. As varandas, em batelão. O capitão Nicolau é remediado,
geral, em vez de serem urdidas do mesmo já tem seus teréns. Está para ser coronel,
fio ou linha, são de chita. dizquê. Filha dele vai pra capital estudar
Regatão – Embarcação de comércio pra professora. E’ tão bonitinha, benza-a
ambulante. Galeota, maior que a igarité, Deus.
de tolda corrida, com um compartimen- Rengideira – Barulho que fazem cer-
to fechado à popa. E’ tirada a remo de tas botinas. Que reúnas para rangerem. Só
faia por dois tripulantes. Propriedade queimo agora rengideira, hein, compadre?
hoje do turco, já o foi do hebraico e do Repiquete – Sinal de enchente, acima
português. Trafega em toda a Amazônia, do estuário amazônico, onde não predo-
vendendo artigos de estiva e artigos de ar- mina mais a força da maré atlântica. Pri-
marinho. Há, no seu bojo, desde o jabá, meiras manifestações anuais das cheias.
a conserva, a farinha, o feijão, o sal até Enxurrada. Lençóis turvos de linfa. Água
à conta, ao pente, ao brinco, à seda, ao nova que invade a água transparente,
anel. Chamam indiferentemente de rega- quieta, manchando de placas barrentas a
tão ao dono e à galeota. Não falo com
toalha líquida. Gente, rio está enchendo!
esse regatão safado. O regatão está fazen-
E’ repiquete. Canoa fugiu com o repique.
do água.
Cuida de desmanchar a roça por causa da
Reimoso – Que faz mal ao sangue. cheia; repiquete vem aí.
Que produz erupção de pele. A carne de
Repuxo – Resistência. Você não tem
anta é muito reimosa, a da piraíba tam-
cara de quem aguenta repuxo.
bém. Não coma nada reimoso, compadre.
Só uma pescadinha de grelha, um inham- Rês – Boi, vaca, novilho, vitela, touro
buzinho e um chazinho de cidreira (erva- dos rebanhos vacuns amazônicos. Aplica-
cidreira). Também dizem carregado. E’ se o termo, indistintamente, aos machos
muito carregado esse peixe. Isso é a caça e fêmeas. Que rês é aquela, capataz? E’ a
mais carregada que eu conheço. Coma- vaca da comadre Josefa. E aquela outra?
dre Camélia está com a cara grossa só de Qual? Aquele cornopeto de armação re-
provar caititu. Assim o coronel. Pegou a torcida. E’ o touro do dr. Figueiredo.
comer jabuti e tracajá, olha a idade das pe- Restinga – Cordão de praia nova co-
rebas... E’ cada uma rodela que parece tajá. berta de lodo e que geralmente reponta
Ele que tome batatão, que é remédio bom do seio das águas à costa. Baixio recente,
para essas moléstias de inglês. comprido, isolado; às vezes uma das extre-
Remanso – Água dos rios que corre midades toca na beirada.
na beirada em sentido contrário do cau- Retiro – Barraca afastada das fazen-
dal em virtude de pontas de terra, fins de das de gado, próprio pra domitório dos
praias, enseadas, onde o ângulo morto vaqueiros. Vou levar cinco homens para o
provoca uma espécie de refluxo fluvial. retiro a fim de examinar as reses do Bom
Remediado – Que tem alguma for- Jesus. Está dando muita bicheira lá. Carra-
tuna. Sujeito que dispõe de recursos, que pato também é demais. Então, aproveite e
tem seu “sítio”, seus bicos de galinha, suas ferre a bezerrada.
146 Raimundo Morais
Reúnas – Borzeguins de soldado. Bo- lance em questão pelo ocidente. Nos dias
tas ordinárias. Anda com umas reúnas de correntes, esse trecho é um braço quase
rengideira, que se ouve na Marapatá, cre- morto, que seca a todo instante. Os file-
do! Onde arranjaste estas reúnas? Eu agora tes d’água que passam do Amazonas para
não quero calçado fino, que não dura; vou ele, pelos Furos de Breves, auxiliados pelo
comprar reúnas. Anapu, Pacajás e Jacundá, não o alimen-
Ribanceira – Talude à margem do tam suficientemente, de maneira a dar
rio. Terra escarpada, nua, talhada a pique oportunidade. Só depois que ele recebe
na orla dos cursos d’água. o Tocantins, na altura do Mandi, é que
Richard Spruce – Inglês nascido na seu leito se escava rumo do mar. Assim
Escócia. Naturalista de alevantados mé- todo o trecho que vai dos Furos de Breves
ritos. Depois de Von Martius, foi ele o ao Joroca, incluindo as baías de Melgaço,
maior botânico estrangeiro que visitou a Portel, Bagre, Oeiras, e que se chama rio
Planície. Seu Notes of a botanist é um re- Pará, levanta o colo, seca, gangliona-se,
positório magnífico de informações sobre rasando continuamente. E não passarão
a nossa flora. Quem coligiu e publicou muitos séculos que esse primitivo galho
esse trabalho foi Alfredo R. Wallace, pois amazônico se transformará no istmo que
Spruce, doente, desanimado, não pôde vai fazer de Marajó uma península. O
levar a cabo tal obra, cheia de mapas geo- rio Pará, pois, à proporção que o tempo
gráficos e múltiplos documentos do Arbo- avança, definha e morre.
retum Amazonicum. O primeiro volume, Rios gêmeos – Todos os tipos de
referente a Belém, Santarém, Óbidos, rio curso fluviais do mundo são encontrados
Trombetas, Manaus, rio Negro, rio Uapés na Amazônia, como se aí fosse o reino
e rio Orenoco, além das minuciosas ano- monumental de uma feira hidrográfica.
tações do mundo vegetal, estuda a índole Além do colorido das águas, barrento,
do nosso povo. Spruce, porém, afora es- transparente, verde, azul, branco, ama-
tas viagens no baixo Amazonas, esteve no relo, vermelho, negro, surgem os tipos
Peru cisandino e nos Andes do Equador. antagônicos ora parecidos, quase iguais,
Rio Pará – E’ como se chama o cau- ora diferentes, como se fossem antípodas.
dal que contorna o sul de Marajó. Ele foi Desde o rio de planície ao rio de mon-
um volumoso galho do Amazonas em tanha, passando pelo misto, que é o rio
tempos idos, quando o grande rio rompeu de planície e de montanha, ao mesmo
a comporta que o separava do Atlântico. tempo, ao se encontram. Mas, entre essa
A rechã do Marajó, que nessa era não pas- variedade de artérias de água doce, há que
sava de parte do bloco continental, ficou registrar os gêmeos, isto é, os parecidos,
ao centro, como ilha. O lençol líquido que lembram filhos do mesmo pai e da
que principiou a banhá-la então pelo mesma mãe. Assim, o Purus e o Juruá são
flanco meridional, em virtude da curva, os mais semelhantes do grande anfiteatro.
