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VOLUME II
COMUNICAÇÕES
GUIMARÃES . 1981
A COLEGIADA DE GUIMARÃES
NA ACEITAÇÃO DO CONCÍLIO DE TRENTO
por
RAUL DE ALMEIDA ROLO
31
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como em Cristo não se pode afirmar o puro Deus com prejuízo da realidade
do homem verdadeiro, nem afirmar o puro homem com exclusão do Deus
verdadeiro, assim também na Igreja terrestre se não pode afirmar a
dimensão estrutural e social em detrimento do seu mistério de graça, nem
acentuar a realidade mística de forma que apaguemos a sua estrutura
visível e operante no mundo.
Sendo assim, a Igreja tem de abrir caminho na história terrena por
entre Cila e Caríbedes, entre a tentação da mundanidade e a heresia dos
que pretendem reduzi-la a entidade puramente espiritual. A dificuldade da
Igreja em avançar por essa rota estreita, em perfeito equilíbrio com o
divino e o humano, está bem patente nas sucessivas crises que padeceu,
abundantemente documentadas na sua história.
A iniciativa dessas crises tem pertencido quase sempre ao encalhe no
escolho do mundo. Depois, surgem formas extremas de evangelismo místico
e, finalmente, .perante o contraste das oposições, vem uma época de reflexão
e síntese, por um movimento de reforma em busca do justo equilíbrio.
Quando a Igreja se mundanizou, contaminada pelo feudalismo, surgiu
o movimento espiritual ortodoxo de Cluny e culminou na Reforma Grego-
riana, passando pela luta das investiduras.
Mas o triunfalismo de Cluny, por sua vez, ocasionou o novo movimento
espiritual de Cister. O confronto de ideais veio para a rua em polémica
aberta com a censura de Pedro o Venerável aos dissidentes3 e a contra-
-ofensiva de Bernardo de Ciar aval4, paladino da simplicidade e pobreza
evangélicas.
Porém, os próprios Cistercienses, elogiados por Inocêncio III, assim
como Gregório VII louvara Cluny, se deixaram seduzir pela grandeza,
reflexo de uma Igreja potente na fase áurea da Cristandade, vivida de
Alexandre m a Inocêncio III, o Papa do IV Concílio de Latrão, o «Concílio
Geral», como por antonomásia ficou designado, cuja influência tanto se
havia de fazer sentir na Igreja, pelas medidas tomadas em favor do incre
mento das ciências sagradas e da pregação evangélica5.
Com tanta grandeza, esplendor e poder, a Igreja já estava carecida
de nova onda de espírito de pobreza e humildade. O movimento mendicante,
6 «Impius Lutherus om nia haec irridet dicens quod ita bene habet claves E cclesiae
unus sutor sicut beatus Petrus» (Bartholom aeus, Scrip. súper 4um Sent.-Suppl., q. 17, q.* 1.*
[TS 6, 886]).
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HERANÇAS DO PASSADO
7 «E cclesia deform ata valde est, quae rigorosa et dolorosa reform atione indiget. Nam
sicut unum membrum suo loco distractum in corpore non potest ad rectitudinem absque
dolore reduci, ita res deform atae in E cclesia» (CT IX, 502).
8 Protesto que fez o Cabido no Cone. Prov. Brac. (AHUM, Gav. conc. sin., 15, f. 2v).
9 O Núncio Zam beccari inform ou o P apa das diligências da Corte portuguesa, e o
P apa chamou o Card. M ontepoliciano e disse-lhe: «Vedes isto? O Em baixador m ata-m e
por esta legacia do Cardeal e vós tam bém m e fazeis por isso instância, e se o Cardeal
faz isto não podendo, que fará se tiver m ais poder?» (Carta de D . Afonso de A lencastre
a D . Joãon, de 20 de M aio de 1553 — CDP VII, 228).
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Pio IV, dois meses antes da reabertura do Concílio, enviou uma instrução
ao Cardeal Simonetta, o Legado da sua maior confiança em Trento, na qual
lhe recomendava que o Concílio se empenhasse em concluir as questões
dogmáticas, porque — dizia — «a reforma dos abusos já está feita em grande
parte, ou tão desbastada que facilmente se pode concluir» 10. E nò Consis
tório de 6 de Dezembro de 1561 o Papa reservou para si a reforma da
Cúria, «porque — afirmou — não parece razoável que o Concílio nem outros
se intrometam nela» n .
