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Iémen
Iémen
O Iémen enfrenta a sua maior crise da história com o derrube do seu governo pelos
Houthis, um movimento xiita Zaidita, e a ofensiva resultante liderada pela Arábia Saudita. Os
combates, e um bloqueio imposto pela Riade com o objetivo de impor um embargo de armas,
teve consequências humanitárias devastadoras, fazendo com que mais de um milhão de
pessoas se tornassem deslocadas internamente e levando a surtos de cólera, escassez de
medicamentos e ameaças de fome. As Nações Unidas chamam a crise humanitária no Iémen
como a "a pior do mundo".
Contudo, nem o Norte nem o Sul têm gozado de estabilidade. No Norte, oficiais do
exército desencadearam em 1962 um golpe de Estado, que provocou uma guerra tribal entre
monárquicos, apoiados pela Arábia Saudita, e republicanos, a que se juntaram milhares de
tropas egípcias enviadas por Nasser para apoiar a República Árabe do Iémen. Os militares
egípcios chegaram a atingir cerca de 70.000 (retiraram-se em 1967, em parte por causa dos
gastos económicos do Egito com esta aventura no Iémen), mas uma vitória republicana só foi
alcançada no início de 1968 e a Arábia Saudita só a aceitou em 1970. Uma das caraterísticas
desta guerra civil foi a utilização de gás tóxico, alegadamente pelas tropas egípcias. Outra foi o
seu aspeto de Guerra Fria: os sauditas pró-americanos temiam uma invasão da península
Arábica pelo nasserismo pan-árabe de pendor soviético.
A unidade, contudo, não tem sido uma experiência cómoda. A recusa do Iémen em
integrar a coligação americana na 1ª Guerra do Golfo contra o Iraque, que ocupara o Kuwait,
levou a Arábia Saudita a expulsar milhares de trabalhadores iemenitas e à consequente perda
das suas remessas de divisas, economicamente cruciais para o país. Tensões económicas e
disputas entre fações levaram a confrontos entre o Norte e o Sul em abril de 1994 e a uma
guerra civil generalizada em maio, com o Sul a declarar oficialmente a sua secessão como
República Democrática do Iémen, a 21 de maio de 1994. Contudo, foi o presidente Saleh quem
saiu vitorioso do conflito; o vice-presidente, Ali Salim al-Bayd, e os seus correligionários
secessionistas do Partido Socialista do Iémen fugiram para o vizinho Omã.
A atual crise
Como tivemos ocasião de verificar, as tensões entre o Norte e o Sul estão de tal modo
arreigadas que podem ser permanentes. A Al-Qaeda na Península Arábica (AQPA) e o grupo
insurgente Ansar al-Sharia capturaram território no sul e no leste. O movimento Houthi, cuja
base de apoio assenta na comunidade Xiita Zaidita do norte do Iémen, revoltou-se contra o
governo de Saleh seis vezes entre 2004 e 2010.
Os Estados Unidos deram seu apoio a Saleh no início da década 2000, quando o
combate ao terrorismo se tornou a principal preocupação regional de Washington. De acordo
com informações do Security Assistance Monitor, entre 2000 e 2020, Washington atribuiu ao
Iémen 5,9 biliões de dólares em ajuda militar e policial.
Grupos de direitos humanos há muito acusam que Saleh dirige um governo corrupto e
autocrático. O mais recente tumulto no Iémen começou em paralelo com a Primavera Árabe:
as manifestações em Saná no início de 2011 contra o Presidente Ali Abdullah Saleh levaram a
um crescente ciclo de violência, com vários ministros e figuras militares, sendo mais notável
deles o poderoso Major-General Ali Mohsen al-Ahmar, a juntarem-se ao crescente movimento
tribal contra o regime, no poder há 33 anos. Enquanto as forças de segurança do Iémen se
concentravam em reprimir os protestos em áreas urbanas, a AQPA obtinha ganhos em regiões
periféricas.
Questões económicas:
As unidades militares leais a Saleh aliaram-se aos Houthis, contribuindo para o sucesso no
campo de batalha. Outras milícias mobilizaram-se contra as forças Houthi-Saleh, alinhando-se
aos militares que permaneceram leais ao governo Hadi. Por sua vez, os separatistas do Sul
intensificaram os seus pedidos de secessão.
Intervenção saudita
Em 2015, com Hadi no exílio, Riade lançou uma campanha militar aérea para fazer recuar os
Houthis e restaurar a administração de Hadi em Saná.
