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Estrategicamente situado no canto Sudoeste da península Arábica, onde a maior parte

do petróleo mundial é transportada através do estreito de Bab al-Mandab, na estrada do mar


Vermelho, o Iémen era conhecido na Roma antiga como a Arabia Felix (feliz ou rica), em
oposição à ‘Arábia Deserta’, que é hoje a Arábia Saudita. Nos últimos anos, o epíteto romano
provou ser particularmente inapropriado para os 26 milhões de habitantes da República do
Iémen: o país é atormentado pelo perpétuo conflito tribal e crescentemente sectário; pela
interferência de potências estrangeiras, nomeadamente Arábia Saudita, Irão e os EUA; e pela
presença poderosa da al-Qaeda.

O Iémen enfrenta a sua maior crise da história com o derrube do seu governo pelos
Houthis, um movimento xiita Zaidita, e a ofensiva resultante liderada pela Arábia Saudita. Os
combates, e um bloqueio imposto pela Riade com o objetivo de impor um embargo de armas,
teve consequências humanitárias devastadoras, fazendo com que mais de um milhão de
pessoas se tornassem deslocadas internamente e levando a surtos de cólera, escassez de
medicamentos e ameaças de fome. As Nações Unidas chamam a crise humanitária no Iémen
como a "a pior do mundo".

Embora a coligação liderada pelos sauditas e as forças pró-governo tenham


recapturado algum território, os Houthis mantêm o controlo da capital, Saná, e o caos
contínuo permitiu que a Al-Qaeda na Península Arábica se estabelecesse. A intervenção
saudita é impulsionada pelo apoio iraniano aos Houthis, e o envolvimento de outras potências
externas, incluindo os Estados Unidos, levantou preocupações de que o conflito se tenha
tornado uma guerra por procuração. Com numerosas facções armadas em desacordo com
qualquer acordo potencial, os esforços liderados pela ONU para intermediar a suspensão dos
combates falharam.

As divisões: um pouco de história

Historicamente, existem poucas tensões confessionais no Iémen – onde os Xiitas


representam cerca de 35% da população quase totalmente muçulmana –, mas tiveram lugar
inúmeros episódios de conflito entre tribos e entre o norte e o sul, que formaram dois países
independentes durante a maior parte do século XX. O norte conquistou a sua independência
do Império Otomano em 1918 sob a liderança Yahya Muhamma Hamid ad-Din, um Imã Zaidita,
que em 1926 se autoproclamou monarca do reino Mutawakkilita do Iémen. Em contraste, o
sul estava sob o controlo dos britânicos, que ocuparam o por de Áden em 1839 e
estabeleceram um protetorado que só terminou com a retirada do Reino Unido do Suez em
1967.

Contudo, nem o Norte nem o Sul têm gozado de estabilidade. No Norte, oficiais do
exército desencadearam em 1962 um golpe de Estado, que provocou uma guerra tribal entre
monárquicos, apoiados pela Arábia Saudita, e republicanos, a que se juntaram milhares de
tropas egípcias enviadas por Nasser para apoiar a República Árabe do Iémen. Os militares
egípcios chegaram a atingir cerca de 70.000 (retiraram-se em 1967, em parte por causa dos
gastos económicos do Egito com esta aventura no Iémen), mas uma vitória republicana só foi
alcançada no início de 1968 e a Arábia Saudita só a aceitou em 1970. Uma das caraterísticas
desta guerra civil foi a utilização de gás tóxico, alegadamente pelas tropas egípcias. Outra foi o
seu aspeto de Guerra Fria: os sauditas pró-americanos temiam uma invasão da península
Arábica pelo nasserismo pan-árabe de pendor soviético.