Bartolomeu dos Mártires chegou a Trento com um conceito diametral
mente oposto acerca deste assunto. Nos seus votos de 25 e 26 de Fevereiro
de 1562, consente na prorrogação da próxima sessão do Concílio «se entre
tanto — insiste repetidamente — se tratar da reforma, ainda que os dogmas
fiquem para trás, pois a Igreja* e o mundo estão muito mais precisados desta
do que daqueles»12. E, quanto à reforma da Cúria pelo Concílio, ficou
célebre o seu requerimento de um «ilustríssimo capítulo para os Ilustríssimos
cardeais, pois — acrescentou — nós, bispos, aprendemos deles e os inferio
res de nós» 13.
O Bracarense não esperou pela abertura do Concílio para manifestar
as suas ideias' reformistas e procurar atrair os colegas ao seú' ideal. Por
isso, não nos surpreende que Múcio Calino, Arcebispo de Zara, embora
da linha dos «reformadores humanistas», tenha denunciado, para Roma, o
Bracarense «por falar muito livremente» nos problemas da reform a14.
Nos debates conciliares o tema da reforma assumiu o devido relevo,
e, para remate, quase no fim do Concílio, Bartolomeu foi passar dezassete
dias a Roma.
O seu nome, evocado frequentemente na correspondência conciliar, já
era bem conhecido nos círculos vizinhos ao Papa e sobretudo de Carlos
Borromeu. O Bracarense estendeu a Roma a sua campanha reformista:
10 J. Susta, Die Rõmische Kurie und das Konzil von Trient unter P.ius IV (V iena,
1904-1914), n , 117.
11 A visi di Roma, 6 de Dezem bro de 1561 (Bibl. Vat., 'Urb. la t .\ m s. 1039, f. 137).
12 CT V n i, 353, 359; Carta dos Legados, 3.2.562 (ASV Cone., 53, f. 462).
13 CT H l ,117; IX, 812.
14 « [...] ho digià udito dire questo A rcivescovo B racarense parla m olto alia libera
in questa m atéria, et che ha com posto un certo suo libro pieno di querele per li gravam i
che pretende d’haver nel governo delia sua c h iesa » . (Carta ao Card. Cornaro, de 10 de
Novem bro de 1561 — ASV Cone., 70, f. 40).
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15 «M onsignor B racarense è tom ato tanto ben sodisfatto delle cose d i Rom a che
non si potrebbe dir piu: non cessa di predicare la pietà ed ottim a intenzione di Nostro
Signore, e fa certo ognuno che niuna cosa può essere piu cara a Sua Beatitudine che
1’attendere a fa re una buona ed utile riform a; e questo m edesim o afferm a delia m ente
di Mons. IUm.° Borrom eo, e di alquanti altri signori del Sagro Collegio, con i quali ha
parlato di questo bisogno» (Carta de 1 de N ov. de 1563 — ASV Cone., 69, f. 236).
w CT m , 744.
17 CT IX, 916-917.
16 «D isse ancho Mons. B racarense, il quale a fatto cosi grande rilazione d el desiderio
ardente che ha Sua Santità d elia riform a et parim ente Mons. Hlm.° Borrom eo, che ha
com m ossi et a ccesi gli anim i di tutti a questa santa opera» (Carta de 4 de N ov. de 1563
— ASV Cone., 69, f. 236).
19 «Esso [1’A rcivescovo di B raga] m ostra di continuar nel proposito de voler far bene,
m a si duol tanto che sia interpretato m ale questo suo buon animo [ ...], che, si dalla
m ano di N. S. non viene presto qualche tem peram ento, dubito che a lungo andare non
ce lo perdiamo» (Carta do Bispo de Viterbo a P io IV, de 9 de Dez. de 1562 — in H. Jedin,
Krisis un Wendepunkt des Trienter Konzilst pp. 129-130).
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GUIMARÃES
22 «Porque acham os por inform ação que alguns cónegos da dita igreja não são
ordenados de ordens sacras e de m issa [ ...], no que querendo prover m andam os aos ditos
cónegos que, em term o de um ano, os que forem de idade para isso, se ordenem»
(V isitação de 1560 — ANTT, Colegiada de Guimarães).
23 J. A. Ferreira, Fastos Episcopais da Igreja Primacial de Braga,, c. VIII, 'Dr. F r.
Agostinho de Jesus', t. m , 112.