Até agora, a rebelião dos Houthis contra o governo central e as tribos pró-
governamentais levara-os a envolverem-se em vários episódios bélicos, culminando com a
ocupação de Saná em setembro de 2014. A ONU propôs então um plano de paz, segundo o
qual os Houthis se retirariam das cidades que controlavam depois da formação de um novo
governo de unidade nacional.
A seu pedido, a Arábia Saudita formou uma coligação de Estados Árabes de maioria
Sunita: Bahrein, Egito, Jordânia, Kuwait, Marrocos, Qatar, Sudão e Emirados Árabes Unidos
(Emirados Árabes Unidos). Em 2018, a coligação expandia-se para incluir soldados da Eritreia e
do Paquistão. Eles lançaram uma campanha aérea contra alvos Houthis com o objetivo de
restabelecer o governo de Hadi. Para Riade, aceitar o controlo Houthi sobre o Iémen
significaria ter um vizinho hostil na sua fronteira Sul, bem como um revés na luta pela
hegemonia regional.
Não obstante esta dicotomia, a verdade é que o conflito no Iémen não é tão sectário; é
mais como uma fricção inter-tribal que se tornou uma luta pela influência regional entre a
Arábia Saudita e o Irão. O conflito é também visto por muitos como uma conspiração
maquiavélica de Ali Abdullah Saleh, um Xiita Zaidita apoiado no passado pela Arábia Saudita,
para recuperar o poder, depois de se ter aliado secretamente aos Houthis com o objetivo de
fazer cair o presidente Hadi.
Mas o que preocupa o resto do mundo é se o mesmo será verdade no que se refere à
presença da Al-Qaeda no Iémen. As origens da organização no Iémen datam da época em que
o Presidente Saleh recebeu os mujahedin iemenitas que regressaram ao país em 1980, depois
da sua guerra bem sucedida contra a ocupação do Afeganistão por tropas soviéticas. Saleh
usou então esses mujahedin para ajudar a derrotar os secessionistas marxistas do Sul na
guerra civil de 1994.
Mas, num clássico de consequências não intencionais, depois das boas vindas dos
jihadistas, alguns destes combatentes formaram a Jihad Islâmica no Iémen no início de 1990,
em breve seguidos pelo Exército Islâmico de Aden-Abyan (célebre pelo sequestro de 16
turistas estrangeiros no Sul em 1998) e a Al-Qaeda do Iémen (AQI). Foi uma lancha rápida
dirigida por ativistas da AQI a responsável pelo atentado suicida, em outubro de 2000, contra o
USS Cole, atacado em Áden, de que resultou a morte de 17 efetivos norte-americanos. Dois
anos mais tarde, o porto de Áden foi palco de outro atentado suicida a um petroleiro francês,
M/V Limburg, que provocou a morte de um membro da tripulação e aumentou o nível de
alerta ocidental para a instabilidade do Iémen. Nos anos subsequentes, após a fuga da prisão
de membros da Al-Qaeda, correram rumores de que o Presidente Saleh tinha autorizado o
movimento jihadista como forma de manter o apoio do Ocidente ao seu regime, que encarava
os secessionistas do Sul e a dissidência tribal do Norte como ameaças maiores à sua
sobrevivência do que a presença da Al-Qaeda.
Os esforços dos EUA para punir os responsáveis pelo ataque ao USS Cole e depois
pelos atentados do 11 de setembro envolveram o envio imediato de forças especiais e de
agentes secretos para o Iémen. Em 2002, um míssil lançado por um drone americano Predator
– o primeiro ataque do género na península Arábica – matou Abu Ali al-Harithi, o líder da Al-
Qaeda do Iémen e o homem que se pensava estar por detrás do ataque ao USS Cole. Mas a
retaliação americana não deteve os jihadistas: em setembro de 2008, a Jihad Islâmica no
Iémen, agora parte da Al-Qaeda, montou um ataque à embaixada dos EUA em Saná – matando
19 pessoas, incluindo seis dos atacantes – numa operação aparentemente ordenada por
Osama Bin Laden. Em janeiro de 2009, os ramos da Al-Qaeda no Iémen e na Arábia Saudita
uniram-se formalmente com o nome de Al-Qaeda na Península Arábica (AQPA), sediada
principalmente no Iémen para escapar à crescente repressão das autoridades sauditas e
liderada pelo iemenita Nasir al-Wuhayshi (que foi abatido no Iémen por um drone americano
em junho de 2015).
