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Dossiê: Cultura

material, consumo e
significação cultural 
POR CLÁUDIA PEREIRA1

Na sociedade das coisas, objetos se movimentam, circulam, in-


teragem, classificam, dão sentido à nossa existência dentro da vida
ordinária. Coisas estabelecem relações sociais entre si, assim como
nós. São duas sociedades que coexistem, tecidas entre si na inerência
que se estabelece entre objetos e pessoas (Miller, 1987.
Para viver a sociedade, portanto, precisamos das coisas. São elas
que nos ajudam a organizar o mundo e, nele, nossos valores, crenças,
práticas e rituais compartilhados. As coisas, enquanto mercadorias,
têm uma vida social (Appadurai, 2010). Circulando entre as pessoas,
garantem também a troca de significados, identidades, poderes e afe-
tos. Mas, se são retiradas de circulação, se são desmercantilizadas,
transportam-se da esfera do ordinário para outra, a do extraordi-
nário, melhor ainda, para a esfera das coisas sagradas, passando a
habitar não a nossa casa, mas os museus, templos religiosos, salas
de colecionadores de artes e de relíquias, como objetos de devoção
(Kopytoff, 2010). Ainda assim, continuam se relacionando entre si, re-
forçando hierarquias e classificações – repare como os objetos orde-
nam sua visita e movimentação em um museu, por exemplo – e com
as pessoas, de forma transcendente à sua própria materialidade, por
meio da contemplação ou da fé.
Para Daniel Miller (1987), talvez o nome mais importante nos es-
tudos da cultura material para as Ciências Sociais, sujeito e objeto es-
tabelecem uma construção ontológica mútua. Em seus trabalhos, o
Cláudia Pereira

antropólogo britânico concentra suas teorias no conceito hegeliano de


“objetificação”, como resultado de um processo de construção existen-
cial no qual se confere um significado e um valor a algo material, a partir
da vontade humana exteriorizada e, depois, reincorporada no sujeito.

Trama: Indústria Criativa em Revista.


Dossiê: Cultura Material, Consumo e Significação cultural.
Ano 3, vol. 3, nº 1, janeiro a julho de 2017: 3-6. ISSN: 2447-7516 3
O Dossiê “Cultura material, consumo e significação social” abre
espaço para as coisas. As coisas que nos habitam, as coisas que nos
afetam, as coisas que nos impõem uma força simbólica, enfim, as coi-
sas. Trata-se de uma importante contribuição para as Ciências Sociais,
especialmente para o campo da Comunicação, onde também residem
as chamadas “indústrias criativas”, considerando a natureza simbólica
e comunicativa dos objetos.

São cinco os artigos quem compõem essa seção especial da Tra-


ma. Vamos a eles.

Aluysio A. A. Nuno (PUC-Rio), no artigo “Descobrindo uma ordem


no consumo: o caráter simbólico dos bens e o novo papel do antro-
pólogo”, remete a Marshall Sahlins, para discutir as relações entre a
antropologia e o marketing, assumindo que os indivíduos, através da
cultura, dão significados aos bens e serviços dentro da cadeia que
se inicia na produção e passa pelo consumo. Se a antropologia e o
marketing têm andado de mãos dadas, o autor propõe que é preciso
problematizar essa união de “academia” e “mercado”.
O segundo texto, “As relações dialógicas entre a publicidade e o
consumo no cenário hipertextual contemporâneo”, Shyrlei Guitério
C. Du Pin (UNESA) discute os avanços tecnológicos e novos padrões
de comportamento dos consumidores e o campo publicitário, que se
vê desafiado a rever as suas técnicas persuasivas para acompanhar as
exigências que emergem de uma sociedade em transformação.
As autoras Bianca Leite Dramali e Karine de A. Karan (PUC-
-Rio)  nos trazem o terceiro artigo do presente dossiê: “Cultura ma-
terial da gravidez: distinção, identidade e materialidade da mãe e do
Trama Indústria Criativa em Revista

