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A CARIDADE NO CENTRO DA EXISTÊNCIA: O PADRE IBIAPINA E A

OPÇÃO PREFERENCIAL PELOS POBRES.

Pedro Henrique Macêdo Félix da Silva1

RESUMO

O presente artigo visa abordar a atuação pastoral e missionária do Padre José Antônio
de Maria Ibiapina, grande apóstolo da caridade no Nordeste Brasileiro do século XIX, a
partir da sua vida social e, posteriormente, religiosa pela qual vai construir sua fama de
santidade e tenacidade. Em paralelo a essa análise da figura histórica de Ibiapina, vai-se
demonstrar o como a presença do sacerdote ilumina e aponta para o estilo de Igreja que
o concílio Vaticano II inaugura tempos depois, em especial na vida eclesial da América
latina que se volta para os pobres, pelos quais faz uma opção preferencial. Partindo de
Jesus para os pobres, Ibiapina encontra o centro do seu ministério e ação pastoral e
assim, seu exemplo é um impulso para que a igreja tome também esse mesmo rumo,
indo ao encontro dos que estão nas periferias, quer geográficas ou existenciais. Portanto,
pode-se afirmar sem anacronismo algum, que o Padre mestre Ibiapina fez uma clara
opção profética pelos mais necessitados, dentro da sua dimensão com suas limitações.
Palavras Chave: Caridade. Pobreza. Solidariedade.

INTRODUÇÃO

A figura do Pe. Mestre José Antônio de Maria Ibiapina (1806-1883) se configura


como um dos grandes vultos históricos, sociais e religiosos do nordeste brasileiro,
destacando-se como brilhante missionário nas pregações junto ao povo e pastor
exemplar no cuidado não só religioso, mas, humanitário através das grandes construções
de açudes, cemitérios, Igrejas e casas de caridade, sendo essas últimas o grande marco
da atividade pastoral do Mestre Ibiapina.

Para se entender melhor o porquê da iniciativa do apóstolo do nordeste de não


permanecer em uma postura semelhante à dos padres da época, é preciso adentrar em
sua vida antes do ministério sacerdotal, e perceber a relação com a busca de justiça e
defesa dos necessitados que Ibiapina realizou quando exerceu os cargos de Juiz,
deputado e advogado.

Esse testemunho de se colocar ao lado dos mais pobres é o paradigma inspirador


para a Igreja Latino americana que após o Concilio Vaticano II, sensibilizada com as
dificuldades e o estado de miserabilidade encontrados nos diversos locais de atuação,
percebe a necessidade de fazer uma opção preferencial, não excludente, pelos mais

1
Aluno do Terceiro ano de Filosofia no CEA- Centro de Estudos Acadêmicos e Seminarista da Diocese
de Guarabira-PB.
vulneráveis e carentes realizando a partir disso mais do que uma assistência
humanitária, mas, uma luta por justiça, denunciando e questionando as causas da
desigualdade e pobreza. Por isso, para que a Igreja possa melhor viver essa opção ela
também deve se converter a pobreza como se evidencia neste artigo, através do pacto
das catacumbas e das conferências episcopais Latino-americanas de Medellín e Puebla,
que foram decisivas para se assumir essa opção preferencial e profética pelos pobres.

Assim como Ibiapina, naquela época, fez uma clara opção pelo resgate integral
da pessoa humana, em especial dos pobres, a Igreja também, toma consciência que é
extremamente necessário ter uma iniciativa profética de posicionamento contra as
realidades de desigualdade, e faz a mesma escolha, pois, “o rosto de Deus se revela
também nos rostos desfigurados humanos. Só se opta realmente por Deus, quando nesta
opção estão incluídos os marginalizados” (PAREDES, 1985, p. 125), e sendo ela a
anunciadora por excelência da boa nova evangélica, não pode deixar de, a partir de
Jesus, ir ao encontro dos pobres, como Ele mesmo fez.

Logo, procura-se demonstrar neste artigo que não é anacrónico falar que o Padre
mestre Ibiapina é um prefigurador desta opção preferencial, mas, antes, acaba sendo
modelo e exemplo dela. Para melhor embasar e sustentar tal afirmação se vai explorar o
sentido desta opção pelos pobres: o que é, e quais suas implicações para a eclesiologia
atual, para, a partir daí adentrar na vida apostólica de Ibiapina e demonstrar que sua
atitude pastoral e humanitária são inspirações para a Igreja, especialmente neste
continente subdesenvolvido que depois vai ver como essenciais atitudes com as de
Ibiapina, Dom Oscar Romero, Dom Hélder e tantos outros que se comprometeram e
entraram de cheio na causa do povo de Deus, valorizando os pequenos e oprimidos.

