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Texto 1
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Haveria, ainda hoje, sentido em se buscar a filosofia para definir a educação? O que
Para aqueles que a ela não foram introduzidos, a filosofia passa freqüentemente por ser
um conhecimento abstrato e distante de tudo o que se vive, e o seu ensino uma longa
enumeração de respostas que autores do passado remoto forneceram a questões que não são
mais as nossas, que jamais nos ocorreria interrogar. Em uma palavra, um conhecimento… inútil
acomodamento mental, isso nem sempre foi assim: no passado, longe de nascer das
resistências que a reflexão pode engendrar face ao imediatismo e à rapidez que nosso estilo de
vida comporta atualmente, ela se constituiu numa reação contra o poder dogmático que em
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filosofia da educação
nome da filosofia foi exercido pelo Estado, pela tradição ou pelos religiosos. A substituição da
século passado, em função da crescente confiabilidade que esse último alcançou, e foi
finalmente selada, em nossos tempos, pela definitiva adoção da identidade que as «ciências da
metafísico que, desde a antigüidade até pelo menos o século XVII, dominou a educação,
refere à definição da prática educacional, que teria sido libertada da dependência das verdades
definidas de uma vez por todas pela metafísica. Antes, o fazer educativo era apenas um espaço
de aplicação das leis e determinações absolutas engendradas pela especulação; com o advento
da ciência, introduz-se uma atitude radicalmente diferente, que enfatiza e valoriza a criação e
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Franco Cambi, História da Pedagogia. São Paulo: Ed. UNESP, 1999, p. 402.
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filosofia da educação
experimentação de novos métodos e procedimentos técnicos para o ensino, tanto quanto para
exploração das ciências humanas – feitas, agora, «ciências da educação». Assim, a influência da
filosofia foi sendo substituída pela autoridade do conhecimento científico, que, à medida que
quantos são os ramos da ciência e, em seu interior, as correntes assumidas pelos cientistas.
fonte de construção dos sentidos do que é a educação, de suas finalidades, de como e porque
se deve ensinar. E, de fato, para muitos, sem o aval que a crença numa verdade absoluta e
incorruptível lhe outorgava, isso é, sem poder recorrer à autoridade metafísica, que a ciência
havia destronado, a filosofia teria que ter seu papel definitivamente reduzido. De disciplina
específica e soberana, que anunciava as verdades que nada nem ninguém poderia contestar,
tudo a que ela poderia aspirar, de agora por diante, era ao posto de uma reflexão que as
ciências deveriam manter sobre sua própria prática – sobre seu método, sobre sua coerência
investigador.
Mas, paralelamente a essa redução a que foi submetida pela ciência, que a tornou uma
etapa especializada de seu fazer investigativo, a filosofia se viu – como, por exemplo, no caso da
política e da educação – objeto do movimento oposto, que a ampliou de uma forma inaudita.
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filosofia da educação
Assim, no início do século, Antonio Gramsci proclamava: «todos são filósofos»!2 No campo da
partir dos anos 1980, vindo somar-se a uma tendência mais antiga, de designar como filosofia
não mais uma atividade conscientemente realizada, mas, genericamente, um «modo de ser» de
um indivíduo ou de um grupo:
Ou, como resumiu o autor dessas palavras, o educador Anísio Teixeira: «conforme o tipo
de experiência de cada um, será a filosofia de cada um»4. Face à decadência dos grandes
sistemas teóricos e das verdades que produziam, a filosofia já pode ser confundida com a
É bem verdade que essa definição mais «democrática» da filosofia rompia com o
elitismo que consistia em reservar o saber a uma pequena elite afastada do cotidiano dos seres
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Antonio Gramsci, Introdução ao estudo da filosofia e do materialismo histórico. Alguns pontos de referência
preliminares, in Obras escolhidas. Lisboa: Editorial Estampa, 1974, p. 25.
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Anísio Teixeira, Pequena introdução à filosofia da educação – A Escola Progressiva ou A Transformação da Escola.
