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Raimundo Moraes, (*Belém-PA, 15/9/1872 – =Belém-PA 3/2/1941),

escritor e jornalista.
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O meu dicionário
de
cousas da Amazônia
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Edições do Senado Federal – Vol. 175

O meu dicionário
de
cousas da Amazônia

Raimundo Morais

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Brasília – 2013
EDIÇÕES DO
SENADO FEDERAL
Vol. 175
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Morais, Raimundo.
O meu dicionário de cousas da Amazônia / Raimundo
Morais. – Brasília : Senado Federal, Conselho Editorial,
2013.
212 p. : il. – (Edições do Senado Federal ; v. 175)

1. Amazônia, dicionário, língua portuguesa. I. Título.


II. Série.

CDD 918.11

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Introdução

A AMAZÔNIA é o trecho do Planeta mais percorrido pelos sábios.


Para ali rumam finas inteligências de investigadores, pomposas expedições de
naturalistas. O ambiente doce e ameno, de encantamento e de magia, atrai o
homem de ciência. Parece boiar na luz meridiana um fluido imperceptível,
vibração vaporosa de fascínio, aroma pagão de serralho e de templo. Misturado
às ondas de perfume de pataqueira e da baunilha, do jasmim e do cumaru,
do pau-rosa e da priprioca, sente-se que erra também certo eflúvio, cariciosa
onda magnética sutil que, agitando e animando o filho da planície, amolece e
derreia o pesquisador alheio ao sol cru desta plaga.
Mas esse aroma e esse fluido – filtro invisível e estonteante – não
se limitam a vogar na musselina da nossa atmosfera, no véu etéreo do nosso
baldaquino de safiras diluídas. Vão mais longe. Transpõem as lindes do vale,
atravessam a lhanura azul-marinho do Atlântico, e volatilizam-se nas brisas
do Velho Mundo, quando não fletem, numa curva feiticeira, para o seten-
trião colombino. Penetram o gabinete do erudito, envolvem-no, saturam-no,
embriagam-no e arrastam-no fascinado por um mistério de teatro que não
existe aqui e por uma crônica mirabolante, falsa, inventada, animada, deco-
rada, pelos flibusteiros e piratas. Desde as mulheres guerreiras de Orellana, ao
incrédulo apóstolo S. Tomé, referido por Vieira, a imaginação do aventureiro
forja uma história alheia à verdade.
8 Raimundo Morais

As peripécias fascinantes do Eldorado, a Atlântida naufragada nal-


gum recôncavo desta bacia formidável, os monstros, os reis, os tesouros, os deuses
divulgados com outros nomes na velha mitologia grega, nos livros de Platão
e Marco Polo, entrevistos, enfim, nos dramas universais da Ásia, da África,
da Europa, surgiram pela infinda planura do noroeste brasileiro, trazido nos
bojos das caravelas, mais complicados e indecifráveis. A delirante fantasia não
ficava, entretanto, circunscrita ao tipo simples e de boa fé; empolgava também
o arguto portador da ciência. E o mais original de tudo é que a miragem
enganadora do sábio se lhe concretiza na descritiva. Seus livros austeros de
naturalista devoto da verdade desfecham em romances. Em tom sério e grave,
meio matemático e meio profético, a maioria dessas páginas supera as Viagens
Gulliver, de Swift.
Daí a nota cósmica e indecifrável, com raras exceções, em tudo que se
conta da nossa terra, das nossas águas, dos nossos bichos, das nossas árvores, dos
nossos arquiavós. Há um sentido enigmático no pensamento desses bandeirantes
da geologia e da botânica, da etnografia e da história, de modo a confundir-lhe as
tintas na visada panorâmica. Ao falarem de longe, como Buckle ou Gustavo Le
Bon, perdem o equilíbrio de analistas, de sociólogos, tiram conclusões mesquinhas
sobre o povo e arquitetam novelas abracadabrantes sobre a terra. Usam talvez do
microscópio para ver os astros e do telescópio para ver as bactérias.
O pior, no entanto, é que se perturbam mais ainda quando nos
visitam, e, em vez de versarem fielmente as províncias de suas especialidades,
fazem como uma boa parte dos médicos que habitam a Amazônia: tratam de
tudo. De sorte que se arriscam a cochilos formidáveis, chocantes, sobretudo com
a história natural.
Assim, os geólogos examinaram o céu, os cosmográfos examinaram
as flores, os botânicos examinam os ventos, os etnólogos examinam os peixes, os
hidrógrafos examinam as aves, paleontólogos examinam as nuvens, e, no fim,
sucede o que sucedeu àquele pescador que, obrigado por castigo a contar os grãos
de areia de um cômoro, sempre que estava para concluir, vinha Nossa Senhora
e, arrastando o seu manto constelado de estrelas sobre a tarefa do condenado,
misturava e confundia tudo.
Ora, no esplanar de doutrinas científicas os sábios não se limitíam
aos surtos líricos da imaginação, contradizem-se. Mais: negam-se, parecendo-
nos que alguma divindade autóctone, como a Nossa Senhora dos católicos, de
O meu dicionário de cousas da Amazônia 9

vez em quando lhes passa o Zaimph miraculoso sobre os cálculos, mistura-lhes


os argumentos, os teoremas, as tintas, as paisagens, anarquizando-lhes a ciência
e a visão.
E se, de fato, não há interferência de fluidos nem de essências, de
magos nem de deuses; se os aromas e as iaras não abalam nem seduzem esses
homens de pituitárias invulneráveis à manjerona, planta de Belzebu, e de co-
rações blindados a Rudá, deusa do amor, então o fenômeno que lhes enreda a
vasta sabedoria e lhes daltoniza a doce menina dos olhos anda enquadrando,
por certo, nalgum agente positivo: no ritmo evolutivo do Planeta, por exemplo,
nas dobras telúricas do vale, no girar, no enxugar, no resfriar do globo, ou,
quem sabe? apenas na grandeza da planura, se não for, talvez, na própria
constituição física da Amazônia.
O sistema hidrográfico, maravilhoso e inexplicável que retalha a
gleba do imenso anfiteatro, dando-lhe um aspecto lacustre, é predominante.
Num balanço de atividades ali, através de todas as energias em jogo, recolhe-se
esta prova curiosa: os pescadores são mil vezes mais numerosos que os caçadores.
Há milhões de peixes por um quadrúpede. O boi do vale é a tartaruga.
Além deste argumento esmagador, existe outro maior, se bem que
ainda franjado de espumas: não se anda na Planície – navega-se. Para alguém
ir, por exemplo, do Rio Branco, no Acre, ao Cruzeiro do Sul, no Juruá, que
uma estrada de rodagem ligaria em 12 horas, numa reta transversal, é neces-
sário que se contorne a mesopotâmia separadora daqueles dois extensos rios.
O percurso representa quase uma viagem de circunavegação, visto ser preciso
baixar milhares de quilômetros até ao Solimões e de novo subir outros milhares
de quilômetros a fim de transpor uma estreita língua de terra.
Qualquer passada, na Amazônia, vale por uma remada. A canoa
é vista como um cavalo. Vista só, não, tida, designada, usada. Chamam-na
mesmo de montaria aquática, faz lembrar o hipocampo dos oceanos e o Pégaso
alado dos poetas. Veículo do labirinto potâmico, essa embarcação, de todos os
tamanhos e de todos os feitios, elegante, feia, veloz, ronceira, não equivale so-
mente à gôndola veneziana, que conduz a serenata e o amor; ao bucentauro,
de cuja amurada os doges, jogando n’água o anel esponsalício, se casavam com
o Adriático; mas, ao corcel no deserto, ao ginete nos areais em fogo, ao tordilho
nos pampas.
10 Raimundo Morais

Galopa espumando sob o acicate dos pilotos e jacumaúbas. Pequeni-


na, tocada pelas asas de um par de remos, parece uma libélula; distendida em
igarité, ao impulso de vinte pás, parece uma centopeia. Montam-na os frades e
os soldados, os seringueiros e os sábios, os exploradores e os naturalistas, os pajés,
os tuxauas, os curumins, as cunhantãs, as cunhapuiaras. As procissões vão no
seu bojo e muitas vezes os noivos e os defuntos. Passeia-se, ama-se, esmola-se,
ora-se e foge-se dentro dela. Sem o seu auxílio, ao sabor e ao arrepio das estra-
das que andam no país das pedras verdes, a vida, numa sincope monstruosa e
singular, pararia de súbito.
Se isso, no entanto, dá alguma vantagem ao povo da planície, por-
que lhe barateia o transporte, traz-lhe, do mesmo passo, dois inconvenientes;
estira-lhe as distâncias, isolando cada núcleo populoso à beira dos caudais, e
empareda-o entre panejamentos de verduras na calha monótona dos rios, situ-
ação esta que gera a ignorância do que vai para além da fimbria ribeirinha.
A frágil cortina de folhagem das orlas fluviais, toda enfestonada de parasitas
e epífitas, de buquês e guirlandas de cipós, pano de esmeralda aparentemente
destinados apenas a quebrar a vista do navegante no beiço do barranco, é uma
verdadeira muralha chinesa, brônzea couraça glauca quase inexplicável.
Para brechar e varar esse painel verdoengo, à primeira vista débil
como a sebe dos jardins, é necessária uma peleja, há que travar uma batalha,
carece-se dum exército destemido e arguto.
Inaplicáveis a catapulta e o aríete remotos; inapropriados o canhão
e o tanque modernos; inviáveis a metralhadores de tiros rolantes e o aeroplano
veloz e devassador, resta ao temerário dessa cruzada, que é o seringueiro vio-
lador da brenha, não só o seu punho de ferro e a sua alma de aço, como o seu
facão e o seu rifle. Com eles o destemido abre a picada, defende a vida e rompe
a hinterlândia.
Porque, além do traçado de taquaras, do renque de taxizeiros, da
rede de espinhos, que logo à primeira investida entravam a marcha do invasor,
o solo, inconsistente ainda, úmido, empapado, dificulta-lhe a entrepresa. For-
rado, é certo, de ervas e trevos, gramíneas e samambaias – tapete diabólico que
esconde sob a grama de clorofila imprevistos perigos – cada passo à frente é uma
aventura. Por trás das ameias de palmas, flabelos, guirlandas, orquídeas, em
que desabotoam vagens perfumadas e flores redolentes, rondam as tucandeiras
e as cobras, as lagartas-de-fogo e as onças. Cada sapopema, nos troncos escuros
O meu dicionário de cousas da Amazônia 11

e rugosos, esconde uma fera. Pelas seteiras vegetais dessa imensa fortaleza verde,
defendendo o habitat e a vida, a mulher e a honra, tão exaltada e denodada-
mente como o civilizado brioso, espia o índio de frecha na mão. As tocaias estão
guarnecidas, os pontos estratégicos reforçados, a tribo levantada. O íncola anda
certo de que o invasor ou lhe furta a mulher ou lhe escraviza a raça. Dilema
inexorável, afiado como os cornos de um touro, ante essa perspectiva horrível
o aborígine tem que reagir. E reage, afronta, luta, infelizmente para ele sem
resultado vantajoso em virtude das armas aperfeiçoadas do adversário, que,
dias depois do choque, vitoriosamente, por entre nomes complicados e papeletas
em latim, exibe pelos museus e galerias, como troféus, os despojos domésticos e
guerreiros do selvagem.
O fato de se ir das planuras azuis do Atlântico aos íngremes contra-
fortes andinos no convés de rompantes navios, levando música e gelo a bordo,
demonstra que apenas as artérias potâmicas estão desvendadas. Se a embarca-
ção, por qualquer motivo interromper a derrota, encostar à ribanceira e tiver,
em suma, de enviar uma vedetta por terra adentro, quebrando o sigilo ermo
da hileia, surgem logo mil desenganos, tal o desconhecimento do que vai pelo
interior da mata.
Sabe-se tudo, é verdade, sobre os cursos d’água; ignora-se tudo, po-
rém, dentro da selva. Da beirada do rio a civilização, por mais aparelhada
que esteja, não distingue os rumores da floresta. Os dramas do palco sombrio,
animado por atores de tanga e canitara, frecha e tacape, são vedados ao olho
azul e apressado do globe-trotter de chapéu de cortiça, quinzena de xadrez,
binóculo a tiracolo, charuto no queixo, e que vem, depois de anunciar pelos
jornais, descobrir a Atlântida nos sertões de Mato Grosso, ou lobrigar na Ama-
zônia vestígios daquele Ofir bíblico, onde as frotas de Salomão se abarrotaram
de ouro, macacos, pedras preciosas, pavões e madeira.
Compulsem-se os roteiros dos exploradores por ali andados. Armam
as tendas na fimbria dos igapós, dos lagos, dos manadeiros. Vivem à ourela da
água dormente ou veloz. Penetram a hinterlândia pela chanfradura sinuosa
dos igarapés e a contornam sobre a toalha mansa dos paranás. Encurtam as
distâncias, varando pelos furos que anastomosam rios diferentes, e, o que desco-
brem, é sempre visto do caudal para terra.
Onde o naturalista Natterer topou desavisadamente a paradoxa,
bicho meio peixe, meio sapo e meio cobra, já descoberto por Adanson e Ar-
12 Raimundo Morais

maud, na Ásia, sob o nome de lepidosiren? Num lago de Borba, à margem do


rio Madeira.
Em que lugar se deparou ao Conde Castelnau,mais tarde, o mesmo
animal, chamado por ele de dissimilis? Nas zonas lacustres do Ucayale.
E Barbosa Rodrigues, como achou o seu Lepidosiren giglioliana,1
que tem, à semelhança dos já referidos, aspectos íctico e caracteres de batráquio
e ofídio? Singrando, quase domesticamente, o igarapé do aterro, em Manaus.
Pergunte-se a qualquer homem de ciência em que lugar viu ele na
Planície a novidade ou a surpresa constatada no seu trabalho e, de antemão,
ouvir-se-á esta resposta: no talude dum rio, na ravina dum lago, na cabeceira
dum igarapé, na ribanceira dum paraná. Chandless observou o fóssil do Mo-
sosaurus, no Acre; M. Paul Gervais, o do Dinosuchus terror, no Pauini; G.
Gurich, o do Gryposuchus Jessei, no Amazonas; James Orton, a fiada de 17
espécies de conchas marinhas, documento insofismável de uma geografia morta
– Mares que naufragaram nas terras que hoje existem – na argila colorida
das barrancas de Pebas; John Branner recolheu as provas contrárias ao período
glacial do Equador na decomposição da rocha ribeirinha.
Folheiem-se as monografias de cunho científico e veja-se de onde
tem aflorado a sabedoria por ali colhida. Agassiz teve a visão retrospectiva da

1 Estes nomes em latim, leitora amiga, todos cabeludos e arrepiados, devem estar bu-
lindo com seus nervos. O mesmo me sucedeu quando os li pela primeira vez. Quase
justifiquei as lendas que dizem ser a Amazônia berço de monstros, de bichos horren-
dos, que devoram a gente dentro de um mistério sinistro. Mas os sábios possuem,
na têmpera, uma grande dose humorística, gostam de brincar com as pessoas alheias
a sua seara, de maneira que vivem pilheriando comigo, contigo e com a nossa co-
zinheira. Tu sabes, leitora, de que família é o bicho que os naturalistas, assim que
o descobriram e constataram sob o nome de Paradoxa, Dissimilis, Lepidosiren, etc.,
quase botam um pedaço do céu abaixo? Da família das enguias aqui conhecidas por
piranaboia, trairaboia, poraquê, e, sobretudo, por aquele vagabundo muçu, que tu,
eu e a nossa cozinheira estamos fartos de colher até no poço de casa, no balde de
água, inesperadamente, numa loura manhã de sol. A circunstância deste rebarbativo
muçu ser parente da trairaboia, que já tem pulmões; junto ao fato jovial dos sábios
gostarem também de fazer graça com o próximo, é que fez o barulhão da nossa mor-
te quando a acharam, vindo à baila geografias perdidas, continentes naufragados,
Platão, Atlântida, e , até, o pirarucu e o aruanã, que andam também, muito caladi-
nhos, cavando, no fundo para obter pulmões, tanto que, cada qual, já possui um.
Amanhã viram cobra, isto é Lepidosiren, ou, quem nos diz? Paradoxa.
O meu dicionário de cousas da Amazônia 13

fisionomia do vale, cuba fluvial que se cravava no Atlântico até à Paraíba, pes-
cando nas lagunas de Janauacá; Frederico Hartt concebeu a origem geológica
da Planície navegando a sirga dentro dela; Orville A. Derby, então membro de
uma comissão geológica, descobriu os corais devonianos absolutamente desco-
nhecidos na Amazônia e no resto do Brasil, sulcando o rio Maecuru; Ladislau
Neto, o Champollion brasileiro, leu os hieróglifos e caracteres simbólicos dessa
louça admirável, que é a cerâmica de Marajó, cruzando as baías do estuário
amazônico; Bates concluiu aqueles estudos comparados sobre transformismo e
mimetismo, que tanto contribuíram para consolidar os trabalhos de Darwin,
na Origem das Espécies, debruçado nove anos nas ribas de Tefé; Wallace re-
forçou os documentos da sua geografia zoológica, pegando jacumã no Solimões;
Luis Cruls fixou nossa faixa lindeira, com o Peru, alcançando as nascentes do
Javari.
Em qualquer estudo originário do vale amazônico, desde as lindas
paginas de Wappaeus às Grandiosas Migrações de Borboletas, de Emílio Go-
eldi, é da linfa que brota a verdade. O príncipe Adalberto da Prússia, em com-
panhia dos condes de Bismarck e de Oriolla, librou-se nos círculos navais como
um grande hidrógrafo, navegando o Xingu e o Tocantins; o padre Samuel Fritz
levantou a primeira carta da Amazônia do banco de uma igarité; e essa mesma
carta foi corrigida por La Condamine, depois de medir um arco do Equador,
no banco de outra igarité; Alexandre Rodrigues Ferreira escreveu o seu Diário
de Viagem Filosófica, remontando os nossos afluentes e defluentes; Francisco
Orellana inventou a lenda das amazonas brasileiras, ao sabor de uma tunda
memorável, no foz de Nhamundá.
Não há fugir, no Equador brasileiro, do torvelinho aquático, como
se as iaras, ali, tivessem império maior que as ninfas, as sereias, as ondinas,
as nereiades e a própria Anfitrite, nos mares. Barbosa Rodrigues completou o
Sertum Palmarum, rompendo a correnteza e enfiando as angusturas rasgadas
nas cachoeiras; Coudreau jogou ao mundo La France Equinoxiale, depois de se
perder na rede maremática do desaguadouro amazônico; Humboldt, em com-
panhia de Bonpland, estudou as linhas isotérmicas do continente americano,
varando do Orenoco, pelo canal do Caciquiare, até S. Carlos, no rio Negro;
Martius batizou de Naiades a Amazônia, mirando-lhe o vasto lençol patâmi-
co; o nome de Spruce anda gloriosamente ligado a nossa flora em virtude das
suas repetidas singraduras na esplanada; Ferreira Pena avulta na herma do
14 Raimundo Morais

museu paraense por escrever a sua linda e fragmentada obra sob a tolda dos
barcos marajoaras; e os medalhões de Spix e Martius, que noutro momento
estabelecem pendant com o do grande mineiro, no mesmo parque, provêm
das excursões que fizeram ambos à flor da corrente do rio-mar. Emílio Goeldi
foi ouvido com respeito, pelas academias do mundo, depois que perlustrou os
Estreitos de Breves; Rondon descobriu o Eldorado dos naturalistas, remontando
o Trombetas e o Cuminã; Couto de Magalhães ficou célebre nos arraiais cien-
tíficos, depois de transportar, desarmado, um navio da bacia do Paraguai para
a bacia do Araguaia; Jacques Huber só alcançou a nomeada que fruiu, depois
das suas notáveis pesquisas botânicas pelo Purus adentro. Glycon de Paiva che-
gou a ver as conclusões geológicas na bacia do Negro, levantando o croquis do
Caciquiare; Hamilton Rice ganhou as esporas de ouro de sertanista, voando
sobre o manadeiro do rio Parima.
É, pois, curial que O Meu Dicionário de Cousas da Amazônia,
filho das águas, irmão das lagunas, primo das fontes, aflore também do aranhol
hidrográfico. Epítome informativo do que vai por ali, ele reflete a toalha prate-
ada do Guajará, o lençol maravilhoso do estuário, a corda pardo-vermelha do
Amazonas, a colcha escura do Negro, o azul, o verde, o laranja, o branco desses
afluentes que umedecem, fertilizam e alteiam a gleba da Planície.
Suas páginas agitadas, confusas, contraditórias, serenas, harmonio-
sas, plácidas, narrando a vida do homem o costume da gente, a crença do
silvícola, a dor do vencido, o heroísmo da raça, e o avanço do civilizado, lem-
bram o burburinho flúvio, o rodopio das espumas, as angusturas gorgolejantes,
os mananciais silvestres, os pauis escuros, as fontes cristalinas, e constituem,
enfim, o ciclo maravilhoso da Amazônia, que marca, pela fuga das águas, uma
época assistida por esta geração, vista miraculosamente pelos nossos olhos privi-
legiados de homens do século. A obra toda, abrangente de mito, de tradição, de
folclore, de lenda, de costumes, sintetiza o apocalíptico Amazonas, na figura de
gênio ou de deus, transportando no dorso pardo, colhidos no cimo dos montes,
na aba das cordilheiras, no regaço das planícies, ao cortar vertiginosamente o
continente – sementes, troncos, balsas, gramíneas, aves, pássaros, cadáveres,
detritos e areia de ouro.
A terra toda não é filha das águas? É a ciência que o diz através
dos cosmógrafos, dos geógrafos, dos geólogos, dos paleontólogos. É a poesia que
registra através dos rapsodos, dos bardos, dos menestréis.
O meu dicionário de cousas da Amazônia 15

Na Canção de Vesta, escrita ao marulhar das espumas na proa do


2
Rei Lear, Carlos D. Fernandes, o grande aedo patrício, autor daquele poema,
conta o vagir da terra no colo do mar neste lindo e sonoro alexandrino.
Água, Esposa do Sol, Virgem mãe do Universo.
Primeiro é uma fosca ogiva que surge. Depois a ogiva se transforma
num monte, numa cordilheira; estende-se em campina, escava-se em vale, de-
cora-se de plantas, fica verde, povoa-se de bichos e desdobra-se num continente.
A eclosão do pensamento no cérebro do macaco, pitorescamente narrada ali,
trazia a faísca do reino de Netuno.
Quem derramou a beleza no orbe, egressa do mar, numa concha
de nácar puxada por tritões? Foi Vênus. O drama universal vem dos pélagos
profundos. A primeira célula, monera que havia de evoluir pelas escamas e asas
até findar no solo enxuto, transformada em Sócrates ou Mr. de La Palisse, foi
encontrada no regaço das ondas.
Se o relógio da Amazônia é uma formidável clepsidra, de aquático
mostrador, que marca sonoramente pelas mares e pelos repiques as horas, os
dias, os meses, os anos, batendo nos taludes as líquidas e justas badaladas, O
meu dicionário, como história viva de tudo que acontece no vale, animado
pelas correntes fluviais, cordas hídricas que constroem a terra e civilizam o
homem, tinha que ser um produto da água sagrada, fonte da vida; tinha que
possuir esse condão plástico e encantado da linfa, que se molda na bacia dos
lagos, no cânon dos rios e no leito dos mares.
Não posso, assim, fugir à realidade. O Meu Dicionário reponta da
trama aquática, como as ninfeias. Feito do que se vê e do que se ouve sobre o
lombo do monstro fluvial a que Reclus chamou glória do Planeta, cada palavra
é um remanso, cada página é um rebojo, cada capítulo é uma cachoeira. As
velas e as canoas, entremeados aos botos e às boiúnas, ilustram e corporificam
a sua história.

2 Rei Lear era o navio do comando do autor de O Meu Dicionário quando Carlos D.
Fernandes, então médico de bordo, nele viajou pelo Purus. Velho transatlântico, que
transportava carvão para um pontão na boca do Pauini, o famoso poeta crismou-o
de Rei Lear em virtude das semelhanças do toldo do velho barco e o manto do herói
shakespeariano. Cousas literárias do Carlos...
16 Raimundo Morais

A tentativa humilde desta edição, pitoresca, risonha, quase boêmia,


visa apenas lançar as bases de uma espécie de guia que, através de vocábulos,
locuções, anedotas, medidas, anexins, biografias, conte levemente, alegremente,
ligeiramente, porém verazmente, a crônica da Amazônia, os seus usos, os seus
costumes e as suas transformações, no espaço e no tempo.

Belém, janeiro, 1931

As duas iniciais L. G., encontradas ao correr do texto desta


obra, significam língua geral, idioma aborígine falado mais ou
menos pelas tribos amazônicas e oriundo do tupi-guarani.
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A que para tomar uma xicrinha de café; ou


vaçuncê prefere a rede?
Abati – L. G. Milho.
Abacate – (Persea gratissima). – Árvore Abelha – (Apidae) – Himenóptero
da família das lauráceas de porte mediano, selvagem que fabrica mel jalde e a cera es-
dá fruto que lembram mamadeiras verdes cura. Há no vale várias espécies do gênero
e são apreciados em creme, com vinho Melipona e Trigona. A jandaíra,”melipona
seco. No interior da Planície reduzem-no a interrupta”; a urucu, “melipona scutallaris”;
massa, misturam-no à farinha-d’água com a inchu, “nectarina lecheguana”; a jati, “tri-
açúcar e comem-no às colheradas. É tido gona-jati”; a tataíra, mel-de-fogo, a mom-
como afrodisíaco. O chá das folhas caídas buca, “trigona mombuca”, cujo produto é
é muito usado nas moléstias renais. O suco esverdeado e nocivo. A qualidade do néctar
do caroço serve para marcar roupa branca. dessas louras e morenas apícolas é sempre
Envolve-se na camisa, lençol ou anágua, determinada pela múltipla variedade de
com a letra ou nome desenhado a lápis no flores silvestres. Certas abelhas mordem,
pano, e com um espinho de tucumã pica- outras não; estas fazem as colmeias de bar-
se todo o risco feito. A fazenda impregna- ro, nos galhos; aquelas no oco dos paus,
se então de uma tinta cor de castanha, com reduzido orifício, à feição de porta,
que, dizem, só larga quando o abacateiro e que fecham à noite com cera por causa
frutificar de novo. As folhas do abacateiro das iraras (cachorros-do-mato), que lhes
são polimorfas, isto é, de diferentes feitios. bebem gulosamente o conteúdo dos favos.
Assim, vão do lanceolado ao obovado, do Pela sua organização social, as abelhas são
elíptico ao arredondado, sucedendo mes- as verdadeiras amazonas aladas da Planície.
mo que, dentro destes contornos, surgem Entre elas o trabalho é da fêmea, a guerra
exemplares com pontas secundárias ló- é da fêmea, a inteligência é da fêmea. No
bulos, reentrâncias, como se a natureza, cortiço quem manda é a rainha, soberana
hesitasse ainda, andasse procurando um indiscutível daquele curioso povo. Para
molde para elas. mim, a sova mestra que Orellana levou na
Abaeté – L. G. O bravo, o homem foz do Nhamundá, foi de abelhas, única
de respeito. espécie de animais no vale entre os quais
Abanheém – L. G. Língua de gente. a galinha canta de galo, e o macho de tão
Abano – Espécie de ventarola sem desmoralizado, envergonhado, humilha-
cabo, de vários feitios, tecida de tucumã, do, só não é banido inteiramente da col-
da palha e da tala de outras palmeiras, meia em virtude da função procriadora
próprio para abanar o fogo do fogão, do que lhe deu a natureza.
fogareiro, da trempe, do moquém. Aberta – Rasgão na floresta marginal
Abanque – Sente. Descanse um pou- do rio, e que deixa ver, por trás da mata,
co. Abanque, compadre. Coronel, aban- a campina criadora, a pastagem bucólica
18 Raimundo Morais

onde engorda, numa ronda pastoril, o tinga Wall, conhecido por açaí-chumbo. É
rebanho vacum. Em geral, as ourelas do o alimento do pobre do Pará. Amassado
baixo Amazonas e afluentes cobrem-se de produz um vinho purpúreo, aromático,
uma alta cortina vegetal, muralha botâni- que é tomado com açúcar e farinha-d’água
ca, grega de folhagem, friso jade e pagão ou farinha de tapioca. Em Belém, capital
que intercepta ao observador, postado na paraense, as amassadeiras de açaí assina-
calha fluvial, o oceano verde de gramíne- lam suas quitandas com uma bandeirinha
as nativas. Terra adentro desse gigantesco encarnada.
muro clorofilado que assinala o beiço dos Acanhado – Tímido. Que não tem
taludes, estende-se o campo ondulante da desembaraço. Sujeito que não sabe estar
várzea infinda, rechã que emerge dos piri- em sociedade. Pessoa que se mostra cons-
zais lacustres, aos beijos vivos do sol, para trangida numa sala. Que não quer ser
as savanas enxutas de amanhã. É a solução apresentado a ninguém. O filho do juiz é
de continuidade nesses debruns da selva acanhado. Nunca vi um homem tão aca-
que a gente da Planície, e, sobretudo o na- nhado como o promotor que chegou. Tem
vegante, chama de “aberta”. medo até de falar. Tenho acanhamento,
Abicar – Meter a proa da embarcação mamãe.
em terra. Abicar essa canoa. Vamos abicar Acapu – (Vouacapoua americana) –
o navio. Abique o vapor, senão o remanso Árvore das terras altas e de grande porte.
parte o cabo. Muito usada em tabuado, no soalho das
Abiu – (Lucuna caimito) – Sapotá- casas, das pontes, dos trapiches. Empre-
ceo. O fruto, do tamanho de uma pera, é gam-na ainda em toda a sorte de constru-
amarelo por fora. A massa, gomosa, doce, ção civil. Cinzenta escura quando lavrada,
é refrigerante. seca, fica negra com o uso. O acapurana
Abutua – (Abutua concolor Poepp da terra firme (Batesia floribunda), de um
menispermácea) – Liana da qual se extrai chocolate vermelho, é excelente para a
um pó amarelo-esverdeado que tem gos- marcenaria e obras de talha.
to amargo e é aplicado em infusão contra Acará-açu – (Acará ocellata) – Peixe
hidropisia e areia na bexiga. Em forma de de escama, do tamanho de um palmo, vive
emplasto, desmancha inflamações. nos igarapés e margens de rio que tenham
Açacu – (Hura crepitans) – Grande vegetação. Há varias qualidades.
árvore varejeira. A seiva é tóxica. Onde Acari – (Chaetostomus) – É um peixe
medram os açacuzeiros há, infalivelmente, cascudo que se apanha na cabeceira dos
moléstias nas redondezas. Uns atribuem às igarapés em grande quantidade. Enche-se
águas, que se envenenam ao lhes passarem a canoa com ele e transporta-se vivo para o
nas raízes. Outros atribuem ao carapanã, curral nos sítios e fazendas. O curral é uma
que, depois de sentar no açacu, torna tóxi- fossa quadrilátera aberta no solo, cheia
ca a própria picada. d’água, onde se guardam vivos tartarugas,
Açaí – Na várzea existem duas espé- acaris, tamuatás. O acari tem a carne ama-
cies. O que dá em touça, Euterpe oleracea rela e gostosa.
Mart., e o que dá isolado, Euterpe preca- Acauã – (Herpetotheres cachinans) –
toria Mart., além do da terra firme E. ca- Ave agourenta que come cobra. Em Faro
O meu dicionário de cousas da Amazônia 19

há uma lenda sobre essa espécie de gavião. sil, já era corrente na “Ocidental praia”. O
Dizem que ele obriga os homens, com seu uso do pronome ele como complemento
canto sarcástico, a chocarem pedra. direto, diz um filólogo, foi comum entre
Açu – Grande. Sufixo tupi empre- os escritores notáveis de além-mar. E do-
gado em várias palavras como jacaré-açu, cumenta a assertiva com frases como es-
cupuaçu, mendaruçu. tas: “degradou ele”, “viu ela”, “nomeamos
Açucena – (Randia formosa) – Rubi- ela”, “desarmarem ele”, “deixarei ele”, “vi
ácea arbustiva de perfume delicado. Tem ele”, tiradas de clássicos. É, pois, um lusi-
as flores brancas e recortadas em estrela. tanismo trazido pelo conquistador, e que
É silvestre. a gente da Amazônia, só para enfezar ele,
Adalberto da Prússia – (Príncipe) – mantém galharda, sutil e maciamente.
Geógrafo, hidrógrafo, cosmógrafo. Explo- Agarrado – Chegado. Amigo. Que
rou o Xingu e o Tocantins em companhia não deixa o companheiro. Que só anda
de dois condes, o de Bismarck, que não junto. Fulano é agarrado com sicrano.
era o chanceler, e o de Oriolla. Vagamen- Criança agarrada com a mãe. Você anda
te conhecido por nós, brasileiros, em vir- muito agarrado com a mulher do capitão.
tude da inacessibilidade de suas obras, é Agarre-se com seu coronel.
tido nos círculos de ciência germânica em Agorinha – Neste momento. Agora
grande conta. Narram até a seguinte ane- mesmo. Comadre saiu agorinha, neste ins-
dota sobre ele: de volta da peregrinação ao tante. Indagorinha eu ouvi apito do vapor.
Pará, imprimiu os seus trabalhos, porém Vem de baixo.
tão reduzidamente, que não ultrapassaram Água-morna – Mole. Fraco. Indeciso.
a algumas dezenas de exemplares, e estes Que home água-morna. Só botando caba
mesmos destinados a presente a pessoas em cima dele. Ou então, surrando ele com
amigas. Se isto não é verdade é lamentável, urtiga, comadre. Aquilo é sangue de peixe.
porque o autor destas linhas não precisava Nunca vi um água-morna assim. Até pra
ser príncipe nem ter condes na rabadilha comer precisa ser carregado. Roça dele é
para fazer o mesmo, bastava ser rico.* só mato.
Afomentar – Palavra hostil usada Aguanambi – L. G. Orelha-de-cão.
na Amazônia. Vá se afomentar, seu Chi- Águas mortas – Marés de quadratu-
co. Afomentem-se você e a sua avó torta. ra. Quando o fluxo e refluxo mal se fazem
Também é usada nas fricções. Afomente sentir.
ela com manteiga (óleo) de cacau que isso Águas vivas – Marés de lua. Quan-
passa logo. Esfregue ela de com força que é do a correnteza é forte, quer na enchente,
uma vez, meu branco. A construção acima, quer na vazante.
vício aparente do caboclo, é genuinamente Ainda – Tradução da palavra “rain”,
portuguesa. Antes da descoberta do Bra- empregada pelo índio em certas frases
como estas: “xaçô rain”, eu vou ainda;
“catu rain”, é bom ainda. O caboclo usa
* O livro de Adalberto da Prússia a que se refere invarievelmente o advérbio ainda. Eu
o autor foi editado nesta coleção do Senado Fe- quero ainda, escuta ainda, ele não acaba
deral em, sob o número. (Nota desta edição.) ainda. É a tradução verbum adverbum, diz
20 Raimundo Morais

José Veríssimo, das frases indígenas para o a civilização que nós, brasileiros oriundos
português. dos lusos, já fizemos no vale amazônico.
Ajuricaba – Tuxaua de uma tribo Alçapão – Gaiola com que os curu-
indígena que viveu nos arredores de Ma- mins apanham passarinhos. Feita de gua-
naus. Está para o Amazonas histórico nas rumá e talas, com feitios da igreja portu-
mesmas condições que Calabar para Per- guesa, o alto das duas torres, aberto, está
nambuco, isto é, foi aliado dos holandeses preparado de maneira que assim que o
contra a gente da Península Ibérica. De curió, patativa ou colleiro penetra e sen-
maneira que os colonizadores de então, ta para comer a alpista, a tampa fecha e o
portugueses e espanhóis, predominantes retém. Em geral, embaixo da gaiola, num
da época, o tiveram por traidor. Vem daí compartimento separado, está o chamariz,
o estigma, mas vem daí também a fama, que é sempre um passarinho cantador, já
domesticado.
a auréola e o prestígio desse aborígine. Os
nossos grandes poetas, que em geral tecem Alcoviteiro – Que leva recados amo-
coroas ao eleito da sua simpatia e exaltam rosos. Intermediário de bilhetes, lembran-
ças, flores de namorados e amantes.
os que repontam atrevidamente do seio
plácido da turba, vão lhe cantando as faça- Alecrim – (Rosmarinus officinalis) –
nhas ao soluço das liras ou na prosa reflo- Planta cheirosa, empregada nos banhos,
nas roupas, nas cômodas. As mulatas an-
rida de rapsodos. E como é assim, fixando
dam sempre com um ramo de alecrim no
em símbolos, que a história cria os heróis e
pente ao alto da cabeça. Aclimada.
os mártires, os guerreiros e os santos, nada
Aleijões – No meio dos índios não
mais justo que esse enlevo dos nossos co-
se encontram manetas, pernetas, cegos,
evos, que choram a morte do valente sil-
mudos ou aleijados. Mal a criança recém-
vícola não só com profunda saudade, mas
nascida manifesta um sintoma qualquer
certos de que se a causa batava triunfas-
de aberração psíquica, é sacrificada ime-
se por aqui. Ajuricaba içaria na sua ubá,
diatamente. De maneira que entre os abo-
como o almirante Tromp o fez no tope dos rígines não sucede o mesmo que entre os
mastros dos navios da sua esquadra con- civilizados, em cujo seio se encontra uma
tra os ingleses, uma vassoura para varrer verdadeira teoria de aleijões: capengas,
os portugueses destas águas mediterrâneas. estrábicos, corcundas, pés tortos, mãos
Sem discutir o valor de Ajuricaba firmado anquilosadas, membros desviados, etc. O
na tradição, vera ou lendária, como um índio pode ser feio, mas é sempre normal e
destemido guerreiro que honrava a sua perfeito. Mesmo quanto à inteligência, no
raça, discutimos o ponto de vista de certos meio deles não se encontra nem o cretino
biógrafos seus, que julgam uma infelicida- nem o gênio em estado larvário. Apesar da
de para a Amazônia não ter predominado mentalidade viva, da curiosidade nas crian-
aqui a gente dos Países-Baixos. E discuti- ças, o índio fica num meio termo sadio,
mos com os acontecimentos. Na Guiana que lhe denuncia o equilíbrio da raça.
estão há séculos os holandeses, sob o mes- Alexandre Humboldt (Barão) – Ale-
mo céu e sob o mesmo clima da planície mão. Maior cabeça que já nos visitou. Era
equinocial, e, nem de longe fizeram ainda uma enciclopédia. Sabia tudo. Astrôno-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 21

mo, botânico, geólogo, etnólogo, zoólogo, Alexandre Rodrigues Ferreira –


cosmógrafo, passou do vale do Orenoco, Baiano. Homem de ciência. Considera-
na Venezuela, pelo canal do Caciquiare, ao do como o Humboldt brasileiro, tantas e
vale do rio Negro, afluente do Amazonas. profícuas foram às observações feitas por
Baixou até S. Carlos, no mesmo rio Ne- ele na bacia amazônica. Seu livro, Diário
gro, donde espiou o oriente da planície, e da viagem filosófica, representa uma fonte
subiu depois, Marañón acima. Esteve para inesgotável de informações preciosas. Sob
ser preso, quando andou por aqui como o ponto de vista geográfico, esse trabalho
gente suspeita aos interesses da península. já é curioso; mas sob o ponto de vista da
Aimé Bonpland foi seu companheiro, es- história natural, ele cresce e demonstra a
tudando os dois as linhas isotérmicas e as erudita inteligência do autor. A capitania
influências meteorológicas desviadas umas de S. José do Rio Negro, que o sábio per-
e constantes outras no Equador. Além do correu e estudou da fauna à flora, do clima
Cosmos, obra admirável, a Descoberta da às águas ficaram estereotipadas nesse curio-
so e erudito documento escrito. Destinado
América, escrita por ele, é um trabalho de
à vida eclesiástica, Alexandre Rodrigues
alta sabedoria, sem falar em muitos outros
Ferreira chegou a tomar ordens menores,
do insigne homem de ciência. Mas, além
seguindo depois para Lisboa, onde se ma-
desta refulgência mental ou, talvez, por
triculou no curso jurídico. Casou-se em
isso mesmo, há uma frase profética do sá-
Belém. Peregrinou nove anos na Amazô-
bio, para a qual, em conversa sobre aquela
nia, desde Marajó até o alto rio Negro e o
individualidade, me chamava a atenção o alto rio Madeira. Há um caso interessante
eminente polígrafo Dr. Acilino de Leão: “A a seu respeito. Tendo o governo português,
Amazônia será o celeiro do mundo.” Com além da repreensão que lhe fez, deixado de
que produtos? Interrogava o grande médi- pagar as despesas com as suas excursões de
co paraense, visto a ausência do trigo no naturalista, essas despesas foram satisfeitas
vale amazônico. Entretanto, insistiu, pare- pelo seu correspondente, na metrópole pa-
ce que a falta desse cereal aqui não é devido raense, capitão Luís Pereira da Cunha, que
ao clima, visto ele medrar no Egito, e sim, declarou a nosso patrício ter gasto nesse
possivelmente, a terra apropriada, que ain- pagamento o dote de sua filha Germana.
da não foi descoberta. Quem nos diz a nós Que pensam os senhores que fez o sábio?
que a excelente terra preta da Amazônia, Simplesmente isto: casou-se com a moça a
espalhada em largas zonas na Planície, não fim de que ela não fosse prejudicada. Puro
tivesse, depois de observada por Humbol- filósofo.
dt, determinado sua frase de vidente? Por- Alfazema – (Lavandula vera) – Esta
que as maravilhas dessa gleba gorda, como planta é empregada para aromatizar a
o solo roxo de São Paulo adaptado ao café, roupa dos recém-nascidos, as gavetas das
podem, do dia para a noite, fazer desabo- cômodas, os baús de marupá. Tem um
toar aqui as lindas e louras searas de trigo. perfume delicado. Usam-se também nos
Em todo caso é preciso assinalar um fato: banhos de cheiro. Não é silvestre.
a terra preta é, provadamente, um despojo Alfredo Russel Wallace – Naturalista
doméstico do índio. inglês. Fundador da geografia zoológica.
22 Raimundo Morais

As páginas sobre a sua viagem na Ama- a existência do período glacial no Equa-


zônia revestem-se de tal fidelidade que há dor. A denúncia de Orton contra o famoso
sempre um tom austero no que ele escreve. professor suíço arrastou Darwin e Haeckel
No vale, além das observações meteoroló- ao combate contra o eminente contador
gicas feitas no Pará, colheu mais de 500 dos nossos peixes.
qualidades de pássaros. Estudando hidro- Alqueire – Medida. Alqueire de fa-
grafia na vasta rede potamográfica da Pla- rinha. Cerca de 30 quilos. Em geral são
nície, não apreciava somente o colorido, a dois paneiros de tala que contém 15 quilos
velocidade, o gosto, a densidade da água cada um. Fazem-se também os de alquei-
dos rios que sulcava, mas os peixes que re, como também se fazem os de quarta,
nele habitavam, a fim de fixar nas tábuas ou seja, 7 ½ quilos. A medida de alqueire,
da sua geografia zoológica o “habitat” das muito comum na Amazônia, usa-se na fa-
espécies ictiológicas. A velha história de rinha-d’água (de mandioca). É nos panei-
que a onça come o jacaré pelo rabo, sem ros de alqueire, e, sobretudo, nos de meio
que o hidrossáurio dê um pio, já vem por alqueire, que a farinha-d’água, branca ou
ele registrada. Tendo subido o Tocantins amarela, é transportada na Planície.
em agosto de 1848 até a primeira cacho- Alvarenga – Grande embarcação de
eira, descreve-o como a parte mais bela e ferro em que os navios descarregavam ao
mais feliz do mundo. largo. Tem a boca larga e aberta, tolda de
Algas – No outeiro do cachorro, zinco corrediça, pouco pontal. Há de vá-
afluente do Trombetas, segundo o natura- rias tonelagens, proa e popa iguais. Nave-
lista John M. Clarke, foram encontradas, gam rebocadas.
em estado fóssil, algas marinhas do tipo Amapá – (Hancornia amapa) – Árvo-
fucus, entre as quais é reconhecida uma re frondosa. Fruto comestível. O leite, cé-
espécie norte-americana. Documento bo- lebre como peitoral, é empregado também
tânico só viável em água salgada, arrasta- contra chagas, feridas e úlceras.
nos os pensamentos para uma geografia Amazonas – Rio da América do Sul.
morta, naufragada, pré-histórica e longín- Corta várias repúblicas na sua trajetória
qua, tão remota e perdida que só a ima- dos Andes ao mar. Nasce no telhado do
ginação, num voo atrevido, lhe reconstitui mundo, Peru, e deságua no Atlântico, Bra-
a fisionomia nos tempos idos. Atestado sil. É a mais grossa artéria fluvial do Plane-
insofismável de que a desmedida planí- ta. Suas águas são turvas e barrentas, em-
cie do norte do Brasil outrora foi mar, ele bora alguns de seus afluentes, formidáveis
junta-se a outras provas autênticas, como massas líquidas, tenham cores diversas,
os corais referidos por Orville A. Derby e verdes, negras, azuis. A sua corrente varia
citados por John Branner na sua Geologia muito com o ponto e com o tempo. Bran-
Elementar, e dos quais, falaremos depois. da na derradeira seção, regular na média, é
Isto sem meter ainda 17 espécies de con- viva na primeira, onde o declive da monta-
chas marinhas, fósseis encontradas por nha precipita o caudal de tal maneira que
James Orton na argila das barracas pebas, a terra se rasga em angusturas por onde ele
encontro que documentou uma contradi- flui saltando em cachoeiras, derivando em
ta oposta à teoria de Agassiz, que afirmava curvas, enfiando estirões. Se, de fato, seu
O meu dicionário de cousas da Amazônia 23

curso vive solapando as próprias margens, encantos guarda uma nota lírica, ingênua,
como se vê nas beiradas, é justo que se di- que reflete a alma do homem e a alma da
vise também o fenômeno oposto: ele cons- terra. É o único dos grandes cursos do Pla-
trói a maior planície do universo. Toda a neta que corre de oeste para leste. Os geó-
Amazônia, patrícia e estrangeira, na vasta grafos calculam a bacia em 5/6 da Europa,
planura escapa, é obra da sua vertigem, dos quais a metade, segundo Wappaeaus,
do seu recuo, da sua hesitação, dos seus pertence-nos. O seu ponto mais estreito e
desvios, da sua loucura, da sua dinâmica. profundo é em Óbidos. Martius calculou
Chamam-no de cima para baixo, de Ma- a largura aí em 1.911 metros e a profundi-
rañón, Solimões e Amazonas. O segundo dade em 132. Herndon mediu a velocida-
desses nomes vem consoante e fantasia dos de, ainda nesse ponto, no tempo do verão,
historiadores com pinta de arqueólogos e em 1 ½ milhas, o que é um excelente cál-
filólogos, do rei Salomão, que teve as fro- culo se acrescentarmos que de inverno a
tas reais por aqui a carregarem, na letra do corrente chega a cinco milhas.
texto bíblico, macaco, pavão, ouro, prata Amiudar – Ficar frequente. Cantar
e pedras preciosas. Certas inscrições petro- repetidamente. Já é madrugada, gente,
glíficas e certos vocábulos arrevesados su- olha galo amiudando. Galo amiudou que
gerem essas conclusões. O terceiro nome, está rachando o bico.
isto é Amazonas, foi Orellana, seu explo-
Amolar – Aborrecer. Sujeito que para
rador inicial, quem lhe deu após ter levado
dizer quatro palavras leva um ano e um
uma surra mestra, na foz do Nhamundá,
dia. Ele vem nos amolar, meu santo. Olha,
de uma tribo de índios de cabelos com-
vai ver se eu estou na avenida, sim? Ora vai
pridos, como em geral usam os silvícolas
amolar o boi.
por aqui, e que se afiguraram ao fugitivo
espanhol de mulheres guerreiras do novo Anágua – Saia branca usada por baixo
continente. Sua bacia verde, luminosa no do vestido.
oriente e fosca no ocidente, tem atraído a Ananás – (Ananas sativa) – Herbá-
maior caravana de sábios do orbe. Alguns, cea de folhas longas, duras e em forma de
aqui viveram onze anos. Outros foram e grandes lanças. É uma bromeliácea nativa
voltaram encantados com a natureza. O que dá frutos de carne branca, sumarentos,
homem que se fixou nas ribas, selvagem acidulados, espinhentos, de cerca de dois
primeiro, catequizado depois e civilizado quilos, com uma coroa no alto. O abacaxi,
agora, é um tipo moldado ao ambiente, que é uma das variedades do ananás, tem
forte, rijo, sereno, com altos atributos de o fruto menor, com a carne amarela como
bondade e índole meiga. Mas o Amazo- gema de ovo e mais perfumado. É uma so-
nas, além destas notas físicas, vive corren- bremesa admirável nos climas quentes, es-
do dentro da lenda, tantas são as fábulas tomacal, digestiva. Um grande poeta que
e os mistérios que o envolvem. Contém andou por aqui, Carlos D. Fernandes, no
um feitiço na atmosfera saturando-lhe o tempo em que foi frugívoro, dizia, que co-
ambiente de paradoxos que se polarizam mer um ananás pela manhã era o mesmo
na realidade e no mito, no vulto e na som- que engolir um galego, um balde e uma
bra. O folclore que lhe descreve todos estes vassoura.
24 Raimundo Morais

Anani – (Sinfonia globulifera da f. das Amazônia não imigra. Quando voa dá im-
Gutíferas) – Árvore famosa em virtude do pressão de uma seta retesada no arco.
leite, que é próprio para emplastar quem Angatecô – L. G. Alma penada. Es-
sofre do peito, isto é, tuberculoso. pírito pecador.
Ananica – Baixinha. De pernas cur- Angelim – (Hymenolobium excelsum)
tas. De tronco baixo – Esta galinha é ana- – Madeira de lei própria para construção
nica. Gente, como aquela saracura é ana- naval. Há várias espécies: o pedra, o gran-
nica, benza-a deus. Olhe, compadre, para de, o comum e o pintado.
este cacaueiro. É verdade, ananicazinho
Anhanga – Deus autóctone que pre-
que é uma beleza.
serva do ataque dos caçadores, nas cam-
Andar – Cada pavimento de um so- pinas e savanas, as aves, os quadrúpedes
brado. Estou morando agora numa casa
e os pássaros. Nos prados amazônicos
de cinco andares. Sobe ao quarto andar,
ele vigia solicitamente a vida dos bichos.
numero oito. No ultimo andar é que eu
Anhanga corresponde a sombra, espírito,
resido.
mas corporifica-se num veado branco, de
Andejo – Ligeiro. Rápido. Termo
olhos de fogo. Quem persegue no mato
nordestino usado no ocidente da Planície.
um bicho com filho pequenino, é assom-
Que navegação andeja, compadre. Apitou,
brado por ele, que desvaira e enlouquece
não há meia hora, no Sacado Grande e já
o temerário. Falando a respeito desta di-
vem ali com uma cachoeira branca na proa
vindade selvagem, primeira referida nesta
que parece as barbas do finado Antônio
Conselheiro, que Deus haja! E queimando obra, é preciso avisar o leitor da anarquia
carvão! Aquilo é carvão, compadre? Eu. por que se classificam os deuses, no que
Espie como é grosso e preto o penacho consiste a sexo. Os especialistas, referindo-
danado do canudo que até parece cobra se se à teogonia aborígine, confundem la-
enrodilhando na fogueira. Oh! Coronel, já mentavelmente os sexos, ou porque essa
aqui? É muito andejo. Varador é compri- confusão já venha tradicionalmente do
do... Só botando sebo nas canelas. índio, ou porque o etnólogo o faça. Assim,
Andirá – (gênero Dysopes) – Morcego por exemplo, Guaraci, que significa sol, e,
do baixo Amazonas. Rio Mundurucânia. pois masculino, ao se dissecar a palavra, dá
Apesar de se encontrar no baixo Amazo- outra ideia: “guará”, vivente, e “cy” mãe,
nas, é um rio quase inexplorado. significa mãe dos viventes. Tudo para o
Andiroba – (Carapa guyanensis) - índio, em matéria de sobrenatural e adora-
Óleo, próprio pra fazer sabão, também é ção, é mãe. O mato tem mãe, a água tem
lubrificante e combustível quando usado mãe, a terra tem mãe, o lago tem mãe, o
nas candeias e lamparinas. Abunda no es- rio tem mãe, os bichos têm mães.
tuário amazônico e no baixo Tocantins. O Anil – (Indigofera anil) – Pó azul
cupim não ataca essa madeira. extraído das folhas do anil. Próprio para
Andorinha – (Panyptila cayanensis) tinturaria. Tingem-se as velas das embar-
– Pássaro muito conhecido pela sua con- cações com ele. Há muito no rio Negro.
dição migratória em todas as partes do Entretanto, essa indústria está decadente,
mundo durante o inverno e o verão. Na quase extinta.
O meu dicionário de cousas da Amazônia 25

Aninga – (Montrichardia arborescens) respeito a orar e a escrever. Essa alteração


– Só vinga na beirada dos alagadiços e me- mental deu-lhe um prestígio formidável.
dra em família. Vista do largo parece uma Mas ele não figura aqui pela sua inteligên-
paliçada defendendo a terra. O tronco, cia. O que o traz para estas notas é sua rus-
reto, cilíndrico, sem galhos, não ultrapassa ga constante que, por causa dos selvagens,
a seis metros de altura. As folhas, em bu- manteve com o elemento laico. Cortesão
quê, ao topo da haste, tem a forma de cora- sem cabresto no engrossamento, a sua cor-
ções verdes. De fibras longas e resistentes, respondência com os soberanos lusos mos-
a aninga presta-se à fabricação de cordas, tra-lhe o talento pelos adjetivos. Já nesse
cabos e linhas. Além disso, tem um rendi- tempo a fita era uma instituição. O padre,
mento magnífico de celulose, de maneira a para se aumentar mais ovelha no seu re-
ser um vegetal destinado na Amazônia ao banho, era muito homem para se mandar
fabrico de papel, ou, pelo menos à pasta frechar por um nheengaíba, contanto que
destinada àquela indústria. É verdade que a flecha estivesse embolada como chifres
neste assunto indústria a embaubeira (Ce- de um cornupeto no redondel. Falou aos
cropia), pelo rendimento de celulose está nheengaíbas, que não entendiam, com a
acima da aninga, se bem que esta, em vir- mesma fé e segurança de conquistador de
tude da rapidez no crescimento, que não almas com que já falara aos peixes no Ma-
excede a um ano, entre um corte e outro, ranhão. Belém foi a sua base de operações
leve vantagem àquela. quando esteve na Planície.
Ansim – Assim. O caboclo pronuncia Anu-preto – (Crotophaga ani) – Anu-
nasalada a palavra assim. Ansim, ansim, coroca (Crotophaga maior) – Um é com-
meu bem. Vou indo ansim... pletamente negro; o outro azulado-negro
Anta – (Tapirus americanus) – É o e manchas verde-castanho. São tidos como
maior quadrúpede da Planície. Os índios agourentos. Comem carrapato na costa do
chamam-na tapira. Muito tímida, sem- gado.
pre que o caçador a persegue cai na água. Apegaua – L. G. Homem.
Come frutos, ervas e o barro salgado. Da Aperema – (Nicoria punctularia) –
classe dos paquidermes, tem a forma do Tartaruguinha terrestre de palmo e meio
porco, a tromba do elefante, a crina do ca- de comprido com a cabeça pintalgada de
valo e o olfato do cão. Quando a sucuri amarelo e vermelho. Caçam-na com fogo
a laça, ela reage correndo. Às vezes vence, no tempo de verão. A ilha de Marajó é
parte a grande cobra; às vezes é vencida, onde ela mais se encontra.
sendo quebrada pelos anéis poderosos do Apessoado – Bonito. Jeitoso. Impres-
ofídio. sionante.
Antão – Então. Disque nhá madrinha Apresentado – Metido. Cínico. Des-
já vai, antão? Antão veja. carado. Indivíduo que falta com respeito
Antônio Vieira – (Padre) – Jesuíta. às moças e às senhoras. Mas que sujeito
Era um português bronco, dizem os seus apresentado! Não seja apresentado. Meu
biógrafos. Só depois do estalo que teve na pai respondera ao seu apresentamento.
cabeça, certo dia, na Bahia, foi que ficou Aproveitar – Encurtar caminho. Di-
pior que uma navalha de barba, no que diz minuir a distância. Termo usado pela pra-
26 Raimundo Morais

ticagem a bordo dos “gaiolas” na subida da Araçá – (Psidium araça) – Mirtácea.


viagem. Aproveita a costa, marujo. Isto é: Árvore de pequeno porte. Dá um fruto pa-
chega-te mais a ela. São dois os motivos recido ao da goiabeira. É ácido e silvestre.
que concorrem para semelhante ordem. Aracê – L. G. Aurora.
Em primeiro lugar, junto da margem corre Araci – L. G. Também chamado
menos; em segundo, essa margem, tanto Guaraci.
quanto possível, é sempre a convexa, das Araçoia – L.G. Tanga de penas para
duas que ladeiam o rio (côncava e conve- mulher.
xa), e pois a que traz maior rendimento à
Aracuã – L. G (Ortalis Aracuan) –
derrota. Aproveita o remanso. Faixa d’água
Ave que reproduz no canto o seu próprio
junto à terra que percorre pra cima con-
nome. É comum na floresta o grito de ara-
tra o caudal. Precisamos alcançar Manaus
cuã! aracuã! aracuã!
com dia: aproveita a beirada.
Arame – Dinheiro. Não recebo arame
Apuizeiro – (Ficus fagifolia) – Mons-
há muito tempo. Vou ver se arranjo arame
tro botânico. Surge primeiro levado em
pra pagar a casa. Arame anda vasqueiro
sementes, pelos ventos, pelos pássaros,
como diabo.
pelos morcegos, no galho das árvores, na
entrecasca das palmeiras. Ali cresce para- Araponga – (Chasmorynchus niveus)
sitariamente. Depois de sugar, emparedar – Pássaro também conhecido por ferrador
e matar o indivíduo vegetal onde nasceu, devido ao grito que solta parecido a marte-
substitui completamente a vítima, com lada do ferreiro.
outro aspecto tão diferente que ninguém Arapuca – Armadilha para apanhar
é capaz de perceber a transformação bo- pássaros. Fazem-na de talas, de junco, em
tânica. Os especialistas classificam-no na forma de paneiros, cestos e gaiolas. Dão-
família das epífitas, embora esteja provado lhe também o nome de alçapão.
o seu parasitismo. Arara – Linda ave trepadora que che-
Aquiqui – Furo que liga o Xingu ao ga a um metro de comprido. Colorida de
Amazonas. O rio Xingu tem três bocas. azul e encarnado, bico branco, voa aos
A do jusante que deságua algumas milhas pares. Gosta da copa alta das árvores, em
acima de Gurupá, é a verdadeira, maior cujas franças se reúnem bandos. Preferem
e mais profunda. A do centro, conhecida os jutaís, os castanheiros, os paricás. Tem
por Urucuricaia. E a do monte, chamada um grito estridente, que reproduz a pala-
Aquiqui, a mais estreita, rasa e sinuosa vra arara. Há várias qualidades, como, por
das três. exemplo, arara vermelha (Ara mação), a
Ara – Ora. Ara, vá pro inferno. Ara, arara canindé (Ara arary), a araraúna (Ara
se conheça, seu Manduca. Ara rema cer- hyacinthina) a maracanaaçu (Ara severa), a
to, gente. Cada um parece que vai na sua maracanã (Conrus pavua), também conhe-
canoa. Olha pra montaria do nhô Afonso cida por araguaí. O termo arara ainda é
com nhô Cacela; é mesmo que asa de gar- empregado como representativo do logra-
ça; quando um mete, outro mete também. do, do sujeito que se deixa explorar. Mas
Sempre “mupicando” certo. Na língua ge- aquele coronel é mesmo que pássaro: voa.
ral, “ara” significa hora, tempo. Tomam-no todo.
O meu dicionário de cousas da Amazônia 27

Araraúba – (Sickingia tinctoria) – Eles já se arranjaram com a morte do An-


Rubiácea conhecida por pau de arara da dré. Agora é com você. Disque doutor que
várzea. Da casca se extrai uma tinta car- chegou veio fazer um arranjo nas partilhas.
mim vivo. A divisão parece que vai ser a de sempre:
Arco – Haste dura, pesada, flexível, um pra ele, um pra você, outro pra ele; um
feita de âmago, com que os índios lançam pra ele, um pra você, outro pra ele.
as flechas. Em geral é extraída do pau- Arruda – (Ruta graveolens) - Planta
d’arco da terra firme, cujas flores são ro- aromática. As mulatas usam-lhe as folhas
xas. O pau-d’arco da várzea, menos rijo, no pente, ao alto da cabeça. É estimulante
tem as flores amarelas. Também o lavram e muito empregada na pajelança domésti-
do âmago de certas palmeiras como a pa- ca. Use arruda, comadre, que essa caipora
xiúba. vai logo “se embora”.
Arenito – (Pedra de areia) – É a pedra Aruãs – Significa tranquilo, manso,
por excelência do vale amazônico. De tons bonito na L. G. Nome de uma tribo selva-
vermelhos, vai, do róseo ao roxo, emoldu- gem que viveu na ilha de Marajó, lado de
rando o anfiteatro da planície. Em Ma- leste, na parte batida pelos ventos do mar.
naus vê-se o arenito por toda parte: nos Há mesmo quem afirme que os aruãs, e
degraus da Cachoeirinha e da Cachoeira não os nheengaíbas foram os índios que
Grande, no salto do Tarumã, no leito dos deixaram o rastro da maior civilização na
igarapés e nas múltiplas chanfraduras por ilha de Marajó através da cerâmica atual-
onde reponte a pedra. E isso se reflete na mente exumada.
fisionomia da urbs. Desde a faixa do cais Arubé – Espécie de mostarda que se
até as pilastras da caixa-d’água, desde a fabrica de massa de mandioca adicionan-
pavimentação de certas ruas até ao relógio do-lhe sal e pimentas cheirosas. Figuras
público, desde a parede dos templos, das nas mesas da Planície com o tucupi de sol,
casas, dos quartéis, dos palácios, dos hos- que é um molho picante.
pitais, até ao arco das pontes, ao muro dos Arumanduba – Significa muito aru-
quintais, ao arcabouço das fábricas – que o mã ou guarumã, na língua geral, Ischnosi-
arenito avermelha em vários tons. phon. Da família das marantáceas, os seus
Arisco – Desconfiado. Tímido. Arre- talos servem para urdir balaios, paneiros,
dio. Insociável. Gente, como estas picotas gurupemas. Sob o nome de arumanduba
são ariscas... Assim aquele veadinho que surge também, pouco abaixo de Almei-
eu peguei noutro dia. Não é capaz de che- rim, à margem esquerda do baixo-Ama-
gar perto de ninguém. zonas e dentro de verdejante paraná, um
Arpão – Longa haste cilíndrica de núcleo de casas levantadas sobre paliçada
madeira de lei um pouco afilada numa das em virtude da várzea aí, ampla e pano-
pontas onde se encastoa um bico de aço râmica, vestida de gramíneas como um
farpado. Serve para matar peixes grandes, zaïmph de deusa – ainda estar suspen-
pirarucu e peixe-boi. dendo o colo plástico das águas turvas
Arranjo – Logro. Negócio inescrupu- e, pois, sujeita às enchentes anuais do
loso. Combinação fraudulenta. Você tenha rio-mar. Ao fundo pastoril desse desvão
cuidado, parente, que isso parece arranjo. bucólico, em dentado hemiciclo orogê-
28 Raimundo Morais

nico, recorta-se no tom verde-glauco a abriu ali, instintivamente por certo, em


muralha de colinas povoadas de casta- sulco profundo, um igarapé para o banho
nha (Bertholletia excelsa). Sítio? Povoado? vernal, igarapé que de inverno, já oferece
Vila? Cidade? Fazenda? Castanhal? Tudo tráfego às lanchas de pequeno calado e
pode ser pelo aspecto exterior desse esta- que vai, numa sinuosidade de serpente,
belecimento humano, que é alegre, movi- da margem do Amazonas ao sopé da ser-
mentado e denunciador de fórmulas pro- ra. Diante destas cousas todas, inexisten-
gressistas muito raras no país das pedras tes nos estabelecimentos particulares da
verdes. Surta no porto – índice de grande esplanada, erma de conforto e melhora-
tráfego – numerosa flotilha de magníficos mentos comuns noutros rios estrangeiros
“gaiolas” e lanchas transmitem a impres- do Planeta, é que se procura saber quem
são dinâmica do comércio. Depois, quem teria sido a individualidade que fez tais
desembarca e vê armazéns de molhados e cousas. E a resposta cai, sem reclame nem
fazendas, farmácia, depósitos de gêneros preconício, da boca dos empregados: “Foi
regionais, filas de habitações, confortá- o coronel José Júlio de Andrade”. Hosa-
veis casas campestres com água encanada, nas a esse homem! Porque a triste verda-
luz elétrica, telégrafo, de parte as oficinas de é que os desbravadores da Amazônia,
mecânicas, aparelhos de beneficiar casta- com raríssimas exceções, sejam nacionais
nha, percebe logo que, para aquele trecho ou estrangeiros, não amam a nossa queri-
da mata, levaram o que foi possível levar da terra e andam com os olhos voltados
da civilização. Aqui, ali, acolá, revelando para a foz dos rios, por onde fugirão. Só
método e ordem – depósitos de borra- têm um fito: abandonar a gleba generosa
cha, sabão, café, querosene, gasolina, que os enriqueceu. Mal se tornam argen-
castanha, couro, balata, madeira. Em ar- tários desprezam a rechã que lhes deu a
mazéns subdivididos por balcões – ferra- fortuna, na maioria das vezes sem erguer
gens, fazendas, louças, cereais, miudezas, ao menos uma capela votiva. Transpor-
armas, cousas de armarinho e mil obje- tam seus capitais para outros pontos do
tos, enfim, como somente podem ser en- mundo, levam a família que os ajudou
contrados nos magazines das metrópoles. a ganhar, e vão edificar e viver alheados
Tudo que ali se produz e tudo que vem desta terra máter. Esquecem-se inteira-
dos mercados estrangeiros está arrumado mente de nós e da plaga em que conquis-
e classificado. A manteiga fresca, lá fei- taram o veloccino. Pouquíssimos desses
ta – nos seus depósitos. Barracões, arma- violadores de brenhas se radicam ao rico
zéns, rústicas vivendas, casotas, palacetes, solo amazônico para o querer, para o be-
acham-se ligados por passeios aéreos que neficiar, para o amar, para o fazer falado
repousam em estacadas a cavaleiro do e respeitar como este José Júlio, que tem
nível máximo das inundações. No cam- paradoxalmente o físico tardo de burguês
po imenso – o gado de raça. Bois, vacas, e a ideia construtiva do yankee, o que me
novilhas, burros, porcos, jumentos caros leva o pensamento, por desconcertante
destinados ao cruzamento dos rebanhos. contraste, para o meu caro Adriano Jorge,
A manada de búfalos, afeita à umidade e presidente da Academia Amazonense de
para vencer o estilo rigoroso na planície, Letras, que tem o nome de turco e o espí-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 29

rito de grego. Enriquecendo nesse verde belos. É seu atual presidente o capitão-de-
recôncavo do vale que é Arumanduba, o corveta Dr. Veiga Cabral e vice-presidente
coronel José Júlio para lá canaliza os seus o Dr. Alcindo Cacella.
bens; para lá dirige as próprias energias Ata - (Anoma squamosa) – Pequena
de sexagenário; para lá ruma quando quer árvore. Os frutos, do tamanho de laranjas,
veranear; para lá vai beber no ambiente a de cor verde, lembram, pelas saliências,
paz silvana que a labuta lhe pede. Assim, feitios de pinha. A polpa, em gomos, é
fazendo florescer, povoar, alegrar o des- deliciosa. Não é nativa. Parece oriunda do
vão que o seu trabalho formidável con- Peru. No sul chamam-na pinha.
quistou na juventude, ao olhar magnâni- À toa – Sem razão. Sem valor. Coisa
mo de alguma fada propiciatória, aquele sem utilidade. Esforço perdido. Vaçuncê
industrial conquista também o coração e vai à toa, coronel. Capitão Malaquias já
a amizade da gente paraense, que jamais emprestou perna da cutia. Virou cobra,
poderá esquecer semelhante esforço her- meu branco. Aquilo, agora, só volta se a
cúleo e amigo. Identificado, pois, com a Chica Mangarataia cosicar ceroula dele
natureza do vale, e apesar da cornucópia com linha preta de alguma mortalha.
das graças que a deusa autóctone lhe der- Todo o pau sem importância doméstica,
ramou no colo, facilitando-lhe a saída, o industrial ou econômica, é pau atoa para
coronel José Júlio cumpre o maior dever, o caboclo, principalmente se ele, à primei-
o único dever talvez de todo o bom bra- ra vista, o desconhece. Que pau é aquele?,
sileiro, aqui enriquecido, deve cumprir compadre Orlando. Qual? O grosso. Aqui-
com a terra augusta, que o selecionou e o lo é pau a-toa. E o outro o fino? Também.
elegeu: “nela viver e nela morrer”. E aqueles, da capoeira? Tudo é pau a-toa.
Assado – Irritado. Zangado. Estou as- Atuá – Cogote, nuca na L. G. Ponta
sado com aquele sujeito. Não mexa comi- de Marajó fronteira à ilha do Capim. É
go que eu já ando assado. O coronel anda cheia de pedras.
assado com o padre. Diga que é rabo de Aturá – Cesto em forma de paneiro,
saia... tecido de talas de guarumã ou jacitara,
Assanhada – Namoradeira. Sapeca. própria para conduzir coisas da roça para
Deus me perdoe, mas nunca vi mulher as- casa, sobretudo mandioca. Adicionam-lhe
sanhada como a nora do Chicão. Aquilo quatro varinhas exteriormente, e ao com-
envergonha um frade-de-preda. prido, a fim de lhe servir de pernas.
Assembleia Paraense – Clube onde Aturiá – (Drepanocarpus lunatis) –
se reúne a elite da sociedade em Belém, Planta ribeirinha, arbustiva, que só vinga
capital do Pará. Edificado na Praça da Re- no estuário. Vive em família, debruçada
pública especialmente para esse mister, o na borda dos canais e ilhas. Tem o sinal
prédio elegante, amplo, decorado, é tal- da maré alta deixado pelos sedimentos flu-
vez o mais distinto no gênero em todo o viais na ramaria. Há também um furo, nos
Norte do Brasil. Faltando construir ainda estreitos de Breves, chamado do Aturiá,
a ala direita, já ali se gastaram cerca de mil em cujo cotovelo os navegantes de bar-
contos. O mobiliário, todo de madeiras cos e canoas não passam sem deixar uma
paraenses, é suntuoso. Os salões vastos e peça de roupa, calça, camisa, saia, anágua,
30 Raimundo Morais

ceroula, e até mesmo lençóis, redes e col- parasita, que vive entre o patrão e o toquei-
chas, a fim de abrandar a ira dos espíritos ro, seringueiro este que entrega a borracha
do fundo ali: a iara e a velha pobre. Nessa no toco da árvore por um preço vil.
volta do Aturiá, quando se transpõe de dia, Aviador – Comerciante das capitais
veem-se as margens cobertas de roupas. amazonenses e paraenses que avia, isto é,
Isso recorda, diz Frederico Hartt, os espí- que remete mercadorias para alimentar o
ritos aquáticos da Rússia, os rusalcas, que pessoal dos seringais durante a safra. Casa
têm semelhanças flagrantes com os ama- aviadora que vende gêneros e compra os
zônicos. São belas raparigas que possuem, produtos da Planície.
como as iaras, palácios no fundo dos rios, Aviú – Camarãozinho abundante
dos lagos, recobertos de ouro, pedras pre- nas redondezas de Cametá. Vive à flor
ciosas e para onde levam os homens que d’água. Tão pequenino, que é preciso um
seduzem. Quando fingem ser pobres, ur- pano de filó muito fechado para apanhá-
dem ninhos de palha ou pena colhidas ao lo. Seco ao sol dá uma sopa especial, de
correr da “semana verde”. Nas proximida- raro sabor. O autor desta obra não encon-
des de Pentecostes fazem-se ofertas aos ru- trou, na sua biblioteca, o nome científico
salcas de roupa, trapos suspensos ao ramo deste crustáceo.
das árvores, na beira dos rios, exatamente Axi! – Interjetivo de pouco caso, des-
como no Aturiá, à velha pobre e à iara. prezo, desdém. Quando o cabloco (e a
Augusto de Saint-Hilaire – Natura- cabloca também), roceiro e mesmo da ci-
lista que palmilhou o continente colom- dade, até já com a pinta de civilizado, de-
biano com raro ardor pelas novidades da seja mostrar que repele qualquer indireta,
terra do cruzeiro. Botânico, zoologista, insinuação ou sugestão, é logo: Axi! Ora se
era um namorado francês do enigma do conheça, seu calcanhar de frigideira. Era
Brasil, na frase cantante desse mágico ma- preciso que eu andasse de tamancos como
labarista da palavra que é o grande escritor a tal senhora Antônia das Nabiças. Tire o
Celso Vieira. Rondou a Planície varando cavalo da chuva e vá plantar suas couves,
os chapadões do sistema brasileiro. Che- que é melhor. Está bem, está bem, então
gou até Goiás. Comeu o bicho da taquara aqui é só o boto, hein? Deixe de bestei-
que faz, como ópio, sonhar deliciosamen- ra, seu Jerônimo, e musque-se ... diga que
te. Seu olhar de vidente enxergou bem que vai casar com o filho do José Cabeludo, o
a saúva era nossa grande inimiga, a nossa mariscador do vigário? Eu? Axi! Não logo!
grande desgraça, o empecilho constante Antes uma boa morte. Não caso com toca-
do nosso progresso. Proferiu então a frase dor de bombo nem que desabe um pedaço
que há um século grita em todos os ouvi- do céu velho.
dos: “Ou o brasileiro extermina a formiga Azarado – Panema. Infeliz. Caipora.
ou a formiga extermina o brasileiro.” Sem sorte. Ando azarado mesmo, coma-
Avaluar – Avaliar. Diga que ele só dre. Urucubaca da miudinha. Só pé frio...
paga depois de avaluar os teréns da sogra. Peixe não pega na minha linha. Não dou
Aviado – Seringueiro que tem por sua uma frechada que acerte. Pirarucu só vive
conta, junto do dono do seringal, um certo caçoando comigo; funga na proa da mon-
número de homens. É um intermediário, taria que até parece desafio do Tinhoso,
O meu dicionário de cousas da Amazônia 31

com perdão de Deus. Tartaruga, então mas é com o corpo aberto. O padre me
nem se fala. Não boto vista numa cunha- aconselhou banho de cheiro, comadre,
mucu desde o putirum do major Agapito. com bastante pega-não-me-larga, maca-
Isso é mau olhado de homem, compadre. ca-poranga, casca preciosa, tajá-membe-
Você só vive querendo tomar mulher de- ca, cipó-catinga, priprioca, mucurucaá,
les... O resultado é esse. Soutrodia fuizi- pau-rosa, baunilha e cumaru.
nho arriscar os cobres de uma partida de Azucrinar – Importunar. Atormen-
cacau em Óbidos, num pipo disque do
tar. Que curumim pra azucrinar a gente.
Divino Espírito Santo, e, não lhe conto
Madrinha está doente, não azucrina ela.
nada, comadre, perdi tudo; era onde eu
Este tapuio só anda com história pra mi-
botava... os outros parceiros só paravam
contra mim, cochichando, rindo. O ban- nha banda, vivo azucrinada. Me deixe, seu
queiro, danado como uma onça, dizia Jerônimo, não me azucrine.
isto: vá se defumar primeiro, cunhado, Azulão – Fazenda grossa, azul, usada
senão você perde até a vergonha. É mes- pelos caboclos. Anda de calças de azulão.
mo, compadre. E arranje uma bendição Vai vestir tua saia de azulão que tem mui-
também. Vá com a Xica Engole-Cobra ta tiririca. Só azulão aguenta: é espinho
que ela espanta essa panemice. Você está muito...
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

