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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS

Licenciatura em História – História do Brasil II


Professora Eliane Cristina Deckmann Fleck
Alexandre Lopes da Silva Data:19/03/2020. Sala: B06 100

UMA BIBLIOTECA PARA O BRASIL


Com o Brasil na condição de Reino Unido, juntamente com Portugal e Algarves,
consequência de ser a nova sede do reino, onde se encontrava a família real, mais
precisamente no Rio de Janeiro, ocorreram uma série de transformações
promovidas pelo príncipe regente, D. João VI, em busca do desenvolvimento do
Brasil, sendo um deles: a implementação da Biblioteca Real.

A maior acessibilidade ao papel e a criação da imprensa acarretou no aumento dos


acervos das bibliotecas, mas também, na sua relevância em solo Europeu. Sendo
assim, o número de bibliotecas também foi impulsionado, tendo em vista que toda
corte possuía a sua, além das coleções particulares de pessoas ávidas pela leitura e
que claro, tinham condições de possuir uma biblioteca particular.

Nos primeiros meses de 1810, partia de Portugal em direção ao Rio de Janeiro a


primeira leva de caixas contendo o acervo da Real Biblioteca. O local onde o navio
aportaria era bem movimentado, tanto pelas pessoas que lá trabalhavam, mas
também, por muitos curiosos, que gostavam de ver o “vai e vem” das embarcações,
além claro, de ouvirem as “novas” vindas de fora, principalmente da Europa. Um
dentre esses tantos curiosos era José da Silva.

José, um habitante do Rio de Janeiro de pela negra na condição de livre, mas que
outrora fora escravo, observava atentamente toda aquela movimentação. Logo que
avistou as caixas, sua curiosidade aumentou ainda mais. Mas ficou ali, de longe,
apenas olhando, até que pudesse surgir uma oportunidade de saciar sua
curiosidade.

Quase no final do descarregamento, José decide perguntar a um dos envolvidos do


que se tratavam as caixas.

 Licença senhor. Mas posso perguntar o que tem dentro desses caixotes?
O homem se virou, olhou José dos pés à cabeça, com um certo desdém, devido a
cor de sua pele, mas mesmo assim resolveu responder.

 Dentro desses caixotes se encontra um tesouro de incomparável estimação!


São algumas das maiores preciosidades do Príncipe Regente.

Disse José Saraiva, um dos funcionários da Real Biblioteca, que havia partido de
Portugal junto com o acervo.

José Silva logo achou que se tratava de um tesouro, e perguntou novamente.

 Ahh... Então carregam muito ouro e joias que pertencem ao Príncipe?

O homem esboçou um leve sorriso, balançou a cabeça negativamente e respondeu:

 Não, o conteúdo dessas caixas é muito mais valioso que ouro e joias, pelo
menos para mim, para o Príncipe, provavelmente não.
 Mais valioso? Do que se trata então? - Perguntou José, com um certo
espanto.
 Dentro dessas caixas se encontra boa parte da Real Biblioteca de Portugal,
com livros e manuscritos que abrangem uma grande diversidade de
conhecimentos e assuntos. - Respondeu o homem.

José ficou pensando como livros e manuscritos poderiam ter mais valor que ouro,
afinal de contas, se tratava apenas de papel. Aquilo não fazia muito sentido para ele,
talvez porque ele não era letrado. Não saciada sua curiosidade, ele deu sequência a
conversa.

 E você veio de lá também senhor ...?


