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Alguns números dramáticos para introduzir a questão do reuso da água para fins indus-

triais. 97% da água disponível no planeta é...salgada; 2% está nas calotas polares e
geleiras...inacessíveis.
A maior parte do 1% restante está no subsolo. Isto explica a preocupação crescen-
te dos organismos internacionais com o meio ambiente e com a reciclagem da água.
O Brasil tem um avantajado quinhão daquela pequena fração que fica na superfície
do planeta, mas ele está altamente concentrado no norte do País, distante das áreas
mais industrializadas.
Números preocupantes e razões de sobra para que o governo brasileiro se dedique
à regulamentação do setor e para que as indústrias examinem as opções tecnológicas
que permitem reciclar seus efluentes.

A s pressões que vêm dos custos ascendentes da água, das preocupações com legislações
cada vez mais minudentes e restritivas somam-se às pressões sociais que, dentro e fora do
País, exigem indústrias “ecocêntricas”, ou seja, centradas no desenvolvimento sustentado. O
resultado é o crescente interesse da indústria no tratamento de efluentes para reuso.
Nos últimos cinco anos, as questões ambientais passaram a caminhar com as questões sociais
e econômicas, e reutilizar os efluentes tratados no processo produtivo obedece a esta tendência.
Os projetos para implantação de sistemas de reuso, contudo, ainda são desproporcionais à
seriedade do problema, e os principais motivos parecem ser a inexistência de legislação perti-
nente e a falta de conhecimento e divulgação das tecnologias.
As legislações existentes dizem respeito somente ao lançamento dos efluentes tratados em
corpos receptores ou redes coletoras. A maioria das grandes empresas respeita a legislação e
reconhece que suas atividades e/ou projetos de exportação podem ser prejudicados por repercus-
sões negativas no exterior, onde o consumidor está fortemente motivado pelo controle ambiental e
pode ir ao limite de boicotar os produtos que resultam de processos ofensivos ao meio ambiente.
A crescente consciência de que a qualidade da vida humana depende criticamente do con-
trole ambiental, além da pressão social pelas soluções “ecologicamente corretas,” mais do que
as penalidades financeiras, são a principal motivação das empresas para iniciar seus projetos de
tratamento de seus efluentes e, em especial, do reuso da água.
As sanções financeiras para as empresas que desobedecem à legislação são multas de
valores considerados pouco significativos pelos especialistas, principalmente aquelas
estabelecidas por órgãos estaduais. As decisões das indústrias, portanto, não decorrem do
temor das multas, mas da pressão do mercado consumidor de seus produtos e dos custos da
água como insumo industrial.
Sinais desta nova mentalidade estão visíveis em dezenas de projetos em andamento e
afloram até na política das entidades que lideram o setor, como a Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo, que distribuiu recentemente o primeiro de uma série de manuais sobre a
conservação e o reuso da água.
O que propõem os oito manuais da série, elaborados para a Fiesp pelo Centro Internacional
de Referência em Reuso de Água, é uma orientação para as indústrias administrarem a deman-
da e a oferta da água em setores específicos, como siderúrgico, petroquímico, papel e celulose,
farmacêutico, açúcar e álcool.

Investimento com retorno rápido


O investimento necessário para a implantação de sistemas de reuso – fotoeletroquímico, desin-
fecção por radiação ultravioleta, anaeróbios, oxidação química avançada, todos disponíveis
comercialmente – tem prazo de retorno curto: menos de um ano, comprovadamente, confor-
me os técnicos do setor. Em alguns casos, o retorno pode ocorrer em seis meses, uma vez
que o custo da água no Brasil é considerado muito alto e agravado por um escalonamento que
pune o grande consumo – quanto maior o consumo, maior o valor pago pelo metro cúbico da
água. Além disso, as empresas começaram a pagar pela captação. Esta cobrança começou em
2002 e está sendo estendida progressivamente a todas as bacias hidrográficas. Este custo
elevado explica o rápido retorno do investimento e a economia proporcionada pelo reuso.
Os custos dos sistemas de tratamento e reuso de água variam conforme o tipo de indústria
e de carga poluidora, mas em geral estão na faixa entre R$ 200 mil e R$ 1,5 milhão.
Considerando que o custo médio da água em São Paulo, onde está a maior concentração
industrial do País, é de R$ 10,00 /m3 , os especialistas do setor estimam que o custo da água
cai para menos de R$ 1,00 /m3 com a adoção de um sistema de reuso da água. Sistema deste
gênero tem vida média útil em torno de vinte anos, o que viabiliza plenamente o investimento.
Os prazos para a implantação de um sistema de reuso também são variáveis, mas os
mesmos especialistas acreditam que dois meses são suficientes, desde que a indústria já esteja
com o cadastramento e a caracterização de seus efluentes pronta. Caso contrário, do projeto
à implantação, dependendo do tipo de tecnologia que será escolhida, os prazos podem variar
entre quatro e seis meses.

