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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS

PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA

REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO


DO ESTADO DE GOIÁS

ANO XII – N.17 – MARÇO DE 2009

GOIÂNIA – GOIÁS
Escola Superior do
Ministério Público
do Estado de Goiás

Diretora: Estela de Freitas Rezende

Conselho Editorial: Analice Borges Loyola - Procuradora de Justiça


Denis Augusto Bimbati Marques - Promotor de Justiça
Estela de Freitas Rezende - Promotora de Justiça e Diretora da ESMP
Fabiana Lemes Zamalloa do Prado - Promotora de Justiça
Marcelo Henrique dos Santos - Promotor de Justiça
Marta Moriya Loyola - Promotora de Justiça
Murilo de Morais e Miranda - Promotor de Justiça
Regina Márcia Himenes dos Santos - Promotora de Justiça
Sandra Mara Garbelini - Promotora de Justiça
Simone Disconsi de Sá Campos - Promotora de Justiça

Revista do Ministério Público de Goiás - , n.17 (janeiro/março 2009)


- . - Goiânia: ESMP-GO,1996 -
v.; 22cm.
116p.
Trimestral
ISSN 1809-5917
1. Direito – periódicos. Escola Superior do Ministério Público de Goiás.
CDU 34 (051)
Ficha catalográfica: Tânia Gonzaga Gouveia – CRB 1842

A responsabilidade dos trabalhos publicados é exclusivamente de seus autores.

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Editoração: Ana Holowate


Capa: Equipe de Criação e Arte da ESMP-GO
Foto Capa: Material ilustrativo das etapas do Projeto MP ouve a Academia
Edição e Organização: Elaine Borges- JP – 00836/GO
Impressão: GRAFSET Gráfica e Editora Ltda. (62) 3241-2577
Revisão ortográfica: Mirela Adriele da Silva
Tiragem: 1000 exemplares

Ministério Público do Estado de Goiás


Procuradoria-Geral de Justiça
Procurador-Geral de Justiça: Dr. Eduardo Abdon Moura
Escola Superior do Ministério Público do Estado de Goiás – ESMP-GO
Rua 23, esquina c/AV. Fued José Sebba, Qd.06, Lts, 15/24. Jardim Goiás - Goiânia-GO
CEP: 74.805-100 Fone (62) 3243-8000
e-mail: esmp@mp.go.gov.br
http://www.mp.go.gov.br
SUMÁRIO

Apresentação .................................................................................................05

ARTIGOS

Infância perdida.............................................................................................07
Mirella Camarota Pimenta

Depoimento sem dano ...................................................................................21


Bruna Nogueira Almeida Ratke

Violência intrafamiliar e a síndrome do segredo ...........................................33


Silvana Antunes Vieira Nascimento

Para Miguilim poder sorrir: reflexões sobre a importância de ações


intersetoriais de prevenção da violência intrafamiliar contra crianças
e adolescentes ................................................................................................41
Jaqueline Luvisotto Marinho

A violência sexual contra crianças e adolescentes. Ações públicas de


proteção na área do abuso ou exploração sexual ...........................................47
Marcos Gardene Carvalho Gomes

Considerações sobre a violência no contexto escolar ....................................53


Renata de Matos Lacerda Becker

Violência no meio escolar.............................................................................59


Paulo Rangel de Vieira

Anencefalia e o direito à vida ........................................................................63


Alberto Francisco Cachuba Júnior

A relação homoafetiva à luz do Estado Democrático de Direito ...................69


Guilherme Vicente de Oliveira

Mulher ou Estado: quem decide sobre o aborto do feto anencéfalo? ............73


Lucrécia Cristina Guimarães

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A atipicidade do aborto do feto anencéfalo nos casos dos artigos
124 e 126 do Código Penal............................................................................81
Vinícius Nascimento Santos

Problemática da adoção por homossexuais ...................................................87


Caroline Ianhez

Biodireito e união homoafetiva .....................................................................95


Wagner de Magalhães Carvalho

Violência em meio escolar: um breve diagnóstico ........................................99


Ana Carolina Portelinha Falconi

A violência no meio escolar: prevenção e combate .....................................107


karina Gomes e Silva

O “Tipo Conglobante” de Eugenio Raul Zaffaroni e a atipicidade do


abortamento de feto anencefálico................................................................111
Marcelo de Freitas

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APRESENTAÇÃO

Consiste este número da Revista do Ministério Público do


Estado de Goiás em Edição Especial, aglutinadora de artigos
jungidos ao Projeto Ministério Público Ouve a Academia.
Componente do “Programa de Formação Continuada e
Aperfeiçoamento de Membros e Servidores do MP-GO”, o Projeto
funda-se no pressuposto de que o Ministério Público Contemporâneo
exige o pensar e o agir sistêmicos.
Nesse ritmo, celebra a multidisciplinaridade, com espeque no
entendimento de que quanto mais variados forem os ângulos de
percepção de um problema, tanto maiores as probabilidades de sua
solução. E mais: de solução criativa, por vezes não convencional,
propiciando contornar as não raro insuficientes ou ineficazes fórmulas
pré-estabelecidas.
Outrossim, esteia-se no estreitamento de laços com a
Academia, convicto o MP-GO de que o aprimoramento profissional e
cultural de seus integrantes dela não pode prescindir.
Estruturado na forma de minicursos ministrados por
pesquisadores de variadas áreas do conhecimento, o Projeto possui as
seguintes etapas já desenvolvidas:

?
Antropologia, ética e direitos humanos;
?
Direito Processual Penal: crítica, sistema e mecânica quântica;
?
Violência sexual contra crianças e adolescentes: prevenção e tratamento;
?
Bioética: desafios;
?
Prevenção à violência no meio escolar e resolução não violenta de conflitos.
Esses são os temas que servem de mote aos artigos aqui reunidos.
Conselho Editorial da Revista do MP-GO.

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6 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009
INFÂNCIA PERDIDA

Mirella Camarota Pimenta*

Resumo:
Grande parte dos casos de violência contra crianças e adolescentes
acontece nas próprias casas e são perpetrados por adultos cujo dever é
proteger e assegurar o desenvolvimento bio-psicossocial saudável para
esses menores. São pais, mães, padrastos, madrastas, avôs, avós, irmãos
mais velhos, tios, acima de tudo, pessoas em quem a criança confia e
respeita. O abuso sexual é toda uma situação de aproveitamento,
utilização, exploração e violência que tem como objeto os atos sexuais.
O objetivo deste texto é demonstrar a dinâmica do abuso sexual infantil e
permitir que os profissionais que lidam com a infância e juventude
intervenham antes que a situação de violência se instale.

Palavras-chave: violência, família, abuso sexual.

A família é um lugar privilegiado de socialização e educação


para as novas gerações, pois, além da transmissão da vida, possibilita
a inserção de significados, valores, pertença, respeito e diálogo.
Oferece oportunidades para o enfrentamento e superação de
conflitos, disputas, ausências, escassez e agressividade.
Entretanto, nem sempre a vida transcorre de maneira ideal
e corresponde aos desejos de bem-estar imprescindível à formação
do ser humano. Nem sempre os pais ou cuidadores comportam-se
da forma adequada, ocasionado situações de risco e violências
vivenciadas por crianças dentro de suas próprias casas.
A violência é uma questão que permeia a condição
humana, constituindo-se em uma das grandes preocupações

*
Bacharel em Direito pela Universidade de Rio Verde-GO (FESURV),
acadêmica do curso de Psicologia na mesma instituição, Secretária Auxiliar do
quadro de servidores do Ministério Público do Estado de Goiás, lotada na 4ª
Promotoria de Justiça da Comarca de Rio Verde, MP-GO.

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mundiais. Afeta a sociedade como um todo, grupos, famílias e o
indivíduo de forma isolada.
A violência contra a criança é a forma mais presente dentro
do contexto de violência familiar, em destaque a violência sexual
infantil que tem aparecido nas últimas décadas como a grande
preocupação social.
O abuso sexual infantil é o delito menos denunciado pela
sociedade por implicar grandes impactos físicos e emocionais para
aqueles que a ela são expostos. Suas taxas de ocorrência são
provavelmente mais elevadas do que as estimativas existentes. Na
maioria dos casos nunca é revelado devido aos sentimentos de
culpa, vergonha, ignorância e tolerância da vítima.

Violência intrafamiliar

Levisky (2000), em seu estudo sobre a família, procura


discutir o papel de seus membros considerando que na família da
sociedade atual o pai é o simbólico e orientador e sinaliza o eixo e
os limites, enquanto o elemento materno é continente e provedor.
Mas estes contingentes estão esmaecidos, confusos, ambivalentes
quanto aos seus papéis e valores a serem transmitidos. A mulher
conquistou novos espaços na sociedade, mas, em contrapartida,
grandes perdas estão ocorrendo na qualidade das primeiras
relações mãe-bebê e na realização da função materna. Estes
fenômenos são devidos, em parte, às transformações rápidas,
difíceis de serem acompanhadas, uma característica marcante da
cultura vigente.
Conforme Papalia e Olds (2000, p. 170):

Os pais são as pessoas mais importantes na vida de


uma criança e aqueles cuja aprovação é o que mais
importa no mundo. Por meio do referencial social e
a leitura das respostas emocionais dos pais a seu
comportamento, as crianças absorvem
continuamente informações acerca das condutas
que são aprovadas por eles. À medida que as
crianças processam, armazenam e agem com base
nestas informações, seu forte desejo de agradar os
pais as leva a fazer o que sabem que seus pais

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desejariam, quer estejam ou não presentes. Esse
desenvolvimento da auto-regulação dá-se em
paralelo com o desenvolvimento das emoções de
autoconsciência como empatia, vergonha e culpa.
Ele exige flexibilidade e capacidade de esperar
pela gratificação.

No que se refere à organização familiar, a descrição em


termos gerais pressupõe uma visão de família organizada, com
enfrentamento de eventos exteriores e uma administração interna,
mas encontra recursos em si mesma e em seu ambiente para retornar
a um estado que lhe represente equilíbrio. Entretanto, nem sempre é
esta a situação verificada nos grupos familiares, os estudos enfatizam
os relatos de violência intrafamiliar relacionados a abuso emocional,
físico e sexual, além da negligência e do abandono.
A violência sexual é uma prática criminosa que atinge
pessoas de todas as classes sociais e de todas as formações culturais
diversificadas.
Para Gabel (1997) os abusos sexuais domiciliares,
considerados incestos, têm como característica preponderante uma
cumplicidade entre o agressor e a vítima, efetuada pelos laços
afetivos entre ambos. Tal característica evidencia uma forte
incidência de deformações de caráter e comportamento seguidos de
distúrbios cognitivos.

O incesto é poderoso. Sua devastação é maior do


que as violências sexuais não incestuosas contra a
criança, porque o incesto se insere nas
constelações das emoções e dos conflitos
familiares. Não há um estranho de que se possa
fugir, não há uma casa pra onde se possa escapar. A
criança não se sente mais segura nem mesmo em
sua própria cama. A vítima é obrigada a aprender a
conviver com o incesto; ele abala a totalidade do
mundo da criança. O agressor está sempre presente
e o incesto é quase sempre um horror contínuo para
a vítima. (FOWARD e BUCK, 1989, citado por
HABIGZANG; CAMINHA, 2004, p. 30)

É muito importante que as mães confiem nos filhos, mesmo


que lhes pareça absurdo, pois essa relação de confiança favorece a

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prevenção e oferece apoio, propiciando uma relação de
cumplicidade em que se molda o caráter e se forma a personalidade.
De acordo com Araújo (2002), a violência intrafamiliar
nunca deixou de ocorrer, sempre foi amparada pela impunidade,
ineficiência de políticas públicas, ineficácia das práticas de
intervenção e prevenção e, principalmente, pela cumplicidade
silenciosa dos envolvidos: a vítima ameaçada, parentes não
agressores que omitem a denúncia, profissionais que desconhecem
seus direitos e deveres para com o cumprimento da ordem e a
sanidade da vítima.
Segundo Day, Telles e Zoratto (2003), a violência
intrafamiliar refere-se a toda ação ou omissão que prejudique o
bem-estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o
direito ao pleno desenvolvimento de um membro da família. Pode
ser cometida dentro e fora de casa, por qualquer integrante da
família que esteja em relação de poder com a pessoa agredida.
Inclui também as pessoas que estão exercendo a função de pai ou
mãe, mesmo sem laço de sangue.

Tipos de abusos contra crianças e adolescentes

Vários fatores tornam a criança mais vulnerável a sofrer


agressão física no ambiente doméstico, como os individuais (sexo,
idade), os familiares (problemas de saúde mental, história de
punição física na infância, violência conjugal) e os socioculturais
(pobreza e má distribuição de renda, normas e valores culturais,
suporte social). Quando presentes os maus-tratos, podem ser
observados prejuízos à criança a curto e longo prazo, incluindo
danos à saúde em geral, bem como problemas de saúde mental
(ansiedade, depressão, isolamento social, suicídio, abuso de
drogas, transtorno de conduta, delinquência):

Pais que cometem abuso físico, psicológico ou


sexual contra seus filhos tendem a apresentar
práticas educativas baseadas no controle através da
punição. O comportamento do filho é seguido por
punição física, como surras e espancamentos; o
comportamento do filho é seguido por ameaças de
rejeição, de abandono, de demonstrações de
desamor; o cuidador abusa sexualmente da

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criança, incutindo na vítima sentimentos de co-
autoria e de culpa. (PADILHA e WILLIAMS,
2004, p. 287)

A literatura aponta categorias básicas de maus-tratos


contra crianças e adolescentes: abuso físico, abuso emocional ou
psicológico e abuso sexual.
Segundo Braunet et al. (2002), citado por Habigzang e
Caminha (2004), o abuso físico é compreendido como qualquer
ação, única ou repetida, não acidental (intencional), na qual o
adulto usa de sua força física para causar dor e desconforto à
criança. A relação de força baseia-se no pretenso poder
disciplinador do adulto e na desigualdade adulto-criança. Esse tipo
de abuso, como os demais, tem tendência de progressão
ascendente, podendo evoluir de um puxão de orelha a um tapa, uso
de cinto, cabo de vassoura, até atingir queimaduras por cigarro ou
ferro elétrico, etc. Os abusos físicos podem deixar marcas como
hematomas, escoriações, fraturas e queimaduras, e, em muitos
casos, chegam a levar a criança à morte. É extremamente danosa
para a vítima do ponto de vista emocional, pois é acompanhada de
abusos emocionais. A criança agredida fisicamente é, na maioria
das vezes, depreciada por meio de agressões verbais.
Conforme Veltman e Brownw (2001), citados por Padilha e
Williams (2004), crianças abusadas fisicamente tendem a ser
agressivas com pares e adultos e a apresentar desempenho pobre
em avaliações cognitivas padronizadas. A punição física
exagerada e incontrolável encontrada em lares abusivos pode
resultar em desamparo aprendido, ansiedade, depressão,
sentimentos de menos-valia e baixa autoestima.
O abuso emocional, para Braun et al. (2002), citado por
Habigzang e Caminha (2004), também chamado de abuso
psicológico, abrange rejeição, isolamento, depreciação,
desrespeito, discriminação, corrupção, punição ou cobranças
exageradas do adulto em relação à criança ou adolescente. Ele é
evidenciado pelo prejuízo à competência emocional da vítima, isto
é, a capacidade de amar os outros e de sentir-se bem a respeito de si
mesma. São atos de hostilidade e agressividade que podem
influenciar a autoimagem e a autoestima da criança e do

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adolescente. Compreende situações na qual o adulto agride
verbalmente a criança e não reconhece seu valor, bem como suas
necessidades.
De acordo com Kairys e Jonhson (2002), citados por
Padilha e Williams (2004), o abuso psicológico está
correlacionado com características dos pais: habilidades parentais
pobres, abuso de substâncias, tentativas de suicídio, baixa
autoestima, habilidades sociais pobres, falta de empatia, estresse
social, violência conjugal.
Conforme Braun et al. (2002), citado por Habigzang e
Caminha (2004), no abuso sexual as práticas eróticas e sexuais são
impostas às crianças ou aos adolescentes por violência física ou
ameaça de sua vontade. Pode compreender desde atos em que não
existam contatos físicos, mas que envolvam o corpo (assédio,
voyeurismo, exibicionismo), a diferentes tipos de atos com contato
físico, sem penetração (sexo oral, intercurso interfemural) ou com
penetração (digital, com objetos, intercurso genital ou anal).
Segundo Reppold et al. (2002), citado por Padilha e
Williams (2004), o abuso sexual na infância pode ter efeitos
negativos nas futuras práticas de quem foi vítima, pela dificuldade
no uso de estratégias disciplinares consistentes e expectativas
claras quanto ao comportamento dos filhos.

Abuso sexual

Segundo Azevedo e Guerra (2000), o abuso sexual é


caracterizado por todo jogo ou ato sexual, relação heterossexual ou
homossexual, entre um ou mais adultos e uma criança menor de 18
anos, tendo por finalidade estimular sexualmente a criança e
utilizá-la para obter uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou
de outra pessoa.
De acordo com Araújo (2002), o abuso sexual infantil é
uma forma de violência que envolve poder, coação e/ou sedução. É
uma violência que envolve duas desigualdades básicas: de gênero
e geração. É frequentemente praticado sem o uso da força física e
não deixa marcas visíveis, o que dificulta sua comprovação,
principalmente quando se trata de crianças pequenas. Pode variar

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de atos que envolvam contato sexual com ou sem penetração a atos
em que não há contato sexual, como o voyerismo e o exibicismo.
O abuso sexual refere-se a um fenômeno que acontece no
cotidiano de diversos lugares, países, ambientes e famílias,
tornando-o ainda mais difícil de ser denunciado e exposto à
sociedade. É caracterizado por uma dinâmica complexa, que
envolve os aspectos psicológico, social e legal, exigindo a
intervenção coordenada de diferentes instituições.
Araújo (2002) relata o abuso sexual infantil como um
fenômeno complexo e difícil de enfrentar por parte de todos os
envolvidos, é difícil tanto para a criança quanto para a família, pois
denunciar implica em explicitar a violência que ocorre dentro do
âmbito familiar.
Diante da pequena taxa de incidência notificada,
Sanderson (2005) aponta a ausência de clareza na divulgação
sobre o abuso sexual infantil. Isto ocorre porque sua própria
natureza é encoberta. Acredita-se que apenas 10% dos casos são
relatados ou chegam ao sistema judiciário criminal, o que significa
uma grande limitação ao conhecimento deste fenômeno.
Ballone (2003) define abuso sexual como qualquer
conduta sexual com uma criança levada a cabo por um adulto ou
por outra criança mais velha. Isto pode significar, além da
penetração vaginal ou anal na criança, também tocar seus genitais
ou fazer com que a criança toque os genitais do adulto ou de outra
criança mais velha, ou o contato oral-genital, ou, ainda, roçar os
genitais do adulto com a criança.
A violência sexual contra crianças e adolescentes é de
difícil diagnóstico, pois muitas vezes não deixa marcas físicas e o
abusador argumenta que não forçou a criança a nada. O abuso
sexual é caracterizado por atividades impróprias para a idade e
nível de desenvolvimento psicossexual das crianças ou
adolescentes vitimizados, causando danos em diferentes níveis à
integridade física, psicológica ou moral, nos contextos simbólicos
ou culturais da vítima.
De acordo com Sanderson (2005), o agressor pode ser
qualquer pessoa, homem ou mulher, adultos, crianças mais velhas.
Pode ser um dos pais, um parente, um vizinho, um amigo da
família, um professor, um médico.

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Araújo (2002) aponta a mãe como vivenciadora de uma
situação de confusão e ambiguidade, diante de suspeitas e
constatações. Elas vivem sentimentos ambivalentes de raiva e
ciúme que contrastam com sentimentos de culpa por não prover
proteção.
Sanderson (2005) ressalta que o abuso sexual infantil pode
começar em qualquer idade, desde as primeiras semanas de vida
até os 18 anos. Acredita-se que a faixa etária de maior risco seja
aquela entre 5 e 12 anos.
O abuso sexual infantil é um problema que envolve
questões legais de proteção à criança e punição ao agressor, e
também terapêuticas de atenção à saúde física e mental da criança,
tendo em vista as consequências psicológicas decorrentes da
situação de abuso. Nessa perspectiva, Araújo (2002) assinala que
tais consequências estão diretamente relacionadas a fatores como:
idade da criança e duração do abuso, as condições em que ocorre,
envolvendo violência ou ameaças, grau de relacionamento com o
abusador e ausência de figuras parentais protetoras.
Ao se concretizar uma denúncia em favor da criança e do
adolescente, faz-se valer da proteção integral que o Estatuto da
Criança e do Adolescente concede, representando, assim, um
avanço cultural da sociedade como um todo, reconhecendo-os
como parte integrante da família e da sociedade, com direitos ao
respeito, à dignidade, à liberdade, dentre outros. Nesse sentido,
faz-se importante ressaltar que nenhuma dúvida deve impedir a
notificação imediata dos casos, sejam eles suspeitos ou
confirmados, que implicam grave risco para a criança.

Impactos e consequências decorrentes do abuso

Crianças e adolescentes podem ser afetados pela vivência


do abuso sexual de diferentes formas: algumas apresentam efeitos
mínimos ou nenhum efeito aparente, enquanto outras
desenvolvem sérios problemas emocionais ou psiquiátricos.
Segundo Sanderson (2005), muitos estudos indicam que o
abuso sexual infantil tem impacto de diversas maneiras. Quando
muito prejudiciais, podem ser estimados pelos seguintes fatores: a

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idade da criança na época do abuso; a duração e a frequência do
abuso sexual; os tipos de atos sexuais; o uso da força ou da
violência; o relacionamento da criança com o abusador; a idade e o
sexo do abusador e os efeitos da revelação.

Do ponto de vista de uma descrição operante do


fenômeno, algum comportamento do abusador
funciona como estímulo discriminativo que inicia
uma cadeia de comportamentos de cooperação da
criança, que são comportamentos de esquiva de uma
punição maior – perda de afeto ou agressão. A
privação de sentidos pode funcionar como esquiva da
ansiedade ligada à antecipação da punição. O retorno
do ‘transe’ ocorre com o final da cadeia de
comportamentos, com o reforçamento dos
comportamentos de esquiva da situação de perigo
(perda do afeto ou punição física por parte do
abusador). O fenômeno do abuso sexual acontece
como uma espécie de ‘pacto do silêncio’ entre
abusador, vítima e família. (PADILHA, 2001, p. 213)

As consequências da violência sexual na infância ou


adolescência podem se apresentar através de sinais e sintomas
decorrentes da lesão psicológica a que essas vítimas são submetidas,
como tristeza constante, prostração, desmotivação, sonolência
diurna, medo exagerado dos adultos, habitualmente aqueles do sexo
do abusador, história de fugas, comportamento sexual adiantado
para a idade, masturbação frequente e descontrolada, tiques ou
manias, enurese ou encorprese e baixo amor-próprio.
O abuso sexual infantil é, portanto, um fenômeno que
envolve variáveis complexas, comprometendo, assim, o
crescimento e desenvolvimento de crianças e adolescentes,
produzindo sequelas e uma matriz reprodutora que insere futuros
agressores no círculo da violência.
Esta complexidade no enfrentamento do abuso sexual
passa por um processo doloroso tanto para a pessoa que sofre a
agressão quanto para os envolvidos, como sentimentos de culpa,
vergonha por ferir os valores morais e sociais, dificuldade de
aceitar a situação, de assumir as consequências e de se aceitar.
Furniss (1993) aponta para os sentimentos de culpa como
sendo comuns entre crianças abusadas, sendo um dos mais graves

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efeitos emocionais resultantes da interação abusiva,
principalmente se essa for incestuosa e durou por muito tempo. Ao
sentimento de culpa soma-se o dano secundário de estigmatização,
devido à acusação dos pais e da família.
Para Ballone (2005, p. 2):

A criança que é vítima de abuso sexual


prolongado, usualmente desenvolve uma perda da
auto-estima, tem a sensação de que não vale nada e
adquire uma representação anormal da
sexualidade, além de poder tornar-se muito
retraída, perder a confiança em adultos e pode até
chegar a considerar o suicídio, principalmente
quando existe a possibilidade da pessoa que abusa
ameaçar de violência se a criança negar-se aos seus
desejos. Algumas dessas crianças podem ter
dificuldades para estabelecer relações harmônicas
com outras pessoas, podem se transformar em
adultos que também abusam de outras crianças,
podem se inclinar para a prostituição ou podem ter
outros problemas sérios quando adultos.

As crianças abusadas sexualmente podem mudar seu


futuro, sua forma de conceber comportamentos, o relacionamento
com outras pessoas ou até mesmo na escolha de sua profissão em
detrimento do rompimento de valores morais antes defendidos por
ela e pela sua família.
Muitas são as dificuldades encontradas pela sociedade
para denunciar o abuso sexual. Contudo, as consequências em não
denunciá-lo podem ser fatais. Um fator que atrapalha a denúncia é
a descrença nas possíveis soluções, pois, na prática, nem todos os
casos são legalmente comprováveis em razão de não existir uma
estrutura judicial e policial satisfatórias.

