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DARK SIDE OF THE MOON OS SEGREDOS DA GRAVAÇÃO

& AFINS
Ano 6 - Número 61 - Maio 2019
www.teclaseafins.com.br

André
Mehmari
O músico
sem fronteiras

E mais
Makima Trio e sua Combustão Global
CD versus pen drive
Thelonious Monk - o monge louco do piano
Os osciladores na síntese subtrativa
Tensão ao tocar
“Beatriz”, de Edu Lobo e Chico Buarque
Vida de músico: você está pronto?

TIMBRES E TÉCNICAS COMO TOCAR COM BANDA NA IGREJA


EDITORIAL

& AFINS
É
Ano 6 - N° 61 - Maio 2019
muito difícil poduzir uma
Publisher revista que se propõe a
Nilton Corazza falar de todos os instrumen-
publisher@teclaseafins.com.br
tos de teclas, e, além disso,
Gerente Financeiro de todo o universo que os
Regina Sobral rodeia. Aceitamos o desafio
financeiro@teclaseafins.com.br
há cinco anos, pautados e
Editor e jornalista responsável balizados por mais de uma
Nilton Corazza (MTb 43.958)
década de experiência em
Colaboraram nesta edição: outras publicações similares.
Alex Saba, Andersen Ribeiro, Obviamente, não é possível
Eneias Bittencourt, Miguel Ratton,
Rosana Giosa e Wagner Cappia
abordar todos os assuntos em todas as edições e, vez
por outra, algo nos escapa. Mas tentamos oferecer um
Diagramação panorama bem abrangente desse mundo, falando de
Sergio Coletti
arte@teclaseafins.com.br acústicos e eletrônicos, populares e eruditos, intérpretes
e compositores, técnicas e habilidades. Nossos
Foto da capa
colaboradores, cada um dentro de sua especialidade,
Divulgação
buscam oferecer o máximo de informações sem se
Publicidade/anúncios restringirem a determinado assunto. E, em relação a
comercial@teclaseafins.com.br
gêneros e estilos, procuramos a variedade dentro do
Contato que se costuma chamar de música de qualidade. Nosso
contato@teclaseafins.com.br entrevistado da matéria de capa desta edição consegue,
Sugestões de pauta ao mesmo tempo, agradar gregos e troianos, ou, melhor
redacao@teclaseafins.com.br dizendo, quem se apega aos rótulos “popular” e “erudito”,
seja de que lado for. Alheio à discussões de gêneros
Os artigos e materiais assinados são de responsabilidade musicais, André Mehmari produz música da mais alta
de seus autores. É permitida a reprodução dos conteúdos
publicados aqui desde que fonte e autores sejam citados e o qualidade, indiferente a estilos e, ao mesmo tempo,
material seja enviado para nossos arquivos. A revista não se abraçando todos eles. Dos palcos dos clubes de jazz às
responsabiliza pelo conteúdo dos anúncios publicados.
salas de concertos, e das rodas de choro aos discos, o
músico prova que a linguagem musical é mais rica e mais
Desenvolvido por envolvente do que qualquer rótulo e que o sucesso pode
se traduzir de muitas formas, principalmente na entrega
de arte com valor. Para isso, fazemos nossa parte, portanto,
aproveite cada página de sua revista e colecione cada vez
mais conhecimento. Boa leitura!

Rua Nossa Senhora da Saúde, 287/34


Jardim Previdência - São Paulo - SP
Nilton Corazza
CEP 04159-000 Publisher
Telefone: +55 (11) 961.804.505
2 / maIo 2019 teclas & afins
2
NESTA EDICAO
VOCE EM TECLAS E AFINS 4 42 sintese sonora
O espaço exclusivo dos leitores Síntese subtrativa - Osciladores
Por Miguel Ratton
INTERFACE 6
As notícias mais quentes do 48 estudio
universo das teclas Os segredos de Dark Side Of The Moon
Por Nilton Corazza
vitrine 12
Makima Trio e sua Combustão Global 52 acordeon sem limites
Por Nilton Corazza Tensão ao tocar
Por Eneias Bittencourt
livre pensar 14
CD versus pen drive 56 arranjo comentado
Por Alex Saba “Beatriz”, de Edu Lobo e Chico Buarque
Por Rosana Giosa
materia de capa 24
André Mehmari 64 mundo gospel
O músico sem fronteiras Tocar com banda - Timbres e performance
Por Nilton Corazza Por Andersen Medeiros

mestres 36 69 vida de musico


O monge louco do piano Você está pronto?
Por Nilton Corazza Por Wagner Cappia

teclas & afins maIo 2019 / 3


Quer aprender a
vOCE em teclas & afins

Vamos nos conectar?


Edição 60 tocar blues?
Maravilha! A capa conta a história do Zimbo. Parabéns.
(Fernanda Quinderé, por e-mail)
Muito legal conhecer um pouco da sua história,
Leandro Cabral. Tem muitaCD com método
informação digital + 61 pistas de áudio
interessante
(solos/Play
sobre essa arte, o jazz no piano. (Francisco R. Daud, Along)
no Facebook)

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Vocês são feras! Ótima revista! (Antonio Guilherme
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Muito massa o vídeo, parabéns!!! (Ernane Borges, no
video UNO SYNTH IK Multimedia, de Cristiano Ribeiro, em nosso canal
no Youtube)
Simplesmente ma-ra-vi-lho-saaaaaaaaa. (Dilson Villar Villar, no video “Lugar Comum”,
Mauricio Pedrosa www.teclaseafins.com.br
de Rosana Giosa, em nosso canal no Youtube)

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e instrumentos, a revista pode ser


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4 / maio 2019
quando quiser! A REVISTA DIGITAL DE TODOS OS INSTRUMENTOS DE TECLAS
AUDIO - PERIFERICOS - PRODUCAO - COMPOSICAO - ARRANJO E MAIS teclas & afins
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Cesar Camargo Mariano - Edição 13


Visão de profissional...por isso que ele é quem é. Sou fã, quem sabe um dia eu vou
cantar com esse genial músico tocando. Gratidão, César Camargo Mariano! (Marciah
Rabelo, em nosso canal do Youtube)

Fale com o especialista


Gostaria de saber se os conteúdos do site Roland Axial são compatíveis com o Roland
EA7. (Matheus Santos, por e-mail)
R.: Quem responde é André Luiz, Coordenador de Produtos da Roland Brasil:
“O conteúdo do Axial é focado em expansões de sons
para a linha de sintetizadores. Por
outro lado, há o portal
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com.br que possui
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Não importa o instrumento: piano, órgão, teclado, sintetizadores, acordeon, cravo e
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Como participar:
1. Grave um vídeo de sua performance.
2. Faça o upload desse vídeo para um canal no Youtube ou para um servidor de
transferência de arquivos como Sendspace.com, WeTransfer.com ou WeSend.pt.
3. Envie o link, acompanhado de release e foto para o endereço contato@teclaseafins.com.br
4. A cada edição, escolheremos um artista para figurar nas páginas de Teclas & Afins, com
direito a entrevista e publicação de release e contato.

Teclas & Afins quer conhecer melhor você, saber sua


opinião e manter comunicação constante, trocando
experiências e informações. E suas mensagens podem
ser publicadas aqui! Para isso, acesse, curta, compartilhe
e siga nossas páginas nas redes sociais clicando nos ícones acima. Se preferir, envie críticas, comentários
e sugestões para o e-mail contato@teclaseafins.com.br

teclas & afins maio 2019 / 5


interface

TEM QUE SER AZUL

O Trio Corrente do pianista Fabio Torres - ganhador do Grammy de


melhor álbum de jazz latino em 2014 por Song for Maura - gravou
seu sexto álbum, Tem que Ser Azul, em Milão, na Itália. Os shows de
lançamento ocorrem na Europa em junho e no segundo semestre
no Brasil, mas o trabalho já está disponível nas plataformas de
streaming e algumas faixas estão sendo conhecidas pelo público
durante os shows do grupo formado pelo pianista, o baixista Paulo
Paulelli e o baterista Edu Ribeiro. Entre os temas autorais do álbum, destacam-se o
maracatu “Cinco”, “Frevelli” e “Jobim passeando em Riviera”. O Trio ainda mostra sua
visão singular ao incluir “Amor Até o Fim”, de Gilberto Gil, “Retrato em Branco e Preto”
de Tom Jobim, e a faixa-título, de Messias Santos Jr., além de composições de Johnny
Alf, Djavan e Jacob do Bandolim.

6 / maio 2019 teclas & afins


interface

SAGA BACH
Considerada uma das maiores intérpretes
da música de J. S. Bach, Angela Hewitt
continua sua saga de gravar e apresentar ao
redor do mundo toda a obra do compositor
alemão para teclado. Em março, a pianista
tocou e regeu dois concertos para
piano e orquestra de Bach com a Vienna
Tonkuenstler Orchestra na Musikverein,
em Viena, famosa sala de concertos
conhecida pela sua arquitetura acústica.
“Era tudo o que eu esperava e muito
mais”, disse a musicista. “Que sensação
fantástica finalmente estar naquele palco
histórico!”. Os próximos recitais incluem as
integrais das Toccatas, das Suítes Inglesas
e, obviamente, O Cravo Bem Temperado.

CALMA
A pianista Alicia Keys é mais uma artista a se curvar ao sucesso “Calma”, dos porto-riquenhos
Pedro Capó e Farruko, com direito a videoclipe gravado nas praias do país caribenho. “Eu
amo essa música”, afirmou a também cantora. “Estou muito animada de compartilhar o
remix de ‘Calma’”. Para os fãs, Alicia também gravou um making off.

teclas & afins maio 2019 / 7


Conheça as publicações da interface

SOM & ARTE Eumir Deodato


E D I T O R A

INICIAÇÃO AO PIANO POPULAR


Volumes 1 e 2
LANÇ
AMEN Inéditos na
TO área do piano
popular, são
livros dirigidos
a adultos ou
crianças que
queiram iniciar
seus estudos de
piano de forma
agradável e
consistente.

MÉTODO DE ARRANJO PARA


PIANO POPULAR
Volumes 1, 2 e 3
Ensinam o aluno
a criar seus
próprios arranjos. FLORIPA JAZZ
De 13 a 19 de maio, Florianópolis recebe
uma série de shows e oficinas no Festival
Floripa Jazz. A programação inclui
atrações gratuitas e pagas, com ingressos
a partir de R$ 20. Entre os destaques da
programação paga, shows do tecladista
REPERTÓRIO PARA PIANO Eumir Deodato, do violonista Yamandu
POPULAR Costa, das cantoras Céu e Héloa e do
Volumes 1, 2 e 3 baixista Thiago Espirito Santo com o norte-
saxofonista americano Joshua Redman. Já
Trazem 14 entre as gratuitas, o guitarrista Luciano
arranjos prontos Bilu, o Johanna Hirschler Quartet e da
em cada banda Los Desterros. As atividades e shows
volume para ocorrem na Universidade do Estado de
desenvolvimento Santa Catarina (Udesc), na Universidade
da leitura das
duas claves (Sol e
Federal de Santa Catarina (UFSC), no
Sesc Prainha, no Centro Integrado de
@BlueNoteComunicação

Fá) e análise dos


arranjos. Cultura (CIC), no Jazzinn, na Célula, no
Porão Delfino 146 e na Cervejaria Unika. A
Visite nosso site para conhecer melhor abertura do festival será gratuita, com a Big
os 3 Métodos e os 3 Repertórios Band Udesc no campus da universidade
na capital catarinense.
www.editorasomearte.com.br
Contato:
8 / maio 2019rosana@editorasomearte.com.br teclas & afins
interface

SAUDADE
Formado pelos músicos Fernando Merlino
(Hammond, piano e arranjos), Zé Luis
Maia (baixo) e Kazuo Yoshida (bateria), o
Órgão Bossa Trio - com a participação de
Norihito Nagasawa nos violões de algumas
faixas - gravou 13 músicas de grandes
compositores para lançar Tambor Sessions
Apresenta: Órgão Bossa Trio pela gravadora
Deck. Yoshida viu o órgão Hammond
vintage presente no estúdio Tambor ao
produzir alguns registros de bossa nova
– gênero que o inspirou a tocar bateria
– para o mercado japonês. “Me lembrei
do grande organista Walter Wanderley.
Quase 40 anos atrás, eu tocava com ele no
Japão. Dessa lembrança, o projeto nasceu
naturalmente”, explicou o japonês. O CD
traz clássicos da música nacional tocados
pelo trio, como releituras de “Chega de
Saudade”, “Só Tinha de Ser Com Você” e
“Ela é Carioca”, entre outros. O trabalho já
está disponível nas plataformas digitais.

teclas & afins maio 2019 / 9


interface

COLLAGE
A tecladista Lisa Coleman - que se
juntou à banda de Prince em 1980
para a turnê Dirty Mind e era membro
de sua banda de apoio Revolution -
acaba de lançar seu primeiro álbum
solo. Collage contém 11 improvisos de
piano instrumental, geralmente curtos.
“Toda vez que toco piano é pessoal,
emocional e um tanto misterioso”, disse
a tecladista. “Eu queria compartilhar
minha experiência e a exploração
disso com qualquer um que queira vir
comigo”. O trabalho já está disponível
nos principais serviços de streaming.

Integrante da banda Rolls-Rock desde


2008, o tecladista Cristiano Ribeiro acaba
de firmar mais uma parceria, desta vez
com a Tokai, fabricante de órgãos e pianos
digitais. O músico – que é colaborador
de Teclas & Afins - já excursionou pela
Europa e Estados Unidos tocando bossa
nova e jazz, e acompanhou artistas como
Altemar Dutra Jr, Beth Guzzo, Biafra,
Cassio & Cassiano, Dom & Ravel, Leid Zú,
entre outros. Cristiano também é artista
Casio, usando o PX5S, e adicionou o Tokai
TX5 ao seu setup. “O clonewheel TX5 cai

PARCERIA
como uma luva no meu trabalho com a
Rolls-Rock”, diz o músico. “Para o estilo da
banda, ele vai somar muito”.