foi perdendo a velocidade e o sedimento Atravessando a mesma infinda planura
começou a colmatagem até que surgiu o coberta de floresta ao sul da corda má-
numeroso arquipélago chamado agora de ter, que é o Amazonas, as suas barrentas,
Ilhas de Dentro, e que ameaça fechar o as suas voltas sinuosas, as suas penínsu-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 147
las rasgadas em “sacados”, são idênticas. meu roçado. Então, não foste promovi-
Flora e fauna irmãs, há que remarcar, na do? Cabia-te a vez. No meu roçado não
vegetação, uma dessemelhança: enquan- chove, meu velho.
to abunda no Purus, desde a foz até às Roceiro – Pessoa do interior, que cor-
nascentes, o castanheiro, Bertholetia ex- responde ao camponês da Europa. Indiví-
celsa, no Juruá não existe a famosa árvore, duo, simples, que veste e fala em desacor-
estragando-nos o “similis” das selvas. De do com a gente da cidade. Aspecto roceiro.
parte isto, porém, ver o Purus correndo Sujeito, que, longe, demonstra logo sua
de verão e de inverno, por entre duas pa- proveniência dos povoados, vilas e cida-
redes de verdura, é ver o Juruá correndo. des da planície. Coronel roceiro. Matu-
Em seguida vêm outros dois gêmeos: o to. Chefe político da roça. Moça chegada
Xingu e o Tapajós, de linfas esverdea- na capital é roceira. Estou ainda roceiro,
das, transparentes, encachoeirados, com compadre.
vegetação diferente da dos rios de água Rocinha – Habitação nos arrabaldes
branca carregados de sedimentos. Fluin- de Belém. Casa fora da cidade, espécie de
do ambos ao sul da Amazônia, de cor- quinta, toda de pomar. Moradia antiga da
rentes pobres de detritos, coloração úmi- gente rica do Pará. Vai caindo em desuso
da, parecem-se profundamente, desde o essa designação, substituída agora por vila,
perfil de suas margens até ao panorama bungalow, retiro.
de seus vales. Da banda do norte, isto é, Rodela – Tábua da proa e popa da
nas terras guianenses, correm outros dois canoa que fecha a embarcação. Também
parecidos: Nhamundá é Trombetas. Vê- significa, carapetão.
se, depois, uma série de rios difíceis de Rolo – Briga entre muitas pessoas.
aproximar. Assim, o Negro e o Branco Que rolo danando ali na estância do seu
são, logo pelos nomes que lhes refletem a Manuel do Minho.
coloração hídrica, dessemelhantes. O To- Ronca – Antigo. Remoto. Apareceu
cantins, que nasce na terra mais velha do com uma roupa do tempo do ronca. Aqui-
globo e morre na terra mais nova, é único lo é dança do tempo do ronca. Festa do
na bacia, desde os rumos em que rola, de tempo do ronca.
sul a norte, até à sua flora de cabeceira Rouqueira – Pequeno canhão grosso
e de desaguadouro. O Javari, o Japurá, o de ferro ou bronze usado no interior da
Jari, o Maecuru, cada qual tem a sua fi- Amazônia para anunciar, nos sítios e veló-
sionomia mais ou menos desigual. rios, festejos populares e religiosos. Gente,
Roçado – Mata desbastada para cul- parece que ouvi um tiro de rouqueira na
tivar o terreno. Área que se limpa para outra banda o rio, será? E’ no sítio com-
plantar. Fiz um roçado que parece um padre Silvério. Querem ver que foi padre
campo. Só deixei de pé, como o índio, Ananias que chegou. Ou então é Coroa
as pupunheiras. Abri um roçado na ter- do Divino que vem subindo na desobriga.
ra firme. Também se emprega no senti- Se for, eles pernoitam aqui. Vamos dan-
do figurado, para exprimir felicidade ou çar. E se mata o capado de S. Benedito.
caipora. Disque tiraste, pela segunda vez, Aqueles dois patos de S. José também vão
prêmio na loteria? E’, está chovendo no pra faca; e as quatro frangas das Onze Mil
148 Raimundo Morais
Virgens. Não vejo a jabota de S. Pedro. nuvens. Ele preside às paixões; é encarre-
Festa de Santo só se come xerimbabo de gado de agitar os sentimentos nobres no
santo. Aproveitemos ocasião pra mandar coração humano, de despertar a saudade,
também pro leilão da matriz de Manaus o a simpatia, a generosidade, o desejo. Sua
casal de “nicorne” que se criou em louvor missão principal é fazer amar. Outros figu-
de S. Cornélio. ram-na como deusa, pois os mitos autóc-
Rudá – L. G. Deus do amor. Figu- tones, consoante observação minuciosa,
ram-no como um guerreiro que reside nas são todos femininos.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
quadrilha, meu santo, um cavalheiro porre Sangrar – Primeiros golpes que o se-
pisou no pé de uma dama e haja tapona. ringueiro dá nas árvores antes de colher o
Foi um salseiro tão grande que chamaram leite. Já estou sangrando a estrada. A se-
o subdelegado. ringueira, antes de principiar a produzir,
Samambaia – (Adiantum) – Lindo é sangrada diariamente, para acostumar.
feto rendado, gênero avenca, parece um la- Vou principiar a cortar amanhã. A estrada
birinto verde na floresta. Existem diversas já está sangrada.
espécies, todas curiosamente recortadas, Sanguessuga – (Hementeria Ghilianii)
abertas, complicadas como se fossem urdi- – Vive nos charcos, nos pirizais, nos igapós,
das por alguma artista da selva ou tecidas onde, enfim, houver uma toalha d’água
por alguma divindade autóctone. estagnada. Além da espécie determinada
Samba – Baile de roceiros. Os instru- acima, que é a maior de todas da Planície,
mentos são viola, cavaquinho, harmônica. existem várias. Quem entra nu num agua-
Aquilo é samba na casa do capitão Vítor. çal vem coberto de sanguessugas. O limão
Diz que ele comprou um gramofone que espremido sobre o animal obriga-o a largar
toca de um tudo. Estão estreando. Capitão a presa. Da cesura, quando ele cai, escorre
é dunga no samba. Terreiro da casa dele é
um fio vivo de sangue. Embora se amplie
limpo, capinado, bom pra samba.
este nome de sanguessuga às lombrigas
Sambaqui – Colina de carapaças de parasitas internas do organismo humano,
moluscos. Monte de conchas. Despojo
no Amazônia só se chama sanguessuga à
da cozinha selvagem. Mais conhecido na
lacustre.