23“ Tit. VII, const. 1. • ’
24 Cf. V isitação de 1577, in BTH, vol. X (1945-46), p. 3.
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O SÍNODO
25 Form a do Sínodo diocesano bracarense, ano de 1564 (AHUM, Gav. conc. sin., 13).
26 Lê-se no colofão: «Acabouse esta obra / Aos 14 dias do m es Doutubro / de 1564».
27 L ê-se no colofão: «Acabouse de imprimir / o presente Catechism o na cidade de
B raga / em casa de Antonio de M aris Em pressor / do Senhor Arcebispo, aos IH I de /
Novem bro, 1564».
28 Form a do Sínodo ... (AHUM, Gav. conc. sin., 13, p. 23). ....
29 Ibid., p. 5. ’
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contrário fizesse do que eles tinham determinado de ser dali lançado igno
miniosamente» 30. Nas conversas privadas, dizia-se mais ou menos a meia
voz que, quanto à reforma, Trento era um «Concílio de Satanás» 31, onde
«não havia de estar o Espírito Santo, mas que estaria o demónio»32.
O zelo e firmeza do Arcebispo tinham de chocar violentamente com tais
disposições e determinação. Talvez os membros da Colegiada de Guima
rães, embora não gostassem de perder regalias, ficassem surpreendidos
com o alvoroço que, na manhã do dia 12, se levantou na Sé, atraindo a ela
a vizinhança, de forma que Bartolomeu teve de mandar fechar as portas33.
Com a Sé a regurgitar de clero, o Arcebispo proclamou que «em minha
pessoa e de todos neste Sínodo juntos que comigo concordem [...], porque
o Sagrado Concílio Tridentino foi legitimamente congregado per autoridade
do Santo Padre e por ele pubricado, portanto eu creio e confesso todos os
decretos de fé [...] e recebo todas as suas leis e decretos positivos, enquanto
a Sé Apostólica não dispuser outra cousa acerca deles»34.
À proclamação do Primaz replicou imediatamente o cónego doutor
João Afonso com uma arenga a demonstrar «que o Sagrado Concílio não
fora feito nem era necessário para esta província»35.
Escusamos de reproduzir o acutilante diálogo entre o Arcebispo e o
doutor João Afonso, sem se concluir coisa alguma, sobre se este aceitava
ou não o Concílio.
Esta atitude de João Afonso, porta-voz dos procuradores do Cabido,
em obediência a decisões tomadas já antes do Sínodo, lembra-se aqui porque
deu origem a uma clarificação requerida pelo Arcebispo a qual nos permite
conhecer individualmente a posição de alguns membros da Colegiada de
Santa Maria de Oliveira.
Provocado pela obstinada recusa do doutor João Afonso em declarar
se recebia ou não o Concílio, o Arcebispo mandou «a todos os que presentes
estavam que se não saíssem e que cada um por si claramente fosse declarar,
dentro da capela-mor, se aceitava o dito Concílio, porque ele estava nela
se ibid., p. 15.
37 « [...] habuique praecipuos contradictores ac perturbatores Synodi eos quos, in
prim is, habere debueram coadiutores, nem pe capitulares m eos qui detractant recipere
Sacrum Concilium quoad decreta pisitiva ad reform ationem pertinentia, et nonnisi
tim ore perculsi tandem acceptaverunt, excepto uno m agno eorum duce, Ioanne Alphonso,
Doctore canonico ex hebraeis originem ducente, qui usque hodie recipere detrectat» (Carta
de Bartolom eu a S. Carlos, d e 18 de N ov. de 1564 — Bibl. Ambros., F . 36, f. 676).
38 Form a do S ín od o... (AHUM, Gav. conc. sin., 13, p. 9).
33 Ibid., p. 60.
40 Ibid.
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EXAMINADORES SINODAIS
Ibxd:, p. 12.
42 «Inchoandum esse ab exam ine episcoporum , quod nisi fia t n ascit [B racarensis]
unde incipiendum , .cum hic canon et sem inarium sint praecipuae colum nae huius refor-
m ationis» (CT II, 864).
43 Form a do S ín od o... (AHUM, Gav. conc. sin., 13, pp. 16-17).
44 «Logo per Sua R evm .a e per alguns desem bargadores que pera isso deputou com
sêus notairos foram tom ados os pareceres de todos os que presentes estavam ao dito
sínodo» (Ibid., p. 21).
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« ibid., p. 98.
46 «Os que reprovam todos: ... item o cónego F rancisco Lião, por não serem pera
isso» (lbid., p. 85).
47 lbid., p. 90.