10 / maio 2019 teclas & afins


VITRINE

COMBUSTÃO GLOBAL
Formado por Kiko Continentino (piano, Robertinho do Recife, tocou com vários
Rhodes, Hammond e teclados), Marcelo artistas nordestinos (Fagner, Elba, Geraldo
Maia (baixo) e Renato Massa (bateria e Azevedo, Zé Ramalho etc.) e atuou do pop-
percussão), o Makima Trio acaba de lançar rock ao jazz-fusion.
Combustão Global. Ampliando o arsenal O resultado da fusão dessas vivências
sonoro do primeiro álbum, Fronteiras, este e influências não poderia ser mais rico.
segundo trabalho do trio explora ainda Explorando os ritmos brasileiros, com a
mais as inúmeras e diferentes influências contemporaneidade do jazz e pitadas de
de seus integrantes. estilos vintage, o Makima Trio consegue
Mineiro de Belo Horizonte, Kiko Continentino, produzir música de qualidade ao reunir
que assina nove das dez faixas do álbum, doses sob medida de virtuosismo,
é pianista, arranjador e compositor (veja estruturas harmônicas surpreendentes e
matéria na edição 59 de Teclas & Afins) improvisos inspirados. Mais experimental
e, além de projetos solo, faz parte da e, talvez por isso mesmo, mais universal
banda de Milton Nascimento há 22 anos que o primeiro trabalho, o álbum traz
e do Azymuth. O baixista Marcelo Maia é novidades ao formato trio, como backings
brasiliense criado em Goiânia. Divide com nas vozes femininas de Lucynha Lima,
Continentino a composição de três faixas Fernanda Guedes e Djane Borba, Jorge
do CD e assina uma. O baterista carioca Continentino nos metais, participação
Renato “Massa” Calmon, “descoberto” por de Paulinho Guitarra e intervenções de

12 / abril 2019 teclas & afins


VITRINE

Wendel Silva na percussão, Heitor Maia no


violão e Emmanuel Roque nos vocais.
Com um bem diversificado leque de estilos
e sonoridades, o trio surpreende ao fugir
de rótulos e preconcepções, em que até
o termo “instrumental” cai por terra e a
criatividade é a tônica. Pré-produzido
à distância – já que cada músico mora
numa cidade diferente - Combustão Global
também inova nesse aspecto: os músicos
trocaram ideias e músicas via internet
antes de se reunirem para gravar e, mesmo
com pouco tempo juntos, mostraram que
a sintonia entre eles é enorme. Para quem
curte algo mais “tradicional” – se é que esse
termo pode ser usado para o som do trio – os
destaques vão para “Arrocha Maori”, “Tokyo Com texto de apresentação de Marcos
Evening”, “Quinta Página” e “Salzburgo – Pé Valle, padrinho do trio e do Azymuth, o
Pequeno”. Para quem gosta de se aventurar, álbum está disponível nas plataformas
“Guitarrada Palestina”, “Xote Manhattan” e de streaming e, em breve, terá show de
“Makimalê Afrocaliente” são boas pedidas. lançamento. Sò nos resta aguardar.

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teclas & afins
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MAIO 2019 / 13
livre pensar POR Alex Saba

CD versus
pen drive

Vinil, K7, CD, pen drive e streaming: as


formas de consumo de música variaram,
mas, em tempos de tantas mudanças, vale
mais um álbum na estante ou um milhão de
músicas em uma playlist?
14 / maio
janeiro
20192019 teclas & afins
livre pensar

© Jerry Morton @unsplash.com

teclas & afins janeiro


maio 2019 / 15
livre pensar

Outro dia, um amigo - que usa a música coletâneas, nenhuma é capaz de abranger
como terapia, tanto para ele quanto para um álbum conceitual.
seus clientes, e com três CDs lançados A ideia de um álbum que trata de um único
comercialmente - me ligou e disse que não conceito, não é nova e nem se restringe a
iria mais fazer CDs. Ele havia feito contato um estilo. Você a encontra dos clássicos ao
com uma empresa que gravaria pen drives popular. Nos clássicos, o conceito pode ser
com as músicas dele, que a venda de CDs mais amplo, como o de peças escritas para
estava ultrapassada e que ele mesmo estava quarteto, por exemplo. Uma sinfonia, por
se livrando da coleção de disquinhos dele, si só, já é um conceito inteiro e fechado
como fizera com os LPs. Há alguns anos, sobre um tema. E o conceitual foi para o
eu havia pensado nessa possibilidade, mas jazz, em que muitos músicos foram e são
a deixei de lado por alguns motivos que influenciados pelos clássicos, para o rock e
acreditei fortes o suficiente para descartar para o rock progressivo.
definitivamente a ideia. Vamos a eles! Mas vamos abrir um parêntese aqui: quando
o padrão do CD ou Compact Disc Digital
Álbum conceitual Audio surgiu, em 1980, sua duração era de 74
O primeiro motivo foi porque não penso minutos. Não 60. Nem mesmo 70 minutos.
em um álbum como uma coletânea de 74 minutos! E por culpa de um homem
músicas feitas ao longo do tempo. Existem surdo, que criou as mais impressionantes
os famosos “Best Of” para isso: você compra, composições musicais já feitas, dentre elas
ou comprava, os maiores sucessos de um a “Nona Sinfonia em Ré menor, Op. 125”,
artista. Mas, por melhores que sejam essas gigantesco e maravilhoso último trabalho

© Pankaj Patel @unsplash.com

Spotify: plataforma de streaming

16 / maio
janeiro
20192019 teclas & afins
livre pensar
© Umberto Cofini @unsplash.com

de “Herr” Ludwig van Beethoven, nascido mais longa conhecida tem duração de 74
em Bonn, na Alemanha. minutos […] uma gravação em mono feita
No final dos anos 70, em 1979, Philips e durante a Bayreuther Festpiele em 1951
Sony começaram a trabalhar no primeiro e conduzida por Wilhelm Furtwängler”.
padrão de áudio de CD. A Philips queria Então, 60 minutos não aguentaria isso, e
um disco de 11,5 centímetros, ao passo ficou decidido que o ideal eram 74 minutos
que a Sony apostava num formato de 10. - 12 centímetros. Pelo menos é isso que
Ambos eram suficientes para acomodar algumas pessoas dizem.
os vinis da época, e o modelo da Sony era Outros dizem que o famoso maestro
capaz de armazenar 60 minutos de música austríaco Herbert Von Karajan teria pedido
em estéreo em 16 bits com frequência de para o formato suportar a “Nona Sinfonia”
44,056 Hz. Mas não era o bastante! Quem inteira. Karajan foi fundamental para tornar
disse isso foi Norio Ohga, furioso com o o formato conhecido entre os audiófilos, e
áudio da época. Ele era um cantor de ópera teria colocado essa condição em troca de
e, quando ouviu pela primeira vez um seu apoio. No entanto, de acordo com a
gravador de fitas da Sony, enviou à empresa Wikipedia, o chefe de engenharia da Philips,
uma carta criticando a qualidade do som. Kees Immink, disse que a escolha pelos 12
Recebeu uma oferta de emprego, e sua centímetros foi por conta da neutralidade
influência foi tão grande que ele chegou a do tamanho. Nem da Sony, nem da Philips.
ser presidente da Sony nos anos 80. Mas, Mas, prefiro acreditar que foi o alemão
naquela época, apenas supervisionava o maluco e o japonês nervoso que criaram
projeto e exigiu que o formato do CD fosse os 74 minutos...
capaz de tocar a “Nona Sinfonia” inteira. Como podem ver, o CD foi criado para
De acordo com a Philips, a “performance uma peça conceitual - a “Nona Sinfonia”

teclas & afins janeiro


maio 2019 / 17
livre pensar

© Krists Luhaers @unsplash.com


de Beethoven - e nos clássicos isso não se Embalagem
discute. Entretanto, foi no rock progressivo, Muitas pessoas não estão nem um pouco
ainda no tempo do vinil, que a ideia de interessadas na embalagem porque,
álbuns conceituais mais se difundiu. Desde na maioria das vezes, ela não tem
os anos 60, a banda Moody Blues sempre absolutamente nada de artístico: colocam
lançou seus álbuns com todas as músicas a foto do artista, da banda, do músico, a
tratando de um mesmo contexto, muitas lista das músicas, a ficha técnica – quando
vezes sem intervalo entre elas. As músicas colocam - e acabou. Entretanto, a ficha
longas, ou intermináveis, para alguns, eram técnica - com quem tocou o que e onde
um convite para a criação de um conceito. - é de extrema importância para os mais
“Tales From The Topographic Oceans”, do interessados na música como expressão
Yes, originalmente um álbum de vinil duplo, artística, e não apenas como pano de fundo.
com apenas quatro músicas, baseadas na Também na capa e no encarte está a
biografia de Paramahansa Yogananda, é possibilidade de o artista contar alguma
um exemplo extremo disso. coisa a mais, ter uma conversa mais
No rock e na música popular, em sua maioria, pessoal com seu fã. Quando Pink Floyd
os álbuns são um apanhado das músicas lançou Wish You Were Here, álbum
feitas em determinado período da vida do sucessor do megassucesso Dark Side Of
artista, embalados em um único “pacote” The Moon, Storm Thorgerson, responsável
pelo produtor e oferecidos ao público. E a por muitas capas, incluindo as últimas da
embalagem me leva ao segundo motivo. banda, pensou em envolver o álbum com

18 / maio
janeiro
20192019 teclas & afins
livre pensar

um plástico preto onde não haveria nada apresentam a capa do CD ao qual


escrito. A intenção dele era de fornecer ao determinada música está vinculada, mas
fã, uma experiência única. Ele compraria não apresentam sequer os compositores e
o disco e, só ele, sozinho em casa, abriria muito menos a ficha técnica. A experiência
o disco e veria a capa dentro do celofane, fica incompleta.
criando então uma experiência única
– hoje equivalente ao famoso “unbox”, Qualidade
relativamente comum no YouTube. Ideias Há também uma outra questão: a qualidade
geniais como essa merecem respeito, não do áudio apresentado em outro meio que
só pela criatividade, mas também pela não o CD. Muito se discute da própria
deferência aos fãs. A gravadora não gostou qualidade do CD quando comparado ao
da ideia, então colocaram um selo sobre o vinil, o que está levando à ressurreição do
celofane com o nome da banda e o título. vinil em edições luxuosas com LPs pesados,
Muitas bandas, aproveitam seus shows para ou seja, feitos com vinil de alta qualidade,
vender seus álbuns. Claro que o mesmo de 80g. Mas o que dizer daquilo que você
pode ser feito com um pen drive, mas ouve no celular via streaming? Tudo aquilo
garanto que ganhar um autógrafo do seu ali é o famigerado MP3, um formato de
artista favorito em um pen drive é muito áudio compactado que funciona como
mais difícil. o famoso WinZip, que reduz o tamanho
Mas sem querer ficar apenas falando mal de um arquivo ao comparar aquilo que
da ideia de lançar músicas em pen drive, se repete nele e criando flags internas
ele traz uma outra utilidade, que é a de para a descompactação. Mas o MP3 não
usá-lo para gravar outros arquivos, como descompacta nada quando você ouve...
textos, imagens etc. Por esse lado, ter um Ele compacta, reduz o tamanho e nada
pen drive com as músicas de um só artista mais. Existem outros formatos de áudio
e seus próprios documentos, soa um pouco
estranha. Por que não aproveitar e reunir
logo todos os meus artistas favoritos em um
mesmo pen drive? Parece uma boa ideia,
já que o CD limita a quantidade músicas
que podem ser gravadas nele, pelo padrão
Reb Book que normatiza os CDs de áudio,
em 700Mb e, hoje, um pen drive comum
tem 4Gb, o que significa uma capacidade
5,71 vezes maior. Ou seja, sem compactar,
em um pen drive de 4Gb cabem pelo
menos 5 álbuns. Em se tratando de áudio
© Nikita Kachanovsky @unsplash.com

compactado, é enorme a quantidade de


músicas capaz de lotar um pen drive.
Sem ir tão longe, a capa é a cola que
completa o trabalho, complementando-o
e sinalizando de que aquele é um produto
pronto e acabado. Os serviços de streaming

teclas & afins janeiro


maio 2019 / 19
livre pensar

compactado, mas todos partem do mesmo e retornamos aos amplificadores, para


princípio, a não ser o PONO, formato entregarem aos minúsculos alto-falantes
pensado por Neil Young e que até hoje não áudio de qualidade. Em um período de alta
deslanchou. Quando você ouve um áudio tecnologia, a priorização está na informação
compactado, parte da sua experiência e o áudio de qualidade foi deixado de
sonora está comprometida, porque o lado. No que se refere à música, a própria
que você ouve ali não é o áudio como foi informação, a ficha técnica a que me referi
gravado na íntegra. Várias frequências são acima, foi deixada de lado.
descartadas em prol do tamanho final do Os serviços de streaming, são ótimos e
arquivo. O lado inteligente dos compressores facilitam muito a vida de todo mundo, mas
é descartar aquilo que aparentemente não quanto tempo irão durar? Várias redes sociais
fará falta ao ouvinte, partindo dos limites da apareceram e morreram, como o Orkut.
audição humana para corroborar essa ideia. Até mesmo o Google+ está encerrando
Mas, conforme já discutimos aqui, o ser suas atividades. Alguém ainda lembra do
humano ouve por todo o seu corpo e não MySpace? O mesmo pode acontecer com os
apenas pelo ouvido, então, não há como serviços de streaming. E o que acontecerá
um compactador oferecer o mesmo som com as músicas que estão lá? Tudo o que
daquilo que foi gravado em um estúdio. eles possuem foi lançado em CD. Uma
O trabalho de tornar o áudio compactado parcela mínima de artistas coloca músicas
recai sobre os amplificadores. Existem que não fizeram parte de CD nenhum - o
aqueles que eram comuns até os anos 80, equivalente ao single, que era vendido em
mas que continuam presentes, mas agora vinis compactos de uma ou duas músicas
embutidos nas televisões, nos rádios e nos por lado.
celulares. A porta final de saída são os alto- Fiquei com isso tudo na cabeça e resolvi
falantes - e esses foram muito reduzidos perguntar para quem vive disso. Fui a
pela tecnologia, para caberem em aparelhos diversas lojas de CD - sim, elas ainda existem!
cada dia menores. Mas, ao não moverem o - e conversei com proprietários e vendedores
ar por onde o som é transmitido, não têm sobre como andam os negócios. O resultado
a mesma capacidade de uma caixa de som, foi surpreendente.