A Vida de Ibiapina: A infância e itinerário da toga à batina.


José Antônio Pereira nasceu na fazenda Morro nos arredores da Cidade de
Sobral, no ano 1806 filho de Francisco Miguel Pereira e Teresa Maria de Jesus. O seu
Pai era um escrivão público e posteriormente tornou-se militante na confederação do
Equador(1824) e como era costume entre os partidários da revolução, Francisco
acrescentou ao seu nome e ao de seus filhos o local onde residiam, a chamada vila do
Ibiapina, que “era então uma pequena povoação de índios aldeados pelos Jesuítas,
situada em terreno fertilíssimo em uma ponta ou quebrada da serra Ibiapaba da qual é
diminutivo”(DUARTE apud. CARVALHO 2008, p. 23). Ainda muito jovem, com 10
anos provavelmente, Ibiapina se muda com sua família para Icó, um dos maiores
municípios, na época, do interior do Ceará, onde seu pai deveria exercer o ofício de
tabelião. É nesta localidade que o padre- mestre recebe as instruções das primeiras letras
formais pelo afamado professor José Felipe.

Nos narram os seus biógrafos, que além de dar provas de ser um brilhante aluno,
o jovem “pereirinha”, como era chamado, também mostrava ter inclinações ao espírito
religioso ao afirmarem ser um dos melhores “passatempos” daquele rapaz assistir aos
ofícios litúrgicos celebrados na Igreja do Senhor do Bom fim. No ano de 1819, mais
uma vez Francisco Miguel é transferido e se desloca até a cidade do Crato, com tal
mudança Ibiapina interrompe seus estudos da língua latina que havia iniciado.

Ao chegar nesta localidade o jovem José não encontra um mestre que pudesse
continuar guiando-o no estudo acadêmico, sendo colocado com grande destaque neste
momento o aprofundamento do espírito religioso e devocional alimentado e cultivado
pelo Pe. Manuel Filipe Gonçalves. Após dois anos o jovem vai até a Vila do Jardim
com o objetivo de prosseguir seus estudos de Latim com um renomado latinista
chamado Joaquim Teotônio Sobreira de Mello.

Em meados do ano 1823 Ibiapina ingressa, pela primeira vez, no Seminário de


Olinda permanecendo neste apenas dois anos, dado que, segundo seus biógrafos, a
instituição se encontrava na efervescência de ideais iluministas, fazendo com que o
jovem encontrasse um ambiente de muita convulsionalidade; além disso no ano em que
‘Pereirinha’ entra no seminário, sua mãe D. Tereza falece, deixando a responsabilidade
do cuidado das irmãs pequenas ao pai, Francisco Miguel que é assinado em 1825 devido
ao seu envolvimento com a confederação do Equador, e, um ano antes, o irmão do
Padre Mestre, Alexandre, é morto na ilha de Fernando de Noronha; de forma que
Ibiapina se vê forçado a deixar os estudos para assumir a vida e os negócios da família
agora imersa na pobreza, uma vez que todos os bens possuídos foram confiscados. Após
esses episódios, Ibiapina se muda com os seus irmãos para o Recife, e, em 1828,
ingressa novamente no seminário de Olinda.

Posteriormente, na capital de Pernambuco, é aberto o curso de Ciências


jurídicas, sendo um dos primeiros do Brasil. De acordo com as normas institucionais do
seminário onde Ibiapina residia era possível a matrícula em dois cursos ao mesmo
tempo, segundo Lopes(2004, p.28-29) “As aulas tiveram inicio aos 2 de Junho e
incompatibilidade de horários levou Ibiapina a optar pelos estudos jurídicos, passando a
residir no mosteiro de São Bento”.

Em 1832, o jovem Ibiapina obtém o titulo de Bacharel e, concomitantemente é


nomeado professor de Direito natural na mesma faculdade de ciências jurídicas de
Olinda. Ainda no exercício desta função é que Ibiapina entra para vida política, ao ser
nomeado chefe de Polícia e juiz de Direito da vila de Santo Antônio de Quixeramobim,
no Ceará. Em 1834, o jovem Dr. Ibiapina é eleito deputado Federal para representar o
referido estado na câmara no Rio de Janeiro onde atuou de forma brilhante e enérgica
frente aos desmandos que então encontrava na corte Brasileira.