6 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. p. 170)
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Id., ibid., p. 170.
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Id., ib., p. 168.
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filosofia da educação
filosofia se realiza sempre e em toda parte, espontâneamente, sem que seja necessária
essa tendência por ocultar o que significou, em sua origem, a invenção da filosofia. Pois a
filosofia não começou como um «pensar» genérico, nem apareceu do movimento irrefletido
projeto de crítica e superação dos dogmas e das dominações, ao projeto de autonomia. Decerto
esta vocação original da filosofia foi muito cedo interrompida, para começar com a escola
platônica, que se opôs firmemente a mais de duzentos anos de tradição democrática; e não há
como negar que a história da filosofia é uma história elitista. Mas também é preciso dizer que
foi como luta contra este elitismo que as mais belas páginas filosóficas foram escritas. Há que se
temer que a naturalização da filosofia leve não só a desperdiçar esse rico patrimônio que é o de
nosso pensamento, mas, o que é ainda pior, a que nossa atualidade rompa definitivamente com
ele, tornando-se cegamente submissa aos novos dogmas e dominações de nossa sociedade.
pesquisador ou homem comum, a filosofia torna-se o campo das escolhas, dos valores. Mas –
questão que os filósofos nunca deixaram de fazer – em que então a filosofia, a reflexão, se
apoiaria, para fundamentar essa decisão? Como, para a modernidade, a filosofia só é atividade
especializada se ela se fizer «científica», a resposta mais evidente é: ela deveria se amparar na
a imensidão do terreno sobre o qual se debruça o «pensar» e o agir humano, como garantir, em
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filosofia da educação
toda parte e sempre, o domínio das regras científicas? É preciso convir que é impossível fazer
caber a realidade humana nos estreitos limites da racionalidade científica. Assim, deduz Anísio
Teixeira, tudo que não decorre das certezas rigorosas da razão, deve ser comparado à arte, à
profecia… à crença:
Haveria, pois, uma produção científica da educação que teria por tarefa a identificação
uma produção filosófica da educação, que, mantida e apoiada pela própria racionalidade
científica, estaria presente e atuante nas «ciências da educação». Quanto àquilo que a razão
não pode afiançar, essa seria uma elaboração filosófica que, não podendo se converter em
ciência, deveria permanecer como intuição, como «visão», como «hipótese de valor».
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Id., ibid., p. 168.
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social – esteve inteiramente subjugada pela valorização do saber, ou dos saberes científicos.
Essa confiança na razão foi tão desmesurada que aquilo que se apresentara originalmente como
resposta de ruptura do dogmatismo da metafísica, acabou por se tornar como um novo dogma.
E, tal como ocorrera com a filosofia, ainda que abrindo espaço para muitos inegáveis avanços, a
disfórmica e conflituosa, sobre o enigma humano, sobre o enigma da educação estão na base
do dogma científico e toda a mistificação em torno dos «métodos» geniais, das «técnicas» todo-
social resulta a incapacidade de lidar com o que não pode ser inteiramente determinado,
De modo que se, sob a influência científica, o fazer educacional de fato se «emancipou»
das concepções dogmáticas da filosofia, que o reduziam a mero terreno de aplicação de suas
verdades, foi só para melhor se submetê-lo ao domínio da autoridade científica – que, ela
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filosofia da educação
ele existe como criação permanente de um sentido sempre singular, e como deliberação
racional e razoável que só a liberdade pode colocar em perspectiva, acabou mais uma vez sendo
ocultada.
e coletiva, a filosofia não é a atividade espontânea pela qual as sociedades criam seus costumes,
criação. Ela é a busca de definição, em primeiro lugar, do espaço que cabe à deliberação e à
coletivamente, como política, nessa acepção que, em grande escala, o autor mencionado
pensamento metafísico pode ser avaliada pelo que dela resultou, ou pelo seu «fracasso»: mais
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Cornelius Castoriadis, «O fim da filosofia?» in Encruzilhadas do Labirinto III – O Mundo fragmentado. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 235.