Apesar dos esforços de contraterrorismo dos EUA, com os seus drones e forças
especiais, e do regime iemenita, com 67.000 efetivos, AQPA, que se pensa ter entre 1.000 a
3.000 combatentes, continua a tirar partido da turbulência sistemática do país, com os seus
conflitos tribais e as lealdades divididas no interior das forças governamentais.
Ocasionalmente, a AQPA tem sofrido golpes prejudiciais, tal como o ataque com um drone em
setembro de 2011 que matou Anwar al-Awlaki, um pregador oriundo dos EUA cujos sermões
via Youtube e internet atraíam seguidores do mundo de língua inglesa. Awlaki foi oprimeiro
cidadão americano a ser alvejado e morto pelos EUA (o seu filho foi morto por outro ataque
duas semanas mais tarde).
Mas os reveses têm sido temporários. A AQPA lançou vários ataques contra
embaixadas ocidentais em Saná e foi graças aos serviços secretos da Arábia Saudita que, em
2010, as bombas disfarçadas de cartuchos de impressora foram descobertas antes de serem
carregadas a bordo de um avião que voava para Chicago. Em maio de 2010, um bombista
suicida da AQPA atacou o ensaio de um desfile militar para o Dia da Unidade, matando 120
pessoas e ferindo 200. Em dezembro de 2013, um ataque contra o ministério da Defesa fez
pelo menos 52 mortos. Entretanto, o fabricante das bombas da AQPA, o saudita Ibrahim
Hassan Tali al-Asiri, ganhou um respeito relutante por parte dos serviços secretos ocidentais
pela sua perícia – daí os 5 milhões de dólares de recompensa oferecidos pelos EUA pela sua
captura (Wuhayshi tinha a cabeça a prémio por 10 milhões de dólares). Existe talvez menos
respeito do Ocidente por Ali Abdullah Saleh. A sua política é frequentemente como ambígua,
não apenas pelas boas relações com os mujahedin nas décadas de 1980 e 1990: em 2010,
ofereceu-se para dialogar com a AQPA desde que esta renunciasse à violência, no entanto, no
mesmo ano também prometeu uma guerra total.
A AQPA dificilmente pode ser ignorada, e não apenas no Iémen e na Arábia Saudita.
Em janeiro de 2015, a AQPA reivindicou a responsabilidade pelo ataque perpetrados por dois
franceses descendentes de argelinos à redação da revista satírica Charlie Hebdo em Paris,
matando 11 cidadãos franceses.
Impacto humanitário
Com uma taxa de pobreza de mais de 50%, o Iémen era o país mais pobre do mundo
árabe mesmo antes do conflito. Um relatório da ONU de 2019 disse que o "grau de sofrimento
do país é quase sem precedentes", com mais de 20 milhões de iemenitas a lutar contra a
insegurança alimentar, metade dos quais estão à beira da fome. As doenças agravaram-se;
casos suspeitos de cólera atingiram cerca de setecentos mil em 2019. Embora apenas 1.600
casos da nova doença coronavírus, COVID-19, tenham sido oficialmente relatados, os
especialistas suspeitam que o número real de casos seja muito maior. Além disso, com o
aumento da pandemia, muitos países reduziram a ajuda ao Iémen, que tem um sistema de
saúde frágil e uma infraestrutura que foi devastada pela guerra.
Além disso, as Nações Unidas descobriram que tanto os Houthis quanto as forças da
coligação violaram o direito internacional humanitário atacando alvos civis, incluindo a
destruição por forças da coligação de um hospital administrado pela organização internacional
de ajuda Médicos Sem Fronteiras. Outras violações perpetradas por ambos os lados incluem
tortura, prisões arbitrárias e desaparecimentos forçados.
Embora o Acordo de Riade pareça ter fracassado quando o STC declarou autogoverno
em março, o regresso dos separatistas ao acordo aumentou as esperanças de que o Iémen
possa superar as suas divisões internas. Ainda assim, a paz entre o governo
internacionalmente reconhecido e os Houthis permanece ilusória, e especialistas temem que o
atrito persistente entre os atores regionais, incluindo Irão, Arábia Saudita e os Emirados
Árabes Unidos, possa significar que a guerra continuará. As causas subjacentes do conflito no
Iémen continuarão a ser difíceis de resolver.
ANDREWS, John. 2016. Os Grandes Conflitos Mundiais: uma análise estratégica mais perigosas
e as ameaças à estabilidade do nosso mundo. Lisboa: Clube do autor.