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José, um habitante do Rio de Janeiro de pela negra na condição de livre, mas que
outrora fora escravo, observava atentamente toda aquela movimentação. Logo que
avistou as caixas, sua curiosidade aumentou ainda mais. Mas ficou ali, de longe,
apenas olhando, até que pudesse surgir uma oportunidade de saciar sua
curiosidade.
Licença senhor. Mas posso perguntar o que tem dentro desses caixotes?
O homem se virou, olhou José dos pés à cabeça, com um certo desdém, devido a
cor de sua pele, mas mesmo assim resolveu responder.
Disse José Saraiva, um dos funcionários da Real Biblioteca, que havia partido de
Portugal junto com o acervo.
Não, o conteúdo dessas caixas é muito mais valioso que ouro e joias, pelo
menos para mim, para o Príncipe, provavelmente não.
Mais valioso? Do que se trata então? - Perguntou José, com um certo
espanto.
Dentro dessas caixas se encontra boa parte da Real Biblioteca de Portugal,
com livros e manuscritos que abrangem uma grande diversidade de
conhecimentos e assuntos. - Respondeu o homem.
José ficou pensando como livros e manuscritos poderiam ter mais valor que ouro,
afinal de contas, se tratava apenas de papel. Aquilo não fazia muito sentido para ele,
talvez porque ele não era letrado. Não saciada sua curiosidade, ele deu sequência a
conversa.
O senhor faz o que nessa biblioteca? Senhor Saraiva. Além de cuidar dos
livros, é claro. - Perguntou sorrindo.
Eu sou um servente, e meu primeiro serviço será organizar essa biblioteca no
local onde o Príncipe Regente nos disponibilizar, não farei isso sozinho, há
outras pessoas que estarão juntos nessa empreitada.
Ainda não existe um local pra ela?
Um local próprio ainda não, mas momentaneamente o acervo será alocado
próximo ao Paço Real, próximo do Príncipe..
Entendo. Mas se fosse tão importante pra ele, acho que ele já teria reservado
um lugar para a biblioteca. Será que o Príncipe não gosta muito de “lê”?
Não conheço muito bem os hábitos e atividades do nosso Príncipe, mas lhe
confesso que vi poucas vezes a figura dele na Real Biblioteca. Lógico que
quando ele necessitasse de algum item mandaria alguém para buscá-lo, mas
nos registros de retiradas do acervo, também vi poucas vezes o nome de D.
João.
Mesmo assim, certa vez ouvi-lhe dizendo que: “A Real Livraria é um símbolo
de cultura, além disso, auxiliara na resolução prática de questões de sociais,
servindo para uso da administração régia e dos vassalos.” - Continuou
Saraiva.
Vassalos? Então todos podem usar da biblioteca?
Não é bem assim José, ainda que o discurso seja esse, a biblioteca e seu
acervo estão disponíveis apenas para alguns membros da sociedade.
Provavelmente os de maior poder. - Retrucou José.
Mas que valor terá essa biblioteca aqui no Brasil, se a grande maioria das
pessoas nem vai poder ocupar-se dela? Sendo que boa parte é igual a mim,
iletrada. - Continuou.
A Real Biblioteca representa os projetos e aspirações de uma monarquia que
quer se mostrar culta e erudita, creio que seja essa a mensagem que D. João
quer passar aos reinos da Europa.
Para os brasileiros, como você mesmo dissestes, não será de grande uso em
um primeiro momento, exceto para algumas pessoas. Mas futuramente, isso
pode significar uma mudança na cultura desta terra. Estimulando a leitura
daqueles que já à dominam, estes por sua vez, poderiam propagar o ensino
da leitura aos iletrados. Sem contar, no rico conhecimento que este acervo
possui em diversas áreas, sem dúvidas trará grandes benefícios ao povo
daqui, mesmo que indiretamente.
Pensando assim, será muito bom mesmo, quem sabe um dia até eu aprenda
a “lê”. - Disse José, já em tom de despedida.
Boa sorte na empreitada, até mais ver, Senhor Saraiva.
Saraiva apenas o cumprimentou balançando a cabeça e se voltou ao trabalho, pois
tinha uma biblioteca para organizar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
SCHWARZ, Lilia Moritz. A longa viagem da Biblioteca dos Reis. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002. (da p. 119-151; da p. 167-181; da p. 261-285 e da p.
425-431).