Níveis de prevenção

De acordo com Padilha (2002), a prevenção primária tem


como objetivo a eliminação ou redução dos fatores sociais,
culturais e ambientais que favorecem a violência, atuando nas suas
causas. É o nível da informação aos pais, professores, adolescentes

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e crianças. Enfoca escolas e populações de risco para educar
crianças sobre riscos de abuso sexual e sobre maneiras de enfrentar
abordagens de indivíduos sexualmente oportunistas.
Para Amazarray e Koller (1998), citados por Padilha
(2002), a prevenção secundária tem como objetivo a detecção
precoce de crianças ou adolescentes em situação de risco,
impedindo os atos de violência ou sua repetição. Inclui a
capacitação de profissionais que lidam diretamente com crianças e
adolescentes abusados sexualmente, para promover a redução de
stress induzido pelo sistema legal que a criança enfrenta. O manejo
inadequado por profissionais de saúde ou de intervenção legal
pode produzir um dano psicológico adicional à vítima.
Ainda para Padilha (2002), no nível de prevenção terciária
o objetivo é o acompanhamento integral da vítima e do agressor
por equipe multidisciplinar, incluindo atendimento médico,
psicológico, social e jurídico. Visa melhorar sequelas de abuso e a
probabilidade de efeitos a longo prazo.

Conclusão

A família deve ser vista como um alicerce em que


estruturas de caráter, moralidade, relações afetivas e segurança
sejam contribuintes para um desenvolvimento saudável e
equilibrado do ser humano. Entretanto, nem sempre a vida
transcorre de maneira ideal e corresponde aos desejos de bem-
estar. Os pais e cuidadores deixam de atuar de forma a favorecer
esse desenvolvimento e o bem-estar para fortalecerem situações de
risco experienciadas por crianças e adolescentes.
É necessário compreender e assumir uma nova realidade
familiar, de forma a buscar diferentes possibilidades de saúde aos
seus membros, para garantir e proporcionar bem-estar a todos que
a compõem.
Um dos aspectos que induz ao abuso sexual pode ser o
reflexo de uma falha no funcionamento familiar como uma
distorção dos papéis que o pai, a mãe e os filhos desempenham na
família, podendo propiciar, nessas condições, um abuso de
autoridade por parte dos adultos, usando o menor como objeto para

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 17


obtenção de uma satisfação pessoal.
O abuso sexual infantil é de natureza variada: vai desde
uma carícia íntima, manipulação da genitália, mama ou ânus, até a
penetração vaginal, oral ou anal.
Dado o exposto, é possível que uma criança seja abusada
durante vários anos sob o olhar cego da própria família,
reforçando, assim, a instalação de uma cortina de silêncio e do
próprio ciclo abusivo.
Conclui-se que, apesar de existir uma gama de conceitos
entre diversos autores, as definições convergem. Na sua grande
maioria, concordam que nesse fenômeno ocorre invasão dos
direitos da criança, devido a sua fragilidade para se defender e
resistir a tais situações. Concordam também que são relações nas
quais reinam o poder, a força, a coerção, a violência e a sedução.
Apesar de possuírem diferentes variáveis, todas apontam para a
própria definição da palavra “abuso”, que se remete a uso errado,
uso excessivo.
Ressalta-se, portanto, a importância de uma intervenção
terapêutica adequada, criando, assim, dispositivos que integrem
todas as ações envolvidas de forma eficiente e eficaz, sendo este o
grande desafio.

Referências

ARAUJO, M. F. Violência e abuso sexual na família. Psicologia


em Estudo, Maringá, v. 7, n. 2, 2002.

AZEVEDO, M. A.; GUERRA, V. N. Crianças vitimizadas: a


síndrome do pequeno poder. São Paulo: Iglu, 2000.

BALLONE, G. J. Abuso sexual infantil. Disponível em:


<http:virtualpsy.org/infantil/abuso. html>. Acesso em: 22 jul. 08.

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20 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009
DEPOIMENTO SEM DANO (DSD)

Bruna Nogueira Almeida Ratke*

Resumo:
O “depoimento sem dano” é um método utilizado para inquirir crianças e
adolescentes supostamente vítimas de abuso sexual, que está sendo discutido
no Senado Federal no Projeto de Lei da Câmara n. 35/2007, que tem como
objetivo principal amenizar os danos sofridos por essas vítimas durante o
persecutio criminis, visando preservar a integridade física, psíquica e
emocional, utilizando-se de modernas tecnologias e de profissionais
devidamente qualificados. O atual sistema de inquirição é aplicado para todas
as vítimas e testemunhas, independentemente de sua idade e dos delitos
sofridos ou vivenciados. Nos casos de violência sexual tendo como vítimas
crianças e adolescentes, observa-se que as suas oitivas são realizadas por
diversas pessoas (Conselheiros Tutelares, Promotores de Justiça, Juízes,
familiares, diretores de escola etc.), acarretando consequências traumáticas e
prejudicando futuras terapias e o próprio processo penal.

Palavras-chave: depoimento sem dano, violência sexual, inquirição.

A violência contra crianças e adolescentes se consolida de


diversas formas, sendo usualmente identificada por meio da
violência física, psicológica, sexual, negligência e, muitas vezes,
reunindo todas essas expressões. Essas violências ocorrem
principalmente no âmbito familiar, em especial a violência sexual.
Os maus-tratos contra crianças e adolescentes acontecem
desde os primórdios e ao longo da história da humanidade, em
todos os segmentos sociais, tendo, em sua gênese, o poder absoluto

*
Assistente de gabinete de Procurador de Justiça, MP-GO, graduada em Direito
pela Universidade de Rio Verde (FESURV-GO), pós-graduada em Direito
Constitucional com habilitação para o Magistério Superior pela Universidade
do Sul de Santa Catarina – UNISUL.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 21


do adulto sobre a criança, dos pais sobre os filhos ou do mais forte
sobre o mais fraco1.
Atualmente, com a aprimoramento da informática e seu
acesso a toda população, surgem, com mais frequência, crimes
contra a liberdade sexual por meio da internet, como a pedofilia, a
prostituição infantil e o tráfico de crianças e adolescentes com fins
de exploração sexual.
A violência agride frontalmente a integridade física, moral,
emocional e cognitiva da vítima.
A maioria dos delitos que chegam à Justiça foi cometida
intrafamilar, isto é, no grupo em que a vítima vive. Os autores são
seus pais biológicos, padrastos, madrastas, parentes por
consanguinidade, amigos da família ou vizinhos. Diante desse
vínculo existente tem-se uma noção do estado emocional dessas
vítimas e da grande coação que suportam.
O trabalho da justiça penal tem se dirigido prioritariamente
ao esclarecimento dos fatos e à sanção dos responsáveis. Por essa
razão, na maioria dos casos, privilegia-se a repressão do delito,
contudo a obrigação de proteção e o bem-estar da criança ficam
relegados a um segundo plano e muitas vezes são esquecidos,
ocasionando a revitimização da vítima repetidas vezes a cada fase
do processo e, inclusive, no âmbito familiar.
A polícia não possui equipe especializada no assunto, falta
capacitação, não há sala de espera diferenciada para a vítima, o
ambiente que envolve o cotidiano de uma delegacia é alheio e
inconveniente, fatos que agravam o pesadelo em que estão imersas
e prejudicam a futura terapia.
Todo depoimento em uma sala de audiência implica algum
grau de dano. Rozanski2 afirma que no caso das vítimas crianças e
adolescentes a comoção é bem maior, tendo em vista que deverão
reviver fatos altamente traumáticos e relatar circunstâncias vinculadas
à sua mais profunda intimidade, com detalhes que são requisitados às

1
FÁVERO, E. T. Parecer técnico. Metodologia “Depoimento sem Dano”, ou
“Depoimento com Redução de Danos”. Disponível em: http://www.unifra.br/
cursos/servico_social/downloads/parecercfessdsd.pdf. Acesso em: 29 set. 2008.
2
ROZANSKI, C. A. A menina abusada diante da justiça. In: VALNOVICH, J. R.
(Org.). Abuso sexual na infância. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 2005. p. 110.

22 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


vezes por necessidades processuais e outros nem tanto.
Rozanski3 relata que a possibilidade de uma criança verbalizar
os fatos que sofreu fica reduzida por fatores característicos e específicos
do fenômeno, sendo isso agravado pela inadequação do ambiente em que
se pretende obter o relato. O despreparo dos profissionais de diversas
áreas também contribui para esse fator de revitimização.
As declarações da vítima têm valor decisivo nos delitos de
abuso sexual, que são praticados na clandestinidade, constituindo
meios de prova. A inquirição inadequada causa dano à vítima e
prejudica a prova.
A criança ou o adolescente, após ter sido inquirido por familiares,
pela diretora da escola, pelo Conselho Tutelar, pela autoridade policial e
por inúmeros jornalistas, será novamente ouvida na fase judicial.
Ao chegar à audiência, depara-se com o juiz, o promotor de
justiça e o advogado, pessoas com véstias e posturas diferentes do
âmbito em que vive, que não podem lhe tratar com meios que a
socialize ao ambiente, em virtude da formalidade do ato, e acabam
se sentido acusadas, não vítimas.
Perante essa estrutura, a vítima, muitas vezes, sente
dificuldade em narrar a violência sofrida ou a narra de forma
divergente, acarretando no seu descrédito, ou se cala perante o
“medo”, fatos que podem acarretar, inclusive, a absolvição do
acusado, em virtude da força do depoimento da vítima, já que esses
delitos não possuem testemunhas oculares.
Às vezes ocorre o contrário, a vítima narra a violência sofrida,
novamente, e revive todos os fatos, trazendo um grande sofrimento
psicológico e agravando o trauma. Sente-se, também, fragilizada e
acusada, pois será responsável pela prisão e pela destituição da família,
no caso de violência intrafamiliar. Nenhum dos presentes na audiência
explica a importância do seu relato ou a coloca em seu papel de vítima.
O artigo 212 do Código de Processo Penal, antes da alteração
trazida pela Lei 11.690/08, narrava que cabia ao juiz (presidente da
audiência) fazer todas as perguntas para a vítima e a testemunha:

Art. 212. As perguntas das partes serão requeridas


ao juiz, que as formulará à testemunha. O juiz não

3
ROZANSKI, C. A. A menina abusada diante da justiça, op. cit., p. 103.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 23


poderá recusar as perguntas da parte, salvo se não
tiverem relação com o processo ou importarem
repetição de outra já respondida.

Agora, com a nova redação do artigo supracitado, as partes


(acusação e defesa) farão as perguntas diretamente à vítima:

Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas


partes diretamente à testemunha, não admitindo o
juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não
tiverem relação com a causa ou importarem na
repetição de outra já respondida.

É claro que as partes do processo devem respeitar a


formalidade do ato e, inclusive, não possuem técnicas adequadas
para diminuir o sofrimento da vítima, pois o foco está voltado para a
produção de prova em busca da verdade processualmente possível.
É nítido o descaso com os direitos da criança e do adolescente,
pois o sistema processual penal não está voltado para sua proteção.
Faz-se necessário relembrar que as declarações das vítimas
são essenciais, servindo como meio de prova a ser valorada e
utilizada na convicção do juiz para a elaboração da sentença.
Salienta-se que as técnicas normativas aplicadas para ouvir os
adultos são as mesmas utilizadas para ouvir crianças e adolescentes,
sem ponderar as condições peculiares de desenvolvimento cognitivo,
intelectual, psicossocial e psicossexual.
Dessa forma, em face da exposição a diversas audiências e
inquirições como parte do procedimento adotado pelo atual
sistema penal, as crianças e adolescentes vivenciam de forma
reiterada o abuso e a violência sexual sofrida.
A metodologia do depoimento sem dano (DSD) aparece como
um método que substitui as diversas audiências de oitiva da criança ou
adolescente, vítima de abuso sexual, pela inquirição realizada por um
profissional devidamente qualificado e preparado, sem ferir os
princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.
Esse método está sendo desenvolvido desde 2003 pelo
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e em Goiás mais
recentemente. A inquirição acontece em uma sala separada da sala
de audiências, interligada a esta por vídeo, áudio e ponto eletrônico

24 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


ou sala espelhada, por meio do qual as partes transmitem questões
ao profissional, que as repassam à criança ou adolescente4.
Na perspectiva do DSD a criança é ouvida uma única vez por
um profissional, cabendo-lhe o papel de entrevistador, facilitador ou
intérprete. Velasco5 preconiza que todos estão compromissados com
a proteção integral, respeito e dignidade da criança e do adolescente:

É preciso compreender que a garantia desta proteção


é exigente de uma intervenção interdisciplinar,
realizada por profissionais devidamente capacitados
ante a complexidade da temática da violência
sexual, cabendo ainda o trabalho com a família.
Nessa direção, há um claro deslocamento do foco
para a proteção que implica nos serviços de apoio à
criança, à família e ao próprio abusador. É nessa
direção que a redução de danos poderia ser realizada
através de um trabalho interdisciplinar e integrado,
inclusive fora do espaço do Judiciário.

Com o depoimento sem dano busca-se solucionar as dificuldades


de magistrados, promotores e advogados em conversar com crianças e
adolescentes, em ouvi-los, muito possivelmente em razão da falta de uma
base formativa para esses atos e sua peculiar formalidade, bem como por
causa da dificuldade de se estabelecer limites jurídicos que impeçam a
“revitimização” pela exposição a diversas inquirições, ou em tratar
questões sociais para além da positividade da lei.
Reportando-se a Furniss (1993), Dobke (2001)6 discorre sobre os
danos primários e secundários causados às vítimas pelo abuso sexual,
sendo que os primeiros “compreende-se o dano causado pelas etapas de
desenvolvimento do abuso, ou seja, pela fase da sedução, da interação
sexual abusiva e do segredo” e, como dano secundário, “aquele

4
BENJAMIN, M. H. G. Corregedor-Geral (E) enfatizou tramitação mais rápida
de processos da Infância e Juventude. Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br/
site_php/noticias/mostranoticia.php?assunto=1&categoria=1&item=
69295&voltar=S. Acesso em: 29 set. 2008.
5
VELASCO, E. G. Posições e polêmicas sobre a metodologia do depoimento sem
dano. Disponível em: http://www.cress-mg.org.br/texto%20de%20Eriv%E3-
CFESS.pdf. Acesso em: 29 set. 2008.
6
DOBKE, V. Abuso sexual: a inquirição de crianças – uma abordagem
interdisciplinar. Porto Alegre: Ricardo Lenz, 2001. p. 23.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 25


causado por fatores diversos e subsequentes ao abuso”, causados por
vários fatores, dentre eles os relacionados ao trauma e à estigmatização
decorrentes da denúncia e das diversas vezes em que a criança é exposta
ao ter que falar e/ou dar depoimento sobre o ocorrido – na escola, no
Conselho Tutelar, na delegacia, no Judiciário. Aborda a dinâmica do
abuso sexual infantil, em especial o intrafamiliar, destacando os fatores
que levam ao segredo que o envolve e à adição por parte do abusador.
Em relação ao segredo, Furniss (apud Dobke)7 aponta a
inexistência de evidência médica; ameaças contra a criança
abusada e suborno; falta de credibilidade da criança (considerada,
pelo adulto, como alguém que mente, fantasia); e temor das
consequências da revelação.
Defende que nessas situações qualquer intervenção profissional
tem por objetivo principal evitar o dano secundário que uma atuação
desavisada pode causar. Pondera que, na inquirição da criança, a atuação
profissional não pode e não deve ser diferente, ou seja,
os juízes, promotores e advogados devem estar
preparados, emocionalmente, para perguntar e
ouvir as respostas e possuir conhecimentos
adequados, que vão além do técnico-jurídico, para
lidar com esta dura e cruel realidade.8

Para tal, sugere o uso da Câmara de Gesell, como utilizada na


Argentina, que considera também possibilitadora da garantia dos
direitos constitucionais do acusado, na medida em que as partes
poderão fazer perguntas à vítima por intermédio do “expert”.
Em 2004 foi promulgada modificação no Código
Processual Penal argentino dispondo que, em caso de maus-tratos,
menores até 16 anos de idade “serão entrevistados apenas por um
psicólogo especializado em crianças e adolescentes, designado
pelo tribunal que ordena a medida, não podendo, em caso nenhum,
ser interrogados de forma direta pelo dito tribunal ou pelas partes”,
e que esta entrevista poderá ser acompanhada de fora do recinto,

7
DOBKE, V. Abuso sexual: a inquirição de crianças – uma abordagem
interdisciplinar, op. cit., p. 34.
8
DOBKE, V. Abuso sexual: a inquirição de crianças – uma abordagem
interdisciplinar, op. cit., p. 25.

26 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


por vidro espelhado, microfone ou vídeo (CEZAR, 2007)9.
Na França a criança é ouvida pela Brigade des mineurs
(polícia de menores), formada por policiais

cuja função é apurar todos os problemas que digam


respeito à proteção à infância e adolescência
(violências, abusos sexuais…). Essa polícia (que
se veste a paisana) é formada especialmente para
esse cargo e existe em todos os municípios. Desde
1998 existe uma lei que obriga a filmagem dos
depoimentos das crianças, sendo que elas e seus
pais devem autorizá-la.

Em seguida, uma das audições gravadas em fitas de vídeo vai


para o Ministério Público, para envio ao juiz, e a outra fica com a polícia10.
Na África do Sul, segundo Coughlan e Jarman (apud
JONKER e SWANZEN)11,

um sistema de intermediação vem tentando reduzir o


trauma e o abuso secundário freqüentemente
experimentado por crianças-testemunhas em casos
judiciais de abuso (sexual). Ao se separar a criança da
sala formal do tribunal e permitir que um
intermediador transmita as perguntas e as respostas da
criança por meio de um sistema fechado de televisão,
esperava-se reduzir o estresse que essa experiência
gera nas crianças, e ao mesmo tempo preservar os
direitos do acusado de interrogar testemunhas e de ter
um julgamento justo [...]. Proteger os direitos das
crianças é um princípio universalmente aceito, que
influencia tanto o desenvolvimento de políticas
quanto de práticas. Nas situações em que ocorre a
violação destes direitos – como no abuso sexual –, é
importante que a reação das instituições da sociedade

9
CEZAR, J. A. D. Depoimento sem dano: uma alternativa para inquirir crianças e
adolescentes nos processos judiciais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
10
IUCKSCH, M. Respostas às questões feitas a Marlene Iucksch durante
seminário internacional sobre violência sexual infantil. Disponível em:
http://www.aasptjsp.org.br. Acesso em: 29 set. 2008.
11
JONKER, G.; SWANZEN, R. Serviços de intermediação para crianças-testemunhas
que depõem em tribunais criminais da África do Sul. Disponível em: http://
www.surjournal.org/conteudos/pdf/6/unzip/ JONKER.pdf.Acesso em: 29 set. 2008.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 27


(como a Justiça e o Estado de Bem-estar) se volte não
apenas para proteger as crianças de outros abusos de
seus direitos, mas também para uma atitude ativa de
reparar algumas das violações ocorridas. Portanto, é
essencial que, quando possível, as crianças que
deponham em casos criminais de abuso sexual sejam
protegidas contra danos adicionais. O sistema de
intermediação para crianças-testemunhas é um desses
esforços.

Atualmente, no Brasil, tramita no Senado Federal Projeto


de Lei da Câmara n. 35/2007, o qual, com base na experiência do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, pretende incorporar ao
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e ao Código de
Processo Penal alterações para inquirição de crianças e
adolescentes vítimas ou testemunhas de violência sexual por meio
do DSD, podendo tal procedimento ser estendido a outros crimes,
inclusive com a possibilidade de produção antecipada de prova.
O Projeto de Lei da Câmara n. 35/2007, de iniciativa da
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Exploração Sexual,
acrescenta a Seção VIII ao Capítulo III – Dos Procedimentos – do
Título VI – Do Acesso à Justiça – da Parte Especial da Lei n. 8.069,
de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente,
dispondo sobre a forma de inquirição de testemunhas e produção
antecipada de prova quando se tratar de delitos tipificados no
Capítulo I do Título VI do Decreto-Lei n. 2.848; de 7 de dezembro
de 1940 – Código Penal, com vítima ou testemunha criança ou
adolescente e acrescenta o art. 469-A ao Decreto-Lei n. 3.689 de 3
de outubro de 1941 – Código de Processo Penal12.
O artigo 2º do Projeto Lei determina a inclusão no ECA de
disposições especiais relativas à inquirição de testemunhas e
produção antecipada de prova nos crimes contra a dignidade
sexual com vítima ou testemunha criança ou adolescente, tendo
como objetivo “salvaguardar a integridade física, psíquica e
emocional do depoente, em virtude de sua condição peculiar de

12
SENADO FEDERAL. Projeto de Lei da Câmara n. 35/2007. Disponível em:
http://www.senado.gov.br/sf/ atividade/materia/getPDF.asp?t=39687. Acesso
em: 29 set. 2008.

28 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


pessoa em desenvolvimento”; por motivo de idade “para que a
perda da memória dos fatos não advenha em detrimento da
apuração da verdade processual” e “para evitar a revitimização,
com sucessivas inquirições sobre o mesmo fato”. Destacam-se as
principais alterações:

Art. 197-B. Na inquirição de crianças e


adolescentes, vítima ou testemunha de delitos de que
trata esta Seção, adotar-se-á, preferencialmente, o
seguinte procedimento:
I – A inquirição será feita em recinto diverso da sala
de audiências, especialmente projetado para esse
fim, o qual conterá os equipamentos próprios e
adequados à idade e à etapa evolutiva do depoente;
II – Os profissionais presentes à sala de audiências
participarão da inquirição através de equipamento
de áudio e vídeo, ou de qualquer outro meio técnico
disponível;
III – A inquirição será intermediada por
profissional devidamente designado pela
autoridade judiciária, o qual transmitirá ao
depoente as perguntas do Juiz e das partes;
IV – O depoimento será registrado por meio
eletrônico ou magnético, cuja degravação e mídia
passarão a fazer parte integrante do processo.
Parágrafo único. A autoridade judiciária, de ofício
ou a requerimento das partes, poderá adotar
idêntico procedimento em relação a crimes
diversos dos mencionados no caput, quando, em
razão da natureza do delito, forma de
cometimento, gravidade e conseqüências,
verificar que a presença da criança ou adolescente
na sala de audiências possa prejudicar o
depoimento ou constituir fator de constrangimento
em face de sua condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento.

O projeto prevê que a criança ou adolescente seja ouvida


pelo método do depoimento sem dano apenas uma vez, sendo a
cópia do depoimento e a mídia gravada passarão a fazer parte
integrante dos autos do processo, não excluindo a necessidade da
prova pericial.
Entretanto, o DSD não tem sido recebido por todos com

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 29


entusiasmo, conforme depreende da ata da 27ª reunião da Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania, em conjunto com a 17ª reunião da
Comissão de Assuntos Sociais e com a 30ª reunião da Comissão de
Direitos Humanos e Legislação Participativa, da 2ª Sessão Legislativa
Ordinária, da 53ª Legislatura, realizada no dia 1º de julho de 200813.
Por sua vez, a procuradora de justiça do Rio Grande do Sul,
Maria Regina Fay de Azambuja14, assinala a necessidade de se
questionar e repensar o DSD com base no compromisso com a
proteção integral, o respeito e a dignidade da criança. Considera
que tal modo de obtenção de depoimento também é uma forma de
exploração a que o Sistema de Justiça submete a criança:

Imagina uma menina de cinco anos que foi abusada


pelo companheiro da mãe ou por seu próprio pai e sabe
que, se entrar ali e disser isso, ele vai para a cadeia.
Como fica a cabecinha dela, sabendo que tem esse
poder? [...] Todos os estudos na área da saúde mental
dizem que não é bom para ela essa exposição, ter que
falar dessas coisas nesse tipo de ambiente. É diferente
de falar isso no ambiente terapêutico.

Insta ressaltar que nenhum profissional atua sozinho, faz-


se necessário que todos tenham consciência que precisam da
experiência de outras áreas para auxiliar nas questões cotidianas.
Em primeira análise, não faz sentido rejeitar a nova forma de
inquirição que certamente irá diminuir o dano causado nas vítimas.
Caso o Projeto Lei não seja aprovado, as vítimas serão as
grandes prejudicadas, pois continuarão sendo ouvidas inúmeras vezes,
perante profissionais completamente despreparados, em ambientes
não favoráveis, acarretando grandes prejuízos psicológicos.
A redução de danos além do prover do DSD, propriamente
dito, acarreta na diminuição de vezes em que a criança é exposta ao
relatar a violência sofrida, no interior de um trabalho interdisciplinar
e integrado.

13
SENADO FEDERAL. Disponível em: webthes.senado.gov.br/sil/Comissoes/
Permanentes/CCJ/Notas/ 20080701CN027.rtf. Acesso em: 29 set. 2008.
14
AZAMBUJA, M. R. F. Violência sexual intrafamiliar: é possível proteger a
criança? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

30 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


Considerando eventuais dificuldades da criança em expor a
situação, pela própria síndrome do segredo que envolve a violência
sexual e os demais fatores expostos, faz-se necessário a presença de
um profissional preparado para ouvi-la, com a finalidade primordial
de preservar seus direitos e respeitá-la como vítima.
Nos últimos anos, surgiram situações denominadas como
“alienação parental” ou falsas acusações de abuso sexual,
principalmente em casos de violência intrafamiliar. Nesses casos, a
criança é induzida pelo adulto, em virtude do seu poder sobre ela
exercido, a narrar uma falsa denúncia de abuso sexual, por exemplo. O
profissional qualificado saberá constatar a existência desta
“alienação”. Atualmente, sem a presença desse profissional, as partes
pressionam a vítima na sala de audiência e acabam concluindo a
existência da “alienação” em virtude do sofrimento ou da dificuldade
da criança ao narrar os fatos, fatores que podem ser fruto das
consequências psicológicas das lesões sofridas pela vítima.
É importante salientar que a vítima de violência possui
marcas dolorosas em sua vida, na maioria das vezes provocadas por
pessoas de sua proximidade, portanto pessoas com as quais mantêm
vínculos. Assim, é imprescindível oferecer-lhes acolhimento e
proteção especial, tratando-os como sujeito de direito, motivos
bastante fortes para justificar o depoimento sem dano.