48 «Item, o dito Chantre votou por Dom M anuel de Azevedo, com endatário d e São João
Dalpendorada e abade das igrejas de S. Cristóvão de Mondim e Santa O vaia, e em nom e
de Libério da Costa, tercenairo nesta Sé e de Cristóvão da Costa, com endatário de
Santa M aria de Oliveira» (lbid., pp. 85-86).
49 lbid., pp. 85 e 88.
so lbid., p. 104.
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JUÍZES DELEGADOS
« Ibid., p. 22.
52 ibid.
53 Ibid., p. 23.
54 «E logo Sua Senhoria se foi ao tesouro e se vestiu em pontifical e ordenou pro
cissão solene [ ...], e form a pela rua do Souto acim a até à herm ida de N ossa Senhora a
Branca onde, feita a oração acostum ada, se tornaram» (Ibid., pp. 26-27).
55 Ibid., p. 27.
A COLEGIADA NA ACEITAÇÃO DO CONCÍLIO DE TRENTO 495
VISITAÇÕES *
significava mais de trezentas e quinze visitas cada ano, andando num rodopio
constante de igreja em igreja 60.
No meio desta azáfama, porém, aparece-nos privilegiada a Colegiada
e vila de Guimarães. Não se conservaram todas as Actas de visitação à
Colegiada, nem as das igrejas suas anexas, S. Paio e Santa Eulália, e nem
sequer notícia nos chegou de todas elas. Mas sabemos, ao certo, que visitou,
a Colegiada com muita assiduidade. Possuímos as Actas das visitações de
1560, 65, 67, 68 e 77. Mas nas Actas de 77 há referência concreta à visitação
de 76, e aparece a significativa censura aos não residentes em suas paró
quias, apesar de já ter sido mandado «em muitas visitações».
Se, além das Actas das visitações à Colegiada, tivermos em conta as
Actas conservadas ou referidas nas visitações às outras igrejas de Guima
rães, especialmente às anexas, S. Paio e Santa Eulália, verificamos que,
a partir de 156461, ano do regresso do Concílio, o Arcebispo esteve todos os
anos em acto de visitação até 1581, mesmo já depois de haver pedido a
resignação à mitra bracarense 62. Como era seu timbre, actuou até ao fim
com zelo e solicitude exemplares, a ponto de, ainda em 1581, privar da
paroquialidade de Santa Eulália o seu cura Domingos Antunes63.
60 « [...] ele anda todo o ano visitando a s terras do arcebispado» (Carta ânua dos
Jesuítas, de 1563 — ANTT, m s. liv . 690, f. 9v).
61 D a visita a S. P aio, em 1564, ficou-nos este documento: «Encomendamos ao Senhor
Dom Prior e m andam os ao Cabido que até São João cumpram o m andar fazer a igreja
de novo, no lugar da erm ida de S. Sebastião, pela m uita necessidade que dela há e
causas que nos a isso m overam quando a m andám os fazer na visitação que fizem os nesta
igreja no ano de sessen ta e quatro» (V isitação a S. P aio em 1567).
Tam bém se não conservam as Actas da visita a Santa E ulália em 1572, m as na visita
de 73 lem os: «Porquanto não acham os nesta igreja a visitação que fizem os nela o ano
passado de setenta e dous [...]» (V isitação a S. O vaia de 7 de N ov. de 1573).
D a v isita à Colegiada em 1576, escreve assim nas Actas da d e 77: «Na visitação
passada do ano setenta e seis m andám os a B altazar Anriques [...]» (in BTH, vol. X
[1945-46], p. 2).
62 a suplica de resignação à m itra bracarense está datada em Tomar a 5 de Maio
de 1581, e das visitas em terras de G uim arães ainda se conservam a s Actas de S. Sebas
tião, a 23 d e A gosto de 1581, de M ascotelos e Creixom il em 31 e a Santa E ulália e
Azurém em 1 de Setem bro (AHUM, Est. das Visitast m aço do M ontelongo e G uim arães).
63 «Mandamos a vós Dom ingos Antunes, cura desta igreja, que em term o de oito
dias pareçais perante nós sob pena de suspensão de vossas ordens ipso facto». Segue um
aditam ento :«e sob a dita pena não curareis m ais esta igreja porque da cura e regim ento
dela vos tem os privado» (V isita a S. O vaia, 1 de Set., 1581 — AKUB, ibtd.).-
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64 Cf. Actas in BTH, vol. IX, 194344, pp. 97-150; vol. X, 194546, pp. 1-10.