B fica zangado com a gente se eu vender o


bichinho.
Bacu – (Doras) – Peixe do tamanho
Babado – Enrabichado. Enamorado. de um metro. Escuro, manchado de ama-
Apaixonado. Você já viu, comadre, como relo, tem a pele coriácea. É quase cascu-
o coletor anda babado pela Chica Bate- do. Vive no rio e nas baías. Pescam-no de
lão? Até parece que ela deu pra ele alguma anzol. No tucupi é um acepipe. Há casas
coisa no café. Parece, não, deu; aquilo é de petisqueiras, em Belém, que anunciam
mais feiticeira que o Diabo. Você se lem- com grande reclamo: Hoje temos bacu de
bra do finado promotor, que Deus tenha tucupi.8
no reino da glória? Era gordo, vermelho, Bacuri – (Platonia insignis) Árvore
quando chegou aqui, em Alenquer. Pois desenvolvida. Dá em grupos. Seu habitat
daí a um ano o homem pegou a amare- é o lado alto de Marajó, parte que está vol-
lar e a emagrecer que era uma pena. Não tada para o mar. O fruto, amarelo, parece
comia, não dormia, andava falando só. uma laranja grande. A polpa é branca, aci-
Sabe o que foi, meu bem? Mandinga dulada e doce. A compota é fina, delicada,
dessa mulher. incomparável. O sorvete – simplesmente
Babau – Interjeição popular. Está delicioso. Dos frutos naturais da Planí-
perdido. Agora, minha gente, babau, foi- cie é o mais gostoso. Os filhos, como são
se tudo quanto Marta fiou. Cunhantã em- chamados os gomos sem caroço do fruto,
prestou perna da cutia. Agora, babau! comidos crus, com farinha-d’água torrada,
Bacaba – (Oenocarpus bacaba Mart) constituem uma sobremesa excelente.
– Do fruto desta palmeira se faz um vinho Bacuripari – (Rheedia aff. acuminata)
creme, gordo, alimentício, porém pesado O fruto, menor que o do bacuri, não é tão
e indigesto. Muito apreciado no ocidente saboroso.
da Planície pelo seringueiro nordestino, Baderna – Grupo de rapazes. Ajunta-
em geral estranho à natureza amazônica, mento de operários, funcionários jovens.
a bacaba concorre, pela frequência com Você só anda em baderna... Que baderna
que é bebida, para as moléstias do fígado. era aquela em que estavas ontem? Deixe,
É o óleo demais abundante nos frutos, que Juquinha, de convívio com baderna.
produz tudo. Em mingau, a sobrecarga de Bagaço – Resíduo de frutos, bagaço
gordura se atenua muito. de laranja. Bagaço de cana. Esta lima é só
Bacorinho – Porco recém-nascido. o bagaço, não tem sumo.
A porca da minha madrinha teve dez ba- Bagarote – Dinheiro. Nota de mil
corinhos. Cinco leitoas. Parecem umas réis. Vou pedir dez bagarotes pra meu pa-
bolas. Aquele bacorinho malhado é uma drinho, quero comprar um corte.
promessa. Dono dele é S. Bento. Não se Baixa-mar – Quando a água da maré
dá nem se vende? Não, meu bem, santo atinge o seu mais baixo nível.
O meu dicionário de cousas da Amazônia 33

Balaio – Cesto raso de talas de pal- goma-elástica, por esse processo, no tem-
meira, de boca mais larga que o fundo, po de verão.
tecido caprichosamente colorido, onde Balsedo – Largas touças de plantas ar-
se guardam costuras, roupas, miudezas, bustivas ou gramíneas, criadas nos alaga-
cousas domésticas. Nas proximidades de diços, e que dão a impressão de flutuarem
Juruti, vila paraense, há um lago chamado quando a maré e o rio estão cheios. Lances
Balaio. de canarana emaranhada e que muitas ve-
Baldeação – Lavagem diária dos zes se deslocam em piriantãs rio abaixo.
“gaiolas” na Amazônia. Ao nascer do sol, Bamburral – Lugar encharcado,
com os criados botando a mesa do café, cheio de vegetação arbustiva, entremeado
os passageiros de 1a se acordam ao baru- de juquiris, tabocas e cipós, difícil de atra-
lho da guarnição estendendo a mangueira vessar.
d’água até uma tina de madeira. Leva ar- Banana – (Musa) Julgam-na origina-
riba! Grita o mestre. É o sinal para quem ria da Índia, tanto que já houve, na Ama-
está dormindo em rede, seja tripulante ou zônia, uma época chamada pelos historia-
não, sair dela e levantá-la na própria corda dores de pré-banânica, o que logo indica
do armador. E principia a baldeação com se tratar de um vegetal importado, trazido
grandes baques de conteúdos inteiros de talvez pelo índio. A terra oriental da Pla-
baldes d’água jogados com estrondo no nície, no entanto, lhe foi tão propícia, que
convés. O faroleiro espalha areia grossa e em parte nenhuma do globo ela medra
os “moços”, com o pé esquerdo sobre a vas- com tanta facilidade. Já o mesmo não
soura e o cabo na mão direita, principiam sucede no ocidente da Planície, perto das
nossas lindes fronteiriças, onde os tipos
a esfregar. Pelo ritmo bárbaro, de passadas
surgem mirrados, sem o perfume e o gosto
largas, parece uma dança selvagem. Isto
do baixo Amazonas. De banana faz-se pão,
vai, de proa a popa, até dez horas.
aguardente, sabão, vinho, cerveja, vinagre,
Balsa – Aglomerados de peles (bolas) tinta, papel, doce seco, em calda, além de
de borracha unidas umas às outras por lindas e sedosas rendas creme para chapéus
meio de finos cabos de arame. Desce dos e vestidos. Existem no vale a maçã, a inajá,
altos seringais quando o rio, seco, não per- a são-tomé, a chorona, a prata, a branca
mite o tráfego de lanchas e gaiolas. Baixa, e muitas outras. O tipo famoso, todavia,
ao sabor da corrente e empurrada a vare- é a pacova, banana comprida, a mais ino-
jão, até aos pontos em que encontra navio cente e rica em vitaminas. Madura, crua,
para transporte. É a mercadoria levando o é gostosa. Assada, passada, em calda, de
mercador. Os condutores vêm em cima, qualquer forma, enfim, é uma grande so-
trazendo a bagagem em sacos impermeá- bremesa. Não tem caroço e pode ser cor-
veis de seringa amarrados na boca. A via- tada em várias épocas, antes da maturação,
gem representa verdadeira odisseia. A balsa porque a seiva do cacho a faz conservar e
encalhada, engancha em paus, se desfaz a amarelecer. Ultimamente ficou provado
cada passo, obrigando a guarnição a passar isto, nos centros científicos mais adianta-
o dia dentro d’água. É um trabalho her- dos do mundo. Que a pacova verde, bem
cúleo do homem da Amazônia conduzir a verde, extremamente verde, substitui com
34 Raimundo Morais

vantagem o melhor legume. Ela pode figu- o caiporismo. Os “panemas” readquirem


rar como a batata e a macaxeira nos pratos os atributos perdidos. Os desprezados por
de cozidos das refeições e como delicada amor voltam à felicidade. Os azarentos no
farinha para mingaus e papas de doentes jogo começam a acertar. Você precisa é de
e crianças. Nenhum fruto já alcançou, um banho de cheiro, seu Maximino. Ex-
como a pacova bem verde, as benemerên- perimente e veja...
cias na alimentação da humanidade. Hoje, Banzeiro – Vagalhão. Agitação nas
mesmo na Europa, ela é tida como o fruto águas. Movimento das águas na Amazônia.
mais generoso e perfeito do universo. A na- Barafunda – Confusão. Anarquia.
tureza envolveu a nossa banana comprida Aquilo ali é uma barafunda horrível. Nin-
num tão delicado encanto propiciatório, guém se entende, tal a barafunda. Não
que ela substitui vantajosamente, quando dizem cousa com cousa, é uma barafunda
verde, os três maiores alimentos do Plane- dos diabos.
ta: o trigo, a carne e o leite. Barão de Tefé – Antônio Luís von
Bancando – Fingindo. Substituindo. Hoonholtz. – Almirante brasileiro. Quan-
Aparentando. Aquele cara anda bancando do ainda 1° tenente da Armada coman-
o coronel. O Miranda agora banca o herói. dou, na batalha naval do Riachuelo, a
Vá bancando a vítima que depois o tiro lhe canhoneira Araguari, em cujo passadiço
sai pela culatra. Vocês já viram o Oliveira? se cobriu de glória. Foi um herói rebel-
Qual deles? Aquele batuta que apontava o de. Debaixo de fogo seu navio se achava
coração e mostrava, por um gesto, o ta- sempre, contra ordens da capitânia, nos
manho dos filhinhos antes de ser fuzilado? lugares mais perigosos. De sorte que, após
Não. Nunca mais vi meu querido Olivei- o combate, era invariavelmente repreendi-
ra. Pois está bancando o príncipe-soldado. do e abraçado. Lida a ordem do dia com
Ordens rápidas e secas. Laranjeira, atraca a censura ao tenente von Hoonholtz por
o auto. Leva-nos ao Pinheiro, passeia-nos haver desobedecido imprudentemente e
por Ceca, Meca e Olivais de Santarém. gloriosamente as ordens de Barroso, os
Laranjeira, quantos quilômetros vamos demais oficiais o apertavam nos braços
rodando? Quarenta doutor? Pois vira ses- e a guarnição o aclamava, fazendo-nos
senta, por minha conta. Já escapei da mor- lembrar o caso inverso a bordo da corve-
te tantas vezes, que isto pra mim é canja. ta Claymore, do Noventa e três, de Victor
Bota oitenta quilômetros, cem, Laranjeira, Hugo. No castelo de popa desse hungoa-
porque te pagaremos o serviço no Céu, ao no navio literário se condecora e fuzila um
lado das onze mil virgens, bancando os herói. Mas, nós queremos falar no homem
mártires da 1° República. que palmilhou a Planície, no homem que
Banho de cheiro – Usado na noite veio ver o vale através dos seus conheci-
de S. João. Depois das sortes, pulamentos mentos de geógrafo, de hidrógrafo, de as-
da fogueira, nas quais passam os namora- trônomo. É, pois, ao sábio que honrou a
dos e os compadres, segue-se o banho de ciência como o marujo já honrara os seus
cheiro, feito numa bacia com água e na galões, que estas linhas envolvem num
qual se misturam ervas aromáticas, cascas comovido registro. A primeira situação
cheirosas, flores e essências vegetais. Tira astronômica das nascentes do Javari, para
O meu dicionário de cousas da Amazônia 35

limites do Brasil com o Peru, foi ele que a à popa, tem dois latinos e uma bujarrona.
determinou. Feita de madeira, cruza o estuário, nave-
Barata (Joaquim Cardoso de Maga- gando entre a contracosta (orla de Marajó
lhães) – Capitão do Exército. Atual inter- aberta para o mar) e a baía do Guajará. É
ventor do Estado do Pará. Figura de alto um excelente veleiro, em cujo leme o ca-
relevo entre os próceres revolucionários, boclo paraense afirma sempre as suas ine-
possui a coragem do leão auxiliada por xcedíveis qualidades de navegante. Quan-
uma fina e lúcida inteligência. Todo o seu do você chegou, minha xera? Ontem. Vim
governo no grande estado do Norte vem no barco do coronel Lobato. Foram duas
sendo moldado na mais absoluta honesti- panadas. Uma até o Mosteiro e outra até
dade e no vero desejo de ser justo, de acer- aqui, em Soure.
tar, de fazer bem à terra em que nasceu Baré – Tribo indígena que viveu nas
restaurando-lhe as prerrogativas, o prestí- redondezas do ponto em que se ergue hoje
gio moral e o crédito. Quando sente que a capital amazonense. Por isso muita gente
errou, através de qualquer ato público, re- chama para Manaus de Barelândia, e para
cua, emenda a mão com o mais louvável o ilustre e querido Dr. Silvério Néri de
e nobre dos gestos, implantando, assim, a velho baré. A verdade é que a raça baré,
confiança entre o povo, que de há muito através de todos os seus filhos, poetas, es-
o adora. Foi em sua companhia que outro critores, artistas, homens de ciência, revela
valente e querido, ilustre e modesto capi- qualidades de nobreza que engrandecem o
tão Aluísio Ferreira, também paraense e povo que ali se funde sob a claridade viva
atualmente chefe das linhas telegráficas de do Equador.
Mato Grosso, fez a revolução de 1924 no Barra – Saída de um porto. Barra pe-
Amazonas. Esses dois militares representa- rigosa. Barra franca. Barra aberta. Belém
ram, naqueles dias, a alma do movimento. tem três barras: Arrozal, Cutijuba e Cha-
Aluísio, então, foi destacado com rapidez péu Virado.
e brilho tão evidentes que não derramou Barranco – Terra na beira dos rios.
uma gota de sangue. Pano telúrico a prumo no porto das habi-
Baratas – (Blattes americaines) – Inse- tações. Atracar ao barranco. Pôr a prancha
tos ortópteros repugnantes que vivem nas no barranco. São expressões usadas a bor-
casas. A metamorfose da barata é demora- do dos “gaiolas” que sulcam o sistema hi-
da; leva quatro anos, segundo Maximino drográfico da Amazônia. Meter a proa no
Maciel. Só os machos voam. Na Amazô- barranco. Manobra que fazem as embar-
nia, além da barata comum, há a barata- cações para evitar que se arreie a montaria
branca e a barata-cascuda. O cheiro desses dos turcos. O navio crava a proa em terra,
corredores é enjoativo. Em geral o sujeito um marujo salta com o chicote do cabo na
albino, na Planície, é apelidado de barata mão, amarra-o numa árvore, e o gaiola fica
branca. Olha a cara daquele barata-branca: rapidamente atracado ao barranco.
tem medo de abrir os olhos. Barreiras – Manchas vermelhas, ama-
Barco – Nome por que é conhecida a relas, brancas, cinzentas, que se divisam
embarcação que conduz gado de Marajó. dos rios nas terras altas que marginam os
Pega de 50 a 100 reses, boca aberta, tolda caudais. Trechos da terra firme desnudos,
36 Raimundo Morais

chagados pela erosão das águas. Barreira doce, feculento. Cozida, é um alimento
do Cuçari, fronteira à ilha das Cuieiras, magnífico. Oriunda da Índia.
pouco acima de Monte Alegre. Barreira do Bate-boca – Discussão violenta.
Cararaucu, a jusante da boca de baixo do Polêmica azeda. Vão dormir, curumins,
Paraná da Capela. São amostras da quali- acabem com esse bate-boca. Por causa de
dade do solo por onde os sábios argutos um periquito tamanho bate-boca. Deixa
podem ter o índice da coluna geológica na de bate-boca, mana. Já vai para dias que
Planície. doutor Bernardinho bate boca com dou-
Barreiro – Lugar de terra salgada no tor Simplício no jornal para saberem dis-
seio da floresta às vezes no beiço dos barran- que que quanto deixou o pai do filho do
cos, à margem dos rios. Os bichos abrem Zebedeu para mãe do dito Zebedeu, que
o solo em concha e enchem-se da argila Deus haja.
salobra. Veem-se, numa democracia curio- Baticum – Pancada no coração. Pal-
sa, papagaios, antas, jabutis, pacas, veados, pitação acelerada. Gente, estou com um
periquitos, araras, mutuns, capivaras, fun- baticum da nossa morte. Às vezes me acor-
gando, bicando, mordendo, escavando a do de noite com um baticum no peito que
gleba, que fica com aspectos granulados. A parece botar minha alma pela boca.
esse ponto chamam “barreiros”. Em geral, Batelão – Barcaça de 3, 4, 5 e 10 to-
o fato sucede no alto Amazonas. Esta ob- neladas de deslocamento, em geral de boca
servação, no entanto, choca-se com o que aberta, própria para ser tirado a remo de
escreveu o ilustre John Branner na sua Ge- mão ou de faia. Usam-no também reboca-
ologia Elementar. Diz ele que o fenômeno do no costado das lanchas que trafegam no
Amazonas e seus afluentes. Os estaleiros
denominado “barreiro”, produto de uma
de Abaeté, Santarém, Óbidos e Uriximiná
formação de eflorescência, é característico
são famosos na construção de batelões de
das regiões áridas ou semi-áridas. Ora os
itaúba preta, madeira insubstituível nesse
“barreiros” amazônicos demoram em lu-
gênero de transporte.
gares onde chove quase todo o ano, não
Batuque – Dança de preto. Gente,
dando tempo a que um mineral solúvel,
onde é aquele batuque? Só sendo em casa
como é o sal, se cristalize. Entretanto o
de seus Malaquias. Batuque ali é pau que
cloreto de sódio no solo amazônico, úmi-
rola. O batuque veio evidentemente com
do, se bem enxuto, é abundante.
a gente do continente negro. É uma im-
Barrigada – Fartadela. Já me ri, meu portação da costa da África. Os navios ne-
bem. Tomei uma barrigada de riso. Nunca greiros que traziam o escravo, conduziam
vi um sujeito fazer tanta careta. A gente também o bicho-de-pé, a lenda, certos vo-
apanha verdadeiras barrigadas de riso. cábulos, muitas moléstias, e essa bárbara
Barulho – Briga. Rolo. O Chico só música chamada batuque.
anda fazendo barulho, homem. Você ain- Batuta – Valente. Ágil. Decidido.
da leva uma facada num barulho desses. Resistente. Aquele rapaz é batuta. Sujeito
Que sujeito barulhento! batuta. Oh! Bicho batuta, picou a voga
Batata-doce – (Batata edulis) – Planta desde a saída. Cabra batuta puxou a fieira
rasteira que dá um tubérculo amarelado, de ponta a ponta.
O meu dicionário de cousas da Amazônia 37

Beiju – Biscoito da Amazônia. Bolo ao dono, que por sua vez fingiu não dar
de fécula de mandioca. É uma das comi- grande importância ao achado. Eu sou
das regionais magníficas. O beijuaçu, fino ateu, graças a Deus, dizemos nós, batendo
como um disco, branco como a Lua, tor- no peito.
rado ao forno, com manteiga, supera qual- Besouros – (Coleópteros) – Insetos tri-
quer bolacha de água e sal das mais finas. turadores, providos de quatro asas. Negros,
Há ainda o beiju-panqueca, mais grosso e manchados de verde, vermelho e amarelo,
mais úmido, com a massa envolta em fo- cobrem-nos uma espécie de armadura de
lha de banana; o beiju-curuba, tendo adi- charão, rija, lustrosa. Têm chifres e pinças.
cionado a massa castanha de caju ralada; Roem as hortas e as roças; cortam paus, es-
o beijucica, muito fino, seco e torrado; o tragam tudo. O vôo de alguns produz um
beijumembeca, bolo mole. rumor característico, que parece o apito
Bem-te-vi – (Pitangus bellicosus) – grosso de “gaiola” ao longe. É navio, gen-
Pássaro de plumagem escura. Papo amare- te... Duvido... é besouro. São lindíssimos
lo e pescoço branco. Bico forte e compri- e numerosos. A espécie de escaravelhos
do. Vive perto das fazendas, dos sítios e até (Magasona) vive no monturo, nas fossas.
pomares das cidades. Ataca e persegue o O longicorne (Acrocinus longimanus) bebe
gavião no ar como o submarino persegue o o leite do caucho. Ali vem besouro, crian-
couraçado: agindo de forma que o grande çada...
rapace não o possa apanhar. Dá um grito Bexiga – Varíola. Entre o povo são co-
claro, sonoro, que diz assim: bem-te-vi! nhecidas várias espécies: a preta, a branca,
bem-te-vi! bem-te-vi! bem-te-vi! e a pele-de-lixa. Disque bexiga em Cametá
Benção – Bênção. Pede benção para está arrasando, meu mano? E é a pele-de-
os brancos, curumim. Benção, madrinha. lixa. Nunca vi tanta bexiga; isso é algum
Quero benção dos mais velhos. O Senhor pecado. Deus não dorme. Aqui se faz, aqui
Bispo, diz que, vai botar benção na fazen- se paga. Um bando de hereges, que não
da do compadre Malaquias. Pode ser que quer saber das imagens. Santo para eles é
visagem acabe lá, mas eu duvido. O fan- canja. Agora, aguentem. Vai tudo com a
tasma é mesmo a mulher dele. Quando ela bexiga. Que se peguem com os sabidos da
vira mula sem cabeça, guarda de baixo... cidade. Já fiz minha promessa para Nos-
Bentinho – Imagem ou oração cos- sa Senhora de Nazaré. Se a peste não der
turada dentro de pequeno saquitel de po- lá em casa vou acompanhar o círio a pé,
legada e que é trazido pendurado ao pes- levando um pote d’água na cabeça para
coço por um cordão. Espécie de amuleto distribuir pelo povo.
que defende dos inimigos e dos “amigos” Biboca – Habitação pequena. Lugar
também. Conta-se que um político para- apertado. Moradia acanhada. A casa, co-
ense, muito positivista, descrente de san- ronel, é uma biboca. Tanta gente numa
to e creio mesmo que de Deus, tomando biboca daquelas. O quartel é uma biboca.
banho a bordo de um “gaiola”, deixou o Eu não me acostumo em biboca.
bentinho, por esquecimento, no banheiro. Bichado – Cheio de bichos. Vocês já
O passageiro que o encontrou foi levá-lo, viram, minha gente, como o feijão está bi-
e, com muita ronha, entregou a imagem chado? Bem que eu disse que metesse logo
38 Raimundo Morais

na frasqueira, mas vocês, nem como cou- Bobo – Ridículo. Mas que homem
sa... Agora, está aí, feijão todo bichado. E bobo, comadre. Só vive dizendo besteira.
milho também, olha aqui. Quem é aquele sujeito bobo, que está fa-
Bicheira – Ferida em consequência lando? É o filho do André. Que mulher
da larva da mosca (Lucilia macellaria) de- boba aquela.
positada na costa de certos animais, prin- Boca – Foz do rio. Desaguadouro. Na
cipalmente do gado vacum. Já viram boi Amazônia, depois da boca da noite e da
Estrela, como está de bicheira? E a vaca boca do mundo, decerto maior e mais res-
laranja, também. Bicheira, aqui, é mato. peitável, a boca por excelência é a boca dos
Existem certos pajés na Amazônia que rios. Existe na floresta, a boca da estrada;
curam a bicheira do gado pelo rasto do a bordo, a boca da embarcação; a boca do
animal. Fazem uma cruz no ar, na direção fogo, a boca-de-lobo, mas nenhuma tão
em que o bicho se encontra, rezam certa expressiva e capaz de engolir tudo e mais
oração, e pronto. Daí a dias a ferida sara... alguma cousa como a boca do Amazonas,
do Tocantins, do Tapajós, do Madeira, do
Bicudo – Nome por que os caboclos
Negro.
chamam o português.
Bochecho – ato de bochechar. Porção
Bigodes – Frisos d’água que as em-
de líquido que pode caber na boca. Faça
barcações produzem à proa, quando na-
um bochecho de malva que a inflamação
vegam. Deslocamentos da toalha líquida
desaparece.
em virtude da velocidade do navio. Quem
Bocó – Palerma. Sujeito de boca
olha do alto do castelo de vante para bai-
aberta. Cretino. Credo, que bocó! Você
xo, em direção ao talhamar, vê aqueles
já viu, compadre Cornélio, como é bocó
dois rolos de espuma que se apartam das
o sobrinho do coronel Seca Pimenteira.
bochechas da nave como se fossem os bi-
Não havia de ser outra cousa. Até parece
godes dalgum monstro marinho. arte do pai do filho do Zebedeu, que Deus
Biribá – (Rollinia, aff. ortopetala) – não me castigue. Ele vai estudar pra mé-
Árvore de porte regular. O fruto, pouco dico disquê. Na minha casa é que ele não
maior que uma laranja, amarelo-esverde- entra, com perdão de São Lucas, que é o
ado, é cheio de bicos na casca. A polpa padroeiro desses doutores. Receita daquele
branca, gomosa, é doce, vagamente ácida bocó, você vai vê, é pá, casca: sete palmos
e saborosa. Silvestre. de terra com ele. Sempre de boca aberta e
Bisca – Pessoa que tem pequeninos dizendo tanta besteira que até parece que
defeitos, falhas de caráter. Aquilo é uma não foi batizado.
boa bisca, madrinha. Enquanto meu pai Bogari – (Jasminum sambac) – Planta
foi chefe político ela não saía daqui. Ago- trepadeira, de flores perfumadas e brancas.
ra, diz que não conhece mais a gente. O Boi – Cordão. Boi-bumba. Certo
promotor é outra bisca, não bota defeito número de homens e mulheres que, pelo
em Jesus Cristo porque ainda não teve oca- tempo de São João, anda fazendo dançar o
sião. Não há quem preste para ele. Bom, boi. Há o “boi-canário”, o “boi-laranja”, o
mesmo, aqui na vila, só ele, mulher dele, “boi-estrela”. E, por ampliação, a “ema”, o
filha dele, curumim dele, cunhatã dele. “pavão”, a “garça”. É um velho divertimen-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 39

to popular que parece oriundo da África. A boiúna é um verdadeiro filão literário.


Lá vem o boi, minha gente. Ele vai dançar Não há recanto na planície em que não se
na casa do subdelegado. Dançam, cantam, ouça a historia da boiúna. Sabe, cunhado,
bebem, e brigam toda noite sob pretex- o filho do coronel Venâncio desapareceu
to de fazer dançar o boi. Quando se en- ontem no lago. Andavazinho no marisco
contram dois bois, aos magotes, chamam flechando uns bodecos (filhotes de pi-
embiricica. Boi do compadre Prudêncio rarucu) e nunca mais. Sumiu de vez. Na
é bom, dança bem, é valente quando bri- canoa, meu bem, não se encontrou nem
ga, mas, porém é assim... de embiricica, flecha nem arpão. Foi a boiúna, coração.
lá vem boi Estrela, minha gente. Tira as Ontem eu vinha da casa da velha Andre-
cadeiras da varanda para ele dançar. Embi- za, e, na volta da meia-noite, ao passar no
ricica não entra. porto da tapera do finado Jabuti de Cole-
Boia – Sufixo e prefixo da língua geral te, tive um aperto na alma. Senti um bur-
que significa cobra e entra na composição ro frio no fio do lombo. Vi, então, meu
de muitas palavras indígenas como jaqui- bem, com esses olhos que a terra fria há
ranaboia, jiboia, boiuçu, boitatá, etc. No de comer, atravessando o lago, um vulto
sentido de comida, refeição, empregado enorme. Levava um cachoeirão na proa
na gíria, como, por exemplo: boia de bor- que nem navio, fora dos fachos do fogo.
do, boia sem tempero, vou pegar a boia, Fiquei... Só deus sabe. Era a cobra grande,
ainda é de origem silvícola e provém do meu coração. Dizem que coronel Venân-
termo guarani boií, comida, sustento. cio não deixou a coroa do Divino pernoita
Boitatá – Cobra de fogo. É o gênio na casa dele e chamou de vagabundo para
que defende os campos, as savanas, os todos os romeiros. Ele é maçom. Em Be-
prados contra os incendiários. Por essa lém não deixa a casaca do bode. Boiúna
divindade se tira o sentido por que o sel- não brinca. Neste mundo se faz, neste
vagem, já naqueles tempos, condenava a mundo se paga. Você não vê como baixou
queimada nas campinas, costume que não a proa do Dr. Rodela. Dizem que vai ficar
somente esteriliza o solo, tornando árido de tanga...
o terreno, como provoca o crescimento Boneca – Espiga de milho. Milharal
de uma multidão de plantas daninhas em está embonecado todo, gente. Não bole
substituição quase sempre de gramíne- na boneca do milho. Cada uma boneca!
as próprias a forragens, ou, pelo menos, É a terra que é preta. Até parece milho
preferidas pelo gado que as come. Boitatá de índio, que é cada uma boneca deste
figura na teogonia indígena como uma pe- tamanho.
quena serpente de fogo que mora na água Borba – Cidade amazonense à mar-
e mata os incendiários. gem direita do rio Madeira. Não figura
Boiúna – Cobra preta. Cobra grande. nestas páginas por ter tido várias denomi-
Deusa autóctone. Mãe-d’água. Vive nos nações antes de Borba, sendo que as últi-
lagos igarapés, rios, paranás. Transforma- mas foram Araratema e Trocano. Também
se em navios, barcos, em canoas, em ga- não figura aqui por ter andado por Ceca,
leras. Pelas noites escuras os seus olhos, à Meca e Olivais de Satanrem, a refeição de
flor d’água, parecem dois faróis boiando. um povoado cigano, antes de se fixar no
40 Raimundo Morais

ponto em que se acha. Muito menos por nia Latreillei e a Castnia Icarus, crepuscu-
ter sido a comarca, no Amazonas, maior lares, são formas de transição entre os le-
número de vezes rebaixada e maior núme- pidópteros diurnos e noturnos. A Phalona
ro de vezes reintegrada no seu privilégio. Atlas, cujas lagartas vivem nas laranjeiras,
Ainda não figura neste “dicionário” por ter ainda consoante Wappaeus, dá um fio de
sido fundada pessoalmente por Francisco seda forte e brilhante. Entre as borboletas
Xavier Furtado de Mendonça, então go- diurnas, crepusculares e noturnas é fácil
vernador da Capitania do Grão-Pará, em fazer a distinção: as da primeira espécie,
1756; mas, exclusivamente, por ter sido quando pousadas, mantêm as asas ergui-
ali que o Marquês de Pombal, então mi- das, verticais; as da segunda e terceira,
nistro de D. José, deu o primeiro golpe na também quando pousadas, mantêm as
Companhia de Jesus, apeando os dois mis- asas caídas, horizontais. A Amazônia é o
sionários alemães que ali dirigiam a cate- paraíso das borboletas.
quese, levantando o pelourinho, símbolo Boré – Instrumento de madeira, pou-
das garantias municipais; e nomeando um co mais grosso que um clarinete, usado
oficial da milícia para dirigir os negócios pelos índios. Clarim guerreiro. De som
públicos. esquisito e singular, não é corneta, nem
Borboleta – (Lepidóptero) – A fauna trompa, nem trombeta... é boré mesmo.
entomológica da Planície é variada. Ba- Boró – Bilhete de bonde que circula-
tes registrou no Amazonas, segundo Wa- va em Belém como dinheiro. Tinha aceita-
ppaeus, 550 qualidades, “e durante uma ção tal qual uma cédula do Tesouro. Pas-
pequena excursão de 10 minutos colheu sa dali um boró, coronel. Estou sem um
em certo lugar 18 espécies de Papillo”. boró. Boró anda vasqueiro como todos os
Aquele naturalista, que viveu 10 anos em diabos.
Tefé, estudou os insetos no vale como Bota – Cousa embrulhada. Encrenca.
Agassiz estudou os peixes. Diz ele que Mas que bota é essa? Aquilo é uma bota.
há zonas especiais para certos gêneros. A Quero só ver quem descalça esta bota. É
diurna, Papillo, Bates coloca em três regi- uma confusão de todos os diabos. Já fa-
ões. A primeira, alto Amazonas; a segunda lei com o vigário, com o promotor, com
baixo Amazonas; e a terceira estuário. Esta o agente do correio, com o coronel, e nin-
geografia, o sábio atribui a modificações guém dá volta. Bota danada!
climáticas, tão ligeiras que escapam a nos- Brabo – Seringueiro novato, que aca-
sa observação. Nas cercanias de Belém, na ba de chegar do Nordeste. Sem conhecer
área de uma légua, Bates encontrou 700 a região, é completamente cego. Carece
espécies de borboletas. Emigraram em pelo menos de um ano para se adaptar à
bandos à luz do sol. Entre as maiores diur- ambiência. Ainda assim, mesmo depois
nas ele assinalou a Macraglossa annulosa, de integrado e identificado aparentemente
que se confunde com o beija-flor na busca ao meio, jamais alcança aqueles atributos
das essências. Entre as noturnas registrou sutis e extraordinários do caboclo, que
a Noctua Stryx, que não é só a maior da distingue os mais contraditórios rumores,
Amazônia, mas a maior do Brasil, e que se os mais suaves perfumes, as mais delicadas
confunde no voo com o morcego. A Cast- nuanças na hileia. Pela folhagem, pelas flo-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 41

res, pelo rastro, pelos frutos, pelos alísios, o Sul do Brasil, observou que as folhas da
pelos rios, pelas estrelas, pelos assobios, ele bromélia compõem um curioso vaso verde,
tem o sentido exato das estações, dos me- no qual se acha a mais esquisita multidão
ses, dos dias, das horas. O seu grande ca- de formas animais. Alguns desses bichos
lendário é a natureza, em cujo seio, como ali se encontram de passagem, como ver-
nas folhas de um livro, ele soletra os maio- mes, crustáceos, insetos, batráquios e co-
res enigmas da Amazônia. Fenômenos que bras. Certas espécies vivem lá, em estado
escapam aos sábios, são anunciados ao ca- larvário, saindo depois da metamorfose.
boclo pelo seu almanaque ao ar livre, e que Estas revelações, decerto, são interessan-
lhe transmite as informações da flora e da tes. Muito mais interessantes, porém, foi
fauna, dos ventos e dos astros, da terra e a descoberta feita por Fritz Muller no vaso
das águas, dos homens e dos bichos, por aéreo da bromélia. Ali vive uma conchinha
maneiras tão especiais, que ninguém senão bivalva, o Edpidium Bromeliarum, fóssil
ele as interpreta. O “brabo”, coitado, tro- noutra parte, semelhante ao Elpe pinguis,
cando uma zona calcinada, ardente, por assinalado por Barrande, na Boêmia. Se
uma planície virente e úmida, vê, ouve, bem que cinco vezes menor, é uma cópia
cheira, palpa e não percebe nada. fiel deste. O curioso, todavia, é que esse
Braça – Medida usada nos prumos ostracode não podendo emigrar da bro-
de bordo dos “gaiolas”. A linha é dividi- mélia, e muito menos da árvore em que
da em braças. A primeira braça é marca- esta se encontra, projeta suas colônias por
da por um tolete transversal de madeira, toda a mata. Como? Na costa dos animais
de maneira a ficar bem à vista do marujo que visitam a bromélia. É provável, diz
que sonda na borda. Cinco braças! Quatro Fritz Muller, que a concha, como a bro-
braças! Três braças! Duas braças! Braça e mélia, floresça em todo o Brasil. Teremos
meia! Uma folgada! Uma, na marca! Uma na Amazônia, onde a planta em questão
escassa! A embarcação, nesta voz, vai com é abundante, o Elpidium Bromeliarum
a quilha roçando o álveo, porque a média segundo Fritz Muller? É o que se precisa
do calado dos “gaiolas” é uma braça, qua- ver. Será pitoresco encontrar, trepada nos
se seis pés. Alguns demandam mais água, galhos das árvores da Planície, depois de
outros menos. desaparecida dos mares brasileiros, uma
Branca – Cachaça. Também chamam concha que se transmudou da água salga-
branquinha. da para a água doce; que emigrou do ocea-
Brochar – Espancar. Este sujeito vive no para a selva; que subiu da vastidão azul
aqui bancando o valente. Está procurando do Atlântico para um vaso aéreo e verde da
ser brochado. O José vai brochar o pai do hileia em misteriosa surtida.
filho do Zebedeu. Foi uma encrenca da Bubuia – Boiando, flutuando sobre-
nossa morte. nadando. Árvore, canoa, corpo que fica
Bromeliáceas – Família de plantas à flor d’água. Aquela ilha de canarana,
que tem por tipo o ananás. Há várias espé- cunhado, como vai de bubuia. É uma be-
cies que medram nos galhos e forquilhas leza. E aquele tronco, também de bubuia,
das árvores em plena floresta. Fritz Muller, cheio de marrecas. Hoje, pelas matinas,
o naturalista alemão que viveu estudando maria-já-é-dia ainda estava anunciando o
42 Raimundo Morais

sol, passaram de bubuia muitas peles (bo- Buçu – (Manicaria saccifera) – Pal-
las) de borracha. Aquilo é batelão de boli- meira de folhas semelhantes às da bana-
viano que virou na cachoeira do Inferno. neira (musa). É a melhor palha para cobrir
Ou então do porto, que quebrou, do major casas, quer pela durabilidade, que atinge
Guaramiranga. Água ’stavazinho comendo 15 anos, quer pela facilidade de manejar,
lá toda beirada. Seringa no terreiro dele era quer, ainda, pelo tamanho da palma. O
mato. Cada pele deste tamanho. seu habitat predileto é o estuário da Ama-
Bucha – Logro. Que bucha é esta, zônia, principalmente nos arquipélagos
compadre? Negócio com teque-teque. conhecidos como ilhas de dentro e ilhas
Que bucha! Turco, foi o turco. Ele disse de fora. Entre esta grande área e o baixo
que não ganhava nada pra mim e só ago- Amazonas, Prainha, Monte Alegre, San-
ra eu vejo que fui embrulhado. Levei uma tarém, há um vasto comércio de palha de
bucha dos diabos. Não vá comprar bonde, buçu. Barcos a vela, carregados do artigo,
compadre. Turco não é gente. Você sabe o sobem o caudal e vão distribuindo com os
que me disseram? Que na capital da terra fazendeiros que a adquirem, para teto e
deles, atravessando a cidade, tem um bur- parede, não só de grandes vivendas, como
ro corno de ouro. Mentira? Não, comadre. de retiros pastoris nos campos. Este negó-
É um igarapé que atravessa Constantino- cio entre os dois pontos do vale é a melhor
pla chamada, com perdão das pessoas mais prova de que o buçu, abundantíssimo na
velhas, Corno de Ouro. Turco tem olho foz do Amazonas, é raro para o montante.
aberto que parece gaivota. Mulher dele, Buraçanga – Cacete cilíndrico com
lá na Turquia, era só de cara tapada para que as lavadeiras batem roupa. Também
ninguém cobiçar. E você já viu como está usado para separar o caroço do capulho do
aparecendo turco outra vez? No tempo da algodão.
guerra era só libanês e sírio. Mas eu co- Burrada – Asneira. Tolice. Fiz uma
nheço alguns bons, que até parecem turco burrada do tamanho de um bonde. O Ar-
de navio; içam a gente na amizade. Agora tur anda fazendo burrada. Que burrada,
isso! Só se já foram batizados. gente!
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

C É longe de verdade, meu santo. Tenho que


remar muito...
Cabeçudo – Teimoso. Casmurro. Pir-
Caá – L.G. Folha, mato, planta. rônico. Não bula com seu José que ele é
Como sufixo e prefixo, no tupi, é termo cabeçudo; quando cisma certa cousa nin-
comum; mucuracaá, caaeté, capiranga, ca- guém dá a volta nele. Que homem cabeçu-
pim, etc. do; agora deu pra ler de madrugada.
Caaeté – L. G. Selva. Floresta primi- Caboclo – L. G. Vindo do mato. Ori-
tiva. Mato virgem. ginário da selva. Produto do estrangeiro
Caapora – L. G. Deus autóctone de- invasor com o índio. O termo é afetuoso,
fensor da caça do mato. Homem cabeludo, empregado com ternura. Meu caboclo.
montado num porco, anda enxotando, em Cabocla da gente. Aquele caboclo é pesa-
gritos contínuos de defesa, certos animais do. Todos nós, da Planície, nos orgulha-
preferidos pelo caçador. Quem o encontra mos de ser caboclos.
fica infeliz, caipora. É o padrinho de todos Cabra – Mestiço com visíveis sinais
os animais silvestres contra a frecha do ín- de preto. Mulato carregado. Cabra sara-
dio ou a bala do ádvena. Parece que vem do. Cabra bom. Este cabra catinga como
daí a palavra caipora, infeliz, sem sorte, bode. Cabra besta. Cabra doido.
panema na caça. Cabresto – Laço curto, de nó corre-
diço, com que se amarra o gado a bordo.
Caaretama – L. G. Região das matas.
Afrouxa o cabresto dessa vaca. Aperta o
Caba – Inseto conhecido por vespa.
cabresto desse novilho. Olha, aquela vitela
Marimbondo no Sul. Na Planície há caba- esta esganada, afrouxa-lhe o cabresto.
de-igreja, caba-de-peixe, caba-tatu, caba-
Cabrocha – Mulata ou mulata jovem.
mutuca, caba-beiju, caba-camaleão, caba
Que cabrocha metido a sebo. Disque é
de fechadura. Algumas são tão bravias que doutor. Olha aquela cabrocha roliça. Mas
é preciso fogo para espantá-las. A Polistes catinga, meu mano, que nem bode.
lecheguana faz um mel tóxico, cujos efei- Cacete – Visita imprevista. Um fulano
tos, segundo Wappaeaus, foram sentidos que nos interrompe o trabalho. Mas você
por Saint-Hilaire. viu sujeito mais cacete que este? Chega em
Cabeção – Nascente dos rios e igara- casa e toca a contar história de onça, como
pés. Origem dos caudais. Fonte de cursos se eu não tivesse meus que-fazeres. O ca-
d’água. Vou até as cabeceiras do Purus. É, cete não sai. Vira tudo quanto é vassoura
longe de verdade, meu santo. Tenho que com o cabo pra baixo. Amarra S. Antônio.
remar muito... Cacete danado!
Cabeceira – Nascente dos rios e iga- Cachaça – Aguardente de cana. Tam-
rapés. Origem dos caudais. Fonte dos cur- bém chamam ao sujeito que bebe. Aquilo
sos d’água. Vou até as cabeceiras do Purus. é um “cachaça” de marca. Quando se mete
44 Raimundo Morais

no porre não há quem aguente. É o maior inundante do Orenoco, o rio da república


“cachaça” da cidade. Olha aquele “cacha- vizinha, num salto de tigre por cima das
ça” como vem às guinadas. Há três dias desmoronadas cabeceiras do Caciquia-
que ele está de fogo aceso. re, invadiu o Canon deste, enfiou-se-lhe
Cachimbo – Aparelho para fumar. pelos torcicolos e meandros, rasgou-o,
Compõe-se cabeça, feita de barro, tingida aprofundou-o e veio ter, numa bárbara
de negro, e do tubo, de taquari. Em Ca- e dominante conquista de escavador de
metá fabricam lindos taquaris, pintados álveos e afastador de margens, a nossa pla-
de encarnado e decorados de preto e ouro. ga. É da cor de linfa e o desbarrancar das
Alguns esgalham na extremidade, poden- ribanceiras que denunciam tudo isso do
do embutir duas cabeças; outros três, lem- estranho invasor. Ele alagou e cavou, de
brando tridentes de Netuno. Cachimbo ano para ano, de século para século, num
de Cametá, dizem os entendidos, é pra se- trabalho de contrabandista que reforçava
nhor de engenho: precisa de moleque para o labor das fiadas aéreas, até transformar
segurar na ponta. por completo o rio Caciquiare em canal
Cachoeira – Salto que o rio dá nos do Caciquiare.
travessões de pedra. Descida brusca dos Caçula – Derradeiro filho. Este é o
caudais. Água que vinha correndo em um meu caçula. Cadê o seu caçula? Está com
nível, e, de repente, se despenha, espada- o avô. Morreu o caçula do seu Figueiredo.
na, abre-se em espumas, precipitando-se Criança linda parecia um anjo, com o per-
da mesa de granito ao fundo das grotas. dão de Deus. Oh, belezinha! É o seu caçu-
A cachoeira, embaixo, é um panelão que la? É, comadre. Muito parecido com você,
ruge e ferve. Tem remansos, estoques meu compadre, mas também é a cara do
d’água, rebojos. Quando ela é baixa, os padrinho, o vigário. Foi de tanto a Fulu-
peixes tentam transpô-la. Dão saltos fora ca se confessar. Eu também dizia para ela:
da corrente e vingam o segundo nível. não olha para o padre; mas qual, mulher é
Cacho – Penca de frutos. Cacho de curiosa pra burro. Vivia espiando o santo
bananas, cacho de pupunhas, cacho de homem pelo ralo do confessionário. Foi
açaí, cacho de bacaba, cacho de patauá. por isso que o caçula saiu assim.
Também se diz cacho de cabelos. Cacuri – Tapagem feita de talas e de
Caciquiare – Canal que liga o vale do varas próprias a apanhar peixe nas praias
Orenoco, na Venezuela, ao vale do Negro, de areia ou orla de tijuco. Erguem-no no
no Amazonas, Brasil. Segundo as melhores litoral da costa, à margem dos rios e la-
observações de naturalistas, e, principal- gos onde haja influência de maré atlânti-
mente, de geólogos, o Caciquiare, antiga- ca, isto, é, fluxo e refluxo. Despescam-no
mente, era afluente do Negro. O monte durante a baixa-mar. O cacuri tem duas
em que nascia, vizinho do Orenoco, de bocas. Uma para o montante e outra para
fato um divisor de águas de onde mana- o jusante.
vam artérias fluviais para Brasil e para Ve- Cadeiruda – De ancas desenvolvidas.
nezuela, foi-se esfarelando, diminuindo, De quadris grandes. Que mulher cadeiru-
terraplenando até ao nível dos lhanos e da, credo! Parece uma tanajura. Nem pode
savanas, de maneira que, em certa cheia com a bunda. Cadeiruda como só ela.
O meu dicionário de cousas da Amazônia 45

Caeira – Fábrica de cal. Casa com nho. Um dia destes perdeu a ceroula, coi-
fornos onde se queimam as carapaças de tadinho. Abra olho, comadre, que isso não
moluscos dos sambaquis para transformá- é bicho. Bote sentido no coronel. Olhe
las em cal. Na Amazônia chamam a esses que perder a ceroula... Aí há outra cousa...
despojos da cozinha do índio, matéria- Ou jacaré ou raposa...
prima de cal, de mina de sernambi. Os Caiporismo – Desdita, falta de sorte,
sábios, no entanto, chamam-no de sam- azar.
baqui. Tanto um vocábulo como o outro Cairé – Lua cheia, segundo Couto de
provêm do tupi. Magalhães, etnólogo, folclorista, sertanis-
Caiçara – Manga do curral de gado ta, enfronhado nas lendas e teogonias do
feita com achas de madeira, esteios e que aborígine, é subdivindade autóctone. Tem
liga, em geral, o próprio curral à margem por fim despertar a saudade no amante au-
onde as reses são embarcadas para os mer- sente, levar o espírito do apaixonado para
cados consumidores. Estacada triangular junto do ente querido.
onde se prendem os rebanhos vacuns. Caititi – L. G. Lua nova.
Caiçuma – Papa feita com tucupi Caititu – (Dicotyles torquatus) – É um
engrossado com farinha, cará ou fécula de porco-do-mato menor que o queixada.
qualquer tubérculo. Como caça sua carne é mais delicada que
Caído – Namorado. Rendido. Você já a deste.
viu, minha xera, como o Juvêncio está caí- Caixão – Fundo do rio. Termo por
do pro lado da Josefina? Ficou caído desde que é designado o álveo. Quando o caudal
a noite em que ele fez quarto pro finado atinge o seu mínimo volume diz-se que
Mirandolino. Namoraram-se nessa noi- o rio está no caixão, seco, inavegável. O
te, junto do caixão do pobre... Desde ali Acre, este ano, ficou no caixão, compadre.
que ele ficou caído. Credo, cadáver ainda Até parece o Ceará, minha gente. Desce o
quente. Isso é pecado. E grande. A gente barranco para ir buscar água lá embaixo, é
deve respeitar ao menos a presença do de- um pau com formiga.
funto. Corpo tá duro, mas a alma vigia, vê Calangro – (Tropidurus torquatus)
tudo. Que juízo, o finado não haverá de – Lagarto verde-cinza que anda pelos jar-
ficar fazendo mulher... dins.
Caipora – Azarento, infeliz no jogo, Calombo – Inchaço em forma de
sem sorte. José Veríssimo julgava esta pala- bola. Protuberância na pele. Manifestação
vra derivante de “Caapora”, divindade sel- de tumor. Nasceu um calombo no coronel,
vagem que tem a forma de porco. Nunca aqui na testa, lá nele, que ninguém sabe
vi, compadre, sujeito mais caipora que o o que é. Há dias já que aquilo apareceu é
coronel Berimbau. No jogo do bicho, en- nem pra trás nem pra diante. Seu Inácio,
tão, é quanto o ferreiro faça, levou cercan- da botica, diz que é tumor, mas pra mim,
do o jacaré um ano. Nada do bicho. Até é feitiço. Pobre homem, já nem pode botar
que ele o abandonou. Pois bem, no mes- o chapéu dele.
mo dia em que o homem cercou o veado, Camaleão – (Polychrus) – Lagarto
bumba! Jacaré. É da miudinha, comadre. grande, verde, que vive no galho das arvo-
Perde tudo na rua, chapéu, gravata, colari- res, confundido com a folhagem. Muda de
46 Raimundo Morais

cor à aproximação do inimigo, homem ou piranhas e dos jacarés. A bordo dos “gaiolas”
bicho. O mimetismo defende-o, tal a se- que sobem o rio, rumo dos altos afluentes,
melhança que ele tem com a casca do pau, abarrotados de cargas, há uma expressão
com o feitio dos ramos, com o ângulo das que se prende às gramíneas em questão: é
forquilhas. cortar capim. Como esses navios recebem
Cambada – Enfiada de peixes num para rancho 20, 30 reses nas fazendas do
cipó ou envira. Cambada de pacus, de ja- baixo Amazonas, é necessário dar-lhes dia-
raquis, de piramutabas, de mandis. Quan- riamente rações de capim fresco, a que eles
to custa essa cambada? Também usa-se no estão acostumados. Por isso os “gaiolas” pa-
sentido figurado, como termo pejorativo. ram todos os dias a fim de cortar capim,
Aquela gente não presta, é uma cambada. que é a canarana. Até que, numa certa al-
Cambeua – Peixe do mato parecido tura dos rios, ela desaparece. O capim que
ao tamuatá. Também se chama cambeua se vê, então, é o mori, que mata a canarana,
aos chifres cujas pontas estão voltadas para extingue-a nos lugares onde ela viça e do-
baixo e a tudo que é retorcido e torto. mina. O gado dificilmente o come por ser
Cametá - De parte a glória de ter sido amargo e agente de disenterias. Cortam-se,
o berço de homens eminentes, de ser a pá- por isso, as folhas da embaúba e da taboca,
tria aviú e o país dos maparás, Cametá abundantes na orla ribeirinha. O boi gosta
é celebre pela resistência que ofereceu aos desses alimentos.
rebeldes no tempo da cabanagem. Não se Candeia – Vaso de barro ou folha-de-
rendeu ao sítio nem ao assalto. Devia ser flandres, com pavio de algodão, alimenta-
condecorada, à semelhança com as cida- do a azeite de andiroba. Em geral as mu-
des da Europa, que resistem ao assédio e lheres da Planície iluminam os oratórios
ao ataque inimigo. Como foi, por exem- com uma candeia muito simples. Deitam
plo, Leyde nos Países-Baixos, que heroica- água nem pequeno copo ou tigela de bar-
mente se bateu e triunfou das investidas ro, faltando três dedos para encher, e com-
espanholas. Cidade paraense às margens pletam o conteúdo com azeite de andiro-
esquerda do rio Tocantins. ba, que não só flutua como não se mistura
Camotim – Vaso de argila em que o com a água. Colocam, então, sobre o azei-
índio enterrava os defuntos. Na ilha de te, uma rodinha de cortiça com um pavio
Marajó há uma necrópole selvagem, no ao centro e acendem-no. Dá uma chama
município da Cachoeira, chamada Ca- pequena e mortiça durante a noite. É a
motim, de onde os naturalistas exumaram “luz do santo”.
centenas de ossadas humanas enterradas Cândido Mariano Rondon – Ge-
nesses potes funerários. neral brasileiro. O maior bandeirante
Canarana – (Panicum spectabile, Ness) nacional. Devassa os nossos sertões com
– Gramínea aquática que orla as margens indiferença e rapidez. As suas expedições
do Amazonas, os lagos, os igarapés. É o ca- pela hinterlândia passaram a ser cousas
pim mais apreciado pelo gado da planície. comuns, por mais arriscados que sejam
O boi e a vaca deixam qualquer gramínea os trechos percorridos, tal a confiança que
em terra para, enterrados n’água, comerem ele inspira. A sua travessia do noroeste
a canarana. Ali são muitas vezes vítimas das brasileiro, as suas pesquisas no vale do rio
O meu dicionário de cousas da Amazônia 47

Branco, renteando linhas divisórias com a nha que não há meio de tirar. Veste uma
Venezuela e a Guiana Inglesa, a sua des- calcinha no banho, Joaninha. Olha que
coberta do Eldorado dos naturalistas, nas tem muito candiru no porto...
cabeceiras do Trombetas e Cuminã, a sua Canelas – Pernas. Aquilo é uma siri-
batida pelos platôs goianos baixando pelo gaita. Só vive mostrando as canelas. Credo!
Tocantins, são viagens tão perigosas como Que canelas finas. Palito não pega. Você
as da África e da Ásia no reino das feras. está com as canelas de fora, comadre. Ele
Entretanto Rondon as faz com elegância só vive espiando as canelas da mulher do
de quem não teme segredo nas florestas, major. Se ao menos fossem grossas...
nem sigilo nas cachoeiras, nem mistério Cangote – Região occipital. Cogote.
nas águas. Conhecido por mareante das Cangote cheiroso. Cangote de touro. O
selvas, a sua inteligência de rara argúcia, a cangote do Mirandolino está bom para
sua cultura de polarizada erudição, sobre- umas farpas, hein?
tudo nos assuntos de naturalista, dão-lhe Caniço – Varinha flexível, descascada,
um alto e inconfundível relevo no exér- com uma linha, que termina em anzol, nas
cito. Nenhum brasileiro de boa fé, justo, extremidades mais delgadas. É destinada à
consciente da verdade, poderá negar ao pesca de peixes miúdos. Usam também
insigne General Rondon o privilégio de no sentido figurado, para assinalar pessoas
maior sertanista nacional, de palmilhador magras. Comadre Borborema está que é
glorioso de toda sua pátria através de er- um caniço. Aquilo é de tanto estudar di-
mos platôs, de ínvios recantos, de largas reito, fazer leses e escrever sentenças.
planícies, de perigosas travessias. A hin- Canjica – Papa de milho verde rala-
terlândia quase impenetrável, desde a ilha do e cozido com leite, açúcar, sal e canela.
ribeirinha aos cimos que ostentam o divor- Fica mais saborosa quando se adiciona o
tium aquarium, guarda-lhe a marca atre- leite de castanha-do-pará ou coco. Prato
vida e serena das botas. Seus raids memo- obrigado nas mesas da Planície pelo Na-
ráveis valem por silenciosas batalhas com tal e pelo São João. Vai comer uma canjica
a água, com a floresta, com a terra hostil. lá em casa, cunhado, depois da missa do
É sempre comovido que eu lhe registro galo, sim?
a obra de epopeia e o nome glorioso, tão Canto – Esquina. Eu vi o seu José no
glorioso agora como insubstituível quando canto da rua João Alfredo com a Frutu-
ele cerrar o ciclo aureolado de sua fecunda oso Guimarães. Quem era que estava ali
passagem pela Terra. Infelizmente, no Bra- no canto?
sil, nós somente sagramos as figuras depois Capado – Porco castrado. Sujeito
de mortas. Antes disso temos o prazer de gordo. Credo, gente, como ficou major
diminuí-las e até de martirizá-las. Jeremias? Parece um capado. Toutiço dele
Candiru – (Cetopsis) – Peixinho do é só banha. Tem cada prega que parece
tamanho do dedo grande, voraz, que vive rosca. Dizem que foi batatão, que ele
em grupos, devorando tudo nas beiradas. tomou? Nada disso, meu bem. Aquilo é
É perigoso porque entra em qualquer ori- consequência da “saúde da mulher”. Três
fício do corpo humano, matando muitas vidros puseram Jeremias como uma bola;
vezes a vítima. Candiru entrou no Juqui- capado não pega.
48 Raimundo Morais

Capanga – Guarda-costas de político. Você tem o Capeta no couro. Apelido por


Cafajeste assalariado. Sujeito da rafameia. que chamavam Luís XVI, rei da França.
Aquele é capanga do coronel Sarmento. Capim – Gramínea. São numerosas
Dizem que o capanga deu uma facada as qualidades de capim silvestre no vale
aqui, na barriga, lá nele, que botou os amazônico. Basta enumerar a canarana
miúdos do fulano pra fora. Capanga da- (Panicum spectabile), o mori (Paspalum
nado! Nas eleições, quando coronel perde, fasciculatum), o primembeca (Paspalum re-
ele mete a tatajuba na urna e vira tudo em pens), também chamado canarana rasteita,
ponta de cigarro. Depois leva os livros que o barba-de-bode (Eragrostisreptans), pró-
o governo ganhou com os eleitores do ce- prio para o cavalo, o capim-miçanga(Coix
mitério de Santa Isabel. É cada um defun- lacrima), o barba-de-velho (Andropogon
to bem criado... Benza-os Deus. virginicius), o capim-rasteiro (Spermo-
Capão - Ilha de mato. Rebolada de don setaceus), o capim mimoso (Panicum
grandes árvores no meio do campo. Oásis. brevifolium), o capim-açu (Panicum me-
Mato redondo. Trecho de floresta isolada gistom), etc. Isto sem contar os importa-
no prado. Galo castrado. dos, como, por exemplo, o de colônia,
o guiné, o mium, o gordura, o jaraguá e
Capara – Vasilha vegetal, efêmera,
muitos outros grossos e rústicos. Em ge-
em forma de funil, própria para guardar,
ral nos planaltos, cobertos de pastagem,
no mato, líquidos. Nela se bebe água na
só vicejam gramíneas agrestes, impróprias
floresta e transportam-se certas sementes.
aos rebanhos selecionados, se bem que ali-
Fazem-na de várias folhas, mas principal- mentícias e comíveis pelo gado, sobretudo
mente das folhas grossas. O vaso cônico, “montado” (fugido).
para fechar melhor, é costurado de espi-
Capinar – Cortar o capim. Limpar o
nhos, como se fossem alfinetes.
terreiro, o roçado, a horta de ervas e gra-
Capenga – Coxo. Sujeito que manca míneas.
de uma perna. Que é isso, cunhado, ca- Capinzal - Lugar onde medra o ca-
penga? É verdade, seu doutor. Foi armadi- pim. Terreno plantado de gramíneas. Ca-
lha. Compadre Cornélio fez uma armadi- pinzal já está bom de cortar, seu cunhado.
lha para paca perto da minha roça e quem Roçado, vai sendo engolido pelo capinzal.
levou chumbo fui eu. Quase embarco... Bota facão nele, minha gente.
Doutor queria logo cortar, dizem que dava Capitão – Bocado de pirão de peixe
tétano, gangrena, o diabo! O Pajé dos Pa- que o tapuio faz com a mão, em forma cô-
rintins botou umas raízes socadas, cobriu nica e alongada, na beira do prato, quan-
com folhas e, quando dei comigo, estava do está comendo. Seu Cazuza faz cada
com a perna sarada. Fiquei, então, capen- capitão... Nem sei como você engole isso.
gazinho. Meus capitães são gitos...
Capepena – Trilha que se abre no Capitari – Quelônio. Macho da tar-
mato quebrando os galhos miúdos, a mão, taruga. É menor que a fêmea e tem o rabo
de forma a orientar o caçador para a volta. mais comprido. Pelo tempo da desova, nos
Capeta – Diabo. Aquilo é o Capeta tabuleiros e praias, antes da postura anual,
em pessoa. Até parece cousa do Capeta. quem sai d’água primeiro e escala a terra é
O meu dicionário de cousas da Amazônia 49

o capitari. Ele percorre toda a área desti- Caramujo – (Ampullaria gigas) – É


nada à cova dos ovos. Abre com o casco, um molusco pequeno, quase redondo, de
algo inclinado, um sulco na areia e deixa cor escura na carapaça e com a massa cor
demarcado o terreno em que as tartarugas de chumbo, muito apreciado nas mesas
devem desovar. paraenses, quer em tortas, quer com limão
Capitiú – (Siparuna) – Planta que e pimenta depois de cozinhado. Vêm em
tem cheiro de peixe. Caá, mato; pitiú, pequenas “peras” de palha de dois palmos,
cheiro de peixe. a bordo das vigilengas, da região do Sal-
Capivara – (Hydrochoerus capivara) – gado.
É o maior roedor da Amazônia. Parece um Caraná – (Mauritia martiana) – Pal-
porco, chegando a pesar 60 quilos. Gran- meira. Medra nos pântanos. Fazem gaiola
de nadadora vive em grupos, na margem dos talos e a fibra é magnífica para atadu-
dos rios, roendo capim. É pouco apreciada ras, atilhos, fios.
como alimento. Caranguejeira – (Mygale blondii)
Capoeira – Mato novo crescido no – Da família dos aracnídeos, é um dos
lugar dos roçados, das florestas derruba- insetos mais perigosos da Amazônia. De
das. É mais cerrado e mais baixo que a dentada venenosa, o seu contacto produz
selva primitiva. inflamação. Grande, chegando a vinte cen-
tímetros de diâmetro, urde a teia no bura-
Cará – (Dioscorea) – Planta rasteira
co dos paus podres e na boca das galerias
de talos quadrangulares. Há de tubérculos
subterrâneas, na qual apanha borboletas e
roxos e de tubérculos brancos. É areento,
passarinhos. À voz de “aranha caranguejei-
saboroso. Come-se cozido. Parece de ori-
ra”, o susto é grande. Todos a temem. É
gem africana.
repugnante, peluda, parda.
Caraca – Espécie de ostra que dá
Caranguejo – (Cancer) – Em toda a
na madeira das pontes e trapiches, assim
Amazônia é comum o “caranguejinho-do-
como no casco dos navios, no estuário
campo”, um crustáceo de quatro centíme-
do Amazonas, nas águas submarítimas do
tros, mais ou menos, que serve de isca aos
Pará.
pescadores. Os peixes grandes devoram-
Caraíba – L. G. Valente, rijo, forte, no. Nas praias marítimas e submarítimas
sábio, sagrado. do Pará, oriente da Planície, são triviais
Caraibebé – L. G. Anjo das nuvens. duas espécies: a do siri (Neptunus criba-
Santo que voa. rius), que invade o estuário amazônico
Carajuru – (Arrabidoea chica) – Lia- na testada das águas verdes do Atlântico,
na conhecida também por piranga. Abun- ao tempo do verão, e a do uça (Gelasinus
dante no alto Amazonas. Macerada dentro stenodactylus), que vive nos mangues das
d’água desprende um pó vermelho, solúvel costas vizinhas do mar. Todos os dois são
no álcool e no azeite. Alguns índios, como bons alimentos. O segundo, abundante,
os guerreiros mundurucus, pintavam a trazido pelas canoas vigilengas em cofos
cara com ele. Era uma decoração sobre a de palha para os mercados de Belém, é
tatuagem azul escura de toda a tribo. Fica- delicioso. Dele fazem os célebres “casqui-
vam horríveis. nhos”, unhas e croquetes. Os paraenses
50 Raimundo Morais

gostam da gordura em molho, pimenta- menor golpe que ele dá é a grande massa
de-cheiro, sal e limão com que comem-lhe compacta que o vibra. Quando o animal
as unhas cozidas. Mas o caranguejo é tão agarra, corta, ou fura, fá-lo com toda a
interessante, que não me privarei de trans- força que tem, porque a sua grande ener-
crever, em seguida a esta papeleta, o que gia chega até a extremidade de todas as
dele disse, no seu pitoresco livro As praias suas armas. Tem dois cérebros (cabeça e
de Portugal, Ramalho Ortigão. tronco); mas para se resumir, para obter
“Entre os crustáceos, uma espécie to- essa terrível centralização, como se ar-
mada como um símbolo de retrocesso por ranja ele? Arranja-se sem pescoço, tem a
aquelas que ainda imaginam que ela anda cabeça no ventre. Maravilhosa simplifica-
às recuas – o caranguejo, o forte e prestan- ção. A cabeça reúne assim acumulados os
te caranguejo encarregado do importante olhos, as antenas, as tenazes e as maxilas.
serviço sanitário da limpeza das praias, Logo que os olhos penetrantes veem, as
representada pela sua configuração e pela antenas palpam, as tenazes comprimem,
sua estrutura, a mais sólida, a mais pode- as maxilas despedaçam, e, pelo lado de
rosa, a mais terrível máquina de guerra traz, sem mais intermediário, está o es-
que se tem inventado. Ao pé dessa fortale- tômago, perfeita máquina de moer, que
za ambulante, a força do homem armado, tritura e dissolve. Num relance, tudo está
coberto d’aço até os dentes, não é mais que consumado: a presa desapareceu; ficou
irrisão e miséria. digerida. Tudo é superior no crustáceo.
“Devemos agradecer a natureza, diz Os olhos veem para diante e para trás.
Michelet, o ter feito os decápodes tão Convexos, exteriores, facetados, abran-
pequenos. De outro modo quem poderia gem uma grande parte do horizonte. As
combatê-los? Nenhuma arma de fogo os pinças ou as antenas, órgãos de indaga-
morderia. O elefante teria de se escon- ção e de aviso, de tríplice experimentação
der. O tigre teria de trepar às árvores. O têm na extremidade o tato e na base o
próprio rinoceronte não teria segura a ouvido e o olfato. Vantagem imensa que
sua pele tão rija e tão impenetrável. A nós não logramos. O que não seria a mão
esbelta elegância do homem”, continua o humana se farejasse, se ouvisse! Em que
grande escritor, “a sua forma longitudi- conjunto e com que rapidez faríamos en-
nal, dividida em três partes, com quatro tão as nossas observações! A impressão,
grandes apêndices, divergente, arredados dispersa pelo contrário entre três sentidos
do centro, fazem dele, por mais que se diferentes, que trabalha separadamente, é
diga em contrário, um ente fraquíssimo. por esse fato inexata ou fugitiva. No de-
Nas armaduras dos guerreiros, os gran- cápode, que tem dez pés, seis deles são
des braços telegráficos, as pesadas pernas ao mesmo tempo mãos, tenazes e ainda
pendentes, dão uma triste impressão de órgão da respiração. Assim, por via de
uma criatura descentralizada, impotente, um expediente revolucionário, resolve
cambaleante, prestes a tombar ao pri- este guerreiro o problema que tanto afli-
meiro encontro. No crustáceo, pelo con- ge o pobre molusco: ‘respira apesar da
trário, os apêndices ligam-se tão junto à concha’. A isto, o decápode responde:
massa redonda, curta, atarracada, que o ‘Pois eu respirarei pelo pé, pela mão. Este
O meu dicionário de cousas da Amazônia 51

ponto fraco – a respiração – por onde me Caraolho – Estrábico. Vesgueta. Za-


poderiam dominar, coloco-o na ponta naga. Quem é aquele caraolho? É um dou-
da minha espada, ponho-o no gume das tor da capital. Dizem que ficou assim de
minhas armas de guerra. Ora que lhe to- tanto aprender leses. Que Deus me per-
quem agora, se são capazes!’” doe, mas quando ele olha para o norte pa-
Tal é, na eloquente frase de Michelet, rece que ele está olhando para o sul.
o sábio, o possante, o valoroso, o terrível Carapanã – Nome comum a todo os
caranguejo! “Se o prendem à traição por al- mosquito da planície. Wappaeaus designa-
gum dos seus membros, ele mesmo quebra os genericamente por culex amazonicus. Em
esse membro e retira-se mutilado. Vai com geral são noturnos, e incomodam não só
um, dois ou três pés de menos, – embora! pela picada como pelo zumbido. Em certos
Ele tornará a criar pacientemente mais um pontos do Amazonas, Solimões, Madeira,
pé, mais dois, mais três, mais tantos pés, Purus, constituem verdadeiro flagelo. O
quantos houver sacrificado ao resgate da caboclo chama-os, com muita propriedade,
sua liberdade. de praga. Há uma grande variedade que a
“O caranguejo, porém, cresce. Cres- ciência cai classificando. A muriçoca (Cellia
cer, tornarmo-nos grandes, é para todos argyrotarsis), a mais trivial das anofelinas, é
nós uma responsabilidade grave. Para o ca- o veículo do impaludismo. O carapanã-pi-
ranguejo é uma lamentosa desgraça. Tem nima (Stegomya fasciata), transmite a febre
de despir a sua invencível armadura, que amarela. O carapanã (culex fatigans) inocula
o sufoca como um espartilho demasiada- a filariose. Outros transmitem febre de mau
mente apertado, e é obrigado a ir triste, caráter, feridas, mazelas. A melhor arma
fraco, desarmado, para debaixo de uma contra eles é o mosquiteiro. O caboclo do
pedra, fabricar pacientemente uma vesti- baixo Amazonas fecha a casa antes do pôr-
menta nova. Todos então o desdenham, do-sol, apaga as luzes e faz fumaça em torno
todos os maltratam, e, como o velho leão da vivenda, como defesa. Na floresta e nos
enfermo, ele recebe submisso o coice ul- igapós anda em nuvens. É abundante quan-
trajoso do asno. Nestas condições, retirado do o rio baixa e quase desaparece quando o
dos combates, das aventuras, das viagens, rio enche. Falando sobre os mosquitos do
entregue inteiramente à vida doméstica, o Pará, Emílio Goeldi pensa que o stegomya
caranguejo tem pela sua esposa uma dedi- fasciata e o “culex fatigans”, são africanos;
cação sublime: quando ela é aprisionada, vieram com o preto cativo, a bordo do na-
ele, não podendo defendê-la nem bater-se vio de vela e em companhia do bicho-de-
por ela, vai espontaneamente render-se, e pé, que também é oriundo do continente
entrega à discrição do inimigo a sua vida negro. O primeiro é diurno e o segundo é
saudosa e viúva.” noturno. O som emitido pela fêmea do ste-
Carão – Advertência. Repreensão. Le- gomya corresponde ao “dó”, e o do macho
vei um carão da mamãe, que chorei. Deixe o “lá”. Havendo se espalhado a notícia de
de estar me passando carão a toda hora. que o manjericão e o mamoeiro afugenta-
Você precisa é ouvir um carão do profes- vam os carapanãs, Goeldi experimentou-os,
sor. Que carão danado! Há também um obtendo resultados negativos. Segundo A.
pássaro chamado carão, na Amazônia. Periaçu, médico paraense de remarcados
52 Raimundo Morais

estudos, as cores prediletas dos anofelinos Caraxué – (Turdus phoeopygus et autres)


são, na ordem decrescente: azul-marinho, – Pássaro castanho cantador, tido como o
vermelho-escuro, castanho-azulado, escar- sabiá do Norte. No Pará chamam aos su-
late, preto, cinzento-ardósia, verde-escuro, jeitos que vivem à custa das mulheres, de
violeta, verde, azul, cinzento-pérola. Apesar caraxués. Quem é aquele almofadinha que
de preferirem o sangue dos mamíferos, be- lembra o arco-da-velha: gravata amarela,
bem também o sangue dos pássaros e das colete roxo, calça cinzenta, chapéu verde,
aves, obrigando os proprietários de canários paletó castanho? Então você não conhece,
e curiós, patativas e coleiros a forrarem as será? É o caraxué da Muçuã.
gaiolas de gases. Gostam mais do sangue Caribé – Mingau sem sal, ralo, de fa-
do boi, do cavalo, da mula, do burro, do rinha-d’água. É muito usado nas convales-
porco, que do sangue do homem, tanto cenças do caboclo quando em dieta. Dezi-
que os estábulos, as estrebarias, os chiquei- nho um caribê pra ele levantar sustância.
ros, pela atração que exercem nesses inse- Ele está morrendo é de fraqueza.
tos, desviam-nos das habitações, deixando Caribebé – L. G. Anjo das nuvens.
indenes os moradores. Sobre o assunto o Santo que voa.
Dr. Acilino de Leão tem um belo e formi- Carimã – Bolo de massa de mandio-
dável ensaio. As crianças são mais persegui- ca próprio para fazer mingau. Vendem-no
das que os adultos. Quando o anófele não envolto em folhas. Também o empregam
encontra sangue para sugar, alimenta-se como fécula para engrossar caldos.
de açúcar, mel, tâmaras, bananas, suco de Carimbó – Tambor. Feito de um
frutos ou néctar das flores. Eles proliferam tronco escavado numa das extremidades.
nas forquilhas, na intercessão das palmas, Nessa parte aberta é colocado o couro cur-
na concavidade das folhas, nas ipueiras, nos tido do veado. O tocador do instrumento
cacos de garrafa, no vasilhame abandonado. senta-se em cima e, com as mãos, zabum-
Assim, as bromélias, os miritizeiros, os ba- ba-o nos batuques, que é uma dança ama-
nanais, pela água que retêm, são criadores zônica de origem evidentemente africana,
de larvas perigosas, e valem por vasos verdes trazida decerto pelos negros cativos dos
da morte. A anofelina é crepuscular. tempos coloniais.
Carapicu – Acará comprido, esguio, Caripé – (Licania utilis) – A casca
na L. G. Vestido de carapicu. Olha aque- desta árvore reduzida a cinza é aplicada na
le mascarado bancando o carapicu. Meu composição da louça, a fim de que as vasi-
coração, por mal que lhe pergunte, que lhas não rachem.
vestimenta é a daquele mascarado alto? Carlos Frederico Hartt – Depois de
Carapicu, meu bem... Humboldt, foi, talvez, a cabeça mais lumi-
Caraquento – Rugoso. Escamoso. nosa que andou na Planície. Sua curiosa e
Cheio de granulações. Sarnoso. Pau cheio viável concepção do aparecimento do vale
de conchinhas, que serve na estaca dos amazônico é deveras notável. Geólogo,
trapiches, principalmente nas águas de versou tudo, desde os nossos sambaquis
fluxo e refluxo da maré atlântica. Como aos nossos mitos. Apesar de não ter estado
está caraquenta esta madeira. Até turu já na ínsula do Pacoval, no lago Arari, Ma-
deu nela. rajó, escreveu sobre a cerâmica dessa ilha
O meu dicionário de cousas da Amazônia 53

e sobre a das grutas do rio Maracá. Quem que se não limitam a sua especialidade, vê-
fez a exumação da louça marajoara que lhe se Martius, como um iluminado, versando
estudou, a conselho de Ferreira Pena, foi o todos os assuntos: hidrografia, etnografia,
seu então ajudante Orville A. Derby. Este- geologia, meteorologia, zoologia. Foi com-
ve duas vezes na Amazônia. Na primeira, panheiro de Spix, outro bávaro, nesta pere-
disse que os sambaquis eram fenômenos grinação à Planície, como Bonpland o foi
naturais da vaga, da corrente, e da força de Humboldt. Galgou as serras do Parana-
eólica. Na segunda, mais esclarecido, dis- coara, da Velha Pobre e do Almeirim. Von
se a verdade, isto é, que eram despojos da Martius e João Batista Spix, que perlustra-
cozinha aborígine. Chefiou uma comissão ram a Amazônia com tanto brilho, vieram
geológica a fim de restabelecer a teoria de com outros homens de ciência comissiona-
Agassiz, abalada por Orton apoiado por dos pelo rei da Baviera, Maximiliano José,
Darwin e Haeckel, que impugnou o perío- na comitiva da Arquiduquesa Maria Leo-
do glacial no Equador. Fizeram parte dessa poldina da Áustria, quando se casou com
expedição, além de outros, John Branner, D. Pedro I, imperador do Brasil.
Rathbun, Herbert Smith e Orville A. Der-
Carlos Maria de la Condamine –
by, todos apaixonados discípulos do gran-
Francês. Militar quando jovem. Desceu a
de suíço, mas que tiveram que se render à
planície em missão da Academia de Ciên-
evidência: a formação da planície não pro-
cia de Paris para medir um arco do Equa-
veio de geleiras nem foi consequência de
dor. Esse trabalho objetivava determinar,
um drift. Em todo este desmoronamento
com outras medidas tiradas de um polo a
da teoria do gigante sabem com o que Or-
outro, a figura exata da Terra. Depois de
ton botou abaixo? Com uma simples fieira
fossilizada de conchas marinhas encontra- haver passado seis meses no deserto de
das entre argilas, nas barrancas de Pebas, Tarqui, Peru, desceu até Belém numa via-
Peru. Tanto Hartt, como seus companhei- gem dramática, na qual perdeu o médico
ros, depois de largas pesquisas, voltaram da expedição após um levante em Cuencas
certo de que Agassiz errara. consequência de libertinagem. O seu Diá-
Carlos Frederico Philippe Von Mar- rio é a interessante revelação de um obser-
tius – Bávaro. Botânico mais eminente vador ágil e profundo. Nessas páginas ele
do mundo. Tão carinhoso com as plantas pretende provar a existência das amazonas
que era conhecido no vale amazônico por brasileiras, se bem que, do mesmo passo,
“amigo das palmeiras”. Apesar da sua feição se julgue aí que o Eldorado de Manoa
científica, e pois recortada na verdade da provenha apenas do metal que os índios
História Natural, dividiu mitologicamente possuíam em pepitas e folhetas. Manoa e
o Brasil em cinco zonas botânicas: a das Manaus, diz o sábio, devem ser a mesma
Hamadríades, a das Oreades, a das Napees, cousa. Dourado e ouro também.
e das Dríades e a das Náiades. A Amazônia Carnegão – Matéria endurecida dos
ficou enquadrada nesta última, certo por tumores, furúnculos, nascidas. Doutor já
causa de suas águas, de seus rios, de seus la- rasgou postema do coronel, mas carnegão
gos, de seus furos, de seus igarapés. E como tá duro, não sai. Matéria saiu toda, meu
aqui os naturalistas são como os médicos, bem, mas carnegão, quem disse...
54 Raimundo Morais