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32 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR E A
SÍNDROME DO SEGREDO

Silvana Antunes Vieira Nascimento*

É dolorosamente injusto que uma criança tenha


que estar exposta a tantos perigos. A vida pode
ser tão divertida e cheia de satisfação. Creio que
é necessário escutar as crianças, protegê-las e
amá-las. Às vezes me pergunto quão diferente
teria sido a minha vida se alguém, na minha
infância, me tivesse escutado, protegido e
cuidado com amor; alguém que me tivesse
perguntado: Meu amor, alguém te entristeceu
hoje? Posso ajudar-te?
Uma vítima

Resumo:
O crescente número de crianças e adolescentes abusados sexualmente é
alarmante, merecendo destaque a violência praticada dentro do seio familiar:
a violência intrafamiliar. A cada ano, menores são vítimas dessa espécie de
violência sexual, sendo que raros casos são revelados, em razão de o agressor
ser o próprio pai ou padrasto e uma série de outros fatores consistentes no
grave problema do “segredo de família”. A síndrome do segredo faz com que
esses agressores perpetuem o crime e causem um grave transtorno emocional
nas vítimas que, sob a ameaça de desestruturação familiar, permanecem
inertes e coagidas a não revelarem o abuso.

Palavras-chave: violência sexual, menores, intrafamiliar.

Introdução

Desde a antiguidade ocorre a prática de violência sexual


infantil, sempre encarada como um tema proibido e ignorado pela
sociedade. O que acontece, e muitos não sabem ou preferem ignorar, é

* Promotora de Justiça da 5ª Promotoria de Justiça da Comarca de Itumbiara, MP-GO.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 33


que a violência sexual ocorre em todas as classes sociais, raças e níveis
educacionais. A sociedade possui uma falsa impressão de que casos
como esses só ocorrem em família com baixa renda. Muito pelo
contrário, qualquer um, infelizmente, está sujeito a se deparar com
tamanha atrocidade, inclusive com uma triste surpresa do suposto autor
da violência ser até o próprio companheiro, aquele marido “perfeito e
incapaz” de realizar determinado ato com a enteada ou filha.
É aterrorizante o número de casos decorrentes dessa
barbaridade praticada contra crianças e adolescentes, tornando-se
maior o choque quando a violência é intrafamiliar. O processo
nessa situação passa a ser mais delicado e complicado. A família se
divide: uns acreditam na versão apresentada pela criança e outros
na palavra do suposto agressor.
O problema da violência intrafamiliar é considerado como
um segredo de família, sendo que dificilmente vítima e família
noticiam a prática de fato delituoso às autoridades competentes. A
mãe que desempenha um importante papel na proteção dos filhos
muitas vezes se omite acobertando o abuso praticado pelo marido
ou companheiro.
O abalo emocional causado nessas vítimas pode ser
irreversível, daí a necessidade de trabalhar com essas crianças em
um processo de recuperação do trauma sofrido, a fim de evitar
maiores complicações na fase adulta.
Os operadores do direito devem buscar, através de cursos de
extensão e outros afins, o aperfeiçoamento para lidar com as vítimas
durante o curso do processo, em especial no momento de se
pronunciarem sobre o fato ocorrido.
Dessa forma, se torna imperioso aprofundar no tema violência
intrafamiliar, a fim de interagir com as causas e consequências dessa
desumanidade, buscando métodos para a extração de dados das vítimas
e medidas para serem tomadas com relação ao agressor e vítima.

Incesto: união sexual ilícita entre parentes consaguíneos, afins


ou adotivos

A definição do subtítulo, extraída do dicionário Aurélio,


retrata a realidade que está posta aos olhos de todos: o incesto. Pais

34 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


e padrastos abusando sexualmente dos filhos e enteados.
Os doutrinadores são divergentes quando se trata de
descrever quais são os fatores psicológicos que levam um pai a
praticar ato sexual com a própria filha. Alguns afirmam que essa
violência sexual decorre de toda uma violência sofrida em gerações
passadas pelos agressores. Outros ponderam sofrer, estes, de algum
distúrbio mental, dentre outros pontos.
É notória que a ausência de cuidados maternos e paternos
pode influenciar a ocorrência desses delitos, assim a importância do
papel da genitora. No entanto, as mães preferem não acreditar no que
esteja ocorrendo e, com isso, o incesto incide e perdura. Se, porém,
essas genitoras mantivessem um forte controle sobre os filhos e eles
possuíssem um laço de confiança mútuo, o incesto poderia ser
impedido em muitos casos, desde os seus primeiros sinais.
Ocorre que, infelizmente, o choque emocional causado
também sobre essa mãe causa uma espécie de “bloqueio mental”,
criando uma grande barreira para atuar em situações como essas.

Perfil do agressor

O perfil do abusador, em geral, é de alguém que também já foi


vítima de abuso sexual. Em tese, são pessoas que levam uma vida
normal, uma vida social produtiva, mas tem esse lado obscuro.
Há fatores como o alcoolismo e o uso de entorpecentes em
que os indivíduos perdem a noção de crítica e tendem mais a praticar
o abuso, igualmente como ocorre nas situações de desemprego, em
que a mãe sai para trabalhar, passando boa parte do dia fora e seu
companheiro ou marido fica em casa “cuidando” das crianças.
Contudo, esses fatores de risco não são determinantes para
caracterizar o autor de violência sexual, mas apenas facilitadores.
O pai, quando autor de abuso sexual, geralmente não admite a
prática da agressão, se furtando a assumir qualquer responsabilidade.
De outra parte, quando se trata da violência praticada pelo
padrasto, em alguns casos ele admite ter ocorrido algo, todavia,
não assume total e única responsabilidade, objetivando, a todo o
momento, incriminar a vítima, justificando que teria sido seduzido
e provocado para que reagisse daquela maneira.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 35


A idéia central de ambos, pai ou padrasto, é retirar de si a
carga da responsabilidade, justificando seus atos, nas raras vezes
que assume, em estar auxiliando a criança na sua fase pré-adulta e
com o pleno consentimento desta para a prática do sexo.
O agressor perde a noção do seu papel a ser desenvolvido
sobre aquela criança ou adolescente, considerando-a agora como
uma “mulher” sedutora e provocante.

Síndrome do segredo

A característica mais marcante da violência intrafamiliar é


o segredo, ocorrendo deste modo a síndrome do segredo, ou seja, a
criança não revela o abuso, sendo constantemente ameaçada e até
mesmo subornada com presentes para a não revelação.
Como afirma Veleda Dobke:
Na primeira fase, o abusador manipula a dependência
e a confiança da criança, incitando-a a participar dos
atos abusivos, ao mesmo tempo em que faz crer que se
trata de brincadeira ou comportamentos normais entre
pais e filhos, sob promessa de recompensa; prepara o
momento e o lugar para a prática e toma precauções
para não ser descoberto.1

O temor pela desestruturação da família e o risco de que


ninguém acreditará nela fazem da vítima um “brinquedo” nas
mãos do agressor, crente de que jamais será descoberto.
A criança ou adolescente também não consegue confiar na
mãe, por considerar que esta seja fraca, não havendo condições de
confrontar o marido ou companheiro, por isso a importância da
mãe se mostrar forte e confiável para a filha a fim de esta revelar o
segredo. Não obstante, algumas dessas mães, ao descobrirem o
incesto, passam a encarar a filha como rival, alegando que esta
teria provocado e seduzido o pai ou padrasto. As que não vêem de
tal forma encontram dificuldades em noticiar o fato criminoso,

1
DOBKE, V. Abuso sexual: a inquirição das crianças – uma abordagem
interdisciplinar. 1. ed. Porto Alegre: Ricardo Lenz Editor, 2001. p. 29.

36 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


temendo justamente a desestruturação familiar, que ocorre porque
a família sempre procura manter a harmonia.
Nas classes sociais mais altas, por exemplo, esse segredo é
mantido com maior rigor, havendo aqui uma preocupação com
“status”. Deve-se manter a imagem do agressor e da família.
Contudo, existem alguns pontos, principalmente nas
classes menos favorecidas, como, por exemplo, a busca pela
manutenção do poder aquisitivo, em que a família depende do
sustento que o pai ou padrasto proporciona, sentindo-se submissa à
vontade do agressor, o que tende a agravar a situação.

Atuação dos operadores do direito

O descontrole emocional causado na vítima de abuso sexual


poderá ser irreversível se a família não der o devido amparo, apoio e
proteção. A criança passa a desconfiar de todos a sua volta, o que
constitui impasse aos operadores do direito no que tange à extração de
dados ou evidências que confirmem o abuso sofrido, principalmente
por se tratar de um ambiente formal e novo para a criança.
Os profissionais que atuam diante desta situação são
extremamente preocupados com o assunto, porém muitos estão
inaptos a lidar com situações como essas, em que possam
proporcionar conforto adequado para a vítima expor os fatos.
Em razão das vítimas estarem aterrorizadas, confusas e
temerosas de contar o incidente, frequentemente ficam silenciosas,
seja para não poder prejudicar o pai ou padrasto, seja para evitar
um transtorno familiar ou ser considerada culpada ou castigada.
De tal modo, determinadas medidas são necessárias, como, por
exemplo, na oitiva da vítima, retirar o réu da sala a fim de não
intimidá-la ainda mais, o que em regra já se faz.
Outra medida a ser trabalhada consiste na elaboração de
perguntas, tanto do magistrado quanto do promotor, os quais
insistem, erroneamente, no questionamento específico para a vítima.
Imperioso aqui se torna, em um primeiro momento, a obtenção da
confiança da vítima, para posterior oitiva, evitando vocábulo formal,
desdramatizando o fato e retirando a concepção da síndrome do
medo, o que se tornará imprescindível para o depoimento.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 37


Há um grande trabalho pela frente para os profissionais de
direito. Lidar com crianças e adolescentes abusadas sexualmente não é
nada fácil, cabendo então incentivá-las a ficarem mais à vontade
retirando-lhes a responsabilidade do caso, bem como lhes esclarecendo
que não são as primeiras, tendo outros fatos semelhantes já ocorrido.
Necessário permitir que a criança revele o segredo
estabelecido entre o agressor e ela, posto que esse crescente
número de casos de abuso sexual e deficiências encontradas pelos
operadores do direito não pode permanecer, surgindo assim outra
interessante idéia a ser discutida, qual seja, a participação de um
intérprete para ouvir essas crianças, sendo que se já há para surdo e
mudo, qual o porquê de não haver profissionais capacitados para
obter da vítima declarações verdadeiras e completas.
Trabalhar em conjunto com os psicólogos, os quais estão
capacitados para compreender a mente e os processos mentais do
comportamento humano, seria um grande passo para a resolução
de casos controvertidos como a violência sexual. No entanto,
referidos profissionais precisam retirar a falsa idéia de que
estariam submissos ao magistrado, como se seus empregados
fossem, e passar a assumir seus reais deveres na sociedade.
Magistrados e psicólogos devem buscar um objetivo
comum, isto é, oferecer espaço para que a vítima exponha o ocorrido
e extrair dela o essencial, contribuindo para que prevaleça a justiça.

Consequências

As consequências emocionais para a vítima podem ser


desastrosas, fazendo com que se sinta insegura, triste e culpada. A
pressão psicológica por parte da família e do próprio agressor
realiza na vítima uma confusão mental, induzindo-a a crer que
realmente tenha provocado algo.
Inevitavelmente, as vítimas de abuso sexual irão se deparar com
problemas afetivos, interpessoais e sexuais, sendo a consequência mais
grave e preocupante o sentimento de culpa que permanece com essas
crianças e adolescentes. Elas criam a concepção de que consentiram para
que o abuso ocorresse, não levando em conta que estavam sendo
ameaçadas, forçadas e pressionada. Dessa forma, quanto mais tempo

38 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


levar o abuso, mais tempo permanecerá o sentimento de culpa.
Essas vítimas encontrarão dificuldades em manter um
relacionamento, principalmente quando outras pessoas forem
tocá-las. A criança normalmente desenvolve também uma perda da
autoestima, se tornando retraída e perdendo a confiança em todos,
podendo chegar ao suicídio.
O que chama a atenção e é grave reside na necessidade
primordial de tratamento terapêutico das vítimas abusadas, uma
vez que há risco dessas se tornarem abusadores no futuro.
Psicólogos afirmam que o trabalho seria ideal se realizado
com toda a família, especialmente com a participação da mãe, a
qual, ainda que indiretamente, contribui para a ocorrência do
delito, seja ora não noticiando o fato, seja não impedindo ou
impondo uma barreira para sanar o problema.

Conclusão

O abuso sexual vem sendo perpetrado dia após dia, sendo


os principais abusadores membros da própria família, gerando a
violência intrafamiliar. Pode-se dizer que o incesto é o abuso
sexual cometido pelo pai ou padrasto.
Acima de qualquer suspeita, pais e padrastos violentam
sexualmente suas filhas e enteadas, as ameaçam de todas as maneiras
possíveis e agem friamente como se nada estivesse ocorrendo.
Os agressores levam uma vida aparentemente normal e
muitas vezes trabalham regularmente, mas por trás dessa máscara
de bom samaritano está uma pessoa “doente” e sem escrúpulos. É
capaz de manipular todos que estão a sua volta e agir da maneira
que melhor lhe convier.
A sociedade encontra-se completamente equivocada ao
relacionar o agressor sexual infantil como sendo aquele único
indivíduo desprovido de cultura e dinheiro. Na verdade, não há
nenhuma classe social que tenha uma maior tendência para
desenvolver a violência intrafamiliar. Na verdade esse crescente
número de abuso sexual em crianças e adolescentes surge desde o
desempregado aos diretores de empresas renomadas.
Quando se trata da violência intrafamiliar, a situação se

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 39


agrava, a família se divide para proteger o agressor e a vítima,
invertendo os polos de ambos. É exigido da vítima o complô do
silêncio, ocasionando uma confusão do que esteja acontecendo. O
pai ou padrasto é uma pessoa afetivamente importante, não
sabendo distinguir a criança se aquele carinho é abusivo quando,
na verdade, não passa de um objeto sexual do agressor para realizar
seus desejos torpes.
A sociedade coloca uma venda nos olhos para não ver
tantas barbaridades, ao invés de encarar essa luta de frente e
combatê-la pra valer. Acha mais fácil e menos assustador acreditar
em falsos mitos e paradigmas, como o da necessidade do homem
não ter controle, por exemplo.
Entretanto, a sociedade precisa ser mais realista e menos
sonhadora. Acreditar em sonhos, projetos benéficos, sim. Acreditar
que fatos como os relatados de abuso sexual não acontecem ou, se
acontecem, é em casos extremos, é fantasiar demais.
O problema não está apenas no agressor, não é apenas ele
que está doente, é o mundo todo, ignorantes da realidade.
Urge que, nós, operadores do direito, nos aperfeiçoemos
para que essas vítimas transmitam-nos o relato do abuso sexual
sofrido sem receio de serem represadas ou ameaçadas.

Referências

DOBKE, V. Abuso sexual: a inquirição das crianças – uma


abordagem interdisciplinar. 1. ed. Porto Alegre: Ricardo Lenz
Editor, 2001.

40 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


PARA MIGUILIM PODER SORRIR: REFLEXÕES SOBRE
A IMPORTÂNCIA DE AÇÕES INTERSETORIAIS DE
PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR CONTRA
CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Jaqueline Luvisotto Marinho*

Resumo:
Neste texto são apresentadas reflexões sobre a importância e a necessidade de
ações de prevenção da violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes
realizadas de modo intersetorial, partindo de uma contextualização com a
narrativa do escritor João Guimarães Rosa sobre a situação de violência física
intrafamiliar vivida pelo personagem Miguilim, em “Campo Geral”.

Palavras-chave: violência intrafamiliar, criança, adolescente, prevenção,


ações intersetoriais.

Ao discutir sobre violência intrafamiliar contra crianças e


adolescentes, podemos partir da narrativa do escritor João
Guimarães Rosa, em “Campo Geral”, sobre o contexto de uma
criança – o personagem Miguilim – e sua família:

Era dia-de-domingo, Pai estava lá, veio correndo. Pegou


o Miguilim, e o levou para casa, debaixo de pancadas.
Levou para o alpendre. Bateu de mão, depois resolveu:
tirou a roupa toda de Miguilim e começou a bater com a
correia da cintura. Batia e xingava, mordia a ponta da
língua, enrolada, se comprazia. Batia tanto, que Mãe,
Drelina e a Chica, a Rosa, Tomezinho, e até Vovó Izidra,
choravam, pediam que não desse mais, que já chegava.
Batia. Batia, mas Miguilim não chorava. Não chorava,
porque estava com um pensamento: quando ele
crescesse, matava Pai. Estava pensando de que jeito era
que ia matar Pai, e então começou até a rir. Aí, Pai
esbarrou de bater, espantado: como tinha batido na
cabeça também, pensou que Miguilim podia estar
ficando doido. [...]

*
Técnica Pericial em Medicina do MP-GO.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 41


E Miguilim chorou lá dentro de casa, quando Mãe
estava lavando com água-com-sal os lugares
machucados em seu corpo. – “Mas, meu filhinho,
Miguilim, você, por causa de um estranho, você
agride um irmão seu, um parente?” “– Bato! Bato é
no que é o pior, no maldoso!” Bufava. Agora ele
sabia, de toda certeza: Pai tinha raiva com ele, mas
Pai não prestava. A Mãe o olhava com aqueles tristes
e bonitos olhos. Mas Miguilim também não gostava
mais da Mãe. Mãe sofria junto com ele, mas era mole
– não punia em defesa, não brigava até o fim por
conta dele, que era fraco e menino, Pai podia judiar
quanto queria. (ROSA, 1984, p. 124-125)

Neste trecho percebe-se uma situação de dominação do Pai


em relação ao Miguilim e de reificação da criança, o que faz o
personagem concluir que seu pai não sentia afeto como filho por ele.
Nesta situação de dominação, inclui-se o silêncio de outros
integrantes da família, não havendo questionamentos sobre as
atitudes violentas do Pai, inclusive perpetuando a violência. Estas
atitudes geram reações no personagem Miguilim de ódio e desejo de
vingança: “Pai ia bater, ele agüentava, não chorava, Pai batia até
matar. Mas, na hora de morrer, ele rogava praga sentida. Aí Pai ia ver
o que acontecia.” (ROSA, 1984, p. 129). E também vive numa
incerteza de cada próxima atitude do Pai, violenta de várias formas:

Mas Pai não bateu em Miguilim. O que ele fez foi


sair, foi pegar as gaiolas, uma por uma, abrindo,
soltando embora os passarinhos, os passarinhos de
Miguilim, depois pisava nas gaiolas e espedaçava.
Todo o mundo calado. Miguilim não arredou do
lugar. (ROSA, 1984, p. 129)

O silêncio da família mais uma vez é evidenciado, assim


como a sociedade por vezes se cala diante da violência intrafamiliar.
Salientando que a mãe também é importante agente de violência
física contra as crianças, além do pai e de outros familiares (COSTA et al.,
2007; WEBER et al., 2004), estas incertezas de sentimentos – entre raiva e
afeto – das crianças e dos adolescentes submetidos à violência física
intrafamiliar, em relação a seus familiares (ASSIS e DESLANDES,
2006), são mostradas pelo personagem Miguilim em mais este trecho:

42 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


E então Miguilim viu Pai, e arregalou os olhos: não
podia, jeito nenhum não podia mesmo ser. Mas era.
Pai não ralhava, não estava agravado, não vinha
descompor. Pai chorava estramontado, demordia
de morder os beiços. Miguilim sorriu. Pai chorou
mais forte: – Nem Deus não pode achar isto justo
direito, de adoecer meus filhinhos todos um depois
do outro, parece que é a gente só quem tem de
purgar padecer!? Pai gritava uma brabeza toda,
mas por amor dele, Miguilim. Mãe segurou no
braço de Pai e levou-o embora. Mas Miguilim não
alcançava correr atrás de pensamento nenhum, não
calcava explicação. (ROSA, 1984, p. 134)

Relacionando com os sentimentos do personagem


Miguilim, faz-se relevante citar o estudo de Costa (2004) sobre os
significados e sentidos em relação à violência física das crianças
submetidas a esta violência na família, as quais relataram
sentimentos de tristeza, ódio, medo, desejos de punição e
vingança, sendo observada uma naturalização de uma violência
física como forma educativa pelas próprias crianças.
Assim, conforme explicam Assis e Deslandes (2006), esta
naturalização da violência física como forma de disciplinar está
inserida na família brasileira, sendo sugerida então a possibilidade de
alteração das representações sobre a violência física a partir da
educação dos pais e das mães. Poderíamos, deste modo, estender essa
sugestão para outras formas de violência intrafamiliar como a
psicológica e a sexual, considerando que por vezes os diferentes tipos
de violência intrafamiliar ocorrem em conjunto, e incluir a importância
de se modificar as representações dos pais e das mães sobre o que é ser
criança, numa tentativa de transformar as atitudes de “coisificar” a
criança, como se esta fosse mais uma propriedade dos pais.
Segundo Nunes et al. (2008), a violência física é vista como
forma de disciplina pelos pais. Profissionais que atuam no
atendimento das crianças consideram que, dependendo da ocasião
e da intensidade, a força física pode ser utilizada como recurso
educativo, o que faz pensar na necessidade de modificar as
representações sobre violência intrafamiliar também dos
profissionais envolvidos na questão. A naturalização da violência
intrafamiliar pelos profissionais propicia o silenciamento dessa

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 43


violência, apesar do estabelecido no Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei Federal n. 8.069/90) (PANÚNCIO-PINTO, 2006).
De acordo com Brasil (2001), a prevenção da violência
intrafamiliar, entendida como as atitudes de algum integrante da
família, no interior ou no exterior da casa, que prejudicam o bem-
estar, a integridade física e psicológica, a liberdade ou o
desenvolvimento pleno de outro integrante dessa família precisa
ser intersetorial, relacionando diversos atores sociais envolvidos
com a questão, atuando na transformação na sociedade de atitudes
e concepções envolvendo diversos aspectos relacionados à
violência intrafamiliar, num caminhar para a promoção do respeito
e da não violência, e na capacitação dos profissionais para uma
atuação e um suporte adequados à criança e ao adolescente
submetidos à violência intrafamiliar e para sua família (BRASIL,
2002; DESLANDES et al., 2005).
Em relação a esses aspectos, a Política Nacional de Redução
da Morbimortalidade por Acidentes e Violências, aprovada pela
Portaria MS/GM n. 737, de 16 de maio de 2001, estabelece que
deverão ser realizadas ações intersetoriais no sentido de
reconhecimento e redução da violência doméstica (BRASIL, 2003).
Nesse sentido, Lopes e Malfitano (2006) descrevem uma
experiência articulada intersetorialmente para o enfrentamento de
um tipo de violência, a exploração sexual de crianças e adolescentes,
envolvendo vários eixos de intervenção, entre os quais prevenir,
buscar e diagnosticar, capacitar os profissionais e comunicar através
de material informativo e dos meios de comunicação, como forma de
tentar propiciar suporte social para as crianças e os adolescentes. No
entanto, as autoras salientam a necessidade de que as intervenções
não sejam apenas transitórias, mas tenham uma continuidade para
possibilitar a efetividade dos resultados, envolvendo as áreas de
saúde, educação, cultura, justiça, assistência social e trabalho.
Porém, como explica Nobre (2003) em relação ao
enfrentamento do trabalho infantil, os diversos setores envolvidos nas
ações sociais relacionadas à mudança de realidade de violência de
crianças e adolescentes devem estar articulados em real interação e
cientes da importância de seus papéis e dos papéis dos outros setores.
Considerando, assim, os aspectos abordados e refletindo
sobre a situação vivida pelo personagem Miguilim e por tantas

44 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


crianças e tantos adolescentes submetidos à violência
intrafamiliar, uma realidade infelizmente ainda vivenciada em
seus contextos, é essencial a implementação de ações efetivas e
permanentes no sentido de prevenir essa violência, de modo
intersetorial, transformando representações sobre a violência
intrafamiliar e práticas educativas de naturalização da violência e
reificação da criança, ainda observadas atualmente na sociedade.
Afinal, Miguilim tem o direito de sorrir tranquilamente.

Referências

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contextos de sociabilização infanto-juvenil. In: LIMA, C. A. de
(Coord.). Violência faz mal à saúde. Brasília: Ministério da Saúde,
2006. p. 47-57.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde.


Violência intrafamiliar: orientações para prática em serviço.
Brasília: Ministério da Saúde, 2001.

______. Secretaria de Assistência à Saúde. Notificação de maus-


tratos contra crianças e adolescentes pelos profissionais de saúde:
um passo a mais na cidadania em saúde. Brasília: Ministério da
Saúde, 2002.

______. Política nacional de redução da morbimortalidade por


acidentes e violências: Portaria MS/GM n.737 de 16/5/01,
publicada no DOU n.96 seção 1E de 18/5/01. 1. ed. 2. reimpr.
Brasília: Ministério da Saúde, 2003.

COSTA, L. A. Infância e violência física intrafamiliar: os


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DESLANDES, S. F.; ASSIS, S. G. de; SANTOS, N. C. dos.


Violência envolvendo crianças no Brasil: um plural estruturado e
estruturante. In: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de
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brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde, 2005. p. 43-67.

LOPES, R. E.; MALFITANO, A. P. S. Ação social e


intersetorialidade: relato de uma experiência na interface entre
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NOBRE, L. C. da C. Trabalho de crianças e adolescentes: os


desafios da intersetorialidade e o papel do Sistema Único de
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NUNES, C. B. et al. Concepções de profissionais de saúde sobre a


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PANÚNCIO-PINTO, M. P. O sentido do silêncio dos professores


diante da violência doméstica sofrida por seus alunos – uma
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WEBER, L. N. D. et al. O uso de palmadas e surras como prática


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mai./ago. 2004.