© Priyash Vasava @unsplash.com

20 / maio
janeiro
20192019 teclas & afins
livre pensar

© Kevin Laminto @unsplash.com


Especialização já foi a campeã em vendas de CDs e hoje
Começando pelo fim, no caso, o tão falado mantém uma pífia coleção de títulos de
fim do CD: essa é uma notícia velha, mas pouca expressão.
que parece não ter nenhum fundamento. Há uma pequena diversificação dos produtos
Há 10 anos ou mais que se fala nisso e nada oferecidos, mas sempre com relação ao estilo
aconteceu. Todas as lojas são experientes da loja. Então o interessado vai encontrar
no mercado e estão abertas há pelo menos DVDs e Blu-rays musicais, camisetas e, o mais
25 anos, o que não é pouco para nenhum incrível, discos de vinil, os LPs. Esses são, por
comércio. Todas essas lojas, hoje, são sinal, uma atração à parte para uma parcela
bastante específicas. Não há mais a loja de dos consumidores jovens. Na faixa etária de
CD genérica vendendo tudo quanto é estilo 18 a 27 anos, a procura pelos LPs chega a ser
musical. Fica difícil dar para a vovó o último maior do que dos CDs em algumas dessas
CD de Natal do Roberto Carlos, por exemplo, lojas pesquisadas.
já que essas lojas trabalham exclusivamente Em sua maioria, os LPs são usados e de
com rock em todas as suas formas, do hard grupos dos anos 70, o que demonstra que
ao heavy metal, do folk ao progressivo, do os roqueiros, hoje com mais de 30 anos, não
blues ao jazz. Encontrar CDs de artistas haviam porque temer envelhecer, o que me
nacionais fora desses estilos é praticamente remete ao título de um álbum do Jethro
impossível. Com alguma garimpagem você Tull: “Too old to rock´n roll: too young to
vai conseguir na seção de promoções. Para die” (muito velho para o rock´n roll: muito
o pop e o popular, a única saída ainda são novo para morrer), em que o compositor
algumas livrarias e a Lojas Americanas, que Ian Anderson diz:

teclas & afins janeiro


maio 2019 / 21
livre pensar

O velho roqueiro usava seus cabelos longos No fim das contas, venderam suas almas.
demais. E alguns deles têm carros esportes
Usava as bainhas da calça muito apertadas. E se encontram no clube de tênis.
Fora de moda até o fim, bebia cerveja Para beber no domingo - trabalhar na segunda-
excessivamente light. feira.
Cinto com fivela de caveira, sonhos de ontem. Eles jogaram fora seus sapatos de camurça azul
Um profeta do apocalipse de cafés de beira de
estrada. Agora estão velhos demais para o Rock’n’Roll e
Sem anunciar mudanças em suas costuras jovens demais para morrer.
duplas.
Em seu brilho de filhinho de papai do pós-guerra. Então o velho roqueiro traz para fora a sua
motocicleta
Agora ele está velho demais para o Rock’n’Roll, Para completar mil quilômetros antes de se
mas está jovem demais para morrer. aposentar
Na A1, perto de Scotch Corner como costumava
Uma vez ele teve uma Harley-Davidson e uma ser
Triumph Bonneville. E enquanto ele voa, lágrimas nos olhos,
E contava seus amigos em velas de motor suas palavras espalhadas pelo limpador de para-
queimadas e reza para que ele continue brisas ecoam o ato final
contando. e ele atinge a autoestrada a quase 120 sem
Mas ele é o último dos garotos subornadores de espaço para frear
sangue azul.
Todos os seus companheiros estão cumprindo E ele era velho demais para o Rock’n’Roll, mas ele
pena: era jovem demais para morrer.
Casado, com três filhos por aí pelo anel Não, você nunca é velho demais para o
rodoviário. Rock’n’Roll se é jovem demais para morrer.

O propagado fim do LP foi seguido do boom mostra que de fato, esses serviços afetaram
das vendas dos CDs e das decepções dos o mercado, mas por outro lado também
fãs, das capas ao áudio, havia alguma coisa servem para os clientes conhecerem
a reclamar. Para as grandes gravadoras, novos trabalhos antes de comprarem os
que depois do boom viram as vendas CDs. Especificamente em relação ao rock
despencarem com o surgimento do Napster, progressivo, o público é mais fiel e valoriza
da troca desenfreada de músicas online, o o produto musical como obra de arte e
LP tinha e tem a vantagem de não poder ser exige uma boa qualidade sonora, pelo
digitalizado em sua plenitude. Os chiados e desencanto com a baixa qualidade do áudio
os estalos, que eram o grande diferencial para dos arquivos baixados “gratuitamente” da
os CDs, acabaram perdendo a importância internet, e retornaram a adquirir CDs ou LPs.
e o LP está fazendo a sua volta, lentamente, Esse “gratuitamente” transcende os serviços
vindo “pelas beiradas”, influenciando novas de streaming. Refere-se aos sites ou blogs
gerações, “fora de moda até o fim”. “piratas”, onde é possível baixar de graça,
Mas, e quanto aos serviços de streaming? qualquer música e até álbuns completos
Pela propaganda oficial, é apenas isso o que em MP3. Mas, realmente a qualidade é
os jovens consomem em termos de música, lamentável. Como comparar o áudio de um
mas a percepção e experiência dos lojistas computador, notebook ou celular com o de

22 / maio
janeiro
20192019 teclas & afins
livre pensar

um amplificador dedicado? Poucas pessoas Lojas consultadas


têm um desses na sala hoje em dia, mas Scheherazade
Rua Conde de Bonfim, 346 - Lj 209 - Tijuca - Rio de Janeiro (RJ) - Tel: (21) 2569.1250
quem tem percebe a diferença enorme em
Headbanger
termos de qualidade. Por outro lado, esses Rua Conde de Bonfim, 346 - Lj 212 – Tijuca - Rio de Janeiro (RJ) - Tel: (21) 2284.1034
blogs fazem um serviço de divulgação de
Renaissance Discos
álbuns raros que não foram lançados em CD Rua Conde de Bonfim 615, Lj 109 - Tijuca - Rio de Janeiro (RJ)
e que custam pequenas fortunas quando Tel/Whatsapp: (21) 9.9776.6973
E-mail: renaissance.claudio@gmail.com - Website: www.renaissancediscos.co
encontrados no formato do vinil, algo para
Rocksession
mais de R$ 500,00. Fechando a questão Rua Conde de Bonfim, Nº 80 - Subsolo Lj 15 - Tijuca - Rio de Janeiro (RJ)
das capas, há algo que sempre reclamei. As Tel: (21) 3168.4934 - www.rocksession.com.br

gravadoras, ao lançarem os antigos álbuns


em CD, amputavam das capas o que elas A questão é que, por questões contratuais,
tinham de melhor. Levamos muitos anos geralmente, uma série, filme ou
até que edições especiais aparecessem. documentário pode deixar de aparecer
Os japoneses então, criaram uma mistura na grade de programação. E aí? Como
de CD e LP com os mini LPs, que são CDs, fazer para assistir novamente um dos seus
geralmente remasterizados, mas com favoritos? Se você não tiver o DVD – a fita
principal atrativo, além de faixas bônus, a VHS realmente perdeu e se tornou objeto de
capa original, por mais complexa que seja, museu – você ficará apenas na lembrança.
como a do Yes Songs do Yes, Welcome back Por que o mesmo não pode acontecer com
my friends... do Emerson Lake & Power ou as músicas? Existe um contrato que reza que
Tommy do The Who (nesse caso, tanto a os serviços pagam ao artista ou gravadora,
versão do grupo quanto a versão sinfônica), um valor – mínimo e ridículo, por sinal – e
todos reproduzindo fielmente a capa o pagamento acontece porque você paga
original. É preciso uma lente para ler tudo mensalmente a eles. Mas nada impede que
em certos casos, mas o resultado é lindo. seu artista favorito, por questões de direito
O consumo de música continua firme e autoral, dentre outras, desista de colocar
forte. Mudou a forma como ela é consumida. suas músicas ali. Como você fica? A música
Muitas rádios mudaram sua programação que embalou sua adolescência não está
para notícias ou se segmentaram para mais lá. O que você faz?
assuntos religiosos, então restou, aos
que gostam de música, os serviços de
streaming, que funcionam como as rádios
de antigamente, da mesma maneira que
Netflix, Amazon Prime e outros serviços
de streaming de vídeo fazem com séries,
documentários e filmes.

Alex Saba
Tecladista, guitarrista, percussionista, compositor, arranjador e produtor com cinco discos solo e dois álbuns ao vivo,
um com o Hora do Rush e outro com o A&B Duo, com participação de Guilherme Brício, lançados no exterior pelo selo
Brancaleone Records. Produziu e dirigiu programas para o canal TVU no Rio de Janeiro e compôs trilhas para esses
programas com o grupo Poly6, formado por 6 tecladistas/compositores. Foi colunista do site Baguete Diário e da revista
Teclado e Áudio. www.alexsaba.com.br

teclas & afins janeiro


maio 2019 / 23
MATERIA DE CAPA

André Mehmari
24 / maio 2019 teclas & afins
por nilton corazza

Sem fronteiras

Multi-instrumentista, mas
pianista por excelência.
Autodidata, com professores.
Compositor, arranjador,
produtor, erudito, popular,
jazzista, tudo isso e mais um
pouco. Esse é André Mehmari,
que refuta rótulos e faz música
com a mente e o coração abertos
teclas & afins maio 2019 / 25
materia de capa

© Nilton Corazza @ Teclas & Afins


André Ricardo Mehmari nasceu em Niterói, a classe de arranjo de Moacir Santos. Foi
no Rio de Janeiro, mas, por causa do para São Paulo e iniciou seus estudos
trabalho do pai, cedo foi para Ribeirão universitários de piano com Amílcar Zani na
Preto, no interior do Estado de São Paulo, Universidade de São Paulo (USP), mesmo
onde começou seus estudos musicais. ano em que realizou seu primeiro concerto
Precoce, desenvolveu rapidamente várias como compositor no Festival Internacional
habilidades musicais e descobriu que de Música Nova, em Ribeirão Preto.
tinha ouvido absoluto. Conheceu todo Como compositor, ganhou duas vezes o
tipo de música, do erudito ao popular, Prêmio Nascente, da USP/Editora Abril, nas
do jazz ao choro, do pop ao lírico, muito categorias composição popular, em 1995,
influenciado por sua mãe, pianista. Iniciou e composição erudita, em 1997. Em 1998,
a carreira profissional aos 11, tocando conquistou o primeiro lugar no Prêmio
em bailes. Aos 13, já integrava pequenas Visa de MPB Instrumental. A carreira,
formações instrumentais e tocava em então, se consolidou e os caminhos de
casas especializadas de jazz. Com 15 instrumentista e compositor passaram
anos, já possuía cerca de 200 peças em a correr paralelos, com inúmeros pontos
seu catálogo de composições. Um ano de interseção. Participou de festivais no
mais tarde, participou como bolsista no Brasil (Chivas Jazz Festival e Tim Festival)
Festival de Inverno de Campos do Jordão e no exterior (Spoleto Jazz USA e Umbria
integrando a big band do festival dirigida Jazz), além de realizar turnês com Ná
por Roberto Sion e, na edição seguinte, Ozzetti, Joyce, Ivan Lins e atuar como

26 / maio 2019 teclas & afins


Andre Mehmari

solista na Orquestra Sinfônica do Estado Reais e Imaginárias” (encomendada pela


de São Paulo (OSESP), na Jazz Sinfônica e OSESP para o Concurso Internacional de
na Banda Sinfônica do Estado de São Paulo Regência), e “Cidade do Sol” (escrita para
(BSESP). Como intérprete ou arranjador, a Sinfônica Heliópolis, por encomenda da
trabalhou com músicos como Dori TV alemã Deutsche Welle).
Caymmi, Tutty Moreno, Toninho Ferragutti, Como intérprete, André Mehmari se destaca
Mônica Salmaso, Hamilton de Holanda, pela atuação na área da improvisação.
Gabriele Mirabassi, Dimos Goudaroulis e Retomando a tradição clássica, realiza
Nailor “’Proveta”, participando do registro recitais com improvisações sobre temas
de cerca de 30 CDs. Em seus álbuns, sugeridos pela plateia, enquanto costura as
gravou arranjos e composições próprias melodias por meio de seu bem estruturado
em diversas formações. Compôs trilhas pensamento musical, e as reveste de sua
sonoras para balé e peças camerísticas personalidade, virtuosística e, ao mesmo
e orquestrais, estreadas por grupos de tempo, lírica.
câmara e orquestras do Brasil, como Sujeito Popular ou erudito? Difícil e inútil tentar
a Guincho, Quarteto de Cordas da Cidade rotular quem lança mão de habilidades
de São Paulo, Quinteto Villa-Lobos, OSESP, e conhecimentos adquiridos em árduo
BSESP e Orquestra Sinfônica Brasileira), estudo para interpretar, arranjar e compor,
das quais se destacam a “Sinfonia seja para si mesmo ou para atender
Elegíaca” (detentora do Prêmio Sinfonia encomendas de grupos e orquestras de
para Mário Covas), a “Suíte de Danças todo o mundo, seja lá em que estilo for,