Amazônia por mina de sernambi, é donde
Santarém – Cidade paraense à mar-
se tira a matéria-prima com que se fabrica
a cal nas caieiras da Planície. gem direita da foz do Tapajós. Parece uma
urbs marítima pelas águas verdes e pelas
Samburá – Cesto feito de talas. E’ ter-
mo africano, vindo do Sul e pouco usado praias louras. Contornado uma colina que
na Amazônia. Aqui, o que não é paneiro é desce mansamente sobre o rio, é a cidade
balaio, jamaxi, uru, panacu. mais industrial e alegre da Planície. Faz do
Samuel Fritz – (Padre) – Filho da navio ao “cheiro” de papel. Tem estaleiro,
Boêmia. Conhecido por Apóstolo do caieira, fábricas de cuias, de vinhos, de
Amazonas. Catequista, membro da Com- canoas, de batelões, de remos, de doces.
panhia de Jesus servindo nas missões es- Industriosa e feiticeira, por entre os arti-
panholas do ocidente da Planície foi dela gos manufaturados ela vai empurrando
a primeira carta geográfica do Amazonas, aos araras o seu irapuru embalsamado, o
depois corrigida por La Condamine. Le- seu olho de boto, a sua canela de socó, o
vantou-a quando desceu dos cimos rumo seu rabo de tamanquaré. No fundo lodo-
do Atlântico. Apesar de ter baixado até so da sua baía para o montante já houve
Belém por doença, foi aí preso à ordem do molusco, lindos bivalves, curiosas conchas
governador Sá de Meneses (1689). Recluso nacaradas que se apanhavam enterradas
perto de dois anos no Pará, onde elaborou na lama. O miliardário norte-americano
o seu mapa, por fim o recambiaram para Ford, instalado pouco acima, Tapajós a
as missões castelhanas do alto Amazonas. dentro, planta borracha nas suas terras e
O meu dicionário de cousas da Amazônia 151
constrói uma grande cidade, que será a de vaca, outro gritos humanos. Nos alaga-
Nova Orleans amazônica. diços, mal anoitece, ouvem-se cem duetos
Santos, Estanislau Pessoa de Vas- destes: Foi, grita um sapo. Não foi, grita
concelos – Desembargador de raros atri- o outro. Foi... Não foi... Foi.. Não foi...
butos de inteligência. Magistrado erudito, Foi... Não foi...
senhor de vasta competência em matéria Sapotilha – (Achras sapota) – Árvore
jurídica, tem sido várias vezes presidente pequena. O fruto redondo ou ovoide, de
do Tribunal Superior de Justiça do Pará. cor terrosa, tem a casca áspera. Maduro, a
Suas sentenças, proferidas invariavelmente massa é mole, cheirosa, trescalando a bau-
com aquela consciência pura dos homens nilha. Em toda a Amazônia, as de Belém
justos e de bem, são acatadas pelo Brasil são as maiores, chegando algumas a tama-
todo e principalmente pela gente da ter- nho de laranjas. Não é silvestre. No Sul
ra do insigne professor de Direito Samuel chamam-na de sapota e sapoti.
Mac Dowell, com o respeito que se vota Sapucaia – L. G. Galinha. Há tam-
aos mestres. bém uma castanha na Planície, de grandes
Sape – Interjeição com que se espanta ouriços ovoides (Lecithis paraensis), que se
o gato. Sape! Olha o Veludo, minha gente, chama de sapucaia.
comendo a banda de tambaqui da janta. Sapupema – Suporte do tronco das
Sape, amaldiçoado. Vai caçar. Pega tuas árvores, aberto em porta de leme, à flor da
rolas, teus lagartos e deixa da gente. Mas terra. Parecem grandes raízes chatas, fora
o gato, que já conhece a bondade da dona, do solo, destinadas a esconderijos de fera
nem como cousa... Entra pra um balaio de e gente. Nem todos os espécimes botâni-
costuras, deita-se, e lambe as patitas. cos a possuem. A sumaumeira, uma das
Sapeca – Namoradeira. Que namora maiores e mais belas arvores da várzea, é a
toda gente. Que não pode ver calças. Que que mais ostenta esse contraforte curioso,
mocinha sapeca! Todas as irmãs são sape- chegando certos exemplares a ter mais de
cas. E’ a rainha das sapecas. Aquilo não trinta sapupemas. Os índios transmitem
casa, tão sapeca é. avisos aos companheiros pelo baque na
Sapo – Reptil. Batráquio. Na Ama- sapupema, donde sai um som reboante e
zônia são muito conhecidos as pererecas sonoro.
(Hyla), as rãs (Leptodactylus), os sapos Saracura – (Aramides chiricote) – Per-
(Bufo), as pipas (Pipas). A planície toda, nalta de canto esquisito; ao amanhecer e
em virtude de suas terras baixas, é um ao cair da noite, se ouve na mata o seu gri-
reino de sapos. Desde o negro cururu, to estridente: Três potes! Três potes! Três
de Spix, até as rãs crepusculares, verdes e potes! Anuncia o tempo seco.
azuis; desde os que vivem pelas árvores aos Sarapatel – Espécie de sopa de tarta-
que vivem pelos charcos, estes comendo ruga. São as tripas do quelônio conzinha-
larvas aqueles insetos, que no vale ama- da no próprio sangue. Tem um sabor mag-
zônico pululam os batráquios, chiando, nífico. Há quem faça esse prato no casco
batendo, roncando, cantando. Alguns da tartaruga. Em geral, é na panela.
desses sons parecem remadas de canoas, Sarapó – (Carapus fasciatus) – Peixe
outros rufos de tambor, outros mugidos vagabundo. Espécie de enguia inapreciada
152 Raimundo Morais
fazenda cara, soco! Que homem alto, soco! Em casos de aperto dramático, botam-lhe
Como enriqueceu depressa, soco! olhos de fogo, metem-lhe velas, máquinas
Solidônia – (Boerhavia paniculata) – e mandam-na espantar a humanidade com
Planta rasteira herbácea. As raízes são mui- o nome de cobra grande, boiúna, mãe
to apreciadas para combater as moléstias d’água. A verdade é que ela não é vene-
do fígado. nosa, mede cerca de 15 metros, e o perigo
Solimões – Nome dado ao trecho que oferece reside na força constringente
do Amazonas que medeia entre a foz do com que parte os ossos da presa para de-
rio Negro e a fronteira de Tabatinga. Uns pois engoli-la.
