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Dignare me laudare te, Virgo Sacrata.

Da mihi virtutem contra hostes tuos!

Em honra de São José


Sermão de São Leonardo de Porto-Maurício sobre São José ..................................... p. 1
Santa Teresa de Ávila – autobiografia – capítulo 6 – sobre São José ........................ p. 14
Novena a São José seguida de oração composta por São Francisco de Sales .......... p. 18
Canto Gregoriano - em honra de São José – partitura e tradução.............................. p. 22
São Leonardo de Porto-Maurício

1676 - 1751

Sermões para a Quaresma

Traduzido do francês:

Œuvres Complètes du Bienheureux Léonard de Port-Maurice –

par F. –I. –J. LABIS, de l’Ordre des Frères Mineurs Récollets.

1867

XVIII

PARA A FESTA DE SÃO JOSÉ (DIA 19 DE MARÇO)

PANEGÍRICO DO SANTO.

Joseph autem vire jus cum esset justus.

José, esposo de Maria, era um homem justo. Mt I, 19.

I. A Santa Igreja é tão feliz em celebrar as glórias de são José, e colocamos em toda parte
tanto desvelo em honrar esse glorioso patriarca que, se eu não consagrasse hoje meu discurso
em seu louvor, eu faria injúria ao santo, ao mesmo tempo em que vos afligiria e que faria mal

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a mim mesmo. Eu faria injúria ao santo, privando-o dessas piedosas aclamações que toda a
Igreja em sua festa se agrada a lhe dar. Eu vos afligiria, privando-vos dessa alegria que
provamos ao escutar os louvores de uma santidade tão privilegiada, o que seria uma amarga
ingratidão para com a vossa piedade. Enfim, eu faria mal a mim mesmo, pois se eu não viesse
oferecer-lhe aqui a humilde homenagem de um pobre discurso, eu passaria justamente por
alguém que não tem a inteligência necessária para fazer um tal discurso, ou por alguém que
não tem bastante coração para o fazer. Quanto ao coração, protesto bem que eu o tenho,
pois já tem bastante tempo que eu o consagrei a esse grande santo de uma maneira toda
especial, e que minha terna e ardente devoção por ele me levou a suplicá-lo para que aceitasse
ocupar o primeiro lugar entre meus santos padroeiros. Quanto à inteligência, confesso dela
ser desprovido; chego mesmo a treme ao abordar um tema em que se precisaria antes venerar
em silencia que de trata-lo, mesmo com todas as pompas de uma sublime eloquência. Não
tenho eu, com efeito, um justo motivo de receio? O objeto desse discurso é um Justo, no
qual a Verdade eterna se dignou fazer ela mesma o papel de panegirista, pois, chamando José
o justo por excelência, ela fez com uma só palavra o mais perfeito elogio: Joseph autem vir ejus
cum esset Justus – José, esposo de Maria, era justo. É um esposo no qual o casamento é todo
espiritual e que nada tem de terrestre, e que, por uma maravilha singular, apresenta à nossa
admiração uma virgindade conjugal e um casamento virginal todo santo e todo puro: O
conjungium cæleste, non terrenum 1! Exclama o abade Roberto. É um Pai que tem por súdito o
Filho eterno de Deus, e que, nessa qualidade, segundo a observação de Santo Tomás, parece
ser um Deus diante do próprio Deus: Quasi homo Dei Deus esset 2. Vedes vós depois disso o
quanto meus receios são bem fundados? E, no entanto, ó providência do Altíssimo! Eis que
sem me aperceber encontro a matéria de meu discurso, toda preparada e dividida em três
pontos: 1º José considerado como Justo; 2º Como esposo; 3º Como Pai.

Três pontos bem próprios para atrair vossa atenção. Na esperança, então, de que vós
sabereis ter compaixão de minha insuficiência, eu começo.

Primeiro ponto.

II. Por uma engenhosa invenção, os geômetras, para medir as torres de uma prodigiosa
altura, se servem da sombra que elas projetam. Não podendo aplicar seus instrumentos sobre
essas massas enormes, eles calcular a altura a partir da extensão de sua sobra. É preciso que
eu faça recurso a um semelhante artifício nessa manhã: para vos explicar as excelentes
qualidades do glorioso patriarca são José, e notavelmente sua grandeza como Justo, eu devo
medir sua sombra. Mas qual pode ser a sombra que projeta um tal prodígio de justiça e de
santidade? Existe uma figura profética que exprime maravilhosamente a grandeza de nosso
bem-amado santo: é o antigo José do Egito, filho do patriarca Jacó, que, segundo São
Bernardo, foi como a sombra que figurava nos séculos mais longínquos as sublimes
prerrogativas do patriarca da nova Lei. Vós conheceis o sonho esplêndido que ele teve onde
via como que prostrados a seus pés o sol, a lua e onze estrelas: vidi per somnium quasi solem, et
lunam, et stellas undecim adorare me 3. Esse sonho não foi um daqueles que forma a imaginação
delirante durante o sono, mas foi uma visão extática, formada pelo próprio Deus na alma de

1 “Ó casamento celeste, não terreno”.