Esse período de estada entre os influentes da política, o fez ver quanta corrupção
e falta de equidade havia entre as grandes camadas do poder, de forma que o jovem
Ibiapina desgostoso com o poder social decide-se afastar por completo dele, exercendo
apenas a sua profissão de advogado no Recife, a qual realizava com exímia destreza.
Nos apontam os estudiosos da vida do Padre Mestre, que, em meados do ano 1950

Tendo abandonado a advocacia, Ibiapina desfez-se de quase todos os


seus pertences e foi morar no sítio que possuía em caxangá, nos
arredores do Recife. No retiro do sítio pode dedicar-se inteiramente a
vida espiritual e ao tratamento da asma que nunca o deixará por
completo ao longo da vida. Em princípios de 1853 vendeu a pequena
propriedade e foi morar no centro do Recife, à rua Santa Rita com
duas de suas irmãs. Nesse tempo frequentava assiduamente o
convento da Penha, dos Frades capuchinhos, onde participava das
missas e outros tantos atos religiosos. Essa aproximação franciscana,
através dos capuchinhos, parece ter sido decisiva para sua ordenação e
rigorosa vida missionária. (CARVALHO, 2008, p.31)

É nesse momento de vida retirada dos ofícios profissionais que Ibiapina, ao


receber a visita do Dr. Américo Magalhães que lhe questiona o porquê não pedir a
Ordenação. A essa indagação, Ibiapina compreende como um sinal providente, que
trazia à tona aquele desejo há muito presente no coração e ainda não havia manifestado
tal inquietação por medo de o terem por desvairado.
Assim, em junho de 1853 Ibiapina recebe as ordens sacras menores e no dia 3 de
julho do referido ano, José Antônio Pereira Ibiapina é ordenado presbítero aos 47 anos
pelo então Bispo de Olinda Dom João da Purificação Marques Perdigão e celebra sua
primeira Missa no dia 26 do mesmo mês, festa de Sant’Ana- grande devoção do Mestre
Ibiapina- na Igreja da Madre de Deus em Recife. Após a ordenação Ibiapina recebe
tarefas de alta relevância na vida Eclesial pernambucana, como por exemplo, é nomeado
pelo então Bispo vigário geral e professor de Eloquência sagrada no seminário. É muito
importante por em destaque que os biógrafos de Ibiapina acentuam que o apóstolo da
caridade aceitou tais cargos apenas pela obediência, pois, já desejava há muito fazer a
experiência de missionar os interiores nordestinos.

A opção preferencial pelos mais pobres na Igreja pós Conciliar

Para um melhor entendimento do assunto se faz necessário esclarecer o que se


compreende por opção preferencial pelos pobres e suas implicações no contexto eclesial
pós conciliar e qual a relação desta escolha feita pela Igreja latino-americana com a vida
missionária de Ibiapina pelo sofrido nordeste daquela época, mobilizando as grandes
massas populares em torno da pregação e de atitudes concretas em benefício do povo
pobre.
A Igreja nos anos 1960 e seguintes vive a grande graça do Concílio Ecumênico
Vaticano II, que preocupado com os avanços no mundo moderno deseja compreender e
fazer com que a instituição eclesial possa ter a devida atualização capaz de tocar e
responder ao homem moderno os mais relevantes questionamentos sociais. Dentro do
decurso deste concílio diversos movimentos surgiram como respostas necessárias ao
questionamento de qual seria o novo jeito de ser Igreja.
Um desses movimentos foi o pacto das catacumbas 2, no qual, os Bispos,
especialmente os do continente latino americano, faziam uma opção por deixar todos os
objetos, insígnias e títulos que representassem ou trouxessem à tona uma tendência
principesca na vida episcopal. Serão as conferências Episcopais Latino-americanas as
propulsoras dessa nova interpretação eclesial, expressando que é necessária uma
conversão de toda Igreja para os sinais dos tempos que o Espírito santo suscita no meio
das nações.
É essa perspectiva de uma Igreja mais próxima ao povo, mais simples e irmã que
faz surgir a profética decisão de se fazer uma opção, evangélica e missionário por
aqueles que vivem marginalizados, na zona do sofrimento e da dor. Assim, na
conferência Latino-americana de Medellín em 1968 e posteriormente em Puebla, a
Igreja presente neste continente faz uma opção “clara e profética opção preferencial e
solidária pelos pobres” (DP 1134), sendo que