Carona – Fiado. Levar carona. Não Caruara – L. G. Achaque. Dor pelo


receber. Ofício dele é esse: passar carona. corpo, indisposição, quebranto. Aplicam
Aquilo é carona como três e dois são cinco. muito nas dores reumáticas. Gente, ama-
Carrapato – (Amblyomma e Derma- nheci hoje com a minha caruara no torno-
centor) – É um parasita que vive na costa zelo direito. É a chuva que vem. Trovoada
dos animais sugando-lhes o sangue. Elíp- ainda está na boca do Amazonas e eu já
tico, fica como uma bola depois de cheio. sinto ela aqui. Quem dá sinal é a caruara.
Abunda nos arbustos da terra firme, onde, Começa a latejar que só relógio.
basta tocar na planta, para ele aderir à pele Carumbé – Uma das qualidades de
do homem ou ao couro do animal. É a jabutis, quelônio terrestre, que vive na
praga das pastagens alpestres. Ali cobre de floresta. Alguns zoólogos, dos mais argu-
tal maneira a rês, que dizima rebanhos in- tos que por aqui andaram, afirmam que
teiros. O anu cata o carrapato da costa do carumbé é como chamam os índios ao
boi, da vaca, do bezerro. O Ixodes america- macho do jabuti. De carapaça muito con-
nus é uma das maiores da espécie. O Ixodes vexa, escura, com quadradinhos amarelos,
crenatus é uma das menores. a sua força é formidável. Não vai além de
Carregado – Acentuado. Azul carre- cinquenta centímetros, mas anda com um
gado. Verde carregado. Mulato carregado. homem em pé nas costas.
Tom carregado. Também se diz do peixe e Caruru – (Amarantus oleracea) –
da caça remoso. Não comazinho tamba- Erva. Comida chamada de caruru, que é
qui, meu santo, que suas perebas voltam a erva desse nome, guisada com quiabo e
todas. Aquilo é carregado por demais. camarão. Vai comer cururu, comigo ama-
Ah! Minha xera, você está maluca! Como nhã, meu bem. Gente, caruru na casa do
assim, meu nome? Pois você não jantou professor Jacinto Lêndia é pau que rola.
carne de anta? Jantei. É muito carregada. Aquilo tanto come caruru como sabe lín-
Ferida com ela não fecha. Coma inhambu, gua dele. É danado pra falar como por-
rolinha, pescada, que são inocentes. tuguês do tempo em que se amarrava ca-
Caruanas – Divindades benéficas e chorro com linguiça. Fala bonito, não há
secundárias invocadas para obstar malefí- duvida, cunhado, mas branco pesado dis-
cios ou desgraças. Os pajés quando traba- que não entende ele. Só mandando buscar
lham nos seus ritos e têm de desfazer qual- padre Bernardes pra falar com ele.
quer feitiçaria, agitam o maracá, fumam o Casca preciosa – (Aniba canelilla) –
cigarro de tauari, e chamam em seu auxi- Laurácea aromática. Muito usada na com-
lio os caruanas. Lembram os deuses Lares posição do cheiro de papel.
da mitologia romana. São propiciatórios, Cascavel – (Crotalus horridus) – Co-
tidos como patronos da família. Dizem bra venenosa conhecida por boiacininga.
que a Chica do Paraná vive botando be- Tem um maracá no rabo. Quando anda,
rundangas no café do compadre Anastá- chocalha. Gosta do mato grosso que fica
cio?... é tempo perdido. Nossos caruanas próximo ao campo.
já foram avisados e andam de alerta com Casco – É a mais humilde embarca-
aquela tipa. ção da Amazônia. Tão desconfortável, sem
O meu dicionário de cousas da Amazônia 55

bancos, sempre com água no poço, que 13 a 20 castanhas. No tempo da colheita,


chega a ser inferior à ubá do selvagem. qualquer vento na mata produz a queda
Caseira – Amante. Aquela é a caseira perigosa dos ouriços que, pesando mais de
do padre. De noite, dizem que vira mula um quilo, acima de 30 metros, desabam
sem cabeça. Credo, compadre, não diga tão violentamente a ponto de se enterra-
isso do vigário, tão bom, tão santo que rem no solo. Os extratores são vítimas às
chega a revirar os olhos quando ouve pe- vezes daquela bala imprevista. Recolhidos
cado da gente. Aquele, coitado, até pode os ouriços em pilhas, abertos a terçado por
morar com as Onze Mil Virgens. Pureza um golpe certeiro, são as castanhas arru-
chegou ali e arriou a trouxa. Não meta sua madas num jamaxi e transportadas para a
alma no Inferno, dizendo isso, meu bem. beira d’água. Postas aí num paneiro, que o
Casquinho – Mulher elegante, fina, beneficiador agita no seio da linfa, selecio-
miúda, bonitinha, de vida misteriosa. Seu nam as boas, que se afundam, enquanto
compadre olhe só para aquele casquinho. as podres e atrofiadas flutuam. Daí para
É de fazer água na boca. Também se cha- o paiol e do paiol para a embarcação que
ma casquinho aos cascos de muçuã e ca- as conduz a Belém e Manaus, segue rumo
ranguejo contendo picadinho do primei- dos mercados estrangeiros consumidores.
ro e carne do segundo, bem temperado, Amêndoa branca, oleosa, as confeitarias
apimentados, tostados ao forno. Vendidos da Europa e da América fazem dela os
nas barracas de comidas nas noites de fes- mais variados bombons. Na Amazônia, o
ta, em Belém, representam a petisqueira leite cru da amêndoa ralada e espremida
mais regional do Pará. é empregado nos mingaus, nas papas, nos
Castanha-do-pará – (Bertholletia ex- pudins, emprestando a todos esses pratos
celsa) – Árvore da terra firme, é um dos da Planície um gosto delicado e saboroso.
mais belos espécimes botânicos da selva Se bem que as árvores sejam seculares, aos
amazônica. Copa larga, tronco ereto e cor oito anos já surgem os primeiros frutos,
de tabaco escuro, a sua madeira é de lei em pequena quantidade. É o artigo da
e a sua entrecasca uma estopa resistente, nossa indústria extrativa cujo preço varia
própria ao calafeto das embarcações. Em- mais que o da própria borracha. Assim, de
bora se encontrem exemplares isolados, 12$000, por quanto antigamente se pa-
medra aos grupos, socialmente, na bacia gava o hectolitro da castanha (a medida,
do Amazonas, Tocantins, seus afluentes e de fato, é barrica), ele subiu a 130$000,
confluentes. Pomposa como uma fidalga para novamente descer a 80$000, 50$000
silvestre, abre o seu chapéu-de-sol verde e 20$000.
por cima do nível ondulante e superior da Castanha-sapucaia – (Lecythis para-
floresta, indicando logo mesmo em zonas ensis) – Indivíduo botânico entroncado,
baixas, que no seu pé existe um terreno vargeiro, de larga sombra, comum no bai-
que não alaga nas maiores inundações. Os xo Amazonas. Plantado, pega de galho à
ouriços lenhosos, vermelho-escuro. Doze feição do taperebazeiro, servindo como
centímetros de diâmetro em média, con- esteio vivo nos currais de gado. O ouriço,
têm os frutos, amêndoas vestidas de nozes cor de gesso-creme, que lhe guarda os fru-
em forma de pequenos gomos, que vão de tos fusiformes em ambas as extremidades e
56 Raimundo Morais

pregueados ao comprido como se fossem usam como remoque. Ora vá se catar, seu
encarquilhados em um tom claro, tem a anta. Vá se catar, sua lambisgoia.
forma de um cone truncado e não despen- Catatau – Embrulho. Consequência
ca ao ficar maduro, passando o ano no res- de intriga, de mexerico, de fuxico. Tu me
pectivo galho. Do ouriço só cai o tampo, armaste um catatau com o coronel que eu
aberto na face mais larga, que é a de baixo, mesmo não sei como sair dele. Que cata-
quando então desabam as nozes, que não tau é este? Gente, vocês me meteram em
têm grande consistência. As amêndoas, cada catatau.
apesar de magníficas, não possuem tanto Cateretê – L. G. Dança religiosa dos
óleo quando então desabam as nozes, que selvagens. Festa dos índios, por motivo de
não têm grande consistência. As amêndo- vitória guerreira ou ritual da tribo, em que
as, apesar de magníficas, não possuem tan- a dança predomina ao som do carimbó e
to óleo quanto as da bertholletia. Além dis- no passo bárbaro, sem ritmo, duma coreo-
so, o fato do ouriço se abrir na árvore, na grafia mais feroz que alegre.
época da maturação, dá motivo aos mor- Catinga – Cheiro desagradável exa-
cegos, araras e macacos comerem as frutas, lado pelo sovaco do mulato, do preto, e
evitando, assim, a disseminação da semen- que se parece muito com o do bode, da
te. Eis a razão por que a castanha-sapucaia cigana, do jacaré. Que preto pra catingar,
é muito mais rara que a chamada do Pará, seu coronel. É verdade. Mas não fica na
e, pois, menos comercial. Entretanto, os frente daquele mulato que tem pretensões
seus ouriços guardam elementos medici- a branco. Aquele bicho fede tanto, meu
coração, que das ninhadas de pinto, quan-
nais altamente apreciados na farmacopeia
do passam junto dele, não escapa um.
doméstica. Basta para isso que se os encha
Catu – L. G. Bom. Boa.
d’água durante 24 horas e logo essa adqui-
re propriedades miraculosas contra certas Cauim – L. G. Vinho. Aguardente.
moléstias. Bebida fermentada.
Cauré – (Falco albigularis) – Ave de
Catapora – L. G. Afogueamento. Fogo
rapina do tamanho de uma pomba juri-
interno. Febre eruptiva. Bexiga de galinha.
ti. Apesar, no entanto, de parecer com o
Varicela. Curumins e cunhantãs em S. Be-
gavião de menor vulto na planície equato-
nedito, na costa de cima (Óbidos), estão
rial, não deixa de ser mais atrevido e peri-
todos caídos com catapora, me disse coma-
goso. É tido pelo povo como símbolo da
dre Mirandolina. Foi vapor que trouxe de felicidade doméstica. Num voo arranja o
baixo. Ia tanto brabo a bordo, fazia pena. que necessita; traz no bico, para casa, as
No embarque do gado, curumim abelhudo cousas que seduzem; da noite para o dia
foi a bordo pegou moléstia. o ninho cresce-lhe encantadamente. Tudo
Catar – Tirar piolho. Costume das lhe cai nas garras, repete Goeldi, sem tra-
mulheres roceiras, nas horas calmas do balho algum. Ataca os pássaros grandes. O
dia. Uma deita no colo da outra. E a que maguari e o mutum sofrem as investidas.
fica sentada abre o cabelo comprido da As galinhas têm-lhe verdadeiro pavor. A
deitada e vai tirando lêndeas e piolhos. lenda de que seu ninho dá sorte, faz com
Você quer me catar, minha xera? Também que se venda, a retalho, nos mercados de
O meu dicionário de cousas da Amazônia 57

Belém. Os naturalistas do Museu Paraen- o cedro boia e desce e cai na corrente. De


se, todavia, estudam-lhe os hábitos, veri- certos pontos, ele já vem em jangada, meio
ficam que ninho que se supunha ser do beneficiado pelo homem, com as raízes e
cauré, não é dele, e sim de um andorinhão copas cortadas. Há de várias qualidades,
(Panyptila cayanensis, Cab), ave mimosa, todas excelentes para obras de marcenaria e
já registrada por Buffon em 1778, e que carpintaria. O cedro constitui hoje um alto
faz os ninhos como uma bolsa de lã ve- negócio nos mercados paraenses de madei-
getal, impenetrável à chuva, resistente aos ra. Mandam-no para o Sul e estrangeiro em
vendavais e aderida ao tronco das árvores. toras e tábuas. É uma árvore colossal, que
Como o cauré persegue até a entrada do perde as folhas em certa época do ano. O
ninho esse andorinhão de coleira, a gente cupim respeita a espécie vermelha.
do vale julgava que a bolsa pertencia ao Ceém – L. G. Açúcar. Doce.
gavião. Daí a venda, aos pedaços, como Ceié – L. G. Sete.
cousa propiciatória, de ninho do Panyptila Centopeia – Gênero de miriápodes
cayanensis, Cab. de mordedura venenosa. Os entomólo-
Cauxi – Esponja d’água doce que gos chamam-na cientificamente de “es-
contém espículas silicosas, cuja cinza se colopendra”. Habita sobretudo as regiões
emprega para temperar o barro destinado quentes, onde atinge a 30 centimetros.
ao trabalho do oleiro. É um desengordu- Na Amazônia ela existe com abundância,
rante que, transmitindo homogeneidade à e aparece tanto nas habitações domésticas
massa plástica, dá à composição cerâmica como na floresta, principalmente entre ga-
resistência depois de queimada, diminuin- lhos e troncos podres, sendo temida pela
do assim a fragilidade da louça. Esta defi- ferroada tóxica. Mas a centopeia não figu-
nição é de Hartt, que o autor copia com ra aqui por todos estes caracteres, mais ou
ligeiras variantes. menos comuns no Equador, sim pelo fato
Cavando – Arranjando dinheiro, pro- de ser um dos primeiros animais terrestres
curando emprego. Estou cavando fundo conhecidos, encontrando-se fossilizado
para conseguir uns cobres. Ando cavando em rochas ordovicianas.
um lugar de amanuense. Cera – Fingir que trabalha, fazendo
Caxinguba – (Ficus. Morácea) – Árvo- cera. Gente, renda da Joaquina não anda.
re copada. Quando vista de bordo do navios Ela só vive fazendo cera. Eu, então, não sei
atracados ao barranco do baixo Amazonas, fazer cera. Quando pego nas cousas quero
onde ela vive abundantemente, parece não logo acabar. Por isso que vocês não vão pra
dar passagem a uma pessoa em pé sob os diante, só sabem fazer cera.
seus ramos. Seivosa, o leite medicinal dela Cerração – No tempo do verão, todo
extraído é aplicado na pajelança doméstica, a Amazonas, principalmente o baixo, é
que usa em emplastros e mandingas. Ma- envolvido na fumaça das fogueiras atea-
deira branca, fácil de lavrar, tem pouco uso das nos campos. Há ocasião em que cerra
na indústria. tanto que é quase impossível navegar de
Cedro – (Cedrela) – É a madeira mais noite. Os navios ancoram. Também há
comum na Amazônia. Quando o rio en- cerração em virtude das chuvas, no tempo
che e caem as ribanceiras com a floresta, do inverno, e cerração motivada pela eva-
58 Raimundo Morais

poração da água da terra ensopada, verda- justificar o seu registro nesta nota, esteve
deiros nevoeiros. Esta é comum assim que nos Andes, ciclópica muralha que fecha o
o rio principia a vazar. imenso vale pelo ocidente. Transpôs a cor-
Cerrado – Sem caminho. Mato fe- dilheira duas vezes, descrevendo, na sua
chado, difícil de transpor. Vamos pela Viagem dum naturalista em volta do mun-
direita, coração, que por ali está cerrado. do, o rolar das pedras, no torvelinho das
Gente, como ficou cerrado isto! Não faz águas, pela encosta daquelas montanhas
muito tempo que eu andei por aqui de fa- abaixo. E o fez com tal emoção, que essas
cão. Mato não respeita... páginas parecem de um poeta assustado
César Santos – Tratando da vida ama- com o fenômeno. Pelo sul patrício visitou
zônica, desde o oriente da Planície até aos o Rio. E pelo norte Bahia e Pernambuco.
contrafortes andinos, não se pode esque- Ao desembarcar em Olinda, já no regresso
cer, mesmo que a visada seja em conjunto, do Beagle, tentou aí atravessar um quintal.
panorâmica, as grandes individualidades Negada a licença pelo proprietário, que só
comerciais, e, pois, a vida econômica da fez naturalmente por ignorar com quem
plaga. César Santos é uma delas. A far- falava, o sábio irritou-se, abriu as torneiras
mácia e drogaria que têm seu nome falam da maldade contra a nossa gente e disse,
mais alto que qualquer documento escri- naquele diapasão de áugure, quase a mes-
to, atestam a capacidade que fez do mo- ma cousa que o seu ilustre patrício Tho-
desto estabelecimento fundado em 1884, mas Buckle. Cousas fascinantes e falidas
há quase meio século, um grande empório como estas: que a nossa raça é inferior; que
de produtos químicos. E a grandeza da somos um povo sem energia e sem vonta-
Casa, projetando-se para além das lindes de. Confronte-se, no entanto, a civilização
a fama do estabelecimento, mas a força da que nós brasileiros estamos arquitetando
inteligência de César Santos, força e inte- em baixo do Equador, com a civilização
ligência que hoje se refletem na Casa que que franceses holandeses e ingleses andam
ele melhorou, desenvolveu e consolidou fazendo sob o mesmo clima, nas Guianas,
esplendidamente na firma César Santos & e veja-se qual é a raça inferior. Comparadas
Comp. as cidades de Belém e Manaus, cheias de
Ceuci – L. G. Mãe da lágrima. Cho- esplendor e beleza, às cidades guianenses
ro. Pranto. Constelação das Plêiades no desses três povos, o contraste é eloquente e
firmamento da Amazônia. Ceuci está tris- triunfante para nós. Foram maus profetas
te... chorando. os dois eminentes “taumaturgos”. O brasi-
Chácara – Residência nos arrabaldes. leiro é tão grande quanto o Brasil.
Habitação dentro de pomares. Antigamen- Chata – Gaiola da Amazon River de
te em Belém, no Pará, chamava-se rocinha roda à popa que trafega no alto Purus, alto
para este gênero de habitação. Tenho uma Juruá e Acre nos meses de verão. De duas
chácara no Marco da Légua. Vá ver a mi- toldas, máquina em cima do convés, três
nha rocinha na travessa da Glória. pés de calado, cerca de duzentas toneladas
Charles Darwin – Inglês reboante e de deslocamento, é uma excelente embarca-
famoso. Autor da Origem das Espécies. Se ção para o mister em que é aplicada. Doce
bem que não tenha estado na Planície, para de governo, andando a ré, ao sair e ao che-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 59

gar dos portos, manobra melhor, descreven- Chibé – Água, farinha e açúcar bebi-
do círculos magníficos sobre o flanco para da na cuia. E’ um refreco muito alimentí-
onde está carregando o leme. Casco frágil, cio usado pelas populações do interior da
a sua defesa é a multiplicidade de porões. Amazônia.
Muitas vezes navega com um, dois porões Chichuta – Bebê. Criancinha. Coita-
furados e alagados, sem naufragar, devido do do chichuta, quer mamita não? Você
aos demais serem estanques. com essa cara de chichuta, para meu lado,
Chatear – Aborrecer. Amolar. Que não arranja nada. Ora, chichuta...
sujeito para chatear a gente. Vamos em- Chifrada – Marrada. Golpe que o
bora, senão aquele pândego nos chateia touro, ou novilho, boi ou vaca desfere com
aqui até a gata miar. Vá chatear assim pras os cornos. Tenho tanto medo de chifrada...
profundas dos Infernos. Doutor Elói, coitado, morreu de uma chi-
Cheia – Máxima altura dos caudais frada. Eu respeito muito animal galhudo...
alheios ao regime das mares... Este ano, Não sei porque é, mas todo bicho de chifre
compadre, nem como cousa... Ano retra- tem uma quizília comigo... Os cornupetos,
sado, sim, alagou tudo. Aquelas laranjeiras então, não me podem ver. Ficam logo de
que você está vendo ali, foi milagre. Iam olho encarnado. Credo! Desde meninote
morrer quando me peguei com a gloriosa que eles são assim comigo. Que Deus me
Nossa Senhora de Nazaré. Mal abri a boca defenda e o resto... como vier.
água começou descendo. Não gosto de fa- China – Amante. Aquela é a china do
lar mal, mas aquilo é santa pesada mesmo. coronel. Toda vez que nhô Gaudêncio vai
O pé de abiu também é milagre. Foi S. à capital traz uma china. China dele agora
João que salvou. Só quem come fruta dele é bonita pra burro.
é o senhor Bispo. E uma vez por outra, o Chinfrim – Ordinário. Mal arranjado.
padre Cupertino. Que festa chinfrim. O batizado do filho do
Cheiro de papel – Serradura perfu- Anastácio foi uma chifrineira. Como está
mada. Compõe-se de raízes, rizomas, cas- chinfrim o vestido da Tomásia.
cas, paus aromáticos, ralados e misturados Chiqueiro – Curral de porcos. Pega
a trevos, jasmins e rosas. Acondicionado um leitão lá no chiqueiro. Estou cevando
em invólucro delgado de papel, quase um capado no chiqueiro de bacorinhos.
como envelopes, é vendido em balaios de Chocar – Contemplar. Olhar demo-
talas, por mulatas, em Belém. É usado nas radamente. Gente, aquele sujeito só vive a
cômodas, baús e sachetts da roupa branca. chocar moça do coronel. É um olho com-
Perfume suave, impregna-se de tal maneira prido que até parece jacaré chocando.
na fazenda que, mesmo depois de lavada a Chocolateira – Vasilha de folha-de-
camisa ou lenço, ainda se sente o aroma flandres, em forma cônica, com uma asa,
delicioso. destinada a aquecer água ou leite, fazer café
Chiba! – Interjeição jocosa. O mes- ou chá. No sentido figurado é cara. Ainda
mo que viva. Quando alguém espirra, te arrebento essa chocolateira. Ficou, meu
como pilhéria, se responde chiba! Alusão santo, com a chocolateira toda amarrota-
ao espirro do bode. da. Chocolateira dele está em fanico.
60 Raimundo Morais

Chumaço – Enchimento. Peito dela é e probidade, deslindar o assunto como


chumaço. Só pra enganar os antas... Não Emílio Goeldi. A sua monografia, a res-
vá atrás daquelas cadeiras, compadre, que peito, ilustrada com o filhote do animal,
aquilo é chumaço. Tire roupa dela, com deixa-nos no espírito a segurança da longa
todos os chumaços, que você vai ver o ca- experiência registrada no belo trabalho,
niço... Nem compadre Borborema. em cujo texto cita esta profética opinião
Chumbada – Peso de chumbo que se do grande zoogeógrafo Alfredo Wallace,
põe nas redes de pesca, nas tarrafas, nos referente à cigana: “Possui tais anomalias
espinhéis. de estrutura que é impossível colocá-la
Ci – L. G. Mãe. Origem. Princípio. ao lado de qualquer outra família. É um
Fonte. Manancial. desses sobreviventes que falam de grupos
Cica – L. G. Que cheira a resina. extintos, a existência dos quais talvez nos
Cigana – (Opisthocomus cristatus). ignoramos, sem eles, para sempre.” Com
Curioso espécie ornitológico que remar- descomunal estômago, as asas têm sinais
ca um período de transição de espécie claros e distintos do que eram primitiva-
entre o reptil e a ave. Traz ainda nas asas mente, não o análogo, mas o homólogo do
as garras do dragão. Vive pelas margens braço e da mão peratadáctila dos répteis.
do Amazonas e afluentes sobre vegetais “É um dos documentos”, diz Goeldi, “fi-
arbustivos. No oriente da Planície mora logenéticos dos mais interessantes – nova e
nos aningais, povo botânico de aroídeas e inesperada pedra de toque para a verdade
nos galhos do aturiá (Drepanocarpus luna- da evolução e da transformação, portanto
tus), uma papilionácea que a defende com logo também um justo embaraço e perple-
a sua vasta folhagem e os seus espinhos, xidade para aqueles que julgam que a so-
além de alimentá-la, como sucede à anin- ciedade humana lucraria com a crença na
ga, com seus frutos. Vários naturalistas eterna e perpétua rigidez da espécie.”
que a examinaram, notaram-lhe, de parte Cigarra – Cicada septemdecum – O
o cheiro particular que lembra o estrume nome científico lhe advém do período de
de cavalo, o hábito polígamo. Desde de R. transformação, pois a cigarra brasileira,
Schomburgk a Bates, desde de Gustavo consoante os naturalistas, gasta dezessete
Wallis a Johannes Natterer, desde Wallace anos na sua metamorfose. É um inseto
a Goeldi, que a cigana vem sendo discuti- cantor, principalmente nas horas calmas
da cientificamente através dos sinais que a do dia, tanto que lhe chamam também
polarizam em bichos de duas famílias. É Zamara tympanum. A lenda de que ela
dos exemplares da nossa avifauna o tipo não trabalha, está sendo desfeita pelos ho-
que, sendo tão remoto, permanece esta- mens de ciência, que a têm hoje por mais
cionário, como se a natureza quisesse mos- ativa de que a própria formiga. O macho
trar aos coevos várias etapas da sua criação possui o aparelho do canto; a fêmea, o da
maravilhosa. De todos os sábios que se de- estridulação.
dicaram ao estudo da cigana, observando- Cinzar – Lograr. Enganar. Consegui
lhe a vida através do alimento, da índole, cinzar a patrulha. Enquanto o Diabo es-
da inteligência, nenhum, ao ver do autor fregava um olho ele cinzava o calangro.
desta obra, conseguiu, com tanta clareza Dizem que estão cinzando o governo na
O meu dicionário de cousas da Amazônia 61

eleição, compadre? Parece que o cemitério Cipó-tuba – Cipoal. Lugar de cipó.


de Santa Isabel, que votava sempre com Região em que abunda o cipó, a liana, o
a gente de cima, cinzou o pessoal. Todos festão vegetal, todas as epífitas, enfim.
os defuntos se passaram pro partido que Círio – Procissão religiosa que se faz
estava debaixo. Era cada um finado, meu em Belém, capital do Pará, em louvor de
bem, com cédula fechada, que eu fiquei Nossa Senhora de Nazaré. É a maior do
frio. Os cadáveres cinzaram os chefes, está Norte e talvez de todo o Brasil. Manifes-
tudo revolucionário... tação católica que se inicia pela manhã;
Cipó – O índio traduz por galho que os quatorze dias de festejo da santa mais
pega, que segura, que tem mão. Que pos- milagrosa da Amazônia representam pro-
sui a propriedade apreensora de enlear, de funda devoção. Os fiéis, de todas as classes
atar, de prender. A mata amazônica é o rei- sociais timbram em se exibir reverentes,
no dos cipós. De cada galho de árvore se cumprindo promessas ridículas, como de-
balouça uma liana, um festão sarmentoso, sejosos de se mostrar humildes ante o po-
verde, pardo, esbranquiçado, ora oco, ora der da Virgem. Todo o Pará se abala para
sólido, com água dentro potável, medici- render as homenagens à rainha do Céu.
nal, venenosa, ou sem ela. Muitos, cober- Cem mil pessoas, talvez, tomam parte no
tos de flores vermelhas, brancas, amarelas, Círio. Eu também mandei fazer um fato
violetas, dão um tom de festa à selva, que para o Círio.
parece ter sido decorada por algum deus Ciscar – Remexer o cisco. Espalhar a
silvestre. O caboclo, em vez do chiqueira- terra. Arranhar o solo. Esta galinha só vive
dor do nordestino e gente do Sul, usa o de milho, não sai da ração. Ora vai ciscar
cipó. Um metro de cipó-titica, que é forte, tuas minhocas, anda, pintada... Também
flexível, maneiro, serve-lhe de muxinga. se aplica no sentido figurado. Mulher do
Espanta os cães com ele, corrige os filhos compadre Carolino vai ciscar de raiva
com ele, tange os bois e os cavalos com quando souber que ele anda abanando asa
ele, exceção das fazendas de gado, onde o pro lado da Marieta.
couro de boi predomina. Dá uma cipoada Cisma – Prevenção. Desconfiança.
nesse curumim. Tu estás, mas é procuran- Presunção. Coronel tem cisma comigo.
do uma surra de cipó. Olha, cipó está ali, Sua cisma, doutor, não tem razão. A mu-
pendurado... lata só gosta mesmo de você. Tem uma
Cipoada – Bater com cipó. Dá uma cisma de valente aquele sujeito... Ele anda
cipoada nesse cachorro. cismando com suas saídas, nhá Genoveva.
Cipó de caçador – (Diliocarpus) – Parece que este vocábulo proveio, numa
Liana vermelha que fornece água cristalina ligeira confusão, de “cisma”.
dentro da floresta, onde não há um cór- Coarar – Corar. Roupa está muito
rego. Também o chamam “cipó-d’água”. suja, é preciso coarar. Enquanto não se
Para se lhe extrair o líquido, porém, é ne- tem um corador (coradouro) de madeira,
cessário dar-lhe simultaneamente dois gol- estende essas calças e camisas no capim.
pes. Porque se cortar em baixo, a água doce Elas aí clareiam.
sobe; se cortar em cima, a água desce. Coari – L. G. Buraquinho.
62 Raimundo Morais

Coberto – Campo dos altiplanos na transformada em farinha. Vem daí o nome


zona guianense, ao norte do rio Amazo- de farinha-d’água que lhe dão.
nas. O nome de coberto lhe advém de Coera – L. G. Antigo, velho, extin-
pastagens mais ou menos sombreadas por to. Sufixo, que, do mesmo modo que
uma arborização raquítica, de galhada re- “guéra”,”cué”, “gué” pluraliza certas pa-
torcida, que diminui os ardores do sol no lavras. Pratiquera. Manicuera. Itaquera.
campo. Flora de terras áridas, ela medra Curuera. Tabatinguera. Mocangué. Par-
dispersivamente, de forma a não tolher cué. Pacué. Ibiracué.
o desenvolvimento da gramínea silvestre Cofo – Cesto oblongo feito de folhas
rústica. Nos terrenos gordos das várzeas de palmeira, de boca estreita, se bem que
não existe o coberto. Onde é campo, pa- aberta em todo o comprimento do utensí-
rece um mar verde de capim; onde é flo- lio, em que os caboclos metem os caran-
resta, os grandes indivíduos botânicos não guejos. Foi caranguejo muito... Duzentos
deixam o pasto se desenvolver. cofos. Quantos tem num cofo?
Cobra de duas cabeças – (Amphisba- Coirão – Mulher feia, magra, só pele
ena esp. Div.) – Mãe das saúvas, vive nos e osso. Eu ando hoje mesmo de azar. Já me
formigueiros. É inofensiva. encontrei quatro vezes com aquele coirão.
Cobra papagaio – (Cophias bilinea- Mulher do delegado é mesmo pesada, ó
tus) – De um metro de comprido, verde coirão!
esbranquiçada, muito venenosa. É rara Coisa-feita – Feitiço. Puçanga. Aqui-
felizmente. Vive pelo capim e pelas ervas lo é coisa-feita que deram pra ele. Andam
próximas do talude dos rios e beira dos botando coisa feita na porta do compadre
lagos. Malaquias. A mulher é feiticeira mesmo,
Cobre – Dinheiro. Quero ver se cavo por qualquer coisa ela bota coisa-feita no
uns cobres pro carnaval. Tomei empresta- sujeito. Ah! Meu bem, dizem que tem um
dos uns cobres a dez por cento ao mês. É livro chamado Puçanga do Dr. Peregrino
de arrancar o couro e o cabelo. Júnior, que conta tudinho. Compra um
Cobreiro – Cobrelo. Erupção na pra mim, sim, cunhado.
pele. Atribui-se essa manifestação cutânea Coivara – Galhos e gravetos escapos
ao contato de certos répteis, de certos in- das queimadas e que, reunidos de novo, fi-
setos que roçam a epiderme ou mesmo a cam prontos para nova fogueira. Amanhã,
roupa que se vestiu. compadre, eu vou encoivarar minha roça.
Cocada – Doce de coco. Quer em É putirum. Pega tudo num abrir e fechar
tijolinhos, para vender na rua, quer com- de olhos antes que comece a chover. Coi-
poteiras, para sobremesa, é uma iguaria vara lindo livro de Gastão Cruls.
saborosa e apreciada. Colher de pau – Fabricada de madei-
Cocar – Diadema de penas com que ra leve, molongó, marupá ou seringueira,
os índios se enfeitam nos dias festivos. Ca- serve para mexer panelas. São brancas,
nitara lhe chamam os aborígines. compridas e maneiras.
Cocho – Depósito de madeira aberto Comedia – Lugar na beirada dos lagos
em toros de pau onde, mergulhada, apo- e igarapés orlado de canarana onde certos
drece e fermenta a mandioca, a fim de ser peixes e anfíbios vão comer. Comedia de
O meu dicionário de cousas da Amazônia 63

peixe-boi, de pirarucu, de tartaruga. Cla- coberta representa, com as algas e as con-


reira na floresta em que os quadrúpedes e chas marinhas já encontradas, os melhores
os quelônios vão comer frutos. Comedia documentos de que a Planície toda já fora
de anta, de paca, de jabuti. Alto de árvore um golfo, ou, quiçá, um braço de mar, li-
onde os pássaros e aves vão comer. Come- gando o Atlântico ao Pacífico. De maneira
dia de arara, de papagaio, de mutum. que a teoria de Frederico Hartt, na mais
Consumição – Perturbação de espí- eloquente e visada retrospectiva quanto
rito. Inquietude. Apreensão. Vivo só pen- a pré-história fisionomia do vale, avulta,
sando, coronel. É uma consumição de sol cresce, concretiza-se com essas provas pa-
a sol. Não tiro a cabeça daí. Passo as noites leontológicas. O fato, aliás, é comum. Não
em claro. Viro, mexo, ando, sentido está há muito tempo, os geólogos descobriram
pregado lá. Nunca vi uma consumição as- corais fósseis na Inglaterra. E, por essa au-
sim. têntica, insofismável documentação, con-
Conto do vigário – Logro. Engano. cluíram que as ilhas britânicas foram, em
Esperteza. Seu Malaquias, você vai agora tempos idos, um país tropical.
pela primeira vez, pra capital. Tome cui- Coral-verdadeira – (Elaps Marcgrav)
dado com o conto do vigário. Amarre seu – Cresce pouco além de meio metro. Tem
dinheiro no lenço e não mostre a nin- anéis vermelhos, negros e verdes alternados
guém. Não aceite conversa com estranho. em todo comprimento. É cobra venenosa.
Não acredite em morte de mãe dos outros.
Coral-vermelha (Elaps corallinus) –
Quando lhe pedirem para levar qualquer
Escarlate, cheia de anéis negros com frisos
dinheiro, apite logo, chame o soldado.
brancos, esta cobra venenosa vive no solo,
Não facilite. Conto do vigário anda assim
sob as plantas rasteiras. Não agride, res-
por lá. E, sobretudo, não compre bonde...
pondendo apenas ao assalto ou ao pé que
Copaíba – (Copaifera reticulata) –
lhe toque.
Grande árvore da terra firme de onde se
Corda do sino – Fiel que se prende
extarai um óleo louro, transparente, me-
ao badalo do sino dos navios, “gaiolas” ou
dicinal.
transatlânticos. É a única existente a bor-
Copiar – Varanda, alpendre, puxa-
do. Há fio, linha, cabo, espia, virador. Mas
da. É rara a casa do interior da Amazônia
corda, só a do sino.
que não tenha o seu copiar. Arma a rede,
do compadre Cornélio, no copiar. É mais Coró – Bicho de buraco de pau que
fresco. vive roendo as árvores. Rato-coró. Este
Coral – Falar em coral na Amazônia, animal faz tal barulho à noite, no mato,
parece à primeira vista uma grande pilhé- gritando: “coró”, “coró”, “coró”, que pare-
ria, máxime se o leitor souber que o pólipo ce um monstro.
coralígeno não pode viver senão em água Coroa – Praia isolada, redonda, de
salgada, límpida, tépida, que não tenha areias alvas, sem vegetação. É a primeira
menos que 15 metros de profundidade e forma da terra ao surgir do seio da águas.
não vá além de 46 metros. Mas eu falo de Coroca – Mulher idosa. Velha coroca.
corais fósseis, encontrados pelos sábios nos Sujeita caduca. Você ainda liga ao que ela
rios Maecuru, Curuá e Trombetas. A des- diz, meu bem? Aquela velha coroca.
64 Raimundo Morais

Corriqueiro – Vulgar. Comum. Sabi- da cegueta. Também chamam cria aos fi-
do. Ora isso é um caso corriqueiro, todo lhos das mulatas e negras que moram com
mundo sabe. Só versos corriqueiros. Que certas famílias. Quem é este moleque? É
prosa corriqueira. Falar corriqueiro. cria de nhá Mirandolina.
Corte – Medida de fazenda suficien- Cruzado – Quatrocentos réis. Dizem
te para fazer um vestido ou um fato. Com- que acharam dinheiro no pé daquela árvo-
prei um corte de chita. O turco tem cortes re. Um pote cheio de cruzados. Foram os
de casimira fina. Vou lhe dar um corte cabanos, dizem que, enterraram.
para a festa de Nazaré, ouviu, coração dos Cuera – Valente. Forte. Destemido. É
outros? um sujeito cuera.
Cortiço – Habitação coletiva de po- Cuí – Farinha muito fina, peneirada,
bres. Grande casa de madeira cheias de sem os bagos grossos. O termo significa
quartos onde residem lavadeiras, operá- quase pó, visto como se diz “cuí do taba-
rios, amassadeiras de açaí, gente, enfim, co”, que é aquele composto de partículas
desamparada da fortuna. As abelhas tam- muito reduzidas do tabaco migado.
bém têm cortiço donde parece vir a seme-
Cuia – Nalga, tigela, vasilha, enfim,
lhança da vida em comum.
feita do fruto da cuieira (Crescentia cujete),
Couto de Magalhães – General bra-
fruto que depois de limpo, miolo extraído,
sileiro. Sertanista. A interlândia do noro-
cortado pelo meio, dá duas cuias. Sem pas-
este do Brasil foi toda palmilhada por ele.
sar pelo processo de envernizamento, que
Trouxe mesmo através dessa região, gal-
a torna preta e lustrosa, é conhecida por
gando o divortium aquarum dos afluentes
cuia pitinga. As mais famosas hoje são as
platinos e amazônicos, furando florestas
de Santarém. Depois de polidas, negras, os
virgens, um “gaiola” desarmado. Foi isso
artistas ali abrem a buril, nas cuias, paisa-
um grande troféu dos seus raids. Governa-
gens, flores, ramos muito delicados.
dor das então províncias de Goiás, Mato
Grosso e Pará, no tempo em que tudo es- Cuiambuca – Fruto da cuieira em
tava por fazer em capítulo transporte, ele cuja parte superior se abre um buraco e
jamais se arreceou das viagens por ínvias que serve para conduzir água do porto,
e agrestes paragens. Escritor, a sua Viagem guardar líquidos, etc. Cuia furada. Cum-
ao Araguaia, mostra-lhe a força descritiva, buca, donde vem o ditado: macaco velho
e O Selvagem que é o seu maior livro, a in- não mete mão em cumbuca.
teligência do homem que se fez naturalista Cuíra – Impaciente. Inquieto. Dese-
para estudar o aborígine e ter enfim uma jo de ver uma pessoa. Desde ontem, meu
concepção etnológica do homem america- filho, que estou cuíra para te abraçar. A
no, da origem provável desse homem e da notícia da tua chegada me pôs cuíra, não
adaptação do seu novo habitat. dormi mais. Ando cuíra, gente, querem
Coxo – Capenga. Com defeito numa ver que é Miloca? Ela disse que havia de
perna. Aquele sujeito é coxo. nos fazer surpresa.
Cria – Filho. Que é da cria da malha- Cumari – L. G. Pimenta. Excitante.
da, um bezerro preto-veludo? Aquela no- Em Manaus corresponde à pimenta-de-
vilha melada já está de cria. Morreu a cria cheiro do Pará, que ali é rara. Fusiforme,
O meu dicionário de cousas da Amazônia 65

chegando a 3 centímetros, abunda na me- mesmo desconhecido, ele emprega, decer-


trópole amazonense. to com uma ponta de ironia e vaga malí-
Cumaru – (Cumaruna odorata Aubl.) cia, a palavra “cunhado”. Em lugar de ami-
– Medra na terra firme. Árvore de grande go, parente, senhor, ou de qualquer outro
porte. A amêndoa do fruto tem um perfu- título que porventura lhe pudesse ocorrer,
me agradável e recendente. Seca é negra, para tratar um recém-chegado, hóspede
encarquilhada, oleosa, de 40 milímetros ou emissário, ele usa do termo cunhado;
de comprimento. A essência do cumaru, dance, cunhado; almoce, cunhado; reme,
original, de cheiro caracteristicamente in- cunhado; lembrança, cunhado; adeus,
confundível, é usada nos sorvetes das fes- cunhado. Isto, mesmo que o indivíduo as-
tas chiques de Manaus, transmitindo ao sim tratado seja visto pela primeira vez.
gelado um alto requinte de aroma. Cunhamucu – Quelônio. Tarta-
Cumaté – (Macairea glabrescens) – rugota. Própria para ser comida ou as-
Árvore mediana, comum. A casca produz sada inteira, com um furo no peito, por
uma tinta roxa, que fica negra e firme sob onde lhes tiram as vísceras. Vá comer um
a ação do amoníaco. É usado nas cuias ne- cunhamucu, com a gente, capitão. Estão
gras e lustrosas. gordas agora, na cheia, que é de se lamber
Cunambi – (Clibadium surinamense) os beiços.
– Arvoreta cujas as flores têm um cheiro Cunhanpuiara – L. G. Senhora. Ma-
vivo e desagradável. As folhas machucadas trona. Mulher respeitável nas tribos.
n’água estonteiam o peixe, que é apanhado Cunhantã – L. G. Moça, donzela.
nesse estado. A pescaria por esse processo é Toma cuidado com o boto, cunhantã. Ele
nociva e condenada, pois o peixe de toda a leva as raparigas que andam assim, pensa-
redondeza onde é dissolvido o tóxico, fica tivas como tu, para o fundo do rio. Sai da
sacrificado, perdendo-se 20, 30 vezes mais ribaceira, vai fazer tua rede, anda, que bi-
da quantidade recolhida. cho do fundo d’água não brinca.
Cunauaru – Sapo que faz um ninho Cunhantaim – L. G. Menina. Filha
de matérias resinosas que ele próprio se- de índio. Corresponde ao masculino curu-
grega. Em geral, essas panelinhas de breu mim, que significa menino.
são encontradas nos ocos de pau. Quei- Cunhanrapixara – L. G. Mulheren-
madas, exalam um perfume agradável. As go. Efeminado. Corresponde aos almo-
matronas na Amazônia defumam as alco- fadinhas. São índios que vivem se reque-
vas com esse perfume admirável, tão pene- brando e usando mesmo cousas próprias
trante quanto discreto. Vaçuncê vai hoje das cunhãs, como enfeite, etc.
caçar, cunhado? Parece quê. Pois então, Cunhanu – L. G. Mulher preta.
me traga um ninho de cunauaru. O meu Negra.
está se acabando. Cupana – L. G. Nome que os índios
Cunhã – L. G. Mulher. da Mundurucânia davam ao guaraná.
Cunhado – É uma forma de tratar Cupim – Inseto da ordem dos ne-
trivialíssima entre os caboclos na Amazô- vrópteros. Térmite com aspecto de for-
nia. A propósito de qualquer gesto, atitude miga, que evita a luz e vive em colônias
efetuada por um amigo, conhecido e até nos lugares sombrios. É mais prejudicial
66 Raimundo Morais

no estado larvário, quando ainda branco, quadrúpedes, paralisando-os momentane-


mole, sem asas. A espécie que ataca a ma- amente.
deira das casas e os móveis é chamada Ter- Curado de cobra – Individuo que
mes devastans. A que constrói habitações tomou certa beberagem para que o vene-
de argila que resiste ao vento e à chuva, no das cobras não produza efeito nenhum
em forma cônica, à flor da terra, chama-se no seu organismo. Puçanga ministrada
Termes cumulans e destrói grandes planta- pelos pajés, a fim de que o sujeito fique
ções. Humboldt atribui ao cupim o fato de imune ao tóxico ofídico. É um fato com-
raramente se encontrar na Amazônia ma- provado pelo autor destas linhas. Sucede
nuscritos que datem de mais de 60 anos. apenas que a imunidade tem limites. Em
Os selvagens comem a larva, sobretudo do geral, de dois em dois anos, o curado, se
Termes flavicolle, abundante na Planície. quer continuar com esse privilégio, tem
Este inseto é isóptero, na opinião de de tomar nova dose de remédio. As ben-
Maeterlinck. Pode ter, ou não ter asas, se- zidelas e defumações que acompanham
gundo pertença a qualquer das 1.200 ou a “cura” são puramente teatrais. O que
1.500 espécies que o gênero compreende. atua é a droga, são as substâncias vege-
É voraz papirófago e xilófago, podendo tais preventivas. É uma espécie de vacina,
destruir bibliotecas e árvores, do modo bebida.
mais dissimulado, persistente e irreprimí- Curare – É uma veneno sagitário,
vel. Nalgumas espécies são cegos os indiví- isto é, usado nas frechas indígenas de cer-
duos, que trabalham na treva e não resis- tas tribos amazônicas. Foi Walter Raleigh,
tem à luz solar. Na maioria das termiteiras, o célebre favorito de Isabel de Inglaterra,
os insetos alimentam-se por intermédio quem primeiro o divulgou na Europa
da classe dos operários que têm privati- depois das suas explorações na Guiana
vamente capacidade de digerir. Quando atlântica e no Orenoco. É hoje considera-
uma qualquer térmite sente fome, bate do o veneno mais sutil, paralisante, que
com a antena no primeiro operário que se imobiliza os músculos motores e pois to-
lhe acerca e este, para logo, lhe oferece o dos os movimentos, matando, segundo a
conteúdo do estômago. dosagem, quase fulminantemente. Vários
Cupuaçu – (Theobroma grandiflo- naturalistas, ao estudarem os efeitos, lem-
rum) – Árvore mediana. O fruto elíptico, bram-se do veneno dos Bórgias. Nenhum
de palmo e meio, tem a casca lenhosa, tóxico até hoje conquistou maior celebri-
pulverulenta e pardo-castanho. Dentro, dade, tantos são os mistérios e as lendas
uma porção de caroços encapulhados em que o envolvem, as superstições que ele
massa gomosa e ácida com certo cheiro frui. La Condamine também o levou ao
vivo. Próprio para vinho, refresco, sorvete, Velho Mundo fazendo experiências com
geléia. É primo do cacau. ele. Humboldt assistiu-lhe a fabricação
Curabi – L. G. Pequena flecha enve- no Orenoco, no lugar Esmeralda. Quase
nenada lançada com um arco. Os índios todos os botânicos, andados por aqui, de
do alto Amazonas intoxicam-nas com Martius a Barbosa Rodrigues, estudaram-
o curare, e dosam-nas de forma que dê lhe, não somente as propriedades tóxicas,
apenas para abater aves, os pássaros e os como ainda a planta, melhor, as plantas
O meu dicionário de cousas da Amazônia 67

de onde se origina. O “uirari” é a liana Curi – Até depois. Até logo. Até a vis-
principal que, junta à “icu”, outra liana, ta. Juntando ao advérbio até, é a forma por
com outras ervas e cipós, maceram-na, que o caboclo se despede. Até curi, minha
filtram-lhe a seiva, fervem-na, conden- gente, até um dia.
sam-na e embebem as taquaras (frechas Curiboca – Escuro. Entre caboclo e
grandes) e as curabis (frechas pequenas). preto.
Segundo o testemunho dos naturalistas, Curinga – Carta de jogar que tem
os índios que melhor fabricam o “cura- todo os valores. Antes dos baralhos traze-
re” são os ticunas, no Solimões, fronteira rem o “Joly”, esse valor, na Amazônia, era
Peru/Brasil. O cipó “uirari” é um estri- dado ao dois de paus. Chamam-se tam-
quínio e o “icu” uma menispermácea. bém curinga a certos políticos que obtêm
Segundo Martius, as duas radicais da tudo, que fazem tudo. Aquilo é o curinga
palavra “uirari”, vocábulo tupi, tem esta do P. R. A. Não esconda o curinga. Você é
significação: “ui”, ir; e “rar” cair; o “i” fi- danado para palmilhar o curinga. Curinga
nal é pronome relativo. Assim, diz ele, a já está com ele.
palavra composta traduz a ideia do vene-
Curuatá – Envólucro da flor de certas
no ser levado na seta e a sua ação rápida
palmeiras. É um tecido vermelho, de for-
e paralisadora ao tocar bicho ou homem.
ma oblonga, aproveitada pata carapuças
Alguns estudiosos da língua tupi acham
do tapuio.
a pronuncia do “curare” sem o acento
Curuba – L. G. Coceira. Calombos
agudo na derradeira sílaba, está deturpa-
da, pois devia ser “curaré”, como é “pura- grossos na epiderme, principalmente nas
qué”, “tucunaré”, “caboré”, “tamanquaré”. virilhas, que irritam a pele provocando uma
Além deste veneno, segundo vários sábios inquietação constante, dolorosa. Você pa-
que nos visitaram, os índios usam do suco rece que está com curuba, meu branco? É
leitoso de algumas euforbiáceas, entre as curuba da preta. Que sujeito curubento.
quais o açacu (Hura crepitans), sem contar Curuçá – L.G. Cruz.
o veneno glandular dos sapos. No Mu- Curumim – L. G. Rapazinho de seis
seu Nacional do Rio de Janeiro é onde a dez anos.
se encontra a coleção mais completa de Curupá – Lugar de seixo ou cascalho.
“curares” e frechas envenenadas. Cheio de pedregulhos. Gurupá, cidade pa-
Curauá – (Bromélia) - De suas fibras, raense, que tem o porto cheios de pedras,
quase brancas, flexíveis, fabricam-se cordas é uma corrutela.
que são consideradas as mais resistentes e Curupira – L. G. Deus defensor da
duráveis da Amazônia. Servem para atar re- floresta. Quem derruba uma árvore ou
des e os índios as usam nos arcos. Há quem corta uma planta é punido por ele. Fica
teça maqueiras, redes, com essa fibra. Ficam então o violador errante, perdido na mata,
lindas, sedosas e altamente duráveis. sem poder atinar com o caminho. Compa-
Curera – Restos de farinha-d’água dre, você não liga importância ao curupi-
que, por muito grossos, não passam no cri- ra. É só cortando mato e apanhando flor a
vo da gurupena. Massa da mandioca com toa. Tome cuidado. Quando ele lhe mun-
a qual se faz o bolo chamado “carimã”. diá nunca mais você toma chibé.
68 Raimundo Morais

Cururu – Dança dos selvagens. Fazia Cutuba – Forte. Bom. Atirado. Oh!
parte do ritual guerreiro. Depois das vi- Bicho cutuba, o João Orelhudo, brigou
tórias, os índios dançam o cururu na ma- com cinco sujeitos e foi pau de verdade.
loca. Há um sapo grande conhecido por Aquilo é cutuba mesmo, não pode ver
sapo-cururu. ninguém, não pode ver ninguém pedindo;
dá a camisa do corpo. Rapaz cutuba, não
Cutimboia – (Herpotodryas carina-
respeita cara. Na língua geral significa: que
tus) – Vive na proximidade das habitações fere, que é cortante.
comendo ovos e pintos. É uma cobra ágil
Cutucar – Tocar com o dedo, com o
nos movimentos, principalmente excitada, cotovelo, com o pé. Chamar a atenção, avi-
quando sua cauda vibra como um chicote sar alguém. Cutucar um bicho no buraco
aplicando verdadeiras surras no homem. com o facão ou pedaço de pau. Não me
Negra-azulada na costa, barriga amarela, cutuca! Que sujeito, só vive me cutucando
não cresce além de dois metros e meio. por baixo da mesa. Eu chamo já o coronel.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

D cam o braço morto do rio Pará, atravessam o


arquipélago conhecido por Furos de Breves,
e surgem no canal do Vieirinha, à margem
Dado – Amável. Insinuante. Acessí- direita do Amazonas. Nenhum navio se
vel. Que moço dado. Nunca vi uma se- arrisca hoje a subir pela verdadeira foz do
nhora dada como aquela. Da família do Amazonas, que fica entre Chaves, na ilha de
doutor é a mais dada. Marajó e Macapá, em terras guianenses, pelo
Dando chá – Fazendo remoque. Pi- motivo exposto: o canal perdido; é preciso
lheriando. Provocando. Você está mais é procurá-lo, balizá-lo e restaurá-lo. Há, pois,
dando chá. Pra meu lado você vem de car- uma grande ilusão para o visitante supondo
rinho. Vá dar chá para as bestas. Eu tomei que entrou pela foz do Amazonas quando
chá em criança. deixa as planícies azuis do Atlântico. Não. As
Danisco – Danado. Aquilo é cabra primeiras centenas de milhas, contando de
danisco, tanto bebe como assobia. Salinas até o farol do Mandií, são de águas
Defumador – Pequena choupana de do Tocantins; depois, de águas misturadas
palha, junto da habitação, onde o serin- de vários afluentes, até a saída dos estreitos,
gueiro defuma a borracha, isto é, onde co- quando então se encontra em pleno caudal
agula o leite da hévea por meio da fumaça amazônico.
dos caroços de urucuri ou do cavaco de Desbocado – Que usa linguagem imo-
madeira de lei. É aí que ele transforma a ral. Que se serve de vocábulo torpe. Nun-
seiva branca, da árvore amazônica, em ouro ca vi um sujeito desbocado como aquele.
negro. O líquido vegetal, para lá conduzido É cada nome, credo. Mulher desbocada, a
numa bacia, é derramado sobre uma pá de nhá Vicência. Cada palavra cabeluda.
madeira, que mantida acima da boca de um Descansar – Dar à luz. Ter filho. A
grande boião de ferro ou barro, da altura de Maricota descansou ontem. É um meni-
um metro, que jorra fumaça, vai formando, não! Cara do pai. Creio que vou descansar
camada a camada, a pele (bola) de goma- nos primeiros dias do mês que vem. Bar-
elástica. Minúscula barraca de palha. Que riga da comadre é tão grande que eu não
defumador apertado, seu cunhado. faço por menos de três crianças. Pois eu
Derrota – Nenhum transatlântico rom- digo que são quatro. Vamos contar, minha
pe do mar investindo o Amazonas sem ir a xera, quando ela descansar.
Belém. Por quê? Porque está perdido o canal Desempenado – Galhardo, forte,
por onde navegaram, vindos do Atlântico, as alto. Que moço desempenado. Aquilo é
naus da conquista. Os paquetes que sobem o rapaz mais desempenado da vila. Dizem
para Manaus e Iquitos, antes de sulcarem as que ele vai sentar praça.
águas barrentas do rio-mar, penetraram o es- Desencabeçar – Induzir. Arrastar
tuário do Tocantins, tocam na capital para- para o mal. Meter na cabeça de outrem
ense, rumam pelo sul da ilha de Marajó, sul- ideias maléficas. Vive para desencabeçar
70 Raimundo Morais

os filhos alheios. Tem desecabeçado muita Despencar – Cair do alto. Gente,


moça. Sujeito perigoso. Dizem que é tur- quando vi, ouriço de castanha despencou
co. Só vive pra desencabeçar mulher casa- bem juntinho de mim. Quase me pega.
da. E até viúva, meu bem. Castanha de nhô Adelino já principiou a
Desencaiporar – Tirar o azar. Perder despencar. São graúdas.
a caipora. Tome um banho de cheiro pra Despropósito – Exagero. Descome-
você desencaiporar no jogo, seu Terêncio. dimento. Tudo que ele faz é com despro-
Ou então vá com o pajé Desidério, que ele pósito. Se vai encher uma cuia, derrama
diz logo se é feitiço ou não. tudo. Quando rema, é sempre com tanta
Desenxabido – Sem graça. Insípido. força que molha os outros. Quando come,
Que homem desenxabido, não sabe nem é cada bocado, que se engasga. Nunca vi
falar. Que cara desenxabido, parece que despropósito igual.
não tem sal, nem tempero algum. Que Destabocado – Destemido. Atrevi-
cousa sem paladar. Desenxabida. do. Desenfreado. Filho do compadre Ma-
Desmentido – Torcicolo. Torcer um laquias é destabocado. Esta noite virou a
nervo, um músculo. Deslocar qualquer frege o baile da Miloca. Foi pescoção até
articulação. Como vai nhá Puquéria, afi- umas horas.
lhada? Na rede. Desmentiu o pé. Tá ge- Destorcido – Ágil, pronto, lépido.
mendo, coitada, desde ontem. Já fiz uma Cabra destorcido. É mão por cima pé
promessa pra Nossa Senhora de Nazaré.
por baixo. Cada rabo-de-arraia, a queda é
Se aquilo passar, vou acompanhar o círio
certa. Bicho destorcido dizem que é mari-
descalça, carregando um pé de cera. Tam-
nheiro de bordo.
bém chamam “jeito”. Coronel deu um
jeito ontem aqui, no pescoço, lá dele, que Destratar – Descompor. Ofender. Di-
não pode mexer a cara. Estamos cansada zer palavras injuriosas. Só leva a destratar
de afomentar com manteiga (gordura) de dos outros. Não há gente séria pra ele. To-
onça e nada, ninguém dá volta. Parece que dos são ladrões. Isso era na 1° República,
foi vento, ou então quabranto... cunhado. Agora está se vendo que os que
Desmoralizar – Envergonhar publi- chamavam ladrão pra todo mundo é que
camente. Afrontar com testemunhas. Seu devoravam as cousas. Goela deles parecia
Anacleto disse que ainda há de desmora- canoa fazendo água. Engoliam o igarapé,
lizar o delegado. Ele quis desmoralizar a o lago, o Amazonas e bancavam então o
professora, mas saiu-lhe o tiro pela cula- menino Jesus, que Deus não me castigue.
tra. Você está enganado com essa mania de Desunhar – Trabalhar. Puxar pelo
valente, a mim você não desmoraliza, seu serviço. Você tem que desunhar já esse
Bento. artigo. Vá desunhar a notícia, que não há
Despachado – Franco. Pronto. Eu gos- tempo a perder. Tenho desunhado quase
to de seu Cazuza porque é um homem des- todo o livro que estou fazendo.
pachado; o que tem de dizer diz logo. É mes- Dindinha – Madrinha. Eu falei hoje
mo. Aquilo que pensa fazer hoje não guarda com a dindinha. Dindinha dizem que vem
pra amanhã; despachado num tudo. Nem amanhã me botar a benção. Vou passar o
parece mano da gente da outra banda. domingo com a dindinha.
O meu dicionário de cousas da Amazônia 71

Disposição – Apetite. Vontade. Venha apurar o fato, existe sempre uma diferen-
pra janto, minha xera. Não tenho disposi- ça de cerca de cem milhas entre os dois
ção, “meu nome”. Estou sem disposição de primeiros pontos e outras cem entre os
remar; vou guardar a pescaria pra outro dia. dois últimos. Uns dizem ter 854 milhas
Quem sabe se não é gente nova, será? da baía do Guajará à baía do rio Negro;
Disposto – Pronto. Que nunca diz outros, 923. A realidade é que a razão
não. Aquilo é homem disposto pra um está com os primeiros e com os segundos.
tudo: pra remar, pra caçar, pra pescar, No tempo da cheia, março, abril, maio,
pra dançar. Disposto, como só ele. Meu junho, quando a navegação é feita por
finado também era assim. Estava sempre dentro dos paranás, isto é, percorrendo
pronto para o que desse e viesse. Já o filho derrota mais curta, a distância será de 854
não é. milhas de Belém a Manaus. No tempo
Disquê – Dizem que. Expressão em- da seca, setembro, outubro, novembro e
pregada em tom de dúvida, de motejo, dezembro, quando a viagem é feita por
sobretudo ironia. Disquê agora o coronel fora dos paranás, nas grandes enseadas
já é ilustre, honrado, distinto, nobre. É por onde flui o canal, a distância é de 923
da gente rir às bandeiras despregadas. milhas, subindo a 964 se o trajeto for por
Ontem eles diziam o diabo. Disquê era Breves, Macacos, Jacaré, Ituquara, e a 984
isto, aquilo, aquilo outro. Cara deles é es- se for pelo Mututi e Aranaí, furos estes
tranha, comadre. Vão pra onde o vento que fazem parte dos Estreitos de Breves.
sopra, com perdão das pessoas mais ve- De Manaus a Iquitos em tempo de cheia,
lhas. Também já sabe, trastejou, peixe- quer dizer, por dentro dos paranás, 1.101
espada come eles. milhas; por fora, 1.228. Temos assim, no
Disseminação de sementes – Na tempo das cheias, 1.955 milhas de Belém
Amazônia, a distribuição das plantas, o alar- a Iquitos; e, no tempo da seca, 2.151.
gamento das províncias botânicas é feito, Quase duzentas milhas de diferença en-
nas várzeas, em primeiro lugar, pelas águas. tre a capital brasileira do Estado do Pará
Vêm, em seguida, os ventos, os pássaros, as e a capital peruana do Departamento de
aves, os morcegos, os macacos e os quadrú- Loreto, diferença determinada pela alter-
pedes, principalmente as cutias. As semen- nativa dos canais percorridos. Como, po-
tes de seringueira podem frutificar durante rém, nada ocorre na Amazônia sem uma
meses sem que percam a sua vitalidade. ponta de paradoxo, sucede o seguinte: a
Distância1 – Em geral há uma ver- distância mais comprida se faz em menos
dadeira balbúrdia nos números de milhas tempo, porque essa distância é navegada
estabelecidos entre Belém e Manaus e en- na época do verão, quando o Amazonas
tre Manaus e Iquitos. Quando se deseja não corre mais de milha e meia. Enquanto
no inverno essa velocidade sobe, nalguns
pontos, a mais de cinco milhas.
1 As presentes tabelas, organizadas pelo chefe da
Distâncias entre Belém e Manaus
praticagem da campanha Booth Line, Alfredo
Salustiano da Silva, e pelo autor do Dicionário – Do Guajará (Belém) ao farol do Boiu-
retificadas de acordo com os mapas americanos, çu, entrada dos Estreitos, navegando pela
vêm à luz pela primeira vez; eram inéditas. barra do Arrozal, 120 milhas; pela barra
72 Raimundo Morais

do Cutijuba, 127; pela barra do Chapéu milhas, por dentro, 18; do Uareni a Vista
Virado, 140; do farol do Boiuçu à boca Alegre, por fora, 23 milhas, por dentro, 20,
de cima do Ituquara (travessia dos Estrei- de Vista Alegre ao Uruá, por fora, 41 1/2
tos de Breves), navegando pelo Boiuçu, milhas, por dentro, 36; do Uruá a boca do
Tajapuru, Limão, Ituquara, 88 milhas, Juruá, por fora, 12 milhas, por dentro 10;
derrota dos paquetes do Lóide Brasileiro. da boca do Juruá a Fonte Boa, por fora 25
Da boca de Breves (mesma altura do Farol milhas, por dentro, 22; de Fonte Boa ao
do Boiuçu) à boca do Ituquara, indo por Mamoriá, por fora, 41 milhas, por dentro,
Breves, Macacos, Jacaré e Ituquara, der- 35; de Memoriá à foz de Jutaí, por fora, 37
rota dos grandes paquetes da Booth Line, milhas, por dentro, 32; da foz do Jutaí ao
130 milhas. Este segundo e mais longo Bom Jardim, por fora, 29 1/2 milhas, por
trajeto é forçado pela falta d’água do pri- dentro 26; do Bom Jardim a Alegria, por
meiro, pois na passagem do Furo Grande, fora, 25 milhas, por dentro, 19; de Alegria
de maré alta, apenas se obtêm oito metros à vila de Tonantins, 17 milhas, só há um
de profundidade. Da boca do Ituquara caminho; de Tonantins ao Maturá, por
(saída dos Estreitos) a cidade de Gurupá, fora, 58 milhas, por dentro 53; de Maturá
34 milhas; de Gurupá à vila da Prainha, a S. Paulo de Olivença por fora 51 milhas,
por fora, 123 milhas e por dentro, 117; da por dentro 46; de São Paulo de Olivença a
Prainha a Santarém, por fora, 96 milhas, Santa Rita, por fora, 34 milhas, por den-
e por dentro, 88; de Santarém a Óbidos, tro, 32; de Santa Rita a Boavista, por fora
por fora, 74 milhas e por dentro, 64; de 16 milhas, por dentro, 12; de Boavista a
Óbidos a Parintins, por fora 98 milhas e Belém, 19 milhas, só há um caminho; de
por dentro, 90; de Parintins a Itacoatiara, Belém a Ourique, por fora, 26 milhas, por
por fora, 154 milhas e por dentro, 133; de dentro, 20; de Ourique a Santo Antônio,
Itacoatiara e Manaus, por fora, 116 milhas por fora 32 milhas, por dentro, 30; de
e por dentro,130. Santo Antônio a Tabatinga, 11 milhas, só
Distâncias no Solimões – De Ma- há um caminho; de Tabatinga a Letícia, 2
naus a Manacapuru, por fora dos paranás, 1/2 milhas só há um caminho; de Letícia
64 milhas, por dentro, 60; de Manacapu- a Loreto, por fora, 40 milhas, por dentro,
ru à foz do rio Purus, por fora, 70 milhas, 38 1/2; de Loreto a Caballo Cocha, 20
por dentro , 65; da boca do Purus a Co- milhas, só há um caminho; de Caballo
dajás, por fora, 52 milhas, por dentro, 44; Cocha a San Pablo, por fora, 43 milhas,
de Codajás a S. José do Camará, por fora, por dentro, 39; de San Pablo a San Tomás
56 milhas, por dentro, 50; de S. José do do Peruatá, por fora, 29 milhas, por den-
Camará a Coari, por fora, 31 milhas, por tro, 26; de San Tomás de Peruaté a Pevas,
dentro, 26; de Coari a Laranjal, por fora, por fora, 58 milhas, por dentro, 54; de Pe-
24 1/2 milhas, por dentro, 23; de Laran- vas a Santa Teresa, por fora, 76 milhas, por
jal, ao Barro Alto, por fora, 23 milhas, por dentro, 70; de Santa Teresa a Iquitos, por
dentro, 21; do Barro Alto a Caeambé, por fora, 24 milhas, por dentro, 20.
fora, 56 milhas, por dentro, 52; de Caeam- Distâncias pequenas – Do castelo ao
bé a Caiçara , por fora, 41 milhas, por den- Fortim da Barra (Baía do Guajará), 4 mi-
tro 32; de Caiçara ao Uareni, por fora, 20 lhas e ½; do Fortim da Barra ao Pinheiro,
O meu dicionário de cousas da Amazônia 73

5 milhas e ½; do Pinheiro ao Mosqueiro, 7 História Natural. Depois de olhar para a


milhas; do Mosqueiro ao Farol do Cutiju- carta, determinando topografias; depois de
ba, 8 milhas, do Farol do Cutijuba ao Farol examinar o índio e a sua cerâmica; depois
do Arrozal, 15 milhas; do Farol do Arrozal de recapitular a crônica dos povos, Ferreira
ao Farol do Capim, 9 milhas; do Farol do Pena se preocupava com a flor e o fruto, com
Capim ao Farol do Mandií, 19 milhas; do o pássaro e o sapo, com a água e a terra. Foi,
Farol do Mandií à entrada do furo da Jara- dentro da sua dispersiva existência de soltei-
raca, pelo canal das Pescadas, 8 milhas; pelo rão, um enamorado da Planície. Mineiro de
canal dos Veados, 9 milhas; da entrada da origem, paraense de coração, só não chegou
Jararaca à saída do mesmo, 2 ½ milhas; da aos mais altos postos da sabedoria porque,
saída da Jararaca à cidade de Curralinho, segundo a frase quase verdadeira de Buffon,
28 ½ milhas; da cidade de Curralinho ao o gênio é a paciência. Por mais radioso
Farol do Camaleão, 11 milhas; do Farol do que seja o talento de quem quer que seja,
Camaleão ao Farol do Boiuçu, 22 milhas; sem disciplina, que examina e constrói, as
do Farol do Boiuçu ao Furo Grande, 20 fulgurações da inteligência findam com a
milhas; do Furo Grande à boca do Pauxis, queda do corpo. Só a obra pensada, medi-
23 milhas; da Boca do Pauxis à vila de An- tada, trabalhada, deixa posteriormente ver
tônio Lemos, 6 milhas; de Antônio Lemos o gênio. A centelha espiritual se apaga com
a morte se o proprietário não tiver o cuida-
ao Cotovelo do Mutunguara, 12 milhas; do
do de fixá-la em vida. Sem o documento
Cotovelo do Mutunguara ao porto Bom
perquirente, por onde os pósteros afirmam
Jardim, 9 1/2 milhas; do porto Bom Jardim
a irradiação mental do indivíduo, ele não
a saída do Furo do Limão, 7 1/2 milhas; da
se projeta nestes dias positivos, alheios às
saída do Furo do Limão à saída do furo do
lendas e sem a ronda de discípulos que este-
Ituquara, 10 milhas; da saída do furo do
reotiparam na mente as palavras de Sócra-
Ituquara ao porto Pucuruí, 17 milhas; do
tes e de Jesus. É o caso de Ferreira Pena. As
porto de Pucuruí a cidade de Gurupá, 17 memórias, relatórios, monografias, ensaios
milhas; da cidade de Gurupá à ponta do que deixou, salvaram-no, é certo, do olvi-
Jariúba (parte montante da ilha grande de do, não lhe conquistaram porém o título a
Gurupá), 22 milhas; da ponta do Jariúba à que tinha direito – o de gênio. Concorreu
boca do Urucuricaia (foz central do Xingu), também para lhe fixar o nome na História,
19 milhas; da boca do Urucuricaia à boca o derradeiro ponto geográfico em que vi-
do Aquiqui (foz montante do Xingu), 19 veu: Belém, capital do Pará. Como foi por
milhas. aí que subiram e desceram os homens da
Dobrar – Repetir o canto. Que curió caravana cientifica visitadora da Planície,
danado pra dobrar; chega estrala o bico. Pa- nenhum deles transpôs a cidade guajarina
rece o bicudo do seu Gervásio. Ouça coma- sem ir ao beija-mão de Ferreira Pena. Era
dre, o soar do sino de S. Sebastião. Aquilo é no seu tugúrio da Cruz das Almas que os
gente que morreu; é dobre a finado. sábios estrangeiros mais eminentes busca-
Domingos Soares Ferreira Pena – vam se orientar para as jornadas no vale; era
Geógrafo. Etnólogo. Historiador. Arqueó- lá, por entre livros desarrumados, frechas
logo talvez, possivelmente botânico, sabe- de índios, igaçabas funerárias, conchas de
dor sem dúvida de todas as províncias da sambaquis, amuleto propiciatórios, tangas,
74 Raimundo Morais

zarabatanas e cocares, que as maiores figu- Dona – Senhora. Mulher respeitável.


ras de naturalistas tomavam o açaí amigo Quem é aquela dona? É a mulher do seu
ao indagar das cousas amazônicas. Ao lado juiz. Eu vi uma dona em casa do compa-
de Spix e Martius, tem Ferreira Pena e sua dre Januário que só Nossa Senhora, que
herma no Museu Goeldi, lembrança de Deus me perdoe. Semblante dela era tão
Augusto Montenegro, então governador. bom, que parecia santa.
O museu, no entanto, devia chamar-se Fer- Dunga – Excepcional. Incomparável.
reira Pena, pois foi dele a ideia dessa insti- Sujeito dunga. Ontem ainda era xerimba-
tuição, embora Emilio Goeldi tenha, sem bo do coronel Mirandolino. Coronel dei-
que ninguém o conteste, direito a maiores xou intendência e logo ele se mudou para
preitos e subidas homenagens nossas. o coronel Venâncio. Cabra dunga.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

E no papel. As formigas-de-fogo gostam dela.