A Guerra Fria e o exemplo da República Árabe do Iémen também inspiraram a luta


contra o domínio britânico no Sul, iniciado em 1963 pela Frente para a Libertação do Iémen do
Sul Ocupado (FLISO) e a Frente Libertação Nacional (FLN). A FLISO tinha o apoio de Nasser, mas
foi a FLN que saiu vitoriosa da luta entre os dois grupos e formou o governo da República
Popular do Iémen do Sul em 1967; e foi uma fação marxista da FLN que em 1970 mudou o
nome do país para República Popular Democrática do Iémen – prova, como os cínicos se
deliciam em sublinhar, de ‘democrático’ no nome do país significa precisamente o oposto.

A RPDI e o Iémen do Norte envolveram-se em breves confrontos fronteiriços em 1970


e também numa breve e perversa guerra civil no início de 1986. Todavia, com a promessa da
descoberta de petróleo e de gás nos dois países e com o colapso da URSS, o RPDI concordou
em 1990 em unir-se com o Norte, formando o que é hoje a República do Iémen. Ali Abdullah
Saleh, Presidente do Iémen do Norte desde 1978, tornou-se o primeiro presidente da nova
nação.

A unidade, contudo, não tem sido uma experiência cómoda. A recusa do Iémen em
integrar a coligação americana na 1ª Guerra do Golfo contra o Iraque, que ocupara o Kuwait,
levou a Arábia Saudita a expulsar milhares de trabalhadores iemenitas e à consequente perda
das suas remessas de divisas, economicamente cruciais para o país. Tensões económicas e
disputas entre fações levaram a confrontos entre o Norte e o Sul em abril de 1994 e a uma
guerra civil generalizada em maio, com o Sul a declarar oficialmente a sua secessão como
República Democrática do Iémen, a 21 de maio de 1994. Contudo, foi o presidente Saleh quem
saiu vitorioso do conflito; o vice-presidente, Ali Salim al-Bayd, e os seus correligionários
secessionistas do Partido Socialista do Iémen fugiram para o vizinho Omã.

A atual crise

Como tivemos ocasião de verificar, as tensões entre o Norte e o Sul estão de tal modo
arreigadas que podem ser permanentes. A Al-Qaeda na Península Arábica (AQPA) e o grupo
insurgente Ansar al-Sharia capturaram território no sul e no leste. O movimento Houthi, cuja
base de apoio assenta na comunidade Xiita Zaidita do norte do Iémen, revoltou-se contra o
governo de Saleh seis vezes entre 2004 e 2010.

Os Estados Unidos deram seu apoio a Saleh no início da década 2000, quando o
combate ao terrorismo se tornou a principal preocupação regional de Washington. De acordo
com informações do Security Assistance Monitor, entre 2000 e 2020, Washington atribuiu ao
Iémen 5,9 biliões de dólares em ajuda militar e policial.

Grupos de direitos humanos há muito acusam que Saleh dirige um governo corrupto e
autocrático. O mais recente tumulto no Iémen começou em paralelo com a Primavera Árabe:
as manifestações em Saná no início de 2011 contra o Presidente Ali Abdullah Saleh levaram a
um crescente ciclo de violência, com vários ministros e figuras militares, sendo mais notável
deles o poderoso Major-General Ali Mohsen al-Ahmar, a juntarem-se ao crescente movimento
tribal contra o regime, no poder há 33 anos. Enquanto as forças de segurança do Iémen se
concentravam em reprimir os protestos em áreas urbanas, a AQPA obtinha ganhos em regiões
periféricas.

Em abril, perante a crescente pressão doméstica e internacional, o sitiado Saleh


parecia pronto para assinar um plano de paz negociado pelo Conselho de Cooperação do Golfo
(CCG – uma aliança da Arábia Saudita, Kuwait, Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Qatar e Omã)
e que a oposição iemenita aceitou. Segundo este acordo, Saleh e a sua família receberiam
imunidade judicial e partiriam para o exílio. Contudo, em maio, ele insistiu em algumas
modificações e depois, no último momento, recusou a assiná-lo, levando o CCG a suspender os
seus esforços de paz e provocando intensos combates em Saná entre tropas leais ao Governo
e milícias tribais opositoras.