© Divulgação

teclas & afins maio 2019 / 27


materia de capa

Conversamos com André Mehmari professora tocava uma vez a música para
no Estúdio Monteverdi, que o músico mim e eu tocava na sequência. Eu fingia
construiu em meio à Serra da Cantareira, que estava olhando a partitura, mas não lia
para conhecer mais de seu pensamento e nada. Isso foi em Ribeirão Preto, no interior.
tentar entender melhor sua música. Mas, a figura central foi mesmo minha mãe,
que é a figura musical da família, sempre
Você basicamente é autodidata, mas teve cantou, tocou violão, acordeon, piano...
professores. Como foi isso? Como foi sua Quando meu pai soube que ela estava
formação? grávida, deu de presente a ela um piano,
Nasci em 1977 e, no final dos anos 80, a que era seu sonho de vida, de modo que,
moda era menino estudar órgão e menina quando eu nasci, já havia um piano em
fazer balé. Como eu já tinha manifestado casa. E comecei a nascer no banquinho
talento musical, tinha ouvido absoluto, do piano: estourou a bolsa da minha mãe
tocava de brincadeira em casa, alguém quando ela estava tocando. Então, já
deve ter falado para minha família “põe o nasci estragado (risos). O que aconteceu
menino no curso de órgão”. E ali comecei é que eu tinha piano em casa e comecei
com 8 ou 9 anos, e fiz aquele método muito cedo a abrir, tocar, procurar coisas...
mexicano da Yamaha. Então, já saí pronto Colocava o “vinilzão”, ficava tocando junto
para o crime, para tocar nos bailes (risos). com o disco e fui adquirindo vocabulário.
Com 11 anos, eu já tocava em bailes. Eu Aí fiz o curso de órgão, até certo ponto,
tinha um ouvido muito esperto, então a e voltei para o piano. Comecei a compor

© Divulgação

28 / maio 2019 teclas & afins


Andre Mehmari

e tocar jazz. A improvisação entrou na


minha vida muito cedo, sempre gostei de
improvisar. Na escola, tinha um órgão de
três teclados, e um pequenininho em cima
que tinha um som tipo lead, monofônico.
Lembro que eu, naturalmente, no meio de
uma música - “McArthur Park” - fui para o
tecladinho de cima e comecei a improvisar
lá, sem nunca ter ouvido jazz nem ter
visto YouTube, porque não existia isso na
época. Desde então, comecei a debandar
para esse negócio de improviso, passava
horas improvisando. Conheci uma pessoa
que chegou em Ribeirão Preto com uma
proposta de ensinar piano jazzístico, o
Fernando Leal. Fui aluno dele e ele me
apresentou todo mundo: Keith Jarrett,
Herbie Hancock, Chick Corea, Thelonious
Monk, Bill Evans, principalmente. Tudo
isso em cassete. Ele copiava para mim e
eu ficava mamando naquela música e me

© Divulgação
alimentando de inspiração. E aquilo mudou
para sempre minha vida. Parei com os bailes,
porque eu não dava mais conta de seguir,
e comecei a me relacionar com os músicos principalmente nessa área autodidata,
mais velhos da cidade que tocavam jazz, de tocar com disco, de ler uma partitura
música brasileira boa, Toninho Horta e orquestral e saber do que se trata, de, por
toda essa estética instrumental. Comecei a exemplo, imaginar um som, procurar no
compor. Compunha todo dia. Isso na época teclado e já saber que é aquele som. O ouvido
dos 13, 14, 15 anos. Eu tocava muito na absoluto catalisa o desenvolvimento do
única casa de jazz que havia em Ribeirão músico, de certa forma, por essa facilidade
Preto, chamada Café com Jazz. Depois do contato do mundo das ideias e do som.
disso, vim para São Paulo, estudar na USP, A ponte é mais rápida. Mas, por exemplo,
com 17 para 18 anos, no curso de piano para eu tocar um instrumento transpositor,
clássico. como a trompa ou a clarineta, é um inferno.
Então, tenho que pensar sempre em Dó.
Você logo demonstrou ter ouvido absoluto. Não posso tocar Dó e ouvir Fá. Quem
Como é isso para um músico? tem ouvido relativo tem mais facilidade
Não tem “on/off”. Não dá para desligar na de transpor uma canção. Se eu aprendi
hora que você está naquele restaurante a música inteira em Ré Bemol e tiver que
ouvindo música ruim e fica aparecendo tocar em Ré, vou sofrer para me libertar da
a partitura...(risos). O ouvido absoluto cor do tom original. Mas o ouvido absoluto
teve um papel crucial na minha formação, foi detectado em um estágio muito inicial

teclas & afins maio 2019 / 29


materia de capa

de gravações. Meu pai comprava aqueles


vinis “Clássicos pelos Clássicos”, que eu
ouvia e amava, de Vivaldi a Stravinsky,
todo mundo! Retomei o material escrito,
comecei a escrever as minhas músicas com
maior requinte na notação, e partituras
de piano mais complexas, não só cifra e
melodia. Eu compunha todo dia, como
estudo. Nessa época, uma escola de música
em Ribeirão Preto me encomendou um
método, um livrinho de peças fáceis, mas
interessantes, com harmonia, melodia, que
não fosse uma coisa mecânica, “chata”. Foi
muito legal fazer isso com 16 anos.

E quando você veio a São Paulo para fazer


piano erudito, houve um choque?
Não houve. Lá em Ribeirão, tive contato
com alguns professores de piano clássico
- eu chamo de piano clássico para facilitar
a conversa, mas isso é um longo assunto...
© Divulgação

Esses professores - embora excelentes, e


que me adoravam porque eu era talentoso
e queriam me ver progredir, e faziam o
da minha vida musical, com 8 ou 9 anos. trabalho de todo o coração - tinham um
Foi a professora de órgão que começou conceito, que até hoje a gente vê no ensino
a desconfiar que eu tinha esse negócio e de piano clássico, de que o improviso é algo
me colocou de costas e começou a tocar, superficial, inútil, que deve ser evitado por
e eu sabia as notas! Aí, ela detectou. Não que é perda de tempo... Mentira! Eu vivo
foi algo treinando, mas uma coisa que se disso, vivo de improviso, de criar música, de
desenvolveu dessa maneira. fazer um concerto inteiro de improvisação
sobre temas que o público sugere, ou seja,
Outra questão é a leitura. Como foi, depois, balela! Mas isso era totalmente reprimido.
adquirir a facilidade da leitura musical? Eu era, obviamente, um cara de muita
Esse é um ponto importante. A facilidade personalidade já nessa idade e não aceitava
me deixou “capenga” do outro lado. Fiquei isso, racionalmente e irracionalmente,
com um solfejo muito precário, muito ruim, porque eu adorava improvisar. Imagine
e tive que correr atrás depois. Tive que um pássaro que gosta de voar e de repente
estudar. Houve um estágio ali em que eu alguém fala para ele que não é para voar,
falei “opa, opa, opa...”. Então, solfejo, Pozzoli! mas para ficar só andando. Eu tive instrução,
Aí me reaproximei do código escrito de toquei Bach, tudo que sei de contraponto
modo que a música clássica entrou mais começou ali tocando Invenções a Duas
forte na minha vida. Antes era só por meio Vozes e, depois, O Cravo Bem Temperado...

30 / maio 2019 teclas & afins


Andre Mehmari

Toquei Bartók, que eu amava. Toquei não era muito o que ele faria com os alunos
românticos, Schumann, Brahms... Na USP, de um curso normal para um virtuose. Não
o professor Amílcar Zani, viu que eu já era tinha foco na técnica, por exemplo. Eu
meio que um caso perdido para música não era um cara que estudava horas por
de concerto. Ele já sabia que eu não ia dia de técnica, nunca fui. Sempre fui meio
seguir aquela carreira padrão, de tocar o rebelde nesse sentido, e indisciplinado. E
repertório padrão, depois os estudos de o pianista clássico tem que ter essa coisa
Chopin, depois solo com orquestra, depois quase de atleta, e eu sempre fui mais ligado
ganhar 30 concursos até ser alguém... É à criação, queria sempre compor muito,
incrível como é ridículo isso: um pianista fazer arranjos, aprender orquestração,
pode ter o talento que for, mas tem que outro caminho mesmo.
ganhar algum curso famoso senão não é
ninguém. Eu nunca gostei desse negócio, Há pianistas que acreditam no estudo da
de competição, e fiz um outro caminho. técnica pura e outros que acreditam no
Então ele já sabia que não ia seguir isso e desenvolvimento técnico dentro do estudo
perguntava: “André, o que você quer tocar?”. do repertório...
Eu amava - e amo! - Brahms. Então, vamos Exatamente! A técnica me veio por meio
tocar os Intermezzi de Brahms, vamos do repertório. E repertório bom, repertório
tocar sonatas de Beethoven – que, além do incrível: Sonata Opus 5, de Brahms, que é
interesse pianístico, me trazia um interesse dificílima, pesada! Sonatas de Beethoven!
como compositor -, vamos tocar Stravinsky, E contraponto através de Bach. Eu não me
coisas que eu tinha impulso natural de lembro de ter investido horas em técnica
tocar. Então, a gente fez um percurso que pura, Hanon, Czerny, Beringer, nada disso.

© Nilton Corazza @ Teclas & Afins

teclas & afins maio 2019 / 31


materia de capa

Todo o “dedo” me veio através das horas tenho um duo agora - que é músico de
de improvisação e do repertório em si que choro e que é um outro timbre, porque ele
me dava muito prazer estético além de me é muito puro do choro e eu não. Eu não sou
dar técnica. um especialista, então é muito interessante
porque trabalho com especialistas, mas
Hoje ainda é assim? não sou. E eu vejo que meu DNA está em
Ainda é assim e cada vez mais, porque todos os trabalhos por eu estar aberto ao
eu invisto a maior parte do meu tempo diálogo, mas muito mais do que isso, por
criando música, compondo... Eu sou um eu estar aberto a ouvir o outro, o que o
compositor que recebe encomendas, outro traz. Em nenhum momento desses
então, tenho menos tempo ainda para esse trabalhos eu estou me impondo. Já que
aspecto mecânico. tenho “tanta personalidade musical”, por
que não deu tudo errado, por que eu não
Como é acompanhar desde uma cantora briguei com todo mundo? Porque eu adoro
como Monica Salamaso a um instrumentista “acompanhar”, entre aspas mesmo, adoro
clássico como Antonio Menezes, passando ouvir o que o outro está dizendo e interagir.
por Hamilton de Holanda e tantos outros, Mas o resultado da interação não é um
mantendo seu DNA em cada performance? acompanhamento, mas uma reflexão. Os
A chave para responder essa pergunta duos são formações pelas quais eu tenho
é modificar o termo “acompanhar”. O enorme apreço, porque é um diálogo.
Piano e Voz, com a Ná Ozetti, é a prova Até por isso muitas pessoas me procuram
cabal de que piano e voz não precisa ser para fazer duos, porque sabem que eu vou
acompanhamento de voz. A primeira faixa respeitá-las nas suas individualidades e
do disco é “Pérola aos Poucos”, do José vou criar música junto com elas e não criar
Miguel Wisnik, com um contraponto a duas um embate ou um desafio de quem toca
vozes estrito. O piano toca uma voz e a Ná mais rápido...
canta a voz dela. Ou seja, aquilo é a profissão
de fé daquele disco: a igualdade de papéis. Você toca popular, jazz, erudito, compõe
Historicamente na música brasileira, o nas três vertentes. Você já afirmou que não
cantor sempre foi, ou é, o herói romântico, está “entre” o erudito e o popular. Como vê
Elis, Orlando Silva, quer dizer, o cantor essa questão?
era aquele representante, aquela voz, que Esse é o conceito mais errado que alguém
tinha um entorno dando suporte a ela. No pode ter de mim. Nem estou na fronteira! Eu
meu caso, é mais o diálogo constante de faço tudo plenamente, nada pela metade.
criar uma teia de informações em torno da Eu recebo encomenda das melhores
canção, que é rica e não meramente um orquestras do Brasil e toco com os melhores
acompanhamento. Tem contraponto, tem representantes da música instrumental
história, tem coisas de afeto, que eu trago brasileira, da canção, da MPB... Então,
da música barroca, que eu transponho eu estou “entre” alguma coisa? Acredito
para uma canção do Zé ou do Caymmi, ou que não! Eu sou o André em todos esses
do Nelson Cavaquinho, que seja... Isso é ambientes, obviamente trazendo coisas
uma digital minha desde sempre, seja com diferentes para cada ambiente desses. Mas
o Hamilton, com o Danilo Brito, com quem eu não me sinto “entre”, não me sinto tendo

32 / maio 2019 teclas & afins


materia de capa

André Mehmari

© Divulgação

teclas & afins maio 2019 / 33


Andre Mehmari

que fazer uma escolha ou “entre” uma Isso é um conceito meio caduco. Já se
escolha. Quando eu comecei a compor, lá demonstrou que isso não pode ser assim
pelos 13, 14 anos, me perguntavam: “Você tão categórico. Existem correntes, mas
vai seguir o clássico? Vai seguir o popular?”. não são duas, são centenas, milhares. O
Aquela pergunta simplesmente não fazia músico não vai tocar Monteverdi como
sentido para mim. Não que eu ficasse toca Stravinsky, não vai tocar Caymmi
angustiado e pensava “meu Deus, tenho como toca Pixinguinha, não vai tocar
que decidir”, como se fosse um vestibular Beatles como toca Duke Ellington. Mas
entre medicina e engenharia. Nada disso, não são dois grandes blocos, um brigando
nunca! Acredito que porque eu sempre com o outro. Não existe isso. Na época de
ouvia minha mãe tocando Chopin e Jobim Mozart, não existia isso, ele se inspirava
no mesmo piano, eu achava que música em temas do povo. Enfim, acredito que
é música! Ninguém falava para mim “isso minha visão musical é humanista, não
é bom, isso é ruim, isso é popular, isso é tenho essa de julgar o que é “alto” e o que
erudito”... Eu tocava tudo, e ainda toco. é “baixo”. Posso me emocionar tanto com
Meu negócio, minha matéria, é a música. E uma grande sinfônica tocando a nona de
o que marca meu conceito de música é que Mahler quanto um violeiro que pega a
eu não vejo o mundo da música dividido viola e toca um negócio que é bonito de
em dois grandes blocos incomunicáveis chorar. Porque é assim. Música é verdade.
como se pensa em alguns ambientes. Tendo verdade, está valendo!