O tronco dá estopa e carvão. Do carvão faz-
se pólvora. Os pássaros comem-lhe as flores
E bem! – Resposta de caráter afirmati- e os índios os frutos. É conhecida também
vo usado pelo caboclo da Amazônia. Dizem por “árvore da trombeta”, em virtude dos
que você vai casar com o coronel? E bem! instrumentos de música que o aborígine faz
É exato nhá Maricota foi pedida? E bem! dos seus galhos.
Quer dizer, foi, é exato, perfeitamente. Embiara – Presa do caçador ou pesca-
Elisée Reclus – Francês. Geógrafo. dor. Veado, onça, pirarucu, tartaruga que
Apesar de nunca ter vindo à Amazônia, e o caboclo costuma flechar. É raro cunhado
não nos constar mesmo que tenha vindo Sifrônio voltar do mato sem um jabuti. É
ao nosso país, o seu grande livro Estados embiara dele.
Unidos do Brasil, sobre geografia, etno- Embiricica – Fieira de peixes feita
grafia, estatísticas, é uma obra de mere- com envira ou embira. Cambada. No sen-
cimento. A parte referente à Amazônia, tido figurado: gente que acompanha, em
incluindo a bacia do Tocantins, é preciosa. Belém, os cordões de marujo, pelo carna-
Trabalho moldado em cem monografias val; os bois-bumbás, no tempo de S. João;
de naturalistas que andaram por aqui, a as pastorinhas, pelo Natal. Vem embiricica
versão brasileira, traduzida pelo grande e “assim”, minha gente. Só entram as pasto-
festejado clássico Ramiz Galvão, reponta rinhas, embiricica fica de fora.
superior à francesa, tais as retificações e Embuá – Da família dos miriápodes.
esclarecimentos feitos pelo tradutor. Fas- Não ferra, mas verte uma secreção cáusti-
cinado à distância pela natureza brasílica, ca e de cheiro desagradável. Vive dentro
o eminente escritor que figura nesta nota da terra, parece uma cobrinha. Em toda
chama ao rio Amazonas glória do Planeta. Planície, principalmente no oriente, basta
Embaúba – (Cecrópria) – É talvez a cavar um pouco, surge logo embuá.
árvore mais conhecida na Amazônia. Dela Encadernado – De roupa nova. Com
existem doze qualidades no vale. Da foz da outro fato. Gente, olha o coronel está enca-
Xingu para cima é a teceira manifestação dernado. Ele chegou ontem da capital. É,
vegetal na terra das margens. A primeira é me disseram; assim como também eu soube
a gramínea, canarana ou mori, a segunda a que ele tirou um milhar no jacaré. Desde
ourana, a terceira a embaúba. De porte mé- que inventaram o jogo do bicho que ele
dio, seus galhos e troncos parecem barrados cerca o jacaré. Até que afinal Santo Antônio
a cal. As folhas, branco-gesso por baixo e teve pena dele. Também, meu mano, se não
verde por cima, lembram, umas, trevos e dá agora, o coronel virava ponta de cigarro.
outras, estrelas. É o vegetal, até agora co- Viciado, coitado, que só ele.
nhecido na Amazônia, que dá maior rendi- Encaiporar – Dar azar. Fazer desdito-
mento de pasta de celulose para aplicação so, infeliz. Você é danado pra encaiporar
76 Raimundo Morais

os outros. É uma sina, cunhado. Até co- Enduape – L. G. Tanga de pena para
bra, quando eu olho pra ela, vira logo de homens.
papo pro ar. Enecoema – L. G. Bom dia.
Encalhe – Ação do navio varar uma Engenho – Estabelecimento agrícola
praia, um banco, um tabuleiro, ou subir destinado à cultura da cana e à fabricação
num cabeço de pedra. É comum o enca- de açúcar, cachaça, mel. Foi muito co-
lhe na Amazônia, não só porque os canais mum o engenho nas redondezas de Belém,
se mudam de ano para ano, como ainda sobretudo em Barcarena e Igarapé-Miri. A
devido à cerração da fumaça, das nuvens e cana dá com facilidade no Pará. Será pela
dos nevoeiros. Raramente perigoso. Talvez volta à sua cultura, como também à do ca-
de cem encalhações se perca um navio. cau, à do arroz, à do guaraná que o grande
Enchente – No estuário refere-se à Estado do Norte restabelecerá a sua fortu-
maré. Eu vou na maré de enchente. Que na, encalhada com a borracha?
horas hoje principia a enchente? Não me Engraçado – Metediço. Cínico. Atre-
lembro, meu bem. Lua parece que sai de- vido. Ora, não seja engraçado comigo, se-
pois das nove. Maré reponta com ela. Da não conto pra meu pai. Vá ser engraçado
foz do Xingu pra cima, até o fundo da com sua avó torta. Vou dar uma lição na-
Planície, a enchente dura seis meses. De quele engraçado que anda bolindo com a
maneira que o falar por aí sobre o fenô- minha velha.
meno já é outro. Enchente este ano vai ser Enguá – L. G. Pandeiro.
pequena, até agora não deu “repiquete”, Enseada – Arco aberto nas margens
etc... Que enchente grande... Estou com dos rios, das baías, dos portos. A enseada
medo da minha roça. Não plante ainda, nos afluentes sinuosos, côncava, talhada a
compadre; deixe baixar mais o rio; olhe o prumo, profunda, entesta a praia, conve-
“mata-feijão”, que pode vir. Este ano vai xa, declive brando, rasa.
ser peixe assim... Enchente é grande. Entaniçar – Envolver os molhos de
Encoivarar – Amontoar os galhos, tabaco com a tânica, que é a fita das cascas
gravetos e sacaís que restam das queimadas do talo de certas palmeiras, e de largura
a fim de incendiá-los de novo, de modo inferior à grossura de um dedo. Entani-
que o roçado fique bem limpo. çam-se também outros produtos a fim de
Encrenca – Imbróglio. Mas que conservá-los.
encrenca dos diabos. Ninguém sabe a Entocar – Meter a caça no buraco do
quantas anda. Encrencou tudo. Foi uma pau ou nalguma galeria subterrânea. Es-
encrenca fechada. Quando o Januário ti- conder. Encafuar. O cachorro entocou o
rou a mulher do Chicão, este se levantou, caititu.
tocou os cinco mandamentos na verônica Entrudo – Carnaval. Está chegando
do dito cujo, e a encrenca não foi deste o entrudo. Era mais usado o termo nos
mundo. Quebraram as cadeiras, apagaram belos tempos da cabacinha, da laranji-
a luz, não respeitaram as damas. Disquê nha, do limão cheiroso, feitos de água
a política encrencou. Parece que não há perfumada em transparentes películas
mais frente única em Manaus. Foi seu Pe- de borracha, e que se projetavam a dis-
dreira que disse. tância, em verdadeiros bombardeios sem
O meu dicionário de cousas da Amazônia 77

fumaça, porém molhados. Atiraram-me perando uma embiara e nada. Nem paca,
uma cabacinha daquele sobrado que fi- nem veado, nem anta. Ando caipora.
quei como um pinto. Entrudo este ano é Vamos fundear na espera, senão amanhã
pesado. Por que, seu cunhado? Porque é maré não dá pra chegar no nosso destino.
cabacinha à beça. É longe... vento está faltando. No reponte
Envira – Tira da casca da envirei- da maré o vento marajó bate aí que é um
ra que serve para amarrar. Generalizado, deus nos acuda.
qualquer fibra têxtil usada como fio, linha, Espernegado – Esparregado. Prato
corda. Rio afluente do Juruá. que se faz guisando a erva picadinha do
Epiacaba – L. G. Vista. caruru e cobrindo-a depois com ovos es-
Epiacatuba – L. G. Boa vista. trelados.
Erê-catu – Frase que tem dois senti- Espinhel – Comprida linha tipo ame-
dos. A de convidar para partir: Erê-catu, ricano cheia de anzóis e ligada a duas poitas
vamos, avante, sigamos, arriba acampa- (pedras), no fundo d’água. Essas poitas es-
mento, e a de despedida: Erê-catu, adeus, tão assinaladas por boias de curcubitáceas.
minha gente, até curi. Aparelho com que se pegam certos peixes
Escápula – Gancho, olhal de ferro de pele: piraíba, filhote, dourado, guriju-
que todas as casas da Planície têm nas ba, bacu, cangatá. Processo empregado no
paredes das alcovas e quartos para armar estuário e nas baías perto do mar.
redes. Espocar – Abrir. Estalar. Rebentar.
Escorpião – (Titius brasillensis) – É Fazer ruído. Saltar fora.
um aracnídeo que tem o aguilhão na cau- Esse – Letra de ferro ou aço represen-
da, e cuja picada é venenosa e dolorida. As tando um S destinado a prender a corda
pinças das maxilas, sem tóxico, represen- da rede à escápula. Com essa precaução, o
tam órgãos de apreensão, de defesa e de constante embalo da rede não corta a cor-
luta. O preto, maior, é mais perigoso, se da que a sustém nos armadores.
bem que a ferretoada não seja mortal. Estabanado – Estouvado. Sem me-
Esfrega – Surra. Trabalho pesado. Seu dida. Que moço estabanado. Estava dan-
Anastácio deu uma esfrega no filho. Tenho çando e, de repente, carregou a dama na
levado uma esfrega na cópia das atas... É sala. A Filuca levantou a saia na igreja para
uma esfrega, este trabalho. colocar a liga. Aquilo puxa a mãe, é esta-
Especular – Verificar preços. Ver banada.
onde se pode comprar mais barato. Rega- Estabelecimento de porto – Re-
tear. Não compre sem especular primeiro, tardamento da preamar sobre a hora da
compadre. Especule bem. Cada negocian- passagem da lua pelo meridiano no dia de
te, em Belém, tem um preço. É preciso uma sigígia equinocial. Somente se verifi-
especular. Fazenda, então, é uma desgraça; ca este fenômeno onde há fluxo e refluxo
aqui custa tanto, ali tanto, acolá, tanto. Só de maré. Manaus, por exemplo, não pos-
há um meio: é especular. sui estabelecimento de porto.
Espera – Ponto em que se espera Estadão – Pompa. Aparato. Ostenta-
caça. Lugar em que as canoas do estuário ção. Aquela gente vive num estadão. Pare-
esperam maré. Passei um dia no mutá es- cem príncipes. Você já viu, comadre, o esta-
78 Raimundo Morais

dão da viúva do coronel Cornélio. É carro, fera. Onde tem de levar vírgula, é vírgu-
criado, seda, tudo a beça. Que estadão. la; ponto é ponto mesmo. Deixa longe o
Estado do Pará – Jornal paraense finado Vieira e o defunto Castilho, que
de maior circulação no extremo-norte. Deus haja. É exato, compadre; purismo
Abraçando sempre as grandes causas na- chegou ali e armou rede, mas então pau
cionais, esse matutino alcançou uma po- pra burro; estopada é uma menina de pei-
pularidade jamais ultrapassada em Belém. to ao pé do livro dele. Pode dizer que é
Lindo, bem disposto, bem escrito, os seus clássico de 40 assobios, porém dormideira
editoriais e a sua colaboração correm pa- não pega o bicho, melhor, cousa que o bi-
relha com a estética. É seu proprietário cho escreve. Pois é isso, tenho que aguen-
Afonso Chermont, redator-chefe Alcino tar essa estopada…
Cacella e secretário Santana Marques, Estoque d’água – Ponta de corrente
figuras de relevo não só no jornalismo que vara o caudal em sentido oblíquo. É
como na política.
determinado pelo remanso, que, depois de
Estância – Barracão, armazém desti- refluir à massa fluvial, volta a fazer parte
nado a depósitos de madeiras. Lugar em dela. Penetra então bruscamente na toa-
que negociantes guardam tábuas, ripas, vi-
lha, gerando uma confusão de diretrizes.
gas, dormentes.
Quando o prático não é bastante hábil
Esteira – Rasto de espumas que a para evitar o estoque d’água, o “gaiola”
embarcação vai deixando pela popa fora.
desgoverna com o choque recebido à proa
Sinal da passagem do navio feito pelo seu
e muitas vezes enfia-se na margem contrá-
deslocamento e que desaparece da flor
ria, vara uma praia ou sobe num berço de
d’água mal ele se afasta. Tapete de tábua
pedra. É um fenômeno hidrográfico dos
que se usa embaixo das redes, ou, ainda,
rios velozes.
nos serões domésticos das cunhantãs, que
sobre ele costuram, bordam ou estudam. Estrada – Vereda aberta na floresta
Estirão – Trecho reto de rio entre duas por onde o seringueiro anda para cortar
curvas. Em geral, na época do verão, é sem- as árvores da “hévea”. É um simulacro de
pre mais raso que a volta, devido ao lençol caminho, tortuoso, atravessando igarapés,
d’água se espalhar, de uma a outra margem, subindo terroradas, que leva o extrator a
o que não sucede nas curvas, onde o canal, cem rumos num solo todo movimentado,
concentrando a água, aprofunda-se. quando se trata de seringais do alto Amazo-
Estivador – Nome dado ao trabalha- nas. Nas “ilhas”, ou seja, no estuário, apesar
dor de terra, a bordo das embarcações, nos do terreno alagadiço, a terra é mais plana.
portos. Que carrega e descarrega o navio. Já estou sangrando minha estrada. Seringal
Que estiva a carga, que arruma os volumes do compadre quantas estradas tem? Sua es-
no porão. trada é de mais de cem madeiras?
Estopada – Aborrecimento. Cacetea- Estrepe – Espinho, lasca de madeira
ção. Cousa penosa. Vou levar uma estopa- que entra no pé. Que você tem, seu Arruda,
da, hoje. Tenho que ler um livro do Chico pra andar assim coxeando? Estrepe, coma-
Lendia. Antes uma boa morte, compadre. dre. Um espinho de tucumã bem no calca-
Mas dizem que no português ele é uma nhar. Fui puxar o dardo e a ponta quebrou
O meu dicionário de cousas da Amazônia 79

dentro. Estou com uma farpa de lenha na bém porque evita maltratar a rês, pois o
sola do pé. Oh! Estrepe cabuloso. peso do corpo pendurado no estropo que-
Estropo – Alça de cabo que se enfia bra-lhe muitas vezes a espinha.
nos chifres do boi, de modo que este pos- Estrovar – Fazer uma alça de linha no
sa, engatado no aparelho, ser levantado no anzol a fim de ligá-lo ao espinhel, ao cani-
pau de carga e recolhido a bordo. Ajeita ço ou a outro qualquer aparelho de pesca.
esse estropo! Vira! Os grandes embarques Estúrdio – Esquisito. Estapafúrdio.
de gado vivo, hoje, são feitos por meio de Divertido. Que homem estúrdio. Você já
mangas, não só pela rapidez, como tam- viu mulher mais estúrdia, comadre?
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

F temporâneo dos sete sábios da Grécia e da


poetisa lésbica Safo.
Escravo de Demarco, este o vendeu ao
Fabulistas – A Amazônia é o recanto filósofo Xanto, de Samos, que por sua vez
do Planeta mais pobre de fabulistas, tal- o vendeu a Yadmon. Serviu o derradeiro
vez mesmo sem nenhum. A história dos senhor em companhia de Rodope, célebre
animais, sempre colorida, tem, aqui, um cortesã que se diz ter mandado erigir uma
cunho lendário. É natural, pois, que se das pirâmides do Egito. A aguda inteligên-
anda em busca de uma inteligência que cia de Esopo, as suas extraordinárias répli-
perpetue, no reconto moralista da fábula, cas, o seu profundo espírito de observação,
os bichos e as cousas da Planície. a originalidade com que dava ao povo lições
Se a origem da fábula é o mistério, de moral, em forma de apólogos e fábulas,
ninguém melhor do que nós para urdi-la conquistaram-lhe a liberdade.
e movimentá-la tal o segredo que envolve Indo de Samos para a Ásia Menor
a planura. Entre que povo e em que lu- obteve Esopo o favor de Creso, que o fez
gar do universo a imaginação do homem embaixador de sua corte junto ao governo
iniciou essa pitoresca linguagem figurada? grego, assistindo nesse caráter, no palácio
de Corinto, ao banquete oferecido aos sete
Na Ásia? Na China? No Egito? Na Grécia?
sábios da Grécia por Periandro, um deles.
Ninguém sabe. Os crônicos assinalam en-
tre os hindus, 2.000 anos antes de Cristo, Esopo, que significa etíope, era negro
horrendo, diz o monge grego Máximo Pla-
o fabulista Bidpay; entre os árabes, outro,
nude, seu biógrafo. Como se vê, portanto,
Lokman, contemporâneo de Davi. Por
a formidável cabeça que alguns escritores
muito que se estenda a vista para além de
chegam a comparar à de Homero, per-
Orellana, para além de Cabral, para além
tencia a um escravo, embaixador e mártir,
dos piratas que infestavam as nossas águas,
pois Esopo morreu vítima da acusação fal-
não se divulga sequer a sombra de um po- sa e infamante que condenou, pela boca
eta que, fazendo falar os nossos animais dos fracos juízes de Delfos, a ser despenha-
e homens, tire de semelhantes colóquios do do alto da roca Hiampeia.
conceitos que nos façam pensar, ou, pelo Desde esse tempo remoto, quando
menos, que nos desviem do perigo. talvez a planície amazônica mal viesse
A verdade é que a fábula principia rompendo virginal do seio das águas, que
na Grécia. Esopo, além do cunho literá- a fábula reflete tonalidades literárias tão fi-
rio, imprime-lhe encanto e originalidade. nas que a moralidade, sob o véu alegórico
Há quem duvide da existência dessa figu- dos quadrúpedes, das aves, dos peixes, dos
ra, como se duvida aliás da existência de insetos, das árvores, dos seres, se estende
Cid, de Homero e do próprio Cristo. Está sobre os homens. A realidade e a virtude
provado, no entanto, que Esopo foi con- em parábolas de cem tamanhos, já daí,
O meu dicionário de cousas da Amazônia 81

irônica e mansamente, combatem o erro to o filho aprendeu, com os pássaros e as


e o vicio. Assim como a ciência teve por borboletas, os quadrúpedes e as serpentes,
batedores os artistas, os filósofos tiveram ao longo dos campos e bosques em doidas
os fabulistas por vedetas. A clara expressão correrias, a falar com a natureza.
com que concretizavam, na alegoria dos Os críticos julgam, entretanto, apesar
bichos e das cousas, o pensamento abstra- de toda a sua refulgente projeção, e talvez
to de esmaiados deveres, fixava o axioma por isso mesmo, de pouco fôlego, incapaz
na consciência coletiva. de manter a força da beleza literária num
Acresce ainda que não se escrevendo a trabalho de largas rajadas. É apenas um
fábula para cogitações profundas, a menor miniaturista, um aquarelista, um iluminu-
agilidade intelectiva apreende o sentido mo- rista de gênio. Daí o sucesso das fábulas
ralista que ela contém. Noção universal da que ele cria ou adapta.
argúcia, guarda no fundo, como os anexins Apesar do seu egoísmo e do seu des-
e os provérbios, a semente da disciplina so- cuido, diz um ensaísta, não tinha intenções
cial. Por isso ela é constantemente simples, malignas, antes parecia uma criança gran-
seja rústica ou polida. Falando da rã ou fa- de. Casado com uma linda rapariga de 15
lando do amor, num florido jogo cênico, o anos, dela separou-se depois de dividirem
que lhe ressalta do texto, através de cenários os bens. A duquesa de Bouillon, sobrinha
apropriados, é o risco de fogo que une as de Mazarino, dada ao prazer, jovem, ale-
personagens que se visam às figuras que se gre, constituiu-se sua protetora. Afirma-
mostram. Voltaire, o iconoclasta, o irre- se que foi ela quem inspirou e excitou a
verente Voltaire, aludindo às fábulas, tem produzir o volume Nouvelles em Vers, que
coisas líricas, sentindo-se que a inteligência contem a “Jocond”, conto de Ariosto.
coruscante que traçou o Dicionário Filosófi- Mme. de Sevigné aplaudiu essas no-
co, se comove e emociona quando rebusca o velas condenadas pela sociedade da época.
assunto destas linhas. Ouçamo-lo: Dizem também que depois de mme. Sabliè-
“A fábula mais famosa dos gregos é a re, erudita e gentil senhora daquele tempo,
de Psique; a mais graciosa é a da matrona despedir os fiéis que lhe frequentavam o
de Éfeso; e a mais bela entre as modernas salão, em cujo número figuravam Molière,
é a de Lucrécia, que, depois de arrancar Chapelle, Racine, além do cão e do gato de
os olhos ao Amor, se viu condenada a lhe mme., só ficou La Fontaine. Mas, por onde
servir de guia.” me arrastam os fabulistas, santo Deus? A
Saltando, porém, da Hélade, foi na mim, que só queria dizer que fabulista é
França que a fábula encontrou o seu ex- gente inexistente entre nós, e da qual nós
traordinário ourives, o seu maravilhoso la- carecemos urgentemente no país das pedras
vrante, esse inconfundível La Fontaine. Só verdes a fim de ver o jeitão de um jabuti,
o fato de o famoso fabulista ter nascido na por exemplo, que é o animal mais esperto
região da Champagne concorre para essa do vale, levar o contra e perder a vaza com
fina e rendada imaginação com que ele em- certos políticos de borla e capelo…
polga o espírito humano. Mas há um moti- Faceira – Taful. Garrida. Que veste
vo maior. O pai de La Fontaine era diretor bem. Que ama a exibição. Que se mete pe-
de Águas e Florestas, em cujo departamen- los olhos dos rapazes. Que moça faceira.
82 Raimundo Morais

Falador – Maldizente. Indiscreto. tra banda se engraça pra ele. Coronel anda
Irreverente. Que sujeito falador. Falador triste, falando só. Aquilo é feitiço, dizem
como só ele. que deram pra ele no vinho de cacau, coi-
Faniquito – Desmaio. Era gente com tado. Era tão alegre... Se não foi a Mique-
faniquito quando o Mané Cabeludo pu- lina Jambu, que Deus me desampare na
xou a pistola dele, que nem lhe digo nada. hora da morte. Oh! Mulher falsa. Não há
Primeira que caiu foi a Joanna Tucandei- homem que ela não desgraçe. Tão desen-
ra. Aquilo era só valente de língua. Foi xabida, perna fina, amarelona, parece vas-
um faniquito do tamanho de um bonde. soura. Ninguém sabe mesmo porque esses
Nunca vi festa com tanto faniquito. Até a brancos se encantam. Só feitiço.
Engole-cobra, aquela mulatona de Janaua- Fiança – Certo. Infalível. Aquilo é
ri, disquê com faniquito, minha madri- homem de fiança. Quando diz sim, é sim
nha. Também era cada tapa de virar cara mesmo. Caráter de fiança. Não dança de
da gente do avesso. urso. Garantia de um terceiro afiançando
Farofa de casco – Aberta a tartaruga, certo pagamento. A fiança da minha casa
tirados os ovos, vísceras, quartos, filé, o cas- foi dada pelo coronel Anastácio.
co (carapaça) fica aparentemente limpo por Fiapo – Fio de roupa. Fibra. Pedaço
dentro. Levado, porém, ao forno, depois de pequeno de linha. Me tira este fiapo do
lavado e temperado com sal e limão, escor- ombro. De onde veio este fiapo? Qualquer
rega-lhe abundante gordura para o fundo, fiapo serve, é pra um amarrilho ligeiro.
sob a ação do calor. Essa gordura, mistu- Filhos da Candinha – Anônimos.
rada no próprio casco, com farinha-d’água Povo. Coletividade. Os filhos da Candi-
torrada, é farofa. Cada prato da tartaruga é nha é que dizem. Andam dizendo cousas
comido com farofa do casco, como se usa da D. Marocas... Mas quem, meu coração?
com pão. As famílias pobres fazem render Os filhos da Candinha.
o acepipe levando durante dois, três, quatro Flamboyant – (Poinciana regia) – Ár-
dias e até a semana inteira, o casco ao forno vore de porte regular; dizem-na originária
e adicionando-lhe novas doses de farinha de Madagascar. Adaptou-se de tal forma
para diárias farofas. na Planície que se a encontra de um ex-
Fazenda – Propriedade rural de cria- tremo a outro. No princípio do inverno
ção de gado, única acepção em que essa todas as suas folhas se transformam em
palavra é empregada no Pará. É fazendeiro flores escarlates, dando a impressão de um
rico, tem mais de cinco mil cabeças. Fa- gigantesco buquê vermelho nos parques,
zenda dele é em Marajó. Leite, lá, até dá jardins e quintais onde ela medra.
pra tomar banho. Fogo santelmo – Chama azul, morti-
Feição – Fisionomia. Feição dela é ça, que se observa no topo dos mastros das
bonita. Que feição antipática. Feição do embarcações, quando aqueles têm a borla
dia é de chuva. ou a lança de ferro, por ocasião das tem-
Feitiço – Puçanga. Droga, berun- pestades. Efeito da eletricidade atmosférica.
danga, beberagem usada para desgraçar o Nos meses de novembro e dezembro, ao
inimigo. Vou mandar botar esse feitiço na cair das primeiras chuvas na Planície, com o
porta dele que nunca mais a Chica da ou- céu negro e carregado, ao estrondar do tro-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 83

vão e ao fuzilar do relâmpago, como a luz salvatério do Pará. Porque o ponto de vista
de grandes círios acesos no céu, vê-se o fogo largo a enxergar nesse gesto do famoso mi-
santelmo iluminando o topo dos mastros. lionário não é a luta entre o plantador de
Fordlândia – O mal econômico da agora e o proprietário do seringal silvestre
Amazônia tem sido, desde tempos ime- dessa mesma Amazônia, mas a luta desse
moriais, quando ainda Tavares Bastos lu- plantador com o plantador do Oriente. É
tava gloriosamente pela abertura do mais a localidade, a condição geográfica, muito
volumoso rio do Planeta, o receio de que mais que a excelência do produto, que vai
ela nos seja tomada. Entretanto, é impres- decidir da batalha travada entre a Amazô-
cindível dizer, pela própria voracidade das nia e o Oriente. A vitória inevitável trará,
potências colonizadoras, o imperialismo de novo, o nosso predomínio na exporta-
territorial tornou-se quase impossível, má- ção da seringa para os mercados consu-
xime quando se trata de uma nação como midores. A posição da Fordlândia, muito
o Brasil, de 42 milhões de habitantes e mais perto da Europa e da América do
de unidade geográfica definida. Nenhum Norte que os seringais do Oriente, levan-
país, dos mais atrevidos e gulosos, seria tará uma diferença de preços para menos,
capaz, nestes dias de rivalidade comercial, a nosso favor, que as empresas plantado-
de um atentado de tal natureza contra a fe- ras, nas colônias das potências competido-
cunda gleba do Cruzeiro. E isso não tanto ras, não poderão manter. Alguns ingênuos
pela maneira por que eles, conquistadores, e mal informados ainda argumentam com
se vingam e entreolham, mas pelo caráter a facilidade do braço na Ásia ou alhures,
altivo e revel do brasileiro, pela força da como se a época não fosse da maquinofa-
raça, pela projeção maravilhosa com que tura, capaz de esmagar a mão-de-obra. Na
se funde aqui um dos mais poderosos ti- margem do Tapajós já se está montando a
pos do mundo. Quando o arquimilionário maior serraria da América do Sul, o que
Henry Ford pretendeu fixar uma empresa significa para breve uma formidável ex-
na Amazônia, correu um arrepio de sus- portação de madeira, isto em igualdade de
peita entre nossa gente. Desconfiava-se circunstâncias com os demais madeireiros,
de uma arremetida imperialista. O fato, há muito instalados em Belém, queremos
no entanto, bem examinado, não é pos- dizer, pagando os mesmos impostos ao
sível quando se trata do Brasil. O caráter Estado. Acresce ainda que um homem da
nacional do homem, na terra imensa que estatura industrial de Henry Ford, vendo
nós vamos povoando com esplendor e ca- com rara argúcia e privilegiada inteligên-
rinho, não se ajusta mais aos protetorados, cia todos os aspectos da questão referente
e, muito menos, às afrontas de uma pirata- à goma-elástica, deve já ter pensado em
ria territorial. O que o rico americano pre- instalar, no próprio terreno da empresa
tende fazer na Tapajônia merece respeito, concessionária, ou talvez em Belém, uma
deve ter a confiança patrícia, tantas são as vasta fábrica de artigos de borracha, desde
vantagens recíprocas daí advindas. Dentro os mais delicados aos mais grossos. Avalie-
em breve Boavista, se não Santarém, pa- se o futuro do Pará com essas usinas fun-
recerá uma Nova Orleans. As plantações cionando, exportando para todos os mer-
de hévea que ali se multiplicam serão o cados, e, o que é mais importante, trazen-
84 Raimundo Morais

do para os vizinhos, na própria Amazônia, Forreta – Usuário. Miserável. Que


aperfeiçoamento e capitais na plantação e não deixa ver a cruz de um vintém. Gênio
na colheita do leite. Não podemos, pois, contrário ao caboclo, que é mãos largas,
deixar de ficar alegres com o destino, que generoso, dividindo tudo com os parentes
nos trouxe o ouro fecundo e miraculoso e vizinhos, sem pensar no dia de amanhã.
do Conde de Monte Cristo americano, Forro – Liberto. Escravo que obtinha
ouro capaz de operar maravilhas naquela a independência por compra ou dádiva do
nossa terra virgem. senhor. Aquele negro já está forro? Olhe
A Fordlândia, levantada pouco além o jeito deste preto, parece forro. Você já
de Santarém, Tapajós acima, vai ser talvez está forro?
o maior núcleo humano na bacia amazô- Fósforo – Falso eleitor. Voto fraudu-
nica, pelo menos o maior centro industrial lento. Dizque eleitorado dele é só de almas.
do vale. O ponto é a política não entor- No dia da eleição vai todo o cemitério da
pecer nem perturbar a trajetória da formi- Saudade. Lembra o dia de juízo final. E’
dável empresa, por interesse e ódios mes- um partido de defuntos. Na hora de votar,
quinhos, como já fez com a concessão das os mesários, de olho no padre e olho na
terras da Guiana, quando uma empresa missa, é só no pelo-sinal e rezando baixo
tentou fazer ali um grandioso núcleo pas- o Creio-em-Deus-Padre. Aparece cada pe-
toril. Não fora essa miséria, e nós já expor- daço bem criado de fantasma chocalhando
taríamos hoje carnes para todo o mundo, os ossos ao meter a cédula na boca da urna,
em competição com a própria Argentina. que até tira a fala dos demais. A única van-
tagem é que é gente firme, não trai nunca.
Forno-de-jacaré – Folha da vitória-
Só vota com o coronel, e mais quando ele
régia. Tem o aspecto de um forno verde
está por cima. Subiu agora pra 200 reais. É
flutuante. São grandes charões vegetais,
por causa da constituinte. Até parece café
boiando à flor d’água e sob os quais os ja- com música.
carés se escondem. Ninfeácea.
Fósseis – Segundo a definição de
Forquilha – Intercessão de dois ga- John Branner, antigo presidente e profes-
lhos de árvore. Pau bifurcado. Olha que sor de geologia na Universidade Stanford,
lindas catleias na forquilha deste pau. São na Califórnia, América do Norte, fóssil
da família das orquídeas e se chamam C. é “qualquer relíquia, rasto, ou impressão
superba. Vê a outra branca. Também é or- de planta ou de animais nas rochas”.”São
quídea, conhecida por C. Eldorado. E a de muitas vezes chamados “putrefatos” se
folhas grandes, lá mais para cima? Ainda bem que não estejam sempre petrificados.
é orquídea. Apelidaram-na por orelha-de- Na geologia se empregam “os fósseis para
burro. No mundo cientifico é Oncidium determinar as idades e posições relativas
lanceanum. As flores são amarelas, mas das rochas nas quais eles se apresentam”.
salpicadas de castanho. E mais além, o Nos rios Maecuru, Curuá, Trombetas,
festão admirável de lianas, lá, na forquilha Cuminã, Marañó têm-se descoberto curio-
de cima? Aquilo é baunilha. As vagens têm sos fósseis como algas, corais, tartarugas,
um perfume delicioso. Também é da famí- peixes, crustáceos e conchas marinhas,
lia das orquídeas, Vanilla aromatica. seguros documentos paleontológicos que
O meu dicionário de cousas da Amazônia 85

provam a remota existência do mar onde alimentos como bananas e cocos para sus-
hoje se acha a planície amazônica. Derby tentá-los.
encontrou madeiras e folhas fósseis nos Francisco Orellana – Espanhol. Ex-
montes do Ererê e Paituna, vizinhança plorador. Flibusteiro. Foi o primeiro ho-
de Monte Alegre e Óbidos; Chandless mem europeu que sulcou o Amazonas.
achou à margem do Acre, afluente do Pu- Desceu-lhe o caudal dos Andes peruanos
rus, restos de uma espécies de Mososaurus, à foz. Buscava o Eldorado cheio de ouro
que é um gênero característico da idade e pedras preciosas. Encontrou, de lado a
cretácea; Paulo Gervais achou também, lado do rio, floresta e mais floresta. Os ín-
em certo ponto da bacia amazônica, um dios da foz do Nhamundá, de cabeleiras
grande crocodilo, Dinosuchus terror; Ja- compridas, rostos glabros, pareceram-lhe
mes Orton levantou da argila das barra- mulheres. Não precisava mais para um
cas de Pebas uma fiada de 17 espécies de romance. Inventou a tribo guerreira das
concha marinha; G. Gurich topou no rio amazonas, as icamiabas, que não se acaba-
Pauini, afluente do Purus, um jacaré fóssil, vam mais e que ele, de regresso à Espanha,
Gryposuchus jessei, pertencente ao período contou na corte castelhana. Quando vol-
terciário ou quaternário. Além dos fósseis tou à Amazônia, já no cargo de “adianta-
descobertos e constatados cientificamen- do”, à frente de uma expedição, errou o ca-
te pelos sábios, o autor destas linhas, ao minho, perdeu-se e naufragou procurando
tempo que comandou “gaiolas”, trouxe o vestígio de sua saída do Atlântico. Jamais
do alto Purus vários fosseis encontrados descobriu por onde havia rompido para o
no álveo desta artéria fluvial durante as se- mar. Confundiu o estuário do Amazonas
cas. Assim, tartarugas, peixes, crustáceos, com o estuário do Tocantins e andou, em
galhos de árvores foram achados petrifica- torno da ilha de Marajó, como um pássaro
dos, com a circunstância de muitas dessas em torno de uma cobra: girando, girando,
peças estarem num período de transição, girando até se perder.
pois via-se um lado, já petrificado; o ou- Francisco Xavier Ribeiro Sampaio
tro, ainda em estado natural. – Magistrado português dos tempos co-
Francisco Castelnau (Conde) – Ex- loniais. Foi ouvidor e intendente geral do
plorador francês. Viajou ao sabor da cor- Rio Negro. Espírito arguto. A narrativa
rente amazônica, do Peru ao Estado do de sua viagem dentro da Planície, hoje
Pará, onde visitou a bacia do Tocantins. publicada, excede ao trabalho de correção
Como La Condamine, andava por conta do homem da lei. Parece coisa de natura-
do governo francês em estudos científicos. lista. A terra, o índio, as águas, o céu, a
Subindo aos platôs de Goiás, observou o luz, os ventos merecem-lhe palavras cien-
bócio e a papeira ali reinantes. Também tificas, de quem possuía visão que ia além
notou nessa região as fontes termais, prin- das “Ordenações do Reino”. E isso a tal
cipalmente as de águas magnesianas. Foi ponto, que logo o nosso pensamento se
ele quem registrou a maneira curiosa por transporta para um caso idêntico: o de Fá-
que os carajás enterravam seus mortos, em lix de Azara, oficial do exército espanhol,
pé, deixando-lhes a cabeça de fora a fim da que deixou de sua viagem ao Paraguai dois
gente da tribo meter na boca do defunto volumes tão interessantes, tão fiéis e per-
86 Raimundo Morais

feitos, que os maiores homens de ciência sas, a resultados extraordinários, no fundo


lhe citam a obra, mesmo que esses homens dos quais, por um sortilégio criador da
se chamem Charles Darwin. inteligência, abrem-se as velas dessas naus
Frasqueira – Garrafão de vidro for- bíblicas, surgem os navios, e a gente vê en-
rado exteriormente de cipó fino. Esse te- fim as frotas.
cido, feito na Alemanha, é para evitar que Certas monografias referentes ao fato
a vasilha se quebre. Há frasqueiras, meias guardam um cunho tão severo e positivo,
frasqueiras e quartos de frasqueiras. A fras- através de rajadas poliglotas, de coruscan-
queira, exclusivamente destinada a condu- tes notas de sabedoria, que a ninguém é
zir cachaça, principalmente dos engenhos lícito duvidar do memorável incidente,
do Pará o alto Amazonas, mede doze fras- isto é, que por aqui não tenham andado,
cos; cada frsco cinco quartilhos. subindo e descendo as águas caudalosas
Friagem – Queda brusca da tempe- do nosso sistema hidrográfico, os atrevi-
ratura no ocidente da Amazônia. Inversão dos vasos expedicionários do remoto rei
periódica dos ventos, que em vez de correr de Israel. E não só duvidar do episódio,
de baixo para cima, correm de cima para como também que levassem, segundo
baixo. Afiam-se na neve doa Andes e des- os próprios textos sagrados, ouro, prata,
cem galopando furiosos, matando peixes, pedras preciosas, cedro, bugios e pavões.
pássaros, quadrúpedes. Ocorre o fenôme- Tratando de um povo humilde, quase as-
no em maio e junho, com as primeiras ma- cético, alheio ao fausto e ao esplender de
nifestações da vazante nos altos rios. Olha outros povos daquelas eras, pode parecer
a friagem. É o céu que se turva no poente ao espírito coletivo de agora, numa exege-
em grossas nuvens negras. Daí a nada cai a se minudente, exagerado tudo aquilo que
chuva e o vento frio, cortante, assobia. se registra no Livro de Reis sobre a viagem
Frotas de Salomão – A respeito das e sobre a mercadoria.
frotas de Salomão, no Amazonas, há uma Leve-se, porém, em conta a situação
literatura notável, ora de colorido árabe, especial do soberano que mandava buscar
ora de sisudez matemática. Mesmo no esses tesouros no fundo do Planeta, como
primeiro caso, no planejamento da ficção, havia de parecer naqueles idos a remota
ela cobre-se através de múltiplos aspectos Amazônia. Além dos encargos religiosos,
com o véu indutivo, extraindo, como os a sua família era enorme. Sem falar em so-
pelotiqueiros na sorte, ou scherloquismo gras, tios, primos, cunhados, sobrinhos, só
nas conjunturas policiais, elefantes de mi- esposas, artigo fino, princesas, dispunha o
nhocas, continentes de pedrinhas, girafa valente monarca de setecentas; concubi-
de formigas, cataclismo de brisa. nas, de sangue mais ou menos azul, trezen-
A filologia, com aquela carranca de tas. Fora naturalmente, as que escaparam à
desmamar crianças, ajuda esse processo estatística religiosa do Velho Testamento.
imaginativo. Por um simples vocábulo de- Avalie-se, pois, o que não seria preci-
sarticulado, aqui deixando cair letras, ali so para contentar o exigente e escaldadiço
silabas, para mais adiante juntar vogais, milheiro de senhoras assim que chegavam
unir consoantes, os argutos batedores da os navios. Cada qual queria o seu colar, a
História chegam a conclusões maravilho- sua pulseira, o seu anel, o seu par de brin-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 87

cos, o seu pavão, o seu tamborete; isto sem daqui, como os três anos da derrota eram
levarmos em conta o templo de prata e consumidos sob a luz equinocial, mine-
ouro que S. M. andava construindo para rando, cortando madeira, caçando.
agradar também ao Senhor. A primeira vezs que se lê o folheto in-
Porque, é preciso que se diga aos que titulado Viagens dos navios de Salomão no
não estão bem ao par da Bíblia, em maté- rio Amazonas, recebe-se um choque, leva-se
ria de amores, esse rei que sucedera a Davi um tal sacudilela na descrença, que se fica
e passará o trono a Jeroboão, foi tremen- abalado, para não dizer logo, convencido.
do. Era-lhe tão grande o coração como a Porque, deve-se confessar, ninguém acredi-
justiça. Se as sentenças foram profundas, tava nessa armada real por estas paragens.
as paixões ultrapassaram. O Cântico dos O risco dos encalhes, o perigo dos
Cânticos, escrito para Sulamita num arre- rebojos e estoques d’água, as dificuldades
batamento sensual, vale tanto ou mais que da navegação desconhecida, quando ainda
as leis do seu código. não havia práticos habilitados que dirigis-
Sábio e ardente, Salomão não decifrava sem a derrota, e além disso, sem o menor
apenas os enigmas da vida, mas as chara- vestígio atual das escalas, como o deixaram
das do amor. A rainha de Sabá, quando o ingleses holandeses e franceses, levavam
visitou, atraída pela fama do magistrado nosso espíritos a reagir contra a possibili-
coroado, ficou encantada e satisfeita. Tendo dade desses atrevidos raids.
proposto a Salomão vários problemas para Mas o escritor da memória citada.
resolver, incontestavelmente mais difíceis D. Henrique Onfroy de Thoron, nome
do que o de cortar um menino pelo meio sonoro, com aquela cultura vinda do mis-
e dar uma banda a cada mãe, ele, augusta- tério, algo apocalíptica e enleante, começa
mente e sem demora, solucionou tudo. declarando com ares de grande iniciado
A soberana, cativa daquela menta- que os povos da Antiguidade conheciam a
lidade e talvez, quem sabe? enamorada, América, que os fenícios devassavam todos
rendeu-se presenteando-o com cento e os mares, que a filologia ajuda a história e
vinte talentos de ouro, muitíssimas espe- a geografia também. Não é preciso mais
ciarias e pedras preciosas em abundância para se ficar embalado... Ninguém de boa
nunca vista. Além dessa dádiva da rainha fé, diante destes introitos de áugure, pode
de Sabá, que, por sinal, parecia um conde continuar negando... A eloquência da afir-
de Monte Cristo de saias, as naus de Hirão mativa guarda um tal sentido divinatório
andavam no mar, e, de três em três anos, que a gente, ainda no meio da leitura, já
volviam abarrotadas de riquezas. começa a ouvir o marulhar da água na
Pois bem, em torno destas fugidias proa das naves...
notas bíblicas se têm arreado bibliotecas, Exposto isto, principia o narrador
traçado mapas, riscado singraduras, idea- aludido a descobrir a esteira dos barcos
do golfos e baías, arquitetado continentes fenícios e hebreus; a determinar, por ob-
que afundam e emergem, no intuito lou- servações astronômicas, as coordenadas
vável de provar que Ofir demora na bacia geográficas de Parvaim, de Ofir e de Tar-
amazônica, e, mais, que Solimões provém dschisch. Refere Platão, fala na Atlântida,
de Salomão; e que não somente a carga ia cita as Antilhas e aponta, num vago e mis-
88 Raimundo Morais

terioso bordejo pelo mar tenebroso, que é Netuno (assim uma espécie de filho de ja-
esse glauco e ondulado Atlântico, um con- caré com cobra) , quer dizer, de uma afri-
tinente chamado Meopes, habitado pelo cana e de um habitante vindo do oceano”
povo dos merópios. (habitante apenas não). Netuno era o deus
É uma revelação tão singular que Tos- do mar e o marido de Anfitrite. Tinha pa-
canelli, Marco Polo, Cristóvão Colombo, lácios no fundo do oceano e cavalos bran-
se a ouvissem assim nesse tom profético e cos de crinas de ouro que lhe puxavam o
barbado, haviam de sentir o que nós sen- carro sobre ondas.
timos, admiração pelo cosmógrafo. Da “O culto de Belo, Bel ou Baal”, con-
feição pré-histórica do universo, o vidente tinua o cronista, “estava em princípio
volve-se para idiomas e cai, inspirado na identificado com o do Deus-Sol: ora, na
língua quíchua, em pormenores léxicos América, este mesmo culto existia; a assim
tão curiosos para mostrar a etimologia de como na Babilônia se adorava a Belo, as-
Merope, que quase nos dá na gana con- sim no Peru se adorava ao Inca(?) como
sultar uns “bambas” que só acreditam na descendente do Sol.”
língua e na morte da bezerra. Depois desta colorida rajada de eru-
“Marop”, diz o iluminado, “é geniti- dição, frisada por alguns ingênuos parên-
vo de ‘maro’, terra; ela é a terra dos me- teses nossos, o Sr. Thoron deixa escorrer o
rópios, ou nascida da terra, isto é, autóc- seguinte:
tone, expressão que corresponde ao grego “Parvaim [pátria, se não estamos em
gheghenes. erro, de certos filólogos peso-pluma] é
Na hipótese de haver alguém que de- pronúncia alterada de Paruim, por isso
seje, por simples maldade, julgar intuiti- que o antigo alfabeto latino confundia o v
vamente que “maro” antes devia ser mar, com o u [espécie de germano com gênero
não conta conosco, pois nós estamos satis- humano]; que o iod, que é a vogal i, mui-
feitos. Conhecemos as gretas filológicas, o tas vezes se lê com a pronuncia do ai em
peso dos clássicos, o labirinto das raízes, e hebraico. Porém no texto hebraico”, argu-
a responsabilidade formidável desses pre- menta o Sr. Thoron, o ouro de Paruim está
destinados vigias da língua... escrito Zab-Paruim, “e sua versão nos dá
Feita esta restrição aos iconoclastas, aqui completa uniformidade.”
damos a palavra novamente ao Sr. Tho- “A terminação im”, continua o autor,
ron. Ele acha que o termo atlas é quíchua. “indica o plural hebraico; vem acrescenta-
Cita a Líbia, a Grécia, os cananeus, os car- da a Paru porque efetivamente existem na
tagineses, Plutarco, Renan (é preciso real- bacia superior das amazonas [apelo aqui
mente muito talento para embarcar Renan para a geografia dos expoentes na maté-
nas frotas de Salomão!), e fecha galhardo, ria], no território oriental do Peru, dois
com esta prova. rios auríferos, um com o nome de Paru,
“Segundo a história, Belo (com um l outro com o de Apu-Paru, etc.”
só), que foi estabelecer uma colonização E logo adiante: “Montervinos, um
na Babilônia e o sacerdócio (parece que dos cronistas espanhóis, por causa da
também na supradita Babilônia) ao modo abundância de ouro que se tirava do Peru,
dos egípcios, tinha nascido de Líbia e de supôs que o Peru podia ser o Ofir.”
O meu dicionário de cousas da Amazônia 89

Embora fiquemos depois disto assim almente, é preciso ter quatro macaquinhos
sem saber de que freguesia somos, não se no sótão para fazer de Apir Japurá. Nada
deixa também de achar o argumento mui- mais autêntico, no entanto.
to bem deduzido, ricamente engendrado. Transcrevemos na íntegra a explicação
É verdade que os espanhóis na Amazônia, seguinte, para que a pessoa que leia isto,
a começar por Orellana, seu primeiro ex- se é desconfiada, fique no nosso estado de
plorador, em matéria de petas, benza-o enlevo, emoção e convencimento, no que
Deus, eram de se lhes tirar o chapéu. toca às frotas de Salomão nestas ensolara-
Depois, o honesto destrinçador da- das plagas:
quelas maravilhosas viagens, arrisca mais “O quíchua yura ”folhagem” faz em
isto:”Inin é a palavra hebraica derivada vasco urya; vaso em quíchua é kirau, em
de inini ou ineni, “que está convencido”. caldaico kiura; sujo em quíchua millay,
Esses vocábulos hebraicos se referem ao em industâni maila; panela em quíchua
quíchua inin “tem a fé, é crente”. Eis pois paila, e em persa piala, etc.; o mesmo se
na América um nome cujo feitio é todo deve dizer a respeito das mudanças de vo-
oriental. Este império? Tem ainda por li- gais, como em quíchua o ar huayra faz
mites ao sul o ri Beni e a leste o Caiari, em lapônico huiro, em geórgio hairi, em
que chamam hoje, em português, Madei- caldaico haiar, em siríaco oyar, no grego
ra. Beni é a palavra hebraica e árabe que e no latim aer; o nome do número um
tem por significado “filho, gente de seita em quíchua é huc, em industâni hec, em
ou tribo”. Caiari é formado do hebraico búlgaro hic, em telegu hac; língua, em
Ca “coragem, resolução” e irari “rio”, “rio quíchua, kalu, em mongol kelé, em sibe-
da resolução”. rico kil, em finlandês kieli; menino, em
É impossível negar a inteligência ma- quíchua, é churi, no antigo egípcio chiru,
leável do Sr. Thoron. A sua cultura é extra- e em egípcio-copta chiri”.
ordinária, a sua lógica esmagadora... O leitor há de nos perguntar, mas
Seguidamente, o fascinante filólogo que diabo tem isso com as frotas? Perdão,
desarticula a palavra Jutaí, faz um fogo vamos concluir o raciocínio do chibante
de vista de termos rebarbativos e passa ao poliglota:
nome de Abiria. Empalma esse vocábulo “Assim”, fecha ele vitorioso, “pelos
como um pelotiqueiro no palco, tira sí- exemplos de permutas e constituições de
labas, gruda sílabas, sacode-o, remexe-o vogais que não alteram o significado das
na sua luzidia cartola de mágico, e chega palavras, nada se opõe a que o Aypira da
a apir, aypir, aypira, “que não é, segundo Bíblia, “água ou rio Apir ou de Ofir, tenha
explica o linguista, nem mais nem menos vindo do rio Japurá.”
que Japurá, grande afluente do Amazonas Perguntamos: há alguém entre os no-
ou do rio Solimões, em consequência de bres cavalheiros quem se oponha? Não há
uma permuta de letras”. nem poderia haver... Este saber de idiomas
É extraordinário! Se isto dito num tea- é descadeirante. Os pedaços transcritos
tro, a plateia cobriria de palmas. As moças são realmente durinhos, algo cabeludos e
jogar-lhe-iam beijos. Ver-se-iam especta- ásperos, porém de rebimba. De maneira
dores rindo e outros chorando. Porque, re- que os deletreantes destas cousas, a não ser
90 Raimundo Morais

que tenham má boca, já devem estar pelos E continua, sem esclarecer que letras
gorgomilos e prontos a declararem hones- são essas e em que idioma, quando, para
tamente: por aqui já andaram as frotas do confirmar qualquer indício salomônico,
rei hebraico. tais letras deviam ser hebraicas, ou, quan-
“Foi evidentemente”, continua, “esta do muito, fenícias. Assim não são, todavia.
região (Alto Amazonas) que, no tempo de Antes de mais nada, é preciso dizer, ali não
Salomão, recebeu o nome de Tarschisch, existem propriamente letras alfabéticas,
pois a etimologia desta palavra é tomada mas caracteres simbólicos, hieróglifos, que
da língua quíchua, que é a dos Antis. Tars- decoram a louça especialmente a da nação
chisch origina-se de tari ‘descobrir’, chichiy do mound-builders.
‘colher o ouro miúdo’. O VI volume dos Arquivos do Museu
Tantas provas para nós chegariam. Nacional contém um exaustivo ensaio so-
Estamos entupidos. Como sabemos, en- bre o assunto, obra do eminente arqueólo-
tretanto, o que é a maldade humana, in- go brasileiro Ladislau Neto. Do extraordi-
contentável, irônica, capaz de examinar nário trabalho ressalta um estudo compa-
todas as gretas numa apreciação desta rativo entre os sinais marajoaras e os sinais
mexicanos, chineses, egípcios e hindus,
ordem, vamos transcrevendo até nos pe-
destacando-se, pela síntese e perfeição,
garem na mão.
os caracteres simbólicos dos marajoaras.
E não o fazemos mais da monogra-
Nesse estudo magistral não se faz a menor
fia do Sr. Thoron, sim da monografia do
referência, já não dizemos a letras, mas a
Snr. Ludovico Schwennhagen, intitulada hieróglifos fenícios, e, principalmente, he-
Antiga História do Brasil, e que abrange, braicos, o que parece o melhor atestado da
consoante explica o autor, uma era que inocência nheengaíba e aruã nesta dramá-
medeia entre 1.100 anos antes de Cristo tica aventuura das frotas.
e 1.500 depois. Nessas páginas surgem o
Entretanto, o professor Ludovico não
tirrenos na ilha de Marajó, as amazonas se desconcerta com o silêncio do arqueólo-
em Faro, as naus da empresa de Hirão go alagoano, e fala na chegada das amazo-
bordejando no estuário da maior corda nas, na foz do rio Parintins, até que, para
d’água do Planeta. atingir Faro, conta que semelhante nação
O Sr. Ludovico, incontestavelmente de mulheres guerreiras tinha, na Armênia,
mais pitoresco e sugestivo que o seu co- certo lago com uma ilha chamada por
lega Thoron, segue aludindo às inscrições aquele nome. Foi por isso, declara, que
abertas na pedra pelos fenícios em todo o elas fundaram a cidade de Faro no Nha-
Brasil. Atira-se depois à velha história da mundá (com vistas ao luminoso espírito
Atlântida contada por Platão, que a ouvira de Flexa Ribeiro).
de sacerdotes nos templos à margem do A perspicácia do historiador, como se
Nilo, e quase a cerrar o primeiro capítulo, constata, atravessa corpos opacos. Mas o bi-
grafa essa nota: zarro Sr. Ludovico não se limita a incursões
“No museu Goeldi, do Pará, existem na tribo feminina da Capadócia, enfia-se
alguns vasos com letras que foram encon- também pela corte celeste, e, sem receio de
trados nos aterros da ilha de Marajó.” uma excomunhão, ou, pelo menos, de ser
O meu dicionário de cousas da Amazônia 91

considerado apócrifo em qualquer concílio próximo dessa bela paisagem bucólica do


ecumênico, fabula cousas que destoam do coronel José Júlio de Andrade e que se
Flos Sanctorum e mesmo dos evangelistas. chama Arumanduba.
Narra, então, numa voz mística e num tom O que também atrapalha um bocado
seráfico, a viagem de S. Tomé ao Brasil, 50 a nossa credulidade cabocla, em tais des-
ou 60 anos depois de Cristo. critivas, é o negócio dos pavões. Na Ama-
Arriscando-nos possivelmente a ficar zônia não há semelhante ave, a não ser que
de candeia às avessas com algum historia- se trate do pavão papa-moscas. Se é desse,
dor sacro, cremos nessa viagem; e cremos está bem.
pelas características morais do santo. Cép- Outra cousa que faz estranhar é o tem-
tico, só acreditando no que via, e talvez po gasto nas viagens das frotas: três anos.
somente nas cousas em que metia o dedo É pouco. Pedro Teixeira, de Cametá a
evangélico, ouviu naturalmente algum pi- Quito, ida e volta, levou dois anos. Estava
rata falar numa terra cheia de papagaios, em casa, regressou sem mercadoria algu-
de tucanos, de irapurus, de botos, de iaras, ma, a não ser notícias... Tinha além disso
de pau-roxo, rica, ouro à beça, prata pra igarités e montarias apropriadas, remeiros
burro – e ficou inquieto, alvoroçado mes- hábeis, pilotos que conheciam a derrota,
mo. A pique de pecar, veio ver o país. intérpretes de todos os dialetos, caçadores
O professor Ludovico baseia toda essa e pescadores experientes, fora mulheres
honrada narrativo na palavra austera do índias que acompanhavam a expedição e
padre Vieira que, na terra dos aconteci- que influíam naturalmente para não haver
mentos, que é a terra dos referidos papa- demora...
gaios e paus-roxos, muito bem informado, De parte, porém, estes leves reparos,
portanto, anunciou que um apóstolo de estamos de pleno acordo com a história
Cristo já andara antes dele na Amazônia. das frotas de Salomão no paraíso verde.
Nem precisava dizer o nome do apósto- Andamos até a procurar, nos livros ilustra-
lo. A curiosidade de S. Tomé denuncia-o, dos, modelos de navios anteriores à época
abrindo esse clarão surpreendido pelo gê- dos descobrimentos que nos deem uma
nio indutivo de Ludovico. É verdade que ideia dessas embarcações a fim de, num
outros cronistas e historiadores dizem que sonho de navegante, entrevê-las subindo
foi o próprio Cristo que andou por aqui, e descendo o Amazonas, de velas pandas,
mas sem o documento do padre Vieira que abarrotadas de ouro, de prata, de pedras
era a visão do iluminado. preciosas, de bugios, de cedro e de pavões,
Ora, apesar de todas estas provas, se- segundo os Srs. Toron e Ludovico.
jamos francos, há uns tantos incidentes Íamos fazer ponto aqui. Receamos, no
sobre as frotas, que a gente acredita, não entanto, que os Srs. Thoron e Ludovico,
há dúvida, mas estranha, fica, na expressão com aquela argumentação capaz de abalar
indígena: ”de pulga atrás da orelha”. O rio montanhas, nos façam esta interrogação
Paru, por exemplo, que o sábio Thoron sinistra: – E os bugios? Ainda não se falou
colocou no alto da Planície, encontra-se dos bugios citados pela Bíblia.
muito embaixo, quase no estuário ama- Bugio é macaco. Ora, realmente, se as
zônico, desaguando junto de Almeirim, frotas de Salomão vinham até aqui abar-
92 Raimundo Morais

rotar de macaco, reconhecemos, não es- do pela fumaça oriunda da queimação dos
tamos firmes, porque nenhuma região do campos da Amazônia ao tempo do verão.
mundo se acha em condições de fornecer Gente! Já são 6 horas e a fumaça não deixa
essa “mercadoria” como nós. Macaco aqui ver nada.
é o pau que rola. Furo – Braço do rio que liga dois cau-
Apesar da Amazônia não possuir dos dais; às vezes um lago a outro lago; muitas
grandes, gorilas, chimpanzés, orangotan- vezes um furo a outro furo; ou um afluen-
gos, que vivem na Ásia e na África, tem, te, pelo montante da foz, ao curso em
no capítulo gênero miúdo, o que há de que deságua. O melhor documento desta
bom. E em quantidade tal que, se em vez classificação hidrográfica são os Furos de
das frotas de Hirão, viessem as de S. M. Breves, labirinto de canais verdejantes de
Jorge V, ainda ficava macaco. florestas nas margens, que se comunicam,
Referimos estas cousas com toda a se ramificam, se anastomosam, se cruzam,
prioridade e com semelhantes minúcias se repartem numa orgia de ramos e galhos
para permanecermos atrás dos Srs Thoron fluviais. Certos furos no Amazonas impri-
e Ludovico, sempre muito sérios, mui- mem a ilusão, principalmente nas cheias,
to honestos nas histórias que contam... de que alguns afluentes têm duas, três,
Num caso de discussão “científica” sobre quatro e cinco bocas, daí os erros de mui-
os bugios, vê-se que tudo será contra nós, tos especialistas, que afirmam ter este ou
restando-nos apenas um recurso: pergun- aquele rio muitos desaguadouros.
tar aos nobres cronistas: para que desejaria Fuxicar – Intrigar. Encrencar. Contar
Salomão tanto macaco?... mentiras. Embrulhar situações. Ele já vai
Fulo – Zangado. Irritado. Danado. fuxicar. Aquilo parece que tem bicho car-
Ah! Meu bem, não posso ver aquele sujei- pinteiro. Só vive fuxicando.
to que não fique fulo. Aquela peste, quan- Fuzuê – Briga. Complicação. Rolo
do aparece, me deixa fulo. Ando fulo com em bailaricos. Tempo fechou na sala, com-
aquele fulano. padre, e foi um fuzuê da nossa morte. Pri-
Fumaça – Importância. Impertinên- meiro que voou foi candeeiro. Quando a
cia. Cheio de si. Orgulhoso. Mas que su- polícia chegou estava tudo em fanico: ca-
jeito cheio de fumaça. Parece que tem o rei deiras, espelhos, instrumentos. Comadre
na barriga. Que lhe meteu essas fumaças Chiquinha levou um tapa-olho tão violen-
na cabeça? Isso é fumaça de rapaz, compa- to que o farol de bombordo se apagou, lá
dre. Passa com a idade. Nevoeiro produzi- nela, coitada.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Nota do segundo volume da 1a edição

D EPOIS que circulou o 1º volume* d’ O meu dicionário de cousas


da Amazônia surgiu quem me chamasse a atenção para aquilo que determi-
nadas pessoas, aliás de boa fé umas, venenosas outras consideraram lacunas
do livro, isto é: a ausência de vocábulos que deixaram de ser registrados entre
os demais verbetes, artigos, como diria o insigne dicionário Antonio Morais e
Silva. A falta de certos bichos, plantas, rios e termos de uso comum na Planície
gerou tal crítica. À primeira vista a razão está com os meus censores; de fato,
entretanto, não o está. Se aos dois tomos se houvesse chamado de Dicionário de
cousas da Amazônia, transeat, os argutos vocabulistas se podiam considerar
vitoriosos. Eu, porém, muito de propósito e avisadamente, alvejando logo o
objetivo de colocar a obra no seu devido lugar, a tracei em moldes restritos e a
chamei de O Meu Dicionário.
Fugi desse modo, a um vocabulário infindável, exaustivo, pura-
mente cacete, sem beleza, sem vibratilidade, capaz de fazer dormir o teme-
rário que se arriscasse a tê-lo. Seria um novo flagelo mental. Não pretendi,
pois, como se procura ensinar malignamente, fazer um trabalho de consulta,

* O primeiro volume desta obra reuniu da letra A à letra F inclusive. Este texto é a
introdução do segundo volume, da letra G à letra Z, que se reuniu nesta edição ao
primeiro volume da 1a edição, constituindo aqui a obra num volume só. [Nota desta
edição].
94 Raimundo Morais

repetindo palavra por palavra, definição por definição, banalidade por ba-
nalidade do que já existe mais ou menos esparso em glossários de brasileiris-
mos; mas, e apenas, um trabalho alegre meu, com a sua pitada de ilustração,
e, sobretudo, original, fora do âmbito de Morfeu. Nada mais fácil para mim,
se desejasse impingir uma farta dormideira, capaz de fazer roncar a gente do
Planeta, que inclui todos os peixes, cobras, sapos, quadrúpedes, pássaros, aves,
rios, praias, árvores, termos correntes, enfim, naquelas paragens do Equador.
Bastava abrir e copiar mazoramente das xerografias e livros especializados o
que neles se contém. Para isso, entretanto, não chegariam vinte grossos volu-
mes, em corpo seis, e dentro da maior síntese possível. Graças aos deuses e às
onze mil virgens nunca pensei em tal xarope. O que eu desejei e desejo, ani-
mado inquestionavelmente por Belzebu, que vive dando ao rabo quando um
cristão faz alguma pilhéria com os pseudo-eruditos, foi mostrar da Amazônia
aquilo que se me afigura interessante; aquilo que eu julgo curioso, engraçado,
notável, através da botânica, da zoologia, do vento, da água, da terra, do
céu, do homem e da lenda. Isto explicado, ninguém deve esperar que O Meu
Dicionário mencione tudo que há no verde e luminoso vale, deste o mistério
das estrelas à fertilidade das minhocas. A obra, em moldes bojudos e rebar-
bativos como queriam alguns manufatureiros da moléstia do sono, tomaria
proporção de tal modo perigoso, que o seu aspecto amedrontador, de bicho-
folharal – , mil, duas mil, cinco mil paginas – lembraria o Dicionário do Sr.
Cândido de Figueiredo, que Deus tenha no reino da gloria. Dessa amplitude,
fatalmente, gerar-se-iam bate-bocas, controvérsias polêmicas semelhantes às
que sucedem em torno da obra do minudente lexicógrafo de além-mar; se não
me atraíssem, como também aconteceu ao autor luso, taponas e bengaladas.
Ora, o intento deste trabalho inocente, sem complicações gramaticais nem
buracos filológicos, é outro, tanto mais respeitável quanto gentil com o públi-
co pela repulsa que oferece ao registro de gato e sapato daqueles meus glaucos e
amados ermos. O que se procura contar aqui, sem adormecer os incautos, são
fatos curiosos, incidentes picantes, fenômenos exóticos, definições pitorescas,
circunstâncias da vida e da morte mal entrevistos pela coletividade. Desde
que me refiro, por exemplo, de preferência ao candiru, peixe pequenino e
que entra em qualquer orifício do corpo humano, deixando de parte o suru-
bim, peixe grande, que apenas entra na panela em virtude da sua finalidade
alimentícia, é porque julgo o peixe menor mais interessante. Eis, em linhas
O meu dicionário de cousas da Amazônia 95

gerais, o espírito d’O Meu Dicionário. E’ claro que, á proporção que ele se
for reeditando (na profecia do eminente e festejado mestre João Ribeiro),
ir-se-á ampliando com outros verbetes, novidades que me ocorrerem, não
porque existam na Amazônia, sim porque sejam curiosos, dignos, em suma,
de figurar numa galeria de quadrinhos, meio sérios e meio risonhos, ante os
quais o que se aspira é o freguês de olhos abertos. Se eu sou contra a morfina,
o ópio, a liamba, os entorpecentes, em geral, como não havia de ser hostil ao
maior narcótico literário que é um dicionário completo? Caso me tivesse pas-
sado pela mente que o simples título da obra, que tanto o restringe, não seria
compreendido por todos os leitores, como o foi pelas grandes individualidades
da crítica, esta nota já teria sido estampada no 1º volume.

Rio, 15 de junho de 1931.


RAIMUNDO MORAIS.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

G Gasolina vegetal – E’ o óleo fino


do louro namuí. Com cheiro vivo da te-
rebintina, de propriedades combustíveis,
Galeota – Canoa maior que a igarité, produz a mesma explosão nos motores
com tolda corrida, tendo a ré um compar- que a gasolina. Faz também as vezes da
timento fechado. É a embarcação usada aguarrás.
no comércio de regatão. Gavião-real – (Harpia destructor) –
Gamboa – Cercado de talas para apa- Ave de rapina diurna. Espécie de águia da
nhar peixe nas praias. Também se fazem planície. Há alguns que medem dois me-
gamboas de pedra. tros duma ponta da asa à outra. Suas patas
Gaponga – Instrumento de pescaria. são verdadeiras garras. Quando os galiná-
É o simples caniço aumentado com uma ceos o sentem planando no ar, o susto não
boia de madeira leve, na linha, um palmo é deste mundo. Reina verdadeiro pânico.
acima do anzol, destinada não somente a Além deste gavião há o acauã (Herpetotheres
produzir, pelo baque na água, o som da cachinans), que come cobra; o pega-pinto
(Rupornis magnirostris), que devora ninha-
queda de frutos aquáticos, tais o jauari,
das; o pega-macaco (Spizaetus tiranus), do
o taperebá, o catauari – como também a
qual os saguis têm pavor; o cauré (Falco
manter a isca a meia-água, sem chegar ao
albigularis), o menor de todos, porém o
fundo, de modo que o tambaqui a veja de
mais atrevido, e muitos outros, sem esque-
baixo para cima.
cer o gavião panema, símbolo da caipora,
Gapuiar – Pescar ao acaso nos baixios do azar. Quando se quer traduzir caloro-
com “puçá”, com arpão ou flecha, fora da samente, no vale amazônico, a urucubaca
canoa. Apanhar camarões, mariscar pe- dum sujeito basta dizer: aquilo é pior que
quenos peixes à ventura, nos lugares rasos, gavião-panema. Não pega nada.
andando com água pelos joelhos. General – (Gardenia florida) – Flor
Garapa – Caldo de cana. Sumo ex- branca maior que um cravo, e de menor
traído, por meio de moendas, da cana-de- número de pétalas. Tem um vivo perfume.
açúcar. Prove esta garapa, coração. E’ doce, Dizem ter sido o general Andreia que, de
doce. Cana veio de Igarapé-miri. Tome um tanto trazê-la ao peito na capital paraense,
copo de garapa, major. Vaçuncê está mui- lhe deu o nome de general.
to suado. Garapa azeda, posta no sereno e Gengibre – (Zingiber Oficinalis) –
bebida em jejum, é tida como tonificante, Do rizoma, pequeno, apimentado, faz-se
ferruginosa. Você está assim amarelo é de a gengibirra. E’ parente da mangarataia.
safado. Tome garapa azeda, serenada, que Parece ser indiano. Medra com facilidade
você vai ver como fica. no vale.
Garoa – Chuva miudinha, que não Gênio – Índole. Temperamento. Ca-
chega a ser chuvisco. ráter. Há uma ligeira restrição no sentido
98 Raimundo Morais

com que a gente amazônica usa este vo- já se lera em outros livros. De seu, nem
cábulo, porque só o aplica nesta acepção: uma nota nova e original. Porque o condão
Mariquinha é geniosa, isto é, zangada. dos poetas talvez não seja ver, mas inven-
Que rapaz de gênio barulhento. Você tem tar, ou, pelo menos, entrever somente. Os
muito gênio, seu Sinzenando, só responde maiores poemas do universo, que cantam
com quatro pedras na mão. A não ser na os dramas surpreendidos na luz idealista
camada culta, não empregam a palavra gê- dos troveiros e rapsodos, só crescem e vin-
nio como princípio inspirador de arte, de gam dentro da ficção, incluindo mesmo os
virtude, de ação, de formidável talento; e de Homero, que descreviam batalhas.
muito menos como espírito sobrenatural Graúdo – Sujeito importante. Che-
que preside ao bem ou ao mal no destino fe político. Coronel. Chegou um graúdo
dos homens. Aquilo é um gênio poético. É da capital. Dizquê vem fazer a eleição pro
o gênio da raça que nos guia. governo. Quem não votar com ele parece
Gira – Idiota. Cretino. Maluco. Aque- que é recrutado.
le sujeito é gira, parece que tem um para- Graveto – Galho seco, fino, combus-
fuso frouxo. Lá vem o gira. Ontem queria tível, caído da árvore e que se encontra no
tirar a roupa na avenida, é gira. chão das florestas. Também o chamam
Goiaba – (Psidium guaiava) – Pe- sacaí.
quena árvore. Carrega muito. Os frutos Grávida – Pejada. Que vai dar à luz.
amarelos, redondos, pouco maiores que o Também dizem de barriga. Mulher do
limão, têm polpa vermelha, cheia de caro- compadre Cornélio está grávida outra vez.
cinhos do tamanho de bagos de escumilha. E’ filhenta que é danada. Será que coma-
Há uma variedade verde, longa, de polpa dre Miquelina já esteja outra vez de barri-
branca. Faz-se da massa a célebre goiaba- ga? A neta do Pafúncio está engordando de
da. O doce do fruto, em calda, é muito de- repente. Aquilo é gravidez.
licado no paladar e no perfume. A madeira Grilo – Inseto, triturador, que salta e
é adstringente. Tem muito tanino. Medra tem órgãos estridulantes. Verdes, ao cair
com tal facilidade, que mais mata todas as da noite, zunem por toda a parte. Há o
plantas, e toma conta do terreno fazendo grilo doméstico, que vive em casa, e os grilos
verdadeiros goiabais. campestres, que habitam no mato. Há uma
Gonçalves Dias – O grande poeta ma- espécie chamada “paquinha”, que mora
ranhense também peregrinou na Planície. nos jardins, em galerias, dentro da terra.
Esteve em Manaus. Embebeu-se naquela As crianças caçam-nas. Olha uma paqui-
natureza doce e hostil, branda e rústica, nha que eu peguei, meu mano! Os grilos
quieta e tormentosa. A sua exaltada imagi- vivem zunindo. São músicos, boêmios
nação, a sua vibrátil sensibilidade tolhem- incorrigíveis como as cigarras, segundo a
lhe a segurança visual, a perspectiva direta. lenda, hoje desvanecida por Fabre.
Foi, pois, sob o fio luminoso do Equador, Guá – L. G. Vale. Seio. Bacia.
um mau naturalista: não sabia observar. O Guajará – (Chrisophyllum et lucuma)
que se lê dele, com fogo e beleza, não há – Nomes científicos do guajará preto e do
dúvida, a respeito da Amazônia e dessas guajará vermelho, que medram na terra
lendárias guerreiras que sovaram Orellana, firme. O branco da várzea foi, sem dúvi-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 99

da, o que deu o nome à baía do Guajará, Gurarapeva – L. G. Viola, instru-


porto de Belém, capital do Pará. mento de corda.
Guará – (Ibis rubra) – Pernalta de Guererê – Alimento. Guisado que o
pernas escarlates. E’ domesticável e pró- caboclo faz das vértebras dorsais e da tripa
prio para os lagos nos parques. grossa do pirarucu.
Guaraci – Deus autóctone. Encarna- Guiana – Formidável ilha entre os
se na figura do Sol. E’ o criador da vida estados do Pará e Amazonas e o Atlântico,
animal, uma espécie de Júpiter do grande nessa bacia imensa que se chama a Ama-
Olimpo selvagem. Seus louros raios celes- zônia brasileira. Apesar de se encontra-
tes emprestam a tudo o movimento e a rem na vasta planura ilhas de dimensões
vida, a inteligência e a sabedoria. inconcebíveis, verdadeiros países, como,
Guarafeno – É curiosa a projeção do por exemplo, a do Bananal, no Araguaia,
guaraná através da indústria e da farma- a do Marajó, no estuário do rio-mar, a de
copeia. Porque a base do “Guarafeno”, re- Tupinambarana, entre Parintins e Bor-
médio maravilhoso para dores de qualquer ba, no Estado do Amazonas, nenhuma
espécie, é a essência da semente daquilo atinge as dimensões da ilha que é toda a
região guianense, brasileira, francesa, ho-
que o índio chama “cupana”, os botânicos
landesa e inglesa, invadindo a Venezuela.
Paullinia surbilis, e a coletividade, guara-
Formada por várzeas e firmes, ao centro,
ná. Tudo quanto é dor o guarafeno atalha,
como a espinha dorsal de um monstro,
corta, desfaz, seja nevrálgica, intestinal,
articulam-se, nela, em vasta cordilheira,
ciática. Daí a lenda corrente sobre o gua-
as serras do Tumuc-Humac, do Acaraí,
raná, de frutos vermelhos, cujas sementes
do Parima, divortium aquarum de gran-
primitivas foram regadas com as lágrimas
des rio que deságuam para o mar e para a
duma tribo pela morte de uma criança
bacia amazônica. Banhada ao norte pelo
aborígine que só fazia o bem. Enterrados
Atlântico, ao sul pelo Amazonas, a leste
os olhos do menino repontaram em bagos pelo estuário deste e a oeste pelo canal
encarnados, frutos do guaraná, do qual se do Caciquiare e rio Orenoso, representa
faz o guarafeno, que cura todas as dores. uma extensão de terra incalculável, onde
Guaraná – (Paullinia surbilis) – Sa- correm águas como as do Negro, Branco,
pindácea. Planta arbustiva, trepadeira, de Trombetas, Nhamundá, Maecuru, Paru,
cujos frutos se faz o famoso refresco gua- Jari, Maracá, desaguando no vale amazô-
raná. Os índios chamam-na cupana. O seu nico, e rios como o Calçoene, Cacipo-
reduto, isto é, o habitat silvestre em que ré, Oiapoque, Essequibo, desaguando
ela medra, é a Mundurucânia. Maués é o no Atlântico. Demoram-lhe, em flancos
foco de exportação comercial desse produ- opostos, Caiena, Paramaribo, Georgeto-
to. Refrigerante dos mais apreciados, quer wn, Manaus, Itacoatiara, Faro, Óbidos,
no paladar, fino, esquisito, quer nas virtu- Alenquer, Monte Alegre, Prainha, Almei-
des terapêuticas da bebida, que é estoma- rim. No sistema insular do mundo, atra-
cal e tonificante, espera apenas ser conhe- vés de todos os aspectos mesograficos,
cido no mundo para conquistar todos os talvez só a Austrália leve vantagem, em
mercados. extensão, à ilha Guiana, que forma o aro
100 Raimundo Morais

esquerdo da pétrea muralha que circun- lor da menor. Há também a garça morena,
da a desmesurada planície equatorial. dum branco sujo. Pousadas em certas árvo-
Guinada – Desvio na singradura dos res, na beira dos lagos e dos rios, lembram
navios ocasionado pelos rebojos, estoques grandes buquês de noivas, de tal modo en-
de água e mesmo pela falta de cuidado do cobrem a folhagem.
homem do leme. Olha essa guinada, ma- Guirapepô – L. G. Asa.
rujo. Atenção no governo. Ficaste fora do
Guri – Criança. Menino. Vê o que
rumo. Mais a boreste. Mais a bombordo.
Andar assim. este guri está fazendo. Já comeu todo o
Guirá – L. G. Pássaro. Ave. Alado. açúcar. Guri danado. Segunda-feira já vais
pra escola.
Guirantinga – L. G. Nome por que
o índio chama a garça. Mesmo domestica- Gurijuba – (Arius Luniscutis) – Peixe
da, é perigosa. Fura os olhos das crianças. de mais de metro, vive nas águas submari-
A pequena Ardea candissima dá uma aigrete nas do Pará. E’ pegado a espinhel. Comida
delicada. As penas da grande, Ardea agretta, de pobre. O grude é exportado para o es-
também chamada garça real, não tem o va- trangeiro onde fazem dele cola.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