No âmbito desses combates foi colocada uma bomba no palácio presidencial a 3 de


junho, que deixou Saleh muito ferido. Transportado para a Arábia Saudita no dia seguinte para
receber tratamento médico, Saleh entregou o poder ao seu vice-presidente, Abd Rabbuh
Mansur Hadi. A ausência forçada de Saleh não levou, porém, a uma transferência de poder
nem ao fim dos violentos tiroteios que irromperam em Saná em setembro.

Com a situação a piorar, Saleh regressou ao Iémen a 23 de setembro de 2011 e, dois


meses mais tarde, entregou formalmente o poder a Hadi, que, segundo um acordo negociado
pelo CCG, seria o único candidato às eleições de fevereiro de 2012, das quais sairia presidente
e ficaria encarregado redigir uma nova Constituição. Na sequência da Conferência Nacional de
Diálogo, o presidente Hadi anunciou planos, em fevereiro de 2014, para o país se transformar
numa federação de seis regiões – uma ideia denunciada pelos insurretos Houthis, da zona
norte próxima da Arábia Saudita, argumentando que ficariam prejudicados.

Causas da atual crise

Vários fatores ampliaram essas divisões políticas e levaram a um conflito militar em


grande escala.

 Questões económicas:

Sob pressão do Fundo Monetário Internacional, que havia concedido ao Iémen um


empréstimo de 550 milhões de dólares em troca de reformas económicas, o governo de Hadi
suspendeu os subsídios aos combustíveis em julho de 2014. O movimento Houthi, que atraiu
apoio além da sua base com as suas críticas à ONU durante transição, organizou protestos em
massa exigindo preços de combustível mais baixos e um novo governo. Os apoiantes de Hadi e
o partido afiliado à Irmandade Muçulmana, al-Islah, realizaram contra-ataques.

 Tomada de poder pelos Houthi.

Os Houthis capturaram grande parte de Saná em meados de setembro de 2014. Renegando


um acordo de paz intermediado naquele mês pelas Nações Unidas, consolidaram o controlo da
capital e continuaram o seu avanço para o Sul. O governo de Hadi renunciou sob pressão em
janeiro de 2015 e Hadi mais tarde fugiu para a Arábia Saudita.

 Divisões nas Forças Armadas.

As unidades militares leais a Saleh aliaram-se aos Houthis, contribuindo para o sucesso no
campo de batalha. Outras milícias mobilizaram-se contra as forças Houthi-Saleh, alinhando-se
aos militares que permaneceram leais ao governo Hadi. Por sua vez, os separatistas do Sul
intensificaram os seus pedidos de secessão.

 Intervenção saudita

Em 2015, com Hadi no exílio, Riade lançou uma campanha militar aérea para fazer recuar os
Houthis e restaurar a administração de Hadi em Saná.

Quem é quem no conflito?

Os Houthis, também conhecidos com Ansar Allah (Ajudantes de Deus), são


muçulmanos Zaiditas, uma seita Xiita próxima do Islão Sunita que venera cinco Imãs (outros
Xiitas veneram sete, e outros 12), surgiram no final da década de 1980 como um veículo para o
revivalismo religioso e cultural entre os xiitas Zaiditas no norte do Iémen. Os Zaiditas são uma
minoria no país de maioria muçulmana sunita, mas predominam nas montanhas do Norte ao
longo da fronteira com a Arábia Saudita. Receberam o seu nome de Hussein Badreddin al-
Houthi, um ex-membro do parlamento, que lançou uma rebelião que lançou uma rebelião
contra o presidente Saleh em junho de 2004 e foi morto e foi morto em combate em setembro
de 2004. Os Houthis tornaram-se politicamente ativos a partir desse ano.