2 “Homem que era quase um Deus de Deus”.
3 “Vi em sonho o sol, a lua e onze estrelas que se prostravam diante de mim”. Gn 37, 9.

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José, para representar por meio dele, não somente a exaltação próxima desse jovem homem
no Egito, mas ainda a elevação futura de nosso santo patriarca na Igreja. Eu vos deixo o
cuidado de contemplar e de meditar a maravilhosa fortuna do primeiro José, que viu
prostrados diante de seu trono, não somente seu pai, sua mãe e seus irmãos, mas ainda todo
o Egito, e eu me sirvo dessa sombra para medir a sublime dignidade do segundo José. Ó
Deus grande, quem poderá um dia chegar a compreendê-la? Credes vós que foi pouca coisa
para ele o ver Jesus e Maria render homenagem a seu mérito, e se jogar a seus pés com as
marcas do mais terno e mais profundo respeito? É isso que me faz concluir ousadamente
que antes de se tornar o esposo de Maria, era preciso que José já fosse a maior alma que um
dia apareceu no mundo, excetuando a augusta Virgem que eu deixo sempre subentendido.
Eu não falo aqui, portanto, dessa grandeza da qual se orgulha a ambição, que não visa senão
a fazer ostentação de títulos pomposos, para atrair sobre si a vã estima dos homens. E,
portanto, esse gênero de grandeza não faltou também ao nosso santo. Se vós percorrerdes
sua gloriosa genealogia, vós vereis que ele pode se vangloria de contar entre seus ancestrais
quatorze reis, tantos patriarcas e condutores de povos, formando uma linhagem de cetros e
de coroas para esse ilustre descendente, maior que seus ancestrais. Nobreza tão brilhante
que, remontando por tantos profetas e patriarcas até o céu, José, se assim é permitido de
dizer, deu a nobreza temporal ao próprio Verbo, segundo a palavra de São Bernardino de
Sena: fuit Joseph tantæ nobilitatis, ut quodammodo, si liceat dici, dederit temporalem nobilitatem Deo in
Domino Jesu Christo4. E, no entanto, essa não é a grandeza da qual ele faz caso; a ilustração de
seus ancestrais não faz senão seu próprio mérito, e a qualificação de simples carpinteiro lhe
é também tão cara quanto o título de príncipe, e o cetro real não vale mais a seus olhos do
que um martelo de trabalhador. A grandeza que realça sua dignidade é aquela que ele pega
de tantas virtudes heroicas e que lhe valeram o belo título de Justo. Eis o tesouro que mais
lhe agrada, pois é por isso que ele será a admiração de todos os séculos, e que levará gravado
sobre sua fronte esse elogio que resume todas as suas glórias: Joseph autem vir ejus cum esset
justus.

III. Detenhais-vos aqui, diz São João Crisóstomo, e se vós quiserdes conhecer a grandeza
de José como Justo, analisai essa palavra, e sabei que ela exprime o resumo de todas as
virtudes e o sumário de todas as perfeições cristãs: Justum hic in omni virtute dicit esse perfectum 5.
José foi Justo; quereis vós saber por quê? - Acrescenta o grande Doutor – escutai-me:
Josephum vocari justum attendite 6; qual é, pois, seu título? Propter omnium virtutum perfectam
possessionem 7. Seu título não é uma só virtude, mas várias, e nem mesmo uma multidão de
virtudes, mas todas as virtudes no mais alto grau de perfeição: propter omnium virtutum perfectam
possessionem. Que pode-se dizer mais de um homem, senão afirmar que ele possui todas as
virtudes e que ele as possui todas perfeitamente? Não é esse um sublime elogio, o auge dos
elogios? E quem poderia se compara a uma tal grandeza? Que Adão inocente se apresente
com os animais prostrados a seus pés; que Moisés apareça, submetendo todas as criaturas às
suas ordens por meio de seu cajado; que venha Abraão com sua posteridade, como um sol

4 “Tamanha foi a nobreza de José, que, em certo sentido, se é lícito dizer, ele deu a nobreza temporal a Deus
no Senhor Jesus Cristo”.
5 “Aqui Justo significa ser perfeito em toda virtude”.
6 “Prestai atenção para saber porque José é chamado justo”.
7 “Por causa da perfeita possessão de todas as virtudes”.