H viva das realizações que marcam um ins-


tante de claros, luminosos horizontes nos
destinos nacionais. A fábula dos tesouros
Henrique A. Santa Rosa – Engenhei- encantados, desse maravilhoso Eldorado,
ro. O seu trabalho principal, História do que os flibusteiros, almirantes, piratas,
Rio Amazonas, é uma síntese luminosa da frades, soldados e ladrões procuravam por
terra e do homem sob a luz viva do Equa- todos os quadrantes do vale equinocial, e,
dor. A Planície emoldurada de montanhas, principalmente, nas orlas do Parima, desfe-
abrindo o seu anfiteatro para o Atlântico, cha agora, pela mão propiciatória de Hen-
surge no raconto de Santa Rosa desde os ry Ford, numa chuva de ouro, chuva de
vagidos iniciais no seu berço aquático. ouro fecunda como aquela derramada por
Mas se a primeira parte deste belo volume Júpiter em prol dos seus anseios amorosos.
é uma crônica telúrica lavrada nas argilas De maneira que o trecho da Amazônia pa-
e nas pedras, nas planuras e nas cordilhei- raense, dessa admirável e pitoresca Tapa-
ras, a segunda é uma crônica etnográfica jônia, colo augusto da terra onde jazem o
onde surge, numa Babel bíblica, as raças, carvão, o petróleo, e, consequentemente,
as tribos, os íncolas. Numa e noutra parte o ferro, em vez de ter uma divindade au-
o notável paraense revela a sua capacidade tóctone que lhe arranque das entranhas a
de engenheiro que vê firme e que vê certo riqueza e o esplendor, tem, nestes positivos
todos os aspectos do Vale. dias, de acordo com o materialismo do sé-
culo, apenas um homem, grande por certo
Henry A. Coudreau – Francês. Ex-
na inteligência e no trabalho, na visão e
plorador. Fazia seus trabalhos acompa-
na finalidade, que faz o mesmo prodígio
nhado da esposa, que depois lhe sucedeu,
das fadas: Henry Ford. Sua áurea moeda
completando-lhe a obra. Embora tivesse fecundante de imaginativo empreendedor
palmilhado as abas do sul da bacia, os seus vai realizar ampliadamente ainda aquela
mais vivos esforços se dirigiram para as ter- profecia de Humboldt: a Amazônia será
ras guianenses, onde errou, durante muito o celeiro do mundo. E dizemos amplia-
tempo, em demoradas observações cien- damente porque a projeção de todo esse
tificas. La France Equinoxiale reflete-lhe, hercúleo esforço não se limitará ao celeiro,
nas descritivas, os belos panoramas alpes- indo seguramente a formidáveis usinas.
tres dessas lindes, os encachoeirados cursos Além das plantas que o homem símbolo
d’água, o espinhaço e as corcovas telúricas do pavilhão estrelado anda fazendo brotar
da cordilheira do Tumuc-Humac, divor- aquele setor afortunado do Pará, retoman-
tium aquarum da rede fluvial que corre do, assim, do Oriente o nosso posto perdi-
para o Amazonas e para o Atlântico. do de primeiros exportadores de borracha,
Henry Ford – O período de transição ele transforma a plaga em fábricas. Char-
na Amazônia, entre o mistério e a luz, vai ruas e dínamos, acionados pela força me-
fechando o seu ciclo sombrio com a nota tálica desse abençoado miliardário, levarão
102 Raimundo Morais

a Amazônia, tida como peso morto no em crise porque lhe elevaram o custo, e a
Brasil por um mau observador do Prata, Colúmbia, atraída pela miragem, entrou
aos pináculos agrícolas e industriais. no mercado prejudicando-nos. Cumpre
Honra, pois, aos sentimentos em- afastá-la reduzindo o preço do café. Sozi-
preendedores desse ianque chamado nhos na Amazônia, sem o auxílio do ouro
Henry Ford, que está edificando na face fecundante e protetor, jamais poderíamos
da imensa planície equatorial a Fordlân- realizar o milagre da reconquista de um
dia roncante de máquinas e povoada de mercado perdido, como era o da borra-
árvores; e, o que é mais, transformando cha. O exemplo das grandes exportações
um trecho desabitado do Brasil num dos pelos mínimos preços deixarem os mais
núcleos mais movimentados do Planeta. lucrativos resultados funda-se na própria
Mas, o que sobretudo nos impressiona e indústria dos automóveis Ford. Carros
muito perfeitos e baratos, projetaram-se
alegra na obra que o rico homem está des-
no mundo enriquecendo o homem que os
dobrando na minha terra, é a restauração
ideou.
do nosso prestígio e do nosso predomínio
na indústria da borracha. A plantação da Henry Walter Bates – Naturalista in-
glês dos mais verdadeiros e fiéis, como ob-
seringa dentro de processos modernos, no
servador, dos que andaram por aqui. Fala
seu próprio habitat, vai de novo restituir
encantado do nosso clima. Dos onze anos
ao Pará o antigo bastão de primeiro ex-
que ele viveu na Amazônia, nove residiu em
portador não só da hévea, porém, o que é
Ega, hoje Tefé, no Solimões. Suas aprecia-
tudo, da melhor hévea do mundo. Associo
ções sobre hábitos, costumes, natureza do
aqui o Amazonas. E isso consubstancian-
vale são preciosas pela verdade que encer-
do logo o que se deve fazer para aniquilar
ram. Durante sua longa estada na Planície
o competidor do Oriente: a estandirzação colecionou 14.712 espécies animais, sendo
do artigo e a redução do preço. Porque só 8.000 novas. Constatou ainda no raio de
podemos destruir o adversário longínquo, uma hora de excursão em torno de Belém,
ao mesmo tempo em que impedimos o metrópole paraense, a existência de 700 es-
nascimento de novas empresas em outros pécies de borboletas. “Foi, graças à extrema
pontos do Planeta, diminuindo o preço variedade dos lepidópteros”, diz Reclus,
do quilo ao mínimo, de maneira que nin- “que Bates pôde fazer aqueles estudos com-
guém, por mais poderoso, se anime a con- parados sobre o transformismo e o mimetis-
correr com as nossas baixas cotações. A va- mo, que tanto contribuíram para munir de
lorização da nossa goma-elástica tem que argumentos o autor da Origem das Espécies
repontar da sua desvalorização. O parado- e consolidar sua hipótese.” As suas observa-
xo, aparentemente inexpressivo, é, de fato, ções étnicas sobre a fidalguia, a nobreza e
resultante das leis econômicas e constitui a a distinção rude e altiva dos mundurucus,
única defesa do nosso produto. O café está são de raro flagrante.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

I ral não se vê um raio de sol no igapó. Tudo


por cima é galho e folhagem. A abóbada é
verde. Os grandes troncos de árvores mer-
Iaguara – L. G. Cachorro. gulham na linfa cristalina, porém negra. Os
Iaiá – Donzela. Senhorita. Mocinha peixes do igapó são especiais. E’ o jeju, o
Iaquá – L. G. Ponta. Cabo. tucunaré, o poraquê, a piranha, o tamuatá,
Iara – Deusa autoctone. Emprestam- o acari, o tambaqui. Dos quelônios, o que
-lhe atributos de formosura tais, que sedu- mais gosta do igapó é o matamatá.
zem os homens. Tem castelos no fundo dos Igarapaba – L. G. Porto.
rios, dos lagos e baías recobertos de algas Igarapé – Caminho de canoa, segundo
e ninfeias. Aparece na figura do boto; aí, a tradução precisa do tupi para o português.
porém, já no caráter masculino, seduzindo Riacho amazônico, ribeiro, curso em minia-
as mulheres, arrebatando as cunhantãs para tura que tem, como os grandes, todas as ca-
o fundo. Neste segundo caso alguns folclo- racterísticas fluviais. Principia sendo central,
ristas chamam-na de Uiara. Essa aplicação, oriundo da hinterlândia, por mais insignifi-
porém, está em completo desuso, ou por- cante que seja o seu curso; tem cabeceira, de-
que a forma feminina das divindades seja, clive, voltas, afluentes gitos e foz. Não entra
de fato, a real na mitologia do aborígine, e sai no mesmo rio como os paranás. Quem
ou, então, porque ultimamente nós, ho- viaja num igarapé, mesopotâmia a dentro,
mens, apenas e somente tenhamos sido as tem a noção fiel dos grandes caudais da Pla-
vítimas. É iara a beça, nestes últimos tem- nície, tal a semelhança dele com os maiores
pos... rios. Assim como na dos lagos, nenhuma ca-
Ibi – L. G. Terra. Solo. Chão. noa lhe pernoita na boca, onde se encontram
Ibicuí – L. G. Praia de areias. batendo, fungando, mergulhando, nadando,
Ibipeba – L. G. Terrachã. Planície. jacarés, botos, sucurijus, poraquês, piraíbas
Ibitu – L. G. Vento. Ar. Atmosfera. que aí devoram os peixes miúdos erradios.
Içá – Formiga. Também conhecida De noite, a foz dum igarapé é um verdadeiro
por tanajura. Os índios gostam dela por inferno, um lugar pavoroso das nossas len-
causa da gordura. Comem-lhe o traseiro. das, tais os ruídos dantescos que se ouvem.
Icaraíba – L. G. Água benta. Igaretê – L. G. Cachorrão, onça.
Ig – L. G. Água. Igarité – Canoa grande, maior que a
Igaçaba – L. G. Urna funerária na montaria e menor que a galeota.
qual o selvagem enterra os mortos. Forte, Iguaguaçu – L. G. Grande estuário.
jarro, cântaro para guardar água. Impostor – Que não é o que diz ser.
Igapará – L. G. Largo canal. Vasto Que aparenta uma cousa e é outra. Ele
braço de rio. diz que é doutor, mas não é. Aquilo é um
Igapó – Floresta alagada. Charco onde impostor. Em cada terra que ele chega diz
vegeta a mata aquática. Lagos de água escu- uma cousa. Diz que era coronel na Tutoia,
ra e transparente recoberto de selva. Em ge- agora diz que é farmacêutico. Em Pernam-
104 Raimundo Morais

buco era dentista, em Belém palhaço de Iraúna – (Cassidix orysivora) – De


circo. O que ele é, é impostor. plumagem escura com reflexos roxos é um
Indez – Ovo destinado a acostumar a verdadeiro parasita do japim, que lhe cria
galinha a pôr num certo lugar. Esta anani- os filhos, pois a iraúna deita os ovos no
ca, sem indez, bota em toda parte. É ovo no ninho do grande cantor. É tida como o
quarto, na cosinha, na dispensa. Arranja in- melro da Planície.
dez pra ela. Assim é aquela perua do divino; Iriri – L. G. Molusco. Ostra. Lame-
sem indez faz ninho por todos os cantos. librânquio.
Não será a forma popular de index latino? Irundi – L. G. Quatro.
Ingá – (Inga) – Leguminosa da beira Itaboca – L. G. Lapa. Pedra furada.
d’água. Os frutos são vagens compridas Penhasco solapado.
com vários capulhos de polpa branca e Itacape – L. G. Espada.
doce. Há o ingá-cipó, o ingá-chichica, o Itacoatiara – Pedra pintada. Cidade
ingá-de-macaco. do Amazonas a 103 milhas a jusante de
Inhambu – Galináceo sem cauda, pe- Manaus. Ao presente é o núcleo municipal,
quenas asas, pedrês, nutrido de carnes. Caça depois da metrópole amazonense, de maior
delicada. Anda no chão da mata. Tem um florescimento. Os últimos melhoramentos
que ali se observam, notáveis pelo esforço,
canto triste. Há o inhambu-açu (Tinamus
abnegação e honestidade com que foram
tao), o inhambu-relógio (Crypturus strigulo-
realizados, devem-se ao grande prefeito que
sus) o inhambu pixuna (Crypturas cinereus).
ali esteve: Isaque Peres. Itacoatiara também
Inho, zinho – Diminutivo que acom- se distingue das outras cidades amazonen-
panha os verbos para dar um tom afetuo- ses, pelo Curro Modelo que possui, obra
so, de carinho, de mágoa. Estazinho doen- de Euclides Figueiredo Dias, um industrial
te, não querendo comer nada, embarcou infatigável, probo, distinto, honra da inteli-
forçado, emagreceu do dia pra noite. gência e do homem da Planície.
Inimigo – Diabo. Também chamam Itaiubareru – L. G. Tesouro.
Tinhoso. Credo meu S. Benedito, parece Itajubá – L. G. Ouro. Pedra amarela.
que o Inimigo não sai desta casa. Itajubarana – L. G. Cobre. Pedra
Inúbia – L. G. Trompa de guerra feita amarela falsa.
de madeira. João Ribeiro, o grande polí- Itamaracá – L. G. Sino de igreja.
grafo, contesta a definição. Grande maracá de pedra.
Ipadu – (Erythroxylon coca) – Arbusto Itamembeca – L. G. Chumbo. Pedra
donde se extrai a cocaína. Os caboclos tor- mole.
ram-lhe as folhas, fazem delas um pó, que, Itanhaém – L. G. Panela ou tacho de
misturado ao pó das folhas também torra- cobre. Vaso de metal. Bacia de pedra.
das da embaúba, e adicionadas ao polvilho Itapicuru – L. G. Cheio de cascalho,
da tapioca, constitui o ipadu, anestésico de seixos. Pedra áspera, eriçada de protu-
que pescadores e caçadores trazem na boca berâncias. Rio paraense.
durante o serviço para enganar a fome. Itapira – L. G. Monte. Serra. Outei-
Iracema – L. G. Destilando mel. ro. Colina.
Iramaia – L. G. Mãe do mel. Abelha- Itapuã – L. G. Arpão de haste curta.
mestra. Itaquicé – L. G. Faca.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

J Para fazê-la maior, congestionando-a, an-


tes de matá-la, jogam-na três vezes ao ar.
Jaburu – (Mycteria americna) – É o
J. Barbosa Rodrigues – Botânico maior pássaro desta parte do continen-
brasileiro que andou por aqui. Escreveu te depois da ema. Tipo de cegonha, vive
em francês uma grande obra, na beleza e pensativo pela margem dos lagos. Cons-
no tamanho, Sertum Palmarum, pois os trói o ninho de gravetos sobre árvores altas
dois lindos e enormes volumes pesam cer- nos campos alagadiços. Ao tempo em que
ca de 80 quilos. Uma cousa para ser ma- procria, fazem-se cargas de cavalo com os
nuseada por gigantes. Também escreveu filhotões que, salgados, são magníficos.
a Velosia e o Muiraquitã. A primeira em Jacamim – Pássaro. Doméstico, é
latim. Era um apaixonado dos vegetais, e um grande amigo do homem. Conhece
tinha, como Von Martius, alegria em des- o dono da casa. Ajuda a galinha a criar
cobrir no seio da floresta, no campo, na pintos. Ventríloquo, o seu esturro ouve-
orla do rio, um novo exemplar do povo de se longe. Há o de costa cinzenta (Psophia
Dea Palmaris. Se Von Martius é conheci- crepitans), o de costa branca (Psophia leu-
do por amigo das palmeiras, o autor destas coptera), e de costa dourada, ouro velho
linhas já chamou a Barbosa Rodrigues o (Psophia obscura).
irmão das mesmas, de tal modo a sua vida Jacaré – (Aligator) – É o maior hidros-
se agitou no coração do Pindorama. sáurio da Planície. Voraz, devora todos os
animais, de parte a onça, que o come pelo
Jabá – Nome por que é conhecida a
rabo sem que ele faça um movimento. A
carne salgada, em mantas, que vem do Rio
fêmea desova em terra, cobre os ovos com
Grande do Sul, acondicionada em fardos
folhas e galhos, e fica de longe espiando
de serapilheira. E’ o principal alimento do até o sol produzir a ninhada. Há várias
seringueiro nordestino nos altos rios. Co- espécies na Amazônia. O jacaré-açu (Cai-
me-se muito na Planície de várias formas, man niger), o jacaré-coroa (Caiman palpe-
mas sobretudo assada na grelha e com fei- brosus), e o jacaré-tinga (Caiman sclerops).
jão. A carne seca do Ceará é chamada “da A cauda deste último é muito apreciada
granja”. E a da Amazônia, “de sol”. como iguaria.
Jabuti – (Testudo tabulata) – Quelô- Jaci – Deusa autóctone representada
nio da mata. E’ o bicho sete-ciências da na imagem da Lua. É a mãe da vida vege-
Planície. Em todas as lendas lá está ele tal. Desde a erva até as sumaumeiras, é ela
bancando a raposa do Velho Mundo. Cor- quem as cria, defende e sustenta com seus
re mais que o veado, tem mais força que a doces raios brancos.
anta, engana o homem. Qualquer festa no Jacitara – (Desmoncus) – Palmeira
Céu, ele é um dos primeiros convidados trepadeira. Parece um junco. Tem a casca
a chegar. O fígado da jabota é magnífico. muito flexível, própria ao fabrico de estei-
106 Raimundo Morais

ras, balaios, paneiros. Entaniçam tabaco pe superciliaris), o jacu vermelho (Penelope


com ela. pileata), o jacu pintado (Penelope bolivia-
Jacques Huber – Botânico, diretor do na). Vive em bando.
Museu Goeldi, intrépido pesquisador da Jacumã – Remo que serve de leme na
flora amazônica. Não teve, decerto, a pene- popa da canoa e é empunhado pelo jacu-
tração de Spruce nem a grandeza de Mar- maúba, piloto que rema, impelindo e diri-
tius, mas foi um perquirente observador do gindo ao mesmo tempo. Quem vai pegan-
nosso reino vegetal. Seus trabalhos e Hevea do agora o jacumã é o João Cabeludo.
Bethamiana, sobre a Hevea Collena, sobre Jacumaúba – Piloto de canoa. Pes-
Materiais para a flora amazônica, sobre A soa que pega o jacumã, isto é, que dirige a
vegetação do vale do rio Purus, além da Ori- montaria ou igarité com um remo de mão
gem das colônias de saúva, e muitos outros, à popa. Quem pega o jacumã? Não gosto
revelam o pesquisador solícito, o enamo- da Filomena pegando o jacumã, canoa fica
rado da natureza. Discordo entretanto do doida. Pegue você, compadre. Também se
eminente naturalista a respeito da pátria emprega no sentido figurado, sobretudo
da pupunha, que ele suspeita ser no Peru, político. Disquê agora ele é o jacumaúba
e eu afirmo ser na Amazônia. Porque, ainda do partido do governo. Mas parece que
não penetrei na mata do grande vale, sem canoa dele está furada.
encontrar a pupunheira em estado silvestre, Jacurutu – (Bubo crassirostris) – Ave
vivendo nativa, com todos os caracteres de de hábitos noturnos, vive na floresta. Ata-
quem medra no seu habitat. Surgirá, talvez, ca os pequenos mamíferos e os pássaros,
como argumento, para contraditar-me, a chegando mesmo a investir contra a paca.
bananeira (Musa paradisiaca), que vive na E’ tida como agourenta.
Amazônia como na pátria de origem. Há, Jamaru – O mesmo que cuiambuca.
porém, uma circunstância a observar: a ba- Cucurbitácea furada ao alto para servir de
naneira não é encontrada silvestre. Somen- vaso, depósito de água.
te por onde já passou o homem é que se Jambu – (Spilanthes oleracea) – Planta
ela encontra, vindo daí a certeza com que herbácea, de flores amarelas. Usa-se muito
alguns historiadores denominam um ciclo cozinhada no tucupi, principalmente na-
brasileiro de época pré-banânica. O fato de quele que é misturado no tacacá. De leve
existir a banana-sororoca, nativa, é mais um sabor travoso, faz tremer o beiço.
documento. A pupunha é amazônica, tanto James Orton – Naturalista que desceu
mais fácil de constatar quanto é múltipla a a planície. “Nas barrancas de Pebas (copio
variedade que se nota. É de Huber o belo Elisée Reclus) no Maranhão peruano, des-
estudo sobre o polimorfismo nas folhas do cobriu Orton no seio das camadas da argila
abacateiro. multicor uma fiada de conchas marinhas
Jacruaru – (Tupinambis esp. div.) – compreendendo 17 espécies, todas extintas,
Sáurio conhecido por papa-ovos. Come que pertenceram ao fim da época terciária.”
frutos, insetos, passarinhos, tem a língua Foi com esses documentos que ele contes-
fendida e a cauda longa. tou a teoria de Agassiz sobre as geleiras e
Jacu – Pássaro que recorda o faisão. o período glacial no Equador, contestação
Há várias qualidades. O jacupema (Penelo- apoiada por Darwin e Haeckel. Dessa opi-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 107

nião de James Orton contrária a Agassiz e soca-se o café com erva-doce. Entre o café
à ideia, entre os discípulos deste, de vir à e o almoço, pra forrar o estômago, mingau
Amazônia uma expedição cientifica estudar de banana verde, mingau de milho, mingau
o assunto. Chefiada por Hart, e composta de arroz. Entre o almoço e o jantar, vinhos
por Branner, Orvile, Rathbun e Herbert de açaí e cacau. A sobremesa do caboclo
Smith, essa expedição, que vinha com o quase sempre se compõe de frutos crus:
sentido de apoiar o mestre, concluiu que banana com farinha, laranja, uxi, umari,
Agassiz estava errado. bacuri, além da pupunha e do piquiá co-
Jamundá – L. G. Que furta. Ladrão. sidos. Janta, hoje, gente, é tambaqui. Que
Povo de larápios. Também chamam Nha- há pra janta, Maricota? Tamuatás. Estão
mundá. Rio que divide, pela margem es- uma beleza. Vou fazer panela de maniçoba
querda do vale, o Amazonas do Pará. E’ pra nossa janta de domingo. Traga maniva
de água preta e desemboca numa série de boa, seu Januário, e atire num queixada ou
lagos. caititu. Tirei na beira do jejuí uns ovos de
Jangada – Grande número de toros tracajá pra nossa janta.
de madeira flutuante, principalmente de Japá – Quadrilongo tecido de folhas
cedro, amarrados em quadriláteros, com de palmeira para servir de porta, tolda,
aspecto de um vasto estrado à flor d’água. teto de paperi.
Algumas têm duas e três fiadas sobrepos- Japiim – (Cassicus persicus) – Pássaro
tos, calando mais que um couraçado de preto e amarelo; gosta da vizinhança das
esquadra. Esses toros foram árvores tom- casas. Faz o ninho em bolsas de fibras par-
badas no caudal, com o desabamento da das pendentes da frança das árvores. E’ o
terra, e que vinham de bubuia na corrente. grande cantor alado da Amazônia. Tem
Cortadas as raízes e os galhos, ligados uns fama de arremedar todas as vozes, menos
aos outros por cabos e cordas, constitui a a do tangurupará. Dizem que o bico en-
jangada trazida para os mercados compra- carnado desta ave, parecendo estar sujo de
dores de Manaus e Belém. Parecem verda- sangue, o amedronta.
deiras cidadelas flutuantes, com uma, duas, Japijapa – (Carludovica palmata) –
três casas de moradia, galinheiro, curral de Bombonácea, toquila, palha do Chile. Ja-
porcos e tartarugas, mastro. Derivam com mes Orton diz que ela é mais da família
a corrente. Algumas vão até aos Furos de dos pandanus que propriamente da família
Breves, onde se desmancham para os em- das palmeiras. Entretanto o seu flagelo de-
barques, em virtude de encontrarem o flu- nuncia Dea Palmaris. Dá em touças e não
xo e refluxo da maré atlântica. cresce mais de 9 pés. É do seu talo, fervido
Janta – Jantar. Terceira e última refei- e macerado, que se fazem os célebres cha-
ção daquelas em que a gente da Amazônia péus de Chile. Há muita em Manaus, nos
subdivide a sua maneira alimentar. Das jardins, parques, salas. Importada dos altos
sete para as oito da manhã, café com pão, rios, aclimou-se na capital amazonense.
beiju, rosca, farinha de tapioca. Ao meio- Jaqueira – Apelido posto na Faculda-
dia, almoço. Às seis da tarde janta. Fora de de Direito do Amazonas, quando ainda
dessas horas fixas, come-se muito. Logo ao não estava oficializada. É formado, aquele
levantar, uma xicrinha de café. No interior sujeito? Na Jaqueira, coração. Você é ba-
108 Raimundo Morais

charel da Jaqueira. Entretanto de lá têm planta silvestre. Suas flores alvas (fusifo-
saído muitos homens que honram a juris- me em botão), possuem um delicadíssimo
prudência. Esse achincalhe, felizmente, e perfume. As mulheres da Amazônia aro-
para honra do Amazonas, está passado. matizam sua roupa branca com ela. Há
Jaquiranaboia – (Fulgor lanternaria) também o jasmim-da-itália (Jasminum
– O nome indigena de jaquiranaboia quer grandflorum) e o jasmim-de-laranja (Mur-
dizer cigarra, falsa-cobra, de jaqui, cigar- raya exotica).
ra-rana, falso-mboia, cobra. Colorida de Jaticá – Arpão de haste comprida.
jade-laranja, salpicada de branco e preto, Fisga, arpéu, instrumento de arremesso
tem em cada asa um ponto escuro circun- que se atira aos grandes peixes.
dado de amarelo, que dá ideia de farol. Javari – L. G. Rio da Onça. Curso
Voando, lembra borboleta; pousada, gafa- lindeiro, pela margem direta do Amazo-
nhoto. Seu ferrão, tido como perigoso, fa- nas, que separa o Brasil do Peru.
tal mesmo, não é mais que a tromba suga- J. E. Wappaeus – Alemão. Quem
dora de todos os insetos do seu gênero. Na não lhe conheça a origem, depois de lida
floresta gosta muito de sentar no tronco da a sua admirável Geografia Física do Bra-
copaíba. Há quem a tenha observado sobre sil, atribui esse trabalho a um homem de
o tóxico açacuzeiro, donde lhe vem talvez a ciência latino, imbuído de estética, ena-
ferretoada venenosa. A lenda sobre a jaqui- morado da beleza, tão lindas são as suas
ranaboia é de que a sua picada é mortal. descritivas, tão leves as suas páginas, tão
Jararaca – Mulher danada, má, ruim. decoradas as suas narrativas. Trabalho gra-
Aquilo é uma jararaca, seu Januário. Mari- fado em alemão, foi vertido para a língua
do dela come da banda podre. É surra de brasileira por Fr. Lutemberger, com a co-
cipó que o pobre não se apruma. Chega a laboração, nas respectivas especialidades,
andar magro, o coitado. de Saldanha da Gama, Orvile A. Derby,
Jararaca – (Cophias jararaca) – De Barão Homem de Melo, Pimenta Bueno
cor arroxeada, com pontos mais claros Álvaro de Oliveira, Martins Costa, Ramiz
nos flancos, barriga esbranquiçada, é um Galvão e outros. Se Wappaeus não esteve
dos ofídios mais perigosos da Amazônia. na Amazônia, era um gênio de assimila-
Aproxima-se dos povoados. Invade as ca- ção, tal a sua originalidade e a elegância
sas. Há também a jararacuçu (Bothrops ja- de forma que aviva, na nossa memória,
raraca ou Lachesis lanceolatus). o caso de Reclus, que, apesar de nunca
Jarina – (Phytelephas macrocarpa e ter vindo aqui, é distinto e verdadeiro nas
Phytelephas microcarpa) – Palmeira do compilações feitas.
marfim vegetal, que são os caroços. Os da Jeju – (Erythrinus) – Peixe do mato
macrocarpa, brancos; os da microcarpa, que, em certas épocas, é apanhado aos pa-
róseos. Com eles se fazem botões, indús- neiros. No Baixo Amazonas chamam-no
tria muito desenvolvida na Planície. maria-doce, devido à sua carne ser mole e
Jasmim – (Jasminum officinale) – Tre- vagamente açucarada.
padeira própria para grade de jardins, de Jenipapo – (Genipa americana) –
caramanchéis, de pavilhões. Resistente à Árvore vargeira, de porte comum, dá uns
canícula, ela sobe a lavra com facilidade frutos pardos, do tamanho de laranjas
O meu dicionário de cousas da Amazônia 109

grandes, dos quais se prepara um vinho senhora fazer sopa com ele. Juiz e o vigário
admirável. Além desse vinho, os índios de lá não dispensam.
extraem da massa exterior do fruto um João Daniel – (Padre) – Missionário
suco, aplicado na tatuagem. de rara inteligência, de fulgurante estilo
Jepê – L. G. Um. e peregrina imaginação. Inventor de cem
Jequi – Armadilha em forma de funil, aparelhos, inclusive processos de navegar,
tecida de talas, para apanhar peixes. de observar, de aproveitar a energia da hu-
Jereba – Girante. Que volteia, que lha branca. Autor do Tesouro do Máximo
plana no ar. Grande voador. Urubu (Ca- Rio Amazonas, passou dezoito anos na Pla-
thartes aura). Chamam na Planície de je- nície. Escreveu a parte mais importante da
reba aos indivíduos hábeis, escovados, que memória referida, por volta de 1797, no
logram os outros, que vivem inventando cárcere de S. Julião, em Lisboa.
cousas do arco-da-velha, quando tudo não João Lúcio de Azevedo – Escritor
passa de cenário de papelão, de fita. português que formou a sua mentalidade
no oriente da Planície. Veio para Belém
Jiboia – (Boa constritor) – Em tama-
muito jovem, subindo de caixeirinho da
nho chega perto da sucuriju, pois vai a 12
importante casa armadora A . Berneaud
metros de comprido e como esta não tem
& Comp. a sócio principal. Além dos
veneno. Seu tom de chocolate, com pintas
dois irmãos Augusto e Alfredo Bernaud,
negras, é sombrio. Os índios educam-na
a firma se compunha dos três Joãos,
para caçar ratos. E’ o gato da maloca e vive
João Lucio, João Afonso e João Borges.
pelo teto das choças. Mesmo nas cidades,
O primeiro chegou a grande escritor, de
alguns taberneiros e quitandeiros se ser-
fundo histórico, que é hoje; o segundo,
vem desse ofídio para espantar os ratos que
já morto, alcançou o posto de brilhante
lhes devoram as viandas. Não é venenosa. cronista; e o terceiro, marujo, capitão de
Sua arma é a força com que quebra os os- navios, o casca-grossa da trindade, che-
sos da presa para engoli-la inteira depois gou a capitalista... Os Jesuítas no Grão-
de bem gosmada. Os velhos tapuios dizem Pará, a obra mais importante de João Lú-
que a jiboia, depois de desenvolvida, vai cio, revela-lhe qualidades de fino e vero
para o fundo dos rios e lagos, nunca mais historiador, colorista, sintético, elegante.
voltando a terra. Quem escreve esta nota capitaneou vários
Jimboeçaba – L. G. Reza. Oração. navios da linda frota fluvial de João Lú-
Jirau – Estrado erguido sobre achas cio. Assim o Rio Aquiri, o Rio Afuá e o
entre o teto e o solo para guardar manti- Rio Machados, belos gaiolas daquela épo-
mentos nas dispensas. Palanque usado ao ca, foram comandados pelo autor do Meu
ar livre nas ilhas, onde a terra alaga, como Dicionário.
pequenas hortas e jardins aéreos. Joça – Sem importância. Que joça é
Jito – Pequeno. Miúdo. Era um pei- essa? Não vou nessa joça. Aquilo não passa
xe assim, jito, que pulou. Matupiri, será? duma joça.
Que camarão jito, meu São Francisco das John C. Branner – Naturalista ame-
Chagas. E’ havido, madrinha. Compadre ricano. Presidente e lente de geologia na
Satiro, mandou, lá de Cametá, disquê pra Universidade Stanford em Califórnia. Foi
110 Raimundo Morais

um comovido amigo do Brasil, tanto que que amanhece enforcado no galho das
escreveu a Geografia Elementar, que para árvores. Às nove horas, quando rompe a
sua glória, é das maiores, especialmente aleluia, rompe também a pancadaria no
dedicada aos estudantes brasileiros. A lombo do Judas até o deixarem em fani-
síntese maravilhosa desse trabalho corre cos. Nos altos rios descem-no da corda
parelha com a profundidade da matéria. a balas de rifle. Também usam colocá-lo
Os capítulos: “Geologia dinâmica”, “Ge- numa balsa de madeira e soltam no rio
ologia estrutural” e “Geologia histórica” abaixo. Em cada barraca ou barracão que
valem por um surto admirável de sabe- ele passa, estronda a fuzilaria que, por fim
doria. As suas considerações sobre a Pla- o despedaça.
nície, que ele visitou em companhia de Jupati – (Raphia tadigera) – Palmei-
Frederico Hartt, quer na parte referente ra que só habita em terras banhadas pelo
aos fósseis, quer na parte propriamente fluxo e refluxo da maré. Do talo cilíndrico
telúrica, honram a inteligência do ho- das folhas se extrai uma fibra alva, delica-
mem, ilustram a evolução do Planeta, da, da qual se fabricam chapéus tão leves
aclaram os horizontes da trajetória da que parecem feitos de plumas.
Terra e da humanidade. A segunda vez Jurumum – (Cucurbita maxima) –
que veio ao Brasil foi por conta de Edi- Abóbora alimentícia que figura nas mesas
son, e no caráter de botânico à procura regionais nas mesmas condições da batata.
de madeira apropriada a certos aparelhos O filhó do jurumum é magnífico.
elétricos. Era escritor. Em 1921 publicou Jurupari – Deus autóctone. É o De-
uma série de contos sobre os negros do mônio. Aparece em pesadelos, tira a fala às
Tennessee, sobre a criação, sobre o moti- vítimas, sufoca-as e aterroriza-as. Sempre
vo por que as serpentes não têm pernas, que o índio se deita na mata, colhe certa
e outros muitos curiosos e alegres. Não folha que espanta o Jurupari, a fim de que
foi só amigo da terra brasileira, mas do este não lhe flagele o sono.
homem também, no qual reconhecia gê- Jurupencém – L. G. Boca partida,
nio inventivo, inteligência, operosidade. rachada, dividida. Espírito Santo.
Residiu no Brasil. Seu juízo sobre nós é Jururu – Triste. Calado. Pescoço
valioso porque, além da cultura, possuía mole, cabeça pendida. Você anda jururu,
um grande caráter. De parte os trabalhos coronel, há alguma cousa? Nunca vi com-
sobre geologia e cerâmica, publicou uma padre Anastácio tão jururu como agora.
gramática da língua brasileira, o que bem Disquê gente da cidade não quer saber
demonstra a projeção da sua inteligência mais dele pra chefe.
em todas as províncias da sabedoria. Jutaí – (Hymenaea courbaril L) – Le-
Judas - Divertimento popular do sá- guminosa. Grande árvore em que as araras
bado de aleluia. E’ um grande boneco fi- pousam para lhes comer os frutos. Dela se
gurando um homem (“O Judas bíblico”) extrai a resina jutaicica.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

L tido da beleza que lhe animava as mãos


ingênuas e os olhos comovidos. E só uma
formosa inteligência, que fosse ao mesmo
Lacrau – (Scolopendra morsitans) – E’ tempo um novo Champollion e um gran-
um miriápode que pode chegar a seis po- de esteta, como o era a de Ladislau Neto,
legadas e vive na terra, sob a casca dos paus poderia traduzir tudo isso com a mesma
podres. Sua ferroada é dolorosa. ingenuidade e a mesma comoção. O intér-
Ladino – Inteligência precoce. Curu- prete reflete, por uma afinidade étnica, os
mim que responde a tudo. Criança prodí- altos sentimentos plásticos e artísticos do
gio. Este meu filho é ladino! Conta aqui nosso arquivo nheengaíba.
pra o coronel aquela história que o padre Lambanceiro – Falador. Contador de
mestre te ensinou. Eu, não. Conta, cora- histórias. Como é lambanceiro este José
ção. Eu não. Conta, que eu te dou um vin- da Horta. Lambança chegou ali e parou.
tém. Eu, não. Ladino, não é?... Mais lambanceiro que ele só o pai. Aquilo
Ladislau Neto – Alagoano. Arqueó- é de família. Já o avô era a mesma coisa,
logo. Espírito investigador, emotivo, des- lambanceiro como todos os diabos.
lumbrado. Seus passos na Planície são de Lambedor – Xarope. Remédio doce.
sábio e de artista. A decifração, interpre- Faça um lambedor de limão que essa tosse
tação e comparação dos caracteres simbó- passa logo.
licos da louça marajoara com as caracteres Lambisgoia – Delambida. Coscuvi-
simbólicos chineses, mexicanos, egípcios lheira. Intrigante. Nunca vi uma lambis-
e hindus, feitas por ele, valem não só por goia como a Chica do Lago. Aquilo é sem
um estudo beneditino, da mais funda sa- vergonha como cachorro.
bedoria, como ainda por um documento Lambujem – Gorjeta. Gratificação.
de emotividade decorativa. Cada hieró- Faça o trabalho que, além do que lhe com-
glifo soletrado nos pratos, nas tangas, nas pete, ainda lhe dou uma lambujem. Passe
urnas, nos jarros nheengaíbas, não revela a lambujem.
somente um capítulo da história do sel- Lamparina – Pequena lâmpada de
vagem paraense, a sua perdida civilização, querosene com pavio de algodão e asa.
a sua remota e misteriosa origem, mas, e, Acende a lamparina. Bota uma lampari-
sobretudo, a sensibilidade do artista, da na no porto. Suspende a lamparina. E’ o
artista, diríamos melhor, que foi essa pré- candeeiro da barraca do caboclo. Fumaça
histórica mulher amazônica. Revelação da como todos os diabos, deixando uma nó-
graça e da singeleza, ela, criadora rústica doa negra na parede junto da qual ela cos-
no meio da natureza, decorava os seus cân- tuma ficar. Significa também tapa-olho,
taros e os seus ofertórios, os seus alguidares bofetão.
e os seus ornatos de terracota para afirmar Lancha – Embarcação de 80 pés, em
a nós, seus arquitetos do século XX, o sen- média, casco de madeira de lei, construída
112 Raimundo Morais

em Santarém, Uruximiná, Abaeté. De má- altos afluentes vai de 100$000 a 200$000.


quina possante, uma hélice, tolda corrida Vamos batendo chocolate. E’ a lenha que
de madeira, é empregada como rebocador é verde. Veja que bigode vai o navio fazen-
de batelões de gado do baixo Amazonas e do. A lenha é muiraximbé.
do rio Branco. Trafega constantemente na Levado – Boêmio. Indisciplinado.
faina de trazer bois e vacas para o abaste- Farrista. Muito levado o filho do seu Anas-
cimento da população. Também chamam tácio. Só vive dando desgosto pra mãe
lancha às pequenas embarcações a vapor dele. Que criança, parece que tem bicho
que cruzam o quadro. Lancha da alfânde- carpinteiro, com perdão das pessoas mais
ga, lancha da saúde, lancha da polícia. velhas.
Laranja – (Citrus auratium) – Árvore Lima – (Citrus medica limetta) – Ár-
de porte médio, copada, não medra nos vore regular. Os frutos, de sumo doce
alagadiços. Dizem-na originária da China. amargo, são excelentes para o fígado e es-
A flor trescala um perfume balsâmico. O tômago. Não é silvestre.
fruto varia muito com a qualidade. Na Limão – (Citrus medica acida) – Pe-
Planície amazônica há de varias espécies. quena árvore de folhas muito verdes e du-
A laranja de Cametá, pequenina, do ta- ras. O fruto, do tamanho de um ovo de
manho duma tangerina, é só açúcar. As galinha, elíptico, tem um cheiro agradável
comuns são muito sumarentas, o que não para quem enjoa a bordo. O sumo é muito
sucede com o tipo conhecido por laranja- ácido, próprio para refresco e xaropes.
da-baía, que é sempre seca. Liso – Sem uma de xis. Ando liso, liso
Laranja-da-terra – (Citrus vulgaris) – como quanto nasci.
Árvore de porte médio, de tal modo rústi- Lobisomem – Monstro. Espírito ma-
ca na Amazônia, que parece nativa. E’ in- ligno. Embora não haja na Amazônia o
diana. O fruto, de casca verde-vermelho, é lobo para que o homem justifique a sua
empregado em xaropes, lambedores. Tem transformação em lobisomem, a verdade é
um leve sabor amargo. que existe a crença no duende. Isso pro-
Latada – Caramanchão. Pálio de va que muitas lendas daqui nos vieram de
trepadeiras que se faz nos parques e jar- fora. São documentos das raças que se fun-
dins. O maracujá dá lindas latadas donde dem no vasto cadinho étnico da Planície.
pendem os grandes frutos do tamanho de Loca – Roca. Abrigo. Casa. Esconde-
cabeças de crianças. O jasmim é a latada rijo de peixe.
por excelência em virtude do perfume que Loja – Casa comercial em que se ven-
exala de noite. dem fazendas, artigos para mulher e ho-
Lenha – Combustível usado na Ama- mem.
zônia a bordo dos gaiolas. Achas de madei- Lontra – (Lutra brasiliensis) – Espécie
ra que pesam, em média, oito quilos e me- de foca fluvial, vive em bandos nos rios e
dem pouco mais de metro. Vende-se aos lagos. Surgem empinadas à flor de água.
milheiros. Os preços variam segundo a re- Comem peixes e dão gritos que parecem
gião. Nas ilhas, estuário amazônico, custa latidos.
um milheiro, que corresponde em calorias Louro namuí – (Nectandra elaiofora,
a uma tonelada de carvão, 25$000. Nos Barb. Rodr.) – Também conhecido por pau-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 113

de-candeia. Da família dos lauráceas, me- Luís Cruls – Astrônomo notável. Pai
drando nos igapós, de porte desenvolvido, do festejado homem de letras Gastão Cruls,
a madeira tem um cheiro vivo de terebinti- autor da Amazônia Misteriosa. Foi quem
na. O óleo, fino, dourado, em condições de retificou a linha Cunha Gomes, determi-
acionar motores antes mesmo de ser purifi- nando-lhe a verdadeira situação em novas
cado, é conhecido por gasolina vegetal. coordenadas. Diretor do observatório do
Luís Agassiz – Naturalista suíço. Ge- Rio de Janeiro, o eminente cientista deu
ólogo. Zoólogo. Paleontologista. Visitou o o seu concurso à Planície nesse definitivo
Amazonas em companhia da esposa, que trabalho de limites entre o Brasil e o Peru,
era quem escrevia o celebre Diário em
ficando desde aí precisamente estabelecida
cujas páginas o habitante da Planície foi
nas cartas geográficas a nascente do Javari.
tão atacado na sua moralidade. Homem
Mas ele andou também nas terras alpestres
de imaginação, levantou a teoria das ge-
leiras. Reconstruiu a fisionomia do vale, do Sistema Brasileiro, observando o solo
que se estendia, segundo a sua visão re- da futura metrópole nacional. Descobriu
trospectiva, Atlântico a dentro, a ponto de no sopé dos Pirineus, ao fundo da bacia
receber como afluentes, naqueles idos pré- Tocantins, águas termais; e, se não esta-
históricos, os rios brasileiros que deságuam mos em erro, foi ele ainda que precisou a
hoje no mar até a Paraíba do Norte. O seu verdadeira altura dessa cordilheira, tida em
estudo sobre peixes é dos mais completos 2.752 metros, quando, na realidade, não
que já se fizeram por aqui. excede a 1.385.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

M lho alegre, quase cômico. A carne é muito


estimada, embora magra; o macaco-prego
(gênero Cebus), não vai além de 50 cen-
Maadeus – Nome por que se desig- tímetros. Anda em bando. Domesticado,
nam na Índia as inscrições rupestres. Esse more tuberculoso; o caiarara (Cebus graci-
termo vem de Maha-Deva, o grande Deus lis), conhecido por macado-inglês em vir-
Siva. Tais inscrições ou petróglifos são tude da cara vermelha e do pelo alourado,
comuns a todas as terras do mundo. Na também não ultrapassa de 50 centímetros
Amazônia, se encontram espalhadas às de altura; o parauacu (Pitecia monachus),
margens dos rios em grande quantidade. de rabo comprido, mais conhecido por
Já Martius as notara. Gustavo Barroso, o macaco-cabeludo em virtude da sua lanu-
grande escritor patrício, tem um estudo gem, é preto, de 50 centímetros; o cuxiú
completo sobre o assunto, com o título (Pitecia satanás), de face e pelágio escuro,
“Os maadeus do Sertão”, que faz parte do comprido, tem o cabelo repartido ao meio
livro Aquém da Atlântida. da cabeça, e não excede a 60 centímetros;
Macacaporanga – (Acrodiclidium) – o Macaco de cheiro (Saimiri ciureus), de
Miúda laurácea aromática. Os seus galhos, cabelo curto e cauda longa, não excede a
ralados ou postos de infusão para os ba- 40 centímetros. Amarelo escuro, de cheiro
nhos, espalham um perfume agradável. aborrecido, vive perto das roças comendo
Macaco – A Amazônia conta 38 es- frutos e insetos. Além destes existem o ma-
pécies de macacos. Todos caudados, trepa- caco-da-noite (gênero Nictepitecus), o saguí
dores e arborícolas. Vivem na floresta. Há (gênero Midas), e muitos outros. Os zoó-
diurnos e noturnos. Entre eles destaca-se o logos, pela irrequietude, pela curiosidade,
guariba (gênero Micetes). Nadador, de 65 pela instabilidade do macaco, acham-no
centímetros de tamanho, atravessa um rio. semelhante ao papagaio, de maneira a
De voz forte, metálica, dá gritos apavoran- entreverem uma certa afinidade entre os
tes na mata, principalmente à noite. Pelo quadrúmanos arborícolas e os verdes tre-
comprido, vermelho escuro uns, negro padores alados.
outros, pousam em grandes árvores, onde Macacoa – Achaque. Doença. Dor
dormem; o barrigudo (gênero Lagotrix), pelo corpo. Indisposição física. Amanhe-
domesticável, manso, é um excelente com- ci hoje com a macacoa. Macacoa já vem
panheiro das crianças. De cabeça escura, chegando.
corpo cinzento, gestos lentos, tem 60 cen- Macaná – L. G. Massa de madeira de
tímetros de alto e um aspecto de bondade; lei com que o índio abate o inimigo no
é insinuante, de olhar doce e rabo com- combate peito a peito.
prido; o Coatá (gênero Atêles), mede 90 Macaxeira – (Manihot aipi Pohl) –
centímetros de estatura. Seu pelo é sedoso, De tubérculos brancos, não é tóxica. Sen-
negro, sua cauda longa. Tem cara de ve- do uma das variedades da mandioca, em-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 115

prega-se ela nos beijus e nos mingaus para tanta eficiência na Amazônia. E mais me
convalescentes. Corre, como propaganda prendeu o livrinho, pelo fato de aí, nessas
talvez da força da terra acriana, que, ali, a linhas históricas da moléstia e do medica-
mandioca vira macaxera, isto é, planta-se mento, virem estes dados: “A MALÁRIA,
mandioca e nasce macaxera. designada também pelos nomes de impa-
Machadinho – Pequenino machado ludismo, sezões, maleitas, febres palustres,
com que o seringueiro corta a hévea a fim telúricas, é uma doença conhecida desde
de lhe extrair o leite. Debaixo do golpe co- a mais remota Antiguidade. Hipócrates
loca uma tigelinha de folha-de-flandres ou 500 anos ates de Cristo a tinha observado
de barro, para onde escorre o líquido que e dividido em quotidiana, terça e quarta.
se vai chamar depois goma-elástica, borra- A MALARIA começou a ser, entretanto,
cha ou ouro negro. mais bem diferençada das demais febres
Macacaua – (Tinamus, esp.) – Menor quando, em 1640, a condessa Del Chin-
que o inhambu, parece-se com a perdiz. chon, mulher dum vice-rei do Peru, e seu
Galináceo, bom prato. médico Juan del Vigo levaram para a Euro-
Macuru – Balouço onde as crianças pa as cascas de quina, usadas desde tempos
ficam horas e horas brincando. É um arco imemoriais pelos peruanos contra as febres
de cipó forrado de pano com duas faixas intermitentes. O emprego deste remédio,
também de pano cruzando-se no fundo e segundo o método dos jesuítas de Lima,
nas quais o pequeno senta e enfia as perni- curava estas febres ao passo que nenhum
nhas. Suspenso o aparelho ao teto por uma efeito produzia sobre outras que passaram
corda, o pequerrucho com os pés, que mal a chamar-se essenciais. Em 1847, Meckel,
tocam o solo, balança-o. descobriu o pigmento malárico; Wirchow,
Madeira – Árvore. Designação que o Feschl, Frerichs, Kelsch e Kiner estudaram
seringueiro dá a hévea. Só cortei hoje cin- as lesões produzidas pela infecção no cor-
quenta madeiras. O diacho da chuva não po humano e em 1880 Laveran descobriu
me deixou ir adiante. Tinha dez madeiras o gérmen da MALÁRIA. Ross verificou
naquela estrada, junto ao igarapé, que são que esse parasita completa o ciclo da sua
mesmo monstros. Oh! Madeiras bonitas! evolução no corpo do mosquito, explican-
Mãe-d’água – Boiúna. Cobra grande. do, assim, ser este inseto o transmissor da
Espírito aquático das lendas amazônicas. infecção, opinião aliás corrente há mais de
Hartt, registrando os mitos, conta a “His- duzentos anos entre os camponeses tosca-
tória do Paitunaré”, cobra grande. nos e do Tirol italiano. Estas febres não
Malacafento – Prenúncio de doença. existem somente nos climas tropicais mas
Mofino. Presa de mal-estar. Gente, ama- ainda em muitos países de clima frio como
nheci hoje malacafento, parece que vou a Itália, França, Grécia, Inglaterra, Suécia,
adoecer. E’ uma morrinha, um desejo de Rússia, etc.” Transcrevendo estas notas,
rede, que só sezão. para o grande público, viso desfazer a im-
Malarina – Um prospecto da firma pressão geral de que só na Amazônia existe
César Santos & Cia. Sobre a malarina, malária. Os homens de ciência conhecem
há já tempo em minhas mãos, atraiu-me a verdade, mas a massa coletiva da popu-
a curiosidade para esse medicamento de lação de outros estados, principalmente, a
116 Raimundo Morais

ignora. É uma doença que nos foi trazida Manaus – Tribo selvagem que ha-
e que a “Malarina” e a profilaxia brasileira bitou o local onde se acha atualmente a
andam combatendo vantajosamente. metrópole amazonense. Lugar da Barra,
Mal-assombrado – Lugar onde apa- nome por que foi conhecida nos seus pri-
recem almas do outro mundo. Ponto no meiros dias. Perto do atual palácio da pre-
qual as visagens se manifestam. Os espí- feitura ainda se encontram, nos cemitérios
ritos não saem daquele barracão. Aquilo aborígines, as urnas funerárias, os despojos
é dinheiro enterrado. De noite é assobio, da famosa nação dos índios. Os manaus
pedrada, grito, gemido, soluço, que as- eram uma raça valente e que exibia, como
sombra o mais pintado. Não há quem decoração indumentária, folhetas e pepitas
durma lá. Barracão mal-assombrado. E’ de ouro. La Condamine, fazendo algumas
um tipo mal-assombrado. considerações sobre o célebre e fantástico
Maloca – Aldeia de índios. As barra- Eldorado de Manoa, sugere, com muita
cas, cobertas de palha, têm feitios cônicos. argúcia, a possibilidade de ter vindo dos
Cada tribo possui a sua maloca, mais ou índios manaus, sempre recobertos de me-
menos povoada. Algumas, restos de raças tais dourados, a lenda do Eldorado de Ma-
quase extintas, só têm uma casa, que é mu- naus. Há, decerto, uma notável semelhan-
dada de acordo com a maturação das roças,
ça. Deixando, porém, de parte a tradição e
com o aparecimento das formigas-de-fogo,
a lenda, é justo que se veja a linda capital
com a vizinhança dos seringueiros, com o
do Amazonas de agora, limpa, alegre, mo-
desaparecimento da caça e do peixe.
derna, subindo e descendo no movimenta-
Mama em onça – Interesseiro. Que
do terreno em que se levantou à borda de
namora moça vesga, capenga, maneta. Ca-
inúmeros igarapés, ao presente aterrados
sado com mulher feia. Comadre já viu a
pela mão do homem. Se a cidade crescesse
mulher do promotor? Já. E’ medonha, um
coirão. Aquele homem mama em onça, sobre a topografia antiga, verdadeira rede
que Deus não me castigue. Disquê é por hidráulica, era, nestes dias, uma curiosa
causa do dinheiro do pai. Veneza amazônica, pois onde hoje trafe-
Mamoeiro – (Carica papaia) – Árvo- gam os bondes e os automóveis, singravam
re de caule fofo, sem utilidade para marce- as ubás e igarités. Erguida sobre lombadas
naria ou carpintaria. Tronco reto, no topo de terreno alto, a ponto das viaturas de 30
tem um buquê de grandes folhas. Seu anos passados necessitarem de três cavalos
fruto, semelhante a um melão pequeno, para trafegarem, Manaus é bem a cidade
quando maduro, constitui uma excelente das colinas, que a população vai, numa
sobremesa. Verde, é posto como adubo na terraplenagem insensível, escavando, bai-
carne cozida. Dizem que espanta o cara- xando, nivelando até rasá-la em planície.
panã. Sem o mamão macho não frutifica. Capital do vasto e generoso Estado do
Dá nos terrenos baldios, nas capoeiras, nas Amazonas, aí residem, no Palácio Rio
taperas. Adaptou-se tanto aqui, a ponto da Negro, os seus presidentes. O derradeiro
Amazônia parecer o seu país de origem. E’ deles, na 1º Republica, foi esse querido o
mexicana. bondoso Durval Pires Porto, engenheiro,
Mamote – Bezerro que ainda mama. varão ilustre e de largas virtudes, honesto,
O meu dicionário de cousas da Amazônia 117

respeitoso, incapaz de um ato que não seja Mangue – (Risofora mangle) – Plan-
digno e honrado. ta palustre do litoral, com raízes aéreas.
Mandií – (Pimelodus) – Peixinho de Medra sobre o tijuco e possui tanino. O
pele que não passa dum palmo. Os garo- caranguejo gosta muito dos mangues, por-
tos pescam-no no porto de Belém a cani- que as raízes levantadas como grandes e
ço e a linha. No alto Amazonas anda em finos pés de galinha, facilitam-lhe o movi-
cardume, sendo maior e mais gordo que mento, a fuga para os esconderijos abertos
o do estuário. É perigoso tirá-lo da malha no tijuco.
das tarrafas e redes por causa dos esporões Mangueira – (Mangifera indica) –
laterais, agudos, dolorosos quando ferem. Aclimado na Amazônia, este grande vege-
Excelente alimento assado ou cozido. As tal oriundo da Ásia é, além de magnífica
caldeiradas de mandiís são famosas. Há árvore de sombra, um excelente fornece-
ainda a ilha do Mandií no estuário do To- dor de frutos, que amadurecem e caem
cantins, onde se vê assentado o farol do nos primeiros meses de inverno. Não fora
mesmo nome. a sua raiz, que rebenta o calçamento das
Mandinga – Feitiço. Bruxaria. Ama- ruas à proporção que cresce, e nenhum
nheceu mandinga na porta do coronel. outro indivíduo botânico lhe disputaria
Disquê é cabelo de defunto com terra de a primazia como árvore decorativa e de
cemitério e pena de coruja. sombra nas avenidas e parques.
Maneira – Abertura perpendicular, Maniçoba – Panelada de folhas de
do tamanho dum palmo, que costuma maniva socadas ao pilão e cozinhadas com
ter, num dos flancos, a saia da mulher do adubo de peixe ou carne. Em geral a gen-
interior da Planície. Estás com a maneira te da Amazônia faz hoje esse prato com
aberta, Chiquinha. Fizeste a maneira gran- mocotó, língua salgada, tripa, cabeça de
de demais. porco. Iguaria excelente, muito parecida a
Maneta – Que tem falta de uma das uma feijoada completa, precisa ferver pelo
mãos. menos 24 horas, a fim de que as folhas fi-
Mangaba – (Hancornia especiosa) – quem tenras e macias.
Pequena árvore nativa gomífera. O fruto, Manicoré – L. G. Alma de porco. Ci-
gosmento, pegajoso, dum verde ferrugino- dade e afluente à margem direita do rio
so por fora e branco por dentro, posto na Madeira. O caudal tem roído de tal forma
água depois de caído da árvore, maduro, o porto da cidade, que a primeira fila de
pois, perde a resina e fica em condições de casas está para se precipitar nas águas.
ser comido. O sorvete é excelente. Manipueira – Caldo de mandioca.
Mangar – Zombar. Caçoar. Vá man- Tucupi antes de ir ao sol ou ser fervido,
gar do boi, seu José. Quem manga tam- cru. E’ um tóxico terrível.
bém morre. Deixe de mangar dos outros. Maniva – (Manihot utilíssima L.,
Olhe castigo espanhol. euforbiácea) – Vegetal arbustivo, cujos
Mangaua – Irmão de leite. Filho da tubérculos se chamam mandioca. Não é
nossa ama. Que se criou conosco. Quem é silvestre. Parece trazido pelo índio, ou pelo
esse moleque? Meu irmão mangaua. negro, como o foi o milho do selvagem, de
118 Raimundo Morais

espigas enormes e cujos grãos são pintados E’ brinquedo de criança e instrumento


de preto e amarelo. dos pajés no ritual das feitiçarias. Certos
Manjerona – (Origanum majoranoi- índios chamam ao sino da igreja dos civi-
des) – Deliciosamente perfumado, cheiro lizados (cariuas) tamaracá, sino grande de
delicado. Usa-se nos balaios de roupas. E’ pedra, porque todo o metal para o aborí-
uma planta medicinal e aromática adapta- gine é pedra.
da à Planície. Maracatim – L. G. Igarité antiga de
Manso – Seringueiro que fez, pelo selvagens, que trazia à proa, como sím-
menos, um fabrico, já distingue o assobio bolo rostral, o maracá. Algumas tribos
dos pássaros, o bater dos peixes, a pegada chamam aos navios a vapor maracatim,
dos quadrúpedes, se bem que não possua o talvez pelo barulho do gaiola, que eles
sentido instintivo do caboclo amazônico. ouvem ao longe.
Manteiga – Nome por que são conhe- Marajó – A maior ilha do Estado do
cidos os óleos e as gorduras na Planície. Pará. Autêntico pedaço do paraíso verde
Manteiga de cacau, manteiga de tartaruga, na parte do quadrante de nordeste, que é
manteiga de peixe-boi, manteiga de casta- a região alta e pastoril, cheia de fazendas
nha. O caboclo não diz sebo, nem óleo, de gado. A outra banda da ilha é gomí-
nem gordura. Tudo para ele é manteiga. fera. Abundam os seringais. Deste lado a
Manuel Maroja Neto – Paraibano. ilha cresce, do lado contrário diminui, de
Desembargador do Superior Tribunal de modo a dar impressão, dentro de ciclos
Justiça do Pará. E’ um dos mais íntegros milenares, já se vê, de uma terra que se
magistrados da planície amazônica. O povo, muda dum flanco do vale para outro flan-
que possui o sentido da verdade, o instinto co. De fato, a ilha imigra. Também cha-
da razão, a respeito de seus atos, como juiz, mam de Marajó aos ventos duros do largo,
o vê como alta encarnação da própria lei, que caem à tarde na baía do Guajará, e
tantas provas vem ele dando nas sentenças refrescam a cidade de Belém. O mais inte-
que profere. Como homem particular, é ressante desta ilha, no entanto, já notável
um verdadeiro padrão de virtudes. pelo tamanho, é ter sido o núcleo de uma
Mapará – (Hypophthalamus dawalla) civilização adiantada para o tempo em
– Peixe do baixo Tocantins, onde é co- que floresceu. Os múltiplos cemitérios ali
mum o seu cardume e não cresce mais achados denunciam, pela decoração cera-
de dois palmos. Tão abundante em certas mística, o sentido estético daquele povo. E
épocas, que o exportam salgado. O do alto mais de que pelo molde estético, se apura
Amazonas, muito gorduroso, chega a ser o adiantamento das tribos que lá viveram,
enjoativo. pelos caracteres simbólicos que enfeitavam
Maqueira – Rede de tucum. a louça indígena, hoje desenterrada dos
Mará – Vara. Empregam-na para re- sarcófagos marajoaras.
tesar a vela, amarar a canoa no porto ou Marapatá – Pequena ilha da foz do
empurrar a igarité como varejão. rio Negro. Celebre hoje pelo desígnio
Maracá – Chocalho. Fazem-no de inepto que o forasteiro lhe atribui: de
cucurbitácea cheia de seixos ou favas, ou, guardar consciências. Esta lenda irreveren-
ainda, de barro, com cabo de madeira. te com que os brasileiros do Sul preten-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 119

dem mostrar a falta de escrúpulos da gente padrão: Parintins é o derradeiro ponto em


hospitaleira, carinhosa, ordeira de Manaus que se observa a maré Amazonas a dentro,
e do Amazonas, só fulmina o próprio ad- ou sejam 618 milhas acima de Belém, na-
ventício, pois se há quem deixe a consci- vegando pelos paranás.
ência para viver aqui, não somos nós, os Maré de lua – Água viva. Sizígia.
nascidos na Planície, que morremos po- Ação forte do fluxo e refluxo na lua nova,
bres, trabalhando sem ambição, e sempre principalmente nos tempos de equinócio.
orientandos no sentido de engrandecer a Maré de quarto – Quadratura. Fluxo
terra que Humbolt chamou o celeiro do e refluxo dos quartos minguantes. Ação
mundo. Os filhos da Amazônia jamais lenta das águas.
deixaram a sua consciência em qualquer Maresia – Mareta. Onda pequena.
parte a fim de prosperar. Agitação miúda das águas. Toalha crespa
Maré – Elevação e abaixamento pe- da corrente. Baía braba, compadre? Não.
riódico das águas do mar. Mas até onde Maresia só. Vem certamente de maré, que
chega esse fenômeno, pelo Amazonas a é o fluxo e refluxo determinado pela ação
dentro? E’ isso que o autor deseja infor- astral da Lua e do Sol.
mar aqui, visto como sobre assunto rei- Maria-já-é-dia – (Myarchus ferox) –
na o maior desacordo, a maior confusão, Passarinho que anuncia a aurora repetindo
mesmo entre escritores notáveis e até entre o seu nome num grito aromatopaico: Ma-
sábios. Uns marcam Santarém como seu ria, já é dia.
ponto terminavel; outros vão até Óbidos. Maricas – Efeminado. Mulherengo.
A verdade, observada por quem escreve es- Frouxo. Sujeito que tem medo de tudo.
tas linhas, é que maré sobe até Parintins, Gente, filho do compadre Zebedeu não
no mês de outubro, quando o Amazonas, pode botar olho num cipó que pensa logo
quase parando, perde toda a sua força. Ela que é cobra. Que maricas!
não tem fluxo aí quando enche, isto é, não Mariscador – Indivíduo que sabe pes-
corre para cima – tufa apenas. De bordo, car e caçar. Em geral, todos os barracões da
amarrado o navio ao porto, vê-se no bar- Planície tem um mariscador que supre a
ranco uma estreita faixa molhada de dois mesa de mantimento fresco. Ele sabe onde
dedos, quando a maré vazou. De Parintins está o pirarucu, o tambaqui, o tucunaré,
para baixo observa-se a maré no caldeirão, a paca, a anta, o inhambu. Para o maris-
que é um furo transversal ligando o para- cador não há mata despovoada nem lago
ná do Bom Jardim ao Amazonas, fluindo desabitado. Quando, por acaso, ele volta
e refluindo, queremos dizer, correndo pra sem a embiara, se diz panema. Estava pa-
dentro e pra fora sob a ação da Lua. Ora, nema, hoje. Não batia na água. O lago era
o caldeirão é um furo que fica à margem “saru”, “saru”.
esquerda do Amazonas, 42 milhas a jusan- Maromba – Grande jirau ao ar livre,
te de Parintins e 56 a montante de Óbi- de achas grossas, onde o gado sabe nas ala-
dos. Se a maré se faz sentir nele, embora gações por falta de terra. Palanque imenso,
o tempo seco, no mês de outubro, fluindo feito sobre a várzea, de caráter provisório,
e refluindo, é porque ela remonta muito as reses ficam ai ilhadas durante a inunda-
acima. Nestas condições, que fique como ção da gleba. Bois, vacas, vitelas, novilhos,
120 Raimundo Morais

mamotes, aí passam 30, 40, 60 dias sus- las encalhados lá por cima, destinados a
tentados pelos vaqueiros que trazem cano- passar ali perto de um ano, muitas vezes
as cheias de canarana e a distribuem em desencalham com o “repiquete” do mata-
duas rações diárias pela manada. Na ge- feijão e descem a salvo.
neralidade morre parte desse gado, triste, Matalotagem – Farnel. Comida que
mal alimentado, casco descolado, quando se leva para viagem. Peixe ou carne assa-
não é o caudal que sobe a arrebata as reses, da com farinha, num saco de pano, que
maromba e tudo. se conduz no jamaxi ou no panacu a fim
Marrecão – (Chenalopex jubatus) – de se passarem alguns dias na roça ou nas
Corpo de ganso, cores vermelhas, azuis, pescarias. Sua matalotagem, mano João, é
negras e bronzeadas, é um dos mais lin- pra quatro dias; carne está bem seca; o pei-
dos palmípedes de Planície. Ouvido fino, xe é piracuí. Vai também tucumã e uxi pra
representa um guarda vigilante, pois qual- vaçumê ir roendozinho na canoa.
quer estranho à casa é denunciado por uma Matapi – Cesto cônico feito de talas
espécie de grunhido, de canto tremido, de de palmeira para apanhar peixe no fundo
aviso baixo que ele dá. dos igarapés e lagos.
Maruim – (Ceratopogon) – Pequeni- Mateiro – Caminhante das selvas. In-
no díptero, quase redondo, que aparece divíduo que tem o instinto de se locomo-
em nuvens pela manhã. E’ comum no ver na floresta amazônica sem instrumen-
inverno. Causa vivo aborrecimento pela tos. Vai para onde quer. E’ o mateiro que
impossibilidade de evitá-lo. abre as estradas de seringa. O solo, a flora,
Mastruço – (Chenopodium ambrosio- a fauna são os seus guias. Sem bussola, ele
ides) – Também conhecido por-erva-de- vara as mesopotâmias, corta dum rio pra
santa-maria, esta planta herbácea é muito outro. E’ um privilegiado da natureza.
aplicada contra vermes intestinais. Tanto Matéria – Pus. Nascida dele parecia
os médicos, cientistas, como a pagelança uma laranja de grande; quando rompeu,
doméstica, usam-na misturada ao óleo de foi matéria que nem sei. Inda está saindo
rícino contra lombrigas; mentraz. matéria do tumor do Joanico aqui no pei-
Mata-feijão – Repiquete inesperado to, já nele.
que aparece, no princípio da vazante, nos Matinas – Primeiros repiques de sino
altos afluentes do Amazonas e Solimões. nas igrejas com o raiar do dia. Assim que
Em maio e junho, quando as praias mar- bater matinas, em Nazaré, nós levanta.
ginais já estão descobertas, os moradores Matintaperera – (Diplopterus nai-
plantam nelas a mandioca, o milho, a me- vius) – Ave trepadora e que come inseto.
lancia, o melão, o feijão. Areias adubadas Reputada como descobridora de manan-
pela colmatage, são fertilíssimas. Sucede, ciais, que assinala com a presença, o sel-
porém, que em certos anos, quando a vagem a tem como encarnação de uma
plantação já está grelando, vem uma en- divindade silvestre. Às vezes ela se trans-
chente inesperada que interrompe a va- forma num tapuinho capenga de barrete
zante, alaga a praia e destrói a sementeira. vermelho, segundo lenda, e é, então, o
E’ a isso que os habitantes do ocidente da deus autóctone que castiga os meninos
Planície chamam de mata-feijão. Gaio- rebeldes, malcriados, travessos, desobe-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 121

dientes às mães e às avozinhas. Quando lisa, por fora. Por dentro, ora é encarnada,
as crianças não se corrigem ele as furta com as sementes pretas, ora branca com
de casa. as sementes claras. Também dá muito nas
Matupiri – (Tetragonopterus) – Um praias. E’ uma das frutas refrigerantes na
dos menores peixes da Amazônia. De es- Planície.
cama, prateado, com algumas manchas Melão – (Cucumis melo) – Perfumada
escuras, serve para isca na pescaria que se cucurbitácea que se cultiva nas praias do
faz aos grandes peixes. Vive nos igarapés Amazonas e de todo o vale, se bem que
e igapós. Decorativo, botam-no junto às não seja silvestre. Há uma espécie branca
tartaruguinhas nos vasos de vidro, espécie esverdeada por dentro e outra alaranjada.
de aquário de algumas salas da Planície. Por fora é amarela e cheia de gomos.
Matuto – Sujeito do interior. Rocei- Mel-de-pau – Mel de abelha. Encon-
ro. Acanhado. Que leva conto do vigário. tra-se na mata, principalmente nas árvores
Que compra bonde. Que pergunta tudo. podres, nas madeiras de lei. A melípona
Que anda de fraque de noite. Que veste é muito comum na floresta amazônica.
smoking de manhã. Que pede licença para Além do mel, fabrica a cera preta, perfu-
entrar em botequim. Que vive examinan- mada. Também aplicam a expressão em
do as notas que recebe. Que calça borze- casos complicados, misteriosos, cheios de
guins de rangedeiras. Que bota ponta de lances ocultos. Aquilo é um verdadeiro
cigarro atrás da orelha. Que anda com mel-de-pau, cunhado. Ninguém sabe de
o lenço no pescoço. Que cumprimenta nada. Que mel-de-pau é esse, minha gen-
quanta cara encontra. Que diz amém a te, disquê Mirandolina teve um filho?
tudo. Que volta para o sítio sem xeta. Membi – L. G. Gaita.
Maximiliano da Áustria – (Prínci- Memória – Anel. Bonita aquela me-
pe) – Naturalista. Botânico. Descrevendo mória dela. A sua memória de prata é uma
a nossa floresta, disse que o Brasil era a re- lindeza. Fiz esta memória de tucumã des-
pública livre das plantas, onde em geral o tinada ao dedo mindinho: é pra me lem-
déspota humano pouco aparecia. Naqueles brar duma coisa...adivinhe? Perdi minha
tempos. A vida dessa república, na referên- memória de ouro.
cia de Wappaeaus, mostra a luta incessante Mentruz – Mastruço.
pela liberdade e igualdade dos tipos vege- Me-olha – Na maneira de falar do
tais, atividade que se desdobra também caboclo da Amazônia, os pronomes prece-
entre os homens na luta pela vida. dem os verbos. Ele não diz olha-me nem
Melado – Suado. Encharcado. Mo- que o rachem; é me olha, me escuta, me
lhado. Suei tanto que fiquei todo mela- manda, me ama. Erro, segundo os puris-
do. Me dê uma camisa que estou melado. tas; a verdade, no entanto, é que assim se
Aquela chuva me deixou melado. Venho usa no espanhol. E não há motivo para se
escorrendo em suor, todo melado. Mela- julgar a língua de Cervantes um idioma
do, no Sul, é símbolo de mel. Aqui na Pla- atrasado ou sem beleza. Ao contrário, é
nície, não, mel é mel mesmo. mais plástico, harmonioso e sonoro que o
Melancia – (Citrullus vulgaris) – português. Eu estou inteiramente com o
Cucurbitácea verde, rajada de branco e caboclo. Me dá, me belisca, me cutuca, me
122 Raimundo Morais

escreve, me beija representam expressões de então o maior cuidado que o governo


mais doces, mais comovidas, que definem tem tido com as cousas daquelas provín-
melhor a psicologia do povo, a sensibilida- cias, ‘futuro paraíso’ do mundo como se
de verbal da nossa gente. Me parece que antolhou a Humboldt. Pelo menos sabe
os gramáticos, com todo o seu arsenal de que existe o Amazonas, sabe que é seu, e
regras, na Planície, dão sempre com os mostra considerá-lo, por isso mesmo que
burros na água. os americanos o ambicionam.” O traba-
Metido a sebo – Sujeito que se dá lho de Maury foi muito apreciado por
ares de grande figura, de alta personagem. Humboldt, Walace, Bates e Agassiz, diz
Gentes, mas como está metido a sebo o Joaquim Nabuco, acrescentando que Ta-
Juca. Ainda ontem engraxava trilho e ago- vares Bastos recebeu do livro de Maury o
ra disque já é astrônomo. impulso patriótico que o tornou o ardente
Meué-meué – Vamos indo. Assim, e fértil propagandista da grande causa da
assim. Então, como vai isso parente? Meué abertura do Amazonas às bandeiras de to-
-meué, lutando, como Deus é servido. das as nações.
Mexerico – Enredo. Intriga. Mingau – Papa de milho, banana,
Mexeriqueiro – Intrigante. Leva-e- arroz. Os de açaí, bacaba, patauá são adu-
traz. Pessoa que só vive inimizando. Como bados com farinha-d’água. Mingau, na
tu és mexeriqueira, Petronilha. Não seja Planície, é o alimento por excelência do
mexeriqueiro. roceiro. Para as bandas do oriente, nas re-
M. F. Maury – Americano que assi- giões do Pará, predomina o de açaí; para as
nalou a distribuição do calor pelos mares e bandas do ocidente, nas regiões do Ama-
terras do Globo, explica, com rara precisão zonas e Peru, predomina o da banana.
meteorológica, o motivo por que o equa- Minhoca – (Anteus gigas) – Espécie de
dor térmico, em vez de penetrar o vale lombriga que vive embaixo da terra. Ino-
amazônico, flete para o norte e vai cortar o fensiva, a sua principal utilidade é servir
continente colombiano na altura do istmo de isca na pesca de anzol. O peixe é doido
do Panamá. Tenente da marinha de guerra pela minhoca. As aves também esgravatam
americana, foi um precursor da livre na- a terra por causa dela. O unicorne, herbí-
vegação do Amazonas. A memória que voro, não dispensa a minhoca.
apresentou sobre a planície equatorial fez Miúdo – Vísceras. Não compre só
grande ruído no mundo. A esse respeito carne, nhá Fuluca. Traga também uns mi-
escreveu Gonçalves Dias a Tavares Bastos: údos: bobó, tripa, fígado, coração. Falta
“V. me permitirá manifestar-lhe a minha miúdo pra panela. Mocotó sem miúdo
opinião quanto ao resultado final da sua não presta.
impressão. Autor infesto ao Brasil e mes- Mixira – Conserva de gordura do pei-
mo odiado por muitos dos nossos homens xe-boi, grande cetáceo, de banha branca,
ilustrados como advogados de desenfrea- compacta; é excelente isoladora do ar. Faz-
das ambições dos americanos, Maury, no se a mixira não somente da carne do pró-
meu entender, deve ser qualificado como prio peixe-boi, como ainda do tambaqui
um dos beneméritos do Amazonas. As e das tartaruguinhas recém-saídas da cova,
suas exagerações mesmo serviram e data nas praias. Frita-se primeiro, na gordura
O meu dicionário de cousas da Amazônia 123

do peixe-boi, a peça a conservar, e, de- Candinha. Aquele vestido da Miquelina


pois de fria, é ela encerrada, recoberta da caiu da moda. Ela só veste fora da moda.
banha em que sofreu a ação do fogo, em Cabelo comprido já não é moda. Agora as
latas de cinco e dez galões hermeticamen- mulheres, que Deus não me castigue, pa-
te fechadas. E’ um petisco apreciadíssimo, recem umas sururinas sem rabo.
comido com farinha-d’água torrada, em Mofino – Covarde. Mole. Como é
todo o vale amazônico. No baixo Purus e mofino o filho da tia Chica. O Janjão de-
no baixo Solimões essa indústria é muito pois de lhe dizer as últimas ainda lhe deu
desenvolvida, se bem não se compare já à um sopapo. Também o aplicam no sentido
dos tempos coloniais, quando o peixe-boi, de adoentado. Gente, ando, sem vontade
abundante, dava para carregar os navios de trabalhar, sem alegria de viver, sem de-
holandeses no porto de Gurupá, ponto em sejo, sem paladar. Só sendo doença.
que atualmente não existe nenhum desses Mojica – Maneira de engrossar um
cetáceos. caldo acrescentando-lhe féculas.
Moça – Amante. Capitão passou on- Moju – L. G. Rio das cobras.
tem com a moça dele. Moça do coronel Molambo – Trapo molhado. Em sen-
Anastácio é bem bonita. O caboclo su- tido figurado: sem firmeza. Sujeito que diz
prime o artigo definido. Não diz: o vapor amém a tudo, que concorda sempre, que
chegou, mas: vapor chegou, canoa virou, profere sim e não sobre o mesmo motivo.
dia findou, rio secou. Molambo de gente.
Mocambo – Refúgio de negro fugido. Moleque – Mulatinho. Pretinho.
Aldeamento de escravos que desertavam Cria das casas. Passa pra dentro, moleque!
do ergástulo. Ali tem mocambo. E’ preto Mas este moleque não está brincando co-
assim... Cada negralhão que mete medo. migo... Pega esse moleque! Vou meter este
Acima de Parintins há um igarapé em cuja moleque na escola de aprendizes. Andas
cabeceira existiu um mocambo. Vem daí o procedendo como um verdadeiro mole-
nome de Paraná do Mocambo, onde de- que. Moleque é rapazinho empregado na
ságua o referido igarapé. No sul chamam serventia doméstica.
quilombo. Montaria – Pequena embarcação em
Mocõe – L. G. Dois. que se navega a remo na Amazônia. E’ o
Mocotó – Artelho da rês. Em geral, cavalo do caboclo. Rasa, de três metros de
o prato desse nome, conhecido também comprido e um de boca, não pega mais
por mão-de-vaca, é feito de pé de boi com de quatro pessoas. Há algumas, na região
adubos de fiambre, orelhas de porco, chis- das ilhas (estuário do Amazonas), que só
pe, tripa, chouriço. De digestão difícil, dá permitem um tripulante dentro. Parecem
uma sonolência que convida logo à sesta. verdadeiros brinquedos. Pintadinhas, lim-
Vou fazer um mocotó no domingo, está pas, com os bancos, rodelas, casco, poço
ouvindo, será? Gente, mocotó está dando extremamente asseados e enxutos, dá gos-
na minha fraqueza... Estou mole, mole. to vê-las cortando rapidamente as águas
Moçuni – L. G. Seis. quietas dos Furos de Breves. O homem ou
Moda – Uso. Trajo, costume da épo- mulher, curumim ou cunhantã sentado
ca. Esse figurino já não está na moda, a meia-nau, na remada que dá, impele e
124 Raimundo Morais

dirige ao mesmo tempo, tal a habilidade sa de defesa. Entre as melhores, contra o


canoeira da gente que aí vive. mosquito, usa-se o mosqueteiro. E como
Moquear – Assar a fogo lento, sobre Roquete Pinto, no seu grande livro Ron-
varinhas verdes, carne ou peixe. E’ traba- dônia, descreveu-o, a ele damos a palavra:
lho que demora mais de dia e constitui “O mosquiteiro, largamente usado no in-
uma das formas por que o índio conserva terior, tem a forma geral de um fuso. Suas
os alimentos, visto como não usa do sal. A extremidades terminam nos punhos da
peça moqueada, depois de bem seca, com rede; da parte média desce, como a vesí-
leve sabor a fumaça, dura semanas e sema- cula umbilical dum peixe recém-nascido,
nas, bastando que, de vez em quando, so- o seu bojo fechado, ao nível do chão, por
fra um ligeiro aquecimento no moquém. duas abas que se cruzam. Um cordel (du-
Moqueca – Peixe quisado e embru- plo) mantém o plano superior acima de
lhado em folhas verdes de palmeira ou quem dorme; e, algumas varetas (duas),
banana-sororoca. Também chamam po- cortadas na ocasião de o armar, distendem
queca. horizontalmente o pano.
Morganho – Ratinho. Camondongo Muçu – (Symbranchus marmoratus).
no Sul. Da família das enguias d’água doce, tem
Mori – (Paspalum fasciculatum, o aspecto de cobra. É primo do poraquê
Willd.) – Gramínea que medra pelos bar- e cunhado da traíra mboia que é na esca-
rancos na margem dos rios e lagos da bacia la evolutiva do grupo, apesar de não ser o
amazônica. Dá disenteria no gado e mata maior, o mais adiantado porque, além das
à canarana que lhe reponte na vizinhan- guelras, já tem pulmões. A carne do muçu
ça. Parecida à canarana, é mais amarelada, é magnífica, parecida à das lampreias,
no entanto, que a sua similar e sem aquele constituindo pois um excelente prato na
tom verde-cinza aveludado da sua vítima. mesa da planície amazônica. Vivendo na
Moringue – Vaso de barro, de dois cabeceira dos igarapés, nos igapós, nós
palmos de alto, próprio para esfriar água aguaçais, ele, de vez em quando, nos faz
em virtude da argila e com duas asas. Visto uma surpresa agradável deixando-se içar
de flanco, tem a forma de um coração que no balde d’água potável do poço de certas
possuísse ao alto um pequeno gargalo. vivendas que ainda usam a cisterna domés-
Mortalha – Papel de cigarro. Livro tica dos tempos coloniais. Como foi ter ali
de mortalha. Queria fazer um cigarro mas o muçu? Nas asas do vento? No estômago
não tenho mortalha. O caboclo usa a mor- ou costa do sapo? Nas garras do gavião?
talha de tauari, extraída do líber, entrecas- Ainda em óvulo ou já desenvolvido? Nin-
ca das sapopemas do tauari. É vermelha. guém sabe. Entretanto ele está só no poço,
Também se chama mortalha à fazenda sem mãe, nem pai, nem irmãos. O fato é
com que envolve o cadáver dos pobres, que, de vez em quando a nossa cozinhei-
da gente sem recursos. Sinônimo de sam- ra, entre alarmada e alegre, anuncia: “Um
benito. muçu, patroa, gordo que faz gosto, ben-
Mosquiteiro – Se há lugares, na za-o Deus”. E zás! Panela com ele.
Amazônia, em que não existe carapanã, Muçuã – (Cinosternum scorpiodes) – É
em outros o homem, para dormir, preci- o quelônio preferido nas comezainas festi-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 125

vas da Planície. Pequenino, preparam-lhe alguns são lavrados em forma simples, ci-
a carne na própria carapaça, que, depois lindróide, elíptica ou de conta. Outros, de
de ir ao forno com o picado dentro, tem linhas zoomórficas, representam quelô-
o nome de casquinho de muçuã. Vive nos nios, batráquios, quadrúpedes, serpentes.
lagos pouco profundos e em terra, quando Ainda outros, de modelos antropomorfos,
eles secam. Caçam-no a fogo no verão. lembram focinhos, carrancas, bicos, chi-
Mucuim – (Tetrancychus molestissi- fres de monstros. A essa relíquia se em-
mus) – Do gênero Trombidium, quase mi- prestam atributos miraculosos. Dão amor,
croscópico, vermelho, vive no capim e nas felicidade, saúde, riqueza. O mineral em
ervas no tempo do inverno. Com o verão que é talhado o muiraquitã amazônico, é a
duro desaparece. Produz uma coceira ter- nefrite. O do asiático é a jadeíte.
rível. Quando se volta do campo, é tal a Mujanguê – Massa de ovos crus de
carga de mucuim, que se torna necessária tartaruga, tracajá, gaivota, misturados
fazer uma fricção de álcool pelo corpo, a com farinha-d’água e açúcar. E’ um ace-
fim de matá-los. pipe muito usado nas viagens da planície
Mucuracaá – (Petiveria aliacea) – amazônica. Salta-se nas praias, colhem-se
Planta de cheiro esquisito, sarmentosa, os ovos nas covas, e a refeição, forte, subs-
sudorífica, empregada na terapêutica re- tancial, está feita. E’ o mujanguê.
gional.
Mundé – L. G. Armadilha de madeira
Muçurana – (Rhachidelus bras.) –
para apanhar caça, principalmente graúda.
Muçu falso. Cobra sem veneno que, depois
Feito de tronco ou taboa suspensa numa
de lutar com as venenosas, as mata infali-
das extremidades, o chamariz está ligado
velmente. Parece uma aliada do homem.
a um aparelho que desprende a peça prin-
E’ escura, lisa e lustrosa. Os zoólogos bem
cipal, pesada, e que esmaga o quadrúpede
informados da fauna brasileira recomen-
ou ave que a toca.
dam aos caçadores que não á matem, tão
útil ela nos é. Mundurucânia – País dos munduru-
Muirapuama – (Ftychopetalum ola- cus. Região do guaraná. Terra em que vivia
coides) – Árvore mediana e florestal da a grande tribo selvagem dos mundurucus,
terra alta na Amazônia. As raízes são em- que foram os índios por fidalgos das selvas,
pregadas em banhos contra o beribéri. E’ tais os seus atributos de caráter e dignida-
tida como afrodisíaca. de. E’ um dos trechos da planura amazô-
Muiraquitã – Amuleto de pedra ver- nica de um raro futuro pela fecundidade
de atribuído às icamiabas, mulheres sem de sua gleba, virgindade de suas matas,
marido, tidas como pertencentes a uma riquezas de sua fauna. O grande índice de
nação guerreira que enjeitava o filho varão. tudo isso são os japoneses, que estão lá ins-
A tribo feminina é pura lenda inventada talados com uma próspera colônia.
pelo espanhol Orellana, que foi o primei- Mungubeira – (Bombax munguba) –
ro a explorar a descer o caudal do Amazo- Árvore vargeira, porte mediano, da família
nas, dos Andes ao Atlântico. Quanto ao das bombáceas. Em certos meses do ano
talismã, é um fato. Existe. Feito de pedra perde as folhas, de sorte a parecer, ao cair
verde malva, com finos veios ferruginosos, dos nevoeiros, uma árvore europeia sob a
126 Raimundo Morais

neve. Sua paina, creme, brota dentro de sa tinta, resiste mais. Há um ditado: “Já é
grandes cápsulas roxas. tempo de muruci, cada um cuide em si”.
Munguzá – Mingau de milho branco Murucututu – (Athene torquata) –
feito com leite de castanha ou de coco. Ave noturna, agourenta, com que as amas
Mupicar – Remar ligeiro, miudinho, amedrontam as crianças contando ao fazê-
acelerado. Mupica essa remada, parente. -las dormir. Vive nas matas próximas aos
lagos e igarapés. E’ uma subdivindade da
Também se emprega no sentido de marcar
mitologia aborígine da Amazônia.
o caminho na floresta, quebrando ramos
Mururé – (Brosimopsis acutifolia) – Ár-
na passagem para orientar a volta.
vore donde se extrai o mercúrio vegetal.
Mureru – Ninfeácea que erra de bu-
Mutá – Palanque no tronco das árvo-
buia nos lagos. Tem a forma de uma cam-
res onde o caçador espera a embiara, peixe
pânula. No estuário chamam-na de muru- ou caça, para frechá-los.
ré. E’ um dos alimentos do peixe-boi.
Mutum – Pássaro negro, do tamanho
Muruci – (Byrsonima) – Além dos fru- dum peru, bico encarnado, come prego,
tos, que são excelentes, próprios para com- dedal, chifre, anéis, o que encontra. Há
potas e doces em pasta, a sua casca dá uma varias espécies. O mutum-poranga (Crax
tinta castanho-vermelha com que a nossa alector), o mutum vulgar (Crax caruncula-
gente tinge as suas velas a fim do caruncho ta), o mutum fava, o mutum cavalo (ourax
não dar no pano. Até mesmo a roupa dos mitu) e o mutum-pinima.
curumins e dos vaqueiros, impregnada des- Muiracuruçá – L. G. Rosário.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