O Irão é seu o principal patrocinador internacional e, segundo as informações,


forneceu-lhes apoio militar, incluindo armas. O governo de Hadi também acusou o Hezbollah,
aliado libanês do Irão, de ajudar os Houthis. A percepção da Arábia Saudita de que os houthis
são um representante iraniano, e não um movimento indígena, motivou a intervenção militar
de Riade. Contudo muitos especialistas regionais dizem que a influência de Teerão é
provavelmente limitada, uma vez iranianos e houthis aderem a diferentes vertentes do Xiismo.
O Irão e os houthis compartilham interesses geopolíticos: Teerão busca desafiar o domínio da
Arábia Saudita e dos EUA na região, e os houthis se opõem ao governo de Hadi, apoiado por
Washington e Riade.

Até agora, a rebelião dos Houthis contra o governo central e as tribos pró-
governamentais levara-os a envolverem-se em vários episódios bélicos, culminando com a
ocupação de Saná em setembro de 2014. A ONU propôs então um plano de paz, segundo o
qual os Houthis se retirariam das cidades que controlavam depois da formação de um novo
governo de unidade nacional.

Semanas depois, porém, os Houthis exigiram novas concessões na redação da


Constituição e colocaram o presidente Hadi e os seus ministros sob prisão domiciliária. Em
janeiro de 2015, ocuparam a televisão nacional e, em fevereiro, anunciaram a nomeação de
um conselho presidencial de cinco membros para substituir Hadi, que sensatamente fugiu de
Saná para a cidade portuária meridional de Áden, que os seus apoiantes afirmaram ser agora a
capital de facto do Iémen. Mesmo assim, os Houthis continuaram a avançar: a 26 de março,
Hadi tinha procurado refúgio na Arábia Saudita.

A seu pedido, a Arábia Saudita formou uma coligação de Estados Árabes de maioria
Sunita: Bahrein, Egito, Jordânia, Kuwait, Marrocos, Qatar, Sudão e Emirados Árabes Unidos
(Emirados Árabes Unidos). Em 2018, a coligação expandia-se para incluir soldados da Eritreia e
do Paquistão. Eles lançaram uma campanha aérea contra alvos Houthis com o objetivo de
restabelecer o governo de Hadi. Para Riade, aceitar o controlo Houthi sobre o Iémen
significaria ter um vizinho hostil na sua fronteira Sul, bem como um revés na luta pela
hegemonia regional.

Não obstante esta dicotomia, a verdade é que o conflito no Iémen não é tão sectário; é
mais como uma fricção inter-tribal que se tornou uma luta pela influência regional entre a
Arábia Saudita e o Irão. O conflito é também visto por muitos como uma conspiração
maquiavélica de Ali Abdullah Saleh, um Xiita Zaidita apoiado no passado pela Arábia Saudita,
para recuperar o poder, depois de se ter aliado secretamente aos Houthis com o objetivo de
fazer cair o presidente Hadi.

Entretanto, após a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos terem desempenhado o


papel militar mais significativo na coligação, contribuindo com cerca de dez mil soldados -
principalmente no sul do Iémen - para ajudar os combatentes da coligação fornecidos pela
Eritreia, Marrocos, Paquistão, Catar, Arábia Saudita e Sudão. No entanto, os Emirados Árabes
Unidos entraram em conflito com seus aliados em agosto de 2019, quando apoiaram o
Governo separatista de Transição do Sul (STC), que capturou Áden. Em novembro, Hadi e o
presidente do STC assinaram o Acordo de Riade, o qual afirma que as facções compartilharão o
poder igualmente num governo pós guerra. Os separatistas renegaram o acordo por vários
meses em 2020, declarando autonomia nas regiões do sul sob sua influência. Todavia eles
abandonaram a posição em julho, concordando em formar um novo governo iemenita com
representação no STC no âmbito de um Acordo de Riade.