46 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


A VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E
ADOLESCENTES. AÇÕES PÚBLICAS DE PROTEÇÃO NA
ÁREA DO ABUSO OU EXPLORAÇÃO SEXUAL*
Marcos Gardene Carvalho Gomes**

Resumo:
Este artigo traz a análise de algumas iniciativas governamentais na área
da proteção de direitos à criança e ao adolescente. A violência na
adolescência e juventude, mais especificamente a violência sexual, é um
tema de grande relevância na atualidade. Não somente no Brasil, mas
mundialmente, tem-se presenciado o aumento da violência nos centros
urbanos.

Palavra-chave: violência, políticas públicas, criança e adolescente,


exploração sexual, sexualidade.

Quando se fala de sexualidade humana, é muito


difícil chegar a uma definição única para toda a
sociedade, principalmente porque se acredita estar
relacionado apenas ao mundo privado. Mas a
sexualidade, tanto quanto como qualquer outro
tipo de interação entre duas ou mais pessoas, é
regida por leis e costumes sociais que garantem o
convívio social. Não se pode falar em sexualidade
sem se falar em cultura, pois se trata de uma
produção social e cultural.

Para o adolescente, aspectos relacionados à sexualidade


assumem posição de destaque em suas vidas, sendo um momento
importante no seu processo de formação como ser humano. Nessa
fase, é imprescindível que os pais, professores e profissionais da
equipe de saúde, que fazem parte do universo das relações
interpessoais do adolescente, participem no sentido de contribuir

*
Artigo apresentado à Escola Superior do Ministério Público do Estado de
Goiás, para obtenção do certificado do curso sobre Violência Sexual.
**
Técnico em Educação do MP-GO.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 47


para o desenvolvimento saudável da pessoa. Entendemos, portanto,
que não existe uma única definição do que é a sexualidade, mas que, a
partir da história pessoal e da aprendizagem social, se constrói uma
concepção do que é a sexualidade. Dessa forma, o produto de uma
construção é historicamente determinado social e culturalmente,
onde se apreende alguma atribuição ou mesmo o significado para as
vivências práticas e experiências sexuais. Cada grupo social constrói
e recria o imaginário social sobre alguns aspectos da sexualidade.
Entre eles podemos citar seu sentido, seu valor e seu papel na
existência humana que, dessa forma, assume importante significado
em nossas vidas se manifestando de maneiras diversas em cada
pessoa e em cada cultura em momentos históricos distintos.
O abuso sexual, segundo a ABRAPIA, é:
uma situação em que um adolescente mais velho,
baseado em uma relação de poder que pode incluir
desde carícias, manipulação da genitália, mama ou
ânus, exploração sexual, “voyerismo”,
pornografia e exibicionismo, até o ato sexual com
ou sem penetração, com ou sem violência.

Os sujeitos vítimas de violência sexual, seja ela em que


modalidade for, devem ser atendidos e, para isso, mecanismos com
o objetivo de prestar atendimento psicossocial e jurídico às
crianças, aos adolescentes e às famílias vítimas de exploração
sexual devem ser criados.
A violência sexual é um fenômeno reconhecidamente
complexo e multideterminado, associado a fatores econômicos,
sociais, culturais, psicológicos e geracionais, entre outros. Para
enfrentar esse desafio, é fundamental que os governos e a
sociedade desenvolvam mecanismos de intervenção igualmente
complexos, capazes de prover soluções integradas e articuladas
para as diversas necessidades e demandas desse público.
O governo federal relaciona, entre as iniciativas que vêm
sendo desenvolvidas, o programa Sentinela. Trata-se de um
conjunto de estratégias sociais, especializadas e
multiprofissionais, dirigidas às crianças e aos adolescentes
envolvidos com o abuso e a violência sexual, com o objetivo de
garantir seus direitos. O Sentinela é desenvolvido em parceria com

48 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


estados e municípios que atendem aos critérios de seleção e
elegibilidade previamente estabelecidos. Foi implantado
inicialmente em 314 municípios e trata do atendimento e da
proteção imediata às crianças e aos adolescentes abusados ou
explorados sexualmente, proporcionando condições para o
fortalecimento da sua autoestima e o restabelecimento do seu
direito à convivência familiar e comunitária.
Em 2005 foi lançada a Matriz Intersetorial de
Enfrentamento à Exploração Sexual Comercial de Crianças e
Adolescentes, por meio da qual foram identificados 932
municípios e localidades em que ocorriam esses casos de
exploração. Como consequências do levantamento, a Comissão
Intergestora Tripartite da Assistência Social (CCIT) decidiu, em
setembro de 2005, expandir as ações do Sentinela dos 314
municípios para 1.104 localidades. Posteriormente, a decisão foi
aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS).
Outra iniciativa é o Programa de Ações Integradas e
Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil
no Território Brasileiro (Pair). Coordenado pela SEDH, pelo MDS
e pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento
Internacional (Usaid), o programa visa à criação e ao
fortalecimento das redes locais de proteção.
Por fim, o documento apresentado pelo governo destaca a
operação do Disque Denúncia Nacional que realiza, em média,
1.050 atendimentos por dia. Conforme o relatório, de maio de 2003
a março de 2006, o Disque Denúncia recebeu 15.519 denúncias de
todo o País, sendo 2.856 (18%) de abuso sexual; 1.506 (10%) de
exploração sexual e 11.157 (72%) de outras formas de violência –
negligência, violência física, violência psicológica e
desaparecimentos. Desde logo, parece importante redesenhar os
serviços de recebimento e encaminhamento das informações sobre
violência sexual, para melhor elucidar o problema e viabilizar uma
intervenção pública de melhor qualidade. A atual proposta
governamental é insuficiente.
É preciso ter um fluxograma nacional, definir papéis
institucionais e formas de ação para possibilitar a defesa das
vítimas, responsabilizar os envolvidos e reduzir a dispersão das
informações existentes sobre a temática.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 49


O governo federal, os estados e os municípios devem se
empenhar em potencializar um conjunto de ações integradas que
garantam o efetivo cumprimento do Plano Nacional de
Enfrentamento à Violência Sexual (PNEVS).
Finalizando este artigo, propomos algumas Medidas para
melhorar a articulação das políticas públicas na área da violência
sexual:

•O estudo das possibilidades de integrar as ações de proteção e


prevenção com outras iniciativas de cunho social
desenvolvidas pelos governos – a utilização do Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), por exemplo, tem sido
eficiente nas situações em que a exploração sexual estava
relacionada com as condições de extrema pobreza das
crianças, dos adolescentes e suas famílias;
•Que seja ampliada a cobertura das iniciativas – é possível
esperar que, a partir de 2005, o Sentinela alcance cerca de 20%
dos municípios brasileiros, especialmente aqueles em que o
problema está mais grave. Já o Pair é ainda uma iniciativa
piloto, atendendo a uma parcela muito pequena de municípios;
•Que não se terceirizem os programas (como vem acontecendo
com o Sentinela) – o governo não pode se desresponsabilizar
pelo cumprimento de atribuições que, por definição, não
poderiam ser transferidas para organizações não
governamentais;
•Além disso, o Estado deixa de aprender com essas
experiências e corre o risco de fragmentar e desarticular as
ações do Programa com os outros serviços sociais;
•Que o governo federal some os seus próprios recursos aos
investimentos internacionais, pois parcela significativa dos
recursos investidos provém de iniciativas associadas à
cooperação internacional ou de transferência bilateral. Com
isso, o investimento governamental na área vem se reduzindo;
•Defender as vítimas e responsabilizar os envolvidos.

50 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


Referências

ARIÉS, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro:


Guanabara, 1981.

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encontro. 2. ed. Belo Horizonte: Modus Fciendi, 2001. 140p.

______. Aventura pedagógica: caminhos e descaminhos de uma


ação educativa. 2. ed. Belo Horizonte: Modus Fciendi, 2001. 136p.

CURY, M. (Org.). Estatuto da Criança e do Adolescente


comentado. São Paulo: Malheiros, 2002.

DEL PRIORE, M. (Org.). História das crianças no Brasil. São


Paulo: Contexto, 1999.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra,


1997.

GRACIANI, M. S. S. Pedagogia social de rua: análise e


sistematização de uma experiência vivida. 3. ed. São Paulo:
Cortez; Instituto Paulo Freire, 1999. (Coleção prospectiva, v. 4)

INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA. Revista Brasileira de História.


São Paulo, v. 19, n. 37, 1999.

MARCÍLIO, M. L. História social da criança abandonada. São


Paulo: Hucitec, 1998.

RIZZINI, I. A criança e a Lei no Brasil: revistando a história


(1822-2000). Rio de Janeiro: Universidade Santa Úrsula/Anais.
1997-”B”.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 51


52 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009
CONSIDERAÇÕES SOBRE A VIOLÊNCIA
NO CONTEXTO ESCOLAR

Renata de Matos Lacerda Becker*

Resumo:
O texto analisa as diversas concepções de violência abordando suas
manifestações no contexto escolar. Trata, também, da conceituação de
paz concebida por Gandhi.

Palavras-chave: violência, concepções, escola, cidadania.

O conceito de violência engloba uma teia de significados,


não sendo um conceito unívoco, nem tampouco advindo de uma
única fonte, para sua análise deve-se desprender do cunho
emocional, da opinião pública ou da comoção popular. Verifica-se a
utilização da palavra para designar tudo o que não segue aos padrões
da sociedade, o panviolentismo, ou seja, tudo se tornou violência1.
A prevenção à violência é uma questão paradigmática,
iniciando-se com a mudança de paradigmas, passando-se do mito
da violência redentora, ou seja, a violência não é eficaz e não
resolve os conflitos de interesses, desmitificando o fascínio e a
sedução da violência, ligando a ele a força do militarismo. Por
outro lado, a não violência não é apenas a ausência de violência,
segundo o conceito de não violência de Gandhi2, que engloba a
superação da passividade, a superação da contra violência, pois
devolver com violência reforça a espiral da violência. Nesse
sentido, nem toda pessoa que não pratica violência é um não
violento, uma vez que atitudes covardes são tão violentas e

*
Promotora de Justiça, MP-GO, especialista em Direito Administrativo e
Constitucional pela Universidade Católica de Goiás.
1
ARENDT, H. Sobre a violência. São Paulo: Relume-Dumará, 1994. p. 36.
2
MULLER, J. M. O princípio de não-violência: percurso filosófico. Lisboa:
Instituto Piaget, 1995. p. 228.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 53


induzem à violência como a violência entendida como abalo ou
perturbação da realidade.
Destarte, importante ponderar que a agressividade faz parte da
condição humana como um fenômeno biopsicossocial, entretanto, o
mau uso da agressividade conduz a atitudes violentas, uma vez que o
conflito nem sempre leva a uma manifestação de destruição. A história
da humanidade aponta que os direitos humanos foram construídos na
oposição, como exemplo as conquistas da revolução francesa.
Hodiernamente, estamos visualizando a espetacularização
da violência, através não só dos meios de comunicação como rádio
e televisão, como também da utilização da internet e do celular
para divulgação de atos violentos. Contudo, não temos elementos
sistematizados para qualificar e quantificar a sociedade atual como
mais violenta que outras, como na época da colonização, em que
milhares de indígenas foram dizimados e negros escravizados, ou
da denominada Santa Inquisição promovida pela Igreja Católica.
Há diversas formas de violência, como a violência
econômica que divide pobres e ricos, a violência física imposta
pelo poder do mais forte, a violência moral e subliminar, menos
perceptível, mas não menos perversa, a violência simbólica,
representada pelo machismo, pela homofobia, apenas para citar
alguns exemplos, estas por sua vez podem ser analisadas sob
diversos prismas e enfoques. A partir da mídia, faz-se apenas uma
abordagem efêmera, superficial, como se a violência fosse um
surto, uma onda, uma epidemia e, portanto, uma crise passageira.
No que tange à violência no meio escolar, extrai-se que esta
aflora tanto nos países considerados desenvolvidos como nos países
em desenvolvimento, tanto nas escolas públicas como nas escolas
particulares, pois é uma realidade que independe do contexto social.
Nesse aspecto, denota-se que a escola não deve reproduzir
o ambiente familiar ou efetivar a substituição de seus membros,
pois a professora deve ser a professora e não a tia, e os educadores
não devem substituir o papel de pai e mãe. A escola deve ajudar a
inserir a criança e o adolescente na vida pública e trabalhar a
disciplina de forma endógena e não exógena.
A família também assume papel importante na prevenção
da violência, pois a negligência de seus membros leva à falta de
diálogo como fator de risco que redunda em atos de violência.

54 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


Observa-se que esta delegou à escola o papel de formação de seus
filhos, acarretando a pouca participação familiar na educação, no
diálogo, na presença afetiva e, principalmente, na colocação de limites.
Verifica-se a ausência dos pais no cotidiano da criança e do adolescente,
tanto na vida escolar como nas diversas etapas do seu crescimento.
Há dois componentes que estão intimamente ligados à
violência no meio escolar: o adultismo, a criança de hoje é o adulto
de amanhã, por isso deve ser contida, limitada, disciplinada; e a
intolerância às diferenças, as crianças e adolescentes não sabem
lidar com a frustração.
Existem formas de prevenir a violência no meio escolar,
através da educação, que deve organizar-se à volta de quatro
aprendizagens fundamentais e que, ao logo da vida, serão, para
cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhecer;
aprender a fazer; aprender a viver juntos e aprender a ser3.
Baseado nessas quatro vias do saber pode-se destacar a
importância de se ultrapassar a visão puramente instrumental da
educação, considerada como via obrigatória para a obtenção de
certos resultados, e se passe a considerá-la em toda a sua plenitude,
a realização da pessoa que, na sua totalidade, aprende a ser.
Nessa visão prospectiva, é necessário desenvolver qualidades
como a capacidade de comunicação, de trabalhar com os outros, de
gerir e resolver conflitos. Estimular a participação de grupos
divergentes em projetos comuns e o confronto através do diálogo e da
troca de razões, fomentando o espírito crítico e assegurando o exercício
da democracia no sistema escolar. Aos alunos, garantir espaços de
reivindicação e expressão de suas necessidades, como também de
apoio ao agressor e à vítima de violência. Enfim, propiciar a integração
escola, família, comunidade.
Outrossim, a escola deve incentivar a criatividade e a
curiosidade do aluno, que deve ser protagonista, tanto quanto a
disciplina. Na maioria das escolas da rede pública de ensino, cujas
estatísticas foram colhidas pelo MEC/2008 em todo o país,
verificou-se que não há preocupação como o planejamento e

3
Texto extraído do Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre a
Educação para o Século XXI, organizado por DE LORS, J. Educação: um
tesouro a descobrir. 2. ed. Lisboa: ASA, 1996. p. 77-101.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 55


quando há ele é pouco estimulante, limitando-se quase que
exclusivamente a seguir o livro didático, tornando as aulas
enfadonhas e de pouco interesse. As aulas são monótonas, sem
entusiasmo, sem novidades. Estudo recente da Unesco, intitulado
“Repensando a escola” e que enviou pesquisadores/observadores
a 225 (duzentus e vinte e cinco) escolas de dez estados, concluiu:

O recurso “didático” mais frequente era a cópia


pura e simples de matéria do quadro negro. Isso
não é dar aula, muito menos educar. Se temos um
sistema educacional que trata os alunos como
mimeógrafos, que atribui a dificuldade dos
estudantes à sua preguiça ou pobreza e que se
recusa a fazer uma auto-análise, não é de
surpreender que os alunos se revoltem contra essa
instituição e a tratem com o mesmo desprezo com
o qual são tratados por ela.4

Dessume-se a importância na formulação de políticas públicas


eficazes e que façam um diagnóstico e prognóstico dos vários aspectos
da violência, não apenas políticas casuísticas que visam atender a um
momentâneo clamor social advindo de um fato pontual.
Em contraposição à violência temos a paz, cujo conceito
também é complexo, que está intimamente ligado ao exercício da
cidadania, mas o seu significado não é a ausência de violência ou a
passividade. A paz não é individual, mas coletiva, não é a soma da
paz individual e interior de cada um, mas se traduz em ações e
atitudes tendentes a concretizar os direitos humanos.
Mister superar o conceito de paz como ausência de
conflitos e guerras para um conceito mais positivo como o de
justiça e equidade. Nesse sentido, segundo ensinamento de
Gandhi5, diante da injustiça e da violência a paz assume uma
posição de embate, de luta e conquista por ideais de cidadania.

4
IOSCHPE, G. Violência escolar: quem é a vítima? Revista Veja, editora Abril, edição
2089, ano 41, n. 48, dez. 2008.
5
MULLER, J. M. O princípio de não-violência: percurso filosófico, op. cit., p. 228.

56 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


Considerações finais

Embora haja um senso comum de que a violência está


aumentando ou o cotidiano reproduz uma violência sem limites,
com o emergir de novos tipos de manifestação de violência não há
dados consolidados que permitam fazer séries históricas e produzir
comparações para aferir que o momento atual seja mais ou menos
violento do que o de nossos antepassados. O que aumentou foi
nossa percepção acerca da violência e a emoção/sensação de que
vivemos sem segurança, assim como a falsa concepção de
segurança no que tange aos condomínios fechados, carros
blindados, utilização de armas de fogo para defesa pessoal. Há um
aumento da conscientização dos cidadãos na busca e reivindicação
por seus direitos, o que redunda no aumento das estatísticas e da
divulgação de atos de violência.

Referências

ARENDT, H. Sobre a violência. São Paulo: Relume-Dumará,


1994.

DE LORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. 2. ed. Lisboa:


ASA, 1996.

IOSCHPE, G. Violência escolar: quem é a vítima? Revista Veja,


editora Abril, edição 2089, ano 41, n. 48, dez. 2008.

MULLER, J. M. O princípio de não-violência: percurso


filosófico. Lisboa: Instituto Piaget, 1995.

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58 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009
VIOLÊNCIA NO MEIO ESCOLAR

Paulo Rangel de Vieira*

Resumo:
O presente artigo discorre sobre um fenômeno comum nos dias atuais:
trata-se da violência no meio escolar e as possíveis maneiras de resolução
não violenta desse conflito. Destacaremos os três níveis de intensidade na
repressão da conduta, conforme a gravidade da violência no caso concreto.

Palavras-chave: violência, limiar, bullying, pactos de convivência.

Introdução

A violência é um fato social que sempre esteve presente na


História da Humanidade. No caso da violência no meio escolar, a
questão ganha relevância, porquanto os professores não
conseguem lidar com o fenômeno que ocorre dentro do ambiente
em que se propuseram a educar os alunos.
Disso resulta que, por vezes, os próprios professores são
vítimas da violência, situação que torna inviável o próprio ambiente
de aprendizado, prejudicando, inclusive, os alunos não violentos.
Dessa forma, é importante o debate em torno do tema,
porquanto somente assim é que será possível encontrar caminhos
que, se não solucionam, pelo menos amenizam o problema.

Os três níveis de violência na escola

De acordo com o pensamento do Prof. Doutor Marcelo Irineu

* Promotor de Justiça Substituto do MP-GO, atualmente respondendo pelas


Promotorias de Justiça das comarcas de Alvorada do Norte e Iaciara.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 59


Rezende Guimarães, existem três níveis de violência no meio
escolar. O primeiro deles consiste em manifestações limiares, tais
como agressividade não canalizada (por parte de crianças), atos leves
de indisciplina e violência como ausência da palavra e da ação, este
último exemplo denominado como “violência muda”.
Para cada um desses exemplos o professor cita uma forma
eficaz de reação que ajuda a solucionar o problema. No caso de
agressividade não canalizada por parte de crianças, atos como a escola
disponibilizar às mencionadas crianças aprendizado de artes marciais
por vezes são suficientes para evitar que a agressividade persista.
No que se refere aos atos leves de indisciplina por parte de
alunos, a solução pode ser obtida através de um “pacto de
convivência”, consistente em reunir alunos, diretores, professores,
dentre outros profissionais que trabalham no ambiente escolar,
com o fito de elaborarem as regras que deverão por todos serem
respeitadas. Nesse caso, o simples fato de os alunos (antes
indisciplinados) participarem do processo de produção de regras é
(pode ser) suficiente para cessação dos atos de indisciplina.
Finalmente, no que tange à “violência muda”, deve a escola
estimular atividades que integrem todos os alunos, a fim de que
estes não se sintam inibidos e, assim, expressem suas idéias, que
muitas vezes podem ser interessantes e colocadas em prática.
O segundo nível de violência é conhecido como Bullying,
que consiste no desejo consciente e deliberado de maltratar uma
pessoa, colocando-a sob tensão. O Bullying pode ser físico, verbal,
de exclusão social ou indireto.
Dentro do ambiente escolar, um exemplo de Bullying físico
é quando um aluno, com a intenção de humilhar o colega, lhe
desfere chutes ou “puxa” a orelha. O Bullying verbal ocorre
quando, com a mesma intenção, o aluno insulta ou xinga o colega.
Pode ainda o Bullying ocorrer como forma de exclusão
social quando um grupo de alunos, por qualquer razão irrelevante,
decide não brincar com algum(ns) colega(s). Finalmente o
Bullying, na forma indireta, ocorre quando, pelos mesmos motivos
baixos, um aluno (ou grupo de alunos) calunia ou difama outro.
Diante deste segundo nível de violência, a resposta por
parte dos educadores deve ocorrer na forma de acompanhamento
interdisciplinar. Com efeito, castigos moderados na forma de

60 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


orientação e exclusão de algumas regalias dos agressores,
acompanhados de palestras direcionadas a todos os estudantes,
podem ser suficientes para reprimir o Bullying.
Finalmente, o terceiro nível de violência consiste em
manifestações autonomizadas por parte dos estudantes, tais como
brigas generalizadas, agressões graves, crimes contra o patrimônio
e existência de “gangues”.
Nessas hipóteses, somente a repressão na esfera policial e
judicial é suficiente para combater a conduta diante da evidente
gravidade desta.
O pensamento do prof. Marcelo Irineu acima exposto coincide,
em boa parte, com os instrumentos previstos no próprio Estatuto da
Criança e do Adolescente na hipótese de prática de atos infracionais.
Com efeito, o ECA prevê medidas sócioeducativas que
podem ser aplicadas ou homologadas pela autoridade judiciária ao
adolescente (entre 12 e 18 anos), de acordo com a gravidade do ato
infracional. Quando ocorrem atos infracionais considerados
“leves”, a advertência e a obrigação de reparar são, geralmente, as
medidas sócioeducativas correspondentes.
Se o ato infracional não for tão “leve”, mas também não se
revestir de relevante gravidade, por vezes a prestação de serviços à
comunidade e a liberdade assistida são as medidas sócioeducativas
aplicadas. Finalmente, na hipótese de ato infracional grave
(praticado mediante violência ou grave ameaça à pessoa), a
inserção do adolescente em regime de semiliberdade ou internação
são soluções jurídicas correspondentes.
Vale ressaltar que, como é de conhecimento de todos que
militam na área jurídica, ao ato infracional praticado por criança
(até 11 anos de idade) correspondem a aplicação das medidas de
proteção previstas no art. 101, da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da
Criança e do Adolescente).

Conclusão

Verifica-se, portanto, que os instrumentos jurídicos


existentes permitem a aplicação das soluções gradativas (de acordo
com os três níveis), conforme leciona o Prof. Marcelo Irineu.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 61


Mas, para solução do problema da violência no meio
escolar, além das soluções gradativas, é necessária a formulação de
políticas públicas voltadas para a Assistência Social, Educacional
e da Infância e Juventude.
Isso porque somente quando as famílias tiverem um “mínimo
existencial” e todos os órgãos previstos no Estatuto da Criança e do
Adolescente (tais como Conselho Municipal dos Direitos da Criança e
do Adolescente e Conselho Tutelar) forem criados em todos os
municípios, contarem com pessoas capacitadas e recursos materiais
suficientes é que o Estado disporá de estrutura administrativa idônea
para resolver o problema.

Referências

CAHALI, Y. S. Mini-códigos. Lei n. 8.069/90. 10. ed. São Paulo:


Ed. RT, 2008.

GUIMARÃES, M. I. R. Curso Prevenção à violência no meio


escolar. Resolução não-violenta dos conflitos, novembro/dezembro
de 2008.

62 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


ANENCEFALIA E O DIREITO À VIDA

Alberto Francisco Cachuba Júnior*

Resumo:
O Supremo Tribunal Federal está a discutir questão de relevância jurídica
ímpar, e de discussão moral e ética ingente. Trata-se da possibilidade da
antecipação terapêutica de parto em caso de fetos anencefálicos. Tal
matéria é passível de ser analisada sob diversos ângulos jurídicos,
filosóficos e morais. Entretanto, o presente trabalho pretende analisar a
questão sob o ponto de vista do Direito à vida. A metodologia que se
pretende empregar no presente artigo é a abordagem do problema sob o
ponto de vista dogmático, sem, contudo, descuidar-se da discussão que se
encontra presente no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

Palavras-chave: aborto, anencefalia, liberdade individual, direito à


vida, princípio da proporcionalidade.

Toda vez que se discute a questão referente ao aborto dos


fetos anencéfalos surge, mesmo que de forma implícita, a questão
do Direito à vida e sua proteção.
A questão do aborto é repleta de debates e de complicações
das mais diversas ordens. Discute-se no mundo inteiro se a mulher
tem o direito de interromper uma gravidez. A questão, em última
análise, diz respeito à proteção da liberdade da mulher (sua
autodeterminação) e o direito à vida do feto.
E no meio deste debate surge a questão de determinar quando
surge o Direito à vida. Para alguns é na concepção, para outros no
nascimento com vida. A discussão está longe do consenso1.