bebê”. O objetivo foi colocar em destaque o momento de dar à luz,


pensando as materialidades envolvidas no momento mais incensado
do ciclo de vida da mulher, qual seja, a gravidez. A partir de uma pes-
quisa realizada com mulheres cariocas, de classe média alta, grávi-
das ou com filhos de até 2 anos, as autoras reconstroem um ritual de
consumo, durante a gravidez, de onde emergem narrativas da cultu-
ra material. Como resultado, o trabalho revela que a cultura material
na gravidez é fundamental para a construção da identidade do bebê.
Em seguida, Julieti Sussi Oliveira (Universidad de Sevilla) apre-
senta, em “Industrias culturales y creativas: la ciudad de sevilla como

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objeto de estúdio”, como se desenvolveu o campo das indústrias cria-
tivas na cidade espanhola de Sevilha. A autora defende que os avan-
ços tecnológicos da sociedade hodierna associados ao conhecimento
promoveram mudanças no sentido de uma teoria em torno do valor
econômico, forjada pelo campo político.
O último artigo do Dossiê “Cultura material, consumo e significa-
ção social” o texto de Paula Cristina Visoná (PUC-RS), intitulado “So-
bre o imaginário social contemporâneo e tendências socioculturais: a
emergência dos Coletivos Criativos e a implicação no surgimento de
novos aportes culturais”, em que as tendências socioculturais, discu-
tidas ainda de forma incipiente na academia, sedimentam uma inves-
tigação sobre os Coletivos Criativos, reconhecidos com formas sociais
decorrentes do  estar-junto-com  enquanto tendência social e cultural
contemporânea. Para tanto, a autora apresenta uma reflexão sobre
possíveis formas sociais como primeiro estágio de materialização de
uma sensibilidade social, potencializando a emergência de outras cor-
porificações/materializações. 
A resenha de Marcelo Mocarzel (PUC-Rio) do livro “Paraíso do con-
sumo – Émile Zola, a magia e os grandes magazines”, de autoria de Eve-
rardo Rocha, Marina Frid e William Corbo (2016), e a entrevista realizada
por Guilherme Nery (UFF) com a pesquisadora da ECA-USP, Clotilde Pe-
rez, encerram o Dossiê. 
Em “Temas Livres”, temos artigos sobre publicidade imobiliária, pes-
quisa em comunicação social,  produção audiovisual e acesso, distribui-
ção e compartilhamento de textos (nas copiadoras) em universidades. E
na sessão “Artes e Imagens”, a revista Trama nos oferece dois artigos: um
sobre cinema e outro sobre o jornalismo investigativo no cinema. 
Um último conselho: se possível, imprima esta edição da Revista
Trama, pois a cultura material, embora não se encerre em sua mate-
rialidade, também se oferece às nossas sensorialidades. Mas este é
um tema, quem sabe, para outros futuros dossiês. Boa leitura! 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Cláudia Pereira

APPADURAI, Arjun. Introdução: Mercadorias e a política do valor.


In: APPADURAI, Arjun. A vida social das coisas. Niterói: Editora da
Universidade Federal Fluminense, 2010.

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MILLER, Daniel. Material Culture and Mass Consumption. New York:
Basil Blackwell Inc., 1987. Disponível em http://townsendgroups.
berkeley.edu/sites/default/files/miller_-_material_culture_and_
mass_ consumption.pdf. Acessado em 17 de maio de 2017.

KOPYTOFF, Igor. A biografia cultural das coisas: a mercantilização


como processo. In: APPADURAI, Arjun. A vida social das coisas.
Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2010.

NOTAS

1. Doutora em Antropologia (PPGSA-IFCS/UFRJ) e Professora Adjunta do Programa de


Pós-Graduação em Comunicação da PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro).
Trama Indústria Criativa em Revista

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