A novidade trazida pela Conferência de Medellín consistiu no fato de


a Igreja da América Latina ter deixado de ser Igreja reflexo (da
Europa) para se tornar Igreja fonte: ela passou a refletir sobre sua
situação e a caminhar com os próprios pés. Nessa segunda
Conferência é que se começou a falar de opção pelos pobres, sob a
inspiração de uma ‘teologia que surgiu da descoberta do pobre’. Em
outras palavras, a nascente teologia da Libertação. (JÚNIOR, 2002,
p.25)

Antes de tal opção ser uma escolha da Igreja inserida na América Latina, ela se
configura como uma fidelidade ao evangelho, pois, “A opção pelos pobres é uma
questão de Deus mesmo. É Deus que por primeiro opta pelos pobres e é só em
consequência que a Igreja deve optar pelos pobres” (PIXLEY E BOFF, 1986, p. 131) ,
sendo, portanto, algo já antigo que é posto novamente em destaque na eclesiologia
moderna, pois, a instituição eclesial não se pode fazer surda e nem cega frente aos
apelos que o rosto e a voz dos pobres fazem em busca da libertação integral. Agora, o
olhar que a Igreja lança com relação a pessoa do pobre deixa de lado a concepção
paternalista ou de uma mera assistência, mas, agora, possui um caráter de libertador.

2
“O Pacto da Igreja servidora e pobre, mais conhecido como Pacto das Catacumbas, foi expressão pública
da caminhada e dos compromissos do grupo da Igreja dos Pobres, formado desde a primeira sessão do
Vaticano II, sob a inspiração do padre operário Paul Gauthier e da religiosa carmelita, que se tornou
igualmente operária em Nazaré, Marie-Thérèse Lescase. Integraram-no, com entusiasmo, Dom Helder
Camara, Dom Antônio Fragoso, Dom João Batista Motta e Albuquerque, Dom José Maria Pires e outros
bispos do Brasil e de outros continentes. O Pacto foi assinado nos últimos dias do Vaticano II (1962-
1965), numa celebração eucarística na Catacumba de Santa Domitila, em Roma, no dia 16 de novembro
de 1965”. (BEOZZO, 2015, p. 27) .
A escolha de tal opção, pretende ser, para além dos equívocos de alguns de seus
expoentes, uma sinalização clara da necessidade de um retorno às fontes primitivas do
Cristianismo na qual todos “eram um só coração e uma só Alma(..) Tudo entre eles era
comum(...) e, não havia entre eles necessitado algum”(At.4- 32,34). Também essa
escolha dos Bispos latino americanos correspondia a um contexto bem situado, no qual
a maioria dos países viviam ditaduras militares, conflitos por terras e em algumas
partes, especialmente no Brasil, ainda sentiam o peso do coronelismo reinante.
Desta maneira, diante de um cenário socio-político tão conturbado se fez
necessário que os Pastores do povo cristão tomassem consciência da urgência em vista
de ações que pudessem dar vez e voz àqueles que eram constantemente marginalizados
pela sociedade, e vistos pelas classes dominantes como des-classificados, isto é, sem
uma classe organizada, apenas subordinados aos desmandos dos detentores do poder.
Assim a Igreja assume esse anúncio do Reino de Deus de maneira nova, tendo em vista
que

A História dos desclassificados por opção é tão antiga com a do


próprio cristianismo. Jesus de Nazaré, ao ser perguntado por João
Batista: ‘És tu quem deve vir, ou devemos esperar por um outro’ ,
manda responder: ‘Vão contar a João o que vocês viram e ouviram: os
cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos
ouvem, os mortos ressuscitam, anuncia-se a boa nova aos pobres, e
felizes aqueles que não duvidam de mim depois de me terem visto’(Lc
7, 22-23). Jesus escolhe os cegos, os surdos, coxos, mudos, pobres, os
que não contam, os desclassificados, e opta por eles, não diretamente
numa articulação de poder, mas sim numa opção radicalmente nova e
inauguradora do Reino de Deus. (HOORNAERT in CEHILA, 1984,
p. 79)