 Saraiva. José Lopes Saraiva. - Interrompeu o homem.
 E Sim vim de Portugal também, da cidade de Lisboa
 É um prazer senhor Saraiva, me chamo José da Silva.
 Igualmente.
 Estes livros devem ser muito importantes para o Príncipe, não é mesmo? Pra
virem de tão longe.
 Deveriam ser, mas tivemos que insistir diversas vezes para que pudéssemos
trazê-los ao Brasil. Sempre o alertávamos do perigo iminente dos franceses.
 Franceses?
 Sim, estamos em guerra contra a França, e se caso eles voltassem a invadir
Portugal, poderiam se apossar dos livros da biblioteca de nosso Príncipe,
quem sabe até destruí-los. Na verdade, esse risco ainda existe, pois, só
vieram uma parte dos livros.
 Ainda tem mais? - Pergunta José, com uma cara de espanto.
 Claro. A Real Livraria conta com mais de sessenta mil peças, entre livros,
manuscritos, mapas, gravuras, moedas e medalhas dentre outros objetos.
 Esses livros e essas outras coisas foram todas compradas pelo Príncipe?
 Boa parte sim, muitas bibliotecas particulares foram compradas pelo Príncipe,
algumas foram doações à nossa Majestade e outras advieram de “propinas”,
que são doações feitas ao Estado de um ou mais livros de cada edição
produzida pela Real Tipografia, órgão onde eram impressos os livros em
Portugal.
 Entendo. Mas senhor Saraiva, para possuir tanta coisa assim deve se tratar
biblioteca muito antiga, não é mesmo?
 Na verdade, uma parte do acervo da biblioteca, já existia antes mesmo de
sua fundação. Lisboa foi atingida por um grande terremoto em 1755, que
acabou por gerar um incêndio que por sua vez queimou grande parte da Real
Livraria. Desde então, iniciou-se uma grande empreitada para sua
recomposição, com os livros advindo de onde lhe falei agora há pouco.

Gostando do assunto, da educação e da atenção que o Saraiva demostrou para com


ele, José seguiu olhando o transporte das caixas até mais perguntas surgirem em
sua mente. A primeira foi:

 O senhor faz o que nessa biblioteca? Senhor Saraiva. Além de cuidar dos
livros, é claro. - Perguntou sorrindo.
 Eu sou um servente, e meu primeiro serviço será organizar essa biblioteca no
local onde o Príncipe Regente nos disponibilizar, não farei isso sozinho, há
outras pessoas que estarão juntos nessa empreitada.
 Ainda não existe um local pra ela?
 Um local próprio ainda não, mas momentaneamente o acervo será alocado
próximo ao Paço Real, próximo do Príncipe..
 Entendo. Mas se fosse tão importante pra ele, acho que ele já teria reservado
um lugar para a biblioteca. Será que o Príncipe não gosta muito de “lê”?

Saraiva olhou fixamente para José, deu um sorriso irônico, e respondeu:

 Não conheço muito bem os hábitos e atividades do nosso Príncipe, mas lhe
confesso que vi poucas vezes a figura dele na Real Biblioteca. Lógico que
quando ele necessitasse de algum item mandaria alguém para buscá-lo, mas
nos registros de retiradas do acervo, também vi poucas vezes o nome de D.
João.
 Mesmo assim, certa vez ouvi-lhe dizendo que: “A Real Livraria é um símbolo
de cultura, além disso, auxiliara na resolução prática de questões de sociais,
servindo para uso da administração régia e dos vassalos.” - Continuou
Saraiva.
 Vassalos? Então todos podem usar da biblioteca?
 Não é bem assim José, ainda que o discurso seja esse, a biblioteca e seu
acervo estão disponíveis apenas para alguns membros da sociedade.
 Provavelmente os de maior poder. - Retrucou José.
 Mas que valor terá essa biblioteca aqui no Brasil, se a grande maioria das
pessoas nem vai poder ocupar-se dela? Sendo que boa parte é igual a mim,
iletrada. - Continuou.
 A Real Biblioteca representa os projetos e aspirações de uma monarquia que
quer se mostrar culta e erudita, creio que seja essa a mensagem que D. João
quer passar aos reinos da Europa.
 Para os brasileiros, como você mesmo dissestes, não será de grande uso em
um primeiro momento, exceto para algumas pessoas. Mas futuramente, isso
pode significar uma mudança na cultura desta terra. Estimulando a leitura
daqueles que já à dominam, estes por sua vez, poderiam propagar o ensino
da leitura aos iletrados. Sem contar, no rico conhecimento que este acervo
possui em diversas áreas, sem dúvidas trará grandes benefícios ao povo
daqui, mesmo que indiretamente.
 Pensando assim, será muito bom mesmo, quem sabe um dia até eu aprenda
a “lê”. - Disse José, já em tom de despedida.
 Boa sorte na empreitada, até mais ver, Senhor Saraiva.
Saraiva apenas o cumprimentou balançando a cabeça e se voltou ao trabalho, pois
tinha uma biblioteca para organizar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

SCHWARZ, Lilia Moritz. A longa viagem da Biblioteca dos Reis. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002. (da p. 119-151; da p. 167-181; da p. 261-285 e da p.
425-431).

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