N parece besouro. Vote! O caboclo nativo do


baixo Amazonas chama, a qualquer espé-
cie de navio, vapor. Ainda não passou va-
Naco – Pedaço de carne. Bocado. por da linha, será? Vapor buzinou longe,
Deixa ver um naco do assado. Só um naco, gente. E’ lenha que ele vai receber em casa
churrasco está muito gordo. do compadre Mocambira. Vapor de apito
Nadinha – Instante. Momento. Espe- fanhoso. Parece carapanã.
re um pouco, seu José, que eu já vou. E’ um Negrada – Rapaziada. Termo de gíria
nadinha. Demorei? Não. Foi um nadinha. que significa turma, grupo, farândola. A
Na masquê – Não mais quê. Sem negrada vai toda ao piquenique. Negrada
mais quê. Expressão que traduz a palavra valente, a guarnição do Ruder Clube. A
– regularmente – ou a frase – sem maior negrada do meu team é batuta.
novidade – Vou indo na masquê. Na For- Nevoeiros – Produzidos pela evapo-
ma do costume. Na masquê. ração, quando os rios pricipiam a secar,
Nambi – L. G. Orelha. aparecem nos tributários do Amazonas,
Nascida – Pequeno tumor que dá nas de maio em diante, espessos nevoeiros que
crianças. Furúnculo. Caçula do compadre envolvem a terra toda. Rios e florestas fi-
está coberto de nascidas. Nunca vi tanta cam invisíveis. São mais fortes com o luar.
nascida assim. E’ o leite da ama que é ruim. E’ o melhor sinal da vazante, pois enquan-
Pobre da criança, ficou pintada de nascidas. to o rio enche ele não se manifesta. Não
Navegação – Gaiola. Navio. Lancha. existem na corda-máter do Amazonas, se
É como o seringueiro nordestino, no oci- bem que nos meses de verão duro surjam
dente da Planície, chama a qualquer trans- de noite nos estreitos de Breves, forçando
porte a vapor. Há aí um profundo equívo- os paquetes a ancorar e esperar pelo dia.
co entre a arte de navegar e o principal ins- Nhá – L. G. Senhora.
trumento dessa arte, que é a embarcação. Nheengaíba – Tribo indígena que vi-
Sente-se que ele confunde o abstrato com veu nos arredores do lago Arari, em Mara-
o concreto. Aplicando impropriamente jó. Os naturalistas, em virtude desse povo
o termo navegação, mostra o seu alhea- fazer cemitério em terreno artificial, de-
mento das cousas marinhas, e justifica a signaram-no por mound builders. Exímios
anedota que lhe atribui a frase espantada ceramistas, a louça exumada do sarcófago
de quando viu pela primeira vez o Atlân- do Pacoval é uma verdadeira maravilha no
tico: ó marzão besta! Ano desgraçado este, contorno e na decoração. E como era à
compadre, não chega navegação. Tem uma mulher indígena que competia o serviço
navegação encalhada nos torrões do Baga- de oleira, verifica-se que há milênios a nos-
ço. Salão do Arapixi está esperando aquela sa arquiavó tapuia marajoara já possuía tal
navegação que vai ali cachimbando preto. sentido estético, tal noção de beleza, que
Que navegação de apito mais grosso. Até lhe dá o direito de mestra admirável de
128 Raimundo Morais

artes plásticas. Foi, sem contestação, uma Nimbaba – L. G. Manso. Domesti-


grande artista, a quem devemos levantar cado.
uma estátua que lhe eternize a figura no Nódoa – Mancha indelével produ-
bronze. É a maior brasileira pré-histórica. zida pelo suco de certos frutos, pela seiva
Há quem diga terem sido os aruãs e não os de alguns paus. O pingo do caju é nódoa;
nheegahibas os povoadores desse trecho de a essência do caroço do abacate é nódoa;
Marajó, quando, na verdade, os aruãs vi- a água da bananeira é nódoa. Você está
viam mais para o norte, de Chaves para o com uma nódoa de caju na saia, comadre.
setentrião. Uma das duas tribos, no entan- Fui chupar caju na casa do coronel, fiquei
to, povoou a região. Não tomamos partido cheia de nódoas. Agora só para o ano,
por esta ou aquela. quando o cajueiro florir de novo é que a
Nheengatu – L. G. Língua boa. mancha desaparece.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

O namentação da marajoara diz, textual-


mente, o seguinte: “A artista índia sabia
bem a arte de modelar e era perita na or-
Óbidos – Cidade paraense. Demora namentação por meio de linhas simples,
numa colina à margem esquerda do Ama- mas não se tinha adiantado na arte do
zonas, exatamente no ponto mais apertado desenho imitativo. Nenhuma folha, flor
e mais profundo da formidável artéria que ou fruto é representado na louça antiga
Elisée Reclus chamou de glória do Plane- do Amazonas ou em relevo ou sobre a su-
ta. No tempo do verão, quando se navega perfície plana. Parece singular que, habi-
por fora dos paranás, quem vem de baixo tando uma região em que o reino vegetal
(leste), vê Óbidos de longe subindo, como oferece tantas formas belas, a artista não
um presepe, a encosta verde da terra alta.
escolhesse nenhuma destas para a orna-
Tem uma fortaleza junto, na serra da Esca-
mentação.”
ma, e é o berço de José Veríssimo e Inglês
de Sousa. Ourana – Arvoreta do Baixo Ama-
zonas, em forma de chorão, aspecto de
Oicê – L. G. Oito.
cipreste, chama-se Salix Martiana Leyb;
Oicepê – L. G. Nove.
a do alto, lembrando o araçá-bravo, o
Orelha-de-burro – (Oncidium lancea-
salgueiro (Salix homboldtiana). Nos de
num) – Parasita da família das orquídeas.
fluentes do Amazonas, estreitos, de voltas
Vive pela forquilha das grandes árvores,
rápidas e onde a cada momento os navios
nos bosques, sobretudo nos da terra firme.
O nome típico vem-lhe das folhas grossas, desgovernam, serve de almofada aos gaio-
verdes, recortadas em orelhas de burro. As las, que, em vez de se chocarem com as
flores dessa planta silvestre e aérea têm um grandes árvores das margens, adormecem
colorido cróceo, que provém dum fundo a guinada de encontro à ourana, verdadei-
amarelo com pintas escuras. Desabotoa em ro colchão vegetal.
espigões que parecem cachos com dezenas Ova – É o nome genérico dos óvulos
de campainhas. De perfume delicado, as de peixe. Ova de tainha, muito abundan-
flores duram mais de 25 dias. te, é um alimento precioso. Seca ao sol e,
Ornamentação – Frederico Hartt depois de assada ou frita, faz parte das me-
falando sobre a origem da arte e da or- lhores mesas.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

P maracá e a planta ele conversa com os espi-


nhos e restabelece os enfermos. Nas tribos
selvagens, mantém um poder soberano. Já
Paca – (Coelogenys paca) – Roedor meio civilizado, ambulante pelos velório e
sem rabo, chega a 70 centimetros. E’ uma cidades, a sua terapêutica e os seus agoiros
das caças mais apreciadas do vale. Abun- são suspeitos, ridículos, troçados.
dante na floresta, gosta muito dos buracos Palerma – Idiota. Atoleimado. Creti-
de pau e das galerias no solo. Penetra nos no. Mas que sujeito palerma. Dizquê foi
formigueiros de saúva e há mesmo a lenda cousa-feita que ele bebeu dada pela Faus-
de que ela vive, com a surucucu, no oco tina do Janauari. Era um homem e tan-
dos paus. Anda de noite, que é quando to antes disso. Até ia ser professor. Mas a
busca o alimento constituído de frutos. mulher começou a botar mais isto e mais
Paçoca – É a amêndoa da castanha aquilo no café, no açaí, no mingau dele,
assada – e socada num pilão com farinha- até que o pobre ficou nesse estado.
d’água, sal e açúcar. Reduzido tudo a pe- Palito – Fósforo. A população nativa
queninos grãos, impregnada a farinha de do interior da Amazônia não chama fósforo
óleo e açúcar, está feita a paçoca, que é ven- nem à mão de Deus Padre, é palito. Gente,
dida em cartuchos de papel nas cidades. Em querem ver que me esqueci do palito? Curu-
geral é preparada com a castanha comum, mim, vai na taberna comprar uma caixa de
Bertoletia excelsa, mas há quem faça da sa- palitos. Risque logo o palito, seu Jerônimo.
pucaia, e até mesmo da castanha de caju. Credo, como está escura a sala! Oh Benedi-
Paiquicé – Corta-cabeça. Degolador. to, acende aí o palito! Parece breu.
Apelido por que era conhecido o mundu- Pamonha – Bolo de farinha de arroz
rucu, índio que no ardor da peleja corta- ou milho com açúcar e sal, enrolado em
va a cabeça do inimigo para depois fazer palha. Também chamam pamonha ao su-
dela um troféu e espetá-la numa vara da jeito mole, sem iniciativa, preguiçoso. Mas
maloca. Estudando, no entanto, esse tipo que pamonha. Não faz nada. E’ só de boca
de selvagem pelos naturalistas, ficou apu- aberta, sentado, comendo. Vá ser pamo-
rado que, apesar deste processo bárbaro, nha, assim, no inferno.
nenhum indígena possuía mais nobreza e Panacu – Cesto cônico de talas no
fidalguia, mais caráter e sensibilidade que qual se conduzem roupas e objetos durante
o mundurucu. Não atacava sem avisar o as viagens. Arruma o panacu pra esta noite.
inimigo, e, depois da peleja adotava as Largaremos com o romper da lua. Não es-
crianças. Seus trabalhos artísticos em pe- quece tabaco migado no panacu gito.
dra, argila e fibras, são notáveis. Pancada – Maluco. Desequilibrado.
Pajé – Feiticeiro indígena. Também é Que tem parafuso frouxo, aduela de me-
o sacerdote da maloca. Cura o corpo e a nos, macaquinho no sótão. Não brinca
alma. Receita a puçanga e a reza. Com o com esse sujeito que ele é pancada. De vez
O meu dicionário de cousas da Amazônia 131

em quando vira cobra. Não quero negócio para o jusante, ouve, entre pessoas radica-
com gente pancada. das ao solo, e, pois, afeitas ao falar coríntio,
Paneiro – Cesto muito comum na senão paperi. Taperi deve ser uma corrup-
Amazônia, de grandes olhos, feito de ta- tela, derivada certamente da suposição que
las de palmeira, onde se acondiciona, de- o vocábulo venha de tapera, casa velha, o
pois de forrado interiormente com a palha que seria absurdo ao se tratar de uma casota
de ubim, a farinha-d’água. Há de várias recente e que não dura um ano.
medidas: meia quarta, uma quarta, meio Papoula – (Hibiscus rosa sinensis) –
alqueire, um alqueire. Este regula, em mé- Planta arbustiva com lindas flores de várias
dia, 30 litros ou 30 quilos. tintas. As mais bonitas são as encarnadas,
Panema – Desditoso. Inútil. Que não sangue vivo, em forma de grandes campai-
encontra caça nem peixe. Caipora. Desde nhas. Plantadas aqui, ali, nos gramados,
que eu botei os olhos naquele sujeito, D. picam o verde de vermelho e dão um pito-
Florência, que nunca mais vi um papagaio, resco original à pelouse.
uma tartaruga, um macaco. Fiquei panema, Pará – L. G. Mar.
panema. Parece que ele espalha urucubaca Paraém – L. G. Peixe seco.
da miudinha. Disque casa dele é só coruja, Parajuru – L. G. Estreito. Furo.
gavião, lagarto, matintaperera, murucu- Paraná – Braço de rio, com saída pelo
tutu. Se defume, meu bem, com arruda e montante e pelo jusante no mesmo rio,
pega-não-me-larga. Espanta tudo. constituído em geral por uma ilha encos-
Papagaio – Brinquedo feito de talas e tada a uma das margens continentais da
papel, com rabo de pano, que os meninos bacia. Também há paranás rasgados entre
empinam preso ao barbante ou linha. Nos ilhas, como, por exemplo, os do Marima-
dias de verão, quando sopram os alísios, o rituba, Amador e Maracauaçu. A navega-
céu da Planície fica pintado de papagaios ção na Amazônia, tanto quando possível, é
de todos os tamanhos e feitios. Fazem-nos feita dentro dos paranás, por dois motivos:
também redondos e chamam-nos arraias. 1º, porque encurta a distância, em virtu-
Guerreiam-se e lutam no ar. Alguns le- de deles se acharem na parte convexa das
vam laminas de vidro na cauda para cortar voltas; 2º porque aí a água corre menos.
a linha do adversário quando quer dar o Arredios, pela natureza da sua posição ge-
golpe chamado moquear, isto é, colher o ográfica, da linha profunda do canal, são
outro pelo rabo. quase sempre inavegáveis de verão.
Papaná – L. G. Borboleta. Paranamiri – E’ o mesmo Paraná, se
Paperi – Pequeno abrigo, feito na bem que mais estreito e sinuoso. Sucede até
mata e na borda dos rios, de algumas folhas que certos paranamiris são mais extensos
de palmeira. Casota improvisada para ligei- que os verdadeiros paranás. Apenas pela di-
ra defesa da chuva e do sol; há muita gente minuta largura e pelas voltas vivas, próprios
no Amazonas, principalmente o nordestino pois à navegação miúda, de lanchas e gaio-
que, estropiando a pronúncia, chama tape- las, vinga a designação diminutiva.
ri, em desacordo com os velhos caboclos do Paranapucu – L. G. Braço de mar.
baixo Amazonas, guardas fiéis da língua ge- Pardavasco – Mulato metido a bran-
ral e de seus dialetos. Ninguém, de Manaus co. Aquilo é um pardavasco de 18 quilates.
132 Raimundo Morais

Sujeito com todos os estigmas do afer e fazem-se ventarolas, pastas e bolsas para
que só leva dizendo que é apenas moreno. guardar lenços, camisas, roupa branca.
Meu noivo é branco moreno. Dizem que Patranha – Mentira. Boato falso. E’
ele é preto, mas por inveja, por ciúme... tanta patranha agora que a gente não sabe
Parasquê – Parece quê. Revela dúvida, de que freguesia é. Isso é patranha. Disque
se bem que não seja irônica. Paresquê ele vem ai a 3º Republica, meu bem? Sei lá! O
desta vez embarca. Mais usada no fim da tempo é de patranha.
frase: o noivo passou esta noite, paresquê. Paturi – (Heliornis fulica) – Patinho
Está chovendo no roçado dele, paresquê. d’água.
Pari – Pano de talas e varas com que Pau à-toa – Classificação de que se ser-
se constrói o cacuri, que é uma espécie de ve o caboclo para designar certos vegetais de
tapagem armada nas praias e onde o peixe que ele não sabe o nome. Maneira de desa-
que desce ou sobe a margem esbarra, resvala, pertar pra esquerda. Que árvore é aquela,
procurando o fundo e cai no saco do cacuri. seu Sizenando? Pau à-toa. E aquela outra?
Parola – Contador de histórias. Fala- Também. E aquela, lá ao longe? Igualmen-
dor. Você não passa de um parola. te. Então aqui é só pau à-toa? Quase só.
Parte – Modo. Maneira. Exigência. Paumaris – Tribo indígena que habita
Deixa de parte pra meu lado. Só vives as margens do rio Purus. Sofre de moléstia
com partes. Isto é parte dele. Estou farto do fígado, tendo a epiderme, principal-
de parte. Leva este menino que só vive fa- mente nas partes expostas à luz, toda man-
zendo parte. chada de placas cinzentas, quase azuladas.
Passagem – Termo por que os nave- São talvez os selvagens mais degradados do
gantes da Amazônia designam certos pon- vale. Não plantam, não criam, não têm in-
tos difíceis na derrota. Passagem de pedras. dústria. De verão, vivem nas praias ribei-
Passagem de bancos. Passagem de paus. A rinhas do rio comendo ovos de gaivotas,
passagem mais rasa entre Belém e Manaus camaleão e tartaruga. De inverno, sobre
é o Furo Grande, no estreito do Boiuçu, rústicas jangadas de madeira com ligeiros
arquipélago de Breves. A passagem mais paperis por moradias, internam-se nos la-
profunda é Óbidos, garganta do Amazo- gos onde se alimentam de peixe. Uma raça
nas. A passagem de pedras mais perigosa, aborígine vencida e quase extinta.
nas grandes vazantes, é a Puraquecoara, Pavão – (Euripiga solaris) – Papa-
também conhecida por Morona. Tem um -moscas e tem um movimento no corpo,
farol e está balizada com duas pirâmides sobre as pernas fixas, que dá ideia de es-
de cimento sobre cabeços de pedra. De- tar dançando um minueto. Quando vê
mora a jusante de Manaus duas horas. um inseto, fixa-o de tal modo que parece
Patauá – (Oenocarpus pataua Mart). hipnotizá-lo. Depois, com rápida e cer-
– Palmeira. O vinho do fruto, grosso, pa- teira bicada, devora-o. Rajado de preto e
rece chocolate, se bem tenha a cor creme branco, sua vida é comer moscas.
laranja. Muito oleoso. Pávulo – Gabola. Fanfarrão. Pedante.
Patchuli – (Andropogon squarrosus) Que se vangloria de amores, de valentias.
– A raiz desta erva, fina como um cipó, Mas que sujeito pávulo. Mulher nem olha
produz um perfume agradável. Com ela pra ele e é aquela gabolice. Apanhou como
O meu dicionário de cousas da Amazônia 133

cachorro e anda com pavulagem, bancan- Peru, fidalgo de Castela, a sua viagem cons-
do o herói. tituiu a maior tragédia que já se escreveu so-
Paxicá – Guisado do fígado da tar- bre as águas barrentas do rio-mar. Buscava
taruga. Cortam essa víscera em quadradi- o aventureiro os tesouros encantados do El-
nhos do tamanho de dados e guisam-na dorado. Ele próprio, soberano daquele rei-
numa caçarola. E’ um dos mais finos pra- no ambulante, pereceu vítima, com outros
tos do magnífico boi do Amazonas; muito companheiros, de Pedro de Aguirre, mem-
oleoso, porém. bro da mesma expedição, que lhe tomou o
Paxiúba – (Iriartea exorrhiza) – Pal- comando da frota. Vinte e tantas embarca-
meira donde se extraem fibras têxteis e ta- ções miseráveis, sem conforto, remadas por
buado em forma de ribas, que servem para índios, representavam aquele triste reino
soalho de casa e de ponte, revestimento em marcha. Traziam, quando largaram do
de paredes, etc. As raízes, sobre as quais Peru, carta de prego para o Inferno. Até a
assenta o tronco, parecem um feixe de es- amante de Ursúa, como se fizesse parte dos
pingardas ensarilhadas. despojos, passou às mãos do usurpador que,
Peconha – Circuito de enviras que os por fim, foi morto nas Antilhas.
apanhadores de açaí metem nos pés para Peiê – L.G. Dez.
se firmarem nos caules e subirem com se-
Peito-de-forno – E’ o picado da tar-
gurança as arvores de tronco fino.
taruga temperado com limão, sal e pimen-
Pé-d’água – Chuva grossa. Apanhei
ta, espalhado no próprio peito, recoberto
um pé-d’água no caminho que estou como
com uma leve camada de farinha-d’água
um pinto, todo molhado.
bem fina, passada numa gurupena de cri-
Pé-de-chumbo – Alcunha antiga
vo miúdo, e levado ao forno. Serve-se na
dada ao português. Também chamavam
mesa, mesmo nas cidades, onde as famílias
calcanhar-de-frigideira.
já têm hábitos apurados, assim ao natural,
Pé-de-prato – Demônio. Espírito ma-
como saiu ao forno.
ligno. Gente, parece que o pé-de-pato se
meteu na casa do compadre? Lá ninguém se Peixão – Mulher bonita, gordota.
entende. E’ um bate-boca da nossa morte. Você viu, compadre, na saída da igreja,
Pé de vento – Trovoada seca. Corren- aquele peixão? Cabocla de verdade, chega
te aérea súbita, imprevista, que surpreende a estar roliça. Aquilo é de comer tambaqui
o navegante, virando-lhe a canoa, rom- e beber açaí. Se não estou em erro, é da ou-
pendo-lhe a vela, levantando em tromba tra banda. Já dancei com ela no Janauari.
as areias da praia. E’ só priprioca e jasmim. Foi compare Ju-
Pedra-ume-caá – (Myrcia ou Eugenia) linho que me apresentou esse peixão numa
– Planta arbustiva das praias enxutas. E’ noite em que a coroa do Divino pernoitou
muito procurada a de Parintins, excelente no sítio do senador Silvério.
contra a diabetes. Empregam-na fazendo Pele – Nome por que é conhecida a
chá das folhas. bola de borracha, vinda dos seringais. Al-
Pedro de Ursúa – Explorador espa- gumas chegam a pesar 50 e 100 quilos. O
nhol que desceu o Amazonas, de Lima à conhecimento de bordo, os manifestos,
ilha Margarida (1560). Governador no os despachos registram peles de borracha,
134 Raimundo Morais

como se a mercadoria fosse couro de al- de doente. Do palácio e do hospital, por ser
gum animal. fina e inofensiva. A branca (Sciaena amazo-
Pequena – Namorada. Hoje só danço nica), é a mais procurada. A preta (Plagios-
com a minha pequena. A pequena ficou cion auratus), não é tão abundante quanto a
assada por causa da flor que eu dei pra ou- primeira. Nada de comida pesada, está ou-
tra. Está como uma cobra. Que pequena vindo? Pescadinha branca, em água e sal, ou
sapeca. gralhada, até que lhe voltem as forças.
Pequetito – Pequenino. Que mosqui- Pescoção – Tabefe. Dei quatro pesco-
to é este? Maruim. Como é pequetito. ções naquele caraolho, que ele viu estre-
Perau – L. G. Caminho falso. Gran- linhas.
de profundidade junto dos taludes, à beira Piaçaba – (Leopoldinia piassava).
dos barrancos. Sumidouro, fojo. Vem do – Palmeira. Dá uma fibra arroxeada que
tupi pirau (onde falta o pé). Depressão lembra a cerda do porco. Dela fazem-se
funda, ignorada do leito. cabos, cordas, espias, viradouros, escovas,
Percevejo – (Canorhinus vestitus) – E’ vassouras. Abunda no rio Negro.
a espécie, segundo Wappaeus, mais hemó- Picada – Vereda aberta a facão. Cami-
fila. Há o percevejo doméstico e o perce- nho no meio da floresta que mal dá passa-
vejo do mato. Este mais sugador, aquele gem para uma pessoa. Estou abrindo uma
mais fedorento. picada que vai da minha estrada de seringa
à estrada do compadre Malaquias. Vi hoje
Pereba – Feridinha, sarna, erupção
uma picada na mata. Aquilo é peruano
herpética.
que anda atrás de caucho.
Periantã – L. G. Ilha flutuante de ca-
Pichana – L. G. Gato.
narana que desce a flor d’água na corrente.
Picota – Galinha-de-angola. No Sul
Chamam-na erradamente de barranco as
chamam-na capote. Geralmente pedrês.
pessoas que não são da Planície.
Criada nos sítios da Amazônia, ao ar li-
Periquito – Nó. Laço que se faz com o
vre, fica rústica e com hábitos silvestres.
próprio cabelo no alto da cabeça das crianças. Põe os ovos fora de casa, no mato, em
Faz um periquito nesse menino. Está com as densas capoeiras onde é difícil penetrar.
madeixas todas atrapalhadas, é melhor fazer Desaparece na volta dum mês. E quando
um periquito. Também se chamam de peri- regressa é com a ninhada de picotinhos.
quito os dois nós extremos feitos na morta- Vem bicando, ciscando, cantando. Os ja-
lha dos defuntos indígenas, nos sambenitos. camins mansos do terreiro, amigos de pin-
Perlenga – Discurso. Falatório. Par- to, saúdam-na com esturros ventríloquos,
lenda. Palavreado. Que perlenga pau. Eu agachando-se, de asas abertas. Cumpri-
já estava dorme não dorme. A perlenga da- mento que a picota reponde, no caráter de
quele sujeito é pior que dormideira. mãe que está criando muitos filhos, com
Pernóstico – Paroleiro. Que fala difí- esta queixa: “’stou fraco! ’stou fraco, stou
cil. Que emprega palavras científicas sem fraco!” E está fraca mesmo. Perto de um
que nem pra-quê. mês no choco.
Pescada – E’ um dos peixes mais esti- Picuá – L. G. Cesto, saco, balaio onde
mados da Amazônia. Manjar de casa rica e se guardam objetos domésticos. Também
O meu dicionário de cousas da Amazônia 135

se usa na acepção de mobília. Arruma os fugiu. Na língua geral pindaíba significa


picuás, minha gente, e vamos embora. outra cousa: é caniço, vara de anzol.
Picumã – L. G. Penduricalho de fuli- Pindorama – País das Palmeiras. E’
gem nas chaminés em forma de bambinelas. como chamam ao Brasil as raças ando-peru-
Pilão – Gral de madeira de lei feito de anas e pampianas, isto é, as gentes das cordi-
um tronco de âmago de árvore cilíndrico e lheiras e das savanas. O coração do Pindora-
cintado, de 6 palos de alto. A parte de cima ma, se tomarmos em conta o povo botânico
é escavada, de forma a poder a mão de pilão de Dea Palmaris, é a Amazônia, sobretudo o
esmagar e triturar o milho, o café, o guaraná, oriente da Planície, nesse verdejante estuário
o peixe e a carne-seca. Socar no pilão é esfari- onde tudo é leque verde, pluma, palma ver-
nhar, reduzir a pó tudo que lá se mete. de, ventarola verde, flabelo verde.
Pinho – Violão. O pinto fala na mão
Pílula – Palavra interjetiva da gíria
do Jerônimo. Que bicho danado no pi-
popular. Ora, pílula! Que pílula! Pílula, já
nho. Aquele pinho é de verdade.
não aguento esta maçada.
Pinicar – Bicar. Beliscar. Tocar de
Pimenta – (Capsicum) – Há uma
leve. A garça quis me pinicar, mamãe. Não
grande variedade na Amazônia. A mais
me pinique, seu atrevido. Está muito do-
estimada é a malagueta (Capsicum pendu-
ente, mal come, só pinicazinho um peixi-
lum), de um e meio centímetro de compri- nho, um franguinho, uma papinha.
do, fusiforme, vermelha. Come-se ainda a
Pinoia – Imprestável. Sem valor. Este
de cheiro, a olho de peixe, a murupi, a ma-
relógio é uma pinoia: não trabalha. Mas
ta-frade, e muitas outras. Também existem que pinoia é está? E’ um realejo velho.
os pimentões (Capsicum annuum), grossos, Você só compra pinoia, meu bem.
verdes, próprios para serem recheados.
Pipoca – Milho estalado ao fogo para
Pincho – Jogo de dinheiro entre comer. Coloca-se o bago de milho na cin-
crianças. Colocam um caroço de tucu- za, junto à chama do fogão, e ele estala,
mã ou uma bola de chumbo a seis pas- virando a massa do avesso.
sos, e cada um, entre dois, três, quatro, Piquiá – (Caryocar vilosum) – Vive nas
parceiros, faz pontaria com uma moeda terras altas. E’ uma das maiores árvores da
de cobre ou níquel. O que tiver melhor Planície. Alguns troncos medem cinco me-
pontaria coloca todas as moedas de cara, tros de diâmetro. Madeira de lei, os frutos
numa ruma, e bate com a bola. As que oleosos, cosidos, são muito apreciados.
voltarem a coroa para cima são ganhas. Se Pira – Sarna que ataca os animais.
restarem algumas, dá segunda pancada. Doença de pele comum aos cães e gatos.
Sobrando ainda, o segundo parceiro faz a Cachorro pirento. Que preto ruço, tuíra;
mesma cousa. Liquidado isto, principiam aquilo é pira...
de novo. Disque tu estavas jogando o Piracema – Cardume de peixe que
pincho, Quincas? Ainda mando soldado sai dos lagos no tempo das cheias e sobe o
te pegar. E’ mentira, mamãe. rio para a desova anual. A água reflete esse
Pindaíba – Quebradeira. Sem dinhei- fenômeno ficando toda agitada na superfí-
ro. Ando numa burra pindaíba. A pindaíba cie, como se um navio tivesse passado. Em
é geral, minha gente. Parece que o dinheiro geral o fato ocorre na cheia, pela beirada
136 Raimundo Morais

dos rios, quando os moradores das mar- Colares, esturário do Tocantins, é abun-
gens, com paneiros, tarrafas, serapilheiras, dante e pescado a espinhel.
frechas enchem canoas e canoas de pira- Piranha – (Serrasalmo) – Há bran-
mutabas, mandiís, pacus e outros peixes. ca, vermelha e preta. De escama, quase
O som confuso que essa multidão ictioló- redonda, como um disco, vive em cardu-
gica provoca, parece vir de longe. me, pronta a devorar a presa, seja embora
Piracuí – Farinha de peixe. Depois de um grande animal, como boi ou cavalo.
secar bem a carne do pirarucu, tambaqui, O ponto é haver um rasgão no couro do
pirapitinga, ao moquém, socam-na em pi- bicho ou na pele do homem ao atravessar
lão de madeira até reduzi-la a farinha. Tal um rio ou laguna. Voracissima, como o ti-
processo faz conservar por muito tempo gre, não pode ver carne ou sangue. E mes-
esse alimento, próprio para a matalota- mo conhecida, por esses caracteres ferozes,
gem dos viajantes, caçadores, pescadores. como o tigre da água.
Fácil de conduzir num pequeno jamaxi, o Pirão – Farinha-d’água misturada
piracuí é dos alimentos do índio o mais com caldo de peixe ou carne para servir
comum e sadio. de pão.
Piraíba – (Piratinga pirá-aiba) – Pei- Pirapaném – L. G. Estrela dalva. Pi-
xe de pele, é, ainda, o maior da Amazô- loto da manhã no céu.
nia. Chega a três metros de comprimento, Pirapitinga – (Chalceus opalinus) –
engolindo um homem. Vive nos grandes Peixe branco, na tradução indígena. Apesar
rios e baías. De vez em quando salta fora de ter muita espinha, é um prato delicado.
d’água quase a prumo. O caboclo conhe- De meio metro de comprido, no tempo da
ce, pelo salto da piraíba, se o rio enche ou desova sobe em piracemas, estrondando
vasa. Quando ela pula para o montante, nas margens do Amazonas rio acima.
enche; para o jusante, vasa. Malvista a sua Pirarara – (Silurus pirarara) – Peixe
carne, que aliás é saborosa, pela gente rica, de pele dos rios. Malhada de preto, bran-
só as classes menos abastadas das cidades co e vermelho, a sua gordura é tida como
da Amazônia a comem. No entanto os mé- de muito valor na pagelança doméstica.
dicos americanos, do Hospital da Cande- Fomente ele, comadre, com manteiga
lária, acima de Porto Velho, no rio Madei- de pirarara. É tiro e queda. Mano Chi-
ra, preferem-na a qualquer peixe, mesmo co estava assim. Pois com dois fomentos
à pescada, na alimentação dos doentes. O foi roçar. A gordura é aplicada ainda com
caso se torna mais singular, porque alguns grande êxito nos papagaios e periquitos.
desses médicos eram verdadeiras sumida- Obrigam esses trepadores a engolir nacos
des no mundo científico. de carne da pirarara para lhes transfor-
Piramutaba – (Platystoma Vaillantü) mar o colorido da plumagem. De ver-
– Peixe de pele, de três palmos, que nem é des, ficam todos malhados de encarnado.
muito procurado nem muito desprezado. Gente, como o louro tá diferente... Foi
E’ comida de pobre. No baixo Amazonas, manteiga de pirarara, nhá Zefa.
no tempo da desova, maio e junho, os car- Pirarucu – (Sudis gigas) – Um dos
dumes sobem estrondando pela margem grandes peixes da Amazônia. De escamas
do rio. Nas baías de Marajó, do Sol, de vermelhas, donde lhe vem o nome, é co-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 137

nhecido por bacalhau da Amazônia. Che- as populações a usarem um capuz de pano


ga a pesar cem quilos. Fresco ou salgado na cabeça, piuneiro. Tão irritante é a sua
é magnífico. A ventrecha é um petisco. picada, que muitas vezes, de tanto coçar, se
A cabeça moqueada – deliciosa. As peças abre em chaga. Há lugares, no Purus e no Ju-
secas ao sol chamam-se postas e também ruá onde, para ler e comer, é necessário estar
mantas. Pescam-no de frecha, arpão e em baixo de um grande mosquiteiro.
rede. A língua seca é uma grosa onde se Piuneiro – Capuz de pano que se usa
ralam guaraná, madeira, tubérculos. As es- nos altos rios para evitar a ferretoada do
camas servem de lixa. Choca os ovos nas pium nas orelhas, na face, no pescoço, na
guelras e cria os filhos sob os opérculos. A testa. Coberta assim a cabeça até aos om-
salga do pirarucu nos lagos é muito inte- bros, só aparecem os olhos, o nariz e a boca.
ressante, reveladora de hábitos, costumes, A picada do pium deixa um sinal que, de-
inteligência do caboclo. Tem um pulmão, pois de alguns dias, fica preto, quando não
como o aruanã, por isso respira à tona. inflama transformando-se numa ferida.
Piririca – Enrugamento, tremor da Pixaim – L. G. Emaranhado. Cabelo
água quando passa um cardume de peixe. de preto. Crespo. Embaraçado. Que negro
Escamoso, como lixa. Pele piririca, irritada. metido a sebo, hein, seu Alcides? Carapi-
Pirizal – Terreno baixo, úmido, reco- nha dele parece pimenta-do-reino; tão re-
berto de gramíneas. Brejo. Charco. A ta- torcida e fechada que lembra capoeira de
búa, conhecida por (Cypereus giganteus) no roça. E’ pixaim pra burro.
mundo científico, é o principal elemento Pixé – L. G. Nauseabundo. Mau chei-
vegetal desses trechos alagadiços. ro. Que preto danado pra tresandar a pixé!
Piroca – Calvo, careca. Pelado. Cabeça Ele não toma banho e só muda as meias
de recém-nascido. Criança piroca. no sábado. E’ por isso, então?...
Pisa – Sova, surra, tunda. Dei-lhe Poção – Lugar nas Ilhas de Dentro
uma pisa que o deixei a sal e vinagre. Tu (Furos de Breves) onde desembocam vários
queres é uma pisa... canais. Claros redondos no labirinto fluvial.
Pitinga – Claro, branco. Cuia pitinga. Poção dos Macacos. Poção da Olaria.
Jacaretinga, urubutinga. Poço – Cisterna de água potável que
Pitiú – (Podoenemis unifilis) – Peque- em geral as casas da Amazônia têm no
nina tartaruga, peito branco, casco bruno. quintal. Tira-se o líquido em balde ligado
Vive nos lagos e igarapé. Desova nas praias, à corda que passa numa roldana presa ao
onde é apanhada. Delicada, morre de súbi- travessão de madeira armado sobre o poço.
to quando fora de seu ambiente. Cheiro de Poita – Pedra amarrada a um cabo e
peixe. Mau cheiro, fétido. que serve de âncora aos pescadores. Fun-
Pitorra – Pequeno. Socadote. Quem deiam as canoas com a poita nos pesqueiros.
é este pitorra? Segura aqui o meu pitorra. Ponha–mesa – (Locusta viridissima)
Aquele pitorra me parece que é filho do – Lindo gafanhoto inofensivo, tido como
compadre Simplício. bom agouro. E’ uma esperança. Eu vi hoje
Pium – (Simuliuim) – Abundante nos uma ponha-mesa. Alguém está pra chegar.
altos rios. Tem a forma de um bicho de mi- E’ mano João que vem aí. Vamos pegar
lho, porém menor. Só voa de dia, mas obriga aquela ponha-mesa pra gente ser feliz, ma-
138 Raimundo Morais

ninho. As pessoas do interior julgam que Pororoca – Choque entre as águas do


a ponha-mesa adivinha o sexo das crianças mar e as águas do rio em lugares onde o
que estão para nascer. Assim, se há alguém leito é raso e cheio de altos e baixos. Só é
para descansar no sítio, pegam a ponha- possível a pororoca onde haja maré, fluxo
mesa e sopram-lhe na testa; se ela bate e refluxo lunar, enfim. Manifesta-se com
com as duas patinhas dianteiras, é fêmea; as águas vivas de equinócio nos cursos
se faz um gesto de querer flechar, é macho. fluviais da Guiana brasileira e nos rios
No Sul chamam-na de louva-deus. Guamá e Capim, a montante de Belém.
Popocar – Ferver em borbotões. Bor- O fenômeno não é exclusivo da foz do
bulhar. Amazonas. Com outros nomes ele existe
Poronga – L. G. Bonito. Bom. na Europa, na Ásia, na África.
Poraquê – (Gymnotus electricus) – E’ Porre – Bebedeira. Está porre. Sujei-
peixe dos lagos, dos igapós e igarapés, em to tonto, bêbedo, alcoolizado, borracho.
cujas bocas vive. Parece uma enguia e che- Também aplicam o termo como medida
ga até dois metros de comprimento. Dá de cachaça. Dê cá um porre de cana, de
descargas elétricas que parecem pilhas. branquinha, de água que passarinho não
Às vezes fulmina um homem, quando lhe bebe. Compadre, você está porre. Venha
passa sobre o coração. E’ muito temido. de lá um porre aqui por conta do branco.
Faz cair certos frutos, como o do juari, do Porrete – Bengala grossa, tosca. Aque-
carauari e do taperebá, dando choque no le sujeito tem cara de agente de polícia,
tronco dessas árvores aquáticas. Negro, olha o porrete dele. Você agora anda de
manchado de amarelo e branco, constitui porrete, parece secreta. Isto é um porrete
um perigo para quem mergulha ou toma de maçaranduba; pois este é de paxiúba.
banho onde ele existe. Ninguém lhe come Porto de Belém – O porto de Be-
a carne, que é mole e desenxabida. Hum- lém, capital do Estado do Pará, demora
boldt e Bonpland observaram uma pesca à margem oriental da baía do Guajará, a
de poraquês, muito original, na bacia do pouco mais de 100 milhas do Atlântico.
Orenoco, Venezuela, e que constitui em Possui três canais do sentido norte-sul. O
lançar uma cavalhada em lagoa rasa, cheia de leste, que passa junto ao cais da cidade,
de poraquês. Os quadrúpedes, a princípio, é o mais raso de todos; o do centro; e o
ficaram verdadeiramente loucos, tomados de oeste, que banha a ilha das Onças, do
de pânico com o choque das enguias. Al- outro lado da baía, e é o mais profundo.
guns foram fulminados. Mas, à proporção O seu regime de águas é de marés: enche e
que o tempo ia passando, eles ganharam vaza de seis em seis horas, sendo as marés
coragem e dominaram o campo, quan- de sizígias, nos equinócios, as mais altas.
do então os poraquês começaram a fugir Os transatlânticos atracam ao cais de ci-
para as margens. Este desfecho imprevisto, mento. Apesar de haver quem lastime o
julga Humboldt ser devido ao enfraque- fato das águas não enfiarem pelo canal que
cimento das baterias elétricas dos peixes, margina o porto, obrigando a companhia
que, depois de descargas e mais descargas, construtora a uma constante dragagem
vão ficando sem energia para grandes cho- para manter a profundidade aproximada
ques, ou, talvez, para nenhum. do contrato com o governo da República,
O meu dicionário de cousas da Amazônia 139

isso é um bem para a cidade e para a em- refluxo, em Manaus são os ventos alísios,
presa concessionária. Se a corrente pene- vindos do mar, que, depois de carregados
trasse por aí, a erosão seria fatal, trazendo de umidade na travessia do Atlântico, des-
como consequência o desmoronamento penham as chuvas no vale, auxiliados, para
da muralha, como há pouco sucedeu com as cheias periódicas, pelo gelo derretido na
o velho trecho próximo ao Ver-o-peso. O cordilheira dos Andes.
estabelecimento do porto de Belém é de Posta – Manta de pirarucu. Nome
30’. Ele tem três barras que lhe dão aces- por que, na Amazônia, se chama a uma das
so: a do Chapéu Virado, que é a do norte, bandas do Sudis gigas, aberta ao comprido,
mais profunda, assinalada pelo farol do para depois secar ao sol. Que posta rosada
mesmo nome e o farol do Tatuoca; a do de pirarucu! Veja esta posta de peixe como
centro, chamada do Cotijuba e assinala- está bonita, compadre. Tenho trinta postas
da pelo farol deste nome; e a do sul, mais para empacotar.
rasa, perigosa e estreita, conhecida pelo Potoqueiro – Cantador de mentiro-
nome do farol que a baliza: Arrozal. las. Nunca vi um potoqueiro como este re-
Porto de Manaus – O regime do por- gatão. Mente mais do que a preta do leite.
to de Manaus é fluvial. Enche e vaza de Potoca vive na língua dele. Não respeita
seis em seis meses. As águas principiam a barba das pessoas mais velhas.
baixar em junho e a encher em novembro,
Poxi – L. G. Mau, feio.
com pequenas variantes determinadas pelo
Praga – Abundância de carapanã.
verão e pelo inverno mais ou menos bran-
do ou copioso. A maré atlântica não chega Hoje tem muita praga, chega a estar zu-
até Manaus, de sorte que não há aí estabe- nindo. Tranca porta, janela, tudo cedo que
lecimento do porto, que é o retardamento praga é demais. Quanta praga, doutor! No
da preamar sobre a hora da passagem da baixo Amazonas, o processo de defesa con-
Lua pelo meridiano no dia de uma sizígia tra o carapanã é a casa fechada antes de
equinocial. Seu porto de acesso, construí- cair a noite. Cerram-se as portas, as janelas
do sobre flutuantes onde podem atracar os e apagam-se as luzes. Pouca gente aí usa
maiores paquetes do mundo, honra a inte- mosquiteiro, como sucede no ocidente da
ligência do homem amazonense. À margem Planície, nos altos rios, onde o nordestino
setentrional da baía do rio Negro, distante 6 se serve dele invariavelmente, e chama, em
milhas da foz, circunda, além do flutuante vez de praga, mosquito. E’ mosquito pra
de embarque e desembarque, uma vermelha mandar pra o Cão. Vote!
muralha de pedra (“Arenito”). Nas grandes Praia de viração – Tabuleiro em que
inundações, quando o degelo andino coin- se viram tartarugas; só possível em tempo
cide com as chuvas da Planície, a água sobe de verão, quando o quelônio sai d’água e
ao último pano da muralha, pouco faltando sobe a terra para desovar na areia. Viram-no
para alagar a terra marginal dentro do cais. então de peito para cima aos cem, duzentos,
A influência hidrográfica aí é mais meteo- milhares, de forma que ele não pode mais se
rológica que astral. Ao contrário do porto locomover. Vamos fazer uma viração ama-
de Belém, no oriente da Planície, onde a nhã na praia do Tamanduá. E’ um proces-
Lua é que rege o movimento de fluxo e so que concorre para extinguir a tartaruga,
140 Raimundo Morais

pois é feito antes da reprodução. Já existem que é falso. Que deseja a senhora que se
posturas municipais proibitivas. faça ao dono ou dona desta prenda? Que
Prancha – Grande tábua de um só vá lamber sabão. Que vá ver o sol nascer.
pau, que os “gaiolas” conduzem a bordo Que não minta mais.
para estabelecer comunicação entre o navio Priprioca – (Killinga) – Herbácea.
e os portos de escala. E’ pela prancha que As raízes, tubérculos ganglionados, têm
carregam e descarregam mercadorias; em- um aroma original. Raladas, servem ao
barcam e desembarcam passageiros. Bota a cheiro de papel usado na Amazônia para
prancha! Tira a prancha! São vozes ouvidas perfumar as gavetas de cômodas, os baús,
nos “gaiolas” durante a chegada e a saída de os sachets.
qualquer lugar no curso da derrota. Proa – Insolência. Arrogância. Veja
Prático – Piloto fluvial. Que dirige a aquela proa, seu doutor. Nem navio de
navegação a bordo dos “gaiolas”. E’ quem guerra... Que proa! Quanto mais se ele
dá o rumo, ordena a mudança de dire- fosse mesmo formado. Rábula barato...
triz, manda sondar. Todos os movimen- Nem da Jaqueira ao menos ele é...
tos da água lhe são familiares. O rebojo, Promessa – Voto que os fiéis fazem
o remanso, o estoque d’água, a corredeira ante os seus padroeiros e que cumprem
corresponde para ele a um fenômeno telú- num determinado dia depois de atendidos.
rico, a um acidente topográfico, no fundo Por doenças físicas e morais prometem di-
do rio nas margens. A derrota é feita pela nheiro, penitências, rezas, velas, membros
terra. As enseadas, as pontas, as árvores, de cera. O santo, então, cremos que antes
as abertas, os capinzais é que marcam o por bondade que pela paga, faz o milagre.
canal. Uma sumaumeira manda abrir da Há indivíduos, todavia, tão caloteiros, que
margem; um capinzal manda encostar. depois de servidos, esquecem o benefício.
Preamar – Quando a água da maré Outros, sovinas, só no momento do aperto
atinge ao seu mais alto nível. é que dizem dar isto e aquilo. Outros, ainda,
Prego – Casa de penhor. Está com as mesmo no instante afetivo, estão usuraria-
joias todas no prego. Relógio dele só vive mente regateando com a divindade. Existe
no prego, coitado! Também se emprega no um conto nas Várias histórias, de Machado
sentido de parar por cansaço ou falta de de Assim, que é uma verdadeira vergonha
combustível. Gente, carroça do Mané da em matéria de promessa. Um devoto dimi-
Horta deu o prego. Também cavalo dele não nui tanto o preço da cura da mulher, que
come, disque vive como o cavalo do inglês, S. Francisco de Sales fica escandalizado. E’
que Deus não me castigue. Automóvel do o próprio silvícola que narra isso aos cole-
governador deu o prego na Avenida. Falta gas na presença alarmada de um sacristão.
de gasolina, parece quê. Por que não usam Depois do fiel prometer uma perna de cera
álcool, que é cousa nossa e mais barata? para o azeite do culto, arrepende-se e só
Prenda – Jogo de salão. Divertimento quer dar 1.000 Padre Nossos e 1.000 Ave
doméstico entre rapazes e raparigas. Vamos Marias. Miséria inconcebível que o santo
brincar de prenda? Pague prenda. Por que conta ironicamente, sorrindo, a S. Miguel,
o seu fulano na berlinda? Porque é bonito. a S. João Batista e a S. Francisco de Paula,
Porque é rico. Porque é namorador. Por- numa doce cavaqueira sagrada, em hora de
O meu dicionário de cousas da Amazônia 141

folga religiosa, para mostrar a usura de cer- vermelho sem dizer que era o príncipe de
tos católicos. Gales. E pedia logo uísque para oferecer
Pronto – Sem dinheiro. Estou hoje ao herdeiro do trono da Inglaterra. Mim
liso, sem um tostão. Não tenho com que pesado, mim bife, mim patriota. E dizia
mandar cantar um cego. Fiquei pronto no horrores da rainha Isabel com sir Walter
jogo do bicho. Ando cercando o macaco Raleigh. Puçanga é o nome de um formo-
há dois meses, mas nada. O bicho salta so livro de Peregrino Júnior e que foi pre-
que nem o macaco-de-cheiro no mato. miado pela Academia Brasileira de Letras.
Prosa – Falador. Padroeiro. Este su- Pucuri – (Nectandra puchuri major) –
jeito é um prosa, vice contanto histórias Da família das lauráceas. Os frutos, com
do arco-da-velha. Que prosa, aquilo é só favas ovoides, aromáticas, têm o sabor da
da boca pra fora. Vá ser prosa assim para noz-moscada. São medicinais.
o diabo. Puera – Lama enxuta. Fundo de la-
Puba – Apodrecida. Mandioca puba, goa seca. Campos desencharcados, endu-
amolecida na água durante muitos dias. recidos pelo sol. Há quem chame ipuera.
Puçá – Instrumento de pesca. Sim- Putirum – Ajuntamento de vizinhos
ples aparelho com que o caboclo apanha e amigos para trabalhos de roça, constru-
peixe miúdo, marisco. E’ um arco de cipó ção de casa, pescaria. Auxílio recíproco dos
ou arame em que se veste um saco de pequenos lavradores. O putirum, apesar
pano, em forma de funil, de malhas mais de ser uma reunião para fins agrícolas e
ou menos abertas. Usam-no com cabo, domésticos, é, de fato, um pretexto para
nas pescarias de camarão, como um saco
festas, ladainhas, danças. Tanto que, antes,
de entomólogo para apanhar borboletas. E
na casa em que se faz o putirum, há uma
usam-no com alça, atada à linha, quando
verdadeira acumulação de comestíveis para
o mergulham no leito dos rios e lagos.
o sustento de 10, 20, 30 pessoas. Juntam-
Puçanga – Medicamento de curan-
se o pirarucu, a farinha, os xerimbados
deiro. Droga da pagelança. Beberagem.
destinados ao alimento dos convidados.
Mezinha, em geral de ervas, folhas, cipós,
Comem-se até as galinhas dos santos, os
aplicada na feitiçaria. Cuidado com algu-
leitões do senhor bispo, os jabutis do vi-
ma puçanga. Não toma nada lá no sítio
gário. Verdadeira heresia, pecado mesmo.
dela, nem vinho de cacau, nem açaí, nem
Credo!
café. Aquilo é mestra em puçanga. O ma-
jor Bonifácio, quando andou enrabichado Puxando – Depressa. Olha como
pela Chica Engole-cobra, diz que foi man- aquele “gaiola” vem puxando pra chegar
dinga feita por ela. Assim compadre Cae- de dia. Naveguei desde ontem puxando.
tano... Bebeu lá um café, e, não lhe digo Também se diz do bêbedo. Um sujeito que
nada, nunca mais pegou um mandií, de só vive puxando. Não te mete que ele está
panema, minha xera. Um doutor inglês, puxando.
coitado, que, andava por aqui pegando Puxar fogo – Sinal dado à máquina
as suas aranhas, as suas minhocas, os seus a fim de que maquinista de quarto mande
grilos, ficou tão virado da bola com a fei- ativar os fogos para a embarcação partir.
tiçaria da mulher, que não podia ver boto Mande puxar fogo, imediato.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Q dos pelo fogo, que estão ficando estéreis,


calcinados, áridos.
Queimar – Usar. Gastar. Vestir.
Quandu – (Coendu prehensilis) – Ro- Agora vou queimar casimira. Queiman-
edor que lembra o porco-espinho. Tem o do colarinho alto, ein? Só queimando
rabo comprido. Passa a vida sobre as ár- seda, coração. Bicho pra queimar lenço
vores. Come frutos e anda mais de noite bordado.
que de dia. Queixada – (Dicotyles labiatus) –
Quaresma – Mentiroso. Contador Também chamado porco-do-mato. Anda
de potoca. Você já viu quaresma como em varas numerosas devastando roças e
seu Inácio? Mentira chegou ali e armou plantações. O bater das mandíbulas é ou-
rede, que Deus me perdoe. Não acredite, vido a distância na floresta. E’ atrevido.
nhá Mirandolina, isso é um quaresma de Investe contra o homem, que, para se lhe
marca. defender das presas ameaçadoras, tem que
subir em qualquer árvore.
Quebrado – Que não tem dinheiro.
Ultimamente, compadre, tenho andando Quengo – Inteligência. Astúcia. Pers-
quebrado mesmo. Nunca estive quebrado picácia. Sujeito de quengo. Embrulhou a
negrada toda. Foi uma quengada do tama-
como agora. Também empregam no senti-
nho de um bonde. Não escapou nem rato.
do de falido. E’ negociante quebrado. Pe-
diu moratória primeiro e depois quebrou. Querosene – Petróleo. A metade talzez
dos candeeiros, lamparinas, faróis do inte-
Quebranto – Prostração, cansaço, fra-
rior do vale, nos barracões, nos sítios, nas
queza, abatimento físico atribuído a mau
fazendas, nos retiros é cheia com esse com-
olhado. Gente, este menino não come, bustível líquido, importado da América do
não chora, não ri; querem ver que ele está Norte em caixas que contém duas latas de
com quebranto. Foi o capitão. Botava on- cinco galões cada uma. A outra metade é
tem cada olho pra criança que parecia um cheia com azeite e óleos regionais, figuran-
espinho. Só benzendo... do em primeira linha o azeite de andiroba.
Queimada – E’ o nome que se dá ao Quindim – Afago, carinho, encanto,
incêndio propositado dos roçados e dos meiguice. Mulher cheia de quindim, facei-
campos no tempo seco. Na região vargei- ra. A Maricota ontem, gente, estava que
ra, onde as pastagens alagam, o fogo não era um quindim pra o lado do capitão.
prejudica a terra que se fertiliza com a Quintal – Terreno aos fundos, ao
colmatagem. Nas campinas alpestres, nos lado ou ao redor da casa. Baldio ou com
pontos altos, onde a água das enchentes pomar, quase todas as residências amazô-
não chega, a queimada é muito prejudi- nicas, mesmo nas capitais, o possuem. Em
cial. Os campos do rio Branco, verdadeiro geral as senhoras preferem as moradias que
Far West do Amazonas, têm sido tão bati- têm quintais. Quando escolhem casa para
O meu dicionário de cousas da Amazônia 143

se mudar predomina, na preferência, o Quitanda – Casita de comércio em


quintal. A casa é boa, meu velho, mas não que se vendem frutos. Vai na quitanda
tem quintal. Onde eu vou criar minhas ga- do canto que tem laranjas. Comprei estas
linhas, meus perus, minhas picotas, meus mangas na quitanda do Manuel das Vata-
xerimbabos? Vamos ver outra, que tenha tas. Lá também se encontram umas sapo-
quintal. tilhas tão grandes e bonitas que só faltam
dizer: me comam.
Quirana – L. G. Piolho falso. Lên-
dea. Quiticar – Golpe diagonal, um junto
do outro, que se dá nos peixes miúdos, de
Quiriri – L. G. Calada noturna.
muita espinha, pra serem fritos ou assados
Aparente silêncio da natureza. Ilusão
inteiros. Quitique bem esse jaraqui que
acústica. Imperceptível burburinho de tem espinha demais. Eu quitico um peixe
vozes de insetos, cujo som, aos nossos que ninguém sente espinha.
sentidos, parece mudo. Expressão ono- Quitute – Comida gostosa. Prato es-
matopaica talvez dos grilos, das cigarras, pecial. Petisco de peixe ou carne. Coronel
dos besouros, a zunir ao longe, e que o não come nada. Pinica só, comadre. Se va-
íncola traduz numa palavra estridulada. çuncê não fizer um quitutezinho para ele,
Quiriru – (Octopteryx guira) – Tam- é como se não houvesse comida na mesa.
bém conhecido por anu-branco. E’ todo É homem que gosta de rolinha, tortinha,
arrepiado. Das aves trepadora é a que mais papinha, canjiquinha. Tem paladar fino
gosta do litoral. que até parece estrangeiro.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

R à flor d’água. Rebanada da piraíba, reba-


nada do jacaré, rebanada do boto.
Rebojo – Funil d’água que a corren-
Rabicho – Namoro. Paixão. Isso é te abre sobre cabeços de pedra, troncos de
rabicho. Você não larga a Vicência. Pare- árvore fincados no álveo, ou nos encontros
ce que o coronel anda de rabicho com a de caudais na confluência dos rios.
professora. Reboque – Montaria rebocada pelos
Rabo do olho – Olhar disfarçado. barcos a vela que trafegam na contracosta
Aquele sujeito só vive me olhando pelo paraense conduzindo gado de Marajó. Pe-
rabo do olho. Não sei o que ele quer comi- quena embarcação destinada às manobras
go. Olha pelo rabo de olho pra mulher do de atração do veleiro como dar uma es-
coronel. Credo! Parece uma arara de tanta pia pra terra, ligar um cabo vaivém; ou,
fita encarnada. Bota o rabo do olho ali pra ainda, fazer o serviço dos tripulantes. O
o outro lado. reboque está alagado. Ala o reboque. Vá
Rafameia – De baixa esfera. Sem no reboque.
imputabilidade. Da escória social. Aque- Reboldosa – Rebordosa. Repreensão.
le sujeito não presta, é da rafameia. Veja Advertência. Passei-lhe ontem uma rebol-
a proa dele, compadre; nem parece vindo dosa que ele ficou com a cara no chão. Bas-
da rafameia. ta outra reboldosa para ele ficar direito.
Ralhar – Admoestar. Não vá ralhar à Rebuçado – Calda de açúcar en-
toa à criança. Você só vive ralhando á gen- durecida em bola e embrulha em papel.
te. Que mulher danada pra ralhar. É um bombom nacional, sobretudo da
Rana – L. G. Sufixo da língua tupi Amazônia. Fazem-no com doce de bacuri,
guarani que significa parecido, semelhante. cupuaçu e caju dentro da massa. No Sul
Canarana, cana falsa; suçuarana, onça pin- chamam-no bala.
tada como veado; abiurana, abiu parecido. Rede – Cama pendurada. Pano grosso
Ranzinza – Intransigente. Que só com punhos nas extremidades, armado em
torce pelas cores do seu clube. Que só cordas no ar, em que se dorme na Amazônia.
acha valor e agilidade nos jogadores da sua Tecida de algodão ou tucum, ela é o leito da
sociedade. Aquela mocinha é ranzinza de gente da Planície. Todos aqui dormem em
verdade, chega a ficar torta quando a bola redes. Algumas brancas, com varandas de
não faz gol. labirintos, tecidas de linha fina, são admirá-
Rebanada – Modo brusco por que veis de macias. Outras, de tucum creme cla-
qualquer pessoa se volta e retira de junto ro, espécie de linho do vale, bem urdidas,
de outra. Movimento de ira e de raiva por decoradas, são magníficas de resistência, se
que é cortado um diálogo, uma discussão. bem não tenha a brandura das de algodão.
Ele deu uma rebanada e foi-se embora. A mais belas ainda nos vêm do Maranhão,
Ação do rabo do peixe e do sáurio ao bater e as mais ordinárias, do Ceará. A mulher da
O meu dicionário de cousas da Amazônia 145

Amazônia tece um tipo intermediário, mais cabeças de gado, seu cacaual, sua roca, seu
forte, porém menos belo. As varandas, em batelão. O capitão Nicolau é remediado,
geral, em vez de serem urdidas do mesmo já tem seus teréns. Está para ser coronel,
fio ou linha, são de chita. dizquê. Filha dele vai pra capital estudar
Regatão – Embarcação de comércio pra professora. E’ tão bonitinha, benza-a
ambulante. Galeota, maior que a igarité, Deus.
de tolda corrida, com um compartimen- Rengideira – Barulho que fazem cer-
to fechado à popa. E’ tirada a remo de tas botinas. Que reúnas para rangerem. Só
faia por dois tripulantes. Propriedade queimo agora rengideira, hein, compadre?
hoje do turco, já o foi do hebraico e do Repiquete – Sinal de enchente, acima
português. Trafega em toda a Amazônia, do estuário amazônico, onde não predo-
vendendo artigos de estiva e artigos de ar- mina mais a força da maré atlântica. Pri-
marinho. Há, no seu bojo, desde o jabá, meiras manifestações anuais das cheias.
a conserva, a farinha, o feijão, o sal até Enxurrada. Lençóis turvos de linfa. Água
à conta, ao pente, ao brinco, à seda, ao nova que invade a água transparente,
anel. Chamam indiferentemente de rega- quieta, manchando de placas barrentas a
tão ao dono e à galeota. Não falo com
toalha líquida. Gente, rio está enchendo!
esse regatão safado. O regatão está fazen-
E’ repiquete. Canoa fugiu com o repique.
do água.
Cuida de desmanchar a roça por causa da
Reimoso – Que faz mal ao sangue. cheia; repiquete vem aí.
Que produz erupção de pele. A carne de
Repuxo – Resistência. Você não tem
anta é muito reimosa, a da piraíba tam-
cara de quem aguenta repuxo.
bém. Não coma nada reimoso, compadre.
Só uma pescadinha de grelha, um inham- Rês – Boi, vaca, novilho, vitela, touro
buzinho e um chazinho de cidreira (erva- dos rebanhos vacuns amazônicos. Aplica-
cidreira). Também dizem carregado. E’ se o termo, indistintamente, aos machos
muito carregado esse peixe. Isso é a caça e fêmeas. Que rês é aquela, capataz? E’ a
mais carregada que eu conheço. Coma- vaca da comadre Josefa. E aquela outra?
dre Camélia está com a cara grossa só de Qual? Aquele cornopeto de armação re-
provar caititu. Assim o coronel. Pegou a torcida. E’ o touro do dr. Figueiredo.
comer jabuti e tracajá, olha a idade das pe- Restinga – Cordão de praia nova co-
rebas... E’ cada uma rodela que parece tajá. berta de lodo e que geralmente reponta
Ele que tome batatão, que é remédio bom do seio das águas à costa. Baixio recente,
para essas moléstias de inglês. comprido, isolado; às vezes uma das extre-
Remanso – Água dos rios que corre midades toca na beirada.
na beirada em sentido contrário do cau- Retiro – Barraca afastada das fazen-
dal em virtude de pontas de terra, fins de das de gado, próprio pra domitório dos
praias, enseadas, onde o ângulo morto vaqueiros. Vou levar cinco homens para o
provoca uma espécie de refluxo fluvial. retiro a fim de examinar as reses do Bom
Remediado – Que tem alguma for- Jesus. Está dando muita bicheira lá. Carra-
tuna. Sujeito que dispõe de recursos, que pato também é demais. Então, aproveite e
tem seu “sítio”, seus bicos de galinha, suas ferre a bezerrada.
146 Raimundo Morais

Reúnas – Borzeguins de soldado. Bo- lance em questão pelo ocidente. Nos dias
tas ordinárias. Anda com umas reúnas de correntes, esse trecho é um braço quase
rengideira, que se ouve na Marapatá, cre- morto, que seca a todo instante. Os file-
do! Onde arranjaste estas reúnas? Eu agora tes d’água que passam do Amazonas para
não quero calçado fino, que não dura; vou ele, pelos Furos de Breves, auxiliados pelo
comprar reúnas. Anapu, Pacajás e Jacundá, não o alimen-
Ribanceira – Talude à margem do tam suficientemente, de maneira a dar
rio. Terra escarpada, nua, talhada a pique oportunidade. Só depois que ele recebe
na orla dos cursos d’água. o Tocantins, na altura do Mandi, é que
Richard Spruce – Inglês nascido na seu leito se escava rumo do mar. Assim
Escócia. Naturalista de alevantados mé- todo o trecho que vai dos Furos de Breves
ritos. Depois de Von Martius, foi ele o ao Joroca, incluindo as baías de Melgaço,
maior botânico estrangeiro que visitou a Portel, Bagre, Oeiras, e que se chama rio
Planície. Seu Notes of a botanist é um re- Pará, levanta o colo, seca, gangliona-se,
positório magnífico de informações sobre rasando continuamente. E não passarão
a nossa flora. Quem coligiu e publicou muitos séculos que esse primitivo galho
esse trabalho foi Alfredo R. Wallace, pois amazônico se transformará no istmo que
Spruce, doente, desanimado, não pôde vai fazer de Marajó uma península. O
levar a cabo tal obra, cheia de mapas geo- rio Pará, pois, à proporção que o tempo
gráficos e múltiplos documentos do Arbo- avança, definha e morre.
retum Amazonicum. O primeiro volume, Rios gêmeos – Todos os tipos de
referente a Belém, Santarém, Óbidos, rio curso fluviais do mundo são encontrados
Trombetas, Manaus, rio Negro, rio Uapés na Amazônia, como se aí fosse o reino
e rio Orenoco, além das minuciosas ano- monumental de uma feira hidrográfica.
tações do mundo vegetal, estuda a índole Além do colorido das águas, barrento,
do nosso povo. Spruce, porém, afora es- transparente, verde, azul, branco, ama-
tas viagens no baixo Amazonas, esteve no relo, vermelho, negro, surgem os tipos
Peru cisandino e nos Andes do Equador. antagônicos ora parecidos, quase iguais,
Rio Pará – E’ como se chama o cau- ora diferentes, como se fossem antípodas.
dal que contorna o sul de Marajó. Ele foi Desde o rio de planície ao rio de mon-
um volumoso galho do Amazonas em tanha, passando pelo misto, que é o rio
tempos idos, quando o grande rio rompeu de planície e de montanha, ao mesmo
a comporta que o separava do Atlântico. tempo, ao se encontram. Mas, entre essa
A rechã do Marajó, que nessa era não pas- variedade de artérias de água doce, há que
sava de parte do bloco continental, ficou registrar os gêmeos, isto é, os parecidos,
ao centro, como ilha. O lençol líquido que lembram filhos do mesmo pai e da
que principiou a banhá-la então pelo mesma mãe. Assim, o Purus e o Juruá são
flanco meridional, em virtude da curva, os mais semelhantes do grande anfiteatro.
foi perdendo a velocidade e o sedimento Atravessando a mesma infinda planura
começou a colmatagem até que surgiu o coberta de floresta ao sul da corda má-
numeroso arquipélago chamado agora de ter, que é o Amazonas, as suas barrentas,
Ilhas de Dentro, e que ameaça fechar o as suas voltas sinuosas, as suas penínsu-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 147

las rasgadas em “sacados”, são idênticas. meu roçado. Então, não foste promovi-
Flora e fauna irmãs, há que remarcar, na do? Cabia-te a vez. No meu roçado não
vegetação, uma dessemelhança: enquan- chove, meu velho.
to abunda no Purus, desde a foz até às Roceiro – Pessoa do interior, que cor-
nascentes, o castanheiro, Bertholetia ex- responde ao camponês da Europa. Indiví-
celsa, no Juruá não existe a famosa árvore, duo, simples, que veste e fala em desacor-
estragando-nos o “similis” das selvas. De do com a gente da cidade. Aspecto roceiro.
parte isto, porém, ver o Purus correndo Sujeito, que, longe, demonstra logo sua
de verão e de inverno, por entre duas pa- proveniência dos povoados, vilas e cida-
redes de verdura, é ver o Juruá correndo. des da planície. Coronel roceiro. Matu-
Em seguida vêm outros dois gêmeos: o to. Chefe político da roça. Moça chegada
Xingu e o Tapajós, de linfas esverdea- na capital é roceira. Estou ainda roceiro,
das, transparentes, encachoeirados, com compadre.
vegetação diferente da dos rios de água Rocinha – Habitação nos arrabaldes
branca carregados de sedimentos. Fluin- de Belém. Casa fora da cidade, espécie de
do ambos ao sul da Amazônia, de cor- quinta, toda de pomar. Moradia antiga da
rentes pobres de detritos, coloração úmi- gente rica do Pará. Vai caindo em desuso
da, parecem-se profundamente, desde o essa designação, substituída agora por vila,
perfil de suas margens até ao panorama bungalow, retiro.
de seus vales. Da banda do norte, isto é, Rodela – Tábua da proa e popa da
nas terras guianenses, correm outros dois canoa que fecha a embarcação. Também
parecidos: Nhamundá é Trombetas. Vê- significa, carapetão.
se, depois, uma série de rios difíceis de Rolo – Briga entre muitas pessoas.
aproximar. Assim, o Negro e o Branco Que rolo danando ali na estância do seu
são, logo pelos nomes que lhes refletem a Manuel do Minho.
coloração hídrica, dessemelhantes. O To- Ronca – Antigo. Remoto. Apareceu
cantins, que nasce na terra mais velha do com uma roupa do tempo do ronca. Aqui-
globo e morre na terra mais nova, é único lo é dança do tempo do ronca. Festa do
na bacia, desde os rumos em que rola, de tempo do ronca.
sul a norte, até à sua flora de cabeceira Rouqueira – Pequeno canhão grosso
e de desaguadouro. O Javari, o Japurá, o de ferro ou bronze usado no interior da
Jari, o Maecuru, cada qual tem a sua fi- Amazônia para anunciar, nos sítios e veló-
sionomia mais ou menos desigual. rios, festejos populares e religiosos. Gente,
Roçado – Mata desbastada para cul- parece que ouvi um tiro de rouqueira na
tivar o terreno. Área que se limpa para outra banda o rio, será? E’ no sítio com-
plantar. Fiz um roçado que parece um padre Silvério. Querem ver que foi padre
campo. Só deixei de pé, como o índio, Ananias que chegou. Ou então é Coroa
as pupunheiras. Abri um roçado na ter- do Divino que vem subindo na desobriga.
ra firme. Também se emprega no senti- Se for, eles pernoitam aqui. Vamos dan-
do figurado, para exprimir felicidade ou çar. E se mata o capado de S. Benedito.
caipora. Disque tiraste, pela segunda vez, Aqueles dois patos de S. José também vão
prêmio na loteria? E’, está chovendo no pra faca; e as quatro frangas das Onze Mil
148 Raimundo Morais

Virgens. Não vejo a jabota de S. Pedro. nuvens. Ele preside às paixões; é encarre-
Festa de Santo só se come xerimbabo de gado de agitar os sentimentos nobres no
santo. Aproveitemos ocasião pra mandar coração humano, de despertar a saudade,
também pro leilão da matriz de Manaus o a simpatia, a generosidade, o desejo. Sua
casal de “nicorne” que se criou em louvor missão principal é fazer amar. Outros figu-
de S. Cornélio. ram-na como deusa, pois os mitos autóc-
Rudá – L. G. Deus do amor. Figu- tones, consoante observação minuciosa,
ram-no como um guerreiro que reside nas são todos femininos.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

S Safado – Reles. Indigno. Cínico.