O papel da Al-Qaeda na península Arábica

Mas o que preocupa o resto do mundo é se o mesmo será verdade no que se refere à
presença da Al-Qaeda no Iémen. As origens da organização no Iémen datam da época em que
o Presidente Saleh recebeu os mujahedin iemenitas que regressaram ao país em 1980, depois
da sua guerra bem sucedida contra a ocupação do Afeganistão por tropas soviéticas. Saleh
usou então esses mujahedin para ajudar a derrotar os secessionistas marxistas do Sul na
guerra civil de 1994.

Mas, num clássico de consequências não intencionais, depois das boas vindas dos
jihadistas, alguns destes combatentes formaram a Jihad Islâmica no Iémen no início de 1990,
em breve seguidos pelo Exército Islâmico de Aden-Abyan (célebre pelo sequestro de 16
turistas estrangeiros no Sul em 1998) e a Al-Qaeda do Iémen (AQI). Foi uma lancha rápida
dirigida por ativistas da AQI a responsável pelo atentado suicida, em outubro de 2000, contra o
USS Cole, atacado em Áden, de que resultou a morte de 17 efetivos norte-americanos. Dois
anos mais tarde, o porto de Áden foi palco de outro atentado suicida a um petroleiro francês,
M/V Limburg, que provocou a morte de um membro da tripulação e aumentou o nível de
alerta ocidental para a instabilidade do Iémen. Nos anos subsequentes, após a fuga da prisão
de membros da Al-Qaeda, correram rumores de que o Presidente Saleh tinha autorizado o
movimento jihadista como forma de manter o apoio do Ocidente ao seu regime, que encarava
os secessionistas do Sul e a dissidência tribal do Norte como ameaças maiores à sua
sobrevivência do que a presença da Al-Qaeda.

Os esforços dos EUA para punir os responsáveis pelo ataque ao USS Cole e depois
pelos atentados do 11 de setembro envolveram o envio imediato de forças especiais e de
agentes secretos para o Iémen. Em 2002, um míssil lançado por um drone americano Predator
– o primeiro ataque do género na península Arábica – matou Abu Ali al-Harithi, o líder da Al-
Qaeda do Iémen e o homem que se pensava estar por detrás do ataque ao USS Cole. Mas a
retaliação americana não deteve os jihadistas: em setembro de 2008, a Jihad Islâmica no
Iémen, agora parte da Al-Qaeda, montou um ataque à embaixada dos EUA em Saná – matando
19 pessoas, incluindo seis dos atacantes – numa operação aparentemente ordenada por
Osama Bin Laden. Em janeiro de 2009, os ramos da Al-Qaeda no Iémen e na Arábia Saudita
uniram-se formalmente com o nome de Al-Qaeda na Península Arábica (AQPA), sediada
principalmente no Iémen para escapar à crescente repressão das autoridades sauditas e
liderada pelo iemenita Nasir al-Wuhayshi (que foi abatido no Iémen por um drone americano
em junho de 2015).

Apesar dos esforços de contraterrorismo dos EUA, com os seus drones e forças
especiais, e do regime iemenita, com 67.000 efetivos, AQPA, que se pensa ter entre 1.000 a
3.000 combatentes, continua a tirar partido da turbulência sistemática do país, com os seus
conflitos tribais e as lealdades divididas no interior das forças governamentais.
Ocasionalmente, a AQPA tem sofrido golpes prejudiciais, tal como o ataque com um drone em
setembro de 2011 que matou Anwar al-Awlaki, um pregador oriundo dos EUA cujos sermões
via Youtube e internet atraíam seguidores do mundo de língua inglesa. Awlaki foi oprimeiro
cidadão americano a ser alvejado e morto pelos EUA (o seu filho foi morto por outro ataque
duas semanas mais tarde).