pensam, como La Condamine, que esse Sumaumeira – (Ceiba pentandra)
nome provém das frechas intoxicadas do – Da família das bombáceas, é uma das
selvagem, e que significa rio dos venenos. maiores árvores da Amazônia e a maior
Outros, que ele se origina das frotas de da várzea. Embora medre na terra fir-
Salomão, que andaram por aqui em bus- me, o seu habitat é a região baixa de solo
ca de ouro, prata, cedro, macaco, pavão, novo, onde a terra mal levanta ainda o
e que reproduz, num eco bíblico, o nome colo da linfa. Bela, imponente, dá uma
do rei sábio, ilustre e amoroso, que não paina sedosa, creme, própria para encher
só espantava a rainha de Sabá com as suas almofadas e travesseiros. Abrindo a sua
sentenças maravilhosas, como cantava, no formidável umbela sobre o mar clorofi-
Cântico dos Cânticos, a graça e a beleza da lado da folhagem da selva, os seus galhos
infortunada Sulamita. horizontais, como braços ciclo ciclópicos
Sopapo – Bofetada. Tapona. Tu andas distendidos, vivem cobertos de epífitas
procurando mas é levar uns sapapos. e parasitas, de tal modo, que é raro o
Sovina – Mesquinho. Que não repar- exemplar que não apresenta uma deco-
te as cousas. Alheio a sentimentos genero- ração caprichosa de lianas, orquídeas e
sos. Que sujeito sovina, não dá um vestido bromélias. O seu reino predileto é o es-
pra gente... tuário do rio-mar, em cujo arquipélago
Súcia – Gente sem cotação. Grupo de reponta aos milhares. Isto, por certo, em
pessoas desacreditadas. Que súcia é aque- virtude da disseminação aí das sementes,
la, compadre? E’ de Canudos, é do Curro, feita pelo fluxo e refluxo da maré atlân-
é do Galpão. Aquela súcia não entra na tica. Tronco soberbamente defendido
festa. Mas que súcia... por sapupemas, há exemplares que apre-
Sucuriju – (Eunectes murinus) – Esta sentam mais de vinte dessas raízes fora
cobra é uma verdadeira mina literária. da terra e em forma de porta de leme,
Apesar de ser a maior da Amazônia, en- constituindo muitos abrigos em volta do
contra-se mais nos livros que nos igapós. tronco. Madeira ordinária, branca, leve,
Tem feito piores estragos entre leitores que sem cotação nos mercados da carpintaria
entre pescadores. Sobre o seu tamanho, a e marcenaria, viva, na árvore, resiste por
fantasia trovadoresca dos rapsodos e a gra- séculos a fora.
ve medida dos naturalistas ainda não che- Sumetume – Porta secreta, aberta
garam a um acordo. Vai do tamanho de entre paus e folhagens, disfarçadamente,
uma montaria ao tamanho de uma galera. pela paca. Sempre que o caçador entoca
O meu dicionário de cousas da Amazônia 155
esse roedor, tapando-lhe as saídas visíveis, co se fazem pentes, cofres, castões, piteiras
ela foge pelo sumetume. muito delicados.
Supetão – De repente. Fui agredido Surubim – (Platistoma fasciatum) –
de supetão. Eu nem esperava quando ele Peixe de pele de regular tamanho, malha-
me deu a bofetada. Só mesmo de supetão. do de branco e preto. Chega a 20 quilos.
Dei-lhe um tapa de supetão que o bicho E’ apanhado a linha, rede, e representa,
embolou. principalmente quando está gordo, no
Supimpa – Excelente. Delicioso. Su- tempo da cheia, um prato delicioso.
perior. Que boia supimpa. As festas da Surucucu – (Lachesis rhombeata)
comadre Jucundina são supimpas, têm de ou Bothrops surucucu). Cobra venenosa,
um tudo. Comes e bebes à farta. Bagun- tanto mais respeitada quanto são rápidos
ça dela é supimpa, mas acaba sempre em os seus movimentos. Dá o bote num re-
fuzuê. lâmpago e mata quase fulminantemente.
Suruanã – Tartaruga do mar. Grande Vive na floresta e habita no buraco das
quelônio do oceano quase desaparecido pacas. Tem um silvo fino e agudo. Gosta
das costas marítimas do Pará. Do seu cas- da terra alta.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
bordo dos “gaiolas”, dentro de caixas de rais das casas. Cozinham-no sem o abrir,
madeira. A água é tirada com um púcaro porque o caboclo o que mais estima do
de folha-de-flandres e passada para os co- tamuatá são as vísceras com tripa e tudo.
pos enfiados em buracos abertos no alto Tanga-de-barro – (Folium vitis) –
da caixa. Também se dá a bordo o nome Também chamada babal, este adorno fe-
de talha à sbdivisão na contagem de le- minino foi usado pelas primitivas mulhe-
nha, de paneiros de farinha, de tijolos, res de Marajó. As mais simples, segundo
de peles de borracha. Quando perfaz, por Ladislau Neto, eram pintadas de vermelho.
exemplo, o número vinte, cinquenta, cem, “São placas triangulares”, explica o gran-
o marinheiro exclama: talha! E principia de arqueólogo alagando, “curvilíneas, ou,
de novo, um, dois, três. Há uma anedota melhor, triângulos esféricos ligeiramente
pitoresca sobre isto. Conta-se que um ime- irregulares nas extremidades e no encurva-
diato muito esperto, para lograr nos por- mento, quanto necessário a se adaptarem
tos o recebedor da mercadoria trazida pelo ao órgão destinado. Em cada ângulo existe
“gaiola”, ensinara o marinheiro encarrega- um orifício para atá-las por meio de um
do das talhas, na entrega dos paneiros de cordão”. Há dúvidas sobre o uso dessa
farinha, a contar assim: diz um, diz dois, tanga. Seriam ornamentais ou litúrgicas?