É necessário elucidar que a opção preferencial pelos pobres não parte da visão
reducionista de que todos devem viver em estado de miserabilidade. Pelo contrário,
falar em Deus como o primeiro a fazer esta escolha significa que se luta pela pessoa
vilipendiada em sua dignidade por conta do egoísmo e acumulo de alguns, ou seja,
unidos com os pobres e contra pobreza.
Do mesmo modo a luta contra as condições de pauperização não significa uma
acolhida a toda espécie de riqueza, é preciso esclarecer quais princípios ela carrega e de
onde provém essa abundância de bens, pois, muitas vezes o ajuntamento em grande
quantidade de posses materiais provém da corrupção, exploração, roubo e injustiça,
atitudes que evangelicamente são inadmissíveis e “quando se absolutiza a riqueza, ela se
converte em ídolo e é obstáculo à realização da pessoa humana”(PELLÁ, 1991, p. 51).
Por isso é preciso criar entre os membros da comunidade cristã a dimensão da
solidariedade que ultrapassa a mera dimensão da esmola ou assistencialismo, mas, se
pauta agora na conscientização e busca pela justiça, para que possa acontecer uma
conversão das estruturas sociais, pois, “essa solidariedade deve se converter em
libertadora de toda pobreza”.(PAREDES, 1985, p.121) Além disso é preciso se ter em
vista que ao assumir a opção preferencial pelos pobres a Igreja deseja trazer novamente
a tona a sua dimensão profética e não mais se portar de maneira acomodada frente as
realidades de desigualdade, injustiça e guerra, pois o mundo exige uma postura daquela
que anuncia Jesus Cristo, onde não é mais aceitável uma estaticidade eclesial ou
neutralidade inexistente.

A vida Apostólica de Ibiapina


É partindo desses pressupostos e compreendendo o que é a opção pelos pobres
que se pode abordar a vida apostólica e missionária de Ibiapina no que diz respeito a sua
atuação pelo nordeste brasileiro durante os 26 anos na sua missão presbiteral,
demonstrando que ele, dentro das condições históricas, eclesiais e sociais fez também
essa opção em prol da melhoria na vida do povo sofrido, e, para viver tal escolha,
conforme nos apontam unanimemente seus biógrafos, ele deixa os seus importantes
cargos na vida clerical como os de professor em sagrada eloquência e vigário geral,
pois,

Não aguenta essas funções, nem se deixa seduzir pela quase certeza de
ser eleito bispo para a primeira diocese vacante. Em 1855, dois anos
depois da ordenação, deixa o recife definitivamente para buscar a sua
vocação no sertão. Deixa a Igreja instalada da capital pernambucana
para buscar o povo de Deus perdido nesse interior que a ninguém
interessa. Então começa a sua vida de missionário. Os últimos 28 anos
de sua vida vão fazer uma carreira extraordinária de missionário
(COMBLIN, 1984, p. 11).

Dessa maneira o mestre Ibiapina sai do grande centro eclesiástico do recife e vai
para a margem, nos sertões interioranos e, nesse mesmo ano, em 8 de dezembro, o
missionário Ibiapina faz uma mudança e troca o Pereira por Maria, e a partir daí adentra
nos interiores sertanejos missionando e reunindo o povo de Deus. O estilo missionário
do apostolo do Nordeste apesar de estar na esteira dos grandes missionários já vistos nos
sertões, possui também diferenças notáveis em relação aos seus predecessores, pois o
Padre mestre ao mesmo tempo que reúne multidões para as práticas religiosas e
sacramentais, também agrupa numerosa quantidade para a construções de marcos bem
concretos da sua estada missionária naquele local, como é atestado, por exemplo, na
passagem de Ibiapina pela vila de Goianinha, no Ceará, para pregar a Missão por doze
dias, sendo que, nestes há uma mobilização dos que ali estavam para o desenvolvimento
material do lugar. O que hoje são os conhecidos mutirões, Ibiapina, naquela época, já
realizava tal agrupamento como é exposto por um de seus biógrafos:

Dividindo o serviço por turmas, estabeleceu-se onze decúrias


com seu respectivo chefe, que faziam tijolo; vinte pedreiros com os
serventes correspondentes trabalhavam no serviço da capela; 30
carpinas aprontavam as madeiras; 200 a 300 homens trabalhavam em
um açude ; outros tantos conduziam nos ombros as madeiras tiradas a
uma, a duas léguas de distância; o resto do povo, homens e mulheres e
meninos formigavam no carreto de material da lenha para queimar o
tijolo, e o mais que se lhes ordenava.”(DUARTE apud CARVALHO,
2008, p. 62-63)