Mas os reveses têm sido temporários. A AQPA lançou vários ataques contra
embaixadas ocidentais em Saná e foi graças aos serviços secretos da Arábia Saudita que, em
2010, as bombas disfarçadas de cartuchos de impressora foram descobertas antes de serem
carregadas a bordo de um avião que voava para Chicago. Em maio de 2010, um bombista
suicida da AQPA atacou o ensaio de um desfile militar para o Dia da Unidade, matando 120
pessoas e ferindo 200. Em dezembro de 2013, um ataque contra o ministério da Defesa fez
pelo menos 52 mortos. Entretanto, o fabricante das bombas da AQPA, o saudita Ibrahim
Hassan Tali al-Asiri, ganhou um respeito relutante por parte dos serviços secretos ocidentais
pela sua perícia – daí os 5 milhões de dólares de recompensa oferecidos pelos EUA pela sua
captura (Wuhayshi tinha a cabeça a prémio por 10 milhões de dólares). Existe talvez menos
respeito do Ocidente por Ali Abdullah Saleh. A sua política é frequentemente como ambígua,
não apenas pelas boas relações com os mujahedin nas décadas de 1980 e 1990: em 2010,
ofereceu-se para dialogar com a AQPA desde que esta renunciasse à violência, no entanto, no
mesmo ano também prometeu uma guerra total.

A AQPA dificilmente pode ser ignorada, e não apenas no Iémen e na Arábia Saudita.
Em janeiro de 2015, a AQPA reivindicou a responsabilidade pelo ataque perpetrados por dois
franceses descendentes de argelinos à redação da revista satírica Charlie Hebdo em Paris,
matando 11 cidadãos franceses.

No próprio Iémen, beneficiando do caos em que o país está mergulhado, capturaram,


em abril de 2015, a cidade costeira de Mukalla e libertou trezentos reclusos da prisão da
cidade, muitos deles considerados membros da AQPA. O grupo militante expandiu o seu
controlo para Oeste até Áden e apreendeu partes da cidade antes que as forças da coaligação
recuperassem grande parte da região em abril de 2016. A AQPA também forneceu os
iemenitas em algumas áreas segurança e serviços públicos não atendidos pelo Estado, o que
reforçou o apoio ao grupo.

A questão é se a AQPA irá aceitar desempenhar um papel secundário em relação ao


ISIS. Em abril de 2011, Shaykh Abu Zubayr Adil bin Abdullah al-Abab, principal figura da AQPA,
definiu o grupo islamista Ansar al-Sharia (Apoiantes da Lei Islâmica), como parte da AQPA: “O
nome Ansar al-Sharia é aquele utilizamos para nos apresentarmos nas áreas onde
trabalhamos, para explicar às pessoas o nossos trabalho e os nossos objetivos”

O Departamento de Estado dos EUA acedeu: em outubro de 2012, definiu a


organização na sua lista de organizações terroristas estrangeiras como sendo um pseudónimo
da AQPA. Mas, em fevereiro de 2015, pelo menos alguns membros do Ansar al-Sharia
declararam fidelidade ao ISIS e, no mês seguinte, o Estado Islâmico reivindicou a
responsabilidade pelos ataques suicidas coordenados contra 4 mesquitas Zaiditas em Saná,
que fizeram pelo menos 142 mortos e 345 feridos. O Presidente Hadi condenou os ataques
como hediondos, mas de certeza que não estaria surpreendido.

Impacto humanitário

Com uma taxa de pobreza de mais de 50%, o Iémen era o país mais pobre do mundo
árabe mesmo antes do conflito. Um relatório da ONU de 2019 disse que o "grau de sofrimento
do país é quase sem precedentes", com mais de 20 milhões de iemenitas a lutar contra a
insegurança alimentar, metade dos quais estão à beira da fome. As doenças agravaram-se;
casos suspeitos de cólera atingiram cerca de setecentos mil em 2019. Embora apenas 1.600
casos da nova doença coronavírus, COVID-19, tenham sido oficialmente relatados, os
especialistas suspeitam que o número real de casos seja muito maior. Além disso, com o
aumento da pandemia, muitos países reduziram a ajuda ao Iémen, que tem um sistema de
saúde frágil e uma infraestrutura que foi devastada pela guerra.