diz três, diz quatro, diz cinco, diz seis, diz Isto em virtude dos desenhos, que, apesar
sete, dezenove, vinte. O caboclo recebia de finos, delicados, guardam certo cunho
invariavelmente dez por vinte, porque do misterioso. Cheias de hieróglifos, umas
diz oito o talhador passava, não pra diz apresentam faces humanas com a cruz
nove, mas para dezenove e vinte. grega ao centro; outras emblemas, alego-
Tamacuaré – (Enyalius) Lindo lagar- rias, meandros, braços. Muitos caracteres
to verde com serra no dorso. simbólicos da escrita marajoara aparecem
Tambaqui – (Miletes bidens) – Peixe nesses babais de argila. Numa nota da re-
dos lagos, igarapés e igapós. Apanham-no a dação do 1º volume dos arquivos do Mu-
linha e a frecha. Gosta muito de frutinhos. seu Nacional, a propósito dum trabalho
Como os do taperebá, catauari, jauraí. Qual- de Carlos Frederico Hartt sobre tangas de
quer baque na superfície dos lagos e igara- barro marajoaras, lê-se o seguintes:
pés chama-o à tona. O pescador engana-o “Tanga, e mais acertadamente ntanga,
batendo o anzol do caniço à flor d’água. Ele é o nome dado a uma moeda asiática. No
sobe rápido e engole a isca. Abrem-no em plural significa direitos ou rendas de terras,
duas bandas; enfiam cada uma, ao compri- ou ainda essas mesmas terras de certo modo
do, numa varinha e moqueam-no. Assim, é caracterizadas. Nas possessões portuguesas
chamado em Manaus tambaqui de cacete. da África e da Ásia, assim como no Brasil,
Há um tempo em que sua carne está dura, estendeu-se este nome à denominação do
revessa. E’ logo depois da desova. Tambaqui pedaço de tecido com que os indígenas des-
no choco, apelidam-no. tes países ocultam as partes pudendas. Diz-
Tamuatá – (Calichthy) – Peixe cascu- se que esta homonímia é devida ao custar
do que vive, como o acari, nos aguaçais, outrora uma tanga o retalho de pano que na
entre o lodo. Pega-se a mão. Carregam-se Ásia era para este fim comprado. A língua
montarias com ele para depositar nos cur- brasileira em seus dialetos tem palavras com
158 Raimundo Morais
que designa objetos do mesmo uso, mas fa- ro ativo, polpa sumarenta, tem o tamanho
bricados de pena e de tecidos vegetais; não dum ovo de rola. Em refresco e sorvete é
os possuem, que saibamos, para a espécie de magnífico. No Sul chamam-no de cajamiri.
que se fala (de barro), a qual, verdadeiro ar- Taperebá-do-sertão – (Spondias dul-
tefato arqueológico, não o conhece nenhu- cis) – Árvore regular. O fruto, chamado no
ma das tribos nossas coevas. E’ a folha da vi- Sul cajá-manga, é do tamanho dum ovo de
deira das antigas Evas de Marajó. O segredo jacaré; doce, é vivamente acidulado, dum
de seu nome guardam-no para sempre, com amarelo-esverdeado na casca e alaranjado na
as urnas dos perfumes das virgens morenas polpa que envolve o caroço de fiapos duros.
dos tupis, as areias mudas da grande ilha.” Tapicuim – L. G. Ninho de cupim
Tangapema – L. G. Espécie de sabre feito no chão. Em geral afetam a forma cô-
de madeira dura, pesada, afiada e que os nica, com seis palmos de altura, argamassa
índios trazem pendentes da cintura como de argila vermelha e parda.
uma baioneta. Tapioca – Amido. Pó alvo extraído da
Tangurupará – (Monasa nigra) – Ave mandioca. Excelente polvilho usado pelas
trepadora negra, rabo longo, bico escarla- engomadeiras da Amazônia nos peitos e pu-
te. Abundante nos cacauais, onde destrói nhos de camisas brancas. Com ela se faz o
os insetos. Segundo a lenda indígena, é o tacacá e a farinha de tapioca, além de bolos.
único alado que não é arremedado pelo ja- Tapira – L. G. Anta. (Tapirus ameri-
piim. Isto porque o japiim julga que o bico canus) – E’ o maior quadrúpede da Ama-
do tangurupará, vermelho, anda tinto de zônia.
sangue, sendo, pois um animal temível. Tapuru – Larva de lagarta que se cria
Tapagem – Um dos muitos processos na entrecasca podre dos paus. Algumas são
de pescaria na Amazônia. Tapam a boca peçonhentas, outras venenosas, e outras
dos lagos, dos igarapés, dos aguaçais com comidas de índios.
redes de fio de algodão, fibra de envira, ta- Taquara – Frecha de taboca. A maior
las de palmeira e tocam o peixe, que vai da Amazônia. Tem o bico largo, em lança,
ter à saída, fechada pela tapagem, e onde do próprio bambu.
é apanhado. Taquizeiro – (Triplaris surinamensis)
Tapajônia – Bacia do rio Tapajós. – Árvore de porte médio, esguia, de tronco
Região da Amazônia que os geólogos con- avermelhado, é um excelente “habitat” aé-
sideram carbonífera. Hart já andou lá; reo da formiga taci, sobretudo nas cheias,
Agassiz e Branner também. Ford, o arqui- quando os rios desbordam e alagam as
milionário ianque, está fazendo grandes margens. Própria das várzeas, floresce no
plantações de seringueira à margem desse princípio da vazante, e vai, de junho a se-
vale. Há pontos da Tapajônica em que os tembro, enfeitando o debrum ribeirinho
lençóis de petróleo estão visíveis. do baixo Amazonas. É uma verdadeira
Tapera – Casa em ruína. Lugar aban- festa de flora pelos barrancos quando ela
donado. Sítio, palhoça, que não tem mais desabotoa. Marcam, então, nas pétalas
moradores. brancas e ferruginosas, o aparecimento do
Taperebá – (Spondias lutea) – Grande carapanã, que só se extingue depois de su-
arvore silvestre. O fruto amarelo, ácido, chei- mir a derradeira flor do taquizeiro.
O meu dicionário de cousas da Amazônia 159
mais velha do Planeta e morre na mais nova. nas letras, na religião, no jogo, ser toleran-
Encachoeirado, é um curso de montanha e te com o adversário, ou porque o tema ou
de planície. De águas esverdeadas, antes de porque o despreze, diz-se o seguinte: Traí-
penetrar o oceano mistura-se à corrente que ra não come seu parente...
vem do Amazonas pelos Furos de Breves, Trairamboia ou Piramboia – (Lepi-
turva-se, atravessa várias baías, como a do dosirem Paradoxa) – Da família das enguias
Marajó, e lança-se no Atlântico. de água doce, até 1837, os sábios hesita-
Toqueiro – Seringueiro que entrega a vam em classificá-la na tábua dos peixes,
borracha no toco da hévea, isto é, vende dos sapos e das cobras. Foi Blainville que,
o artigo pelo preço que o aviado lhe faz depois de minuciosos estudos, a incluiu na
no momento de recebê-lo na floresta. Há ordem ictiológica. Hoje a zoologia a cita
seringueiros que mandam o gênero por como forma intermediária entre os peixes
conta própria, sujeitando-se ao preço que e os batráquios, em virtude de um par de
vigorar quando for negociado em Manaus pulmões que, além do aparelho branquial,
ou Belém. Esse não é toqueiro. dá ao animal as vantagens de respirar na
Torrão – Bloco de tabatinga que es- água e em seco, podendo viver no fundo
correga das ribanceiras e fica no meio dos dos igarapés ou na toca argamassada dos
altos afluentes, endurecidos por muito barrancos. Como se vê, é um peixe que
tempo. Parece pedra. Produz grande rebo- está no período de transição, evoluindo
jo. Os “gaiolas”, enquanto o rio não enche dos lençóis aquáticos para a terra úmida.