Aquilo é o sujeito mais safado que o sol
cobre. Safado como só ele. Me deu um
Sabão – Repreensão. Levei um sabão beliscão e fingiu que estava olhando pra o
da dindinha. Padre-mestre me passou um outro lado. Perguntei se será pra casar ou
sabão. pra o que era e ele respondeu: é pra o que
Sabido – Advogado, bacharel, sujei- era... Safado!
to da cidade, contador de histórias. Que Saí – (Coereba cyanea) – Pássaro dos
homem sabido! Da notícia de tudo, meu mais belos da Planície. Azul claro, com
bem. O coronel, ontem, estava dizendo penas brancas e escuras, gosta das árvores
pra nhá Venância: Trate bem o doutor que baixas, das goiabeiras e mamoeiros, cujos
ele bota suspensório em cobra, sabe até la- frutos ele devora com seu bico fino. Não
tim, é sabido de verdade. tem medo do homem e senta nos pomares
das cidades.
Sabrecar – Passar ligeiramente pelo
Saiçupira – L. G. Amado.
fogo. Tostar. Sabreca esse pirarucu na
chama. Saído – Irreverente. Atrevido. Que
sujeito saído, diz que perguntando se eu
Sacado – Corte que a corrente faz
tenho a perna grossa. Não seja saído, seu
para abreviar o curso do rio. Secciona-
pelintra. Que sacristão saído, querendo sa-
mento de uma península fluvial pelo ist-
ber qual é o santo da minha freguesia. Já
mo. O caudal, depois de passar num pon- se viu...
to, dá uma, duas, três voltas e vem passar,
Salão – Tabatinga escorregada dos
em sentido contrário, renteando a mesma
barrancos e que forma, junto das riban-
margem. Quando sucede fazer-se enseada ceiras, uma segunda mesa telúrica e que
nos dois lados do istmo, a água corre, fura só descobre no verão. Às vezes os “gaio-
a terra, abandona o caminho velho, que las” atracam em certos portos, com o rio
fica morto como um lago, e abre passagem vazando, e quando querem largar estão
nova. Em geral os rios de mais sacados são encalhados no “salão”, ficando durante a
os de água preta, de menor velocidade. O seca. E’ comum no fim das voltas rápidas
Pausini, afluente do Purus, parece conter o do Acre, onde se quebram as palhetas da
maior número, segundo observação direta hélice que nele tocam.
do autor. Salpreso – Ligeiramente salgado.
Sacaí – Galho seco e fino das árvores Com pequena camada de sal. Bota esse
encontrado no solo das florestas. Pisado peixe de salpreso, só pra aguentar amanhã.
pelo caçador, produz um estalido caracte- Chega uma salpresa; isso é pirarucu pra se
rístico de madeira seca que se quebra. Vá comer esta semana.
buscar hoje, compadre, um bocado de sa- Salseiro – Desordem. Briga entre
caí pra o fogão. Estamos sem lenha. muitos. Rolo em festa. Bem no meio da
150 Raimundo Morais

quadrilha, meu santo, um cavalheiro porre Sangrar – Primeiros golpes que o se-
pisou no pé de uma dama e haja tapona. ringueiro dá nas árvores antes de colher o
Foi um salseiro tão grande que chamaram leite. Já estou sangrando a estrada. A se-
o subdelegado. ringueira, antes de principiar a produzir,
Samambaia – (Adiantum) – Lindo é sangrada diariamente, para acostumar.
feto rendado, gênero avenca, parece um la- Vou principiar a cortar amanhã. A estrada
birinto verde na floresta. Existem diversas já está sangrada.
espécies, todas curiosamente recortadas, Sanguessuga – (Hementeria Ghilianii)
abertas, complicadas como se fossem urdi- – Vive nos charcos, nos pirizais, nos igapós,
das por alguma artista da selva ou tecidas onde, enfim, houver uma toalha d’água
por alguma divindade autóctone. estagnada. Além da espécie determinada
Samba – Baile de roceiros. Os instru- acima, que é a maior de todas da Planície,
mentos são viola, cavaquinho, harmônica. existem várias. Quem entra nu num agua-
Aquilo é samba na casa do capitão Vítor. çal vem coberto de sanguessugas. O limão
Diz que ele comprou um gramofone que espremido sobre o animal obriga-o a largar
toca de um tudo. Estão estreando. Capitão a presa. Da cesura, quando ele cai, escorre
é dunga no samba. Terreiro da casa dele é
um fio vivo de sangue. Embora se amplie
limpo, capinado, bom pra samba.
este nome de sanguessuga às lombrigas
Sambaqui – Colina de carapaças de parasitas internas do organismo humano,
moluscos. Monte de conchas. Despojo
no Amazônia só se chama sanguessuga à
da cozinha selvagem. Mais conhecido na
lacustre.
Amazônia por mina de sernambi, é donde
Santarém – Cidade paraense à mar-
se tira a matéria-prima com que se fabrica
a cal nas caieiras da Planície. gem direita da foz do Tapajós. Parece uma
urbs marítima pelas águas verdes e pelas
Samburá – Cesto feito de talas. E’ ter-
mo africano, vindo do Sul e pouco usado praias louras. Contornado uma colina que
na Amazônia. Aqui, o que não é paneiro é desce mansamente sobre o rio, é a cidade
balaio, jamaxi, uru, panacu. mais industrial e alegre da Planície. Faz do
Samuel Fritz – (Padre) – Filho da navio ao “cheiro” de papel. Tem estaleiro,
Boêmia. Conhecido por Apóstolo do caieira, fábricas de cuias, de vinhos, de
Amazonas. Catequista, membro da Com- canoas, de batelões, de remos, de doces.
panhia de Jesus servindo nas missões es- Industriosa e feiticeira, por entre os arti-
panholas do ocidente da Planície foi dela gos manufaturados ela vai empurrando
a primeira carta geográfica do Amazonas, aos araras o seu irapuru embalsamado, o
depois corrigida por La Condamine. Le- seu olho de boto, a sua canela de socó, o
vantou-a quando desceu dos cimos rumo seu rabo de tamanquaré. No fundo lodo-
do Atlântico. Apesar de ter baixado até so da sua baía para o montante já houve
Belém por doença, foi aí preso à ordem do molusco, lindos bivalves, curiosas conchas
governador Sá de Meneses (1689). Recluso nacaradas que se apanhavam enterradas
perto de dois anos no Pará, onde elaborou na lama. O miliardário norte-americano
o seu mapa, por fim o recambiaram para Ford, instalado pouco acima, Tapajós a
as missões castelhanas do alto Amazonas. dentro, planta borracha nas suas terras e
O meu dicionário de cousas da Amazônia 151

constrói uma grande cidade, que será a de vaca, outro gritos humanos. Nos alaga-
Nova Orleans amazônica. diços, mal anoitece, ouvem-se cem duetos
Santos, Estanislau Pessoa de Vas- destes: Foi, grita um sapo. Não foi, grita
concelos – Desembargador de raros atri- o outro. Foi... Não foi... Foi.. Não foi...
butos de inteligência. Magistrado erudito, Foi... Não foi...
senhor de vasta competência em matéria Sapotilha – (Achras sapota) – Árvore
jurídica, tem sido várias vezes presidente pequena. O fruto redondo ou ovoide, de
do Tribunal Superior de Justiça do Pará. cor terrosa, tem a casca áspera. Maduro, a
Suas sentenças, proferidas invariavelmente massa é mole, cheirosa, trescalando a bau-
com aquela consciência pura dos homens nilha. Em toda a Amazônia, as de Belém
justos e de bem, são acatadas pelo Brasil são as maiores, chegando algumas a tama-
todo e principalmente pela gente da ter- nho de laranjas. Não é silvestre. No Sul
ra do insigne professor de Direito Samuel chamam-na de sapota e sapoti.
Mac Dowell, com o respeito que se vota Sapucaia – L. G. Galinha. Há tam-
aos mestres. bém uma castanha na Planície, de grandes
Sape – Interjeição com que se espanta ouriços ovoides (Lecithis paraensis), que se
o gato. Sape! Olha o Veludo, minha gente, chama de sapucaia.
comendo a banda de tambaqui da janta. Sapupema – Suporte do tronco das
Sape, amaldiçoado. Vai caçar. Pega tuas árvores, aberto em porta de leme, à flor da
rolas, teus lagartos e deixa da gente. Mas terra. Parecem grandes raízes chatas, fora
o gato, que já conhece a bondade da dona, do solo, destinadas a esconderijos de fera
nem como cousa... Entra pra um balaio de e gente. Nem todos os espécimes botâni-
costuras, deita-se, e lambe as patitas. cos a possuem. A sumaumeira, uma das
Sapeca – Namoradeira. Que namora maiores e mais belas arvores da várzea, é a
toda gente. Que não pode ver calças. Que que mais ostenta esse contraforte curioso,
mocinha sapeca! Todas as irmãs são sape- chegando certos exemplares a ter mais de
cas. E’ a rainha das sapecas. Aquilo não trinta sapupemas. Os índios transmitem
casa, tão sapeca é. avisos aos companheiros pelo baque na
Sapo – Reptil. Batráquio. Na Ama- sapupema, donde sai um som reboante e
zônia são muito conhecidos as pererecas sonoro.
(Hyla), as rãs (Leptodactylus), os sapos Saracura – (Aramides chiricote) – Per-
(Bufo), as pipas (Pipas). A planície toda, nalta de canto esquisito; ao amanhecer e
em virtude de suas terras baixas, é um ao cair da noite, se ouve na mata o seu gri-
reino de sapos. Desde o negro cururu, to estridente: Três potes! Três potes! Três
de Spix, até as rãs crepusculares, verdes e potes! Anuncia o tempo seco.
azuis; desde os que vivem pelas árvores aos Sarapatel – Espécie de sopa de tarta-
que vivem pelos charcos, estes comendo ruga. São as tripas do quelônio conzinha-
larvas aqueles insetos, que no vale ama- da no próprio sangue. Tem um sabor mag-
zônico pululam os batráquios, chiando, nífico. Há quem faça esse prato no casco
batendo, roncando, cantando. Alguns da tartaruga. Em geral, é na panela.
desses sons parecem remadas de canoas, Sarapó – (Carapus fasciatus) – Peixe
outros rufos de tambor, outros mugidos vagabundo. Espécie de enguia inapreciada
152 Raimundo Morais

na alimentação. Soltam-no quando é apa- Semáforo aborígine – O índio co-


nhado nas tarrafas ou armadilhas. munica-se com os companheiros a distân-
Sarará – Caranguejo da água do estu- cia, na guerra e na paz, por meio de um
ário. Pequeno crustáceo que só chega até semáforo original: a fumaça. Envolve os
onde vai a maré atlântica. troncos secos, sem copa e já meio carbo-
Sararaca – Frecha usada na pesca da nizados pelo fogo, em espirais de gramí-
tartaruga, nos lagos, nos rios e igapós. neas e outras matérias vegetais a fim de
Saru – Manso. Calado. Palavra com que acessos, a fumaça, enovelada em altas
que os pescadores traduzem a tranquilida- colunas, transmita aos da tribo distante
de do lago desabitado de peixe, silencioso, notícias que devem ser conhecidas urgen-
soturno, sem vida, quieto. Está mesmo temente.
saru, não bate um matupiri. Será – Forma interrogativa. José Ve-
Satisfação – Explicação. Se ele não ríssimo, referindo-se a esta palavra, chama
me der uma satisfação eu parto-lhe ao a atenção da sua semelhança com a portu-
chifres. Ficou manso depois e veio me dar guesa, com outro sentido, porém. Assim,
uma satisfação. A satisfação dada dói com- o caboclo diz: Você vai à missa, será? Você
pleta, restabeleceu a verdade. Sem uma sa- tem sapato, será? Que homem é aquele,
tisfação eu não fico. será? A palavra “será” era empregada para
Saúvas – (Ata sexdens e Ata cephalotes) substituir o ponto de interrogação, que
– Formigas de cor vermelho escuro, quinze não existe no alfabeto do índio. Está com-
mm, mais ou menos de comprido, cabeça preendendo, será?
grande armada de tesoura, constituem ver- Serão – Trabalho nas primeiras horas
dadeiro flagelo do agricultor, sobretudo do da noite. Hoje, minha xera, vamos fazer
jardineiro da Planície. Roseiras que anoi- um serãozinho até dez da noite. E’ pra aca-
tecem virentes, amanhecem sem uma fo- bar as costuras da moça do coronel.
lha. Árvores que na véspera tinham a copa Sereno – Orvalho. Neblina que se
verde, surgem como árvores europeias no condensa e cai em pequeninas gotas sobre
inverno, desfolhadas. Terrível, inexorável, os corpos expostos ao ar livre. De manhã,
ainda não sofreu aqui o combate necessá- nas partes baixas da Planície, as plantas re-
rio. Vive em formigueiros subterrâneos, pontam aljofradas. Com os primeiros raios
largos panelões profundos onde vão ter de sol parecem cobertas de pequeninas pe-
as galerias de acesso. Para lá ela conduz as dras preciosas. Também se chama sereno
folhas destinadas à cultura dos seus cogu- à massa popular que assiste das ruas aos
melos alimentares. E’ tão funesta que de- bailes. O sereno do Sporte Clube estava
sequilibra paredes, abala alicerces, derruba uma beleza. Era pequena, assim...
casas. Com ela vive uma cobra inofensiva, Seringueira – Árvore da borracha.
de suas cabeças. E’ o inseto mais daninho Vegetal amazônico donde se extrai um
da Amazônia. Quando Saint Hilaire an- leite que, depois de coagulado, se trans-
dou nos chapadões de Goiás se impressio- forma na goma-elástica aplicada em mi-
nou tanto com a sua destruição que disse: lhares de indústrias. Há numerosas, que
“Ou o brasileiro acaba com a formiga ou a melhor se diferenciam pelas sementes que
formiga acaba com o brasileiro.” propriamente pelo perfil botânico. Entre
O meu dicionário de cousas da Amazônia 153

a Hevea brasiliensis e a Hevea guyanensis Sinhô – Rapaz, jovem, moço. Tam-


repontam dezenas de qualidades mais ou bém o usam como resposta. Venâncio, ó
menos elásticas, mais ou menos duradou- Venâncio, por onde andas, Venâncio? Si-
ras, mais ou menos delicadas. Nativa da nhô, responde o Venâncio.
Planície, foi transportada para o estran- Sirga – Processo por que as canoas e
geiro, Ásia e Índia, onde a inteligência do batelões navegam no Amazonas no tempo
homem a adaptou para concorrer com da vazante. Amarra-se à proa uma linha de
a silvestre. O grande problema a fim de barca ou cabo fino e os tripulantes, corren-
readquirirmos o mercado, hoje perdido, do pela praia, rebocam a embarcação, que
é o da plantação em grande escala. Fal- é guiada pelo piloto à popa, no jacumã ou
tando o capital para semelhante trabalho, no leme.
temos que aguardar a vinda do ouro dos Siri – Nome que o aborígine traduz
grandes industriais, dos grandes banquei- por deslizar, correr para trás. É o carangue-
ros, das grandes empresas, nacionais ou jo das praias arenosas, gênero decápode.
estrangeiras. Há várias espécies. O siri-chita (Neptunus
Sermão – Conselho. Admoestação. cribarius), por exemplo, pintado na cara-
Não venha com sermão pra meu lado, seu paça, é uma variedade. Todos se deslocam
Peregrino, que eu já estou farta. Vá pregar nas águas vivas de verão, quando as toalhas
sermão pra sua vó torta. A toda hora é ser- verdes do Atlântico invadem o estuário, e
mão nesta casa. vão na testada da maré pelos rios a dentro.
Sernambi – Nome que atualmente São apanhados a puçá e a paneiro, com
se dá na Amazônia à borracha que não é isca de carne ou peixe. É um marisco mui-
defumada. Resto de seringa. Tipo inferior to apreciado.
da goma-elástica. Sernambi, antigamente, Sirigaita – Leviana. Assanhada. Mu-
chamavam-se os conglomerados de cara- lher que não namora carrapato porque não
paças de moluscos e de onde se extrai a sabe qual é o macho. Que sirigaita! Só vive
matéria-prima na fabricação da cal. de olho nos homens alheios. Qualquer dia
Servilha – Chinela. eu dou uns tapa naquela sirigaita.
Sesta – Pequeno repouso em rede Sítio – Pequeno estabelecimento
depois do almoço. Uns pegam no sono, agrícola. Moradia fora da sede dos mu-
outros descansam apenas. A não ser quem nicípios. Espécie de retiro que as pessoas
tenha obrigações imediatas, todos na Pla- mais abonadas possuem na proximidade
nície dormem a sesta. Que é do seu padri- dos povoados, vilas ou cidades. O sítio
nho? Está na sesta. Não faça barulho que de nhá Eufrásia é só cacau. O sítio de nhá
mamãe está sestando. Que sesta comprida, Evangelina tem de um tudo.
“meu nome”. Situação – Estado moral. Que situa-
Sexta-feira – Amante. Aquela é a sex- ção, a minha. Preso por ter cão e preso por
ta-feira do doutor. não ter. Que triste situação a do compadre
Sinagoga – Cabeça. Alto da sinagoga, Cornélio. Aquilo só a bala. Estou numa
algo da cabeça. Não sei o que este sujeito situação muito melindrosa.
tem na sinagoga. Só sendo pedra. Templo Soco! – Exclamação do caboclo ao
hebraico. perceber exageros em qualquer cousa. Que
154 Raimundo Morais

fazenda cara, soco! Que homem alto, soco! Em casos de aperto dramático, botam-lhe
Como enriqueceu depressa, soco! olhos de fogo, metem-lhe velas, máquinas
Solidônia – (Boerhavia paniculata) – e mandam-na espantar a humanidade com
Planta rasteira herbácea. As raízes são mui- o nome de cobra grande, boiúna, mãe
to apreciadas para combater as moléstias d’água. A verdade é que ela não é vene-
do fígado. nosa, mede cerca de 15 metros, e o perigo
Solimões – Nome dado ao trecho que oferece reside na força constringente
do Amazonas que medeia entre a foz do com que parte os ossos da presa para de-
rio Negro e a fronteira de Tabatinga. Uns pois engoli-la.
pensam, como La Condamine, que esse Sumaumeira – (Ceiba pentandra)
nome provém das frechas intoxicadas do – Da família das bombáceas, é uma das
selvagem, e que significa rio dos venenos. maiores árvores da Amazônia e a maior
Outros, que ele se origina das frotas de da várzea. Embora medre na terra fir-
Salomão, que andaram por aqui em bus- me, o seu habitat é a região baixa de solo
ca de ouro, prata, cedro, macaco, pavão, novo, onde a terra mal levanta ainda o
e que reproduz, num eco bíblico, o nome colo da linfa. Bela, imponente, dá uma
do rei sábio, ilustre e amoroso, que não paina sedosa, creme, própria para encher
só espantava a rainha de Sabá com as suas almofadas e travesseiros. Abrindo a sua
sentenças maravilhosas, como cantava, no formidável umbela sobre o mar clorofi-
Cântico dos Cânticos, a graça e a beleza da lado da folhagem da selva, os seus galhos
infortunada Sulamita. horizontais, como braços ciclo ciclópicos
Sopapo – Bofetada. Tapona. Tu andas distendidos, vivem cobertos de epífitas
procurando mas é levar uns sapapos. e parasitas, de tal modo, que é raro o
Sovina – Mesquinho. Que não repar- exemplar que não apresenta uma deco-
te as cousas. Alheio a sentimentos genero- ração caprichosa de lianas, orquídeas e
sos. Que sujeito sovina, não dá um vestido bromélias. O seu reino predileto é o es-
pra gente... tuário do rio-mar, em cujo arquipélago
Súcia – Gente sem cotação. Grupo de reponta aos milhares. Isto, por certo, em
pessoas desacreditadas. Que súcia é aque- virtude da disseminação aí das sementes,
la, compadre? E’ de Canudos, é do Curro, feita pelo fluxo e refluxo da maré atlân-
é do Galpão. Aquela súcia não entra na tica. Tronco soberbamente defendido
festa. Mas que súcia... por sapupemas, há exemplares que apre-
Sucuriju – (Eunectes murinus) – Esta sentam mais de vinte dessas raízes fora
cobra é uma verdadeira mina literária. da terra e em forma de porta de leme,
Apesar de ser a maior da Amazônia, en- constituindo muitos abrigos em volta do
contra-se mais nos livros que nos igapós. tronco. Madeira ordinária, branca, leve,
Tem feito piores estragos entre leitores que sem cotação nos mercados da carpintaria
entre pescadores. Sobre o seu tamanho, a e marcenaria, viva, na árvore, resiste por
fantasia trovadoresca dos rapsodos e a gra- séculos a fora.
ve medida dos naturalistas ainda não che- Sumetume – Porta secreta, aberta
garam a um acordo. Vai do tamanho de entre paus e folhagens, disfarçadamente,
uma montaria ao tamanho de uma galera. pela paca. Sempre que o caçador entoca
O meu dicionário de cousas da Amazônia 155

esse roedor, tapando-lhe as saídas visíveis, co se fazem pentes, cofres, castões, piteiras
ela foge pelo sumetume. muito delicados.
Supetão – De repente. Fui agredido Surubim – (Platistoma fasciatum) –
de supetão. Eu nem esperava quando ele Peixe de pele de regular tamanho, malha-
me deu a bofetada. Só mesmo de supetão. do de branco e preto. Chega a 20 quilos.
Dei-lhe um tapa de supetão que o bicho E’ apanhado a linha, rede, e representa,
embolou. principalmente quando está gordo, no
Supimpa – Excelente. Delicioso. Su- tempo da cheia, um prato delicioso.
perior. Que boia supimpa. As festas da Surucucu – (Lachesis rhombeata)
comadre Jucundina são supimpas, têm de ou Bothrops surucucu). Cobra venenosa,
um tudo. Comes e bebes à farta. Bagun- tanto mais respeitada quanto são rápidos
ça dela é supimpa, mas acaba sempre em os seus movimentos. Dá o bote num re-
fuzuê. lâmpago e mata quase fulminantemente.
Suruanã – Tartaruga do mar. Grande Vive na floresta e habita no buraco das
quelônio do oceano quase desaparecido pacas. Tem um silvo fino e agudo. Gosta
das costas marítimas do Pará. Do seu cas- da terra alta.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

T jambu e pimentas-de-cheiro. Serve-se


quente em pequenas cuias pretas. À pri-
meira vista é desagradável, principalmente
Tabaco – (Nicotiana tabacum) – No a quem desconhece a bebida. Os paraenses
Sul chamam fumo. Escritores nossos, acli- e amazonenses apreciam o tacacá.
mados, porém que não são da Amazônia, Tacuruá – Fogão indígena. Compõe-
buscam mil rodeios para evitar a palavra se de três pedras ou bolas de barro, dispos-
tabaco, que não é imoral na Planície, como tas em triângulo, onde assenta a panela.
sucede nos demais pontos do Brasil. Fumo Tainha – (Mugil incilis) – Peixe que
aqui é fumaça e tabaco, tabaco mesmo. aparece com abundância nas costas de
Tabatinga – Argila plástica, escorrega- Marajó voltadas para o Atlântico, no tem-
dia, de todas as cores. Agassiz quando an- po do verão. Os currais de Soure ficam
dou na Planície, ficou admirado da varie- cheios. Vendem-na fresca, moqueada e
dade da tabatinga. Percebe-se, na maneira salgada. A ova, seca ao sol, é muito pro-
por que o homem civilizado emprega essa curada. Nos tempos coloniais corria como
palavra tratando de barro de vários tons, dinheiro, pois era com pacotes de tainha
o esquecimento do significado aborígine, que se pagavam os funcionários públicos.
pois tinga, na língua tupi, significa branco. Uns ganhavam 20 pacotes, outros 30, 40,
Não é assim natural que se chame à argila 100. Não virá daí o termo pacote, que se
verde, azul, vermelha, de tabatinga. dá ao conto de réis?
Taberna – Mercearia. Casa de comér- Tajá – (Caladium bicolor) – Há de vá-
cio a retalho. Taberna bem sortida a da- rios tamanhos e de várias cores. Os mais
quele cutruco. comuns são o verde-rosa, o verde-branco
Taboca – (Guadua) – Da família dos e o puramente verde. Este, de folhas enor-
bambus. As pequenas, de hastes finas, são mes. Tanto medram no solo como nos
usadas nas flechas. As grandes, conhecidas galhos das árvores. Há o tajá-quepia, o
por taquaras, altas de vinte metros, grossas tajá-membeca, o tajá-brasileiro, e o tajá-
de vinte centímetros, lembrando tubos de de-sol. Todos apropriados à decoração dos
encanamento d’água. Servem para cons- parques, salas, e, alguns, à pajelança do-
truir casas, postes, canis, galinheiros. méstica. Silvestre.
Taboa – (Ciperus giganteus) – Grandes Tala – Tira de casca de certas palmei-
juncos que florescem nos pirizais. Com o ras com que se tecem balaios, gaiolas, ces-
seu talo se fabricam esteiras. tos, paneiros, panacus. Vou tirar tala para
Tabuleiro – Praia alta, às vezes ren- fazer minhas gurupemas e meus abanos.
teando a terra, às vezes isolada a meio rio, Tala de jacitara é que é boa, dura muito.
onde desovam as tartarugas. Talha – Grande vaso de barro poro-
Tacacá – Goma da tapioca misturada so destinado a esfriar água. E’ vermelha e
ao tucupi fervido com alho, sal, camarões, do feitio de um cântaro. Usa-se muito a
O meu dicionário de cousas da Amazônia 157

bordo dos “gaiolas”, dentro de caixas de rais das casas. Cozinham-no sem o abrir,
madeira. A água é tirada com um púcaro porque o caboclo o que mais estima do
de folha-de-flandres e passada para os co- tamuatá são as vísceras com tripa e tudo.
pos enfiados em buracos abertos no alto Tanga-de-barro – (Folium vitis) –
da caixa. Também se dá a bordo o nome Também chamada babal, este adorno fe-
de talha à sbdivisão na contagem de le- minino foi usado pelas primitivas mulhe-
nha, de paneiros de farinha, de tijolos, res de Marajó. As mais simples, segundo
de peles de borracha. Quando perfaz, por Ladislau Neto, eram pintadas de vermelho.
exemplo, o número vinte, cinquenta, cem, “São placas triangulares”, explica o gran-
o marinheiro exclama: talha! E principia de arqueólogo alagando, “curvilíneas, ou,
de novo, um, dois, três. Há uma anedota melhor, triângulos esféricos ligeiramente
pitoresca sobre isto. Conta-se que um ime- irregulares nas extremidades e no encurva-
diato muito esperto, para lograr nos por- mento, quanto necessário a se adaptarem
tos o recebedor da mercadoria trazida pelo ao órgão destinado. Em cada ângulo existe
“gaiola”, ensinara o marinheiro encarrega- um orifício para atá-las por meio de um
do das talhas, na entrega dos paneiros de cordão”. Há dúvidas sobre o uso dessa
farinha, a contar assim: diz um, diz dois, tanga. Seriam ornamentais ou litúrgicas?
diz três, diz quatro, diz cinco, diz seis, diz Isto em virtude dos desenhos, que, apesar
sete, dezenove, vinte. O caboclo recebia de finos, delicados, guardam certo cunho
invariavelmente dez por vinte, porque do misterioso. Cheias de hieróglifos, umas
diz oito o talhador passava, não pra diz apresentam faces humanas com a cruz
nove, mas para dezenove e vinte. grega ao centro; outras emblemas, alego-
Tamacuaré – (Enyalius) Lindo lagar- rias, meandros, braços. Muitos caracteres
to verde com serra no dorso. simbólicos da escrita marajoara aparecem
Tambaqui – (Miletes bidens) – Peixe nesses babais de argila. Numa nota da re-
dos lagos, igarapés e igapós. Apanham-no a dação do 1º volume dos arquivos do Mu-
linha e a frecha. Gosta muito de frutinhos. seu Nacional, a propósito dum trabalho
Como os do taperebá, catauari, jauraí. Qual- de Carlos Frederico Hartt sobre tangas de
quer baque na superfície dos lagos e igara- barro marajoaras, lê-se o seguintes:
pés chama-o à tona. O pescador engana-o “Tanga, e mais acertadamente ntanga,
batendo o anzol do caniço à flor d’água. Ele é o nome dado a uma moeda asiática. No
sobe rápido e engole a isca. Abrem-no em plural significa direitos ou rendas de terras,
duas bandas; enfiam cada uma, ao compri- ou ainda essas mesmas terras de certo modo
do, numa varinha e moqueam-no. Assim, é caracterizadas. Nas possessões portuguesas
chamado em Manaus tambaqui de cacete. da África e da Ásia, assim como no Brasil,
Há um tempo em que sua carne está dura, estendeu-se este nome à denominação do
revessa. E’ logo depois da desova. Tambaqui pedaço de tecido com que os indígenas des-
no choco, apelidam-no. tes países ocultam as partes pudendas. Diz-
Tamuatá – (Calichthy) – Peixe cascu- se que esta homonímia é devida ao custar
do que vive, como o acari, nos aguaçais, outrora uma tanga o retalho de pano que na
entre o lodo. Pega-se a mão. Carregam-se Ásia era para este fim comprado. A língua
montarias com ele para depositar nos cur- brasileira em seus dialetos tem palavras com
158 Raimundo Morais

que designa objetos do mesmo uso, mas fa- ro ativo, polpa sumarenta, tem o tamanho
bricados de pena e de tecidos vegetais; não dum ovo de rola. Em refresco e sorvete é
os possuem, que saibamos, para a espécie de magnífico. No Sul chamam-no de cajamiri.
que se fala (de barro), a qual, verdadeiro ar- Taperebá-do-sertão – (Spondias dul-
tefato arqueológico, não o conhece nenhu- cis) – Árvore regular. O fruto, chamado no
ma das tribos nossas coevas. E’ a folha da vi- Sul cajá-manga, é do tamanho dum ovo de
deira das antigas Evas de Marajó. O segredo jacaré; doce, é vivamente acidulado, dum
de seu nome guardam-no para sempre, com amarelo-esverdeado na casca e alaranjado na
as urnas dos perfumes das virgens morenas polpa que envolve o caroço de fiapos duros.
dos tupis, as areias mudas da grande ilha.” Tapicuim – L. G. Ninho de cupim
Tangapema – L. G. Espécie de sabre feito no chão. Em geral afetam a forma cô-
de madeira dura, pesada, afiada e que os nica, com seis palmos de altura, argamassa
índios trazem pendentes da cintura como de argila vermelha e parda.
uma baioneta. Tapioca – Amido. Pó alvo extraído da
Tangurupará – (Monasa nigra) – Ave mandioca. Excelente polvilho usado pelas
trepadora negra, rabo longo, bico escarla- engomadeiras da Amazônia nos peitos e pu-
te. Abundante nos cacauais, onde destrói nhos de camisas brancas. Com ela se faz o
os insetos. Segundo a lenda indígena, é o tacacá e a farinha de tapioca, além de bolos.
único alado que não é arremedado pelo ja- Tapira – L. G. Anta. (Tapirus ameri-
piim. Isto porque o japiim julga que o bico canus) – E’ o maior quadrúpede da Ama-
do tangurupará, vermelho, anda tinto de zônia.
sangue, sendo, pois um animal temível. Tapuru – Larva de lagarta que se cria
Tapagem – Um dos muitos processos na entrecasca podre dos paus. Algumas são
de pescaria na Amazônia. Tapam a boca peçonhentas, outras venenosas, e outras
dos lagos, dos igarapés, dos aguaçais com comidas de índios.
redes de fio de algodão, fibra de envira, ta- Taquara – Frecha de taboca. A maior
las de palmeira e tocam o peixe, que vai da Amazônia. Tem o bico largo, em lança,
ter à saída, fechada pela tapagem, e onde do próprio bambu.
é apanhado. Taquizeiro – (Triplaris surinamensis)
Tapajônia – Bacia do rio Tapajós. – Árvore de porte médio, esguia, de tronco
Região da Amazônia que os geólogos con- avermelhado, é um excelente “habitat” aé-
sideram carbonífera. Hart já andou lá; reo da formiga taci, sobretudo nas cheias,
Agassiz e Branner também. Ford, o arqui- quando os rios desbordam e alagam as
milionário ianque, está fazendo grandes margens. Própria das várzeas, floresce no
plantações de seringueira à margem desse princípio da vazante, e vai, de junho a se-
vale. Há pontos da Tapajônica em que os tembro, enfeitando o debrum ribeirinho
lençóis de petróleo estão visíveis. do baixo Amazonas. É uma verdadeira
Tapera – Casa em ruína. Lugar aban- festa de flora pelos barrancos quando ela
donado. Sítio, palhoça, que não tem mais desabotoa. Marcam, então, nas pétalas
moradores. brancas e ferruginosas, o aparecimento do
Taperebá – (Spondias lutea) – Grande carapanã, que só se extingue depois de su-
arvore silvestre. O fruto amarelo, ácido, chei- mir a derradeira flor do taquizeiro.
O meu dicionário de cousas da Amazônia 159

Tartaruga – (Podocnemos expansa) – a meiro projeto na Câmara temporária, pro-


água doce, os nativos chamam-na iurara- jeto que nem foi tomado em consideração.
guassu. Pescam-na de viração, nos tabu- Insistiu nesse objetivo com a tenacidade
leiros, ao tempo da desova; de anzol, de dum apóstolo que pretendia vitoriosa aque-
frecha, de tapagem, em outras épocas. Põe la ideia. Um ano antes de ser aberto o gran-
em média cem ovos, que o sol se incumbe de rio, Tavares Bastos empreendeu por sua
de chocar, enterrados nas praias. E’ uma conta uma longa viagem de estudos pelo
das iguarias delicadas da Amazônia. O boi imenso vale. Examinou como político que
do caboclo. Dela se fazem vários pratos: tem o senso das realidades todas as vitais
o guisado, o sarapatel, o paxicá, o picado necessidades da gleba maravilhosa. Como
no peito, a farofa no casco. A gordura der- fruto de tão fecundas observações publicou
retida é um tempero superior à banha de um livro, hoje raro, o Vale do Amazonas, no
porco. Assada, de um dia pra outro e posta qual, com uma admirável lucidez profética,
no tucupi, é deliciosa. surpreendia o futuro da formidável planu-
Tarubá – Bebida composta de beijua- ra. Muitos dos problemas de que tratou es-
çu dissolvido em água. tão aí desafiando a atividade dos homens de
Tatá – L. G. Fogo. Estado. Tavares Bastos foi um dos benemé-
Tatajuba – (Chlorophora tinctoria) – ritos da Amazônia, da qual se fez ardente
Conhecido por limãorana, é o pau-brasil e desinteressado paladino. “Maior do que
amarelo do baixo Amazonas. Da madeira isto só o Universo”, exclama ele ao se de-
se extrai uma tinta com que se colorem o frontar com o radioso vale.
algodão e o linho. Tear – Grande quadro de madeira,
Taticumã – Fuligem. Quase a mesma colocado no solo em sentido vertical, com
cousa que “picumã”. A diferença é sim- pequena inclinação para a parede em que
plesmente na falta de bambinelas daquele. se apoia, e no qual as mulheres da Amazô-
Tauá – Nome exclusivo da tinta que nia tecem excelentes redes de tucum e fio
se extrai da tabatinga amarela. Gente, de algodão.
como está o compadre João, parece tauá. Tecô – L. G. Assim... assim. Do mes-
Está amarelo que só tauá. mo modo. Na forma do costume. Como
Tauari – (Couratari) – Grande árvore vai você? No meu tecô. Remando...
cheia de sapopemas donde se extrai o “lí- Tecoaíba – L. G. Pecado.
ber” que fornece a celebre mortalha para Tejupá – Barraquinha de palha. Pou-
os cigarros indígenas. so, rancho.
Tavares Bastos – Publicista, parlamen- Tembetá – L. G. Adorno selvagem.
tar, político, nascido em Alagoas em 1839, Batoque de pedra ou madeira que os ín-
faleceu em Nice em 1875. Deputado pela dios introduziam no lábio inferior. A pe-
sua província natal aos 21 anos de idade, dra verde era sempre a preferida. Tinha o
conquista no Parlamento do Segundo Im- feitio dum prego grosso, ficando a cabeça
pério um dos postos mais notáveis. Entre as do prego pela parte de cima do beiço.
grandes campanhas, destaca-se, pelo vulto, Tendal – Jirau de madeira ao ar livre
a da abertura do Amazonas às bandeiras de onde secam os bagos de cacau depois de
todos os países. Apresentou a respeito o pri- aberto o fruto. Em geral tem uma cober-
160 Raimundo Morais

ta para a noite, de folhas de zinco ou de tratado, não tem um capim. O terreiro do


palmeira, a fim de que os caroços não apa- “sítio” do capitão Policarpo dá vontade
nhem sereno e não umedeçam. da gente deitar. Seu terreiro, nhá Chica,
Tento – Fava de certas árvores. Al- é uma beleza.
guns são encarnados ou amarelos, outros Terroada – Lugar alto. O barracão é
encarnado-preto. numa torroada. Naquela terroada é só cas-
Terçado – Grande faca de arrasto que tanheira.
os vaqueiros e seringueiros trazem pen- Teso – Língua de terra que liga, atra-
dentes da cintura. Facão. E’ instrumento vés de regiões lacustres, lugares alagadiços,
imprescindível ao agricultor para abrir estabelecendo comunicação entre duas zo-
roças, cortar árvores finas, decepar cipós. nas enxutas.
Não há casa na Planície que não tenha um
Teteia – Moça bonita. Rapariga for-
terçado. E’ colega do machado, que se vê
mosa. Olha aquela teteia que vai ali na
por toda a parte.
procissão. Lembra uma santa. Tem jeito
Teréns – Haveres. Já não resta nada
de imagem. Parece que desceu do altar.
dos teréns dele. Vendeuzinho todos os te-
Quem é aquela teteia com quem tu anda-
réns pra se curar. Tinha o peito aberto de
vas ontem? E’ minha noiva.
tanto carregar lenha.
Theodor Kock Grunberg – Etnógra-
Terma – Em toda a planície amazôni-
fo alemão. Foi um dos derradeiros natura-
ca, até hoje desvendada, não são bastante
conhecidas as regiões termais, as fontes me- listas que visitaram a Planície nas suas lindes
dicinais com águas variáveis em graus calo- do ocidente. Palmilhou as abas do sul, nas
ríficos. Em Monte Alegre, na Prainha, e em regiões de Mato Grosso e as abas do norte,
outros lugares altos, ao norte do Amazonas, nas regiões guianenses. Estudou as tribos
isto é, na região guianense, conhecem-se indígenas do Xingu, do Japurá, no Uapés,
vários mananciais, sulforosos, ferruginosos, do Negro com rara minúcia e inteligência.
magnesianos, sem, contudo, já ter havido Tomou parte na expedição de Hamilton
por aí um exame capaz de transformar essas Rice. E’ citado como um dos poucos ho-
fontes em estâncias termais. mens civilizados que atravessaram o divisor
Terno – Fato completo: calça, colete de águas entre o Brasil e a Venezuela. Sen-
e paletó. Parece que o Jeremias tirou sorte tindo-se prestes a morrer em Vista Alegre
grande, gente. Por quê? Está de terno novo. do rio Branco, pediu que lhe enterrassem o
Aquele forreta só compra terno com a lote- corpo em pleno campo, no meio da natu-
ria. Vou mandar fazer um terno cinzento. reza bravia. Assim foi feito. Os maldizentes
Terra firme – Terreno alto, que não afirmam que o livro Macunaína, do fes-
alaga. A cavaleiro das cheias, mesmo nas tejado escritor Mário de Andrade, é todo
grandes inundações. O seringal do com- inspirado no Von Roroimã Zum Orinoco do
padre é numa terra firme coberta de laran- sábio. Desconhecendo eu o livro do natura-
jais. Que linda rebolada de terra firme. lista germânico, não creio nesse boato, pois
Terreiro – Solo varrido, limpo, plan- o romancista patrício, com quem privei em
tado, na frente das moradias do interior, Manaus, possui talento e imaginação que
à beira dos rios e lagos. Que terreiro bem dispensa inspirações estranhas. Infelizmen-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 161

te o brasileiro só crê e exalta a obra do ádve- Tipiti – Cilindro de talas de palmeiras


na. E’ uma falha do nosso caráter. tecido de forma que, esticado nas duas extre-
Tição – Parte carbonizada de um midades, comprime a massa que está dentro
pequeno pedaço de madeira combustível e faz escorrer o suco. E’ com ele que se ob-
que serviu no fogão ou na trempe do mo- tém o tucupi e o vinho de cacau. Faz parte da
quém. Ponta negra de uma lasca de pau aparelhagem do fabrico da farinha d’água.
que já ardeu e que apagou. Chamam tam- Tipoia – Alça de pano enfiada no pes-
bém ironicamente ao preto de tição. Olha coço, na qual se descansa o braço ferido, a
aquele preto, parece um tição. Gente, que mão doente. Também chamam à rede ti-
negro retinto. Só tição. Ah! Uma onça... póia. Vou dormir a sexta na minha tipoia.
Tico – Pequeno. Pedaço. Pouco. Não Tenho uma tipoia branca que é uma bele-
corte muito pra mim. Quero só um tico. za de macia.
Olhe aquele sujeito, compadre, é um tico Tipuca – Leite que se extrai da vaca
de gente. O’ seu Benâncio, probe-me no momento em que esta já tem o úbere
cá este binho. Eu não bebo espírito, seu quase esgotado. E’ grosso, rico em gordu-
Mané da Horta. Mas enfim bote um tiqui- ra. Os doentes, nas fazendas, só tomam ti-
nho, bem gito. puca. Comadre, você está quase como um
Tigelinha – Vasilha. Recipiente usa- baiacu. E’ tipuca, meu bem.
do pelo seringueiro para colher o leite Tiquara – Aguado, que leva água,
que escorre da cesura pelo golpe de ma- chibé.
chadinho no tronco da seringueira. An- Tirando uma linha – Observando.
tigamente era de barro, agora é de folha- Estava tirando uma linha daquela peque-
de-flandres. Esta seringueira é de verdade, na. E’ bonita de verdade. Que linha é essa
pega dez tigelinhas. que você está tirando, meu coração. Ah! É
Tijuco – Lodo, lama. Massa muito da Carlota. Tirei uma linha da tua conver-
plástica e fina de sedimentos carreados pelos sa com a Gertrudes.
cursos fluviais. Tem a cor cinzento-escuro. Titica – Excremento. Gente, pisei na
Tijucopaua – L. G. Lugar de tijuco, titica de galinha. Estou fedendo a titica de
lama, tremedal, praia de lodo. Atoleiro. gato. Credo, como está cheio de titica de
Timbó – (Lngocarpus) – Cipó donde cabra... Minha roupa está cheia de titica,
se extrai um tóxico com que os pescado- parece que saí de algum galinheiro.
res envenenam a água dos igarapés e lagos Toca – Esconderijo. Cova. Buraco de
para estontear os peixes e apanhá-los. Às paca ou caititu. Toca nos paus ou nas gale-
vezes carregam na dose, e, em vez de ator- rias subterrâneas.
doá-los apenas, matam-no. Ficam, então Tocaia – Espera nos galhos de árvore,
as águas coalhadas de peixe de bubuia, que atrás das arvores. Está de tocaia; aguardan-
apodrece e em sua maioria se perde. Em do caça ou inimigo.
muitos casos o tóxico, mesmo depois do Tocantins – Rio que desce do sul para
peixe fervido ou moqueado, se transmite a o norte. Vem do platô sereno de Goiás às
quem o come, produzindo envenenamen- várzeas inconstantes do Pará. Dos grandes
tos de famílias inteiras. E’ a mais daninha caudais do setentrião, ele é o mais brasileiro
forma de pescar na Amazônia. dos rios: só rói a sua terra. Nasce na gleba
162 Raimundo Morais

mais velha do Planeta e morre na mais nova. nas letras, na religião, no jogo, ser toleran-
Encachoeirado, é um curso de montanha e te com o adversário, ou porque o tema ou
de planície. De águas esverdeadas, antes de porque o despreze, diz-se o seguinte: Traí-
penetrar o oceano mistura-se à corrente que ra não come seu parente...
vem do Amazonas pelos Furos de Breves, Trairamboia ou Piramboia – (Lepi-
turva-se, atravessa várias baías, como a do dosirem Paradoxa) – Da família das enguias
Marajó, e lança-se no Atlântico. de água doce, até 1837, os sábios hesita-
Toqueiro – Seringueiro que entrega a vam em classificá-la na tábua dos peixes,
borracha no toco da hévea, isto é, vende dos sapos e das cobras. Foi Blainville que,
o artigo pelo preço que o aviado lhe faz depois de minuciosos estudos, a incluiu na
no momento de recebê-lo na floresta. Há ordem ictiológica. Hoje a zoologia a cita
seringueiros que mandam o gênero por como forma intermediária entre os peixes
conta própria, sujeitando-se ao preço que e os batráquios, em virtude de um par de
vigorar quando for negociado em Manaus pulmões que, além do aparelho branquial,
ou Belém. Esse não é toqueiro. dá ao animal as vantagens de respirar na
Torrão – Bloco de tabatinga que es- água e em seco, podendo viver no fundo
correga das ribanceiras e fica no meio dos dos igarapés ou na toca argamassada dos
altos afluentes, endurecidos por muito barrancos. Como se vê, é um peixe que
tempo. Parece pedra. Produz grande rebo- está no período de transição, evoluindo
jo. Os “gaiolas”, enquanto o rio não enche dos lençóis aquáticos para a terra úmida.
inteiramente, evitam-no. Dissolve-se com Confirma, assim, a hipótese de que todas
a ação das águas. as vidas surgiram do mar. Daí o interes-
Tostão – Moeda de níquel de cem se que têm os sábios em ver o animal que
réis. Cinco tostão: antigas notas de papel. reforça e remarca um instante milenar de
Dez tostão: notas atuais de mil réis. transição. Preta, pintada de branco, com
Tracajá – (Prodocnemis dumerliana) cerca de um metro de comprido, tem a
– Dos quelônios, amazônicos é o de ovos cauda chata, em cuja zona e exteriormente
mais gostosos, mais finos, mais delicados. se encontram débeis filamentos. A primei-
Não excedendo no Baixo Amazonas a ra traíra m’boia encontrada num lago de
cinquenta centímetros, no alto vai a um Borba, bacia do Madeira, o foi por Nat-
metro. Desova no Baixo Amazonas pelos terer, célebre naturalista que andou na
barrancos de argila, enquanto que no alto Amazônia (1832). O conde de Castelnau
é pelas praias. Gosta do sol. Sobe aos tron- descobriu a segunda no rio Ucayale, Peru,
cos deitados nas beiradas e aí fica muito em 1845. Barbosa Rodrigues topou a ter-
tempo aquecendo a carapaça. ceira no igarapé do Aterro, em Manaus.
Traíra – (Macrodon) – Peixe do mato, Antes, na Ásia, Adanson e Arnaud já ha-
isto é, dos igapós, dos alagadiços, das bei- viam descoberto alguns espécimes. Natte-
radas cobertas de vegetação. Há um ditado rer acrescentou ao nome do lepidosiren o
que se refere à traíra, decorrente talvez da de paradoxa, Castelnau o de dissimilis, e,
sua indiferença pelo anzol iscado com a Barbosa Rodrigues, o de giglioliana. Mas,
carne de outra traíra. Sempre que se vê um além deste espécime, há, na família das
sujeito qualquer da política, no comércio, lepidosireias, outros exemplares, como o
O meu dicionário de cousas da Amazônia 163

muçu, Simbrachus marmoratus, e o pora- Troça – Ironia. Remoque. E’ um su-


quê, Gimnotus electricus, que são cunhados jeito que só vive fazendo troça. Ele faz tro-
e primos da traíra m’boia. (trairamboia). ça até com a mãe dos outros.
Tranca – Escora. Frecha bem a por- Trocano – Tambor de guerra com
ta, com tranca. Depois da casa roubada, que o selvagem transmite, pelo som, sinais
tranca na porta. Manda botar uma tranca aos companheiros distantes.
senão gatuno entra de novo. Tronco – Instrumento de castigo
Trapiche – Ponte sobre a qual é cons- feito de um toro de pau furado por onde
truído um armazém para abrigar merca- entram as pernas do castigado. Boto este
dorias e onde atracam os navios a fim de preto no tronco. Aquele brabo anda pro-
carregar e descarregar. O porto de Belém, curando é tronco. Antigamente era usado
antes do cais atual era cheio de trapiches. para castigo dos escravos, nas senzalas.
Cada empresa de navegação, transatlânti- Agora usam-no em certos seringais onde a
ca ou fluvial, tinha o seu. Com os melho- lei do 44 é que rege a sociedade.
ramentos do porto estão desaparecendo. Tronqueira – Muitos paus fortes fin-
Ainda assim, quase todas as cidades e vilas cados casualmente no leito do rio dificul-
paraenses do estuário tocantino e amazô- tando a navegação. Aqueles rebojos são de
nico, têm, no porto principal, um trapi- uma tronqueira. Está bem no meio do rio.
che. Na região das Ilhas, onde a terra ainda Curuçá já furou nela. A passagem é ruim
é muito baixa, não é possível um barracão por causa da tronqueira. E’ tudo piranhei-
sem o trapiche. Em geral são armados so- ra. Cada uma desta idade. Machado ali é
besteira. Só fogo.
bre estacada de madeira de lei.
Tropa – Rapaziada. Grupo de moços
Traquejo – Experiência. Prática. Você
de clubes, de sociedades que vai aqui, ou
parece que não tem traquejo de vaqueiro.
acolá, em reunião. A tropa vem aí. Ontem
Tenho. Sou traquejado. Laço, aperto, der-
combinamos que a tropa chegaria ao bater
rubo. Quero é três cavalos pra minha sela.
das dez. A minha tropa é limpa. A tropa lá
Nem um, nem dois cavalos aguentam ser-
do Sport Clube é ranzinza.
viço da férrea. Só de três pra cima.
Trote – Surriada. Mofa. Os estudan-
Traste – Falso. Mau amigo. Cheio de tes deram um trote ontem num calouro.
defeitos. Aquilo é um traste. Safadeza che- Levei um trote por ter escorregado na sala.
gou ali e armou rede. Tenho mais medo de trote do que o Diabo
Trastejar – Hesitar. Vacilar. Não tra- tem da cruz.
ceje na corrida, compadre. Mão firme na Truque – Trapaça. Logro. Ele fez um
rédea e perna apertada na barriga da mon- truque com as cartas. Ninguém lhe vê os
tada. Olho “fixe” entre as orelhas do ani- truques. E’ muito ágil. Eu perdi no negó-
mal e relho nele. cio devido a um truque. Sua vantagem é
Trepa-moleque – Pente grande em fazer truques.
forma de telha que as mulheres da Planície Tucano – Trepador considerado en-
usavam. Vai caindo em desuso. Inglês de tre as aves o que são as preguiças entre
Sousa, nos seus Contos amazônicos, ainda os mamíferos. Isto, em virtude dos mo-
se refere a ele. vimentos lentos, demorados. O tucanaçu
164 Raimundo Morais

(Rhamphastos toco), de plumagem negra, Tupanauatá – L. G. Procissão.


grande bico amarelo, é o maior de todos; Tuparendaba – L. G. Oratório. Sa-
há o de bico preto (Rhamphastos vitelli- crário.
nus), e o de bico preto e branco (Rham- Tupé – Esteira. Fazem-na de tábua, de
phastos Cuvieri). palha, de tala. O caboclo “remediado” usa
Tucumã – (Astrocarium tucumã) – Pal- em baixo de sua rede, como um tapete, o
meira do Solimões e rio Negro. Dá uma tupé de tábua. As cunhantãs fazem serões de
fibra magnífica, chamada tucum, própria costura, de renda, de leitura, sobre tupés.
para as redes conhecidas pelo nome de ma- Tupinambarana – Tupinambá falso.
loqueiras. Algumas são mais claras, produ- A maior ilha do Estado do Amazonas. E’
zindo fio quase branco; outras pardacentas. saudável, cheia de florestas e campinas,
Há redes dessas que valem, pela qualidade toda cortada de furos. Na sua extremidade
do tecido e pela perfeição de linha, um con- oriental está a cidade de Parintins, que já
to de réis. As maloqueiras comuns, urdidas foi Vila Nova da Rainha, cidade da impe-
em ponto de tarrafa, custam dez, quinze e ratriz e aldeia dos tupinambaranas.
vinte mil réis. Tutu – Fantasma. Duende. Não esteja
Tucupi – Caldo de mandioca. Antes gritando meu bem, senão chamo o tutu.
de ser fervido é venenoso. Alem do taca- Tutu, vem aí para comer as crianças cho-
cá, ele serve para cozinhar caças e peixes, ronas e levar todas as que não dormem.
aos quais transmite gosto especial, sabor Durma já, meu filho. Vem, decerto, de
picante e esquisito. A paca no tucupi, a murucututu, que é uma ave agourenta,
tartaruga no tucupi, o tambaqui no tucupi tida entre os selvagens como fantasma.
são acepipes estimados na Planície. Tuxaua – Chefe de tribo indígena.
Tuíra – Cinzento. Preto desbotado. General aborígine. Maior figura na direção
A epiderme do negro, quando em contato das malocas. Também chamam pejorati-
com o tijuco, fica tuíra. Os grandes caules vamente de taxaua aos paredros políticos
escuros de palmeira deitado nos taludes do da Amazônia. Pelo interior vão mudando
estuário, para servir de ponte entre o porto a casca desde capitão, major, coronel, até
e a barraca, ficam tuíras de lama. chefe, isto é, tuxaua. Nas cidades, com
o advento de certos governadores, tipos
Tupã – L. G. Trovão. Deus.
sem importância viram cobra de repente
Tupaci – L. G. Mãe de Deus. e bancam o tuxaua, o chefe. Disque já é
Tupana – L. G. Imagem ou santo. chefe do Partido Limão com Açúcar em
Deusa. Garrafa de Litro. Casa dele vive assim, de
Tupanaroca – L. G. Templo. Igreja. gente. Roceiro é só mandando lembrança,
Casa de Deus. tartarugota, jacamim, jacu, mutum, gali-
Tupana taíra rangaba – L. G. Cru- nha, até cunhantã pra servi-lo. Papo dele
cifixo. Imagem. Parecido. Filho de Deus. tá tufando que nem baiacu.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

U grande, é muito usada como forro dos pa-


neiros que contêm farinha-d’água.
Uirapuru – (Pachysilvia rubifrons) –
Uai! – Interjeição de espanto, de sur- Passarinho castanho, do tamanho duma
presa. Uai! Por onde você entrou, será? patativa. Seu canto argentino, de notas
Uai! Não é que tem cobra aqui dentro; metálicas, reboante na floresta, lhe dá um
senti uma cousa mole passar no meu pé. prestígio de lenda. Dizem que todos os
Uaiua – Estado em que fica a água alados quando o ouvem se calam e vêm
dos afluentes com os primeiros “repique- atraídos escutar-lhe as notas mosicais. Em
tes”. Os peixes boiam como envenenados. Santarém, no Baixo Amazonas, vendem
Os tambaquis, com os beiços grossos, são o uirapuru embalsamado como talismã.
mortos a cacete, de bubuia. Água má, Preparam-no para dar felicidade no jogo,
ruim, maligna. no comércio e no amor.
Uamiri – Seta feita de palmeira inajá Umari – (Paroqueiba sericea) – Árvore
e que é lançada pela zarabatana. A parte mediana. O fruto alaranjado com pintas
posterior dessa pequenina flecha envene- escuras, do tamanho de um ovo de pato,
nada é envolvida numa bola de paina de tem um cheiro ativo. A polpa é doce e ole-
sumaúma. E’ acionada pelo sopro. Própria osa. Silvestre. Na cidade de Belém do Pará,
para caça. há um bairro chamado Umarizal.
Uapé – Vitória-régia, mururu ou Unicorne – (Palamedea cornuta) –
Pernalta colorida de preto e branco do
mururé. Nome enfim que o índio dá às
tamanho de um peru. Patas fortes e ne-
ninfeáceas.
gras. Anda aos pares. Come capim e inse-
Uaturá – Cesto carregado nas costas e
tos. Tem um chifre na testa e esporões nas
preso a uma envira que passa na testa. Pró- asas. Seu grito, repetido e respondido pelo
prio para conduzir produtos de lavoura. companheiro, é imitado assim pelo cabo-
Uaxini – L. G. Cinco. clo: João Gomes, que tu comes? Minhoca,
Ubá – Canoa de um tronco só de ár- minhoca. João Gomes, que tu comes? Mi-
vore. Escavada a fogo, pelo índio é na ubá, nhoca, minhoca...
de vários tamanhos, que a tribo toda se Uru – Cesto de talas ou palha, com
locomove. Nela pesca a silvícola e nela se tampa, onde os pescadores guardam, na
retira para o fundo da hinterlândia, à pro- canoa e na barraca, certos artigos miúdos:
porção que o invasor civilizado lhe toma cachimbo, anzol, fósforos, tabaco, isquei-
a terra. A ubá é negra, feia, sem quilha, ro, canivete, baralho, dinheiro.
sem banco, sem conforto, sem estética. Uruá – Molusco. Gasterópode. Gê-
Impelem-na a remo de mão. nero ampullaria. De carapaça em espiral,
Ubim – (Geonoma) – Palmeirita que cônica, cor branco-gesso sujo, não ultra-
dá excelentes fibras. A sua folha, sem ser passa, no seu maior diâmetro, as antigas
166 Raimundo Morais

moedas de cobre de 40 réis. Terrestre, vi- tos índios. Usam-na também na cozinha,
vendo na mata e nos campos, gosta mui- à maneira do açafrão, para colorir certos
to dos jardins citadinos da Planície, onde pratos.
passa a vida escondido nos trevos ou su- Urupema – Peneira. Crivo de talas
bindo às árvores de porte reduzido como por onde se coa o açaí, a mandioca, a ba-
roseiras, jasmineiros, etc.. O termo “uruá” caba. No Pará, as amassadeiras de açaí cha-
também é aplicado ali no sentido lésbico. mam gurupema.
Urubu – (Cathartes foetens) – Ave. Urutaí – (Nyctibius grandis) – Conhe-
Todo negro, cabeça pelada, nutre-se de cido por mãe da lua. Pássaro noturno, de
cadáver, de qualquer matéria, em decom- pouco mais de meio metro de comprido,
posição. Na Amazônia ele está em toda mede cerca de um metro entre as pontas
parte; no campo, na floresta, na cidade, das asas abertas. E’ tido por fantasma. Dá
onde haja enfim um bicho morto. Aparen- uns gritos no mato que antes parecem ri-
temente prestativo em virtude de comer as sadas, remoques com qualquer cousa de
podridões, limpando assim os pastos, te- sinistro. A sua pele seca ao sol defende as
reiros e florestas dos restos orgânicos que donzelas contra as seduções. Com as penas
infectam o ar, está hoje provado, no en- da cauda do urutaí varre-se o chão sobre o
tanto, que o urubu é o veículo de várias qual estão atadas as redes das recém-casa-
moléstias e até de epidemias. Dizem que a das, a fim de que elas sejam honestas, fiéis
propagação do quebra-bunda se deve a ele. aos maridos e boas mães. Muito quieto, a
Urubu-jereba – (Cathartes aura) – tradição apoia-se nesse fato para julgá-lo
Tem a cabeça vermelha com pescoço vio- propício à tranquilidade da mulher, na-
láceo. Vive no mato e nos campos longe morada, noiva ou casada.
do homem. Utinga – L. G. Água branca. Clara.
Urubu-rei – (Sarcorhamphus papa) – Cristalina. E’ o nome do igarapé que for-
Grande voador de linda plumagem colori- nee água à cidade de Belém.
da. Vive na floresta. Uxi – (Saccoglottis uxi) – Árvore de
Urucu – (Bixa orelana) – Planta ar- grande porte. O fruto, elipsóide, de casca
bustiva de cujos frutos se extrai uma tinta esverdeada, tem uma polpa de gosto esqui-
vermelha, empregada na tatuagem de cer- sito e saboroso. E’ silvestre.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

V salva por terra uma cachoeira. Por ele se va-


ram as canoas da parte de baixo para a parte
de cima. Entra no varadouro que encurta
Vágado – Vertigem, desmaio, de- caminho. O varadouro está cerrado.
líquio. Gente, minha vista vai escure- Varanda – Sala de refeições das casas
cendo. Parece que é vágado. Me deu um nos povoados, vilas e cidades da Planície.
vágado quando atravessei o igarapé, bem Pano que ladeia a rede, enfeitando-a. Há
no meio da paxlubeira caída. Só sendo a varandas simples, de labirinto, de crochê,
mãe-d’água, compadre. A Iara também de penas.
faz isso. Quando menos uma criatura es- Varejão – Vara comprida com que se
pera vem um vágado, ela carrega a gente, impele a canoa nos lugares rasos.
e some no fundo. O Quintino da outra Várgea – Várzea. Terra nova levanta-
banda foi assim. Nunca mais boiou. da pela sedimentação fluvial. Planície que
Vaga-lume – (Pyrophorus noctilucus) alaga nas cheias. Quase todas as margens
– Também se chama pirilampo. Alguns do Amazonas e seus tributários são orladas
têm o ponto fosforescente no protórax, de várgea, sobre a qual a vegetação é sur-
outros no abdômen. Há diversas espécies. preendente de vida.
Uns vivem no campo, nas gramíneas, ou- Vasqueiro – Difícil de encontrar.
tros na floresta, no tronco dos paus. Em Cousa que era abundante e vai desapa-
certas noites escuras, de verão, são tantos recendo. Peixe está ficando vasqueiro,
que parecem pingos de luz sobre a terra. cunhado. Açaí anda vasqueiro, comadre.
Lembram uma chuva de estrelas. O lume Vaticano – “Gaiola” de 900 a 1000
verde-pálido de uns contrasta com a luz toneladas, construído na Holanda, que ao
viva, branca ou vermelha, de outros. presente trafega na Amazônia. É o maior
Vapor – Transatlântico, gaiola, lancha, navio fluvial do momento. Confortável,
qualquer embarcação, em suma, no baixo camarote e camarim telados, maquinas
Amazonas, movida a vapor. Compadre, sobre o convés, três toldas, boa mesa, ela
vapor está apitando na fazenda do coronel representa a projeção sempre ascendente
Isaque Peres. Ouvi barulho de vapor no da grande empresa de navegação chama-
rumo do paraná. Aí vem vapor, comadre; da Companhia do Amazonas. Movido por
e é o da linha. No ocidente da Planície os duas hélices, embora de pouca marcha –
seringueiros, na maioria nordestinos, cha- oito a nove milhas – poucas embarcações
mam ao vapor “navegação”. Navegação tá oferecem comodidades iguais, tão amplo,
buzinando, gente. arejado, limpo se mostra em todos os de-
Varadouro – Atalho. Trilha aberta na partamentos. De noite, iluminados a luz
mata para ligar dois rios, cortando a meso- elétrica, parece palácio flutuante, advindo-
potâmia perpendicularmente. Vereda que -lhe certamente dessa impressão, que dei-
liga duas estradas de seringa. Caminho que xam, o nome de Vaticano. Companhia
168 Raimundo Morais

estrangeira, sua modelar administração na em diante refrescando deliciosamente a


Amazônia está sendo feita por brasileiro. temperatura do fim do dia e das primei-
Seu diretor, em Belém, é o engenheiro ras horas da noite. Belém, capital do Pará,
Guilherme Paiva; seu superintendente, o goza desse fenômeno pela sua posição ge-
comandante Alberto Autran. ográfica. No alto Amazonas e seus afluen-
Vela – Pano propulsor das embarca- tes, na região das nascentes fluviais, existe
ções. Asa de navio. Abundante no estuá- a friagem, queda brusca da temperatura
rio do Amazonas, à proporção que se na- que vai às vezes a uma semana, e se repe-
vega pela formidável corda a dentro, ela te, de acordo com o ano, duas, três, cinco
vai desaparecendo. Cessa completamente vezes, de maio a setembro. São as corren-
nos estreitos de Breves, a 120 milhas de tes aéreas que se invertem. Os ventos que
Belém, onde só existe o remo de mão sopravam do mar, vêm, nessa época, de
porque aí o vento mal penetra. Depois cima das cordilheiras, afiados nas neves
desse meandro de canais ela ressurge. Gu- e nos gelos da montanha. Esta repentina
rupá, Prainha, Monte Alegre, Santarém, mutação climática produz a morte de ani-
Óbidos, Faro, Parintins possuem algumas mais e a paralisia da vida. Em certos anos
canoas a vela. Chega mesmo a Manaus. a friagem vai até Parintins; noutros, mal
Daí para cima é rara, não só porque a cor- chega a Manaus.
rente é forte, privando a embarcação do Ventrecha – Ventre. Barriga do pi-
bordejo, como porque os ventos alísios rarucu. É uma das partes mais estimadas
escasseiam, atraídos pelos focos de cam- desse peixe quando fresco. Assada de gre-
pinas e savanas para onde se desviam e lha, em fogo vivo, é um dos petiscos da
onde assobiam e galopam. Amazônia. Comem-na com molho de
Veneziana – Gelosia. Persiana. Folha limão, pimenta, sal, com farinha-d’água
exterior da janela guarnecida de tabuinhas torrada. A janta hoje é ventrecha de bode-
entreabertas a fim de ventilar o interior da co. Gordo, minha xera, que parece a Justi-
habitação. Abre essa veneziana, Joaquina, na da outra banda.
para correr o ar. Talvez refresque mais... Vesgo – Estrábico. Mirolha. Que olha
Vento – Correr no Amazonas o vento pra o norte e enxerga pra o sul. Zanaga.
de baixo para cima, isto é, do oriente para Vigilenga – Canoa de pescador. Boca
o ocidente. Conhecido por alísios, eles aberta, as velas parecem asas de morcego.
sopram ao arrepio da corrente. Depois de Quase redonda, amara-se Atlântico a fora
atravessar o Atlântico, onde se carregam dias e dias. Os primeiros modelos saíram
de umidade, enfiam-se pela grande arté- da Vigia. Daí lhe vem o nome. Em geral
ria fluvial. No verão, de julho a dezembro, tem o casco negro e o pano avermelhado,
sopra com violência, refrescando a região. tingido de murici. Também conduz caran-
Diariamente para das 17 horas às 21, fa- guejo em cofos.
zendo a tarde amazônica profundamente Vintém – Pequena moeda de cobre de
quente. O fato, entretanto sofre um gran- vinte réis.
de exceção no estuário do Tocantins, ou Virado – Desnorteado. Iludido. Ena-
seja pela parte leste de Marajó, onde o ven- morado. Coronel já reparou no semblante
to conhecido por Marajó cai das 16 horas do coletor? O homem parece que está vi-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 169

rado. Vive falando só, de olho comprido, no regresso tem de ser visitado... Isso sim,
apalermado. Foi virado pela Chiquinha é que é pura costa da África. Vem, porém,
Muçuã. a lancha e todos correm a abraçar os repre-
Virou a frege – Perturbou. Anarqui- sentantes do governo da república.
zou. Viraram a frege o baile do compadre Vitória-régia – (Iapuna-caá) – Gran-
Caninana. Não ficou um copo. Diz que de charão verde, flutuante, com a borda de
foram os “embiricicas”. Ninguém diz vi- ferrugem. Dá uma flor que é branca pela
rou frege, ou, mesmo, virou em frege. Pois manhã e rósea pela tarde. Aquática, só vive
não se diz entrega a domicílio por entrega em sociedade. Muitos lagos existem reco-
em domicílio? E não há um gramático ou bertos desses grandes pratos glaucos. Uma
filólogo que venha à fala. Seria bom. criança poderia, de folha em folha, atra-
Visagem – Aparecimento de espectro. vessar certos lagos sem tocar na água. La-
Manifestação de almas do outro mundo. punacaá dos índios, os jacarés, os poraqués
Nessa barraca tem visagem. Dizquê foi um e as cobras se abrigam sob ela. Chamam-
preto fugido que morou aí e morreu sem -na ainda forno de jacaré. Ninfeia.
confessar os pecados dele. Na cumeeira Vulcões – Não existem na Amazô-
é só coruja. Logo no bater das trindades nia. No Brasil mesmo não há memória de
principais um choro que para o coração. nenhum, embora as ilhas de Fernando de
Na volta da meia-noite é cada urro que Noronha e da Trindade, em virtude de suas
parece novilho preso. rochas de basalto, fonólitos e traquites, em
Visita – Inspeção feita a bordo dos forma de lavas, denunciem vulcões extin-
navios, quando chegam às capitais, pelos tos, como aliás sucede em muitos pontos
representantes da saúde, da Alfândega, da do Brasil. No ocidente da planície perua-
polícia. À menor demora vem logo o dicho- na, que extrema com a planície equatorial
te, o protesto do passageiro. Sim, senhor, brasileira, a muralha andina é cheia de vul-
são sete horas e nada de visita. País perdido! cões. A cordilheira, porém, fica tão distan-
Parece que estamos na China. O governo te, que os próprios fenômenos sísmicos na
da república devia acabar com semelhante Amazônia são raríssimos, e, ainda assim,
comédia! Mas isto não é nada, comenta ou- tão brandos que mal chegam para rachar
tro “sabido”, porque, enfim, a gente vem do a parede de uma casa, como sucedeu em
Sul. Mas um “gaiola” que vai a Itacoatiara e Manaus, há cerca de dez anos.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

X Xerimbabo – Animal doméstico,


criado ou amansado em casa.
Xeta – Dinheiro. Aquele sujeito pare-
Xarão – Nome que se dá, na Amazô- ce que não tem xeta no bolso. Amanheci
nia, às bandejas. Vou te mandar um xarão hoje sem xeta.
de doce. Chegou um xarão de canjiqui- Xingutânia – Região do Xingu. Ba-
nhas que é uma beleza! Olho-de-sogra está cia do Xingu. O príncipe Adalberto da
assim, naquele xarão grande. Prússia, nas suas observações hidrográfi-
Xenxém – Patacão de cobre de cunho cas, subiu o Xingu, estudando-lhe a velo-
diferente. Tinha um x ao centro. Vá trocar cidade do caudal, a cor das águas, as ca-
este dinheiro que é xenxém. Não recebo choeiras, a profundidade. Memória essa
dinheiro xexém. Aquele bicudo só vive de raro valor, mas inacessível pela edição
empurrando dinheiro xexém na gente. reduzida.
Xera – Pessoa que tem o mesmo Xué – Ordinário. Reles. Desgracioso.
nome. Homônimo. No Sul chamam xará. Que tipo xué, parece do tempo do ronca.
Gentes, como minha xera voltou gor- Que festa xué, era só gengibirra... Música
da. Na Planície se usa muito meu nome. não passou de violão e cavaquinho. Xué
Adeus, meu nome, isto é, minha xera. assim, nunca vi.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

W William Chandless – Apesar do bo-


tânico Wallis já ter penetrado dois anos
antes o Purus, só em 1864 este rio foi
Walter Raleigh – (Sir) – Inglês. Po- aberto à ciência por William Chandless.
eta. Navegante. Diplomata. Explorador. Determinou-lhe esse engenheiro os pon-
Famoso cortesão da corte inglesa. Andou tos astronômicos e levantou-lhe a carta em
na terra das Guianas da banda do Atlân- companhia do brasileiro Manuel Urbano,
tico. Esteve na bacia do Orenoco. Se bem se bem que o nosso patrício João Cametá
não tenha penetrado a planície amazônica, fosse o primeiro batedor do longo afluente
as suas estrofes, as suas narrativas, as suas
– representativo dos rios de planície. Bar-
pitorescas e maravilhosas histórias, conta-
rento, cheio de voltas, no tempo das cheias
das aos pés da soberana do vasto Império
os “gaiolas” sulcam-lhe o caudal durante
Britânico, estão cheias das lendárias ama-
zonas brasileiras. Favorito de Isabel da In- um mês. Chandless andou também no
glaterra, a rainha ouvia-lhe os versos líricos Juruá e na Mundurucânia, além de outras
e os contos sobre as mulheres guerreiras do explorações no Vale. O seu prognóstico,
Novo Mundo com fogo nos olhos, com a de que o Purus somente daí a séculos seria
alma iluminada, sem prever o triste fim povoado, falhou. Poucos anos depois dessa
do grande homem do seu reino e do seu profecia o grande rio era invadido e habi-
coração, executado depois, na vigência de tado, tal o interesse que a borracha desper-
Jaime I. tou no mundo.

Z tímetros de diâmetro por onde os índios


atiram as frechas conhecidas por uamiri,
Zarabatana – Tubo de madeira de próprias para abater aves ou pássaros. Im-
cerca de três metros de longo e quatro cen- pelem-nas soprando.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

TRANSCREVEMOS, EM SEGUIDA, ALGUNS ARTIGOS


DE CRÍTICA ESTAMPADOS NA IMPRENSA DO RIO, POR
HOMENS DE LETRAS, PUBLICISTAS E JORNALISTAS, A
RESPEITO DO 1º VOLUME DE O MEU DICIONÁRIO DE
COUSAS DA AMAZÔNIA. EIS:

REGISTRO LITERÁRIO – Rio – Oficinas Gráficas Alba


– Raimundo Morais – O Meu Dicionário de Cousas da
Amazônia.

JOÃO RIBEIRO.
Da Academia Brasileira de Letras

G RANDE e maravilhoso esse dicionário das cousas das amazônicas.