Obstáculo dos parâmetros


O reuso da água para fins industriais poderá crescer mais rapidamente no País quando forem
definidos os parâmetros que fixam a qualidade da água reciclada, em cada um dos sistemas,
em relação ao uso para o qual é destinada.
Existem dois parâmetros fundamentais para qualquer projeto: a vazão e a concentração de
poluentes. O produto destes dois parâmetros define a carga poluidora, mas ainda não existem
parâmetros e limites para a qualidade da água de reuso. Cada tecnologia existente tem seus
números, dificultando a escolha técnica. Uma indústria que use a água recuperada para
resfriamento, por exemplo, pode ter problemas de corrosão nos equipamentos devido à
inadequação da qualidade da água reciclada.
Todos os sistemas podem ser eficientes para determinadas finalidades, mas como as carac-
terísticas são diferentes, fica difícil compará-los, o que leva, em alguns casos, ao uso incorreto
dos sistemas de reuso da água. Este risco tem afastado muitas empresas da reciclagem da água.
A falta destes parâmetros impede também a aprovação de uma legislação para regular seu reuso.
Os técnicos prevêem ainda uma próxima mudança no comportamento - padrão da indús-
tria na questão do reuso. O projeto dos sistemas de reuso vai começar sempre das necessida-
des e especificações da indústria e de seus processos produtivos. Também se espera que, neste
assunto, a Universidade seja consultada com mais freqüência, tanto quanto o fornecedor dos
equipamentos.

Mais reais para o saneamento


Ficaram para trás os “bons tempos” em que uma indústria podia resolver seu problema de
abastecimento de água furando um poço artesiano dentro de sua propriedade. As escalas de
produção aumentaram, as exigências de qualidade ficaram mais severas e, agora, é preciso
pagar tanto pela água que se recebe no “cavalete”, como pela água captada diretamente dos
rios, lagos e do subsolo.
O lado positivo do encarecimento da água, segundo os especialistas, está na possibilidade de as
companhias de saneamento investirem mais fortemente no tratamento de esgoto e de efluentes,
por um lado, e no estímulo para as indústrias investirem nas tecnologias de reuso da água.
Os levantamentos disponíveis mostraram que, em 2002, apenas 10% dos efluentes domésti-
cos gerados no País recebiam algum tipo de tratamento. O restante, cerca de 10 bilhões de litros,
era jogado nos rios, de onde as empresas, supostamente, poderiam captar a água para suas ne-
cessidades Os últimos anos registram algum progresso, mas a situação está muito longe da ideal.
O processo pelo qual se imagina sanear as principais bacias hidrográficas é relativamente
simples, como mostra o exemplo já implantado na bacia do rio Paraíba. Quem devolver água
ao rio em condições piores do que a captou paga R$ 0,02 por metro cúbico coletado. Quem
devolver a água tratada em condições iguais ou melhores do que a água captada, terá um
custo quase três vezes menor: R$ 0,008 por metro cúbico. Para se beneficiar dos preços favo-
recidos, as empresas devem implantar sistemas que eliminem todos os tipos de resíduos orgâ-
nicos e inorgânicos de seus efluentes.