Em um momento histórico altamente precário em todos os sentidos, Ibiapina


mobiliza o povo para a construção de açudes para saciar a sede dos necessitados,
constrói cemitérios para sepultar os cadáveres que muitas vezes eram jogados ao relento
nos períodos de cólera e demais epidemias, edifica capelas, Igrejas, hospitais e cria as
casas de caridades, um dos maiores feitos de Ibiapina, onde as órfãs além de possuírem
um lar aprendem diversas formas de trabalho, não só aqueles que a sociedade de então
reservava as mulheres, mas, também muitos outros ofícios úteis para se viver se maneira
decente, pois, para o padre mestre olhar com menosprezo o mal que os outros passam é
tomar parte em um pecado social altamente grave, como afirma: “Os que olham com
indiferença para os seus e do próximo, sem tomar interesse para remediá-los, é ente
inútil, criminoso porque não se importa com as ofensas que a Deus se fazem. Um dos
grandes pecados contra a caridade é o egoísmo.” (IBIAPINA apud COMBLIN, 1984,
p.29) O padre mestre se mostra como um profeta contra a fé inerte e o individualismo
que fecha os olhos e coração das pessoas para a necessidade do outro.

Com todas essas atitudes se percebe patente a opção de Ibiapina em trabalhar e


cooperar pela dignidade humana, em especial dos mais empobrecidos, como afirma um
de seus biógrafos, deixando entrever que os objetivos de Ibiapina eram evangelizadores
e humanitários: “Em todo lugar, onde não erguia um templo, deixava melhorado o
existente; ao par da palavra, uma obra material para fins de religião ou uso útil dos
pobres”(MARIZ, 1942, p.75). Factualmente essa afirmação se comprova com a atenção
especial do padre mestre na construção dos cemitérios, por exemplo. Os ricos daquela
sociedade eram enterrados nas Igrejas ou em suas adjacências de forma exemplar.
Enquanto isso, os pobres tinham seus cadáveres amontoados em locais públicos onde
eram pisoteados pelos que por ali passavam ou pelos animais que faziam daqueles
corpos putrefatos a sua alimentação.

Também se percebe a preocupação de Ibiapina com os mais necessitados nas


construções de pequenos locais que eram “Hospitais de emergência em face da multidão
de atacados do mal contagiante que apavorava o povo mais do que a bexiga” (MARIZ,
1942, p. 61), é a partir dessas pequenas construções de assistência humanitária que se
delineia o perfil das futuras casas de caridade.

Um outro dado pertinente é também a escolha de Ibiapina para as governantas de


suas casas de caridade. Elas, em sua maioria, são mulheres pobres que não possuíam
grande grau de instrução e mantinham uma espiritualidade bastante devocional e
popular, fazendo com que as beatas de Ibiapina se constituam como uma vivência da
vida religiosa em um estilo bem regional e encarnado, que em muito prefigura a
valorização do leigo exaltada pelo concílio vaticano II, pois, aquelas valentes mulheres
não se figuravam como as religiosas das ordens religiosas europeias, mas, pessoas
totalmente dedicadas ao serviço dos mais pobres, inspiradas pelo exemplo e fama de
santidade do Padre Mestre. É relevante destacar que Ibiapina, apesar de ser conhecer
eximiamente as leis, nunca quis reconhecer ou fundar o seu grupo de seguidoras como
uma nova ordem religiosas ou sociedade de vida apostólica, mas apenas enquanto uma
fraternidade sertaneja da caridade. Segundo FRAGOSO in CEHILA:

“Desse não- enquadramento jurídico das beatas do Padre


Ibiapina se deduzem as várias diferenças entre sua ‘forma matuta’ e a
‘forma canônica’. Suas Irmãs de Caridade não estavam voltadas para a
Europa, e sim para o chão nordestino. E isso era contrastante numa
época de europeização da vida religiosa, sobretudo em consequência
de suas desnacionalização decorrente do aviso imperial de 1855, que o
proibia aos brasileiros o acesso à vida religiosas ‘canonicamente
constituída’(1983, p. 95)
Em um tempo no qual a mulher era desvalorizada e reservada meramente aos
ofícios domésticos, Ibiapina faz algo revolucionário a seu tempo e ao seu modo: faz
daquelas beatas simples as superioras e organizadoras das casas de caridade, a partir dos
estatutos e instruções dados pelo próprio mestre Ibiapina. Com isso, o apóstolo do
nordeste valoriza aquelas mulheres, provando que não eram só feitas para algumas
atividades, mas, protagonistas diretas da história, dentro, é claro, das limitações da
época que não foram deixadas de lado pelo Padre Ibiapina.