*
Promotor de Justiça Substituto da Comarca de Águas Lindas de Goiás, MP-GO.
1
Pode-se classificar a controvérsia sobre o início da vida em quatro vertentes: 1. os
que sustentam que a vida se inicia com a fertilização; 2. os que sustentam que a vida se
inicia com a implantação do embrião no útero; 3. os que sustentam que a vida se inicia
com o início da atividade cerebral; e 4. os que sustentam que a vida se inicia com o
nascimento com vida.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 63


A par da discussão, entendo que, inobstante se considere ter
ou não o feto vida, este merece especial proteção, garantindo-se
todas as possibilidades para que nasça com vida, sendo de se
destacar, ainda, que tal direito é desvinculado da genitora,
existindo de forma independente. Ou seja, protege-se o feto pela
vida que já é, ou poderá ser, independente do direito que toca à
gestante. Tanto é assim que o aborto praticado pela gestante,
ausente condição especial que lhe autorize, é apenado pelo nosso
Direito (art. 124 do Código Penal).
Dessa forma, toda espécie de aborto é um conflito entre
interesses jurídicos. E toda vez que se fala em aborto está sendo
questionado qual deles deve prevalecer; trata-se de autêntica
ponderação de interesses.
Nosso legislador, ao efetuar tal ponderação, conferiu proteção
prevalente à vida intra-uterina, em oposição à autodeterminação da
gestante. Entendeu que o feto merece especial proteção, sobrepondo-se
o direito de nascer com vida à liberdade de escolha da mulher se quer ou
não ter um filho.
Percebe-se, portanto, que o planejamento familiar, ter ou não
descendentes, restou relegado a um plano secundário em relação à
gravidez, em que o direito do feto sobrepõe-se à tal liberdade.
E é exatamente em decorrência dessa opção valorativa
efetuada por nosso legislador que o aborto é proibido e criminalizado
em nosso ordenamento jurídico.
Entretanto, tal proibição não é absoluta. O artigo 128 do
Código Penal autoriza o aborto no caso da gravidez gerar risco de
vida à gestante e no caso de estupro.
Diante dessa autorização legal surge indagação de extrema
relevância para a questão do aborto nos casos de anencefalia: as
hipóteses de aborto autorizadas pelo artigo 128 são taxativas, e,
portanto, somente nesses casos é que o aborto será possível?
A resposta a tal indagação é crucial para o enfrentamento
das questões relativas à anencefalia, já que tal hipótese não se
encontra contemplada pelo referido dispositivo2.

2
No presente trabalho tratou-se a interrupção da gravidez de feto com anencefalia
como aborto, pois, ao contrário do defendido na ADPF 54, entendemos que tal
modalidade de interrupção constitui formalmente aborto.

64 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


A resposta, inobstante respeitáveis vozes em sentido
contrário, só pode ser negativa, vez que o legislador ordinário não
pode limitar a priori os casos em que devem prevalecer tal ou qual
valor juridicamente protegidos, sob pena de violarem o núcleo
essencial dos direitos fundamentais. Os direitos em conflito no
caso de aborto são ambos direitos fundamentais e, como tal, não se
admite a prevalência absoluta de um em face do outro. Em última
análise, é o caso concreto que vai delimitar qual dos valores
constitucionais deve ser protegido.
Nesse sentido é a lição do mestre J. J. Gomes Canotilho:
Os exemplos anteriores apontam para a
necessidade de as regras do direito constitucional
de conflitos deverem construir-se com base na
harmonização de direitos, e, no caso, de isso ser
necessário, na prevalência (ou relação de
prevalência) de um direito ou bem em relação a
outro (D1 P D2). Todavia, uma eventual relação
de prevalência só em face das circunstâncias
concretas se poderá determinar, pois só nestas
condições é legítimo dizer que um direito tem
mais peso do que o outro (D1 P D2)C, ou seja, um
direito (D1) prefere (P) outro (D2) em face das
circunstâncias do caso (C).3 (grifo nosso)

Portanto, é a situação concreta com os valores postos em jogo


que vai permitir a prevalência de um ou outro direito fundamental. E
o método adequado para se obter a resposta sobre qual direito deve
prevalecer é a aplicação do princípio da proporcionalidade.
A consequência do exposto anteriormente é que a solução
sobre a possibilidade de aborto nos casos de fetos anencéfalos só
vale para esses casos, devendo as demais hipóteses de aborto ser
objeto de nova ponderação de bens e valores, para só após poder se
afirmar se é ou não legítima a interrupção da gestação.
Feita essa breve introdução sobre os elementos latentes à
solução da questão, passa-se à análise do problema relativo à
possibilidade de aborto nesses casos.

3
CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 3. ed.
Coimbra: Almedina: 1999. p. 1194.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 65


Sobre o que vem a ser anencefalia e suas consequências,
cite-se o escólio dos Doutores Carlos Gherardi e Isabel Kurlat4:

A anencefalia é uma alteração na formação cerebral


resultante de falha no início do desenvolvimento
embrionário do mecanismo de fechamento do tubo
neural e que se caracteriza pela falta dos ossos
cranianos (frontal, occipital e parietal), hemisférios
e do córtex cerebral. O tronco cerebral e a medula
espinhal estão conservados, embora, em muitos
casos, a anencefalia se acompanhe de defeitos no
fechamento da coluna vertebral. Aproximadamente
75% dos fetos afetados morrem dentro do útero,
enquanto que, dos 25% que chegam a nascer, a
imensa maioria morre dentro de 24 horas e o resto
dentro da primeira semana.

Questão importante que se extrai do presente conceito é a


inviabilidade para a vida extrauterina que caracteriza o feto anencéfalo.
Nesse sentido é de se observar que o presidente do
Conselho Federal de Medicina, Dr. Edson de Oliveira Andrade,
afirmou que: “um feto anencefálico deve, sob o ponto de vista de
definição como vimos em quesito anterior, ser considerado um ser
vivo, mas com chance estatística de 100% de estar morto durante
ou na primeira semana após o nascimento”.5
Tal fato é de extrema importância para o deslinde da
questão, vez que insere novos valores constitucionais na equação.
Veja-se que a imposição de que uma mulher suporte por
nove meses a gestação de um feto sem possibilidade de vida
extrauterina implica em ingente abalo emocional e psíquico,
violando, além da autodeterminação, a dignidade humana.
Portanto, inobstante argumentos éticos e religiosos em

4
GHERARDI, C.; KURLAT, I. Anencefalia e Interrupción del Embarazo - Análisis
médico y bioético de los fallos judiciales a propósito de un caso reciente. Disponível
em: http://www.la-lectura.com/ensayo/ens-19.htm. In: PONTES, M. S. A
anencefalia e o crime de aborto: atipicidade por ausência de lesividade. Jus
Navigandi, Teresina, ano 10, n. 859, 9 nov. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.
com.br/doutrina/texto.asp?id=7538>.
5
In: CRUZ, L. C. L. A grande diferença. Disponível em: http://www.providaanapo
lis.org.br/agrandif.htm.

66 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


sentido contrário, conclui-se que, em uma ponderação dos valores
postos em colisão, há que prevalecer a autodeterminação da
gestante, concedendo-lhe o direito de interromper a gestação
diante de feto anencéfalo, sob pena de grave violação ao princípio
da dignidade humana.
Como bem restou argumentado na ADPF 54, diante da
inviabilidade da vida extrauterina do feto, o Direito deve voltar sua
proteção para a gestante.
Conclui-se, portanto, que a interrupção da gestação nessas
hipóteses, embora formalmente típica, não constitui crime por
ausência de tipicidade material, já que uma interpretação do
Código Penal à luz da Constituição impede que se considere
proibida tal conduta, sob pena de violação ao princípio da
autodeterminação da mulher e da sua dignidade humana.
Importa mencionar, ainda, que a presente questão chegou
ao Supremo Tribunal Federal através da ADPF 54, aforada pela
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde, em parceria
com a organização não governamental do Instituto de Bioética,
Direitos Humanos e Gênero.
Na mencionada arguição, foi requerido como pedido
principal a interpretação conforme a Constituição dos dispositivos
do Código Penal, a fim de se declarar inconstitucional a
interpretação dos referidos dispositivos como impeditivos de
antecipação terapêutica do parto em caso de gravidez de feto
anencefálico, diagnosticada por médico habilitado, reconhecendo-
se o direito subjetivo da gestante de se submeter a tal procedimento
sem a necessidade de apresentação prévia de autorização judicial
ou qualquer outra forma de permissão específica do estado.
Em 1º de julho de 2004, o ministro Marco Aurélio Mello
concedeu liminar autorizando que mulheres grávidas de fetos com
anencefalia pudessem antecipar o parto, desobrigando os
profissionais de saúde de obter autorização judicial para realizar os
procedimentos clínicos. Em outubro do mesmo ano, o Supremo
Tribunal Federal cassou a liminar. Portanto, a questão encontra-se
pendente de julgamento pelo STF, havendo grandes chances de ser
julgada em 2009, oportunidade em que se colocará um fim na
discussão, ao menos em termos práticos.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 67


Referências

CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional e teoria da


Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999.

CRUZ, Pe. L. C. L. A grande diferença. Disponível em:


http://www.providaanapolis.org.br/agrandif.htm.

GHERARDI, C.; KURLAT, I. Anencefalia e Interrupción del


Embarazo - Análisis médico y bioético de los fallos judiciales a
propósito de un caso reciente. Disponível em: http://www.la-
lectura.com/ensayo/ens-19.htm. In: PONTES, M. S. A anencefalia
e o crime de aborto: atipicidade por ausência de lesividade. Jus
Navigandi, Teresina, ano 10, n. 859, 9 nov. 2005. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7538>.

68 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


A RELAÇÃO HOMOAFETIVA À LUZ DO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Guilherme Vicente de Oliveira*

Resumo:
Este artigo aborda a relação entre direito e sexualidade à luz do dogma maior
que orienta todo o ordenamento jurídico vigente, qual seja: a dignidade da
pessoa humana, tida como núcleo do Estado Democrático de Direito. Propõe-
se uma análise democrática do direito à sexualidade a partir dos postulados
fundamentais da liberdade, igualdade e não discriminação. De igual modo,
serão examinadas algumas construções pretorianas acerca do tema,
notadamente no que diz respeito à ausência de normas no plano
infraconstitucional e necessidade de integração do ordenamento jurídico.

Palavras-chave: dignidade da pessoa humana, sexualidade, democracia,


não discriminação.

Direito e sociedade sempre caminharam juntos. A partir dos


fatos sociais o direito é impulsionado com a missão de estabelecer
normas a serem aplicadas aos conflitos naturais da vida humana em
sociedade, com o fito de promover a convivência pacífica,
harmoniosa e justa, residindo nesse aspecto a noção de paz social.
Em dias atuais, o Estado assumiu o monopólio e tornou-se
responsável por dirimir conflitos, dizendo o direito nos casos
concretos, naquilo que hoje se denomina jurisdição. Esta é
exercida, em essência, através da aplicação, por parte do Poder
Judiciário, de leis criadas por representantes do povo, Poder
Legislativo, eleitos, na sistemática atual, por um processo
democrático.
Nosso arcabouço legislativo possui forma hierarquizada.
Modelo piramidal Kelseniano, no qual todo o sistema possui como
referência maior a Constituição Federal, tida como um sistema

*
Promotor de Justiça Substituto da Comarca de Águas Lindas de Goiás, MP-GO.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 69


aberto de normas e princípios. Segundo Hans Kelsen1, todas as
demais leis devem buscar na Constituição seu fundamento de
validade e com ela manter perfeita consonância, sob pena de
inconstitucionalidade e consequente expurgação do sistema
mediante controle de constitucionalidade.
Ocorre que determinados fatos sociais acabam por se situar à
margem da ação legislativa regradora. Seja pela influência de modelos
conservadores, quem não se recorda da barreira religiosa à instituição
do divórcio no país? – barreira esta transposta pelo advento da Lei
6515/77, ou mesmo por desinteresse e ineficiência dos órgãos
legiferantes, o que, lamentavelmente, é uma realidade. Dentre esses
fatos sociais se situa a união homoafetiva, cada vez mais corriqueira e
notória nos dias de hoje. A realidade e até a ficção (novelas, filmes etc.)
nos mostram todos os dias a evidência desse fato social.
A omissão do legislador, notadamente por influência de um
modelo arcaico e discriminador, acaba por obrigar o operador do
direito a buscar uma solução integrativa para a questão, pois a
sociedade clama por resposta das Instituições, isso a partir do sistema
de normas e princípios constitucionais, inaugurado pela Carta Política
de 05 de outubro de 1988, bem como pela própria lei de Introdução ao
Código Civil, que em seu art. 4º dispõe que em caso de omissão o juiz
aplicará a analogia, equidade ou princípios gerais de direito.
Pois bem, contextualizado o problema, dada a ausência de
normas próprias a regerem o fato social, passaremos a analisar a
possibilidade do reconhecimento jurídico da união entre pessoas
do mesmo sexo.
O processo de redemocratização do país, concluído, pro forma,
com a promulgação da Constituição da República em 1988, trouxe
consigo a consolidação do dogma maior chamado dignidade humana
(fundamento da República Federativa do Brasil e núcleo do Estado
Democrático de Direito). Com ela, dentre outros pontos, a garantia a
toda pessoa de ser feliz, de levar sua vida da maneira que melhor lhe
aprouver, desde que licitamente. No novo sistema, como regra, não há
mais espaço para ingerências na vida privada, no íntimo de cada um,
seja por parte do Estado, da família ou de quem quer que seja.
Modelos do século passado, a exemplo dos pais escolherem

1
KELSEN, H. Teoria pura do direito. 6. ed. Coimbra: Armênio Armado Editor, 1998.

70 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


maridos para as filhas, que muitas vezes se casavam sem sequer
conhecer o futuro consorte, da proibição do divórcio por imposição de
cunho religioso, inexistência da proteção do direito às relações de união
estável, discriminação em decorrência de sexo, cederam e deram lugar
a um novo paradigma, fator que hoje também começa a alcançar a
união homoafetiva, sobretudo no âmbito de nossos Sodalícios.
Ademais, o respaldo constitucional à relação homoafetiva
não se limita apenas ao dogma maior da dignidade da pessoa
humana. É também objetivo da República Federativa do Brasil
promover o bem de todos, sem preconceito de origem, ração, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, inciso
IV da CF/88). De igual forma, consistem em direitos fundamentais a
liberdade e igualdade, nos termos do art. 5º do texto constitucional.
Em referência ao princípio da igualdade, mister trazer a
lume as lições do consagrado Pedro Lenza2:

Em busca por um igualdade substancial muitas vezes


idealista, reconheça-se, eterniza-se na sempre lembrada,
com emoção, Oração aos Moços, de Rui Barbosa,
inspirado na lição secular de Aristóteles, devendo-se
tratar-se igualmente os iguais e desigualmente os
desiguais na medida de suas desigualdades.

Ora, à luz desse postulado concluímos que nosso sistema


admite discriminações positivas, estas balizadas em critérios
razoáveis e coerentes com a desejada igualdade material, a exemplo
de destinação de vagas para deficientes em concursos públicos, o que
não se amolda à opção sexual, pois ser homossexual não diminui
direitos e, muito menos, a dignidade da pessoa humana.
As construções pretorianas do Superior Tribunal de Justiça têm
comungado desse entendimento, admitindo a união homoafetiva como
análoga à união heteroafetiva, com consequente outorga de direitos.
Vejamos:

PROCESSO CIVIL E CIVIL.


PREQUESTIONAMENTO – AUSÊNCIA –
SÚMULA 282/STF – UNIÃO HOMOAFETIVA –

2
LENZA, P. Direito constitucional esquematizado. 12. ed. Rio de Janeiro:
Saraiva, 2008. p. 596.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 71


INSCRIÇÃO DE PARCEIRO EM PLANO DE
ASSISTÊNCIA MÉDICA – POSSIBILIDADE –
DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO
CONFIGURADA. Se o dispositivo legal
supostamente violado não foi discutido na formação
do acórdão, não se conhece do recurso especial, à
mingua de prequestionamento. A relação homoafetiva
gera direitos e, analogicamente a união estável
permite a inclusão do companheiro dependente em
plano de assistência médica. O homossexual não é
cidadão de segunda categoria. A opção ou condição
sexual não diminui direitos e, muito menos, a
dignidade da pessoa humana. Para a configuração da
divergência jurisprudencial é necessário o confronto
analítico, para evidencial semelhança e simetria entre
os arestos confrontados. Simples transcrição de
ementas não basta. RESP 238.715-RS Rel. Ministro
Humberto Gomes de Barros.

No mesmo sentido: AgRg no Ag 971466/SP/ RESP 148.897.


A construção pretoriana, aos poucos, supre o vazio legal:
após longas batalhas, os tribunais aos poucos proclamam os efeitos
práticos da relação homoafetiva, assegurando ao cidadão o direito
à liberdade do pleno exercício da sexualidade sem qualquer
discriminação ou ingerência estatal, familiar ou social. E essa
tendência do Poder Judiciário refletirá no Legislativo.
Como visto, a nosso sentir não há impedimento legal ao
reconhecimento da união homoafetiva. Mesmo que ainda não exista
entre nós lei nova para regulamentar esse notório fato social, é indene
de dúvidas que a própria sistemática constitucional ampara
juridicamente essa união, a partir dos postulados acima expostos.

Referências

KELSEN, H. Teoria Pura do Direito. Coimbra: Armênio Armado


Editor, 1998.

LENZA, P. Direito constitucional esquematizado. Rio de Janeiro:


Saraiva, 2008.

72 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


MULHER OU ESTADO: QUEM DECIDE SOBRE O
ABORTO DO FETO ANENCÉFALO?

Lucrécia Cristina Guimarães*

Resumo:
Atualmente vive-se, um momento crucial em que pende no Supremo
Tribunal Federal a ADPF n. 54, que discute a possibilidade de autorização
para a realização de antecipação terapêutica de parto em caso de fetos
anencefálicos. Em meio a toda essa discussão, tem-se verificado pressão de
vários segmentos da sociedade brasileira seja contra ou pró-aborto, colocando
em cheque a laicidade do Estado com que a Suprema Corte tem enfrentado tal
tema. Superadas todas essas discussões, a questão do aborto anencefálico é
uma difícil decisão, que deve caber exclusivamente à mulher, geradora do
feto sem chances de sobrevida, de acordo com suas convicções pessoais.

Palavras-chave: aborto, anencefalia, autonomia reprodutiva, estado laico,


ética privada.

O Supremo Tribunal Federal encontra-se em um momento


ímpar de sua trajetória em busca da delimitação do Direito no Brasil
ao ter de enfrentar o julgamento relativo à autorização para o aborto,
quando se tratar de feto anencefálico. Trata-se de uma discussão
muito grave, como não pode deixar de ser qualquer discussão acerca
dos direitos humanos, pois o que está em foco é o direito à vida.
Este será um julgamento histórico não somente pelos desafios
políticos e éticos que envolvem a própria estrutura constitucional do
Estado brasileiro, mas principalmente porque será a primeira vez que
seriamente um tema de direitos reprodutivos será discutido como uma
questão de direitos humanos.
Em meados de junho de 2004 foi movida a Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54), perante o
Supremo Tribunal Federal, tendo como autora a Confederação

*
Promotora de Justiça Substituta da Comarca de SantoAntônio do Descoberto, MP-GO.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 73


Nacional dos Trabalhadores da Saúde – CNTS, em parceria com a
organização não governamental do Instituto de Bioética, Direitos
Humanos e Gênero – ANIS, requerendo que a Suprema Corte
autorizasse em todo território nacional a prática do aborto em
casos de nascituros portadores de anencefalia, em qualquer idade
gestacional, tendo assim, como objetivo, garantir o direito de
escolha das mulheres e proteger os profissionais de saúde que
quisessem realizar o procedimento.
Em 1º de julho de 2004, o ministro Marco Aurélio Mello
concedeu liminar autorizando que mulheres grávidas de fetos com
anencefalia pudessem antecipar o parto, desobrigando os profissionais
de saúde de obter autorização judicial para realizar os procedimentos
clínicos. Em outubro do mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal
cassou a liminar, fazendo com que as mulheres grávidas de anencéfalos
voltassem a pedir judicialmente autorização, caso a caso, a fim de que
pudessem interromper a gestação em casos de anomalias fetais
incompatíveis com a vida extrauterina.
Para a derrubada da liminar foram utilizados argumentos
diversos. Para um ministro, a liminar concedida criara uma terceira
modalidade de aborto permitido, já que o Código Penal prevê
apenas o caso de estupro ou risco de vida para a gestante. Outro
contestou o argumento de que a antecipação dos partos deve ser
liberada já que os fetos com anencefalia não vivem fora do útero,
dizendo que todos nós nascemos para morrer.
Da corrente daqueles favoráveis à interrupção da gestação,
vencidos, um ministro, proferiu: “estamos discutindo sobre o
direito de viver ou o direito de nascer para morrer? Existe direito de
nascer para morrer?”.
Enquanto vigorou, a liminar do Supremo Tribunal Federal
amparou principalmente mulheres pobres e profissionais de saúde
pública, conforme dados por amostragem. A concentração entre
mulheres pobres e usuárias de saúde pública não significa que a
pobreza seja o determinante da anencefalia fetal ou que somente
mulheres pobres tenham carência de ácido fólico, uma das causas
dos distúrbios de fechamento do tubo neural. O quadro é ainda
mais perverso: a liminar era marcadamente um ato de justiça
social. As mulheres pobres foram as mais diretamente
beneficiadas pela liminar, não apenas por serem a maioria da

74 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


população brasileira, mas sim porque são as mais vulneráveis à
exigência judicial de um alvará ou um despacho do Ministério
Público por dependerem dos serviços públicos de saúde.
Após ficar definido pela Suprema Corte que a ADPF era o
instrumento idôneo para se questionar a antecipação terapêutica de parto
no caso dos anencéfalos, aquela Corte ouviu especialistas das mais
diversas áreas do conhecimento com o objetivo de instruir os ministros
para o julgamento acerca da polêmica discussão de se ampliar as
situações legais que permitem à mulher realizar um aborto, tendo em vista
que o diploma repressivo penal não contempla tal modalidade.
Ouvidos, a CNBB – Confederação Nacional dos Bispos do
Brasil – se manifestou contrária à autorização com o argumento de que
apesar dos efeitos da má-formação do cérebro dos bebês tais
circunstâncias não diminuiriam a dignidade da vida humana em gestação,
finalizando sua argumentação pontuando que eventual decisão do
Supremo Tribunal Federal favorável ao aborto de anencefálicos poderia
abrir o precedente para a futura autorização indiscriminada do aborto.
Por seu turno, o ANIS defendeu que a Suprema Corte
deveria ser um local de debate racional e informado, que não
estaria em discussão debates clássicos sobre o aborto e, portanto,
não se poderia falar em abrir brechas para a legalização total do
aborto, pois, no caso em tela, não haveria qualquer possibilidade
de se levar em consideração os interesses do feto anencélafo, uma
vez que o debate passava ao arrepio da legalização do aborto.
Foram ainda ouvidas diversas outras entidades que
apresentaram os mais diversos argumentos para a concessão ou
não da autorização para o aborto em caso de anencéfalos. Foi
apresentado o caso da menina Marcela, que segundo foi apontado
viveu um ano e oito meses, mesmo sendo anencéfala. Todavia,
especialistas provaram se tratar de um erro de diagnóstico, sendo
impossível tratar-se o caso de anencefalia. De outra banda,
argumentou-se que o aborto não deveria ser permitido porque os
fetos seriam potenciais doadores de órgãos, o que também não
subsistiu, porque a anomalia cerebral implica necessariamente em
múltiplas alterações dos outros órgãos.
Situada como a questão se encontra atualmente na Suprema
Corte, o julgamento de mérito está pendente, devendo ocorrer no ano
de 2009, momento até o qual as mulheres esperam pelo fim da tortura.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 75


Dois pontos são cruciais neste debate: o risco da gestação e
a questão se há vida em fetos sem cérebro.
A anencefalia é uma má-formação grave caracterizada por
ausência de ossos do crânio, exceto pelo osso frontal e inexistência
dos hemisférios cerebrais. Por tal motivo, a sobrevida extrauterina
é curta, questão de minutos ou horas.
Assim, a antecipação terapêutica de parto de fetos
anencefálicos situa-se no domínio do senso comum e não suscita
quaisquer das escolhas morais envolvidas na interrupção
voluntária da gravidez viável. Não existe nenhuma proximidade
entre a pretensão apresentada ao Supremo Tribunal Federal e o
chamado aborto eugênico. A antecipação terapêutica do parto em
caso de gravidez de feto anencefálico não caracteriza aborto, como
tipificado no Código Penal e, assim sendo, impedi-la seria uma
infração dos princípios constitucionais da liberdade, dignidade,
violação do direito à saúde e, por fim, um ato de tortura.
No aborto, a morte do feto deve ser resultado direto dos meios
abortivos, sendo imprescindível tanto a comprovação da relação causal
como a potencialidade da vida extrauterina do feto, que não é o que
ocorre na antecipação do parto de um feto anencefálico em que não há
potencial de vida a ser protegido. Somente o feto com capacidade
potencial de ser pessoa pode ser sujeito passivo de um aborto.
Insta consignar que muito embora já tenha ficado demonstrado
que se trata de tema de grande complexidade, a decisão exarada pelo
Supremo Tribunal Federal deverá se pautar em premissas estritamente
jurídicas e médicas, porque num Estado democrático, num Estado laico,
as crenças religiosas não podem subordinar a interpretação do direito.
Com a cassação da liminar, a anencefalia ascendeu a uma das
questões centrais do debate político e ético nacional. Pela primeira vez,
uma questão de direitos reprodutivos deslocou-se do terreno religioso e
dos movimentos sociais e foi seriamente enfrentada como um tema de
direitos humanos. Questões fundamentais ao nosso ordenamento
social serão enfrentadas por ocasião do julgamento definitivo da ação.
O reconhecimento das premissas científicas da ação levará
discussão da matéria em termos laicos, livres de dogmas e valores
religiosos particulares, dado o caráter plural e tolerante da nossa
sociedade em matéria religiosa.
Os julgadores terão que enfrentar a certeza científica da