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34 / maio 2019 teclas & afins


MESTRES POR NILTON CORAZZA

Thelonious Monk
36 / MAIO
janeiro
20192019 teclas & afins
MESTRES

O “monge louco”
Reconhecido como um dos mais inventivos
pianistas do jazz, Thelonious Monk atingiu tal
originalidade que poucos conseguiram imitá-lo

Thelonious Monk é considerado um Em 1941, o baterista Kenny Clark o contratou


autêntico mestre da música norte- para a vaga de pianista no badalado clube
americana. Suas composições são Minton´s Playhouse, no Harlem. Esse,
citadas entre as mais importantes do segundo os estudiosos, foi o local onde a
repertório jazzístico e sua vida é tema “revolução” do bebop teve início. As longas
para documentários, biografias, estudos, jam sessions que ocorriam ao longo da
tributos e até a criação de um instituto em madrugada reuniam a nata da nova geração
seu nome (que, infelizmente, foi rebatizado), do jazz. As inovações harmônicas de Monk
para incentivo das novas gerações. E era muito auxiliaram essa revolução. E suas
essa sua intenção: dividir conhecimento e composições logo se tornaram as favoritas
exigir, sempre, novidades em troca. entre seus amigos músicos.
Apesar de sua importante contribuição
Biografia para o desenvolvimento do jazz moderno,
Thelonious Sphere Monk nasceu em 10 Monk permaneceu desconhecido durante
de outubro de 1917, em Rocky Mount, na os anos 40 até o início dos 50. Em 1944,
Carolina do Norte, Estados Unidos. Quando foi contratado por Coleman Hawkins
tinha quatro anos, sua família mudou-se e participou de sua primeira gravação.
para Nova York. O menino logo se destacou Inicialmente, tanto a crítica quanto os
como estudante, atleta e prodígio musical. músicos foram hostis em relação ao som
Aprendeu trompete por algum tempo, que produzia. Ainda assim, conseguiu seu
mas suas atenções logo se voltaram ao primeiro contrato com a gravadora Blue
piano. Aos nove, iniciou as aulas no novo Note, que, na época, era pequena. Sua
instrumento. Ainda adolescente, já se primeira produção como líder aconteceu
apresentava em festas e igrejas e vencia quando já tinha 30 anos de idade.
concursos amadores. Apesar dos álbuns de Monk pela Blue Note
Aos 18, Monk abandonou os estudos, serem considerados dos mais importantes
pouco antes de se formar, para dedicar-se em sua discografia, na época foram um
profissionalmente à música. Por dois anos, fracasso comercial. As críticas ao seu estilo
viajou e tocou com um líder religioso. limitavam suas oportunidades de trabalho.
Ao voltar, formou seu próprio quarteto e Monk tinha que aceitar quaisquer que fossem
passou a se apresentar em bares e pequenos as condições. Ainda assim, manteve-se fiel
clubes de jazz. à sua visão musical. Para piorar a situação

teclas & afins janeiro


MAIO 2019 / 37
MESTRES

financeira, em 1951 teve sua permissão Esse álbum o estabeleceu como um dos
para tocar em clubes de jazz de Manhattan mais criativos pianistas do século. Dois
suspensa, por envolver-se com drogas, algo anos mais tarde, assinou contrato com
que, na verdade, não aconteceu. Nos seis uma nova gravadora, a Riverside, onde
anos seguintes, tocou, esporadicamente, realizou uma série de discos considerados
em algumas apresentações e clubes em soberbos. Sua estreia pela Riverside foi
cidades vizinhas. Dedicou-se à composição uma gravação com o inovador baixista
e participou de gravações pela Prestige. Oscar Pettiford e construída em volta de
Algumas delas, que incluíam Sonny versões de Monk para músicas de Duke
Rollins, Miles Davis e Milt Jackson, foram Ellington. O LP resultante, Thelonious
consideradas memoráveis. Monk Plays Duke Ellington, foi preparado
Em 1953, Monk cruzou o Atlântico pela para levar Monk a um público maior
primeira vez, para participar do Paris e, assim, pavimentar o caminho para a
Jazz Festival. Ali, conheceu a baronesa aceitação de seu estilo único.
Pannonica de Koenigswarter, membro da O álbum Brilliant Corners, de 1956, é
tradicional família inglesa de Rothschild lembrado como o primeiro sucesso de
e patrocinadora de vários jazzistas Monk e também sua obra-prima. Conta
nova-iorquinos. Ela seria uma amiga a história que a complexa música-título
muito próxima pelo resto de sua vida. (que trazia o lendário saxofonista tenor
Durante sua estadia na Europa, gravou Sonny Rollins) foi tão difícil de executar
seu primeiro disco-solo pelo selo Vogue. que a versão final foi feita a partir de três

38 / MAIO
janeiro
20192019 teclas & afins
MESTRES

takes diferentes. mostrava o quanto era mal-compreendido.


Em 1957, conseguiu sua permissão para Quem o conhecia, sabia que era dedicado
tocar em Manhattan de volta, e iniciou à música e à família.
uma nova e bem-sucedida etapa em sua Durante os anos 60, gravou discos de grande
carreira. Ao lado de outro gênio, John sucesso. Apesar disso, a Columbia passou
Coltrane, tocou durante um bom tempo a dar mais atenção aos jovens ouvintes de
no Five Spot Café, reduto de talentos rock. Ao final da década, com o declínio
do jazz da época. Por suas colaborações da comercialização de seus lançamentos,
com Coltrane, Johnny Griffin, Sonny foi definitivamente dispensado. Nos anos
Rollins, Art Blakey, Clark Terry e Gerry seguintes apresentou-se pouco e gravou
Mulligan, entre muitos outros, finalmente ainda menos.
recebeu críticas positivas e passou a Seu quarteto desfez-se e Monk
ser reconhecido e valorizado. Em 1962, desapareceu, fazendo pouquíssimas
assinou contrato com a maior gravadora apresentações em sua última década de
da época, a Columbia Records. vida. Sua última gravação de estúdio foi
feita perto do fim de sua turnê com “The
Além da música Giants of Jazz”, que incluia Dizzy Gillespie,
Embora já consagrado por sua música, Sonny Stitt, Art Blakey, Kai Winding e Al
Monk exercia grande fascínio sobre a McKibbon. Com sinais de depressão e
mídia por seu comportamento excêntrico. péssimo estado de saúde, Monk, então,
Histórias sobre suas atitudes, dentro ou passou seus últimos anos de vida na casa
fora dos palcos, muitas vezes ofuscavam de sua velha patrocinadora, a Baronesa
comentários mais sérios em relação ao Nica de Koenigswarter. Monk não tocou
seu trabalho. Mas chamá-lo de recluso, piano nesse período, apesar de haver um
ingênuo, lunático e tantas outras coisas, em seu quarto, e falou com pouquíssimas

teclas & afins janeiro


MAIO 2019 / 39
MESTRES

pessoas. O pianista sofreu um AVC e assimilar mudanças radicais em meio a


morreu em 17 de fevereiro de 1982, após costumes estabelecidos. Mas, felizmente, a
uma parada cardíaca. genialidade de sua obra superou as lendas
a respeito de seu comportamento.
Obra Dentre muitas das inovações de
A visão musical de Monk sempre esteve Monk, podem ser citadas a utilização
à frente de seu tempo. Surpreendia tanto de progressões de acordes pouco
em suas execuções no tradicional estilo convencionais, o deslocamento rítmico
“stride” como no free-jazz e avant-garde. de frases e a incansável busca por novas
Por suas consagradas composições, divide melodias e sonoridades. Muitas vezes,
atualmente, com Duke Ellington, a posição tem-se a impressão de que há muitas
de maior compositor americano do século notas “fora do lugar”, que, a princípio,
20. Compôs vários temas que hoje são não deveriam funcionar com o acorde
considerados standards, como “Epistrophy”, do momento. Mas ele as executa
“’Round Midnight”, “Blue Monk”, “Straight propositalmente com tanta convicção,
No Chaser” e “Well, You Needn’t”. que não há como contestá-las. E era essa,
Ele não era apenas original por seu estilo justamente, sua intenção. Mostrar que a
de tocar e compor. Destacava-se por suas música deve ir além das convenções e que
roupas, pela linguagem e economia de não deve haver limites para a criatividade.
palavras, pelo humor e até pela maneira Para ele, não bastava criar mais uma música
como dançava ao lado do piano. Isso o bonita e agradável aos padrões comuns.
levou a ser considerado excêntrico e, Precisava ir além, modificar, criar, buscar
até mesmo, louco. A verdade é que foi novos caminhos. Foi assim em toda sua
mal interpretado por muitos ao longo vida. E era isso que esperava em troca das
da carreira. De fato, não era simples pessoas com quem convivia.

40 / MAIO
janeiro
20192019 teclas & afins
MESTRES

Thelonious Monk

teclas & afins janeiro


MAIO 2019 / 41
sintese sonora Por Miguel Ratton

Síntese subtrativa –
Oscilador
Numa estrutura de síntese subtrativa, o oscilador é o
primeiro módulo ou elemento no processo de construção do
sinal sonoro. É ele que gera o sinal inicial a ser manipulado
posteriormente pelos demais módulos. É no oscilador que
se determina a nota musical a ser produzida, em termos
de altura (afinação). Também no oscilador é possível criar
alguns efeitos que podem produzir resultados bastante
interessantes tanto em relação à execução quanto em
termos de sonoridade propriamente dita

O sinal inicial gerado no oscilador é composto possa ter diferentes alternativas de sinal,
de uma onda fundamental, cuja frequência é com harmônicos pares, com harmônicos
a afinação da nota que está sendo executada, ímpares, ou com ambos. Assim, como
e também dos harmônicos dessa frequência, cada uma dessas formas de onda tem
isto é, sinais com frequências múltiplas uma característica sonora específica, cada
inteiras da fundamental. A combinação dos uma produzirá um resultado diferente ao
harmônicos determina a forma de onda ser processada posteriormente pelo filtro.
e, em termos sonoros, o timbre, como já Portanto, quanto mais opções de formas de
abordamos em edições anteriores. onda – ou timbres iniciais - mais versátil será
Em geral, o oscilador de um sintetizador o sintetizador (Figura 1).
é capaz de produzir mais de um tipo de O processo fica mais rico e proporciona
forma de onda, de tal maneira que se resultados ainda mais interessantes quando

Figura 1 – Exemplo de oscilador com três formas de onda diferentes Figura 2 – O sintetizador virtual (VST) TAL Elek7ro

42 / maio 2019 teclas & afins


sintese sonora

se tem mais de um oscilador. Com dois


osciladores, por exemplo, é possível “dobrar”
o sinal, produzindo a mesma forma de onda
nos dois, mas com uma pequena diferença
em suas frequências, de tal maneira a obter
um efeito de batimento, que “encorpa” o
som, dando uma percepção de um som
mais “cheio”, ou “fat sound”. Com dois ou
mais osciladores também é possível somar
ondas diferentes, tornando mais complexa
a composição harmônica do sinal a ser Figura 3 – Ajustes no Elek7ro para produzir uma onda dente-de-serra no
processado pelo filtro. Outras possibilidades oscilador 1, e a sua imagem no osciloscópio
são a combinação de ondas afinadas em
Exemplo sonoro 1 – dente de serra no oscilador 1
regiões (oitavas) diferentes, ou afinadas em
intervalos de notas (terças, quintas etc.).

Praticando com as ondas Usaremos também outro plug-in já


Para experimentar alguns dos efeitos apresentado anteriormente, o s(m)exoscope
que podem ser obtidos com um ou mais que nos permite visualizar a forma de onda.
osciladores do sintetizador, vamos usar o Ele pode ser obtido gratuitamente no site
sintetizador virtual Elek7ro, um plug-in VST www.smartelectronix.com.
que pode ser obtido gratuitamente no site As formas de onda básicas (senoide,
da TAL (tal-software.com). triangular, pulso e dente-de-serra) já foram
O Elek7ro simula digitalmente um apresentadas no artigo publicado na edição
sintetizador analógico típico, e possui ao 55 de Teclas & Afins. Então, agora, vamos
todo três osciladores, sendo que OSC1 e explorar algumas combinações desses sons
OSC2 possuem quatro formas de onda, elementares e perceber que mesmo com
ajuste de semitom e ajuste fino, e SUB só poucos recursos é possível produzir timbres
possui duas formas de onda e ajuste de interessantes.
semitom, mas serve perfeitamente ao nosso
propósito. Na verdade, estes experimentos Multiplicando os dentes
podem ser realizados em qualquer outro Vamos começar explorando a dobra de
sintetizador que possua dois osciladores ondas dente-de-serra. Essa forma de
com ondas iguais, seja virtual, digital ou onda é bastante rica em harmônicos, e
analógico (Figura 2). tem uma sonoridade bem interessante,
Para estes experimentos, não usaremos principalmente quando trabalhada por
ainda os recursos do filtro, dos envelopes e um filtro passa-baixas com ressonância
do LFO2, assim como também não usaremos (veremos isso futuramente). Mas podemos
o ruído (NOISE). Portanto, esses parâmetros dar mais vida a essa onda simplesmente
devem ser ajustados conforme mostrado dobrando o seu som, usando para isso dois
na Figura 2, para que não interfiram sobre osciladores. A Figura 3 mostra os ajustes
o som que desejamos ouvir. Só usaremos os no Elek7ro para obter uma onda dente-
osciladores 1, 2 e Sub, e o LFO1. de-serra no oscilador 1. Ouça o som dessa

teclas & afins maio 2019 / 43


sintese sonora

onda para usar como referência. Agora experimente triplicar a onda dente-
Agora, vamos ajustar o oscilador 2 para de-serra, usando os osciladores 1 e 2 e mais
produzir uma onda dente-de-serra idêntica à o oscilador Sub, todos eles produzindo a
do oscilador 1, mas vamos alterar levemente mesma onda, mas com pequenas diferenças
sua afinação (aproximadamente 1%) em de frequência (Figura 5).
relação à onda do oscilador 1. Observe que Perceba que o timbre ficou ainda
o ajuste fino da frequência do oscilador 2 mais encorpado, mais dinâmico e,
está um pouco fora do centro, para produzir consequentemente, bem mais interessante.
uma diferença de cerca de 1% em relação à É importante ressaltar que quanto
frequência do oscilador 1 (Figura 4). mais ricas e mais dinâmicas forem as
Compare este som com o som de uma sonoridades produzidas nos osciladores,
onda dente-de-serra pura. Por causa da mais interessantes ainda ficarão ao serem
pequena diferença de frequência, ocorrem processadas posteriormente no filtro.
continuamente efeitos de batimento em Outra possibilidade é somar ondas iguais,
seus harmônicos, de tal maneira que, em mas em regiões de oitava diferentes. Vamos
alguns momentos, alguns harmônicos se ajustar o oscilador 2 para produzir uma onda
somam e outros se cancelam. O resultado é dente-de-serra idêntica à do oscilador 1, mas
um som mais “cheio”, semelhante ao efeito vamos ajustar sua afinação para uma oitava
conhecido como “chorus”, uma sonoridade abaixo em relação ao oscilador 1. Nesse
encorpada, com uma ondulação contínua sintetizador, o botão SEMI permite descer
e dinâmica. ou subir a afinação em até 12 semitons
Experimente variar o ajuste fino da afinação. (1 oitava). Com esse botão na posição
À medida que se aumenta a diferença entre central, o oscilador fica na região padrão.
as frequências (para cima ou para baixo), o Experimente também variar o ajuste fino da
som vai ficando desafinado, criando tensão, afinação (Figura 6).
e até causando sensação de desconforto. Ainda explorando o ajuste de semitons,