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filosofia da educação
Essa dimensão instituinte do fazer educativo foi proclamada com insistência durante o
período da Revolução Francesa, que redescobriu a direta relação entre este fazer e a instituição
política da sociedade. Decorre daí uma nova definição filosófica da educação, uma definição
política. Aos poucos, porém, em face das exigências de construção de uma sociedade nova e
unificada, a autoridade científica foi retomando o poder que havia sido subtraído ao dogma: a
Não se pode dizer que essas definições especializadas da educação tenham liberado o
descontrolada ambição de domínio racional da realidade. Como diria Agnes Heller, hoje
sabemos que tudo tem seu preço. Mas nem por isso nos tornamos mais capazes de interferir,
coletivamente, sobre esses processos. Nem por isso nos tornamos mais imunes à sedução do
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função da filosofia.
disputando o privilégio de fornecer a definição acabada e total para a educação, sob a forma da
resposta mais conveniente para os dilemas que ela coloca. Mas a tentação de fornecer as
filosofia da modernidade.
sob esse aspecto, sua contribuição para a definição filosófica da educação é inegável, ainda que
pouco explorada. No entanto, ele julgou poder estabelecer não só os fundamentos universais e
reduziriam a educação a uma simples questão de método. Todavia, qualquer «definição» que
parta apenas das determinações que pesam sobre a natureza humana e social, e não,
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filosofia da educação
Começa com Platão, diz Cornelius Castoriadis, a crença de que se possa encontrar uma
teoria única e válida para todas as questões sobre o humano, uma ontologia unitária, da qual,
em seguida, se tenta derivar o regime político ideal. É essa a «torção e a distorção» que sofrem,
Em fins do século XIX, Friedrich Nietzsche afirmava que só seríamos de fato «modernos»
quando, enterrando de uma vez por todas a tradição platônica, abraçássemos definitivamente o
nihilismo. Não haveria, então, outra opção, para superar o ideal do saber absoluto?
Não são poucos os que, buscando evitar os erros modernos, acabam por ceder ante
outras seduções, como a do subjetivismo e do relativismo das concepções que pretendem que
nada é possível dizer sobre o humano, e que suspeitam das intenções dominadoras de todo
projeto educativo. Dessa forma, alguns críticos pós-modernos renunciam à filosofia como práxis
Mas não há método, ou regra, ou receita, que garanta antecipadamente o êxito de uma
empreitada em que se trata, na verdade, de socializar os indivíduos, com base nas instituições
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Idem, p. 236-237.
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filosofia da educação
Não há método, ou regra, ou receita eficaz para garantir que se vai desistir para sempre
como um obstáculo, mas como uma condição essencial da construção comum da educação. Não
que se trata de realizar, a cada dia, a descoberta do imponderável da criação, com base em
todas as teorias e métodos e técnicas que, tomados dogmaticamente, acabam por ocultá-la.
Não há método, ou regra, ou receita, que garanta antecipadamente o êxito do fazer educativo.
Eis o que é próprio da definição filosófica da educação: à luz do projeto de autonomia humana,
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ANÍSIO TEIXEIRA
Na medida de nossas forças, construímos, então, uma filosofia e a ela nos acomodamos, tão bem
como tão mal, em nossa ânsia e inquietação de compreender e de pacificar o espírito. Tais
filosofias individuais não se articulam, porém, em sistemas filosóficos. Esses, quando não são
criações pedantes de gabinete, mas expressões reais de filosofia, representam e caracterizam
uma época, um povo ou uma classe de pessoas. Porque, no sentido realístico de que falamos de
filosofia, tal seja a vida, tal seja a civilização, tal será a filosofia. A filosofia de um grupo que luta
corajosamente para viver, não é a mesma de outro cujas facilidades transcorrem em uma
tranqüila e rica abundância. Conforme o tipo de experiência de cada um, será a filosofia de cada
um…
TEIXEIRA, A. Pequena introdução à filosofia da educação –
A Escola Progressiva ou A Transformação da Escola.