76 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


morte do feto em termos científicos e argumentos religiosos sobre
a santidade da vida do feto não serão suficientes para justificar o
dever da gestação de um feto morto.
Ao contrário do debate tradicional sobre a moralidade do
aborto, em que controvérsias sobre o início da vida impedem o diálogo
razoável, a anencefalia prescinde de um consenso sobre o estatuto do
embrião. Basta reconhecer que a lei brasileira se pauta por certezas
científicas, e que a ciência reconhece como morto um ser humano sem
atividade cerebral. Ao contrário do debate sobre o início da vida, a
morte é um fato físico inexorável quanto ao seu sentido: um feto com
anencefalia é um feto morto. Assim, contorna-se a controvérsia moral
que caracteriza a definição penal do aborto como crime contra a pessoa.
A grande questão ética trazida pela anencefalia é que
obrigar uma mulher a manter uma gestação contra sua vontade é
um ato de tortura. A tortura não está no acaso de uma gravidez de
um feto com anencefalia, mas no dever se manter grávida para
enterrar o filho logo após o parto. Nesses casos, interromper a
gravidez não é um caso de negação ao direito à vida, pois não há
expectativa favorável de vida a partir do parto.
Atualmente, as mulheres grávidas de fetos com anencefalia
são formalmente proibidas de interromper a gestação, sendo preciso
uma autorização específica do Poder Judiciário para cada caso. Além
do risco de ter o pedido negado, há casos de mulheres que esperam
semanas e até meses pelo resultado do julgamento, o que transforma
a peregrinação judicial numa outra fonte de sofrimento.
É emergencial, ao apreciar o mérito da ação, o Supremo Tribunal
Federal, inspirado na observância dos parâmetros constitucionais e
internacionais e, sobretudo, no princípio fundamental da prevalência da
dignidade humana. Afinal, o Pretório Excelso desempenha o papel de
garantidor dos direitos fundamentais, inclusive em face de possíveis
equívocos do legislador, e o que se discute, no caso, é exatamente a
proteção de direitos humanos básicos das gestantes.
A legislação penal, ao criminalizar o aborto, em 1940,
estabeleceu apenas duas exceções: risco de vida para a gestante e
gravidez resultante de estupro. Mas, se ela não previu a hipótese da
anencefalia do feto, é porque a ciência ainda não tinha tornado possível
o diagnóstico médico dessa patologia durante a gestação. Se a Suprema
Corte legitimar essa outra hipótese de interrupção da gravidez, não

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 77


estará agindo como legislador positivo e invadindo a competência
constitucional do Parlamento. Estará, sim, tornando imediatamente
eficazes direitos fundamentais das gestantes, previstos pela própria
Constituição, e que, de acordo com a vontade do constituinte, gozam de
aplicabilidade imediata.
A ordem jurídica em um Estado de Direito não pode se
converter na voz exclusiva da moral católica ou de qualquer religião.
Com fundamento nos direitos à liberdade, à autonomia e à
saúde, deve caber à mulher e aos casais, na qualidade de plenos sujeitos
de direito, a partir de suas próprias convicções morais e religiosas, a
liberdade de escolha quanto ao procedimento médico a ser adotado em
caso de anencefalia fetal. A responsabilidade de efetuar escolhas
morais sobre a interrupção ou o prosseguimento da gravidez não
apenas assegura à mulher o seu direito fundamental à dignidade, mas
permite a apropriada atuação dos profissionais de saúde.
Impedir a antecipação terapêutica do parto, em hipótese de
patologia que torna absolutamente inviável a vida extrauterina,
significa submeter a mulher a um tratamento cruel, desumano ou
degradante, equiparável à tortura, porque violatório de sua
integridade psíquica e moral. Além disso, se a interrupção do parto
for caracterizada como aborto, recairá sobre a mulher o aparato penal
repressivo e punitivo, por meio das sanções que prevêem a pena de
detenção de um a três anos, nos termos do artigo 124 do Código
Penal. A resposta da legislação brasileira à problemática do aborto
viola flagrantemente os parâmetros internacionais que demandam
do Estado compreender o aborto como grave problema de saúde
pública, exigindo-lhe a imediata revisão de legislação punitiva.
Por outro lado, é preciso recordar que a legislação brasileira
sobre transplantes considera que não há vida humana quando o cérebro
deixa de funcionar. Por isso, pode-se afirmar que, no caso da
anencefalia, não há um conflito entre a liberdade da mulher e a vida do
nascituro, já que o feto desprovido de cérebro não apresenta vida
humana atual ou potencial. Assim, na ponderação entre os valores
envolvidos, realizada a partir de uma perspectiva laica, é evidente a
prevalência do direito de escolha e da saúde física e psíquica da
gestante. Por fim, ressalte-se que o Estado laico é garantia essencial
para o exercício dos direitos humanos. Confundir Estado com religião
implica a adoção oficial de dogmas incontestáveis que, ao imporem

78 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


uma moral única, inviabilizam qualquer projeto de sociedade
pluralista, justa e democrática. A ordem jurídica, em um Estado
democrático de Direito, não pode se converter na voz exclusiva da
moral católica ou da moral de qualquer religião. A interpretação
constitucional não pode se impregnar de dogmas religiosos, mas deve
primar pelo respeito à principiologia e racionalidade constitucionais,
conferindo força normativa à Constituição.
Quem há de decidir sobre isso – decisão não raro dramática e
penosa – é a mulher, e não o Estado ou seus representantes. Quisesse
o Estado realmente proteger a vida, útil e legitimamente muito faria
se, suprimindo histórica omissão, desse prioridade à políticas sociais
de prevenção a atos semelhantes, dirigidas, sobretudo, às mulheres
pobres, para que não precisassem apelar a essa violência, mas se
tivessem de fazê-lo, que o fizessem com um mínimo de segurança.
Sentido algum faz dizer que o tribunal não pode reescrever o Código
Penal, pois interpretar é argumentar corretamente, num sistema
aberto, de modo que, concorrendo sempre várias possibilidades de
interpretação correta, haverá de prevalecer a interpretação menos
irracional e mais fraterna, mais compatível, enfim, com os valores e
princípios da Constituição Federal e que demonstre a maior
proximidade entre o Judiciário e a realidade.
O direito à vida intrauterina do anencéfalo não deve ceder
diante dos direitos à saúde e à liberdade de autonomia reprodutiva
da mulher quanto à manutenção ou interrupção da gestação, pois
deve ser levada em conta a proporcionalidade, uma vez que não se
pretende, com a ação, obrigar a mulher a se submeter ao aborto,
mas sim deixar ao seu talante, como matéria de ética privada, não
devendo ser exigido ou proibido pelo Estado.
Em arremate, calha transcrever as brilhantes palavras da
antropóloga Débora Diniz:

em um ordenamento laico e plural, não importa se há


origem para essa injustiça ou se ela é imputada a loteria
da natureza. Em qualquer uma dessas explicações, não
há agente causador da injustiça de uma mulher gestar
um feto anencefálico: natureza e acaso se confundem.
Mas há sim, mecanismos sociais de proteção ou de
abandono desta mulher. Proibi-la de interromper a
gestação, forçando-a a manter-se grávida de um feto
fadado a morte iminente, exigir que ela converta o

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 79


sofrimento involuntário em uma experiência mística
de sublimação de si e do luto pelo filho, são tarefas que
não cabem a um representante do Estado. Na ausência
de recursos médicos capazes de reverter a anencefalia
do feto, a única medida que resta ao Estado é proteger a
saúde mental e física dessas mulheres. Sofrimento,
remorso ou luto são todas expressões do acaso que
é a existência humana, mas cabe a cada pessoa, da
tranqüilidade de suas crenças morais, decidir o
rumo do sentido de sua vida.1 (grifos meus).

Referências

DINIZ, D. Anencefalia e Supremo Tribunal Federal. Brasília:


Letras Livres, 2005.

______. Anencefalia e tortura. Brasília: Letras Livres, 2005.

______. Quem autoriza o aborto seletivo no Brasil? Médicos,


Promotores e Juízes em cena. Brasília: Letras Livres, 2005.

DINIZ, D.; VÉLES, A. C. G. Aborto e razão pública: o desafio da


anencefalia no Brasil. Brasília: Letras Livres: 2004.

GALLUCCI, M. Anencefalia: STF proíbe aborto. Disponível em:


http://sistemas.aids.gov.br/imprensa/Noticias.asp?NOTCod=60256.

LIMA, C. A. de S. L. Aborto e anencefalia: direitos fundamentais


em colisão. Curitiba: Juruá, 2008.

QUEIROZ, P. Crítica à decisão do STF sobre a anencefalia.


Clubjus. Brasília-DF: 28 de fevereiro de 2008. Disponível em:
http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=2.16125.

SARMENTO, D.; PIOVESAN, F. STF e anencefalia. Disponível em:


http://www.ibccrim.org.br/site/olapoc/forum_subTemas.php?id=41
&acao=selTemas.

1
DINIZ, D.; VÉLES, A. C. G. Aborto e razão pública: o desafio da anencefalia
no Brasil. Brasília: Letras Livres, 2004.

80 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


A ATIPICIDADE DO ABORTO DO FETO ANENCÉFALO
NOS CASOS DOS ARTIGOS 124 E 126
DO CÓDIGO PENAL
Vinicius Nascimento Santos*

Resumo:
O presente artigo está baseado no minicurso de extensão Bioética:
Desafios, ministrado pelo Ministério Público do Estado de Goiás aos seus
membros e servidores, sob a orientação da professora Doutora em
Antropologia Débora Diniz, e tem por finalidade abordar a atipicidade do
aborto do feto anencéfalo nos casos dos artigos 124 e 126 do Código Penal.

Palavras-chave: bioética, aborto de fetos anencéfalos, anencefalia, STF,


ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental.

Tema de grande relevância, o aborto de fetos anencéfalos


tornou-se tema de debate nacional a respeito dos limites éticos de
sua prática, principalmente com a interposição da Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54/DF),
ajuizada perante o STF pela Confederação Nacional dos
Trabalhadores da Saúde, tendo como procurador e subscritor da
exordial o emérito jurista Dr. Luis Roberto Barroso, ora Advogado.
A supra referida Ação solicita o pronunciamento da Suprema
Corte para indicar a lesão do art. 1°, IV (a dignidade da pessoa humana),
do art. 5°, II (princípio da legalidade, liberdade e autonomia da
vontade) e dos arts. 6°, caput, e 196 (direito à saúde), todos da
Constituição da República, em face dos arts. 124, 126, caput, e 128, I e
II, do Código Penal (Decreto-lei n. 2.848, de 7.12.40).
Todavia, diversa é a abordagem do presente trabalho, cujo
intuito é o de corroborar na tese de que é um fato atípico e não um
caso de aborto terapêutico.

*
Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Goiás e servidor da 89ª
Promotoria de Justiça do Ministério Público do Estado de Goiás, comarca de Goiânia.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 81


Indispensável é a definição de aborto, que é resumidamente a
interrupção dolosa da gravidez, com expulsão do feto ou sem ela, que
segundo a doutrina mais moderna classifica-se em quatro grandes
grupos:

a) Interrupção eugenésica da gestação (IEG): são os


casos de abortos ocorridos em nome da eugenia, isto é,
situações em que se interrompe a gestação por valores
racistas, sexistas, étnicos, etc. Comumente, apontam-
se os atos praticados pela medicina nazista como
exemplo de aborto eugenésico, quando as mulheres
foram obrigadas a abortar por serem judias, ciganas ou
negras. Regra geral, o aborto eugenésico se processa
contra a vontade da gestante, sendo esta obrigada a
abortar;
b) Interrupção terapêutica da gestação (ITG): são os
casos de abortos ocorridos em homenagem à saúde
materna, isto é, em situações onde a interrupção da
gravidez visa salvar a vida da gestante. Hoje em dia,
com o avanço científico e tecnológico na medicina, os
casos de aborto terapêutico são cada vez em menor
número, sendo raras as situações terapêuticas que
exijam tal procedimento;
c) Interrupção seletiva da gestação (ISG): são os casos
de abortos ocorridos em virtude de anomalias fetais,
isto é, situações em que se interrompe a gestação pela
constatação de lesões fetais. Em geral, os casos que
motivam as solicitações de aborto seletivo são de
patologias incompatíveis com a vida extra-uterina,
sendo exemplo clássico o da anencefalia;
d) Interrupção voluntária da gestação (IVG): são os
casos de abortos ocorridos em nome da autonomia
reprodutiva da gestante ou do casal, ou seja, onde a
gestação é interrompida porque a mulher ou o casal
não deseja a gravidez, seja por ser ela fruto de um
estupro ou de uma relação consensual. Geralmente, a
legislação que admite esta modalidade de aborto
impõe limite cronológico à prática.1

Excetuando-se a interrupção eugenésica da gestação, todas

1
PONTES, M. S. A anencefalia e o crime de aborto: atipicidade por ausência de
lesividade. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 859, 9 nov. 2005. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7538>. Acesso em: 29 dez. 2008.

82 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


as outras formas de aborto levam em conta a autonomia da vontade
da gestante ou do casal. Porém, o termo eugenia vem sendo
aplicado equivocadamente tanto pelos defensores da legalidade,
como ilegalidade do aborto de fetos anencéfalos, porém tal
corrente não merece prosperar, pois no caso da anencefalia a
continuidade fetal natural é incompatível com a vida extrauterina.
Assim sendo, cumpre agora conceituar anencefalia, que:
[...] é definida na literatura médica como a má-
formação fetal congênita por defeito do fechamento
do tubo neural durante a gestação, de modo que o feto
não apresenta os hemisférios cerebrais e o córtex,
havendo apenas resíduo do tronco encefálico.
Conhecida vulgarmente como “ausência de cérebro”,
a anomalia importa na inexistência de todas as funções
superiores do sistema nervoso central – responsável
pela consciência, cognição, vida relacional,
comunicação, afetividade e emotividade. Restam
apenas algumas funções inferiores que controlam
parcialmente a respiração, as funções vasomotoras e a
medula espinhal [...].2

A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e


Obstetrícia – FEBRASGO – enumera as complicações maternas
decorrentes da gestação de fetos anencéfalos, dentre elas:
eclâmpsia, embolia pulmonar, aumento do volume do líquido
amniótico e até a morte materna.
Além disso, é unânime na doutrina, literatura e experiência
médica sobre o tema o entendimento de que é impossível a vida
extrauterina, sendo fatal na totalidade dos casos de anencefalia.
Ora, cumpre-nos ressaltar o conceito de nascituro, contudo
sem entrar nos meandros da distinção entre as teorias que tentam definir
a posição jurídica do nascituro (natalista, da concepcionista etc.), sendo
que, resumidamente, este seria o ente humano concebido e por nascer,
que ainda se encontra no ventre materno. Por óbvio, só é nascituro o
ente que possui vida, um feto morto não poderia ser considerado
nascituro, portanto não estaria tutelado o seu direito à vida.

2
Petição Inicial da ADPF 54/DF, da lavra do Dr. Luis Roberto Barroso, OAB/RJ
37.769, p. 4.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 83


Assim sendo, para a medicina existem dois processos que
evidenciam o momento morte: a morte cerebral e a morte clínica. A
primeira é a parada total e irreversível das funções encefálicas, em
consequência de processo irreversível e de causa conhecida, mesmo que
o tronco cerebral esteja temporariamente funcionante. Já a morte clínica
(ou biológica) é a parada irreversível das funções cardiorrespiratórias,
com parada cardíaca e consequente morte cerebral, por falta de irrigação
sanguínea, levando a posterior necrose celular.
Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM)3, os
exames complementares a serem observados para constatação de
morte encefálica deverão demonstrar de forma inequívoca:
ausência de atividade elétrica cerebral, ou ausência de atividade
metabólica cerebral ou ausência de perfusão sanguínea cerebral.
Ainda segundo o CFM4, os anencéfalos são natimortos
cerebrais e, por não possuírem o córtex, mas apenas o tronco
encefálico, “[...] são inaplicáveis e desnecessários os critérios de morte
encefálica [...]”, bem como que os “[...] anencéfalos são natimortos
cerebrais (por não possuírem os hemisférios cerebrais) que têm parada
cardiorrespiratória ainda durante as primeiras horas pós-parto [...]”.
Sendo o anencéfalo o resultado de um processo irreversível, de
causa conhecida e sem qualquer possibilidade de sobrevida, por não
possuir a parte vital do cérebro, não possuir como já dito “[...] consciência,
cognição, vida relacional, comunicação, afetividade e emotividade [...]”,
deve ser considerado desde o útero um feto morto cerebral.
A Lei 9.434/97 que trata do transplante de órgãos, no seu
artigo terceiro, fixa como momento da morte do ser humano o da
morte encefálica, senão vejamos:

Art. 3°. A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou


partes do corpo humano destinados a transplante ou
tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de
morte encefálica, constatada e registrada por dois
médicos não participantes das equipes de remoção e
transplante, mediante a utilização de critérios
clínicos e tecnológicos definidos por resolução do
Conselho Federal de Medicina. (grifo nosso)

3
Conselho Federal de Medicina. Resolução n. 1.480, de 08 de agosto de 1997.
4
Conselho Federal de Medicina. Resolução Nº 1.752, de 13 de setembro de 2004.

84 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


Partindo destes critérios científicos, não há que se falar em
aborto tipificado nos art. 184 e 126 do CP, pois o que se estaria
extirpando do corpo da gestante não teria vida stritu sensu, sendo,
portanto, tal conduta um fato atípico.
É imperativo complementar dizendo que do momento da
concepção, nidação do óvulo fecundado, até o momento da
constatação médica por profissional habilitado dentro dos limites e
imposições legais da anencefalia, bem como o aborto praticado
sem o consentimento da gestante, nos termos do art.125 do CP,
estaria o feto tutelado pelos dispositivos penais pelo pressuposto
da existência de vida, apesar de ser questionável a aplicabilidade
do instituto do crime impossível, dentre outros, cujo
questionamento foge da pertinência temática do artigo.
A tese ora defendida é a da atipicidade da conduta que
extirpa o feto anencéfalo do ventre da gestante, pois a discussão da
aplicabilidade da interrupção terapêutica da gestação nesses casos,
como defendida na ADPF 54/DF, entra no campo da hermenêutica
constitucional que apesar de ser válida e menos censurável não se
adequa à realidade científica.

Referências

FREITAS, A. C. et al. Existe aborto de anencéfalos? DireitoNet,


Sorocaba, 2008. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/
x/19/69/1969/>.Acesso em: 29 dez. 2008.

BERNARDES, J. T. Lei 9882/99: argüição de descumprimento de


preceito fundamental. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 39, fev.
2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?
id=237>. Acesso em: 29 dez. 2008.

CREMEB. Anencefalia e o STF. Brasília: LetrasLivres, 2005.

DINIZ, D. Quem autoriza o aborto seletivo no Brasil? Médicos,


promotores e juízes em cena. Physis, v. 13, n. 2, p. 251-272, jul./dec. 2003.

______; BRUM, E. Filme Uma história Severina. Brasília:

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 85


ImagensLivres, 2005.

______; PENALVA, J. Anencefalia e tortura. Boletim IBCCRIM.


No prelo. Novembro 2008

______; VELEZ, A. C. G. Aborto e razão pública: o desafio da


anencefalia no Brasil. Número especial gênero, religião e políticas
públicas. Mandrágora (São Bernardo do Campo), v. 13, p. 22-32, 2007.

PONTES, M. S. A anencefalia e o crime de aborto: atipicidade por


ausência de lesividade. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 859, 9 nov.
2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=
7538>. Acesso em: 29 dez. 2008.

86 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


PROBLEMÁTICA DA ADOÇÃO POR HOMOSSEXUAIS

Caroline Ianhez*

Resumo:
Este trabalho versa sobre a questão da adoção de crianças por homossexuais. De
forma introdutória, o estudo remonta à origem do preconceito com relação à
homossexualidade, com breve incursão histórica no tema, sendo seguido de
apontamentos em relação à evolução do conceito de família, de modo a inserir as
uniões homoafetivas nesse contexto. No seu desenvolver, é realizada uma
análise jurídica da possibilidade de adoção de crianças por casais e indivíduos
homossexuais, onde se pretende demonstrar os perigos da ausência de regulação
expressa sobre o tema, acarretando a prática da “adoção à brasileira” e demais
prejuízos à criança decorrentes da adoção por apenas um parceiro homossexual.

Palavras-chave: homossexualidade, adoção por casais homossexuais,


adoção à brasileira.

Introdução

A família era entendida como a união, por meio do casamento


entre um homem e uma mulher, com o fim precípuo de gerar filhos.
Baseada em uma ideologia patriarcal, somente se reconhecia a família
oriunda do matrimônio, hierarquizada, patrimonializada e heterossexual.
A ideologia da família patriarcal converteu-se na ideologia
do Estado, levando-o a invadir a liberdade individual para impor
condições que constrangiam as relações de afeto. Assim, foi eleito
um modelo de família, consagrado como única forma de convívio.
De acordo com a Desembargadora do Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul e Vice-Presidente Nacional do Instituto

*
Promotoria de Justiça de Cidade Ocidental-GO, pós-graduada em Direito
Público pelo EPC, ex-Delegada de Polícia Civil da Infância e Juventude e
atualmente Promotora de Justiça Auxiliar do Ministério Público de Goiás.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 87


Brasileiro de Direito de Família, Maria Berenice Dias (2007, p. 71),
em sua obra sobre direito de família,

a lei, através de comandos intimidatórios e


punitivos, buscou estabelecer paradigmas
comportamentais por meio de normas cogentes e
imperativas, na esperança de gerar comportamentos
alinhados com o padrão moral majoritário. Na
tentativa de desestimular atitudes que se afastassem
do parâmetro reconhecido como aceitável, negou-se
juridicidade a quem afrontasse o normatizado.

Conquanto no âmbito da ordem jurídica se reconheça como


entidade familiar apenas aquela união formada por pessoas de sexos
diferentes, no plano dos fatos as famílias homossexuais vêm se
tornando crescentes. Ocorre que por não se inserirem no modelo
moral majoritário, restam carentes de regulação legislativa expressa.
Embora haja pronunciamentos judiciais no sentido de conferir
efeitos jurídicos às relações homoafetivas, tal tendência ainda mostra-se
tímida, mormente quando o assunto é adoção por casais homossexuais.
Em obra específica sobre uniões homoafetivas, Dias (2004,
p. 124) proclama nova definição de família assentada
primordialmente na relação de afeto, argumentando que
se a realidade social impôs o enlaçamento das
relações afetivas pelo Direito de Família e a
moderna doutrina e a mais vanguardista
jurisprudência definem a família pela só presença de
um vínculo de afeto, devem ser reconhecidas duas
espécies de relacionamento interpessoal: as relações
heteroafetivas e as relações homoafetivas.

Histórico do homossexualismo e origem do preconceito

A prática homossexual acompanha a história da


humanidade e sempre foi aceita na antiguidade clássica.
A homossexualidade tomou maior proporção entre os
gregos, pois além de relacioná-la à carreira militar, uma vez que
acreditavam que o esperma transmitia o heroísmo e a nobreza dos
grandes guerreiros, atribuíam à homossexualidade fatores como a

88 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


intelectualidade, ética comportamental e estética corporal.
Com o avanço das religiões, o homossexualismo passou a
ser considerado uma verdadeira perversão.
A concepção bíblica, com origem no preceito judaico,
almejava a preservação do grupo étnico. Dessa forma, toda relação
sexual deveria dirigir-se à procriação, daí a condenação do
homossexualismo masculino, por haver perda de sêmen, enquanto
que o feminino era considerado mera lascívia.
Segundo a ideologia de São Thomás de Aquino, o sexo se
destinava fundamentalmente à procriação, sendo anormais as
práticas de masturbação, homossexualidade e sexo sem fins de
procriar, visto que, teologicamente, o primeiro dever confiado por
Deus ao homem foi o de conservar a espécie, se multiplicando. O
homossexualismo, como avesso a esse dever moral, feria de morte
a célula fundamental da sociedade, alimentando um processo de
autodemolição da família e da sociedade.
Até mesmo o pai da psicanálise, Sigmund Freud, cujas teorias
comportamentais revolucionaram o século XX, reconheceu que a
civilização só se tornou viável devido à intercomplementariedade entre
homem e mulher, na família, por entender que eram interdependentes
não apenas em questões de libido.
Assim, tornou-se completamente absurdo e antinatural
defender a manutenção e perpetuação de um comportamento que,
na sua dependência, a própria sociedade inexistiria.
De outro norte, não há evidências históricas da prática de
adoção de crianças por parceiros homossexuais, pois mesmo nas
sociedades onde o costume do homossexualismo era mais difundido
e detinha um status de refinamento, como na Grécia antiga, a família
nuclear mantinha-se como célula fundamental da sociedade.