A um só tempo linguístico, histórico, geográfico, biológico e social, é na
realidade um livro que todos devemos ler página por página, para avaliar o
imenso mar mediterrâneo de infinitos recursos e que bastaria para formar
a pátria mais rica e formosa do mundo.
Raimundo Morais é o verdadeiro estilista da Amazônia, que traz
nas hipérboles de expressão a grandeza de sua terra. É prosador e poeta ao
mesmo tempo porque nele são inseparáveis os dois títulos do seu mérito.
Muito há que aprender nesse livro, aprender, meditar e acreditar.
Segundo os seus métodos do registro amazônico nada esqueceu
o insigne vocabulista. Ali estão vocábulos e plantas, e animais, lendas, usos
e costumes, crendices e verdades, de mistura com os grandes nomes dos
sábios que perlustraram a imensa planície.
174 Raimundo Morais

Notamos na relação dos grandes naturalistas um pequeno defeito:


o de classificá-lo segundo o seu prenome em vez do apelido. Era o sistema
que seguia Inocêncio no seu dicionário bibliográfico e que tantas penas e
trabalhos causam aos que manuseiam livros tais. Queremos saber quem foi
Wallace, o êmulo de Darwin, havemos de procurá-lo como Alfredo, que foi
o nome de batismo. E assim Bates e assim Agassiz e todos os outros.
Raras vezes é o nome da pia o principal na celebridade dos ho-
mens. A classificação por apelidos é a melhor, embora tenha alguns incon-
venientes graves como o de Carvalho e Araújo para Alexandre Herculano.
Pelo menos, impunha-se a remissão que Raimundo Morais fará
em segunda edição, que muitas outras terá o seu livro magnífico.
Até agora, tendo-o recebido nos últimos dias, lemos as trinta ou
quarenta páginas da letra A o que é o suficiente para retrancar a fisiono-
mia integral do Meu Dicionário, rico, variado, esplêndido, vigoroso como
nunca foi feito nessa matéria.
Há, se não nos enganamos Lembranças da terra amazônica de
Bernardino de Sousa que ficam infinitamente distantes do livro de Rai-
mundo Morais.
Nem sempre estamos de acordo com o autor, duvidando aliás
da nossa opinião pessoal. O juízo que ele formula acerca de Antônio Viei-
ra parece-nos excessivamente severo e de estranho rigor. O jesuíta era de
fato cortesão e áulico e inimigo do elemento laico que (afinal escravizava os
índios). Grande orador, gozando de enorme prestígio social foi provavel-
mente o fiteiro de que nos artigos nos fala o dicionarista.
Outro artigo interessante da letra A é o Ajuricaba, o tuxaua, re-
belde, uma espécie de Calabar, enaltecido pelos lusófonos que não tardariam
com a independência. Ajuricaba favorecia o domínio holandês, e é mais um
produto da lenda e da poesia que da verdade histórica. Aliás, a sua sentença
está lavrada pelo dicionário nestes termos: “Na Guiana estão há séculos os
holandeses sob o mesmo céu e sob o mesmo clima da planície equatorial, e,
nem de longe, fizeram ainda a civilização que nós brasileiros, oriundos dos
lusos, já fizemos no vale amazônico.”
O mesmo é possível dizer da atitude do Calabar pernambucano.
O holandês não foi nunca um povo colonizador. Embora se lhe
não possam negar as virtudes de tolerância, nada realizaram de grandioso
O meu dicionário de cousas da Amazônia 175

e muito menos souberam conservar e defender as suas colônias. Destas a


última que perderam foi o Transval.
O subsídio linguístico do Meu Dicionário é muito suculento.
Veja-se a palavra Axi, interjetiva de uso popular brasileiro no extremo norte
e o Ainda que os nossos traduzem da língua geral rain. O indígena diz catu
rain, é bom ainda e esse habitual foi conservado pelo gente do extremo nor-
te, como observou José Veríssimo. A palavra é provavelmente abreviatura de
eeraen com sentido afirmativo de sim e posteriormente confundiu-se com a
expressão portuguesa ainda por simples aproximação fonética.
Quiséramos ver mais desenvolvido o termo Anhanga que está
bem definido, mas necessita a comparação com o sentido habitual nas
terras do Sul, onde há notável diferenciação.
No extremo norte o Anhanga é o Deus protetor da caça contra
os caçadores. E esta nota preciosa para os etnólogos e folcloristas: “Tudo
para o índio em matéria de sobrenatural e adoração, é mãe. O mato tem
mãe, a água tem mãe, o lago, o rio têm mãe. Os bichos têm mãe.”
Na realidade os índios chamavam ao dia e ao Sol Guaraci, mãe
do dia, Iraci, mãe do mel e é nome de abelha. Um esforço acerca dessa pa-
lavra não seria supérfluo. Mas, não é lícito pedir desenvolvimentos onde o
autor não achou oportuno, preferindo ser breve como era o seu direito. E
nem todos os leitores teriam a mesma curiosidade que temos.
A aproximação fonética que notamos acima a respeito de rain e
ainda é a que se verifica em ara dia e ora português, usados um e outro pro-
miscuamente, e assim anota Raimundo Morais, na linguagem popular: “Ara
vá pro inferno!”
No português antigo havia idêntica confusão de ora e ara. Em
Gil Vicente e outros: aramá – ora má ou má hora.
São infinitas as sugestões que me dá a leitura desse grande livro
e dicionário, de Raimundo Morais, de que apenas deletreamos a primeira
letra alfabética.
O primeiro volume abrange as letras A-F. Que venha sem demo-
ra o que falta com as preciosidades desse tesouro.
E’ uma obra mestra como se havia de esperar.
Do Jornal do Brasil – Rio.
__________
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Notas de um “diarista”
UM ESCRITOR VITORIOSO QUE INVERTE A FRASE DE
CESAR. – O SR. RAIMUNDO MORAIS VENCEU, VIU E
CHEGOU. – O MEU DICIONÁRIO DE COUSAS DA AMAZÔ-
NIA. – A AMAZONIA COMO CONSUMIDOR DE REGIO-
NALISMO DO SUL. – O BRASIL É UM SÓ!

HUMBERTO DE CAMPOS
Da Academia Brasileira de Letras

O SR. RAIMUNDO MORAIS desarticulou no Brasil a mecânica dos


sucessos literários. À semelhança daqueles belicosos capitães romanos que,
das ásperas montanhas da Armênia ou das úmidas florestas da Germânia
ou das Gálias, se impunham, no coração de Roma, à admiração tumultu-
osa das tribos e ao respeito austero do Senado, ele conseguiu, de um ponto
remoto da selva amazônica, impor-se ao país inteiro. E quando de lá partiu,
e atravessou o Rubicão, não foi para vencer, mas, unicamente, para ver o
que havia vencido. Não veio fazer o seu nome no Rio de Janeiro: trouxe-o
feito, pronto, consolidado. Como nos séquitos dos triunfadores, as tropas,
clangorando aos ventos, anunciaram a sua chegada. E o Sr. Raimundo Mo-
rais, consoante delataram as folhas, “chegou, e acha-se entre nós”.
***
Não é o desembarque do homem, mesmo o do autor das Notas
de um jornalista, da Planície Amazônica, das Cartas da Floresta e do País das
O meu dicionário de cousas da Amazônia 177

Pedras Verde, que me cabe divulgar. Entre espíritos que se votam às letras
não existem indivíduos, mas obras e ideias. E é um novo livro do Sr. Rai-
mundo Morais, o seu [O meu] Dicionário de Cousas da Amazônia, que me
compete anunciar nesta hora, dando-lhe as boas-vindas antes, mesmo, de
proceder à leitura demorada que requerem não somente a obra aparecida,
mas, também, as responsabilidades de um crítico literário em disponibili-
dade forçada. Um livro útil, nestes tempos, é como hóspede novo em hotel
de cidade pequena: abre-se-lhe logo a porta entre alvíssaras. Depois de apa-
nhado o freguês é que o dono do hotel lhe vai examinar os precedentes.
Ao escrever os quatro volumes que lhe compõem atualmente
a bibliografia, pretendeu o autor da Planície Amazônica fazê-los acompa-
nhar de um glossário de termos neles empregados. Pouco a pouco, porém,
esse trabalho se foi distendendo e volumando, de modo a formar matéria
para dois tomos. Pelo desenvolvimento dado às definições, o vocabulário
transformou-se em dicionário enciclopédico. E é o primeiro tomo dessa
obra, compreendendo as letras A-F, que acaba de ser editado.
Organizando esse curioso trabalho de observação e de cultura,
não pretendeu o autor, ao que parece, dar-lhe feitio austero, sisudo, cir-
cunspecto. Ao lado do que era útil, quis ele pôr o agradável e, mesmo, o
alegre, o jocoso, o jovial. Ocorreu-lhe, possivelmente, seguir o exemplo
de Voltaire, no Dicionário Filosófico, e o de Rivarol, no Pequeno dicionário
dos grandes homens da Revolução. Daí o escândalo que talvez constitua aos
olhos graves dos homens exclusivamente de estudo, e a alegria com que
o lerá o grande publico, para o qual o Sr. Raimundo Morais, cansado de
trabalhar para as “elites” literárias, organizou, agora, este seu livro.
***
O Meu Dicionário de Cousas da Amazônia não é, como se pode-
rá supor, composto exclusivamente de termos peculiares à bacia do Ama-
zonas, que já possui, aliás, obra desse gênero, embora cronologicamente
atrasada, e limitada à ilha do Marajó, no pequeno Glossário de Vicente
Chermont de Miranda. É, mais, um dicionário de brasileirismos, que a
Amazônia utiliza. E, sob esse ponto de vista, constitui ele um índice para
o estudo da formação social da região. Encontram-se, na verdade, ali re-
gionalismos característicos de todos os estados do Brasil: cearenses, mara-
178 Raimundo Morais

nhenses, pernambucanos, baianos, cariocas, paulistas, mineiros e gaúchos


– fato que denuncia a afluência de emigrantes de todas essas origens, que
levaram com o seu sangue, com a sua atividade e com o seu braço, a sua
curiosa contribuição vocabular.
O novo livro do Sr. Raimundo Morais contém, em suma, a do-
cumentação lexicográfica de um fenômeno que eu havia assinalado, já, há
alguns anos: a Amazônia é, sob o ponto de vista humano, uma das regiões
mais incaracterísticas do Brasil. A onda imigratória que a assaltou durante
meio século varreu o que ela possuía de mais original, e que era o homem
nativo, e os modos de existência que dele derivavam. Só a natureza per-
maneceu de pé, afrontando o invasor e derrotando-o no momento em que
ele fraquejou. Das tradições e vozes do homem amazônico pouco, muito
pouco, resistiu e sobrevive.
Essa verdade, que o livro do Sr. Raimundo Morais documen-
ta, vem torná-lo, por isso mesmo, ainda mais interessante aos olhos e à
inteligência do grande público brasileiro. Ele mostra a unidade da nossa
linguagem, a facilidade com que os homens se têm comunicado através
das distâncias, permutando os seus modismos, os seus aforismos, os seus
termos de gírias, e que, por tudo isso, a alma brasileira é só uma, e o Brasil
é um só.
De O Jornal – Rio.
O meu dicionário de cousas da Amazônia 179

O MEU DICIONÁRIO DE COUSAS DA AMAZÔNIA

GUSTAVO BARROSO
Da Academia Brasileira de Letras

Raimundo Morais é uma das mais belas figuras literárias con-


temporâneas do Brasil. Conhecendo a Amazônia a fundo, sua vida, sua
natureza, seus costumes, seu folclore, suas tradições, sua gente, a fauna, a
flora, a geologia e a potamografia daquela planície formidável, ninguém
como ele jamais pintou, descreveu e sentiu a natureza daquele mundo es-
quecido. Durante muitos anos, comandando vapores mercantes, Raimun-
do Morais navegou no rio-mar, passou seus estreitos e furos, explorou luga-
res e paranás, viveu em comunhão íntima com o meio e com o habitante.
De tanto amá-lo e senti-lo, um dia seu coração transbordou de
emoção. E foi quando ele a transmitiu ao público num estilo brilhante e
claro, com uma propriedade de expressão rara e com um entusiasmo que
logo o puseram na primeira fila dos nossos homens de letras. Traçando este
rápido esboço de sua invulgar figura literária, devemos lembrar do êxito
de seus livros sobre a Amazônia, principalmente das Cartas da floresta, do
País das pedras verdes e do Na planície amazônica, em cujas páginas rolam
as águas assombrosas, cantam as iaras e os irapurus, passa a boiúna sinistra,
desliza o Jurupari misterioso, o Curupira bate com a ivirapeme da selva e o
índio nu revela o segredo das malocas selvagens.
Todos esses livros magníficos são como janelas que ele abrisse
para a luz, convidando os leitores a nelas se debruçarem para contemplar
a mataria viridente, os bichos de penas e de cerdas, o homem agitando-se
através dos tempos naquele espaço imenso, os acidentes da história e toda
a poesia das lendas.
Não fenece com os anos o amor de Raimundo Morais pela Amazô-
nia assombrosa. Dia a dia, colhendo notas, meditando, estudando, informan-
do-se, ele vai completando a sua grande obra patriótica e serena. Assim, nos
dá agora o primeiro volume do seu [O meu] dicionário de cousas da Amazônia,
em que, ora ponderado e sério ora jocoso e irônico, fixem inúmeros verbetes
os termos do linguajar, as formas do pensamento, a memória dos objetos, a
180 Raimundo Morais

feição dos viventes, tudo quanto pertence de perto ou de longe ao vale verde
em que rolam as massas líquidas da maior bacia fluvial do Planeta.
O meu dicionário de cousas da Amazônia triunfará tanto, se não
mais que os outros volumes do notável escritor. E, entre os que tragam
palmas votivas ao seu triunfo, estamos de coração lamentando somente
que cada região do Brasil não possua um Raimundo Morais para fixá-la em
capítulos duradouros no pensamento nacional.
Do Fon-Fon – Rio.
O meu dicionário de cousas da Amazônia 181

PIGMALIÃO

ALVES DE SOUSA

O que me entusiasma na obra de Raimundo Morais é a alegria, a


penetrante, contagiosa alegria de saúde e de beleza, com que ele realça sem
excesso e divulga sem hipérbole os esplendores exuberantes da Amazônia.
Passa de cem anos que a Amazônia, mal conhecida, mal propa-
gada, denegrida invariavelmente no clima, na terra, no homem, apoucada
como deserto ou tapera, temida como fim do mundo, desdenhada como
terra de ninguém, é uma região infernal, povoada de monstros, ensombra-
da de mistérios, sequestrada no pântano mefítico entre a fera e a febre, com
imensas possibilidades de riqueza apenas entrevistas no pavor da brenha e
prodigiosas maravilhas naturais celebradas em epinícios alegóricos de en-
cantamentos à distância, ou de passagem.
Numa palavra: a Amazônia era uma “assombração”. Tudo for-
midável, mas inçado de perigos; tudo belo, mas tenebroso, apocalíptico;
tudo opulento, mas fabuloso, fantástico, inacessível, irrealizável.
Mais de um século de literatura científica, econômica, ficcio-
nista sobre a Amazônia, marcando-o nos seus fenômenos caprichosos,
nas suas seivosas energias, nas suas fascinações tentaculares; no entanto,
embustes, preconceitos, exageros, equívocos, maledicências, superficiali-
dades caluniosas não cessaram de deformar a sua harmonia estonteante e
amesquinhar a sua grandeza desmedida, embora a gravidade dos sábios, a
ponderação dos técnicos, a probidade dos escritores.
Permaneceu, assim, a Amazônia um vasto mundo a ser “revela-
do” ao próprio Brasil, aguardando – e por longos anos – um cronista da sua
vida original, do seu meio social incontrastável no país, mas um cronista
que simultaneamente fosse o paladino pugnaz das suas realidades, tão
amiúde desfiguradas no extremo oposto do lirismo e do negativismo.
Raimundo Morais operou, com poucos livros, essa revelação re-
paradora. Cronista e paladino da Amazônia, o êxito nacional da sua obra
é, em tese, a vitória de uma campanha lidada com inteligência, com expe-
riência e com patriotismo.
182 Raimundo Morais

Seu processo é simples, de uma simplicidade que logo esclarece,


persuade, convence, cujo segredo está não só na amplitude e variedade do
conhecimento assimilado e sistematizado através de tudo que, dentro e
fora do Brasil, se tem escrito sobre o grande vale setentrional, mas, ainda,
no estudo objetivo e no testemunho direto do fácies físico e do ambiente
social do portentoso Mar Doce.
A assimilação do estranho e a experiência própria, num espírito
de rara sagacidade, forte poder de observação, transbordante entusiasmo
nas pesquisas mais porfiosas e tenazes da geografia, da geologia, da ar-
queologia, da zoologia, da botânica, da história, do plasma sociólogo, da
tradição, dos usos e costumes da Amazônia, fatalmente haviam de produzir
a obra harmoniosa de erudição e vulgarização que se fazia imprescindível
para contrabater o erro, aclarar a ignorância, sacudir a indiferença.
O processo preferido eliminou dúvidas, obscuridade e palpites.
Teve o paisagista magistral da Planície o escrúpulo de possibilitar aos seus
leitores, que se recrutam em todos os quadrantes do pensamento e do sen-
timento brasileiro, amplas facilidades para a compreensão e estima de uma
exata Amazônia, exposta, explicada, examinada, julgada a plena luz, com
os meios e recursos acessíveis à discussão e ao controle de especialistas e
profanos.
Não tem outra significação o Dicionário que com o próximo
volume se concluirá. Além de elucidação complementar, é nova exaltação
da Amazônia, salientada como uma das reservas maiores e mais ricas do
idioma que um dia será privativo da nossa terra.
Em diversos estados a regionalização da linguagem já existe apu-
rada, concatenada em seus termos singulares e em suas locuções caracterís-
ticas, formando fontes e núcleos de inapreciável subsídios para a persona-
lização do nosso modo de falar e escrever de amanhã.
Ora, a obra de Raimundo Morais é um reservatório opulento de
termos e expressões singulares adstritos a todas as manifestações de vida da
Amazônia, e cujo peculiar inconfundível, no linguajar da gente, na deno-
minação das cousas, na nomenclatura variada, interessante e pitoresca de
todos os seus elementos de existência, atividade e produtividade, é, pode-se
dizer, o espelho da sua pujança, a própria demonstração da sua força e da
sua vitalidade.
O meu dicionário de cousas da Amazônia 183

Nada mais compreensível, pois, do que O meu dicionário de


cousas da Amazônia. Depois das Notas de um Jornalista, da Planície, das
Cartas da floresta e do País das pedras verdes, isto é, depois da “revelação”,
era necessário escudar nessa prova, nesse elucidário, nesse guia o magnífico
esforço que se impôs o escritor para atrair sobre a região um interesse, um
apreço, uma simpatia, uma solidariedade fundados no conhecimento e na
evidenciação das realidades, sem as deturpações imaginativas do invencio-
nismo forasteiro e as patranhas preconceituosas da ignorância empática.
Falando da Amazônia ao Brasil, Raimundo Morais penetrou-
se da conveniência de ser explícito e minudente; e, por isso, à esplêndida
florada das suas narrativas sobre a “terra anfíbia”, a selva multiforme e o
homem heroico, associou, coerentemente, a caçoula cheirosa dos seus ver-
betes regionais.
Coroa-se, desse modo, com escrúpulos, noção de alcance e efi-
ciência, o êxito da campanha. E de vez que as elites nacionais se familiari-
zam, o que é indubitável, com os trabalhos do prosador insigne, e porque
neles vive, inteira, a Amazônia numa palpitação e numa veemência de be-
leza e de verdade, pode envaidecer-se o artista, o esteta, o criador de tantas
páginas empolgantes – por haver plenamente atingido a culminância do
seu ideal (que é a sua missão reparadora) de cronista e paladino, batalhan-
do por uma cousa e vendo-a triunfante sob os lampejos da sua pena e os
estímulos do seu coração.
Raimundo Morais nasceu, cresceu, viveu, educou-se, trabalhou,
venceu na Amazônia. Aprimorou seu temperamento mental viajando pelo
dédalo potâmico que serpeia nos seus livros.
Entre o comando de “gaiolas” e a biblioteca flutuante, obser-
vando e lendo, estudando e corrigindo, foi que se aparelhou para a pugna
e para o triunfo.
Não conheço exemplo de vontade mais obstinada e enérgica no
preparo cultural para a vitória, sobrepondo-se ao meio e às contingências
para, beneditinamente, buscar, descobrir, colher, “trilhar”, acumular, dila-
tar conhecimentos científicos e subsídios mitológicos, todo um material
abundante e complexo, de que a plasticidade do seu talento faria a trans-
formação literária num estilo pessoal, elegante, que, na regra bufonniona,
revela o homem.
184 Raimundo Morais

Quem assim pacientemente e inteligentemente se “equipou”,


se “organizou” para o cometimento cuja floração mais típica é o País das
pedras verdes, podia, como pode, perdulariamente, prodigar a alegria da
saúde e da beleza ao luminoso esforço de realçar sem excesso e divulgar sem
hipérbole os esplendores exuberantes da Amazônia.
Ao contato da sua arte, não mais se dirá que a matéria inerte,
“sombria, inóspita, selvagem”, a região dos monstros e mistérios fabulosos,
deixou de receber o supremo sopro vivificador.
Pigmalião enamorado deu-lhe forma, formosura e graça. O
hausto divino da verdade transmitiu-lhe movimento e vida.
Trasladou-se o mito. Egressa da moldura clássica do Chipre, Ga-
lateia veio esplender entre as orquídeas, as ninfeias e as lianas que cingiram
simbolicamente na lenda e na guerra a fronte belicosa das amazonas.
De O bibliográfico – Rio.
O meu dicionário de cousas da Amazônia 185

O ELUCIDÁRIO DE UM ESTETA

CARLOS D. FERNANDES

A obra literária de Raimundo Morais, onde se nos depara o


aturado trabalho de uma surpreendente imaginação sobre uma realidade
portentosa, precisava de um elucidário para melhor admirada e compre-
endida.
A Amazônia, objeto dos seus estudos e inspiração continua sen-
do um mundo à parte do mundo com a sua fisiografia meio ignota de re-
gião quase quaternária da Terra, onde a forma de certos animais e de certas
plantas não tem ainda a sua fixação definitiva, tal é a mutabilidade daquela
evolutiva ambiência. A água erosiva e genética do rio-mar, repartindo-se
em defluentes inumeráveis, aquietando-se em pequenas angras lodosas, es-
parzindo em “furos”, que conjugam lagos e caudais, dificultando-se em
igarapés, espraiando-se em igapós, dissolve e remove a terra em que desliza,
fazendo recuar para o âmago da selva impenetrável o drama intenso e pa-
tético da vida porfiosa, multiforme, tumultuária.
Assim, pois, aquele intricado sistema de estradas líquidas mal dei-
xa entrever as peripécias espantosas e deslumbrantes, dissimuladas na hileia
palustre ou na floresta misteriosa e construtiva, que tira das mesmas águas a
força com que susta ou anula a sua dinâmica, paradoxal devastação.
É de ver as surpresas e curiosidades que se latem naqueles reces-
sos, vedados pela ferocidade das onças, pela insídia das cobras, pela picada
dos insetos, pela flacidez dos marneis, pelo agoiro de certos pios, urros e
berros enigmáticos.
Dessa permanente dificuldade da observação objetiva de tão
singulares e retraídos fenômenos pronanam a incerteza e a imprecisão dos
informes científicos ou impressionistas, que nos têm chegado daquela tão
feraz, tão famosa e caluniada região do Brasil. Os costumes dos seus re-
manescentes aborígines, as singularidades da sua fauna e da sua flora, o
capricho e a maravilha das suas águas não se mostram espontaneamente
aos olhos ávidos do primeiro excursionista, que apenas lobriga, da sua ca-
noa ou da sua lancha, os tracajás cautelosos, pervagantes nas ribanceiras;
186 Raimundo Morais

os jacarés torporizados nos remansos; os botos resfolegantes, que emergem


na esteira líquida. Por isso mesmo Orellana “inventou a lenda das amazo-
nas brasileiras” e a primeira carta da Amazônia levantou-a o padre Samuel
Fritz, “do banco de uma igarité”, como nos recorda o autor do O meu
dicionário de cousas da Amazônia, inventariando tudo que se tem escrito e
conjeturando sobre a Planície do seu amor, do seu enlevo.
Argamassando ele próprio aqueles mesmos matérias, ainda en-
globados e confusos numa classificação aleivosa, cerebrina ou deficiente,
entendeu Raimundo Morais instruir lealmente o seu leitor na síntese e
minúcias dos seus belos livros, todos plasmados na autenticidade daquela
imensidão fascinante. Obedece a esse probo desígnio a elaboração da obra
em foco, que tanto vem exaltar e robustecer os créditos já notórios do
eminente publicista.
O meu dicionário de cousas da Amazônia não é, porém, um ca-
lepino rígido e frio, onde se agrupem alfabeticamente nomes e locuções,
modismos e vulgarismos da pátria mnemórica dos barés e nheengaíbas;
mas um repositório completo de tudo que se refere próxima ou remota-
mente àquele imenso trecho brasílico, onde ainda permanecem inviolados
os melhores e mais idôneos padrões da nossa originalidade nacional.
Fazendo aquela ingente colheita de vocábulos, de fatos, de usos,
de tradições, de lendas, de abusões, de mitos, de regionalismos pitorescos,
axiomáticos, porque desdobrava em análise a grande síntese da sua obra,
Raimundo Morais recortou cada verbete nos moldes impecáveis do seu
estilo, engenhando um pequeno conto instrutivo de cada informe.
E como o seu indutivo conhecimento da Amazônia não se fez
em dias de apressado labor em terra estranha, ouvindo língua estranha e
provando o influxo de consuetudes estranhas; mas em longos anos de trato
direto e interativo com aquele povo fragmentado dos barrancos, com aque-
las turvas águas silenciosas, com aqueles cedros milenários e canaranas fes-
tivas, tudo visto e revisto da ponte de comando do seu navio, a sua notícia
é um instantâneo fotográfico da realidade, acrescida do comentário, faceto
ou grave, que esclarece a dúvida ou evidencia a verbera o dislate.
É, pois, este livro um elucidário e uma documentação da obra
literária tão impressionante e assinalada do autor inconfundível e sobre-
modo aplaudido e considerado de País das pedras verdes, a penúltima joia
O meu dicionário de cousas da Amazônia 187

da sua apurada lavranteria. Nele se condensa e articula a mesma história da


Amazônia, com a sua etnologia, a sua hidrografia, os seus monógrafos, os
seus cronistas, a sua hipótese cosmológica, as etapas da sua evolução, todas
as modalidades e inerências da sua típica natureza.
Vocabulário ajustado por um esteta, que tem no seu idioma uma
intuição genial, escrevendo-o com uma segurança gramatical e vernácula,
que as louçanias de forma e a fundura de conceitos duplicam e sobredoi-
ram, O meu dicionário de cousas da Amazônia é um compêndio que vem
suprir a penúria dos nossos léxicos, particularmente lacunosos em matéria
de brasilidade, redigidos como têm sido, ab initio, por glotólogos lusos,
que não podem colher nas próprias fontes a contínua e mais veemente
floração da nossa vivaz terminologia.
Levando ao extremo o seu escrúpulo de lexicógrafo, Raimun-
do Morais não se adstringe à menção do termo mas para logo ratifica
o sentido e a acepção, ministrando o persuasivo exemplo das locuções
correntes onde vem empregado. Ainda este cuidado seria somenos, se
omitisse o autor a etimologia dos seus vocábulos, muitos dos quais se
derivam da língua geral e não podem por isso prescindir do respectivo
esclarecimento: tais como curi, cutuba, arapuca, arubé, etc. Outros, de-
signando animais e vegetais, estão incluídos nas nomenclaturas zoológica
e botânica, anu-preto (Crotophaga ani), aperema (Nicoria punctularia),
apuizeiro (Ficus fagifolia), araçá (Psidium araça). Tais evocam sábios, ar-
tistas, viajantes ilustres, que perlustraram a Amazônia e recapitulam em
breves linhas os feitos ou falhas desses percussores.
Avultam nessa plêiade Humboldt, o patriarca dos sertanis-
tas amazônicos; Agassiz, um dos mais argutos classificadores da ictiolo-
gia do rio-mar; Orellana, temerário argonauta do El Dorado; Castelnau,
que notou o enterramento vertical dos cadáveres carajás; muitos outros,
brasileiros e europeus, e até mesmo o americano Henry Ford, incluso no
magistral verbete Fordlândia, no qual se encontra focalizada com o mais
seguro critério e a mais digna imparcialidade a atuação intensiva daquele
empreendedor formidável, que atualmente constrói, ao longo do Tapajós,
no Pará, uma cidade majestosa pela grandeza do seu futuro, com a sua
riqueza industrializada na exploração científica dos seringais sistemáticos.
Abordando o instante problema da nossa borracha, ora depreciada, pelo
188 Raimundo Morais

seu exagerado custo de produção, Raimundo Morais descortina o plano


redentor de Ford, graças ao qual, em próximo futuro, levaremos de vencida
os nossos concorrentes da África e da Malásia, oferecendo aos mercados de
toda a parte, por um preço ínfimo e sem competidor, a melhor borracha do
mundo, o látex coagulado da insigne e intransplantável hevea brasiliensis.
Como se vê, até mesmo as noções de comércio, de tecnologia e
crematística contribuem para o primor, lhaneza e profusão d’O meu dicio-
nário de cousas da Amazônia.
Abre-se em pórtico marmóreo sobre a vastidão da matéria um
preâmbulo, que dispensa quaisquer encômios, pelas proporções da sua
magnificência. Imagine-se a que requintes não ascendeu a ideação opu-
lenta de Raimundo Morais, paraninfando o seu livro perante o público,
histórico as penosas conquistas da sua ilustração, recapitulando o seu mul-
tifário cabedal de conhecimentos naquela douta e consultiva especialidade
de sua lavra... Esse titânico empreendimento granjeia inquestionavelmente
um lugar de honra insubstituível no coração e na biblioteca de todos os
nossos intelectuais.
O meu dicionário de cousas da Amazônia 189

MOTIVOS AMAZÔNICOS

CARLOS PONTES

Escritor por acidente, como a si próprio qualificara Euclides da


Cunha, no discurso de recepção da Academia Brasileira, Raimundo Morais
é um dos casos mais interessantes das letras contemporâneas.
Nascido e criado na planície amazônica, vivendo desde criança
a bordo dos gaiolas que cortam os grandes rios, familiarizou-se bem cedo
com a enormidade daquelas selvas, com o espetáculo daquela natureza,
que a tantos surpreendeu e aterrou.
Por uma destinação hereditária, fez-se comandante de navio,
sulcou as águas profundas e levou com rara capacidade técnica o seu barco
aos pontos mais remotos do vale.
Os arquivos da sua sensibilidade, enriquecidos por contínuas
e fortes emoções deram-lhe à imaginação as seivas mais vigorosas e, ao
revelar-se o escritor, este já possuía uma alma bem formada e exuberante,
hoje transfundida em tantas páginas opulentas.
Um incidente profissional revelou, um dia, o homem de letras.
Criticando a colocação de um determinado farol, que a capitania do Porto
do Pará inaugurara, supondo satisfazer rigorosamente a sua finalidade, tra-
çou umas notas que se alongaram em artigo. Levou o seu trabalho a uma
redação que o acolheu com simpatia e o publicou. Viu no dia seguinte o
jornal com o artigo, releu-o com volúpia. A letra de fôrma o seduziu, não
lhe resistindo mais à fascinação. O navegante estava perdido, a nova sereia,
embalando-o, desviara-o da rota...
Como Conrad e Claude Farrère, do convés do seu navio saiu
escritor, a todos surpreendendo-se mais si mesmo.
A Amazônia de Raimundo Morais pode-se dizer, é uma Amazô-
nia familiar; conhece-a e examina-a sem terror.
O escritor encontrou o seu assunto, sem o procurar; o próprio
assunto o perseguiu, a ele se oferecendo, imperativamente, acabando por
empolgá-lo de todo.
O vale imenso que antigamente, na época vertiginosa da prospe-
ridade da borracha, fora a canaã dos aventureiros de todos os matizes, no
190 Raimundo Morais

delírio das fortunas fáceis, transformou-se hoje – empobrecido e miserável


– num motivo dramático de sensacionalismo literário.
A natureza, tendo resistido à loucura dos homens, vive ali a desa-
fiar as musas vadias e a trêfega meia ciência dos naturalista improvisados.
Descobriu-se absurdamente, dentro da própria pátria, uma fon-
te farta de exotismo para uma literatura ainda sem caráter.
O autor do País das pedras verdes não foi fazer a Amazônia, a
Amazônia o fez. Dela trata com a espontaneidade com que um bardo pro-
vençal cantaria as graças da Provença.
A ela deve a sua glória de escritor. Não foi um caçador de sensa-
ções, antecipadamente apercebido, e sim um produto nativo da terra feraz,
como aquelas robustas árvores da planície maravilhosa, alimentadas pelos
grandes rios, batidas pelos grandes ventos e iluminadas pelos grandes sóis.
***
No primeiro contato com a Amazônia, Euclides da Cunha sen-
tiu-se decepcionado. A um amigo, a quem escrevera, então, confessou que
nada poderia dizer de uma natureza que se escondia...
O autor d’Os Sertões, com a intensidade da visão imaginativa,
preparava-se, talvez, para as emoções fragmentadas de aspectos e cenários
gigantescos, mas variados.
Defrontou-se, porém, com uma grandeza, na enormidade de cuja
representação sentiu a mais esmagadora monotonia. Ante aquela massa for-
midanda e uniforme, afrouxaram-se-lhe as cordas dos nervos vibrantes.
Euclides tinha um certo sentido trágico das coisas. O seu co-
lorido desesperado, a vis carlyliana das deformações voluptuosas, o estilo
entrecortado de espasmos fulgurantes, a vibração da frase bárbara e nume-
rosa, tudo parecia concertar-se organicamente para os espetáculos terríveis
da natureza, mas, apesar disto, o seu drama era quase todo de superfície,
a que uns tantos efeitos verbais davam a ilusão da intensidade. Nas arestas
daquela prosa angustiada havia lampejos esquilianos e ingenuidades biso-
nhas. Subordinava as ideias à música da palavra, e o pensador, não raro,
contentava-se com as aparências sonoras do pensamento. O metaforismo
abusivo, a pompa teatral dos períodos, a orquestração intencional dos vo-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 191

cábulos, a ideação aleatória e fugaz bem traíam o primitivo, a que um fácil


messianismo emprestava um vago tom divinatório.
Como Michelet, segundo uma observação de Taine, procurava
mais o patético e o efeito do que a verdade. E assim é que a Amazônia, que
deveria ser para uma inteligência daquele porte um campo experimental
de ideias fecundas, limitou-se apenas a um pretexto alegórico para algumas
páginas de beleza literária.
A Amazônia é um dos trechos mais infelizes do Planeta. A sua
opulência foi a causa da sua miséria.
Quantas energias admiráveis se dissiparam esterilmente no seio
daquelas florestas, quantas ambições se abismaram anônimas no mistério
daquelas águas!
Reveladas à ganância dos homens, como um tesouro fácil, abriu-se
para a devastação e para o saque. Paraíso dos flibusteiros, dos charlatães e dos
mercadores, a Amazônia teve um destino inglório, sem organização, no rigor
político da expressão viveu aleatoriamente, desaparelhada e sem defesa.
A sua fortuna foi, apenas, um delírio de paralítico: passada a
frase de exaltação, sucumbiu na mais vil tristeza, e aí está esmagada sob as
ruinarias da própria grandeza.
O El Dorado, que as hipérboles da cupidez decantaram, estiola-
se, como os campos de Hus, sob as cóleras divinas. E ante as agonias do
gigante, o Brasil, que se acostumara às exclamações inúteis, continua a
exclamar comovido...
Há mais de sessenta anos percorreu aquele vale imenso um jo-
vem político do Império, ambicioso da sua pátria e estudioso das nossas
coisas, percorreu com o senso de um homem de Estado, que tem o sentido
do futuro. Da sua viagem trouxe um livro rico de sugestões e de conselhos,
de observações preciosas e de ideias práticas e claras.
Era como a vibração de uma voz profética que ressoava do fundo
do Vale para despertar os estadistas sestrosos do Brasil, tão viciados nos jo-
gos frívolos da pequena política, quanto distantes das grandes realidades.
Tavares Bastos viu a Amazônia e compreendeu-a. Que seria
aquele rincão se os homens de governo possuíssem a elevação mental do
parlamentar alagoano? Decerto que as profecias de um Humboldt já es-
192 Raimundo Morais

tariam em parte realizadas, e não sofreríamos humilhação do espetáculo


desconcertante de uma terra opulenta e de um povo miserável.
A política no Brasil deveria ter feito da Amazônia uma espécie
de laboratório de homens de Estado, na prática de cujos problemas se exer-
citassem e se selecionassem as mais vigorosas capacidades, e não um posto
secundário de sinecura colonial, subordinado aos caprichos do Centro e
aos apetites de vaidades facciosas.
O Império teimou por muito tempo em conservar fechado o Ama-
zonas, apesar do clamor patriótico de Tavares Bastos. Aquela política chinesa
de isolamento dos nossos estadistas assustadiços, que receavam que nos des-
pojassem de tamanhas riquezas, figurou longamente como medida sábia!...
A primeira república recebeu do Império a Amazônia, como
um deserto opulento, onde apenas a máquina burocrática dava a im-
pressão epidérmica de organização. A República deu forma orgânica
à desordem e deixou que, numa febre de prodigalidades insensatas e
imprevidências criminosas, a Amazônia conseguisse esta coisa, que a
todo mundo pareceria um absurdo tremendo, que se arruinasse com-
pletamente...
***
A obra de Raimundo Morais, tão viva, arrastou-me a tantas
considerações. Ela é todo um vasto poema da Amazônia, na multiplicida-
de dos seus aspectos; nela há as palpitações daquelas selvas poderosas que
estuam na Planície fabulosa.
Dos escritores de coisas amazônicas, ele se afirma como seu in-
térprete mais perfeito o seu mais ardente rapsodo. Não há segredo naquelas
selvas nem surpresas naqueles rios, tudo conhece, porque tudo viveu numa
lírica intimidade de apaixonado.
Voluptuoso da luz e do som vibra ao fragor daquelas águas re-
voltas e aos clarões daquele sol alucinante, como um deus selvagem. Escri-
tor visual, sobretudo, as suas paisagens são de uma intensidade de colorido
sem igual.
Na Planície amazônica, no País das pedras verdes passam os qua-
dros mais impressionantes da região. Toda a vida tumultuária do setentrião
corre cinematograficamente naquelas páginas, em que o poder evocativo e
O meu dicionário de cousas da Amazônia 193

a capacidade magnética de comunicação do escritor conseguem empolgar


o leitor mais frio.
Os tipos pitorescos da Planície, como o regatão mendaz e trafi-
cante, são verdadeiras águas-fortes, admiráveis nos recortes mordentes do
caráter. Amplas rasgam-se as descrições animadas de uma forte claridade.
Familiar de toda a flora amazônica, pela sua tonalidade e nuances distingue
os trechos mais característicos da região, sendo capaz de orientar-se na sua
rota pelos incidentes da paisagem. Um determinado espécime vegetal vale
como um farol, por ele surpreende os inconvenientes ou as vantagens da
passagem. À sua obra, que é grande pela significação e valor da sua objetivi-
dade, Raimundo Morais junta agora como um complemento elucidativo,
o seu novo livro – O meu dicionário de cousas da Amazônia.
Trata-se, não de um simples e rígido glossário, mas de uma en-
ciclopédia pitoresca, por vezes pessoal, pela jovialidade do tom, cheia de
indicações curiosas e de ensinamentos úteis.
Peculiaridades semânticas, modismos populares, anotações cien-
tíficas sobre a fauna e a flora amazônicas, observações geográficas, lendas,
tradições, biográficas ligeiras, etc., tudo se encontra harmonicamente nesse
novo trabalho do invocador da Amazônia, que é hoje um dos mais fortes
escritores do Brasil.
Do Jornal do Comércio – Rio.
194 Raimundo Morais

A AMAZÔNIA

COSTA REGO

Entre os erros de minha vida, que são muitos, está não conhecer
a Amazônia.
A viagem seria curta, mas nós preferimos, em regra, ver o Reno,
fazendo uma viagem maior.
A Amazônia é, contudo, bem mais interessante. Vi-a, agora, pela
mão – eu melhor diria pela pena – de Raimundo Morais. E’ um encanto
percorrê-la desta forma.
Raimundo Morais tem, para descrevê-la, a paixão e o conheci-
mento da terra; tem igualmente o estilo.
Se o estilo é o homem e todo homem está em seu estilo, esse,
de Raimundo Morais é grandioso e bizarro como a terra que descreve.
Lembra o de Euclides da Cunha, n’Os Sertões, mas não se parece com ele,
porque não é cerrado e agreste, como as caatingas da Bahia; é ondulado e
corrente, como o estuário donde emergiu.
Este especialista da Amazônia merece a Academia. Não sou eu
quem lá o colocará, mas muito me engano ou dentro em breve a Academia
o há de seduzir. Que o seduza, menos por ele do que por ela, tanto a feição
marcada do escritor reclama que o festejem e consagrem.
A Amazônia conquistaria, ainda, desta forma, a atenção da inte-
ligência. Seu problema é porventura um dos mais brasileiros, daqueles onde
mais se esboçam as possibilidades da raça e onde mais, também, se estendem
os desalentos dos não realizadores, tudo isto porque é grande. No meio daque-
la natureza, para repetir a frase do escritor britânico, só o homem é pequeno.
Mas não intoxiquemos a coragem das gerações presentes com o
veneno das frases passadas. O mundo vive de suas idades, das idades pri-
mitivas como das idades modernas, desde a da pedra lascada até à do ferro.
Devemos estar, também, na idade da borracha.
A borracha é a Amazônia!
- Não; não é. Foi...
Perdão, ainda é.
O meu dicionário de cousas da Amazônia 195

Os fenômenos econômicos subordinam-se à função econômica


do meio. A borracha da Amazônia propagava-se, nativa, por toda a terra
amazônica. O homem não a cultivava: ia apenas colhê-la, como colheria a
água do rio. O inglês, senhor dos mares, vinha buscá-la em navios, a troco
de seu ouro. Levou-a um dia para suas terras asiáticas. A borracha, trans-
plantada para lá, cresceu, produziu. O inglês achou mais interessante que
seus navios tomassem a rota do Oriente, abandonando a da Amazônia.
E foi assim que a borracha do Brasil faliu.
Faliu, porque, mesmo quando só crescia na Amazônia, estava
nas mãos do inglês. Era nossa, por ficção do direito territorial, mas era,
de fato, do inglês, porque só o inglês lhe dava o valor extrínseco de mer-
cadoria. Ela só era na verdade borracha a partir do momento em que os
guindastes a deixavam cair dento dos portões dos barcos ingleses. Antes
disto, era um pequeno pedaço de natureza; era como a areia do fundo do
estuário, era quase um machado de sílex.
Desde o momento em que o inglês, possuindo-a em sua Ásia,
desatracou da Amazônia seus cargueiros, a borracha do Brasil retornou à
situação primitiva de coisa realmente sem dono e, pois, sem valor. A fun-
ção econômica do meio faltava-lhe à vida, como a base às paredes de uma
casa. A Amazônia não era bastante populosa para ter vapores batendo nos
mares os vapores do inglês, nem para possuir as indústrias da borracha
competindo com as indústrias inglesas.
Mas o mundo transformou-se. Os fenômenos da vida da huma-
nidade estão sujeitos às leis econômicas como os da vida do homem às leis
do crescimento. Dentro destes fenômenos, é possível o aparelhamento da
Amazônia para produzir, manufaturar, consumir e exportar sua borracha.
Um nome popular e americano está ligado à tentativa desse em-
preendimento. Não faltou quem o considerasse com desconfiança. O mal
da Amazônia, diz com espírito Raimundo Morais, tem sido o receio de que
alguém a tome.
Mas ela só valerá quando alguém de fato a tomar–, a tomar no
bom sentido, isto é, aparelhando-a como instrumento de concorrência.
Quem menos a tomaria, em um sentido ambíguo, seria precisamente o
americano, que dela precisa, intacta, independente, nacional, para afrontar
o inglês contra o qual ele já luta por outras formas.
196 Raimundo Morais

São estas pequenas faces do problema da Amazônia que os livros


de Raimundo Morais – A planície amazônica, o País das pedras verdes e O
meu Dicionário de cousas da Amazônia – amplamente revelam ao Brasil,
revelando, ao mesmo tempo, um escritor que será uma glória.
Do Correio da Manhã – Rio.
O meu dicionário de cousas da Amazônia 197

REVELAÇÃO DA AMAZÔNIA

AZEVEDO AMARAL

Seria difícil encontrar exemplo de outro povo alheio ao meio


físico que lhe serve de cenário histórico, como o que oferecemos aos que
nos observam surpreendidos pelo nosso desconhecimento das cousas bra-
sileiras. Há nessa negligência do estudo dos elementos materiais que nos
cercam, talvez, o efeito de uma desarmonia profunda do homem provindo
de outros continentes com o ambiente americano, em que ainda mal se
aclimatou e cujos aspectos deixam insensível a sua mentalidade formada
na paisagem de outras regiões. O europeu, familiar com todas as árvores
das suas florestas e conhecedor do canto de qualquer dos pássaros da sua
terra, surpreende não somente com a ignorância que o brasileiro revela da
natureza do país, como, sobretudo pelo seu desdém por tais assuntos.
Em nossa legislação, nos processos de governo e nas atitudes po-
líticas que assumimos, reflete-se esse divórcio do homem e da terra, que os
métodos tradicionais da nossa pedagogia parecem empenhados em acentuar
pelo sacrifício sistemático dos assuntos brasileiros aos temas exóticos na for-
mação educativa das novas gerações. Meninos, que perdem tempo precioso
quebrando a cabeça com a decifração inútil dos períodos rebarbativos da
língua morta de Tácito, são mantidos em absoluta ignorância do vocabu-
lário ainda não de todo emudecido do indígena, que todo o momento se
lhes depara na nossa nomenclatura geográfica e na classificação popular das
plantas e dos animais. A corografia do Brasil é aprendida não como se este
fora o recanto da Terra que melhor devêssemos conhecer, mas como um
apêndice secundário senão desprezível da geografia universal. Assim, toda a
nossa cultura se apoia em noções superficiais e ideias errôneas sobre as bases
físicas da existência nacional.
Quando a ignorância das cousas brasileiras se estende ao desco-
nhecimento de fatos relativos às zonas mais adiantadas e mais populosas do
país, não podem causar o mistério que envolve em nosso espírito as regiões
remotas da Amazônia ou do extremo oeste. Há, entretanto, nessa densa ig-
norância um aspecto humilhante e comprometedor tanto dos créditos da
nossa cultura, como do zelo pelas cousas que nos pertencem. A Amazônia,
por exemplo, tem sido objeto do estudo de numerosos viajantes e cientistas
198 Raimundo Morais

estrangeiros, que em seus livros têm dado conta de uma considerável massa
de fatos concernentes à topografia, à hidrografia, à flora, à fauna, às possibi-
lidades econômicas e aos costumes das populações dispersas por aquela vasta
região, em que o homem parece encontrar-se ainda em condições tão próxi-
mas da existência aquática dos primitivos lacustres. Esses livros são lidos por
gente de outras raças e de outras línguas, mas quase desconhecidos do nosso
pequeno circulo intelectual. Daí resulta que enquanto nós brasileiros des-
conhecemos por completo tudo que se refere a uma das zonas mais impor-
tantes da República, no estrangeiro não são raros os que nos poderiam dar
proveitosas lições sobre assunto em que deveríamos ser os mestres. A grande
iniciativa de Henry Ford e o desenvolvimento da colonização japonesa na
bacia do grande rio são apenas casos particulares, em que se evidencia como a
disparidade estranha entre a nossa ignorância e a informação dos alienígenas
sobre o vale amazônico envolve a perspectiva de consequências econômicas e
políticas, que não podem deixar indiferente aqueles para quem a manuten-
ção da unidade brasileira constitui assunto de alguma relevância.
Quem se dispõe a revelar ao Brasil uma parcela ao menos do
mistério da Amazônia, presta, portanto, um dos melhores serviços nesta
fase de preocupações mais sérias em torno do problema da organização
nacional. É o que vem fazendo, há algum tempo, o Sr. Raimundo Morais,
que reúne conjunto admiravelmente apropriado de aptidões intelectuais e
de traços de sensibilidade para traduzir em linguagem acessível e ao mesmo
tempo impressionante a perturbadora polimórfica da vida amazônica.
Na planície amazônica, Cartas da floresta, e País das pedras verdes
representam contribuições não apenas literárias, para o patrimônio inte-
lectual da nação, como talvez mais substanciais subsídios para o estudo
científico de uma sociologia amazônica. Esta expressão afigura-se rigorosa-
mente exata, porque tão peculiares são as condições mitológicas da região
em apreço, que o desenvolvimento ulterior da civilização naquelas para-
gens terá forçosamente de seguir rumos acentuadamente diferentes do que
observamos no resto do Brasil.
Um dos fatos mais interessantes e ao mesmo tempo de maior al-
cance que a obra do Sr. Raimundo Morais e notadamente o seu dicionário
da Amazônia, cujo primeiro tomo acaba de ser publicado, põe em relevo
é o predomínio absoluto do fato hídrico em todo o determinismo socio-
gênico da atividade humana na bacia do Amazonas. Que os rios desempe-
O meu dicionário de cousas da Amazônia 199

nham um grande papel em todas as regiões do globo é noção banal, que


se poderia aprioristicamente deduzir da importância econômica da função
dos cursos d’água. Mas o que o Sr. Raimundo Morais assinala, antes com a
força reveladora de um poeta que pela ação persuasiva do analista, no mag-
nífico prefácio do seu dicionário, é cousa muito diferente do que se passou
e ainda ocorre em outros continentes. Na Amazônia, a água não é apenas a
grande formadora das associações humanas, facilitando as viagens, evitan-
do os perigos e as surpresas da travessia das florestas, diminuindo as fadigas
da escalada das montanhas. Na vasta planície inundada pelo degelo dos
Andes, a água se torna o próprio “habitat” do homem, no qual as terras
passam a ser meros acidentes, formando o relevo do panorama lacustre
em que, em pleno século XX, a civilização vai penosamente surgindo com
características sem paralelo no mundo atual e fascinantemente invocadoras
de fases remotas da aventura humana.
Creio que essas condições físicas, que o Sr. Raimundo Morais
não foi por certo o primeiro a observar e a registrar, mas que antes dele
ninguém fixara tão fortemente no nosso idioma, envolve consequências
definitivas sobre a evolução econômica e portanto social e política daquela
vasta região setentrional da República. Entre a Amazônia e o Brasil que cha-
marei de terra firme haverá sempre uma profunda diferença de condições
materiais, refletindo-se na formação de tipos diferenciados de civilização.
Reconciliar as dissonâncias entre o mundo aquático das grandes províncias
equatoriais e a civilização continental que lhe fica ao sul, é um dos proble-
mas que terão de preocupar os estadistas do Brasil futuro. Esperemos sejam
eles mais capazes de arcar com tão duras questões, de que jamais cogitaram
os políticos, letrados ou semi-analfabetos, mas identificados todos pela
mesma falta de contato com as realidades do meio brasileiro.
Do Diário de Noticias, de Porto Alegre, março – 1931.
200 Raimundo Morais

O MEU DICIONÁRIO DE COUSAS DA AMAZÔNIA

CARLOS MALHEIRO DIAS

O Sr. Raimundo Morais acaba de publicar o 1º volume do seu


anunciado Dicionário. O pronome possessivo com que cuidou, por elegante
e proba modéstia, reduzir a significação desta sua obra, não diminui a impor-
tância que ela vem ocupar na bibliografia amazonense. Antes de entregar ao
prelo este vade mecum preciosíssimo, o Sr. Raimundo Morais publicara Na
planície amazônica e o País das pedras verdes, dois livros admiráveis pela lin-
guagem e pelo saber. Se, como escreve no prefácio magistral do Dicionário,
“a Amazônia é o trecho do Planeta mais percorrido pelos sábios”, não menos
certo é que os descritivos que dela se encontram nos seus livros lhe designam
um lugar de honra na bibliografia opulenta que, desde Orellana, os épicos
aventureiros, os geógrafos, os naturalistas, os etnógrafos, os homens de letras
constituíram em quatro séculos de explorações audazes e porfiadas. Conhe-
cendo tão completamente a obra de todos os seus antecessores como a pró-
pria região amazônica, onde reside, o Sr. Raimundo Morais descreve-a em
condições excepcionais, pois que reúne à alheia experiência adquirida os re-
sultados de uma longa e paciente contemplação. Navegador, durante muitos
anos, do fabuloso rio, ninguém tão fielmente como ele o soube retratar. No
convívio com a natureza amazônica, a sua linguagem adquiriu uma riqueza
que esplendidamente se adequa aos seus cenários. Mesmo na procurada, na
voluntária concisão dos milhares de verbetes que compõem o Dicionário, a
nobreza do seu estilo nunca se banaliza, sem sacrifício da simplicidade e da
clareza. Estamos em frente de uma obra que representa o fruto concentrado
de vinte anos de leituras, de estudos, de observações, onde a nomenclatura
botânica e zoológica, a história, a hidrografia, a etnografia, a biografia, o
folclore, a terminologia popular e indígena são as notas de um grande hino
consagrado à Amazônia. Não cabe, evidentemente, numa breve notícia a
homenagem devida a trabalho desta extensão e desta intensidade. Este é um
livro que repele os elogios vulgares, os adjetivos inocuamente laudatórios. A
sua leitura não desperta apenas admiração, mas também respeito.
Passada a introdução belíssima, entra-se na selva compacta da
sabedoria. Não, decerto, uma sabedoria hermética, pedantesca, livresca e
inacessível a quem quer instruir-se, mas uma sabedoria intrínseca, contro-
lada pela experiência, animada pelo sentimento contagioso da realidade.
O meu dicionário de cousas da Amazônia 201

Joaquim Nabuco disse, um dia, que Os Lusíadas cheiram a maresia. Do


Dicionário do Sr. Raimundo Morais se pode dizer que ele parece guardar
nas suas páginas o rumor da corrente fluvial e o fragor das suas cachoeiras.
É um livro dedicado à documentação da história e da vida de um rio, do
mais caudaloso rio do Planeta, que arrasta as suas águas através da mais
impenetrável floresta do mundo.
Esperamos coligir a documentação fotográfica necessária para
podermos apresentar condignamente aos leitores de O Cruzeiro algumas
das páginas mais atraentes da obra com que o Sr. Raimundo Morais acaba
de enriquecer as letras e a cultura nacional.
De O Cruzeiro – Rio.
202 Raimundo Morais

MINIATURA DO ENORME

LUÍS MORAIS

Comecemos por um lugar-comum: O Sr. Raimundo Morais é


o estilizador máximo dos assuntos da Amazônia. A eloquência das suas
descrições, o colorido dos grandes e iluminados painéis literários em que
ele focaliza a paisagem amazônica, a sensibilidade com que interpreta os
fenômenos da natureza prodigiosa da região, são excepcionais.
Raimundo Morais forjou o seu estilo para a Amazônia: esse
tema é o vitalizado da sua imaginação, a fonte do seu dinamismo verbal, a
inspiração da sinfonia wagneriana em que ele narra a vida das cidades e das
selvas do vale misterioso. N’O meu dicionário de cousas da Amazônica, no
prefácio arquitetural dessa obra, Raimundo Morais supera-se a si mesmo.
O escritor conhece a sua Amazônia; sobretudo tem vivido a sua Amazônia
com emoção.
Os motivos regionais, tirados das constatações científicas, ou da
história, ou da fábula, ou da geografia, são familiares ao espírito desse peda-
gogo de uma gleba desconhecida, que corrige a ciência dos naturalistas, elu-
cida as contradições da história, explica a legenda e os enigmas geográficos.
Raimundo Morais é pintor de telas amplas, onde os seres apare-
cem em cortejo rumoroso, onde os pedaços de terra, sulcados de artérias-
monstros e crivados de árvores-monstros, dão ideia da grandeza cósmica.
Os seus livros anteriores – Na planície amazônica e País das pedras verdes são
enormes telas. O escritor, n’O meu dicionário de cousas da Amazônia teve de
recorrer às miniaturas. Experimentando embora perigosamente um gênero
que não é próprio ao fôlego potente do seu espírito, feito para os remédios
livres em horizontes vastos, Raimundo Morais pode orgulhar-se do volu-
me que acaba de publicar. Leiam-se, por exemplo, n’O meu dicionário de
pequeninas obras-primas Fordlândia e Frotas de Salomão e se identificará,
com surpresa e com volúpia, dentro das páginas do elucidário, o rapsodo,
o sociólogo e o exegeta do país das pedras verdes.
Redator-chefe do Monitor Mercantil
O meu dicionário de cousas da Amazônia 203

O PROSADOR DO DIA

ANGIONE COSTA

Raimundo Morais inverteu a ordem dos fatores para chegar ao


mesmo resultado: vencer. No Brasil os escritores se fazem no Rio. Os da
província, aparecem, crescem, destacam-se, mas só se ajustam rigorosa-
mente à profissão quando os batisma a celebridade da metrópole. Para
conquistar o Velo de Ouro, partem cedo dos estados e aqui se instalam
para os combates decisivos da glória. Raimundo Morais fugiu à regra. Fez-
se escritor na província. Começou quando muitos acabam desnorteados,
desesperançados. A golpes de bravura, Raimundo conquistou seu lugar.
Notas de um jornalista, vindo mais tarde, consegue ser bem recebido pela
crítica. Raimundo já era um escritor. Tinha personalidade. Conhecia o
seu estilo. Daí, Raimundo considerar as Notas de um jornalista como seu
primeiro livro. Ele marcava as qualidades fortes que se desdobrariam no
grande livro publicado a seguir: Na planície amazônica.
Com as Notas de um jornalista, Raimundo se fez um escritor pa-
raense. Com Na planície amazônica, um escritor brasileiro. Foi lido no país
todo. Discutido. Aclamado. Estava célebre. Mas continuava no Norte. O
rio, só de longe em longe, o interessava. De lá da Amazônia, onde se fizera,
queria impor-se aos meios literários do país. Trabalhava. Estudava. Fugia
à dispersão dos primeiros tempos. Recolhia-se cada vez mais ao conselho
dos livros, ao conforto dos bons escritores. Abandona a primitiva profis-
são, primeiro, como jornalista militante, diretor de jornais. Depois, como
escritor de linhagem, a escrever livros bons. Embrenha-se na política. Foge
à política. Volta à política. Separa-se dela definitivamente, parece-me que
sem saudades, para integrar-se na profissão de homem de pensamento.
Publica Cartas da floresta, seguido pelo País das pedras verdes.
Já não pleiteia celebridade, não disputa a vã glória das letras. Quer pensar
para seu país o viver das belas-letras. Consegue-o. Seu nome, conduzido
pelos seus livros, focaliza a opinião. Força o elogio da imprensa do Rio,
avara sempre para quem não está aqui a solicitá-lo. Ganha dinheiro. Vence.
Logra divulgar o Na planície amazônica pelo Brasil inteiro. Três edições, 19
mil exemplares. E tudo isto sem o cabotinismo obrigatório da avenida. Só.
Isolado no seu país das pedras verdes. Raimundo dominara.
204 Raimundo Morais

Agora, está lançando em todas as livrarias, aqui, no Rio Grande,


no Pará, em Goiás, em Minas, em São Paulo, em Sergipe, nos derramados
cafundós desse Brasil O meu dicionário de cousas da Amazônia. E’ uma con-
quista nova. Uma vitória a mais obtida pelo batalhador cheio de qualidades,
pelo homem de vontade forte, pelo homem que sabe chegar onde quer, afas-
tando dificuldades, escalando perigos, ladeando abismos, galgando entraves,
mas firmando, a golpes de talento, uma personalidade marcada.
O meu dicionário de cousas da Amazônia é um dicionário de coisas
do Brasil. Todos os brasileirismos estão ali reunidos. O mineiro reconhece
os seus modismos. O gaúcho também. E o nordestino sente que não foi em
outra linguagem que lhe embalaram a rede ao nascer. É, assim, um livro bra-
sileiro, feito para o Brasil. E serve também para atestar o ecletismo humano
da Amazônia, mostrando como aquela terra tem sido terra de toda gente,
explorada, perlustrada, perquirida, muito embora, quase sempre negada e
muito pouco compreendida. A Amazônia oferece, com o novo livro de Rai-
mundo Morais, a maior contribuição reunida em volume, do falar brasileiro.
O nosso dicionário, de agora por diante, será fácil fazer. Basta pegar O meu
dicionário de cousas da Amazônia, e transformá-lo em nosso dicionário do
linguajar brasileiro. Maior serviço o escritor não poderia prestar às letras de
seu país, neste momento de acordo ortográfico luso-brasileiro. E só.
Da A Pátria – Rio.
O meu dicionário de cousas da Amazônia 205

JARDIM DAS VAIDADES

PEREGRINO JÚNIOR

E’ raro, é extremamente raro, entre nós, o escritor que resiste


com galhardia a um confronto pessoal com a sua própria obra. Os escrito-
res brasileiros, em geral, são muito diferentes dos seus livros. E não apenas
isso: são menos interessantes que os seus livros. No Brasil não há paralelis-
mo entre a beleza das obras e a beleza dos autores. Daí certas decepções e
certos desapontamentos inevitáveis.
***
Pouquíssimos são os artistas brasileiros dos quais se possa contar o
episódio, que se narra do Sr. Leopoldo Gattuzzo. Eu não sei se vocês conhe-
cem a anedota. Contá-la-ei. Duas moças foram certa vez visitar uma exposi-
ção de quadros do Sr. Leopoldo Gattuzzo. Depois de passarem os olhos, com
interesse medíocre, pelas obras do sempre jovem pintor patrício, as moças
descobriram um ângulo do salão um belo, de elegância irreprochável, que
lhes disseram ser o Sr. Gattuzzo. As moças contemplaram com particular
simpatia o perfil apolíneo do artista e, ao deixarem a exposição, exclamaram
sem malícia: - Com franqueza, o pintor é melhor do que os quadros!
***
Não são muitos escritores, no Brasil, que podem fazer jus a esse
belo e invejável elogio. E é por isso, confesso que eu não gosto de conhecer
pessoalmente os poetas, os escritores, os artistas que admiro. Tenho horror
às decepções irremediáveis! Prefiro admirá-los na distância. Como as mon-
tanhas, que de longe são sempre belas e azuis, os homens, também, são
mais interessantes e atraentes quando não os conhecemos de perto...
***
Eu fiquei triste e inquieto, por isso, quando me disseram que o
Sr. Raimundo Morais se achava no Rio. Esse admirável escritor, estilista
fulgurante, que, com o mágico prestígio da sua arte, conseguira o milagre
de integrar a Amazônia na vida nacional, vinha ao Rio naturalmente des-
fazer a aura de simpatia que a sua obra lhe criara lá longe. O Sr. Raimundo
206 Raimundo Morais

Morais era, de resto, nas nossas letras, um caso de exceção: fizera-se célebre,
no humilde retiro da sua província, sem pedir licença ao Rio. Quando os
críticos da Avenida lhe sancionaram a celebridade, ele já era um escritor
notável e glorioso. Mas eu receava que ele pessoalmente viesse estragar o
prestígio que a sua obra lhe assegurava na distância...
***
O Sr. Raimundo Morais, porém, pode agora sorrir, satisfeito:
triunfou nesta segunda prova também. Vindo trazer-nos o primeiro volu-
me d’O meu dicionário de cousas da Amazônia, ele nos deu impressão amá-
vel. E’ um gentleman. Polido, discreto, fino, não tem nada de provinciano
nem de empático. E’ um com o qual é grato conversar. E a prova disto é
que a sua vinda ao Rio, em lugar de diminuir-lhe o prestígio, aumentou-
lhe a aura de simpatia, admiração e apreço que lhe cerca o nome. Depois,
a sua última obra é verdadeiramente notável, e de uma utilidade excep-
cional. É um livro útil, claro, harmonioso. Eu confesso que é com cordial
alegria que saúdo, hoje, esse ilustre e brilhante escritor!
Da A Pátria – Rio
O meu dicionário de cousas da Amazônia 207

O MEU DICIONÁRIO DE COUSAS DA AMAZÔNIA

ADAUTO FERNANDES
Autor da Terra Verde

Para aqueles que, como eu, se dedicam ao estudo das nossas


coisas brasílicas, O meu dicionário de cousas da Amazônia, de Raimundo
Morais, é, incontestavelmente, a fonte mais importante e mais segura que
temos organizado à feitura e riqueza do nosso idioma, nessa parte, verda-
deiramente nacional.
A obra do grande escritor de Na planície amazônica representa o
esforço paciente e cuidadoso de um espírito de análise e gabinete, encantado
à observação das coisas nativas da planície, puramente nossas, cheias de
brasilismo, e, dentro das quais sentimos repontar a utilidade do conhe-
cimento que a obra difunde, aumentando a finalidade patriótica de uma
contribuição léxica de que tanto se ressentia a nossa literatura.
O folclore amazônico, até então abandonado, entra em grande
parte no vocabulário desse livro, revelando ao estudioso o segredo do lin-
guajar do caboclo, já nomeando seres de existência real, mas desconhecidos
do resto do Brasil, já identificando coisas do conhecimento peculiar e úni-
co do homem das selvas. A interlândia amazônica, quase impenetrável no
segredo infinito de deslumbramentos profundos, é, tanto no chapadão que
se escancela para os lados de Chiquito, na Bolívia, como no declive sensível
das ombreiras que se abrem à ourela vermelha das barrancas solapadas, a
mesma planície florestada, alta, imensa, verde, como um grande monstro
vestido de clorofila e seiva, querendo escalar os céus.
Dentro do ambiente misterioso dos igapós e terras firmes, ou em
meio das clareiras abertas dos rios e lagos, o homem da planície representa
um tipo característico, verdadeiramente nacional, que, dia a dia, vai au-
mentando o cabedal desse idioma que falamos e, malgrado o esforço luso
dos gramáticos, tende para a independência completa da língua brasileira.
A contribuição que Raimundo Morais apresenta ao público bra-
sileiro é de um valor inestimável, e, bem de perto, representa o abandono
em que se encontra tão maravilhosa fonte de grandeza nativista.
208 Raimundo Morais

Os idiomas não são produtos de regras preestabelecidas, mas,


a resultante direta da evolução do linguajar dos povos, já criando termos
novos, apropriados, já importando elementos fônicos de outras raízes, ou
mesmo, por neologismos próprios, contribuindo à maior soma de cada
vocabulário. Nesse particular a obra de Raimundo Morais, tão pingue de
novidades, é digna de estudo e do apreço que merecem os bons livros.
“Cuíra”, é a própria impaciência, demonstrando o desejo de alguém ver
uma pessoa. Em todo o Brasil ninguém já que conheça isso, a não ser
aqueles que se dedicam ao estudo do tupinismo. No entanto, é um termo
de uso corrente na planície, como “casco” é o termo que significa a mais
humilde embarcação da Amazônia. O seu diminutivo, porém, significa
coisa diametralmente oposta. “Casquinho” é a mulher elegante, fina, miú-
da, bonitinha, de vida misteriosa... conforme explica o autor.
Com a publicação do O meu dicionário de cousas da Amazônia,
Raimundo Morais não se revela simplesmente o estilista impecável, o es-
critor profundo e admirável, mas, sobretudo, o brasileiro que ama o Brasil,
contribuindo, neste momento, com trabalho real e indiscutível mérito.
O meu dicionário de cousas da Amaonia, merece ser lido pelo muito que
contém de belo e útil.
Do Correio do Brasil – Rio
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Índice onomástico

A BUFFON – 73
ADALBERTO (príncipe da Prússia) – C
13, 19, 170
ADANSON – 11 CACELLA, Alcino (Dr.) – 29, 78
ADRIANO JORGE – 28 CAMETÁ, João – 171
AGAPITO (major) – 31 CARLOS – Ver FERNANDES, Carlos
AGASSIZ, Luís (naturalista) – 12, 22, D.
53, 107, 113, 122, 156, 158 CASTELNAU, Francisco (conde) – 12,
ALUÍSIO – Ver FERREIRA, Aluísio 85
ANDRADE, José Júlio de (coronel) – 28, CERVANTES – 121
29, 91 CHANDLESS, William – 12, 85, 171
ANDRADE, Mário de – 160 CHERMONT, Afonso – 78
ANTÔNIO CONSELHEIRO – 24 CLARKE, John M. (naturalista) – 22
ARMAUD – 11-12 COLOMBO, Cristóvão – 88
AUGUSTO – 109 CONDAMINE, Carlos Maria de la – 53,
AUTRAN, Alberto (comandante) – 168 66
AZEVEDO, João Lúcio de – 109 COUDREAU, Henry A. – 13, 101
COUTO DE MAGALHÃES – 14, 45,
B 64
BARATA – Ver MAGALHÃES, Joaquim CRULS, Luís – 13, 113
Cardoso de CUNHA GOMES – 113
BARBOSA RODRIGUES – Ver RO- CUNHA, Luís Pereira da (capitão) – 21
DRIGUES, J. Barbosa
D
BARRANDE – 41
BARROSO, Gustavo – 34, 114 DARWIN, Charles – 13, 22, 53, 58, 86,
BATES, Henry Walter (naturalista) – 60, 106
102, 122 DEL CHINCHON (condessa) – 115
BELZEBU – 94 DERBY, Orville A. – 13, 22, 53, 85, 107,
BERNAUD, Alfredo – 109 108
BISMARCK (conde de) – 13, 19 DIAS, Euclides Figueiredo – 104
BLAINVILLE – 162 DOWELL, Samuel Mac (professor) –
BONPLAND, Aimé – 13, 21, 53, 138 151
BRANNER, John C. – 12, 22, 36, 53,
F
84, 107, 109, 158
BUCKLE, Thomas – 8, 58 FERNANDES, Carlos D. – 15, 23
210 Raimundo Morais

FERREIRA PENA – Ver PENA, Domin- ISABEL (rainha) – 141, 171


gos Soares Ferreira
FERREIRA, Alexandre Rodrigues – 13, J
21 JAIME I – 171
FERREIRA, Aluísio (capitão) – 35 JOÃO AFONSO – 109
FESCHL – 115 JOÃO BORGES – 109
FIGUEIREDO, Cândido de – 94 JOÃO DANIEL – 109
FORD, Henry – 83, 101, 102, 158 JOÃO LÚCIO – 109
FREDERICO HARTT – Ver HARTT, JOÃOS (os) – 109
Carlos Frederico JORGE V – 92
FRERICHS – 115 JOSÉ (D.) – 40
FRITZ, Samuel (padre) – 13, 150 JOSÉ JÚLIO – Ver ANDRADE, José
Júlio de
G
GERMANA – 21 K
GERVAIS, M. Paulo – 12, 85 KELSCH – 115
GOELDI, Emílio – 13, 14, 51, 60, 74 KINER – 115
GONÇALVES DIAS – 98, 122 L
GRUNBERG, Theodor Kock (etnógra-
fo) – 160 LA PALISSE – 15
GURICH, G. – 12, 85 LADISLAU NETO – 13, 90, 111, 157
LE BON, Gustavo – 8
H LEÃO, Acilino de (Dr.) – 21
HAECKEL – 22, 53, 106 LOBATO (coronel) – 35
HARTT, Carlos Frederico – 13, 30, 52, LUDOVICO – Ver SCHWENNHA-
53, 63, 107, 110, 129, 157, 158 GEN, Ludovico
HERNDON – 23 LUTEMBERGER (frei) – 108
HIPÓCRATES – 115
HOMEM DE MELO (barão) – 108 M
HOMERO – 80
MACHADO DE ASSIS – 140
HOONHOLTZ, Antônio Luís Von (al-
MACIEL, Maximino – 35
mirante) – 34
MAETERLINCK – 66
HUBER, Jacques – 14, 106
MAGALHÃES, Joaquim Cardoso de (ca-
HUMBOLDT, Alexandre (barão) – 13,
pitão) – 35
20, 21, 52, 53, 66, 101, 119, 122,
MALAQUIAS (capitão) – 29
138
MARCO POLO – 8, 88
I MARIA LEOPOLDINA (arquiduquesa)
– 53
INGLÊS DE SOUSA – 129 MARTINS COSTA – 108
O meu dicionário de cousas da Amazônia 211

MARTIUS, Carlos Frederico Philippe POMBAL (marquês de) – 40


von – 13, 14, 23, 53, 66, 67, 74, PORTO, Durval Pires – 116
105, 114, 146
MAURY, M. F. – 122 R
MAXIMILIANO (príncipe da Áustria)
– 121 RALEIGH, Walter – 66, 141,171
MAXIMILIANO JOSÉ (rei) – 53 RAMALHO ORTIGÃO – 50
MECKEL – 115
RAMIZ GALVÃO – 75, 108
MENDONÇA, Francisco Xavier Furta-
do de – 40 RATHBUN – 53, 107
MONTENEGRO, Augusto – 74 RECLUS, Elisée – 15, 75, 102, 106, 129
MORFEU – 94 RENAN – 88
MULLER, Fritz (naturalista) – 41 RIBEIRO, João – 95
RICE, Hamilton – 14,160
N RODRIGUES, J. Barbosa – 12, 13, 66,
NABUCO, Joaquim – 122 105
NATTERER, Johannes (naturalista) – RONDON, Cândido Mariano (general)
11, 60 – 14, 46, 47
NÉRI, Silvério (Dr.) – 35 ROQUETE PINTO – 124
ROSS – 115
O
OFIR – 87 S
OLIVEIRA, Álvaro de – 108 S. TOMÉ – 7
ONFROY, Henrique (D.) – 87 SÁ DE MENESES (governador) – 150
ORELLANA, Francisco – 13, 17, 23, 85 SAINT-HILAIRE, Augusto de – 30, 43
ORIOLLA (conde de) – 13, 19 SALDANHA DA GAMA – 108
ORTON, James – 12, 22, 85, 106, 107 SAMPAIO, Francisco Xavier Ribeiro –
ORVILLE – Ver DERBY, Orville A. 85
SANTA ROSA, Henrique A. – 101
P
SANTANA MARQUES – 78
PAIVA, Glycon de – 14 SANTOS, César – 58
PAIVA, Guilherme (engenheiro) – 168 SCHOMBURGK, R. – 60
PARVAIM – 87 SCHWENNHAGEN, Ludovico – 90,
91, 92
PEDRO I (D.) – 53
SILVA, Alfredo Salustiano da – 71
PENA, Domingos Soares Ferreira – 13,
SILVA, Antônio Morais e – 93
53, 73, 74
SMITH, Herbert – 53, 107
PERIAÇU, A. (médico) – 51 SÓCRATES – 15, 73
PIMENTA BUENO – 108 SPIX, João Batista – 14, 53, 74
PLATÃO – 8, 87, 90 SPRUCE, Richard – 146
PLUTARCO – 88 SWIFT – 8
212 Raimundo Morais

T VERÍSSIMO, José – 20, 129, 152


TARDSCHISCH – 87 VICTOR HUGO – 34
TAVARES BASTOS – 83, 122, 159 VIEIRA, Antônio (padre) – 7, 25, 91
TEFÉ (barão de) – 34 VIEIRA, Celso – 30
TEIXEIRA, Pedro – 91 VIGO, Juan del – 115
THORON – 88, 89, 90, 91, 92 VON HOONHOLTZ – Ver HOO-
TOSCANELLI – 88 NHOLTZ, Antônio Luís Von
TROMP (almirante) – 20 VON MARTIUS – Ver MARTIUS, Car-
los Frederico Philippe Von
U
W
URBANO, Manuel – 171
URSÚA, Pedro de – 133 WALLACE, Alfredo Russel – 13, 21, 60,
122, 146
V WALLIS, Gustavo (botânico) – 60, 171
VASCONCELOS, Santos Estanislau WAPPAEAUS, J. E. – 23, 43, 51, 108,
Pessoa de (desembargador) – 151 121, 134
VEIGA CABRAL (Dr.) – 29 WIRCHOW – 115
O meu dicionário de cousas da Amazônia,
de Raimundo Morais, foi composto em Garamond,
corpo 12/14, e impresso em papel vergê areia 85 g/m2, nas oficinas da
SEEP (Secretaria Especial de Editoração e Publicações), do Senado Federal,
em Brasília. Acabou-se de imprimir em março de 2013, de
acordo com o programa editorial e projeto gráfico do
Conselho Editorial do Senado Federal.

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