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Notas de aula - http://fisicacb.blogspot.com/

Espectrômetro de massa
Espectrômetro de massa é um aparelho usado para identificar átomos ou moléculas e medir suas massas.
Estes aparelhos usam campos elétricos e magnéticos para acelerar e fazer desvios nas trajetórias das partículas.
Conceitos básicos:
Força elétrica sobre uma partícula com carga “q” sob um campo elétrico “E”:   

Força magnética sobre uma partícula com carga elétrica “q” penetrando com velocidade “v” numa região
onde há um campo magnético “B”: 
   

Partículas com cargas elétricas de sinais contrários (positivas e negativas) são desviadas em sentidos
opostos sob qualquer destes campos.
O campo elétrico pode alterar a energia cinética das partículas, o campo magnético não (apenas produz
desvios nas trajetórias).
Partículas carregadas descrevem trajetórias circulares quando penetram em regiões onde o campo

magnético é uniforme e perpendicular à direção de incidência. Trajetória circular de raio R:  

Se as partículas tiverem mesmas cargas e velocidades, mas massas diferentes, o raio da trajetória
das mais pesadas é maior.
Se as partículas tiverem cargas e massas iguais, mas velocidades diferentes, o raio da trajetória
das mais lentas é menor.
As partes básicas do espectrômetro de massa são: fonte de íons, sistema de aceleração com campo elétrico,
câmara de deflexão magnética e detectores. Esta técnica também permite determinar e separar diferentes tipos
de átomos ou moléculas presentes numa substância.
Para fazer as medidas das massas dos átomos ou moléculas precisam-se produzir íons destas partículas, já que
elas são naturalmente neutras e as análises são feitas por meio da aplicação de campos elétricos e magnéticos
sobre as partículas. Uma forma de produzir íons positivos é deixar a substância no estado gasoso e fazer as
partículas (átomos ou moléculas) ficarem submetidas às descargas elétricas produzidas por condutores
pontiagudos eletrizados ou irradiando com algum tipo de radiação que lhes possa retirar elétrons (a princípio, as
cargas elétricas podem ser determinadas).
Depois de serem produzidos na fonte, os íons são acelerados por um campo elétrico (produzido pela aplicação de
diferença de potencial elétrico) e penetram na câmara de deflexão, onde o campo magnético desvia os íons de
suas trajetórias de incidência para serem registrados nos detectores. Íons com cargas elétricas iguais, mas com
massas diferentes, seguem trajetórias diferentes, separando os íons de acordo com suas massas.

Esta técnica de reconhecimento de átomos ou moléculas de uma substância tem aplicações em várias áreas: física,
química, biologia, medicina, indústria de alimentos e farmacêutica entre outras.

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Os livros didáticos1 tratam com simplicidade este problema, como exemplo de aplicação da força magnética que
atua sobre uma partícula carregada que incide numa região onde há campo magnético uniforme. A figura abaixo
mostra um esquema básico do espectrômetro tratado nos livros.

1) Os íons de massa “m” e carga elétrica “+q” são


produzidos na fonte de íons.

2) Uma diferença de potencial elétrico V0 é aplicada entre a


fonte de íons e a entrada na câmara de deflexão.

3) Os íons penetram na câmara com velocidade  e são


defletidos pelo campo magnético.

4) A chapa fotográfica registra a saída dos íons.

5) Conhecendo a carga elétrica dos íons (+q), a diferença de


potencial (V0), o campo magnético ( ), a velocidade de
entrada na câmara ( ) e a distância  gravada na chapa
fotográfica, pode-se obter as massas dos íons. Para íons
de massa “m”, há uma medida “” correspondente,
havendo separação dos íons de acordo com suas massas.

Na fonte de íons há, inicialmente, um gás das partículas (moléculas ou átomos) que se quer medir a massa. Os íons
são produzidos ionizando as partículas do gás com determinada carga elétrica +q (cada uma).

Depois da ionização do gás, aplica-se uma diferença de potencial V0 na região entre a fonte de íons e a entrada na
câmara de deflexão, o que faz os íons ganhar energia cinética por meio da variação da energia potencial elétrica.

Variações da energia potencial elétrica (∆U) e da energia cinética (∆K):

 
        
 

Da fonte de íons à entrada da câmara, a diferença de potencial () aplicada é

        

Como os íons são produzidos praticamente em repouso,   ; chamando a velocidade de entrada na câmara de
, temos:
"
  !          

Pela conservação da energia (#), a energia potencial (U) elétrica é convertida em cinética (K):

#   $   %#   $ 

1
Fundamentos de Física 3, Halliday, Resnick e Walker, Ed. LTC; Física para Cientistas e Engenheiros, vol. 2, P. A. Tipler e G.
Mosca, Ed. LTC; Física III, Sears, Zemanky, Young e Freedman, Ed. Addison Wesley.
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Conservação da energia, %#  :


         &'


Na câmara, a força magnética faz os íons descreverem uma trajetória semicircular até baterem na chapa
(
fotográfica, imprimindo marcas que possibilitam medir o raio da trajetória (raio  ).