Apesar de conceder às suas beatas o papel de administrarem a disciplina das


casas de caridade, o padre mestre acompanhava de perto não só as órfãs que ali viviam,
mas, as próprias irmãs para as quais sempre encaminhava cartas e instruções, e é por
meio destas que se pode descobrir um pouco do delineamento da espiritualidade e
mística que envolviam Ibiapina que tem como um dos marcos profundos da sua
espiritualidade a união entre a espiritualidade e o trabalho, uma autêntica encarnação
dentro da realidade que o rodeava como ele mesmo afirma em uma das instruções que
destina as Irmãs das casas de Caridade: “Há dois meios de orar a Deus com proveito:
um é levantando o pensamento ou dirigindo a palavra a Deus, e o outro é o trabalhando
por amor de Deus, em desempenho do dever do próprio estado”(IBIAPINA apud
COMBLIN, 1984, p .34). Assim o caminho espiritual que traça o Padre mestre é forte e
realista, sem mais delongas ou altitudes difíceis de serem alcançadas.

A oração de Ibiapina é aquela alcançável por todos, pela sua simplicidade,


proximidade e realismo, por isso, é compreensível que as atitudes de Ibiapina não são
meramente um ativismo pastoral, como alguns erroneamente talvez o interpretam, mas,
frutos de um impulso do Espírito que o conduz a uma atenção toda especial pelas
necessidades dos irmãos, como outrora também assim fez Jesus e tantos outros sinais de
santidade na vida da Igreja e do mundo, pois, o padre Mestre bem sabe que no sofrido e
pobre nordeste Brasileiro de então, não se podia fazer outra opção espiritual do que
aquela que o faz atento a situação de miserabilidade tão evidente no seu contexto, e,
ainda patente hoje.

Considerações Finais

O apóstolo do Nordeste após as muitas fadigas próprias de seu estilo de vida


missionário, fez sua páscoa no dia 19 de fevereiro do ano 1883, na pequena localidade
de Santa Fé, onde foi posteriormente sepultado. As obras materiais por ele construídas
permanecem imortalizadas na história, embora alguns dos grandes feitos do padre
Mestre tenham ruído com o tempo, como as casas de caridade e a presença das beatas,
que foram sendo substituídas, aos poucos, pelas religiosas oriundas das ordens
religiosas europeias.

Entretanto, o legado e o testemunho “desse jovem advogado que troca a tribuna


do fórum pelos púlpitos das igrejas traz questionamentos sérios para a Igreja de hoje”
(PIRES in CEHILA, 1983, p. 15), no sentido de que Ibiapina chama a atenção daqueles
que são responsáveis mais diretamente pelo pastoreio do povo de Deus, precisam estar
no meio do povo e trabalhar não só para eles, mas, com eles, fazendo com que se
desfaça a mentalidade piramidal de uma Igreja de poderes, para uma comunidade que
caminhe unida, de mãos e corações dados.

Assim, na atitude da Igreja latino-americana de fazer a opção preferencial pelos


pobres traz a tona o testemunho deste afortunado padre nordestino, que mais de cem
anos antes andando pelos sertões deste sofrido país faz essa escolha à sua maneira e
modo, reunindo o povo não só para os sermões e práticas penitenciais, mas, para a
realização do bem comum na construção de açudes, cemitérios, Igrejas, capelas e casas
de caridade. Partindo de Jesus para os pobres, Ibiapina encontra o centro do seu
ministério e ação pastoral e assim, seu exemplo é um impulso para que a igreja tome
também esse mesmo rumo, indo ao encontro dos que estão nas periferias, quer
geográficas ou existenciais. Portanto, pode-se afirmar sem anacronismo algum, que o
Padre mestre Ibiapina fez uma clara opção profética pelos mais necessitados, dentro dos
limites que eram próprios ao tempo, o que não lhe permitiu questionar os agentes
causadores das injustiças e pobrezas, como posteriormente fariam as comunidades
eclesiais pós conciliares.
Referências

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