Oxidando os poluentes
Uma das novas tecnologias disponíveis é o sistema eletroquímico fotoassistido, também conhe-
cido por fotoeletroquímico, realizado em reatores modulares compostos por dois eletrodos -
placas metálicas de titânio revestidas de óxidos condutores de metais nobres. Sobre um deles
incide a radiação ultravioleta.
Dentro do reator os poluentes orgânicos passam superfície dos eletrodos e sofrem oxidação,
transformando-se em dióxido de carbono e água. Os organismos patogênicos são inativados, e os
compostos inorgânicos, basicamente metais pesados, ficam depositados no eletrodo.
Depois desse tratamento, a água está dentro dos padrões estabelecidos pelo Conselho
Nacional do Meio Ambiente – Conama, pronta para a reutilização ou para retornar ao rio. A
grande vantagem do sistema fotoeletroquímico é que ele não deixa subprodutos. No final dos
tratamentos biológicos convencionais ocorre uma grande quantidade de lodo, que também
representa um sério problema ambiental.
Até agora, o sistema já se mostrou viável no tratamento de efluentes de indústrias têxteis,
de papel e celulose e do chorume de aterros sanitários. O custo de implantação do processo,
segundo os especialistas, é um pouco mais alto que o dos sistemas biológicos, mas as despe-
sas operacionais são baixas e limitadas ao custo da energia elétrica, porque o processo é
automatizado.
O preço médio de um reator eletroquímico é de US$ 600 por metro quadrado de área de
eletrodo. Uma empresa de porte médio, com vazão de 70 metros cúbicos por hora, teria de
fazer um investimento de US$ 120 mil numa estação fotoeletroquímica com 200 metros qua-
drados de eletrodos.

Vantagens e desvantagens das tecnologias


Muitos estudiosos das tecnologias existentes para tratamento de efluentes industriais e reuso
da água estão convencidos das vantagens dos sistemas anaeróbios sobre o aeróbio, o mais
usado atualmente. Aqueles não precisam ser aerados ou agitados e por isso requerem menos
energia e menos equipamentos. A maior vantagem, contudo, é a redução do lodo que resulta
dos dois processos: como os microorganismos anaeróbios crescem muito menos do que os
aeróbios, a geração de lodo, ao final do tratamento, fica entre 10 e 20% da quantidade produ-
zida nos processos aeróbios. Apesar dessa vantagem, os processos anaeróbios ainda não são
suficientemente confiáveis e eficientes, o que obriga a um pós-tratamento do efluente. As pes-
quisas em andamento buscam exatamente aumentar a eficiência dos sistemas anaeróbios.
A tecnologia eletroquímica é uma tecnologia que dispensa a adição de reagentes químicos
e não gera qualquer espécie de resíduo. O tratamento é baseado na recirculação do efluente
aquoso em reatores compactos, que ocupam área física reduzida, e é indicado para águas de
processo que contenham poluentes orgânicos da indústria química em geral. Os resultados
obtidos no uso desta tecnologia para a degradação de efluentes contendo compostos fenólicos
e corantes são considerados muito bons. O processo de tratamento consiste em submeter o
descarte aquoso a uma eletrólise sobre eletrodos especialmente ativados para as várias aplica-
ções. A tecnologia eletroquímica pode atuar como tratamento principal ou associada à digestão
biológica preexistente. Neste caso, o reuso da água tratada torna-se possível pela substancial
redução nos níveis de demanda química e bioquímica de oxigênio propiciados pelo tratamento.
Outra tecnologia em desenvolvimento é o gerador de peróxido de hidrogênio. Este reagente
encontra larga aplicação nos processos de tratamento de efluentes. No entanto, exige armaze-
nagem e manipulação em altas concentrações. O que a tecnologia eletroquímica faz, nesse
caso, é transformar o oxigênio gasoso em peróxido de hidrogênio, que vai sendo gerado de
acordo com as necessidades do tratamento. A indústria galvânica e a de semijóias também têm
utilizado reatores eletroquímicos que retiram os metais pesados das águas de lavagem, propici-
ando uma economia substancial de água e o seu reuso. Além disso, grandes volumes de água
com metais pesados ficam dispensados de tratamento físico-químico, diminuindo a quantidade
de lodo galvânico.

Créditos e referências
O texto deste artigo foi elaborado a partir de informações obtidas com os seguintes profissionais e fontes:

• Prof. Rodnei Bertazzoli, Coordenador do Laboratório de Engenharia Eletroquímica da Universi-


dade Estadual de Campinas (Unicamp);

• Luciana de Oliveira, Engenheira Química e Mestre em Engenharia Civil;


• Engenheiro Químico Marcelo Zaiat , da Escola de Engenharia de São Carlos;
• Prof. Ivanildo Hespanhol, Diretor do Centro Internacional de Referência em Reuso de Água - CIRRA;
• Prof. Dr. Luiz Antonio Daniel, Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Enge-
nharia de São Carlos,

aos quais agradecemos a boa vontade e a cooperação. O texto final, sua forma e conteúdo
são, contudo, de inteira responsabilidade do Departamento Editorial de Noticiário de Equipamen-
tos Industriais - NEI.

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www.ana.gov.br

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