Aspectos jurídicos acerca da adoção de crianças por casais


homossexuais

O projeto de Lei n. 1.151/95, encampado pela Deputada


Marta Suplicy, que pretende regular as uniões homoafetivas,
trocou o nome de união civil para parceria civil registrada, segundo
o substitutivo adotado, para não ser confundida com o casamento.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 89


A proposta prevê a elaboração de um contrato escrito, com a
possibilidade de ser registrado em livro próprio no Cartório de
Registro Civil das Pessoas Naturais, garantindo diversos direitos
aos conviventes. Contudo, tal projeto sequer mencionou a
possibilidade dos parceiros homossexuais virem a adotar crianças
como forma de completar o conceito de família homoafetiva.
O relator do projeto em que há a referida omissão sobre o
tema vedou a adoção, tutela ou guarda pelos casais homossexuais.
Em que pese o veto mencionado, do cotejo dos artigos 42 do
Estatuto da Criança e do Adolescente e 227 da Constituição Federal,
resta claro que não há qualquer impedimento legal para que
homossexuais adotem, pois a capacidade para a adoção nada tem a
ver com a sexualidade do adotante, bastando preencher os requisitos
legais previstos nos artigos 39 e seguintes do ECA.
Sendo a adoção forma de colocação da criança em família
substituta, trata o art. 28 do ECA a respeito do tema, sem, contudo,
definir o que vem a ser família substituta.
Dessa feita, é plausível defender que se não há definição precisa a
respeito do que vem a ser família substituta, esta pode ser formada das
mais diversas formas, inclusive por pessoas do mesmo sexo.
Para a jurista Maria Berenice Dias, a única oposição que
poderia se feita em relação à adoção por casais homossexuais, mas
também sem fundamento, estaria presente no art. 29 do ECA, o
qual diz: “Não se deferirá colocação em família substituta a pessoa
que revele, por qualquer modo, incompatibilidade com a natureza
da medida ou não ofereça um ambiente familiar adequado”1.
Segundo a autora, o simples fato de ser homossexual não
implica na impossibilidade de fornecer um ambiente familiar
adequado, devendo ser avaliado caso a caso. Como existem
homossexuais que têm vida desregrada, também existem
heterossexuais que a têm da mesma forma, de modo que não se
deve generalizar. Deve prevalecer, portanto, o art. 43 do referido
Estatuto: “A adoção deverá ser deferida quando apresentar reais
vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”.
O critério determinante para a concessão da adoção de uma

1
DIAS, M. B. União homossexual – Aspectos sociais e jurídicos. Disponível
em: www.jusnavegandi.com.br.

90 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


criança cinge-se, portanto, na avaliação da possibilidade do pretendente
em fornecer ambiente familiar adequado ao desenvolvimento saudável
do adotando, tendo como vetor interpretativo o Princípio da Prevalência
dos Interesses do Menor, esculpido no art.6º do estatuto.
Segundo Clilton Guimarães dos Santos, Promotor de
Justiça em São Paulo,

o ambiente familiar adequado é o ambiente


acolhedor, no qual as pessoas envolvidas revelam-se
emocionalmente entrosadas e sobretudo dispostas a
oferecer o melhor abrigo possível ao adotando, com
espírito de sua inclusão.2

Problemáticas

a) Adoção individual

O empecilho lançado por doutrinadores que defendem que


os homossexuais ainda não podem adotar conjuntamente encontra
fundamento na ausência do reconhecimento da união desses pares
como entidade familiar.
Dessa feita, as adoções de crianças por homossexuais vêm
sendo realizadas, em sua maioria, por apenas um dos parceiros,
mormente pelo fato de que o ECA permite a adoção individual,
desde que o adotante preencha os requisitos necessários. Aliás,
este tem sido o meio eleito por muitos casais homossexuais para
burlar a ausência de legislação expressa a respeito da composição
das famílias homoafetivas.
Ocorre que a falta de regulação a respeito do tema traz
embutido um prejuízo implícito para os adotados, pois havendo a
possibilidade da adoção ser feita apenas por um dos parceiros, eventual
direito do adotado, quer de alimentos, quer sucessório, somente poderá
ser buscado com relação ao adotante, nada podendo cobrar com
relação ao companheiro do adotante, o qual, com base na relação de

2
FERREIRA, M. R. P.; CARVALHO, S. R. (Org.). 1º guia de adoção de
crianças e adolescentes do Brasil – Novos caminhos, dificuldades e possíveis
soluções. São Paulo: Winners, 2002. p. 21-40

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 91


afeto, também cumpriria os papéis de mãe ou pai na vida da criança.
A ausência do nome do companheiro do adotante no
registro civil da criança não gera relação de parentesco formal e,
por consequência, não gera a gama de direitos decorrentes do
poder familiar e da solidariedade das relações de parentesco,
subtraindo, dessa forma, direitos básicos a que a criança faria jus
caso a união dos pais fosse convencional e amparada pelo direito.

b) Adoção à brasileira

A adoção à brasileira consiste no falso registro de


nascimento do filho de outrem como próprio.
Podemos identificar, basicamente, dois grupos que aderem
a esse tipo de adoção. Aqueles que não aderem às listas de adoção,
ou seja, ao procedimento formal que envolve as adoções, tendo em
vista a lentidão que cerca o referido procedimento, e aqueles que
recorrem à adoção à brasileira por temerem recusa do Poder
Judiciário em aceitar sua inscrição como adotante em razão do
perfil de conduta e estilo de vida.
Os homossexuais se inserem perfeitamente na segunda
hipótese acima mencionada, pois temem o preconceito do Estado
em relação à sua opção sexual.
Esse tipo de adoção, em se tratando de adotante
homossexual, é manifestado, também, através da adoção individual,
ou seja, por apenas um dos parceiros da união homoafetiva.
Apesar de constituir prática ilegal, permite que
homossexuais desejosos de se tornarem pais possam realizar seus
projetos de família sem precisar de autorização explícita do Estado.
Essa prática tende a ganhar contornos cada vez mais frequentes,
pois embora o direito não vede expressamente a adoção de crianças por
casais homossexuais ou por indivíduo com este tipo de orientação sexual,
os aspectos morais têm ainda muito peso na sociedade.
O grande problema da adoção à brasileira é o obstáculo
imposto à criança de conhecer sua verdadeira filiação.
A revelação da origem adotiva é conditio sine qua non em
qualquer procedimento de adoção, não só porque o infante tem a
prerrogativa de conhecer suas raízes, como expressão magna dos direitos
fundamentais da personalidade, mas também pelo fator envolvendo a

92 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


formação regular do desenvolvimento psicológico infanto-juvenil.
A figura da adoção à brasileira, embora tenha se tornado
constante, se mostra perniciosa ao ordenamento jurídico como um
todo, com consequências funestas para o jovem como pessoa em
condição peculiar de desenvolvimento. Acarreta sanções de ordem
civil, que vão desde a anulação do assento de nascimento,
maculado por eiva até a possível retirada da criança do convívio do
casal, bem como sanções de ordem penal, diante da prática do
crime previsto no artigo 242 do Código Penal Brasileiro.

Conclusão

A questão da moralidade dos atos humanos é inseparável do


direito, tendo este, basicamente, a missão de resguardar certos preceitos
universalmente aceitos para que sejam respeitados socialmente.
A homossexualidade, por sua vez, não se coaduna com a
moral comum da sociedade, de modo que sua aceitação pelo
direito ainda mostra-se tímida.
Resta claro, por todo o exposto, que a recusa da aceitação
da adoção de crianças por homossexuais não se assenta em
tradições jurídicas, mas, sobretudo, em paradigmas morais.
É importante ressaltar que a ausência de regulamentação
sobre o tema não se liga somente ao aspecto da violação dos
direitos dos homossexuais ligados à liberdade de expressão, como
a igualdade e a dignidade da pessoa humana, posto que o direito
maior que está sendo violado com esta ausência legislativa é o da
própria criança adotada.
Com relação à adoção por apenas um indivíduo, verifica-
se, conforme já explicitado anteriormente, que esse processo
impede a criança de buscar os direitos oriundos da relação de
filiação que, no plano dos fatos, também se estabelece com relação
ao companheiro do adotante homossexual.
No que se refere à adoção à brasileira, os prejuízos são
ainda maiores, pois tal prática impede o direito da criança de
conhecer sua verdadeira filiação.
Dessa forma, verifica-se mais vantajoso para a criança a
adoção em conjunto por casais homossexuais, pois na adoção

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 93


individual há perda de direitos fundamentais para o adotado, bem
como há uma ignorância por completo da relação fática de afeto
que se estabelece entre a criança e o companheiro do adotante.
Devemos ter em mente que se a base da constituição da família
deixou de ser a procriação, a geração de filhos, para se concentrar na
troca de afeto, é natural que mudanças ocorram na composição das
famílias de modo a reconhecerem-se as uniões homoafetivas.
O princípio matriz da dignidade da pessoa humana é
elemento fundamental do Estado Democrático de Direito. Sendo
assim, não pode haver espaço para a chancela de discriminações
baseadas em características pessoais, especialmente em se tratando
da orientação sexual do indivíduo, visto que ligado aos direitos
fundamentais de primeira geração como liberdade e igualdade.
O Poder Judiciário não pode virar as costas para a evidente
evolução dos costumes. Se a sociedade avança, o Direito não pode se
omitir e retroceder. E resta claro que isso tem ocorrido com relação à
adoção por casais homossexuais, onde somente as crianças estão sendo
prejudicadas pela ausência expressa de regulação legislativa e judicial.

Referências

DIAS, M. B. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev. atual. e


ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 71.

______. União homossexual – Aspectos sociais e jurídicos.


Disponível em: www.jusnavegandi.com.br.

______. Uniões homoafetivas – uma omissão injustificável. In:


Âmbito Jurídico, Rio Grande, 7, 30 nov. 2001 [Internet]. Disponível
em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=
revista_artigos_leitura&artigo_id=5621.

______. União Homossexual – Aspectos Sociais e Jurídicos.


Disponível em: www.jusnavegandi.com.br

FERREIRA, M. R. P.; CARVALHO, S. R. (Org.). 1º guia de adoção


de crianças e adolescentes do Brasil– Novos caminhos, dificuldades
e possíveis soluções. São Paulo: Winners, 2002. p. 21-40

94 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


BIODIREITO E UNIÃO HOMOAFETIVA

Wagner de Magalhães Carvalho*

Resumo:
Malgrado a caracterização do Brasil como um Estado laico, deve-se
relembrar que este mesmo Estado é composto por agentes públicos,
homens comumente influenciados, senão dominados, por concepções
pessoais, muitas vezes de índole religiosa, que acabam por espraiar para
a seara de sua atuação pública. Contudo, é de se frisar que o agente do
Estado, enquanto tal e agindo nesta qualidade, deve se desvestir de toda
carga de subjetivismos religiosos para que não venha a substituir,
ilegitimamente, a ideologia democrática do Estado laico pela sua
pessoal, muitas vezes não convergente com aquela.

Palavras-chave: biodireito, homoafetividade, laicização, Estado, religião.

O tema central das discussões levadas a efeito no módulo


atinente ao Biodireito e à União Homoafetiva centrou-se na
averiguação sobre uma possível permeabilidade das atividades estatais
lato sensu à influência de uma ideologia revestida de religiosidade.
A questão suscita os mais acalorados debates, como não
poderia deixar de ser, tendo em vista a própria natureza da ciência
do Direito, ciência do Dever-Ser, caracterizada pela formulação e
imposição de normas para o comportamento humano.
Tratando-se de ciência do Dever-Ser, isto é, de uma ciência
humana, que visa à regulamentação de condutas no sentido de
estabelecer-se o que é permitido e o que não o é, percebe-se o quão
problemático pode se tornar o objeto do Direito, na medida em que,
a par da existência do Direito Posto, cada indivíduo, e em certas
circunstâncias um grupo de indivíduos, inclusive os agentes do
aparelho estatal, pode trazer uma concepção própria, pré-jurídica

* Promotor de Justiça Substituto em Planaltina, MP-GO.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 95


ou meta-jurídica, embebida de conceitos filosóficos, religiosos ou
de pura moral íntima, em dissonância com o preceituado pelas
normas jurídicas institucionalizadas.
O assunto em tela orbita, portanto, em torno da antiga
dialética entre Direito e Moral, dialética repleta de eternos impasses e
indagações, do tipo: tais elementos constituem sinônimos entre si?
Pode-se ter o Direito como legítimo ainda quando contrarie a Moral
(incluída a moral religiosa), ou somente se lhe confere tal
legitimidade na medida em que se encontre balizado por esta?
A polêmica ganha maior relevância quando, diante desta
encruzilhada, se encontra um agente do Estado, notadamente um
Membro do Ministério Público ou de qualquer dos Poderes de
Estado, dada a conotação política de suas atribuições.
Poderia esse agente público afastar a aplicação de uma
norma jurídica estatal, simplesmente relegando-a ou mesmo
substituindo-a por uma orientação pessoal, de cunho moral-
religioso, sob a justificativa de ser a opção mais acertada?
Sendo laico o Estado brasileiro, pode um agente seu, atuando
como um microcosmo deste mesmo Estado, substituir a vontade
político-jurídica pela sua própria, não raras vezes dominada por um
conteúdo moral-religioso?
Sobre ser laico o Estado brasileiro, no sentido de não
profetizar qualquer religião, cabe trazer à baila, para acalentar a
discussão, a menção feita no preâmbulo da Constituição da
República de que a mesma é promulgada ‘sob a proteção de Deus’.
É sabido que o preâmbulo constitucional, malgrado sua
insubsistência enquanto texto normativo, é qualificado pela doutrina
como uma carta de intenções do Estado, como um vetor de diretrizes
pelo qual o Estado envidaria seus melhores esforços por trilhar.
Nesse sentido, se para a promulgação da Constituição da
República, da Lei Maior, criadora e organizadora do próprio
Estado, evocou-se a proteção de Deus, seria aceitável evocar essa
mesma proteção para o desenvolvimento das atividades estatais,
na medida em que estas somente reputam-se legítimas enquanto
coerentes com o conteúdo normativo-constitucional?
Pensamos que a expressão ‘sob a proteção de Deus’, aposta
no preâmbulo constitucional, não autoriza a configuração de um
efeito tão elástico, mas serve, quando nada, para ilustrar o quão

96 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


tormentosa é a solução dessa polêmica.
Densificando a temática, se passa a analisar,
sinteticamente, as duas matérias abordadas no curso, a começar
por aquela afeta à adoção por casal homossexual.
Como sabido, o direito positivo brasileiro contemporâneo,
por previsão literal, confere o direito à adoção ao casal formado
pelo homem e pela mulher. Apesar de não haver vedação expressa
no texto legal quanto à adoção por homossexuais, é comum
encontrarem-se posições legalistas no sentido de que, numa
interpretação a contrario sensu, tal possibilidade estaria vedada.
Tal interpretação, contudo, não soa ser a melhor, mormente
quando, sabemos todos, proveniente do conservadorismo histórico-
religioso existente entre nós, que inclusive esteve arraigado no seio
do próprio Estado até o fim do império. Nessa época, conceitos
católicos como o da inadmissibilidade de união afetiva entre pessoas
do mesmo sexo e a indissolubilidade do casamento estavam de tal
modo imbricados ao Estado que certos preceitos normativos
consistiam em puros reflexos de dogmas religiosos.
Apesar da cisão Estado-Igreja, decorrente da eclosão da
República, a legislação civil que se seguiu não se desvencilhou
totalmente da influência religiosa antes imperante, e tampouco o
fizeram muitos operadores do Direito e agentes do Estado.
Portanto, como dito acima, se não há lei autorizativa da
adoção por homossexuais, vedação expressa também não há, sem
falar que a Constituição da República, em seu artigo 3º, preconiza
como objetivo da República promover o bem de todos, vedando
toda e qualquer forma de preconceito.
Se assim é em termos de texto normativo, a única
justificativa para a opinião que nega a possibilidade da adoção por
casal homossexual é de índole puramente moral e religiosa e não
reflete, absolutamente, a opção política do Estado.
Aliás, a opção política do Estado é aquela que busca promover o
bem-estar, geral e de cada um individualmente, conforme preconiza a
própria Constituição. Essa é a verdadeira finalidade do Estado Democrático.
Portanto, especificamente quanto à adoção, a questão a ser
enfrentada deve ater-se unicamente ao estado de bem-estar que a
medida é capaz de gerar para o adotando, no sentido de
proporcionar-lhe uma convivência familiar em que os substratos

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 97


básicos de educação, instrução, amparo emocional, psicológico e
material lhe sejam franqueados, de modo a facultar-lhe atingir
todas as suas potencialidades na vida.
Assim, desviar o foco da análise unicamente para a opção sexual
dos adotantes, para alijá-los de tal pretensão, é malferir a ideologia
constitucional por duas vezes: primeiro, quando se trata
preconceituosamente os homossexuais, ao vedar-lhes, por conta de sua
orientação sexual, um direito que a Constituição não lhes vedou (muito
antes, a Carta proscreve toda forma de preconceito); e segundo, porque a
ideologia do Estado Democrático é voltada para a satisfação do bem-estar,
no sentido de ser assegurado o valor dignidade da pessoa humana. E, no que
concerne às crianças e adolescentes, tal satisfação, por imperativo
constitucional, reclama absoluta prioridade, sendo que a adoção é,
indiscutivelmente, um meio para se assegurar o valor dignidade.
O outro tema abordado no curso sobre pesquisas com
células-tronco embrionárias cresceu em importância quando do
ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade pelo então
Procurador Geral da República, Dr. Cláudio Fonteles, católico
fervoroso, contra dispositivo legal que as autorizava no país.
É notório que o que impulsionou a iniciativa do então
Procurador Geral não foram, decididamente, razões puramente
jurídicas. Nelas se encontravam traços de fundo moral que convergiam
com as concepções religiosas e pessoais daquele agente do Estado.
Por isso, faz-se imperioso que o agente político, agindo
enquanto tal e no exercício de suas atribuições funcionais, se
desvincule de toda e qualquer impressão pessoal, proveniente de
influência religiosa, familiar ou de outra ordem, para que em sua
atuação se veja realizada a vontade do Estado, e não a sua particular, sob
pena de caracterizar-se como tirânica e antidemocrática a sua ação.
Em conclusão, apesar de vivermos em um Estado laico, deve-
se relembrar que este mesmo Estado é composto por homens, homens
muitas vezes influenciados, senão dominados, por concepções
pessoais, muitas vezes de índole religiosa, que acabam por espraiar
para a seara de sua atuação pública. Contudo, é de se frisar que o agente
do estado, enquanto tal e agindo nesta qualidade, deve se desvestir de
toda carga de subjetivismos religiosos para que não venha a substituir,
ilegitimamente, a ideologia democrática do Estado laico pela sua
pessoal, muitas vezes não convergente com aquela.

98 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


VIOLÊNCIA EM MEIO ESCOLAR:
UM BREVE DIAGNÓSTICO

Ana Carolina Portelinha Falconi*

Resumo:
Tão inegável quanto o fenômeno da violência em meio escolar é a constatação
de que as autoridades e os educadores ainda não se encontram
suficientemente preparados para lidar com o aludido fenômeno. Em que pese
o fato de não estarmos diante de um problema propriamente novo, o fato é que
o tema ainda carece de uma maior atenção dos poderes públicos, que
deveriam investigar não apenas as causas, mas, também, as possíveis formas
de reação. No curso do presente artigo, atemo-nos à análise dos possíveis
fatores que se encontram na gênese da problemática em tela, sem pretensão de
oferecer uma resposta precisa sobre a forma de combate à violência em meio
escolar a ser operacionalizada. Outrossim, ainda que em breves linhas, expõe-
se a necessidade de elaboração de uma inovadora organização pedagógica da
escola, voltada à prevenção de futuros casos de violência no meio escolar.

Palavras-chave: violência, prevenção, desagregação familiar, ação


integrada, paradigmas pedagógicos.

A violência em meio escolar, fenômeno caracterizado pela


amplitude em suas formas de concretização, constitui hoje uma realidade
irretorquível sobre a qual autoridades e educadores ainda não se encontram
suficientemente preparados para fornecer uma resposta efetiva.
Em verdade, não se cuida de uma problemática há pouco
aflorada nas escolas brasileiras, nem a elas restrita. Em entrevista
concedida ao Centro de Referência em Educação Mário Covas, o
educador Julio Groppa Aquino, quando perquirido sobre um
possível aumento da violência nas escolas, bem salientou que “está
aumentando a visibilidade dessas ocorrências violentas em
escolas”, porém, “elas sempre existiram, de uma maneira ou de

*
Promotora de Justiça Substituta do MP-GO.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 99


outra, e sempre foram administradas [...]”1.
Colhe-se na literatura e nos noticiários que também nas escolas
portuguesas, francesas e americanas, por exemplo, a violência praticada
dentro e nas imediações das instituições escolares vem preocupando
educadores, familiares e autoridades públicas, o que demonstra que
estamos diante de um fenômeno mundial.
Antes, porém, de nos atermos às peculiaridades de que se
reveste o tema no contexto brasileiro, cumpre trazer à baila uma
breve conceituação.
Violência é todo ato que implica na ruptura de um nexo social
pelo uso da força. Traduz-se na coação, em obrigar alguém a fazer
algo, por intermédio da força ou da intimidação. Na acepção jurídica
contemplada pelo Dicionário Houaiss, o termo violência é descrito
como um “constrangimento físico ou moral exercido sobre alguém,
para obrigá-lo a submeter-se à vontade de outrem; coação”.
Anna Freud e Durkeim, citados por Sônia Carla Aroso Azevedo
em interessante artigo publicado durante curso de Doutoramento em
Educação Social, promovido pela Universidade de Granada, fornecem
boa dimensão sobre o conceito em tela. A primeira explica a violência
como uma perturbação do equilíbrio interno, da personalidade, do meio onde
alguém se insere, enquanto o segundo aduz que “a densidade demográfica, o
desenvolvimento econômico, social e cultural de uma sociedade fomentam
as desigualdades e consequentemente os desvios à norma”2.
Vários estudos já foram realizados, carecendo, todavia, de uma
maior atenção dos poderes públicos, que deveriam ater-se com
urgência a uma análise mais acurada sobre o tema, com vistas à
identificação das causas e de possíveis formas de reação ao problema.
A título de ilustração, cumpre trazer à baila dados
coletados pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança
Pública (CRISP), órgão ligado à UFMG, o qual, em pesquisa ainda
em andamento em 50 escolas estaduais, municipais e particulares
da cidade de Belo Horizonte, constatou que:

1
Julio Groppa Aquino, professor da Universidade de São Paulo (USP), em entrevista
concedida Centro de Referência em Educação Mário Covas, publicada em
http://www.crmariocovas.sp.gov.br/ent_a.php?t=001.
2
AZEVEDO, S. C. A. A violência nas escolas como resultado dos problemas de
inadaptação social. Disponível em: http://br.monografias.com/trabalhos/violencia-
nas-escolas/violencia-nas-escolas.shtml. Acesso em: 29 jan. 2009.

100 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


• 67,5% dos alunos entrevistados já viram ou ouviram
falar de pessoas quebrando janelas, fazendo arruaças ou
tendo comportamento de desordem dentro da escola.
• 27,8% dos alunos já viram ou ouviram falar pelo
menos uma vez de pessoas armadas dentro da escola.
• 89,6% dos alunos já viram ou ouviram falar de
desentendimentos dentro da escola.
• 51,9% dos alunos já viram ou ouviram falar de pessoas
consumindo drogas na escola.
• 36,2% dos alunos já viram ou ouviram falar de pessoas
vendendo drogas nas escolas.
• 52,6% dos alunos já viram ou ouviram falar de
criminosos ou bandidos na escola.
• 47% dos alunos já viram ou ouviram falar de alunos
sendo assaltados.
• 59,4% dos alunos já viram ou ouviram falar de outros
alunos sendo furtados na escola.
[...] A grande maioria dos alunos, ou seja, 71% dos
entrevistados afirmaram terem sido vítimas da violência
em suas escolas, sendo 15,8% de roubos, 36,9% de
furtos e 18,3% de agressões físicas. Isto se refletiu na
atitude de 10,4% dos alunos que afirmaram já ter deixado
de comparecer à escola por medo de ser agredido.