6 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000, p. 170.
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CORNELIUS CASTORIADIS
Um filósofo escreve e publica porque crê que tem coisas verdadeiras e importantes
a dizer, mas, também, porque quer ser discutido. Ser discutido implica a
possibilidade de ser criticado e, eventualmente, refutado. E todos os grandes
filósofos do passado – inclusive Kant, Fichte e Schelling – explicitamente discutiram,
criticaram e refutaram – ou pensaram que refutaram – seus predecessores.
Pensavam, com razão, que pertenciam a um espaço social-histórico público e
transtemporal, na ágora trans-histórica da reflexão, e que sua crítica pública dos
outros filósofos era um fator essencial da manutenção e do alargamento desse
espaço como sendo de liberdade (…).
(…) É por isso que, para um filósofo, não pode haver história da filosofia a não ser
crítica. A crítica pressupõe evidentemente o esforço mais laborioso e mais
desinteressado para compreender a obra crítica. Mas ela exige também uma
vigilância constante quanto às limitações possíveis desta obra, limitações que
resultam do fechamento quase inevitável de toda obra de pensamento que
acompanha a sua ruptura com o fechamento precedente.
Id., p. 243-244.
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IMMANUEL KANT
O homem é a única criatura que precisa ser educada. Por educação entende-
se o cuidado de sua infância (a conservação, o trato), a disciplina e a instrução
com a formação. Conseqüentemente, o homem é infante, educando e
discípulo. (…) A disciplina transforma a animalidade em humanidade. Um
animal é por seu próprio instinto tudo aquilo que pode ser; uma razão
exterior a ele tomou por ele antecipadamente todos os cuidados necessários.
Mas, o homem tem necessidade de sua própria razão. Não tem instinto, e
precisa formar por si mesmo o projeto de sua conduta. Entretanto, porque ele
não tem a capacidade imediata de o realizar, mas vem ao mundo em estado
bruto, outros devem fazê-lo por ele.
KANT, I. Sobre a Pedagogia. Piracicaba: UNIMEP, 1996. pp. 11-12.
O homem não pode tornar-se um verdadeiro homem senão pela educação. Ele
é aquilo que a educação dele faz. Note-se que ele só pode receber esta
educação de outros homens, os quais a receberam igualmente de outros.
Portanto, a falta de disciplina e de instrução em certos homens os torna
mestres muito ruins de seus educandos. Se um ser de natureza superior
tomasse cuidado da nossa educação, ver-se-ia, então, o que poderíamos nos
tornar. Mas, assim como, por um lado, a educação ensina alguma coisa aos
homens e, por outro lado, não faz mais que desenvolver nele certas
qualidades, não se pode saber até onde nos levariam as nossas disposições
naturais.
Id., p. 15.
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HANNAH ARENDT
A filosofia tem duas boas razões para não se limitar a apenas encontrar o lugar
onde surge a política. A primeira é:
a) Zoon politikon: como se no homem houvesse algo político que pertencesse à
sua essência – conceito que não procede; o homem é a-político. A política
surge no entre-os-homens; portanto, totalmente fora dos homens. Por
conseguinte, não existe nenhuma substância política original. A política surge
no intra-espaço e se estabelece como relação. Hobbes compreendeu isso.
b) A concepção monoteísta de Deus, em cuja imagem o homem deve ter sido
criado. Daí só pode haver o homem, e os homens tornam-se sua repetição mais
ou menos bem-sucedida. O homem, criado à imagem da solidão de Deus, serve
de base ao state of nature as a war of all against all, de Hobbes. É a rebelião de
cada um contra todos os outros, odiados porque existem sem sentido – sem
sentido exclusivamente para o homem criado à imagem da solidão de Deus.
ARENDT, H. O que é política. Rio de Janeiro: Bretrand Brasil, 1998. p. 23 .
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