inteiramente, evitam-no. Dissolve-se com Confirma, assim, a hipótese de que todas
a ação das águas. as vidas surgiram do mar. Daí o interes-
Tostão – Moeda de níquel de cem se que têm os sábios em ver o animal que
réis. Cinco tostão: antigas notas de papel. reforça e remarca um instante milenar de
Dez tostão: notas atuais de mil réis. transição. Preta, pintada de branco, com
Tracajá – (Prodocnemis dumerliana) cerca de um metro de comprido, tem a
– Dos quelônios, amazônicos é o de ovos cauda chata, em cuja zona e exteriormente
mais gostosos, mais finos, mais delicados. se encontram débeis filamentos. A primei-
Não excedendo no Baixo Amazonas a ra traíra m’boia encontrada num lago de
cinquenta centímetros, no alto vai a um Borba, bacia do Madeira, o foi por Nat-
metro. Desova no Baixo Amazonas pelos terer, célebre naturalista que andou na
barrancos de argila, enquanto que no alto Amazônia (1832). O conde de Castelnau
é pelas praias. Gosta do sol. Sobe aos tron- descobriu a segunda no rio Ucayale, Peru,
cos deitados nas beiradas e aí fica muito em 1845. Barbosa Rodrigues topou a ter-
tempo aquecendo a carapaça. ceira no igarapé do Aterro, em Manaus.
Traíra – (Macrodon) – Peixe do mato, Antes, na Ásia, Adanson e Arnaud já ha-
isto é, dos igapós, dos alagadiços, das bei- viam descoberto alguns espécimes. Natte-
radas cobertas de vegetação. Há um ditado rer acrescentou ao nome do lepidosiren o
que se refere à traíra, decorrente talvez da de paradoxa, Castelnau o de dissimilis, e,
sua indiferença pelo anzol iscado com a Barbosa Rodrigues, o de giglioliana. Mas,
carne de outra traíra. Sempre que se vê um além deste espécime, há, na família das
sujeito qualquer da política, no comércio, lepidosireias, outros exemplares, como o
O meu dicionário de cousas da Amazônia 163
moedas de cobre de 40 réis. Terrestre, vi- tos índios. Usam-na também na cozinha,
vendo na mata e nos campos, gosta mui- à maneira do açafrão, para colorir certos
to dos jardins citadinos da Planície, onde pratos.
passa a vida escondido nos trevos ou su- Urupema – Peneira. Crivo de talas
bindo às árvores de porte reduzido como por onde se coa o açaí, a mandioca, a ba-
roseiras, jasmineiros, etc.. O termo “uruá” caba. No Pará, as amassadeiras de açaí cha-
também é aplicado ali no sentido lésbico. mam gurupema.
Urubu – (Cathartes foetens) – Ave. Urutaí – (Nyctibius grandis) – Conhe-
Todo negro, cabeça pelada, nutre-se de cido por mãe da lua. Pássaro noturno, de
cadáver, de qualquer matéria, em decom- pouco mais de meio metro de comprido,
posição. Na Amazônia ele está em toda mede cerca de um metro entre as pontas
parte; no campo, na floresta, na cidade, das asas abertas. E’ tido por fantasma. Dá
onde haja enfim um bicho morto. Aparen- uns gritos no mato que antes parecem ri-
temente prestativo em virtude de comer as sadas, remoques com qualquer cousa de
podridões, limpando assim os pastos, te- sinistro. A sua pele seca ao sol defende as
reiros e florestas dos restos orgânicos que donzelas contra as seduções. Com as penas
infectam o ar, está hoje provado, no en- da cauda do urutaí varre-se o chão sobre o
tanto, que o urubu é o veículo de várias qual estão atadas as redes das recém-casa-
moléstias e até de epidemias. Dizem que a das, a fim de que elas sejam honestas, fiéis
propagação do quebra-bunda se deve a ele. aos maridos e boas mães. Muito quieto, a
Urubu-jereba – (Cathartes aura) – tradição apoia-se nesse fato para julgá-lo
Tem a cabeça vermelha com pescoço vio- propício à tranquilidade da mulher, na-
láceo. Vive no mato e nos campos longe morada, noiva ou casada.
do homem. Utinga – L. G. Água branca. Clara.
Urubu-rei – (Sarcorhamphus papa) – Cristalina. E’ o nome do igarapé que for-
Grande voador de linda plumagem colori- nee água à cidade de Belém.
da. Vive na floresta. Uxi – (Saccoglottis uxi) – Árvore de
Urucu – (Bixa orelana) – Planta ar- grande porte. O fruto, elipsóide, de casca
bustiva de cujos frutos se extrai uma tinta esverdeada, tem uma polpa de gosto esqui-
vermelha, empregada na tatuagem de cer- sito e saboroso. E’ silvestre.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
rado. Vive falando só, de olho comprido, no regresso tem de ser visitado... Isso sim,
apalermado. Foi virado pela Chiquinha é que é pura costa da África. Vem, porém,
Muçuã. a lancha e todos correm a abraçar os repre-
Virou a frege – Perturbou. Anarqui- sentantes do governo da república.
zou. Viraram a frege o baile do compadre Vitória-régia – (Iapuna-caá) – Gran-
Caninana. Não ficou um copo. Diz que de charão verde, flutuante, com a borda de
foram os “embiricicas”. Ninguém diz vi- ferrugem. Dá uma flor que é branca pela
rou frege, ou, mesmo, virou em frege. Pois manhã e rósea pela tarde. Aquática, só vive
não se diz entrega a domicílio por entrega em sociedade. Muitos lagos existem reco-
em domicílio? E não há um gramático ou bertos desses grandes pratos glaucos. Uma
filólogo que venha à fala. Seria bom. criança poderia, de folha em folha, atra-
Visagem – Aparecimento de espectro. vessar certos lagos sem tocar na água. La-
Manifestação de almas do outro mundo. punacaá dos índios, os jacarés, os poraqués
Nessa barraca tem visagem. Dizquê foi um e as cobras se abrigam sob ela. Chamam-
preto fugido que morou aí e morreu sem -na ainda forno de jacaré. Ninfeia.