Força magnética sobre um íon:

   


Os íons descrevem trajetórias (semi) circulares de raio R. A força magnética
é responsável pela centrípeta ()* ):
    
  )*          &'
 

Substituindo a velocidade da eq. 2 na eq. 1, obtém-se a massa m do íon correspondente à marca + na chapa
" ( 
fotográfica: , -  
 

A massa do íon pode ser determinada:

/01 1
. +
234

Embora haja interesses de aplicação em áreas de pesquisa ou indústrias, vamos abordar a importância histórica
deste aparelho no desenvolvimento da teoria da estrutura da matéria.

Contextualização do problema à época inicial da estrutura atômica (2ª década do séc. XX)

Depois de estabelecido o átomo nuclear2 e a estrutura do átomo3 com elétrons em torno do núcleo, o que
ocorreu entre 1911 e 1913, a teoria atômica entrava por novos caminhos e aumentava a necessidade de
determinar massas atômicas com bastante precisão.

Em 1913, J. J. Thomson4 mediu o peso atômico de alguns elementos químicos (a precisão das medidas era de uma
parte em mil) e os resultados concordavam com o que era aceito na época, a maioria das massas estava de acordo

2
Ernest Rutherford (Nova Zelândia, 1871-1937). Dentre muitas contribuições, estudou a desintegração de elementos
radioativos e estudou os tipos de radiação, identificando as partículas alfa e beta. Estes trabalhos contribuíram para ganhar o
Nobel de química de 1908. Em 1911 propôs que o átomo tem um núcleo pesado com carga elétrica positiva, em 1919 fez a
primeira transmutação nuclear induzida, realizando o grande sonho dos alquimistas.
3
Niels Bohr (Dinamarca, 1885-1962). Nobel de física em 1922, pelos estudos sobre a estrutura dos átomos e das radiações
que emitem. O átomo de Bohr, com elétrons em órbitas em torno do núcleo, é um modelo de átomo bem popular
atualmente. Outras contribuições importantes abrangeram a estrutura do núcleo atômico e a fissão nuclear.
4
Sir Joseph John Thomson (Inglaterra, 1856-1940), premio Nobel de física em 1906 pelos trabalhos sobre partículas com
carga elétrica negativa (elétrons) dentro dos átomos. Em breve haverá títulos sobre “raios catódicos e canais” neste site.
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com a idéia de que átomos do mesmo elemento são semelhantes e têm massas iguais. Porém, os resultados para
o neônio eram surpreendentes: parecia que existiam dois tipos de neônio com massas atômicas 20 e 22
(resultando no peso 20,20 que já era conhecido). O aparelho de Thomson foi o primeiro a medir massas atômicas
por meio de marcas impressas em chapas fotográficas de acordo com as cargas e as massas das partículas. O
espectrômetro era baseado no tubo de raios catódicos que ele usou para determinar o elétron, mas em vez disso,
Thomson observou os raios positivos5 que se deslocavam em sentido oposto aos catódicos. Estes raios são
constituídos principalmente por íons positivos do gás dentro do tubo. O modo de operação do espectrômetro
usava combinações de campos elétricos e magnéticos na mesma região, fazendo com que os íons com mesma
razão carga/massa e velocidades diferentes imprimissem pontos que formavam parábolas na chapa fotográfica
que registrava os eventos.

As medidas que Thomson obteve indicavam que existiam átomos semelhantes quimicamente, mas com massas
diferentes, o que concordava com a formulação dos isótopos. Estudos6 sobre isótopos de elementos radioativos
eram feitos desde a época de 1905, conheciam-se átomos de tipos diferentes de tório e urânio (dois elementos
radioativos bastante estudados na época). Os trabalhos independentes7 de A. Van den Broke, F. Soddy e H.
Moseley levavam a concluir que as propriedades químicas dos elementos estavam associadas à carga elétrica do
núcleo, havendo uma relação direta entre esta carga e o número atômico. A posição dos elementos na tabela
periódica devia estar de acordo com o número atômico e não com a massa, como era proposto na tabela de
Mendeleeff8. A proposta era que isótopos são átomos semelhantes quimicamente, têm massas diferentes e
ocupam a mesma posição na tabela periódica dos elementos. Isto solucionava alguns problemas que a teoria
atômica enfrentava (p.ex.): a distribuição dos elementos na tabela periódica segundo os pesos produzia alguns
posicionamentos fora de ordem; evidências como a do neônio contrariavam o entendimento de que átomos de
um mesmo elemento são semelhantes e têm massas iguais9. Apesar desses pontos em favor dos isótopos, ainda
era necessário medir massas com grande precisão para distinguir as pequenas variações de massa entre isótopos.
Francis W. Aston10 havia trabalhado como assistente de Thomson no Cavendish Laboratory em Londres, tendo
participado das medições das massas dos neônios, o que o motivou continuar pesquisando sobre as massas dos
isótopos e aperfeiçoar os aparelhos para aumentar a precisão das medidas das parábolas de massa de Thomson.
Aston construiu um novo espectrômetro, que basicamente usava feixes de partículas carregadas incidindo numa