Em fevereiro de 2020, a agência de refugiados da ONU relatou que, desde 2015, a


guerra havia provocado três milhões de deslocados, mais de um milhão das quais estão
deslocadas internamente. A situação piorou sob o bloqueio terrestre, marítimo e aéreo de
quatro anos imposto pelas forças da coligação, obstruindo o abastecimento vital de alimentos
e medicamentos ao país. O Projeto americano ACLED registou, desde 2015, mais de cem mil
mortes devido à falta de alimentos, serviços de saúde e infraestrutura.

Além disso, as Nações Unidas descobriram que tanto os Houthis quanto as forças da
coligação violaram o direito internacional humanitário atacando alvos civis, incluindo a
destruição por forças da coligação de um hospital administrado pela organização internacional
de ajuda Médicos Sem Fronteiras. Outras violações perpetradas por ambos os lados incluem
tortura, prisões arbitrárias e desaparecimentos forçados.

Perspetivas de solução para o futuro

As negociações de paz apoiadas pelas Nações Unidas fizeram alguns progressos,


todavia não conseguiram pôr fim ao conflito. As negociações de dezembro de 2018 em
Estocolmo pediram um cessar-fogo na vital cidade portuária de Hodeidah, a troca de mais de
quinze mil prisioneiros e a criação de um comité conjunto para diminuir a violência. No
entanto, as tentativas de implementar o acordo foram ineficazes. As divisões dentro da
coligação liderada pela Arábia Saudita diminuíram as esperanças de uma resolução mais
ampla, especialmente após a tomada de Aden em agosto de 2019 pelo STC apoiado pelos
Emirados Árabes Unidos. A situação piorou ainda mais no mês seguinte, quando os Houthis
assumiram a responsabilidade por um ataque com mísseis às instalações de petróleo da Saudi
Aramco. Observadores da ONU concluíram que os Houthis não levaram a cabo o ataque, que a
coligação atribuiu ao Irão. Alguns especialistas veem a disposição dos Houthis em reivindicar o
ataque como um sinal do seu crescente alinhamento com o regime iraniano. Isso poderia
motivar a Arábia Saudita a aumentar ainda mais seu compromisso com o conflito por
procuração, dizem eles, especialmente porque a violência renovada no início de 2020 trouxe
ganhos territoriais para os Houthis.

Embora o Acordo de Riade pareça ter fracassado quando o STC declarou autogoverno
em março, o regresso dos separatistas ao acordo aumentou as esperanças de que o Iémen
possa superar as suas divisões internas. Ainda assim, a paz entre o governo
internacionalmente reconhecido e os Houthis permanece ilusória, e especialistas temem que o
atrito persistente entre os atores regionais, incluindo Irão, Arábia Saudita e os Emirados
Árabes Unidos, possa significar que a guerra continuará. As causas subjacentes do conflito no
Iémen continuarão a ser difíceis de resolver.

Durante décadas, o Iémen tem sido um país anárquico e horrivelmente violento – e é


provável que permaneça assim durante alguns anos; um pouco à semelhança do Afeganistão.
É improvável que as fações políticas comprometam-se a distribuir de poder e as milícias
permanecerão relutantes em depor as armas.

Uma solução duradoura exigirá apaziguar as três principais fações em conflito: os


Houthis, o governo de Hadi e o STC, cada um dos quais com interesses únicos. Entretanto,
qualquer novo governo precisará de assistência estrangeira significativa para combater grupos
terroristas, reconstruir a infraestrutura devastada do país e atender às crescentes
necessidades humanitárias em plena pandemia.

ANDREWS, John. 2016. Os Grandes Conflitos Mundiais: uma análise estratégica mais perigosas
e as ameaças à estabilidade do nosso mundo. Lisboa: Clube do autor.

LAUB, Zachary, ROBINSON, Kali. Yemen in crisis. https://www.cfr.org/backgrounder/yemen-


crisis

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