Figura 4 – Ajustes no Elek7ro para produzir duas ondas dente-de-serra Figura 5 – Ajustes no Elek7ro para produzir três ondas dente-de-serra
com uma pequena diferença (1%) de afinação entre elas, e a sua imagem com pequenas diferenças de afinação entre elas, e a sua imagem no
no osciloscópio osciloscópio

Exemplo sonoro 2 – dente de serra no oscilador 1 + dente Exemplo sonoro 3 – dente de serra no oscilador 1 + dente
de serra do oscilador 2 (com diferença de 1% entre as de serra do oscilador 2 + dente de serra do oscilador Sub
frequências)

44 / maio 2019 teclas & afins


sintese sonora

Figura 6 – Ajustes no Elek7ro para produzir duas ondas dente-de-serra, Figura 7 – Ajustes no Elek7ro para produzir duas ondas dente-de-serra,
com uma delas ajustada para uma oitava abaixo com uma delas ajustada para sete semitons acima

Exemplo sonoro 4 – dente de serra no oscilador 1 + dente Exemplo sonoro 5 – dente de serra no oscilador 1 + dente
de serra do oscilador 2 uma oitava abaixo de serra do oscilador 2 ajustado para 7 semitons acima

vamos agora afinar o oscilador 2 para sete forma de onda dente-de-serra também se
semitons acima do oscilador 1. Para isso, vá aplicam a outras ondas (Figura 8).
girando devagar o botão SEMI no sentido Agora vamos ajustar o oscilador 2 para
horário, até chegar em sete semitons. produzir uma onda pulso idêntica à do
Isso produz uma sensação de que há oscilador 1, mas vamos alterar levemente
dois instrumentos tocando, e funcionará sua afinação (aproximadamente 1%) em
melhor conforme a melodia executada e a relação à onda do oscilador 1, da mesma
harmonia de base (Figura 7). maneira que fizemos no exemplo de duas
Experimente usar o oscilador Sub com ondas dente-de-serra (Figura 9).
ajustes diferentes de semitom. Experimente Assim como fizemos com a onda dente-
alterar também o ajuste de semitom do de-serra, experimente alterar os ajustes
oscilador 1. Os resultados poderão ser de afinação (FINE) dos osciladores, assim
muito interessantes também. como os ajustes de semitom, para ouvir
diferentes resultados.
Enquadrando os pulsos Para concluir este artigo, embora o assunto
Os experimentos propostos até aqui com a não termine por aqui, já que há muitas

Figura 8 – Ajustes no Elek7ro para produzir no oscilador 1 uma onda do Figura 9 – Ajustes no Elek7ro para produzir duas ondas do tipo pulso com
tipo pulso com 50% de largura, e a sua imagem no osciloscópio uma pequena diferença (1%) de afinação entre elas, e a sua imagem no
osciloscópio

Exemplo sonoro 6 – onda pulso 50% no oscilador 1 Exemplo sonoro 7 – pulso 50% no oscilador 1 + pulso 50%
no oscilador 2 (com diferença de 1% entre as frequências)

teclas & afins maio 2019 / 45


sintese sonora

outras possibilidades, vamos produzir


alterações na largura da onda pulso.
Primeiro, experimente fazer esse ajuste
manualmente, usando o botão PW (“pulse
width”) do oscilador 1. Não use o oscilador Figura 10 – Alterando manualmente a largura do pulso (PW) é possível
obter diferentes timbres
2 neste caso (Figura 10).
Agora vamos usar um recurso mais
avançado, que é a “modulação” da largura
do pulso automaticamente pelo LFO1.
Este recurso permite obter, com um só
oscilador, um som bem encorpado, muito
semelhante ao obtido pela dobra de duas
ondas. Para fazer isso, use o oscilador 1
com a forma de onda pulso e, em seguida,
configure apropriadamente o LFO1: a onda Figura 11 – Modulando continuamente a largura do pulso por meio do
moduladora é senoidal (SINE) e o destino LFO
do LFO1 é a largura do pulso do oscilador
1 (PW1). Ajuste a velocidade de modulação Exemplo sonoro 8 – largura do pulso modulada
continuamente pelo LFO
(RATE) e a intensidade da modulação
(INTENSITY), para que o som fique como
desejado.
No próximo artigo continuaremos
experimentando os osciladores com os
LFOs. Até lá!

Referências
HOWARD, David; ANGUS, Jamie. Acoustics and Psychoacoustics.
Elsevier. London, UK, 2006.
JARRE, Jean-Michel. Oxygene, Part 2. Disques Dreyfus. France, 1976.
KUNZ, Patrick. TAL-Elek7ro Tutorial. Togu Audio Line. Switzerland,
2009. Disponível em https://tal-software.com/downloads/docs/
TAL-Elek7ro-UserManual.pdf

Miguel Ratton
Engenheiro em eletrônica, e há mais de trinta anos atua no segmento de tecnologia musical, realizando projetos de
equipamentos e sistemas, manutenção de sintetizadores e prestando consultoria técnica. É autor de vários livros sobre
MIDI, áudio e sintetizadores. Para saber mais, visite ratton.com.br e facebook.com/m.ratton.eng.tec

46 / maio 2019 teclas & afins


bit.ly/EK-50

WWW.KORG.COM.BR
ESTUDIO POR nilton corazza

Os segredos de
Dark Side Of The Moon
Efeitos inusitados e inéditos, técnicas
arrojadas e muita criatividade fizeram do
álbum da banda Pink Floyd um marco na
história da produção fonográfica

A banda inglesa Pink Floyd iniciou suas substituiu o compositor e líder do grupo,
atividades na década de 1960 como um Syd Barrett, que perdeu sua sanidade por
conjunto de rock que, gradualmente, foi causa do abuso de drogas. Com a saída de
desenvolvendo seu lado experimental e seu principal membro, a banda passou por
psicodélico até a gravação do primeiro disco, um grande período de busca por uma nova
The Piper at the Gates of Dawn, em 1967. Já identidade. Vários álbuns e turnês depois,
durante a turnê, o guitarrista David Gilmour eles atingiram o auge de suas carreiras –

48 / maio
janeiro
20192019 teclas & afins
ESTUDIO

segundo eles próprios – com a criação de


Dark Side of The Moon.
Detalhes
O disco abre com o som de um coração
batendo, acompanhado de algumas falas e
sintetizadores. Esses sons permeiam o disco
todo e “amarram” as faixas, mantendo uma
coesão sonora que se interrompe apenas
no meio do álbum, por causa dos dois
lados do disco de vinil. O coração batendo
foi gravado com o bumbo da bateria
processado e é um dos primeiros samples
em loop do rock. Ele pode ser ouvido ao
longo de todo o disco – algumas vezes
em destaque, outras em volume quase
imperceptível.
Muitas músicas apresentam experimenta-
ções inovadoras de estúdio. Uma delas é Dark Side of The Moon
“On The Run”, faixa instrumental em que Dark Side of The Moon, da banda inglesa
foi usado um dos primeiros sintetizadores Pink Floyd, é o álbum recordista de
portáteis comercializados, o EMS VCS3. tempo nas paradas britânica e americana
Com ele, era possível tocar um pequeno e o terceiro mais vendido na história
trecho em um teclado e repeti-lo indefini- da música. Lançado em 1973, o disco
damente, acelerando-o e alterando sua so- ficou quase 14 anos entre os 200 mais
noridade com osciladores. vendidos nos Estados Unidos e, ainda
Essa é a essência e o segredo dessa música, hoje, vende a média de quase dez mil
que buscava, segundo a banda, o “som do cópias por semana.
futuro”. Mas não é a única ferramenta para a
sonoridade atingida. Além do VSC3, foram coletiva, todas as letras são do baixista
usados vários efeitos diferentes, como o Roger Waters. Ele gravou a maior parte
som de uma pessoa correndo em volta de das criações em um estúdio portátil antes
um microfone no estúdio e muitos outros de levar as versões finais do texto para a
de guitarra, que soam como sintetizadores banda. O original de “Money”, por exemplo,
ou processos alternativos. Outra pode ser encontrado na internet.
experimentação muito bem-sucedida é a Algumas técnicas de estúdio foram
da música “Money”. Graças ao riff de baixo, aperfeiçoadas durante a produção.
poucos ouvintes percebem que ela tem Uma delas foi a gravação de vozes
uma pulsação pouco usual para uma banda repetidamente. Utilizada originalmente
de rock. Fora o solo de guitarra, em que o para aumentar a força de uma única voz,
grupo toca em 4/4, a música é em 7/8, e foi usada juntamente com muito reverb
certamente, é um dos maiores sucessos para ampliar a espacialidade, já que, nesse
comerciais em compasso alternado. período, ótimos compressores estavam
Apesar do disco ser uma grande criação sendo amplamente empregados. A voz

teclas & afins janeiro


maio 2019 / 49
ESTUDIO

Rck Wright, David Gilmour e o sintetizador EMS VCS3

do guitarrista David Gilmour pode ser tocando juntos, vários reprodutores de rolo
claramente ouvida fazendo harmonias foram espalhados pelo estúdio, com sons
com ela mesma na maioria das músicas. de diferentes relógios. Uma orquestração
Acompanhado pelo tecladista Richard organizada pelo engenheiro de som
Wright, esse efeito criou a sonoridade de Alan Parsons resultou em uma cacofonia
voz da banda nesse período. organizada de alarmes.
Uma operação cirúrgica de corte e colagem As músicas foram desenhadas para criar
de fita resultou nos loops de moedas e um conjunto, estabelecendo a premissa
caixas registradoras ouvidos em “Money”. de disco conceitual para o Pink Floyd
Para obter o tempo correto das amostras, que seguiria nos principais discos de sua
um gravador de rolo foi adaptado para carreira. Para aumentar a coesão, Roger
tocar um trecho de fita circular, que Waters elaborou um baralho com questões
atravessava a sala por conta de seu escritas, e entrevistou várias pessoas
tamanho, dando a volta sustentado por presentes às gravações – porteiros,
um tripé de microfone. O mesmo processo técnicos de som e até Paul McCartney,
foi utilizado para obter o delay na faixa “Us que gravava na sala ao lado. No baralho,
and Them”, que nenhum reverb da época questões simples como “o que você comeu
poderia produzir. ontem?” até a preferida de Waters, “quando
Outra incrível manobra para produzir sons foi a última vez em que você foi violento?”.
inéditos à época foi a introdução de “Time”. O produto dessas entrevistas são as frases
Para obter o efeito de vários relógios que atravessam o disco todo.

50 / maio
janeiro
20192019 teclas & afins
ESTUDIO

Não havia nenhuma automação na mesa


de som e organizar esse mar de canais de
efeitos e instrumentos demandou toda
a banda na console durante a mixagem.
Um grande painel era criado, com a
instrução dos canais ao longo da música.
No fim, a mixagem era muito parecida
com uma performance, com várias pessoas
controlando faders em tempo real.
É importante perceber que nenhuma música
do disco é extremamente complexa. Ao
contrário. A tentativa da banda era sempre
deixar espaço – o que era preenchido com
efeitos e timbres inéditos. Assim, muito mais
do que a maioria dos discos, Dark Side of
The Moon tem sua essência extremamente
ligada ao trabalho realizado em estúdio
de utilização criativa de equipamentos e
pesquisa sonora. Por sua qualidade técnica,
ainda é utilizado por muitos produtores e
audiófilos como referência sonora. Mapa multimídia para as apresentações ao vivo de Dark Side of the Moon

teclas & afins janeiro


maio 2019 / 51
acordeon sem limites Eneias Bittencourt

© Flavian Hautbois @ unsplash.com

teclas & afins


acordeon sem limites

Tensão ao tocar
Afinal... que tensão é essa?