confessar os pecados dele. Na cumeeira Vulcões – Não existem na Amazô-
é só coruja. Logo no bater das trindades nia. No Brasil mesmo não há memória de
principais um choro que para o coração. nenhum, embora as ilhas de Fernando de
Na volta da meia-noite é cada urro que Noronha e da Trindade, em virtude de suas
parece novilho preso. rochas de basalto, fonólitos e traquites, em
Visita – Inspeção feita a bordo dos forma de lavas, denunciem vulcões extin-
navios, quando chegam às capitais, pelos tos, como aliás sucede em muitos pontos
representantes da saúde, da Alfândega, da do Brasil. No ocidente da planície perua-
polícia. À menor demora vem logo o dicho- na, que extrema com a planície equatorial
te, o protesto do passageiro. Sim, senhor, brasileira, a muralha andina é cheia de vul-
são sete horas e nada de visita. País perdido! cões. A cordilheira, porém, fica tão distan-
Parece que estamos na China. O governo te, que os próprios fenômenos sísmicos na
da república devia acabar com semelhante Amazônia são raríssimos, e, ainda assim,
comédia! Mas isto não é nada, comenta ou- tão brandos que mal chegam para rachar
tro “sabido”, porque, enfim, a gente vem do a parede de uma casa, como sucedeu em
Sul. Mas um “gaiola” que vai a Itacoatiara e Manaus, há cerca de dez anos.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
JOÃO RIBEIRO.
Da Academia Brasileira de Letras
HUMBERTO DE CAMPOS
Da Academia Brasileira de Letras
Pedras Verde, que me cabe divulgar. Entre espíritos que se votam às letras
não existem indivíduos, mas obras e ideias. E é um novo livro do Sr. Rai-
mundo Morais, o seu [O meu] Dicionário de Cousas da Amazônia, que me
compete anunciar nesta hora, dando-lhe as boas-vindas antes, mesmo, de
proceder à leitura demorada que requerem não somente a obra aparecida,
mas, também, as responsabilidades de um crítico literário em disponibili-
dade forçada. Um livro útil, nestes tempos, é como hóspede novo em hotel
de cidade pequena: abre-se-lhe logo a porta entre alvíssaras. Depois de apa-
nhado o freguês é que o dono do hotel lhe vai examinar os precedentes.
Ao escrever os quatro volumes que lhe compõem atualmente
a bibliografia, pretendeu o autor da Planície Amazônica fazê-los acompa-
nhar de um glossário de termos neles empregados. Pouco a pouco, porém,
esse trabalho se foi distendendo e volumando, de modo a formar matéria
para dois tomos. Pelo desenvolvimento dado às definições, o vocabulário
transformou-se em dicionário enciclopédico. E é o primeiro tomo dessa
obra, compreendendo as letras A-F, que acaba de ser editado.
Organizando esse curioso trabalho de observação e de cultura,
não pretendeu o autor, ao que parece, dar-lhe feitio austero, sisudo, cir-
cunspecto. Ao lado do que era útil, quis ele pôr o agradável e, mesmo, o
alegre, o jocoso, o jovial. Ocorreu-lhe, possivelmente, seguir o exemplo
de Voltaire, no Dicionário Filosófico, e o de Rivarol, no Pequeno dicionário
dos grandes homens da Revolução. Daí o escândalo que talvez constitua aos
olhos graves dos homens exclusivamente de estudo, e a alegria com que
o lerá o grande publico, para o qual o Sr. Raimundo Morais, cansado de
trabalhar para as “elites” literárias, organizou, agora, este seu livro.
***
O Meu Dicionário de Cousas da Amazônia não é, como se pode-
rá supor, composto exclusivamente de termos peculiares à bacia do Ama-
zonas, que já possui, aliás, obra desse gênero, embora cronologicamente
atrasada, e limitada à ilha do Marajó, no pequeno Glossário de Vicente
Chermont de Miranda. É, mais, um dicionário de brasileirismos, que a
Amazônia utiliza. E, sob esse ponto de vista, constitui ele um índice para
o estudo da formação social da região. Encontram-se, na verdade, ali re-
gionalismos característicos de todos os estados do Brasil: cearenses, mara-
178 Raimundo Morais
GUSTAVO BARROSO
Da Academia Brasileira de Letras
feição dos viventes, tudo quanto pertence de perto ou de longe ao vale verde
em que rolam as massas líquidas da maior bacia fluvial do Planeta.
O meu dicionário de cousas da Amazônia triunfará tanto, se não
mais que os outros volumes do notável escritor. E, entre os que tragam
palmas votivas ao seu triunfo, estamos de coração lamentando somente
que cada região do Brasil não possua um Raimundo Morais para fixá-la em
capítulos duradouros no pensamento nacional.
Do Fon-Fon – Rio.
O meu dicionário de cousas da Amazônia 181
PIGMALIÃO
ALVES DE SOUSA
O ELUCIDÁRIO DE UM ESTETA
CARLOS D. FERNANDES
MOTIVOS AMAZÔNICOS
CARLOS PONTES
A AMAZÔNIA
COSTA REGO
Entre os erros de minha vida, que são muitos, está não conhecer
a Amazônia.
A viagem seria curta, mas nós preferimos, em regra, ver o Reno,
fazendo uma viagem maior.
A Amazônia é, contudo, bem mais interessante. Vi-a, agora, pela
mão – eu melhor diria pela pena – de Raimundo Morais. E’ um encanto
percorrê-la desta forma.
Raimundo Morais tem, para descrevê-la, a paixão e o conheci-
mento da terra; tem igualmente o estilo.
Se o estilo é o homem e todo homem está em seu estilo, esse,
de Raimundo Morais é grandioso e bizarro como a terra que descreve.
Lembra o de Euclides da Cunha, n’Os Sertões, mas não se parece com ele,
porque não é cerrado e agreste, como as caatingas da Bahia; é ondulado e
corrente, como o estuário donde emergiu.
Este especialista da Amazônia merece a Academia. Não sou eu
quem lá o colocará, mas muito me engano ou dentro em breve a Academia
o há de seduzir. Que o seduza, menos por ele do que por ela, tanto a feição
marcada do escritor reclama que o festejem e consagrem.
A Amazônia conquistaria, ainda, desta forma, a atenção da inte-
ligência. Seu problema é porventura um dos mais brasileiros, daqueles onde
mais se esboçam as possibilidades da raça e onde mais, também, se estendem
os desalentos dos não realizadores, tudo isto porque é grande. No meio daque-
la natureza, para repetir a frase do escritor britânico, só o homem é pequeno.
Mas não intoxiquemos a coragem das gerações presentes com o
veneno das frases passadas. O mundo vive de suas idades, das idades pri-
mitivas como das idades modernas, desde a da pedra lascada até à do ferro.
Devemos estar, também, na idade da borracha.