Consoante Karina Rabelo, uma das responsáveis pela pesquisa,


identificou-se uma expressiva manifestação da criminalidade nas
imediações dos estabelecimentos escolares, a inverter uma atávica
relação entre escola e alunos, pois

a escola que sempre atuou como principal tutora da


educação, tendo um papel social importante junto à
comunidade, apareceu como uma vítima do ambiente
no qual está inserida, absorvendo e reproduzindo a
crescente violência da sociedade. 3

Ainda que incipiente o interesse do Estado sobre a problemática


em questão, já não se duvida da complexidade das manifestações da
violência em meio escolar, nem da pluralidade de suas fontes.
Passa-se, assim, à análise das possíveis causas do
fenômeno, hoje caracterizado por depredações, agressões físicas e

3
Fonte: http://www.fundep.ufmg.br/homepage/cases/436.asp. Notícia publicada
em 12/01/2009.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 101


ameaças capazes de amedrontar educadores que, impotentes,
sentem-se desestimulados a prosseguir em sua tão nobre missão.
Indiscutivelmente, a desagregação familiar há de ser
analisada em meio à gênese da problemática em tela. Com efeito, é
no núcleo familiar que crianças e adolescentes apropriam-se dos
modelos de conduta que passam a exteriorizar, razão por que
problemas como a carência de recursos financeiros, violência
doméstica, alcoolismo, dependência química, promiscuidade e
demissão do papel educativo por parte dos pais não podem ser
dissociados do fenômeno em referência.
Não se pode olvidar, outrossim, que a cultura juvenil possui
características muito próprias, tais como a busca de uma identidade em
face da geração antecedente, perfil questionador quanto à anuência da
sociedade às normas impostas e um grande ideal de inovação.
Todos esses fatores, concatenados, por certo tornam jovens e
crianças muito mais suscetíveis às influências de grupos de amigos, os
quais, não raro, já se encontram envolvidos com a marginalidade, e,
assim, conduzem os primeiros a um contexto de desordem que se reflete
não só no meio familiar, mas também no próprio ambiente da escola.
Noutro passo, a origem do problema pode centrar-se no próprio
jovem desencadeador da situação de agressões físicas ou verbais no
meio escolar. A solução, nesses casos, passa pela inclusão em
programas de atendimento da saúde mental ou de proteção social,
inclusive com a aplicação de medidas protetivas, nos termos do artigo
101, incisos IV e V, do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. É
fato, porém, que muitas vezes tanto familiares quanto profissionais da
educação quedam-se inertes diante do quadro que se delineia diante de
si, contribuindo, assim, para o agravamento da situação pessoal do
discente, o que, em última análise, vem a repercutir no meio escolar.
Há que se ressaltar também a influência negativa dos meios
de comunicação de massa, como bem reconheceram diversas
crianças e adolescentes em pesquisas sobre o tema. Com efeito, a
televisão atua de forma contundente sobre a formação da personalidade
de crianças e adolescentes, muitas vezes, ao arrepio do art. 6º do
Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo o qual elas deveriam ser
respeitadas em sua peculiar condição de pessoas em desenvolvimento.
Nessa ordem de idéias, a inadequação do enfoque conferido
pela mídia aos problemas relacionados à violência, como o que se

102 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


percebe nos desenhos animados em que reações agressivas são
apresentadas como o meio natural para a conquista dos objetivos
traçados, possui um efeito devastador sobre a personalidade dos
jovens, que passam a compreendê-la como um fenômeno de somenos
importância e que pode ser perfeitamente integrado ao seu quotidiano.
Ressalte-se, por fim, que a escola também possui parcela de
responsabilidade sobre o processo causal da problemática ora em apreço.
De fato, a par da evidente defasagem entre a relação professor/aluno – que já
não se norteia pelo paradigma de respeito de outrora – e a própria
metodologia empregada com o escopo de arrostar as situações de violência
no meio escolar, não há como negar que a má condução de processos
pedagógicos em certos casos contribui para a eclosão de focos de revolta.
Nesse sentido, frequentes são os relatos de jovens irresignados
pela estigmatização por motivo de baixo rendimento, ou mesmo diante da
inaptidão dos professores para encorajá-los a expressar seus pontos de
vista ou para ajudá-los diante de situações de dificuldades pessoais.
Dentre todos os fatores elencados, os dois primeiros por
certo são os mais significativos para a eclosão do fenômeno de que
ora se cuida. Como bem sintetiza Sonia Carla Aroso Azevedo:

A carência de bens mínimos como um trabalho,


habitação, serviços sociais básicos, nomeadamente a
quebra das redes de suporte familiar, sua desagregação
ausência de valores essenciais dentro e fora da família, o
meio onde vive, a escola que não exerce qualquer tipo de
motivação, leva a que determinados indivíduos ou
grupos cultivem a agressividade face à sociedade que
gerou ou proporcionou déficits tão profundos e que
fazem parte das suas vivências quotidianas.4

Nesta senda, cabe observar que o Relatório da Comissão


Internacional sobre Educação para o Século XXI, elaborado para a
UNESCO, consignou que “a família constitui o primeiro lugar de toda
e qualquer educação e assegura, por isso, a ligação entre o afectivo e o
cognitivo, assim como a transmissão dos valores e normas”.
Em verdade, a família de hoje em muito se difere daquela

4
AZEVEDO, S. C. A. A violência nas escolas como resultado dos problemas de
inadaptação social. Disponível em: http://br.monografias.com/trabalhos/violencia-
nas-escolas/violencia-nas-escolas.shtml. Acesso em: 29 jan. 2009.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 103


do início do último século, e, nesse novo contexto, a desagregação
familiar parece ser o fator que mais repercute sobre as situações de
violência praticadas na escola e contra a escola.
Hodiernamente, já não se cogita que os pais sejam os senhores
absolutos da razão e, via de regra, as mães já não se dedicam unicamente à
proteção do lar e à educação dos filhos. Porém, em que pese o aparente
avanço, as próprias exigências atuais, sobretudo financeiras, conduziram
a uma situação em que jovens em idade escolar possuem contato em
muito abreviado com seus genitores, o que os torna mais expostos aos
meios de comunicação de massa e às más influências de seu meio social.
Não se pretende negar que o acesso à informação e o
convívio em sociedade possuam relevância primordial nos
processos de socialização de crianças e adolescentes. Entretanto, a
pouca convivência entre pais e filhos vem repercutindo de forma
negativa sobre a transmissão de valores tão necessários à formação
e ao desenvolvimento das crianças e adolescentes.
De fato, os jovens de hoje adquirem sua identidade dentro e
fora da família, em um contexto verdadeiramente plural, do qual a
escola e a família possuem o dever de não se esquivar.
Noutros termos, a família não pode se demitir de sua
incumbência na formação moral e educacional do jovem, delegando,
irresponsavelmente, aos outros agentes educativos a formação dos
seus descendentes, enquanto profissionais da educação. Igualmente,
não podem acreditar que não tenham o dever de contribuir para esse
mesmo processo construtivo.
A violência em meio escolar é, em grande parte, fruto das
omissões recíprocas de familiares e educadores durante o processo
de ensino, os quais, a par de não reconhecerem cabalmente a
complexidade do problema, norteiam-se por paradigmas bastante
defasados para enfrentá-lo, pois ainda não internalizaram de forma
ampla a consciência sobre a necessidade de inovar na resposta a ser
conferida às situações de violência escolar.
Contudo, o crescente número de incidentes e a mudança
qualitativa dos problemas apresentados vêm, gradualmente,
inserindo nos profissionais da educação a consciência de que uma
inovadora organização pedagógica da escola é o pilar sobre o qual se
assenta a prevenção de futuros casos de abandono e indisciplina que,
não raro, deságuam em situações de violência no meio escolar.

104 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


Nesse contexto, resulta imperiosa uma intervenção
educativa dirigida aos jovens e a todos os cidadãos envolvidos, de
que são exemplos os programas de educação para a paz e para a
convivência, ou mesmo as terapias em grupos, nas quais famílias
desajustadas podem desenvolver projetos de realização pessoal,
familiar e mesmo de bairro, de sorte a combater os problemas
existentes e que atuam na gênese da violência escolar.
Inserem-se, outrossim, campanhas de conscientização quanto
à impropriedade das condutas violentas nas escolas (educação
preventiva primária) ou mesmo a realização de atividades de educação
não formal individualizadas, como as de auxílio pedagógico ou mesmo
a intervenção direta na resolução de conflitos, caso da mediação
(educação preventiva secundária).
Uma vez diagnosticado o problema, necessária se faz uma
intervenção para erradicá-lo e evitar novas ocorrências. Não obstante, a
própria solução a ser aplicada ainda é alvo de profundas incertezas.
Não há uma resposta precisa sobre a adequada forma de
atuação em face dos casos de violência no meio escolar, podendo-
se afirmar, unicamente, que o policiamento e a “resolução” do
problema na seara infracional são fórmulas por demais simplistas.
Com efeito, a solução passa pela união da família, da
escola, da sociedade e demais entidades de controle social, para
que juntas executem ações voltadas ao resgate dos valores éticos
dos jovens e à prevenção de novas práticas violentas.
Como bem adverte o educador Vicente Martins, o artigo 22 da
Lei de Diretrizes e Bases da educação, ao referir-se à educação básica,
“estabelece que é tarefa das instituições de ensino assegurar aos alunos
a formação para cidadania e fornecer-lhes meios para progredir no
trabalho, nos estudos posteriores e na vida”5, do que se infere que não é
dado às aludidas instituições omitirem-se quanto à formação moral dos
jovens sob argumento de que é a família quem deve fazê-lo, ou seja, não
devem os programas pedagógicos contentarem-se com uma educação
formal que não compreenda a conscientização sobre a impropriedade
dos comportamentos violentos na vida do jovem como um todo, não só

5
Em: MARTINS, V. Como a leitura diminui a violência na escola. Disponível em:
http://www.filologia.org.br/soletras/15sup/Como%20a%20leitura%20diminui%20a
%20viol%C3%AAncia%20na%20escola%20-%20VICENTE.pdf. Acesso em: 31
jan. 2009.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 105


no contexto escolar.
Todavia, se, por um lado, a escola precisa rever seus paradigmas
pedagógicos e de enfrentamento das situações que já não se restringem às
de mera indisciplina de outrora, também é fato que nenhuma outra
instituição poderá substituir o papel educativo da família.
Cabe à entidade familiar, numa ação integrada com os profissionais
da educação, a comunidade e os poderes públicos, encontrar o caminho
necessário à superação das aviltantes situações de violência no meio escolar.
Por certo, a transmissão de valores como o respeito, a
solidariedade, a tolerância e o esforço pessoal não é papel único da
entidade escolar, sendo a ação integrada entre os agentes acima
enumerados a solução para o enfrentamento do problema.
Resta, entretanto, apurar a forma de atuação concatenada,
tarefa sobre a qual profissionais das mais diversas áreas, sobretudo
da educação, ainda controvertem.

Referências

AZEVEDO, S. C. A. A violência nas escolas como resultado dos


problemas de inadaptação social. Disponível em:
http://br.monografias.com/trabalhos/violencia-nas-escolas/violencia-
nas-escolas.shtml. Acesso em: 29 jan. 2009.

CENTRO DE REFERÊNCIA EM EDUCAÇÃO MÁRIO COVAS.


Prof. Julio Groppa Aquino, da USP, discute a questão da violência nas
escolas. Disponível em: http://www.crmariocovas.sp.gov.br/ent_a.
php?t=001.Acesso em: 29 jan. 2009.

FUNDAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA –


FUNDEP. Violência nas escolas. Notícia publicada em 12/01/2009.
Disponível em: http://www.fundep.ufmg.br/homepage/cases/436.asp.
Acesso em: 29 jan. 2009.

MARTINS, V. Como a leitura diminui a violência na escola.


Disponível em: http://www.filologia.org.br/soletras/15sup/Como%20
a%20leitura%20diminui%20a%20viol%C3%AAncia%20na%20esc
ola%20-%20VICENTE.pdf. Acesso em: 31 jan. 2009.

106 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


A VIOLÊNCIA NO MEIO ESCOLAR:
PREVENÇÃO E COMBATE

Karina Gomes e Silva*

Resumo:
O artigo trata do tema relativo à violência perpetrada no meio escolar, bem
como de suas possíveis causas, muitas vezes relacionadas à educação dada
aos jovens e ao convívio familiar, buscando soluções hábeis ao enfrentamento
do problema.

Palavras-chave: violência, escola, educação, família, sociedade.

A violência protagonizada no meio escolar, seja relativa à


rede de ensino pública ou privada, é um obstáculo reconhecido nos
dias atuais, que deverá ser superado pela ação conjunta da família,
da escola, da sociedade e de outros segmentos socialmente
adequados e dispostos a tanto.
Atualmente, é patente a situação das famílias que acabam
relegando a educação e enraizamento de valores de seus filhos aos
professores e à escola de um modo geral, destituindo-se de suas funções
educativas e até mesmo de afeto devido à constante “falta de tempo”.
Todavia, a escola não pode, sozinha, responsabilizar-se pela
educação das crianças e adolescentes, comprometendo-se com a
erradicação da violência do meio escolar, como algo dissociado de
diversos outros fatores. Família, escola e sociedade deverão, juntas,
insurgirem-se contra este mal, alcançando meios mais eficazes de
combater a violência escolar em todas as suas formas.
Ao contrário do que se pensa, a violência nas escolas não é
um fenômeno novo, contemporâneo. Sempre foi a forma mais
imediata de aqueles que se encontram em peculiar estado de
formação, sendo, por isso, socialmente mais frágeis, se protegerem
do que temem ou imitarem o que admiram. Seja um “herói” do

*
Promotora de Justiça Substituta do MP-GO.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 107


videogame, das histórias em quadrinhos, dos desenhos dispostos
na televisão ou até mesmo um familiar próximo.
Em praticamente todos os casos verifica-se que a criança
tão somente retribui o que recebe. Se receber violência em casa,
falta de carinho, compaixão, compreensão, não será diferente na
escola. Se for tratada com indiferença por aqueles que com ela
convivem, a indiferença será ponto marcante em seu
comportamento quando posta em convívio com os demais colegas.
Partindo-se dessa premissa, forçoso questionar qual seria o
papel da família na educação de seus filhos.
Hoje, diferentemente de tempos passados, os pais não mais
se perfazem em senhores absolutos da família ou do destino de
seus descendentes. Preconiza-se a família eudemonista, que busca
a felicidade de cada um de seus componentes, independentemente
da vontade do todo.
As mães deixaram de ser as únicas educadoras, as únicas a
participarem ativamente da vida dos filhos enquanto o pai
trabalhava para garantir a subsistência. Hoje, o que se espera da
educação familiar não é que os filhos sigam fielmente, sem
questionar, o que os pais querem, mas sim se preconiza que estes
sigam o caminho do bem, que os faça felizes e plenos de valores.
Contudo, a realidade é outra. A família, infelizmente, na maior
parte dos casos, abriu mão de educar seus filhos, abriu mão do diálogo e
dos valores, que visam à busca da felicidade preconizada pelo
eudemonismo. A educação começa em casa, mas, acima de tudo, por
meio de valores passados e agregados ao íntimo de cada um. A
desagregação familiar faz com que crianças e adolescentes exteriorizem
os problemas vividos, na maioria das vezes, sob a forma de violência.
Problemas como dependência química, violência doméstica,
promiscuidade, dentre outros, enfrentados no seio familiar, serão
absorvidos pelos que se encontram em formação de caráter, repassados
seja sob a forma de violência ou sob a forma de introspecção excessiva.
Mas o mais curioso é que mesmo famílias com boas condições
financeiras, que não enfrentam em seus lares problemas relacionados
ao álcool, droga, violência, podem ter filhos que demonstrem
comportamento desviado quando inseridos no meio escolar.
No mundo atual, onde os jovens têm cada vez mais acesso, e
mais rapidamente, a um número elevadíssimo de informações,

108 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


muitas vezes ruins, onde os jogos de videogame são cada vez mais
competitivos e violentos, onde não há o ensinamento acerca de
limites que serão naturalmente enfrentados ao longo da caminhada,
fica mais fácil a ocorrência da perda do controle pelos pais, no
tocante à educação de seus filhos.
Quantos pais poderiam afirmar, com certeza, o que os filhos
vêem na televisão, absorvem na Internet ou jogam no videogame
quando se encontram fora de casa?
Em um mundo onde a competitividade se insere cada vez mais
rapidamente ao íntimo do ser humano, não pode a família se despir do
papel de dialogar com jovens que ainda estão aprendendo sobre a vida.
A competitividade extrema, agressiva, é também um dos fatores
desencadeadores da violência no meio escolar. E a competição muitas
vezes partirá da péssima “educação” dada aos jovens pelos meios de
comunicação de massa.
A televisão é a maior responsável pela difusão da violência
em todas as suas searas. E as crianças e adolescentes são seus
maiores consumidores, vítimas, muitas vezes, da desídia de seus
genitores que não acompanham o que os filhos assistem. Mas não
apenas a televisão deve ser responsabilizada pelo problema.
As causas da violência são inúmeras, não havendo como
apontar culpados exatos. Em pesquisa realizada, apontaram-se, como
causas desse tipo de violência a família, os próprios alunos e turmas e
até mesmo a escola. A família é o maior exemplo a ser seguido pela
criança. Há famílias que participam diretamente na violência que
ocorre nas escolas. Impotentes para lidarem com a violência de seus
descendentes, acusam os professores de não “domesticarem” os seus
filhos, instigando a agressividade e, em extrema instância, tornam-se
eles mesmos violentos, agredindo os professores e funcionários.
Tal atitude faz com que, inclusive, a criança ou adolescente
nutra um sentimento de grandeza diante daqueles que deveria
respeitar e obedecer. Muitas vezes os pais afrontam professores na
frente de seus filhos, fazendo com que estes não desenvolvam
qualquer limite no trato com seus iguais.
Os alunos, as turmas e as escolas, como dito, também
participam desse problema. Muitos alunos, que deveriam estar
inseridos em programas de saúde mental, acabam sendo
irremediavelmente incompreendidos, havendo a tentativa de família e

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 109


escola resolverem o problema de forma errônea, gerando mais
problemas, sendo estigmatizados por seus colegas e, muitas vezes, pela
própria escola que, como dito, não está apta a lidar com o problema.
E diante de tantos problemas colocados, quais seriam as soluções
prontas a amenizar a violência no meio escolar em todas as suas feições?
Em primeiro lugar, poder-se-ia dizer que a família deveria
deixar de delegar o papel educacional unicamente à escola. Não deve
a escola ser a única instituição responsável para agregar valores de
convivência e respeito ao caráter dos jovens. A família, por meio
principalmente do diálogo, parece ser a mais apta a tanto, até mesmo
por ser exemplo a ser seguido pelos jovens em desenvolvimento.
Por sua vez, a escola não pode ignorar que os conflitos e
problemas sociais existem, devendo se adaptar a isto, uma vez que
é precisamente na escola que as crianças imitam comportamentos
e agregam valores tomados dos colegas.
Meios onde proliferam os maus tratos físicos e psicológicos,
onde as privações, a promiscuidade, a baixa escolarização, a pobreza
andam de mãos dadas, clamam por uma intervenção conjunta realmente
eficaz, fornecendo à população em risco modelos de conduta adequados
ao desenvolvimento afetivo, intelectual e moral de todos os envolvidos.
O Estado, que sempre ocupou uma posição menor no que
diz respeito a este problema, contrariando, inclusive os ditames da
Constituição Federal de 1988, deverá se empenhar em investir em
programas de combate à violência e exclusão social. Deverá se
preocupar mais em capacitar seus educadores, a fim de que estejam
aptos a enfrentarem com sabedoria e técnica esse tipo de situação.
Dessa forma, havendo uma atuação conjunta de família, escola,
sociedade e governo, havendo um maior diálogo entre pais e filhos, maior
diálogo entre escola e alunos e entre aquela e a família de seus alunos, o
problema da violência escolar poderá começar a ser amenizado, antes que
se alastre de forma a se enraizar no ordenamento social.
Todavia, não nos olvidemos que problemas de maiores
proporções são enfrentados nas redes públicas de ensino, envolvendo
políticas mais abrangentes no campo social, dependendo em muito dos
governantes que aí se encontram e que deveriam se voltar mais à escola,
de onde sairão os adultos de amanhã.

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O “TIPO CONGLOBANTE” DE EUGENIO RAUL
ZAFFARONI E A ATIPICIDADE DO ABORTAMENTO
DE FETO ANENCEFÁLICO
Marcelo de Freitas*

Resumo:
Ao proclamar a tipicidade conglobante, Eugenio Raul Zaffaroni, obtendo
uma nova perspectiva do fato típico, salienta que a existência de norma que
permite ou fomenta alguma atividade, também abarcada pela norma penal
incriminadora, terá o condão de torná-la penalmente atípica. O tipo penal
deve ser analisado conglobantemente com as demais normas do arcabouço
jurídico. Assim, considerando que a morte, para o direito, dá-se com a
falência encefálica, bem como que as condições do anencéfalo são
comparáveis à primeira situação, torna-se possível reputar o feto, nessas
condições, como juridicamente morto, o que nos levará a ter como atípico,
em vias de consequência, o respectivo abortamento, em virtude da
existência de norma outra que exclui o bem jurídico a ser tutelado.

Palavras-chave: tipicidade conglobante, Eugenio Raul Zaffaroni, fim da


vida, morte cerebral, aplicação da regra à anencefalia, feto sem cérebro,
bem jurídico não protegido, ausência da tipicidade material da conduta.

Forçoso é reconhecer que a rainha das discussões, hoje, na


bioética, é a viabilidade ou não do abortamento de feto
anencefálico. Reputo necessárias algumas considerações iniciais.
A anencefalia e o aborto, objetos das mais acaloradas
discussões acadêmicas, ocupam importante acento nas ciências
jurídicas, especialmente no Direito Penal. Por isso, optei em tecer
algumas considerações a respeito do aspecto criminal da conduta
de abortamento, em especial quando se abate sobre o feto a
anencefalia. Assim, o faço sob a luz da chamada “tipicidade
conglobante”, do doutrinador argentino Eugenio Raul Zaffaroni.

*
Promotor de Justiça Substituto, MP-GO.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 111


Continuando as considerações preliminares, ressalto que as
conclusões a que cheguei despojam-se de qualquer caráter religioso,
até mesmo porque jamais poderia chegar a tais respostas caso viesse
a me socorrer de íntimas convicções religiosas. Discute-se, aqui, tão
somente a tipicidade do respectivo abortamento, e somente isso.
Impende esclarecer, contudo, que aborto e abortamento
não se confundem. Enquanto o termo aborto refere-se ao resultado
da conduta (aquilo que resulta da atividade que lhe dá causa), o
abortamento significa a atividade interruptiva da gestação, ou seja,
a conduta causadora do aborto. Portanto, conclui-se que o Código
Penal incorreu em erro técnico ao denominar de aborto (o produto,
o resultado) a conduta criminosa, quando na verdade trata-se de
abortamento (conduta de abortar).
Pois bem, analisemos agora em que consiste o denominado
tipo conglobante.
A proposição de Zaffaroni, quanto ao tipo conglobante é
muito simples: o que é permitido ou fomentado por uma norma não
estará proibido em outra, não constituindo, portanto, fato típico, a
realização de alguma conduta que, a despeito de estar descrita
como crime, for permitida ou fomentada por alguma outra norma
do ordenamento. Assim, o tipo penal deve ser analisado à luz do
arcabouço jurídico em vigor, conglobando-o, e não isoladamente.
Muitos são os reflexos dessa teoria. O que antes pertencia à
antijuridicidade, hoje se deslocou para o fato típico, ou seja, situações
antes tidas como estrito cumprimento de um dever legar, ou exercício
regular de um direito, passaram a ter a natureza de excludentes de
tipicidade. Exclui-se o crime numa etapa anterior, o que significa uma
maior proteção ao cidadão frente ao estado acusação.
Voltando ao tema ora explanado, e já de posse de singelas
noções de tipo conglobante, indaga-se: haveria uma norma no
ordenamento que permitiria a morte do feto anencefálico,
tornando-o atípico ante o tipo de aborto descrito no Código Penal?
Com a devida vênia, reputo que sim.
Neste ponto, remetemo-nos a outra questão de suma relevância
para o deslinde desta discussão, qual seja: a do momento de constatação
da morte para efeitos legais. Como cediço, atualmente, num consenso
de valores médico-jurídicos, tem-se admitido a morte quando da
constatação da falência encefálica, na qual se verifica lesão ou

112 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


deterioração substancial e irrecuperável do cérebro, em que o sujeito se
torna incapaz de viver de forma autônoma, autorizando-se, inclusive, a
doação de seus órgãos.
É o que preconiza a Lei 9.434/97, que, em seu art. 3º, caput,
assim dispõe:

Art. 3º. A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou


partes do corpo humano destinados a transplante ou
tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de
morte encefálica, constatada e registrada por dois
médicos não participantes das equipes de remoção e
transplante, mediante a utilização de critérios
clínicos e tecnológicos definidos por resolução do
Conselho Federal de Medicina. (destaque nosso)

Vejamos, então, o que seria anencefalia:

Conforme breve definição médica, consiste a


anencefalia na má-formação congênita do sistema
nervoso central, na qual o encéfalo é anaplásico (não
se desenvolve) e a calota craniana está ausente,
ficando a mal desenvolvida massa cerebral exposta.
Os hemisférios cerebrais e o cerebelo geralmente
estão ausentes e identifica-se apenas um resíduo do
tronco encefálico. O que se observa, portanto, é um ser
dotado apenas de fragmentos cerebrais, que tem seu
fim inexoravelmente próximo, vez que não possui a
estrutura encefálica necessária à realização das
sinapses que possibilitarão a manutenção de uma
respiração autônoma e o desenvolvimento de outras
funções essenciais à existência.

Ora, como dar tratamento díspar para situações quase


semelhantes? Se a deterioração substancial e irrecuperável do cérebro
autoriza o conceito de morte, porque não estendê-lo para o ser que
possui meros fragmentos cerebrais, impossibilitadores da existência?
Por isso, reputo que o citado art. 3º autoriza o abortamento de
feto anencefálico. Como supradelineado, as condições do
anencéfalo são comparáveis às do indivíduo a que sobreveio falência
encefálica, podendo, logo, ser considerado juridicamente morto.

Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 113


Se a conduta, portanto, encontra-se permitida, não há como
considerá-la penalmente típica, segundo o pensamento
conglobante de Zaffaroni. Levando-se em consideração a
legalidade restritiva que permeia o tipo penal, tem-se a conduta
acima sugerida por atípica, uma vez que direcionada a objeto não
protegido por normas criminais, sendo destituída de potencial
lesivo aos objetos materiais contidos nos tipos delimitados nos
arts. 124, 125 e 126 do Código Penal Brasileiro.
Se ordenamento pátrio reputa a pessoa, naquelas
circunstâncias, morta, por óbvio que a conduta não estará proibida,
e haverá, em âmbito penal, a total exclusão da tipicidade das
condutas que se dirigem àquele bem jurídico.
Vivemos num estado laico, em que vige o princípio maior
da dignidade da pessoa humana, cuja interpretação não permite
vislumbrar-se que uma mulher seja compelida a carregar em seu
ventre um feto inviável, sem o mínimo potencial necessário para
viver e tornar-se um indivíduo.
A Constituição Federal não protege simplesmente a vida
em qualquer de suas formas, mas a vida digna.

114 Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009


NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE ARTIGOS

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fomentar o debate jurídico em temas que guardem pertinência
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?Serão aceitos artigos doutrinários e peças funcionais,
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2- palavras-chave (no máximo cinco palavras);
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quais serão abertos automaticamente. Tamanho de papel A4,
margens superior e inferior 2,5 cm e laterais 3,0 cm. Os artigos
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Revista do MP-GO, Goiânia, ano XII, n. 17, Março/2009 115


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