5
Estes raios eram conhecidos como raios canais, foram descobertos pelo físico G. E. Goldstein (Polônia, 1850-1930) em 1886.
A atribuição do nome raios canais é porque Goldstein observou que num tubo tipo o de raios catódicos havia um raio que
passava através de um cátodo com buraco (canal) em sentido contrário ao raio catódico.
6
Dois físicos que iniciaram tais estudos foram: Otto Hahn (Alemanha, 1879-1968), Nobel de química em 1944 pelos trabalhos
sobre fissão nuclear; William Ramsey (Escócia, 1852-1916), Nobel de química em 1904 pelos trabalhos sobre os gases inertes
e a tabela periódica.
7
A. van den Broek (Holanda, 1870-1926), propôs que a carga nuclear era responsável pelas propriedades químicas dos
elementos; Frederick Soddy (Inglaterra, 1877-1956), Nobel de química em 1921 por seus trabalhos sobre isótopos; Henry
Moseley (Inglaterra, 1887-1915), associou o número atômico à carga elétrica nuclear.
8
Dimitri I. Mendeleeff (Rússia, 1834-1907), um dos principais desenvolvedores da tabela periódica dos elementos.
9
John Dalton (Inglaterra, 1766-1844). Algumas contribuições: átomos são partículas indivisíveis da matéria; os elementos são
definidos pela massa dos átomos; átomos de um mesmo elemento são semelhantes e têm massas iguais; os compostos
químicos são combinações de átomos de elementos diferentes em proporções numéricas simples.
10
F. W. Aston, Físico inglês (1877-1945). Premio Nobel de química em 1922 pelo desenvolvimento do espectrômetro de
massa e trabalhos sobre medidas de massa de vários elementos.
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região com campo magnético. O problema que foi analisado no início deste texto usa o esquema geral do
aparelho que Aston11 construiu em 1919 (ver figura11).

A=anôdo
B=bulbo de descarga, ionização do gás
C=cátodo
M=magneto
J1 e J2 = placas paralelas, o campo elétrico
desvia o feixe de íons para um diafragma que
seleciona a entrada na câmara do magneto
W=placa fotográfica

A modificação importante é que o campo elétrico e o magnético não são aplicados simultaneamente na mesma
região, como no espectrômetro de Thomson, mas os íons atravessam primeiro o campo elétrico e depois o
magnético que deflete a trajetória deles. O campo elétrico injeta os íons no campo magnético que promove
desvios iguais para partículas de massas iguais, focando o feixe de íons para imprimir marcas precisas numa chapa
fotográfica (figura11 a seguir). As massas correspondiam a números inteiros12, múltiplos de uma unidade de massa
definida numa escala em relação ao oxigênio-16 (Aston também observou que podia adotar o carbono-12, como é
feito atualmente). As medidas mostravam que os elementos na natureza vêm com misturas de isótopos, cujas
massas atômicas são números inteiros. Aston mediu a massa de vários elementos, a figura abaixo ilustra as do
neônio e do cloro. As linhas espectrais correspondem à razão carga/massa (q/m) dos íons, a multiplicidade de
seqüência das linhas corresponde a séries de medidas para diferentes cargas elétricas que as partículas podem
adquirir na ionização do gás. Dentre as massas de vários elementos, o espectrômetro reconhecia com precisão as
linhas dos neônios 20 e 22 e dos quatro isótopos de cloro (35, 36, 37 e 38).
Os trabalhos de Aston foram decisivos para o desenvolvimento da teoria atômica, ademais, contribuíram para
formular hipóteses importantes sobre a formação do núcleo atômico, que em 1919 ainda era um objeto envolto
em mistérios (este tema será discutido em outra ocasião).

11
F. W. Aston; The Mass-Spectra of Chemical Elements; Phil. Mag., 1919, XXXVIII, p.707
12
William Prout (Inglaterra, 1785-1850), em 1815, observou que os pesos atômicos de vários elementos eram múltiplos
inteiros do hidrogênio, que devia ser parte fundamental da matéria, mas havia o problema de algumas massas fracionadas
como a do cloro (35,457). Porém, com a nova proposta de unidade de massa de Aston, a hipótese de Prout é reinventada.
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