A borracha é a Amazônia!
- Não; não é. Foi...
Perdão, ainda é.
O meu dicionário de cousas da Amazônia 195
REVELAÇÃO DA AMAZÔNIA
AZEVEDO AMARAL
estrangeiros, que em seus livros têm dado conta de uma considerável massa
de fatos concernentes à topografia, à hidrografia, à flora, à fauna, às possibi-
lidades econômicas e aos costumes das populações dispersas por aquela vasta
região, em que o homem parece encontrar-se ainda em condições tão próxi-
mas da existência aquática dos primitivos lacustres. Esses livros são lidos por
gente de outras raças e de outras línguas, mas quase desconhecidos do nosso
pequeno circulo intelectual. Daí resulta que enquanto nós brasileiros des-
conhecemos por completo tudo que se refere a uma das zonas mais impor-
tantes da República, no estrangeiro não são raros os que nos poderiam dar
proveitosas lições sobre assunto em que deveríamos ser os mestres. A grande
iniciativa de Henry Ford e o desenvolvimento da colonização japonesa na
bacia do grande rio são apenas casos particulares, em que se evidencia como a
disparidade estranha entre a nossa ignorância e a informação dos alienígenas
sobre o vale amazônico envolve a perspectiva de consequências econômicas e
políticas, que não podem deixar indiferente aqueles para quem a manuten-
ção da unidade brasileira constitui assunto de alguma relevância.
Quem se dispõe a revelar ao Brasil uma parcela ao menos do
mistério da Amazônia, presta, portanto, um dos melhores serviços nesta
fase de preocupações mais sérias em torno do problema da organização
nacional. É o que vem fazendo, há algum tempo, o Sr. Raimundo Morais,
que reúne conjunto admiravelmente apropriado de aptidões intelectuais e
de traços de sensibilidade para traduzir em linguagem acessível e ao mesmo
tempo impressionante a perturbadora polimórfica da vida amazônica.
Na planície amazônica, Cartas da floresta, e País das pedras verdes
representam contribuições não apenas literárias, para o patrimônio inte-
lectual da nação, como talvez mais substanciais subsídios para o estudo
científico de uma sociologia amazônica. Esta expressão afigura-se rigorosa-
mente exata, porque tão peculiares são as condições mitológicas da região
em apreço, que o desenvolvimento ulterior da civilização naquelas para-
gens terá forçosamente de seguir rumos acentuadamente diferentes do que
observamos no resto do Brasil.
Um dos fatos mais interessantes e ao mesmo tempo de maior al-
cance que a obra do Sr. Raimundo Morais e notadamente o seu dicionário
da Amazônia, cujo primeiro tomo acaba de ser publicado, põe em relevo
é o predomínio absoluto do fato hídrico em todo o determinismo socio-
gênico da atividade humana na bacia do Amazonas. Que os rios desempe-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 199
MINIATURA DO ENORME
LUÍS MORAIS
O PROSADOR DO DIA
ANGIONE COSTA
PEREGRINO JÚNIOR
Morais era, de resto, nas nossas letras, um caso de exceção: fizera-se célebre,
no humilde retiro da sua província, sem pedir licença ao Rio. Quando os
críticos da Avenida lhe sancionaram a celebridade, ele já era um escritor
notável e glorioso. Mas eu receava que ele pessoalmente viesse estragar o
prestígio que a sua obra lhe assegurava na distância...
***
O Sr. Raimundo Morais, porém, pode agora sorrir, satisfeito:
triunfou nesta segunda prova também. Vindo trazer-nos o primeiro volu-
me d’O meu dicionário de cousas da Amazônia, ele nos deu impressão amá-
vel. E’ um gentleman. Polido, discreto, fino, não tem nada de provinciano
nem de empático. E’ um com o qual é grato conversar. E a prova disto é
que a sua vinda ao Rio, em lugar de diminuir-lhe o prestígio, aumentou-
lhe a aura de simpatia, admiração e apreço que lhe cerca o nome. Depois,
a sua última obra é verdadeiramente notável, e de uma utilidade excep-
cional. É um livro útil, claro, harmonioso. Eu confesso que é com cordial
alegria que saúdo, hoje, esse ilustre e brilhante escritor!
Da A Pátria – Rio
O meu dicionário de cousas da Amazônia 207
ADAUTO FERNANDES
Autor da Terra Verde
A BUFFON – 73
ADALBERTO (príncipe da Prússia) – C
13, 19, 170
ADANSON – 11 CACELLA, Alcino (Dr.) – 29, 78
ADRIANO JORGE – 28 CAMETÁ, João – 171
AGAPITO (major) – 31 CARLOS – Ver FERNANDES, Carlos
AGASSIZ, Luís (naturalista) – 12, 22, D.
53, 107, 113, 122, 156, 158 CASTELNAU, Francisco (conde) – 12,
ALUÍSIO – Ver FERREIRA, Aluísio 85
ANDRADE, José Júlio de (coronel) – 28, CERVANTES – 121
29, 91 CHANDLESS, William – 12, 85, 171
ANDRADE, Mário de – 160 CHERMONT, Afonso – 78
ANTÔNIO CONSELHEIRO – 24 CLARKE, John M. (naturalista) – 22
ARMAUD – 11-12 COLOMBO, Cristóvão – 88
AUGUSTO – 109 CONDAMINE, Carlos Maria de la – 53,
AUTRAN, Alberto (comandante) – 168 66
AZEVEDO, João Lúcio de – 109 COUDREAU, Henry A. – 13, 101
COUTO DE MAGALHÃES – 14, 45,
B 64
BARATA – Ver MAGALHÃES, Joaquim CRULS, Luís – 13, 113
Cardoso de CUNHA GOMES – 113
BARBOSA RODRIGUES – Ver RO- CUNHA, Luís Pereira da (capitão) – 21
DRIGUES, J. Barbosa
D
BARRANDE – 41
BARROSO, Gustavo – 34, 114 DARWIN, Charles – 13, 22, 53, 58, 86,
BATES, Henry Walter (naturalista) – 60, 106
102, 122 DEL CHINCHON (condessa) – 115
BELZEBU – 94 DERBY, Orville A. – 13, 22, 53, 85, 107,
BERNAUD, Alfredo – 109 108
BISMARCK (conde de) – 13, 19 DIAS, Euclides Figueiredo – 104
BLAINVILLE – 162 DOWELL, Samuel Mac (professor) –
BONPLAND, Aimé – 13, 21, 53, 138 151
BRANNER, John C. – 12, 22, 36, 53,
F
84, 107, 109, 158
BUCKLE, Thomas – 8, 58 FERNANDES, Carlos D. – 15, 23
210 Raimundo Morais