65 Cone. Prov. Brac. IV, Act. IV, P . II, 'D e vita et honestate clericorum*.
66 ANTT, Gav. 19, m . 8, n. 24.
67 V isitas de 1567 e 1570 (AHUM, Est. das Visitas, m aço de M ontelongo e G uim arães).
68 CT IX, 916-917.
69 «De sem inário quod om nino fia t. E t si aliter non potest, fia t sum ptibus parentum
sem inarium istud» (CT III, 618).
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rães 73, sendo apurados como principais responsáveis pelo desacato Miguel
de Almeida e Bartolomeu Dias, criados do Mestre-escola 74.
Por lamentáveis que sejam tais episódios, enquadrados no tempo perdem
o significado que hoje poderiam ter. Razões idênticas provocaram a tenta
tiva de envenenamento do Papa S. Pio V e a agressão, à arcabuzada, a
S. Carlos Borromeu.
A fundação e manutenção dos seminários representou sempre um pesado
encargo para as dioceses e, quando as receitas haviam de ser auferidas
dos benefícios eclesiásticos, esse encargo recaía exclusivamente sobre o
clero. Não nos surpreende, portanto, que, em fins de 1577, o colector
Roberto Fontana denuncie para Roma os bispos portugueses, excepto o
Arcebispo de Braga, de não terem ainda dado ordem ao seminário 75. E que
na França fosse preciso esperar quase um século para Bourdoise alcançar
do Rei, em 1631, autorização para ensaiar um seminário paroquial76.
No IV Concílio Provincial Bracarense, os opositores do seminário dis
seram muito claramente aos bispos da Província eclesiástica que «quando a
alguém parecesse necessário [o seminário] devia sustentá-lo à sua custa» 77.
Esta voz não foi de Guimarães, mas a Colegiada parece ter pautado
por ela a sua política em relação ao seminário. Efectivamente, a Sagrada
Congregação do Concílio, em documento de 1580, dá ordem ao Arcebispo
para intimar as Colegiadas de Guimarães e de Barcelos a se justificarem
perante ela, no prazo de quatro meses78, pois recusavam a contribuição
73 D evassa sobre desacatos em G uim arães (AHUM, Col. cron.} cx. 47, d. 4, 30.X.1576).
74 Cf. J. A. F erreira, Fastos Episcopais da Igreja Primacial Bracarense, c. VIII,
‘D. F r. Bartolom eu dos M ártires', t. III, p. 58, nota 1.
75 «Sciat Sanctitas V estra quod in R egno Portugaliae, excepto Archiepiscopo Bracha-
rensi, nullus praelatus erexit collegium sem inarii ad pueros pauperes alendos e x reditibus
ecclesia sticis [...]» (ASV, Num. Fort., 1, f. 51).
76 P . Broutin, La réforme pastorale en France au XVII siècle (P aris, 1956), II,
c. 12, p. 191.
77 Protesto que fez o C ab id o... (AHUM, Gav. conc. sin., 15, f. 6v).
78 «Revm e. Dne. Quoniam capitula illa collegiatarum ecclesiarum oppidorum de Gui
m arães et B arcelos adhuc sem inário contribuere recusant, nec tam en quidquam m om enti
adduxerunt adversus probata abste (sicu t in lib ellis his litteris coniuncto exponitur) idcirco
Sacra Congregatio Cardinalium Tridentini Concilii interpretum Amplitudini Tuae scribendum
censuit, ut eisdem capitulis intim ari iubeas, ut intra quatuor m enses (quem terminum eis
peremptorium assignabis) coram eadem Concilii Congregatione deduci et allegari faciant
quicquid praetendunt, quominus ad contributionem teneantur. Quare Amplitudo Tua ita aget,
et bene in Domino valebit. R om ae, die XX D ecem bris 1580. Am plitudinis Tuae uti frater,
Philippus Boncom pagnus, Card. Sti. X isto (AHUM, Col. cron., cx. 47, d. 15).
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82 «Est enim visitatio quasi anim a episcopalis regim inis, quoniam per eam pastor
se diffundit et expandit omnium suarum ovium commodis et utilitatibus» (Bartholom aeus,
Stimulus Pastorum, P . n , c. 1, p. 139).
83 Cf. L. de Sousa, Vida de D. Frei Bartolomeu dos Mártires, liv. 1, c. 15 (I, 98);
liv. 3, c. 12 (II, 114-115); ib., c. 21 (II, 157-158).
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84 Protesto que fez o C ab id o... (AHUM, Gav. conc. sin., 15, f. 6r).
85 Carta ânua d e 1573 (ANTT, m s. liv . 690, f. 9v).