Como costumo dizer, nem só de música vive grupo, entre coletividades ou entre nações;
um músico... Muito se fala em tensão ao Física - Tensão dos gases. Pressão que
tocar, assunto recorrente principalmente os gases exercem sobre as paredes dos
no meio acadêmico. Mas, ouvindo alguns recipientes; Maior valor da pressão que um
relatos e procurando observar a orientação vapor pode suportar sem se condensar;
de alguns professores, percebo que o termo Tensão superficial: Ação de força que tende
“tensão” não é muito bem empregado, a diminuir a extensão da superfície livre dos
apesar de, na maioria das vezes, ser líquidos, e cujo valor é o da força tangencial
entendido até certo ponto. à superfície, por unidade de comprimento.
Descobri que a referida “tensão”, na As mãos e os pulsos
verdade, é inocente nessa história, e que Nossas mãos são os mais úteis de nossos
o ideal seria uma adequação nos termos. órgãos de movimento, e são ferramentas
Vejamos o que significa “tensão” em muito desenvolvidas. As máquinas podem
diferentes ramos da ciência. ser construídas para copiar alguns dos
Eletricidade - Alta tensão: tensão muito movimentos das mãos, mas não é possível
elevada, superior a 1.000 volts em corrente copiar a enorme variedade de suas
alternada e a 1.500 volts em corrente habilidades. As mãos podem mover-se
contínua; diferença de potencial entre dois delicada e vagarosamente, ou rapidamente
pontos de um circuito elétrico; com força considerável.
Medicina (fisiologia) - Tensão alta. Com nossos dedos e polegares, podemos
Hipertensão; Tensão arterial: pressão do segurar objetos de qualquer forma, e, por
sangue sobre a parede das artérias (tensão causa de nossos braços comparativamente
sistólica ou máxima, que corresponde compridos, temos um longo alcance. A
à sístole ventricular, e tensão diastólica importância das mãos é tanta, que uma
ou mínima, que corresponde à diástole grande parte do cérebro é usada para
ventricular); Tensão pré-menstrual: controlá-las. Grande número de pequenos
conjunto de sintomas sentidas por músculos tem que ser controlados e estão
algumas mulheres nos dias que antecedem ligados ao cérebro por muitos nervos. Vários
a menstruação, como é o caso de tensão tipos de articulações são encontrados na
mamária, dor de cabeça, irritabilidade, mão e no braço, para permitir movimentos
insónia, ansiedade, fadiga, etc.; síndrome livres, mas vigorosos. Articulações simples
pré-menstrual; do tipo dobradiça permitem aos dedos se
Psicologia - Tensão de espírito. Grande movimentarem para cima e para baixo, mas
preocupação; em psicologia social, o polegar é articulado mais livremente, de
representa o pródromo de um conflito mais modo que ele pode mover-se diretamente
ou menos agudo, numa família ou num sobre a palma da mão. Este polegar “oposto”

teclas & afins maio 2019 / 53


acordeon sem limites

O músculo perde a sua massa, mas logo


recupera o tamanho original por meio de
exercícios. Uma abordagem científica do
ramo da medicina, explora o que ocorre
quimicamente. Eis um trecho de um estudo:
“Portanto, tudo começa quando o nível de
estresse aumenta e o corpo recebe mais
hormônios que afetam diretamente os
músculos, causando a tensão muscular.
A circulação sanguínea acaba recebendo
menos oxigênio e nutrientes, refletindo
na sensação de fadiga acompanhada de
fortes dores”. Este texto se refere às tensões
musculares manifestadas com dores. Vejam
que essas dores não tem nada a ver com
o movimento, força. Aí o termo “tensão” é
utilizado para enfatizar as dores musculares.
Analisando estas informações fica
evidente o óbvio: tensão está relacionada
à movimento que está relacionado à força!
Art Van Damme: movimento estranho Mas afinal, de qual tensão estamos falando
quando tocamos nosso instrumento?
é que faz nossas mãos tão ágeis em pegar A verdade é que o termo utilizado em
objetos. Tente pegar uma moeda sem usar ergonomia musical é insatisfatório ao
o polegar e você se certificará. ser definido com apenas uma palavra. A
No pulso, há muitos ossos pequenos confusão também envolve a LER (lesão por
e quase quadrados que permitem à esforço repetitivo).
mão girar. O pulso também pode rodar A LER pode se instalar por força em excesso
quando os dois longos ossos do antebraço e de maneira desordenada em relação à
giram na articulação do cotovelo. Todo o fisiologia do órgão em questão. É impossível
nosso corpo precisa de músculos para se você executar um arpejo por mais de uma
mover. Existem músculos voluntários e oitava com uma considerável abertura dos
involuntários. Quando um músculo está dedos sem ter que exercer força! Em física,
completamente relaxado, ele é muito mole, tensão é resultado da força! Viram como fica
mas alguma tensão, ou tono, é necessária confuso? Algumas aberturas de acordes
para manter o músculo sadio. Alguns sinais exigem que você faça força! Isso é tensão?
nervosos estão sempre passando para cada Isso deve ser corrigido e evitado como
par de músculos opostos, mantendo-os em dizem alguns professores? Como conseguir
suave contração. Sem o uso constante, eles uma boa abertura de dedos com a mão
se tornam flácidos e fracos, e se atrofiam. relaxada? Como escrevi no início, de certo
Isso acontece frequentemente quando um modo compreendemos quando alguém
braço ou perna quebrada é mantida rígida é advertido quanto à “tensão” ao tocar.
pelo gesso enquanto o osso se recompõe. Acontece que, na verdade, essa “tensão” se

54 / maio 2019 teclas & afins


acordeon sem limites

refere a músculos que estão participando que deve ser analisado individualmente.
da ação sem necessidade. Não é raro ter de Quem duvida que, se Art Van Damme na
chamar a atenção de alunos - ao executarem sua adolescência tivesse um professor
um trecho mais “difícil” do estudo ou peça rigoroso e inflexível, ele não poderia até
- por levantarem a ponta do pé, enrolar a mesmo ter optado por outro instrumento?
perna esquerda no pé da cadeira, abrir ou Falamos de mãos. Vamos agora para o
fechar o fole descontroladamente, afora ombro esquerdo, um problema para
as expressões faciais. Tudo isso pode ser muitos.
efeito de expressão, sentimentos à flor da
pele. Mas, se a causa for de ordem motora, Ombro
ou seja, falta de coordenação, esta deve Dor no ombro esquerdo pode se agravar
ser corrigida. e levar a uma LER. Esse problema seria
Art Van Damme, um notável acordeonista eliminado ao tocar sentado. Mas, sabemos
de jazz americano que viveu entre 1920 que nem sempre é possível. Parece que parte
e 2010, tinha um jeito bem peculiar ao da expressão e da interação com o público
tocar em pé. Ao fechar o fole, ele escorava fica comprometida. Um instrumento de
o teclado - na parte superior - com um pouca qualidade aliado a uma captação
movimento esquisito do ombro direito. de som com pouco ganho ou retorno
Não sei ele sofria de alguma LER por conta insatisfatório são fatores que podem
disso. O fato é que, quem o conheceu, fazê-lo ter de forçar, puxar em demasia o
percebeu que isso não o atrapalhou em fole do acordeon. Exercícios físicos são
nada no tocante à sua virtuosidade ao importantes - um pouco de musculação
instrumento. - assim como pausas para alongamentos.
Tensão como resultado de força é Instrumento ergonomicamente encaixado
necessária. Os cuidados que devemos no corpo, correias adequadas, tamanho
ter são se essa força está sendo aplicada do instrumento, emocional tranquilo,
na quantidade certa e observar se a preparado, adrenalina, mas com
postura global está alinhada de maneira relaxamento, enfim, são muitas as variáveis.
confortável. E esse conforto se deduz Até a próxima, e bons sons a todos!
depois de 15 a 20 minutos, em média.
Ansiedade também é confundida com
tensão. Alunos sedentos por tocarem
logo são tensos emocionalmente falando.
Como venho dizendo, a “tensão” observada
e corrigida ao tocar um instrumento é, na
verdade, um conjunto de procedimentos
© Divulgação - Clever Barbosa

Eneias Bittencourt
Gaúcho, é escritor e editor de material didático e luthier de acordeon. Atuou como músico profissional, arranjador e
produtor musical. Dedica-se a desenvolver soluções didáticas e técnicas para acordeon. Em 2007 lançou seu primeiro
livro, “Acordeon sem Limites”, que dá início à retomada da produção didática para acordeon no Brasil, então estagnada
por mais de 20 anos. É proprietário do primeiro site dedicado a aulas online para acordeon no Brasil.
www.aprendacordeon.com.br - leandroeneiasbittencourt@hotmail.com

teclas & afins maio 2019 / 55


arranjo comentado por rosana giosa

“Beatriz”
Destaque na trilha sonora de O Grande Circo Místico, a
canção é uma das mais emblemáticas e de difícil execução
vocal da música brasileira

Chico Buarque e Edu Lobo uniram-se para


criar a trilha sonora de O Grande Circo
Místico por encomenda do Ballet Guaíra,
do Paraná, em 1982. A ideia veio do poema
surrealista de mesmo nome de Jorge de
Lima, escrito em 1938 e publicado no livro
A Túnica Inconsútil, inspirado em um fato
real acontecido na Áustria, no século 19. A existia a personagem Agnes, a equilibrista.
partir do tema, Chico Buarque e Edu Lobo Chico Buarque não conseguiu criar sobre
criaram a trilha sonora para a apresentação o nome - mudou-o para Beatriz – e a
do balé, contando musicalmente, a saga transformou de equilibrista em atriz. Assim,
da família austríaca proprietária do Grande em uma homenagem a Beatrice Portinari,
Circo Knieps e do amor entre um aristocrata de Dante, ele a pôs no sétimo céu, fazendo
e uma acrobata, que vagavam de cidade uma das suas mais sofisticadas canções. A
em cidade, apresentando os seus números composição foi uma das últimas do bailado
circenses. a ser concluída.
O sucesso do espetáculo musical originou De entonação difícil, em razão da tessitura,
uma longa turnê e um álbum clássico dos intervalos melódicos e das modulações,
e imprescindível da MPB, lançado em a faixa ganhou interpretação na voz de
meados de 1983, que reuniu grandes Milton Nascimento, que afirma: “’Beatriz’
cantores como Gal Costa, Gilberto Gil, é minha”. A escolha do intérprete foi
Simone, Tim Maia, Jane Duboc e Zizi Possi, resolvida de imediato pelos autores, pois
além dos próprios autores. Tinha formato somente ele, com a naturalidade de que é
de álbum sofisticado, com encarte luxuoso, capaz de fazer a passagem da voz normal
com direito a desenhos de Naum Alves de para o falsete, poderia gravar a canção.
Souza para cada canção, além de ilustrar a No momento da gravação, Milton ficou no
capa. A direção artística foi de Edu Lobo, estúdio apenas com o pianista Cristóvão
que dividiu os arranjos com Chiquinho Bastos, e a versão escolhida foi a realizada
de Moraes. Depois da primeira faixa do na terceira tomada. Posteriormente, foram
trabalho, “Abertura do Circo”, surge aquela acrescentadas umas pinceladas de cordas
que seria a mais emblemática das canções pelo arranjador Chiquinho de Morais.
do álbum, a valsa “Beatriz”. Edu Lobo fez a Sem jamais ter entrado em paradas de
música em tempo relativamente curto, ao sucesso, “Beatriz” acumulou prestígio ao
contrário de Chico Buarque, que tardou a longo do tempo, impondo-se por sua beleza
finalizar a letra. No poema de Jorge de Lima, como um clássico da moderna música

56 / maio 2019 teclas & afins


arranjo comentado

brasileira. Tempos depois, Edu Lobo e Chico


Buarque perceberam uma coincidência: a
nota mais grave da canção cai na palavra
“chão”, e a mais aguda, na palavra “céu”.

O arranjo
Esta é uma canção ternária, extremamente
melódica, quase declamada, com pulsação
meio livre para uma interpretação mais
emocional. Sua melodia é bastante
desenhada e sua harmonia muito rica, de
forma que, por si, esta canção já encanta
e emociona, sem precisar de muito arranjo
ou de muita criatividade.
Introdução - Aqui foi reproduzida a
introdução original da gravação, por ser
muito linda e marcante, quase que parte
integrante dessa música; B - O tema cresce e a melodia é preenchida
A1 - O tema se apresenta com uma esquerda ainda mais com acordes para imprimir maior
em arpejos de colcheias e semínimas, como peso e mais densidade a esse momento;
em geral acontece em todas as canções. A3 - Se repete como no A2 e se encaminha
Alguns acordes preenchem a melodia; para a Coda;
A2 - A esquerda agora se movimenta mais, Coda - A introdução se repete, agora
basicamente em colcheias durante todo o acrescentando mais um compasso e
tempo, dando mais movimento ao tema; preparando o final.

teclas & afins maio 2019 / 57


arranjo comentado

“Beatriz”
Arranjo: Rosana Giosa Edu Lobo - Chico Buarque

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58 / maio 2019 teclas & afins


arranjo comentado

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teclas & afins maio 2019 / 59


arranjo comentado

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40

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44

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48

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60 / maio 2019 teclas & afins
arranjo comentado

B B  +7 E  maj7(6/9) A7
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52

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56

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 9)


Am7 A7(


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60

 
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A3

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Gdim/D Dmaj7 Dmaj7 Em7


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64

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teclas & afins maio 2019 / 61


arranjo comentado

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Gmaj7


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68

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72

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Bm7 D7/C

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76


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 9)
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A7sus4 A7sus4 A7( A+7



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80

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62 / maio 2019 teclas & afins
arranjo comentado

D6/F 
Coda

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G9 Em7 A7sus4 Dmaj7

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84

 
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   
          
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9 6 Em 7 A sus 7 4 D 6/9

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88

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

Rosana Giosa
Pianista de formação popular e erudita, vive uma intensa relação com a música dividindo seu trabalho entre
apresentações, composições, aulas e publicações para piano popular. Pela sua Editora Som&Arte lançou três
segmentos de livros: Iniciação para piano 1, 2 e 3; Método de Arranjo para Piano Popular 1, 2 e 3; e Repertório
para Piano Popular 1, 2 e 3. Com seu TriOficial e outros músicos convidados lançou o CD Casa Amarela, com
composições autorais. É professora de piano há vários anos e desse trabalho resultou a gravação de nove CDs
com seus alunos: quatro CDs coletivos com a participação de músicos profissionais e seis CDs-solo.
Contato: rosana@editorasomearte.com.br

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teclas & afins maio 2019 / 63


mundo gospel POR andersen medeiros

Tocar com banda:


timbres e performance
Não basta saber acordes, escalas, campo harmônico, riffs,
improvisação, conhecer diversos estilos musicais, ter um
repertório robusto com muitas músicas, ter muita habilidade
e ainda um teclado com muitos timbres, se o músico não
souber como utilizar tudo isso.

Todo músico precisa extrair o melhor de Estilo musical


cada timbre, fazendo uso dele na hora certa Quando se altera o estilo de uma
e de forma correta de acordo com o que ele música, não só a performance pode ser
pede, mas tudo depende da situação ou do modificada, mas também os três elementos
contexto em que o músico está inserido, se fundamentais: melodia, harmonia e ritmo.
sozinho ou com banda. Por exemplo, se uma música de compasso
quaternário simples for modificada para o
Dinâmica estilo de blues - que tem em sua essência
No que diz respeito à dinâmica, a um compasso composto e na harmonia a
performance do músico vai depender da aplicação da sétima menor ou dominante
parte em que a música está. Gostaria de -, naturalmente a melodia e os movimentos
conjecturar de forma bem simples sobre de performance serão alterados por causa
as partes da música para nos ajudar a do ritmo e da harmonia.
entender como se portar musicalmente. A
divisão atual da música cantada na igreja - Prática com banda
e em outros segmentos – é: estrofe, refrão O que vamos falar aqui é algo voltado
e ponte. Gosto de pensar que essa divisão especificamente para a performance
é como se a música estivesse transmitindo dos timbres. Nosso interesse em falar
a mesma mensagem de formas diferentes, apenas sobre os timbres é fundamentado
em que a estrofe faz uma introdução (com na realidade deficiente que vivemos
uma dinâmica suave), o refrão seria o atualmente na igreja, em que os músicos
ponto culminante (em que a mensagem é não se olham enquanto tocam e, muitas
transmitida com todas as forças) e a ponte vezes, não se escutam, o que faz que
seria a parte onde se dá ênfase na mensagem toquem a mesma coisa gerando conflitos.
(com uma abordagem intermediária, Posso citar aqui uma das cenas que
apontando de volta para o refrão). presenciei repetidas vezes: um pianista/

64 / maio 2019 teclas & afins


mundo gospel

tecladista tocando na banda de uma igreja, Desse modo, todos aprendem a como se
que, ao mesmo tempo, entrou em conflito portar ao tocar em grupo. Quando um músico
com baixo, violão e guitarra. Ele estava toca seu instrumento acompanhando o
usando o timbre de Piano tocando na região solo de alguém, tanto vocal quanto de
médio-grave do teclado, o que conflitava outro instrumento, ele está desenvolvendo
com o baixo, com a distorção da guitarra e a prática de acompanhamento. Nesse caso,
com as batidas do violão. E, para completar, será necessário explorar ao máximo as
estava usando um timbre que não favorecia frequências do instrumento para preencher
em nada o momento da música. Acredito a ausência delas nos outros instrumentos.
que esse problema acontece pelo fato de Isso se aplica de igual forma a qualquer outro
que na relação entre aluno e professor, instrumento de harmonia, como o violão
em geral, o conteúdo estudado é sempre ou a guitarra, quando o músico precisa ser
relacionado ao instrumento como um mais virtuose para preencher a necessidade
todo, mas limitado à prática individual do rítmica, harmônica e até mesmo melódica,
instrumento e não coletiva. E isso ocorre em aplicando dedilhados ou levadas na região
todos os instrumentos. médio-grave, riffs ou frases nas regiões médio
Em grandes universidades de música, como a e agudo, e mantendo o ritmo com grooves
Berklee nos Estados Unidos, cada aluno, não para suprir a ausência dos instrumentos de
importando o instrumento, é direcionado percussão.
para a prática de banda com um instrutor, Como exemplo muito claro de tudo isso
onde terá músicos de outros instrumentos. que estamos falando, temos o cantor João

© Tyler Milligan

teclas & afins maio 2019 / 65


mundo gospel

Alexandre, que faz apresentações apenas um deles, aplicando em músicas com estilo
com o seu violão, e o faz de forma sensacional, romântico, como é o caso das músicas que
com um virtuosismo completo. Apesar de chamamos de “Adoração”. Nesta edição,
ser uma demonstração com violão, em uma vamos abordar várias situações que
revista que fala de teclas, expressa muito ocorrem em músicas que chamamos, na
bem tudo que falamos. igreja, de “Celebração” ou “Louvor”, que são
Outra demonstração da liberdade que um músicas mais ritmadas. No cenário musical
músico tem ao tocar o seu instrumento atual, podemos perceber que, em geral,
sozinho, podendo explorar todas as regiões o estilo que predomina nos “Louvores” e
do timbre de piano e preenchendo o “Celebrações” é o pop rock, e é esse estilo
vazio deixado pela ausência dos outros que vamos utilizar nas aplicações.
instrumentos, pode ser vista em uma
performance minha e do saxofonista Tutorial de timbres e performance
Abdenego da Guia. Esse é o tipo de Vamos trabalhar com uma progressão de
performance que não se pode fazer quando quatro acordes na tonalidade de Lá maior
se toca com uma banda. (A - E - F#m - D), que vamos separar em
dois momentos de dinâmica semelhantes
Celebração, Louvor e Adoração a estrofe e refrão de uma música de
Há algumas edições, falei sobre três “Celebração” e divididos em vários formatos
timbres - Piano, PAD e Strings - dando uma de banda. Vamos trabalhar com os timbres
noção sobre algumas formas de usar cada de Piano Rhodes, E. Piano, Pad e Organ.

João Alexandre: e xemplo de virtuose acompanhador

66 / maio 2019 teclas & afins


mundo gospel

Abdenego da Guia e Andersen Medeiros: piano preenchendo espaços

Estrofe Teclado e bateria - Esta é a situação que


Nesta parte inicial do tema, queremos mais exige do músico, onde ele precisa
reproduzir a dinâmica suave e discreta da ser mais pianista que tecladista, e é
música, em que a bateria está moderada quando o virtuose se realiza e o iniciante
sem muitas evoluções. Vejamos as possíveis ou intermediário sofre. As duas primeiras
situações em que um tecladista pode se situações eram mais confortáveis para
encontrar. músicos iniciantes ou intermediários -
pelo fato de não ser necessário tanto
Banda completa - Neste caso, se deve virtuosismo -, mas, por outro lado, o
suprimir qualquer aplicação na região grave tecladista avançado precisa suprimir
para não chocar com o contrabaixo. Deve- sua habilidade para preservar o melhor
se também evitar as levadas ou dedilhados resultado coletivo.
para não chocar com o violão ou guitarra.
Aparentemente, não sobra nada para o Refrão
teclado, no entanto, o ambiente é propício Podemos preservar as mesmas situações
para o uso do PAD e o Piano Rhodes de aplicação que reservamos para a estrofe
obedecendo e respeitando a performance com a diferença de que o timbre agora
de cada instrumento. será Organ.
No vídeo tutorial, podemos ver a aplicação
Baixo e bateria – Aqui, o tecladista tem das possibilidades citadas acima e as
liberdade para criar levadas e frases para possibilidades de performance
suprir a ausência do violão e da guitarra, para cada timbre, como os
mas continua evitando os graves por causa tipos de movimentos, frases ou
do baixo. levadas.

teclas & afins maio 2019 / 67


mundo gospel

Conclusão No fim das contas, não adianta ter tanto


Sem dúvida, a lição que extraímos conhecimento, habilidade ou virtuosismo
desse conteúdo é que saber tocar não é se o som não agrada. O músico não precisa
suficiente: é necessário saber se portar em ter apenas conhecimento e habilidade,
cada contexto musical usando o timbre mas também percepção e sentimento
apropriado e aplicando os melhores para saber se portar em qualquer contexto
movimentos. Já ouvimos falar de músicos musical com timbres e performance.
que mesmo sem muito estudo conseguem
tirar do instrumento uma sonoridade
fascinante e, às vezes, infinitamente melhor
que outros com muito conhecimento.

Andersen Medeiros
Pianista, arranjador e compositor, iniciou seus estudos de piano clássico no curso de extensão da UFAL – Universidade
Federal de Alagoas, em seguida migrou para o estudo do piano moderno, em 2010 e 2013 foi palestrante do Congresso de
louvor e adoração – LOUVAÇÃO para músicos em igrejas do Estado de Alagoas. Em 2014, em viagem missionária à Cuba teve
participação na orquestra norte americana “Celebration” conduzida pelo maestro Camp Kirkland. Hoje, atua como professor
do site PianoFlix, uma plataforma de ensino para piano solo e acompanhamento por ouvido. Ensina piano online por skype à
alunos no Brasil e no exterior, pianista e líder de músicos na Igreja Batista Koinonia em Maceió, e pianista da banda TLB – The
Last Band, um projeto embrionário de jazz moderno.
www.pianoflix.com.br

68 / maio 2019 teclas & afins


vida de musico por WAGNER CAPPIA

Você está pronto?


Pois bem, viramos a chave, mas e agora, o que vem depois?

Na edição anterior de Teclas & Afins, falamos (e passou todos os perrengues), olhe para
sobre o árduo processo de “virar a chave” você e responda: “Eu estou pronto?”.
para o mundo da música. Excetuando Mas, o que é afinal estar pronto? Como eu
alguns poucos privilegiados, aqui no disse acima, apesar de toda dificuldade, se
Brasil, uma grande parte dos músicos você trabalhar duro, é muito possível que
inicia a carreira em atividades formais e, a chegue lá. Estar pronto significa que, uma
certa altura, migra para a carreira musical. hora ou outra - usando uma expressão que
O processo, como eu disse, tem inúmeros acredito fazer muito sentido -, “o telefone
desafios, porém, com persistência e uma vai tocar”. Nessa hora, não haverá tempo
boa dose de coragem e sangue frio é bem para “correr atrás”, nem para desculpas por
possível chegar onde você quer. que você está “na correria”. Ou você está
Pois bem, viramos a chave, mas e agora, pronto, ou dará lugar para o próximo da fila.
o que vem depois? A primeira pergunta Sim! Duro assim! Sem segundas chances,
que precisamos ter em mente é: “Eu estou sem “brodagens”, sem “molecagens”.
pronto?”. Bem, geralmente a resposta é Sejá lá qual for sua especialidade, o
“não”. Se for “sim”, reavalie e peça para instrumento, a voz, não importa, você
pessoas do ramo te ajudarem a responder, precisa estar muito bem treinado para
ou use o poder da observação para isso. assumir um compromisso hoje e resolver o
Compare-se com seus ídolos - não no problema. Não é amanhã nem o mês que
palco, mas fora dele -, saiba como eles vem: é hoje. Um grande amigo meu, que
trabalham, suas posturas, suas rotinas de este ano sobe ao palco do Rock´n´Rio (e
estudos, esteja próximo de quem já cresceu já pisou no Lollapalloza e outros eventos

© Elena G @unsplash.com

teclas & afins maio 2019 / 69


vida de musico universo progressivo

©Christian Spie @unsplash.com


monstruosos), recebeu uma ligação em colaborativa e não somente por interesse
uma segunda-feira, para um ensaio teste pessoal. Deve haver disponibilidade, troca,
na terça-feira. Nesse ensaio, ele deveriaparceria... Assim, as pessoas certas (que
tocar um set completo de músicas do são parceiras, disponíveis etc.) estarão ao
artista, além de utilizar um pad digital seu redor e, melhor, podem e vão agregar
para reproduzir a sonoridade exata de valor à sua persona. Mas nunca se esqueça:
cada música (pad esse que ele não tinha enão adianta ter uma relação próxima com
sonoridades essas que foram enviadas com alguém influente se você não está pronto,
erros de edição grosseiros para que ele ou, pelo menos, não deixe claro quem você
corrigisse e utilizasse). Foi uma noite longa,
é e em que estágio está. Não podem haver
mas, no dia seguinte, ele estava lá, pronto,
surpresas, geralmente negativas, o que fará
com pad, timbres corrigidos, tocando tudoque aquele contato incrível se torne um
o que precisava. ponto de resistência igualmente incrível
para sua escalada. Seja limpo, sempre.
Networking Para criar um networking, é preciso ser
Além da competência musical, foi alguém, em evidência ou não, mas alguém,
necessária uma habilidade de organização ter uma persona delineada. O artista
dos trabalhos, foco e um elemento que é não pode ser comum, não precisa ser
vital: networking. Ninguém é ninguém necessariamente extravagante, mas não
sozinho nesse meio. Nem - e muito menos pode ser comum.
- um artista solo, antes que você pense Não existe uma regra para isso. Não se pode
nisso. O networking leva tempo para ser - ou não se deve - focar nas pessoas pela
construído, trabalhado de forma limpa e sua evidência apenas para tirar proveito.

70 / maio 2019 teclas & afins


vida de musico

Ser colaborativo com todos a sua volta, informação relevante. Não tenha preguiça,
“celebridades” ou não, é o que fará seu nunca! Invista em equipamentos, roupas,
networking poderoso e fará que os mais acessorios, conhecimento e estude, estude
experientes te respeitem pelo que você é e mais e mais, pois um dia irão te perguntar
executa, não pela sua lábia. como foi quando o telefone simplesmente
Mas, de novo, um poderoso networking tocou e era o manager de um grande artista
não vai ajudar muito se, quando o telefone do outro lado da linha. Espero de coração
tocar, você não estiver pronto. Estude muito. que a sua resposta seja: “demorou anos
Estude música, técnica, comportamento, para eu me tornar alguém da noite para o
tendências, referências (por cronologia), dia, mas neste dia, eu estava pronto”.
novos artistas, produções, estilo,
visual, redes sociais, seja obcecado por

Wagner Cappia
Iniciou seus estudos em piano clássico em 1982, com formação pelo Conservatório Dramático Musical
de São Paulo. É sócio-diretor do Conservatório Ever Dream (Instituto Musical Ever Dream), tecladista,
compositor e arranjador da banda Eve Desire e sócio-proprietário e responsável técnico do estúdio
YourTrack. Músico envolvido na cena metal, procura misturas de estilos que vão desde sua origem natural
na música erudita até a música contemporânea, mesclando elementos clássicos e de ambiente em suas
composições. Especialista em tecnologia musical, performance ao vivo para tecladistas, coaching para
bandas, professor de piano, teclado e áudio.
www.cappia.com.br - www.evedesire.com - www.institutomusicaleverdream.com

teclas & afins maio 2019 / 71

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