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no meio das estrelas; que venha um Josué, comandando ao rei dos astros; que venha um
Salomão, com as rainhas curvadas diante de seu trono; e vós, patriarcas, mostrai os anjos que
vos assistem; Apóstolos, mostrai a Igreja que vos venera como seus primeiros chefes;
Taumaturgos, mostrai a própria natureza submetida a vossa palavra, e sabei que todas essas
prerrogativas tão nobres ne vos elevam ainda o bastante para vos igualar a José, pois esses
privilégios e essas virtudes vos foram dispensadas com medida, enquanto que José as possuiu
todas e em um grau perfeito. Rendei, pois, homenagem a um mérito tão sublime, e caiam a
seus pés, profetas, patriarcas, apóstolos, mártires, taumaturgos, vós todos, grandes do céu e
da terra, como outrora, além do sol e da lua, as estrelas também haviam se inclinado diante
do primeiro José: vidi per somnium quase solem, et lunam, et stellas undecim adorare me.

IV. Vós poderíeis bem fazer a vós mesmo a objeção que tenderia aqui a rebaixar a glória de
nosso Santo, no caso em que vós fôsseis tentados de se oporem a mim com essas palavras
do Evangelho: non surrexit ... major Joanne Baptista 8. Que entre todos aqueles que nasceram da
mulher, que João seja o maior, exceto em relação àqueles que são de uma ordem superiora,
como São José, estou eu de acordo; mas quando se trata de alguém que, por causa de sua
eminente dignidade, é sempre com razão excluído, salvo uma menção expressa em seu favor,
essa objeção é sem valor. Porém, é precisamente esse o nossa caso, visto que, segundo
Suarez, José não entre em paralelo com os outros homens saídos de mulher, porque ele é de
uma ordem superiora, ou seja, ele pertence à suprema ordem da união hipostática: Unde eo
fuit excellentior, quo ad altiorem ordinem pertinuit Joseph 9. Ele, então, ultrapassa o santo precursor,
conclui o sábio teólogo, de toda a sublimidade dessa ordem, tanto mais quanto não lhe faltou
nenhuma das qualidades que exigia um tão eminente cargo. Eu não queria me empregar em
fixar aqui a hierarquia dos santos no céu; mas, como todos, e disso tenho certeza, cedem o
passo a nosso glorioso patriarca, eu posso dizer, sem receio de errar, que ele foi enriquecido,
com superabundância, de todas as prerrogativas concedidas a cada um deles. Concluamos a
partir disso que se João Batista foi santificado no seio de sua mãe, são José gozou do mesmo
privilégio, como o afirma com muitos outros o chanceler Gerson, pelo fato de que era
conveniente que Maria, tendo sido santa em sua Conceição, José o fosse ao menos em seu
nascimento. Concluamos que se João Batista se conservou puro e sem mancha, e que nunca
desbotou o vestido de sua inocência, o mesmo aconteceu com José, pois é um princípio
incontestável, segundo o Doutor Angélico, que quanto menos um efeito está afastado de sua
causa, mais ele participa de suas qualidades e de sua força10. Assim, o calor é tanto mais
intenso quanto mais próximo está ele de sua fornalha, a luz é tanto mais brilhante quanto
menos afastada está do sol, e para citar aqui até os poetas, a água é tanto mais pura quanto
mais vizinha ela está de sua fonte: purius ex ipso fonte petuntur aquæ. Porém, assim sendo, como
podeis vós supor que José, tendo tão perto, tanto por afinidade quanto por ofício, a fonte
universal de toda santidade, tenha dela participado com menos abundância do que aqueles
que dela estavam mais afastados? Não digais somente, então, que ele foi mais puro que João
Batista, mas dizei que a inocência e a própria santidade o acolheram de alguma forma desde

8 “Não nasceu, entre os nascidos de mulher, um que seja maior que João Batista”. Mt 11, 11.
9 “Donde se conclui que por isso ele foi mais excelente, pelo fato de que José pertenceu a uma ordem mais
alta”.
10 “quanto aliquid magis appropinquat principio in quolibet genere, tanto magis participat effectum illius principii – quanto mais

algo se aproxima, em qualquer gênero, do princípio, tanto mais ele participa do efeito desse princípio. ” Santo
Tomás de Aquino, Summa Theologiæ, IIIª, q. 27, a. 5, c.

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de seu nascimento, e o elevaram da terra até o céu. Digais que durante toda sua vida, não
somente que ele nunca manchou a pureza de sua bela alma com o pecado mortal, mas que o
fogo da concupiscência foi apagado nele, de tal sorte que nenhum movimento de
sensualidade não pode jamais, nele, se levantar contra a razão, e que ele não teve, portanto,
de gemer como São Paulo, dizendo: datus est mihi stimulus carnis meæ – Foi-me colocado um
espinho na carne 11. Dizei que em sua morte ele foi transportado ao céu em corpo e em alma,
por um singular privilégio indicado nos Provérbios: omnes domestici ejus vestiti sunt duplicibus 12;
muitos intérpretes entendem por essa dupla vestimenta a glorificação em alma e em corpo.
Digais, ou antes, proclameis em alta voz, oradores sagrados, e promulgueis em toda parte
com impulsos de alegria, as admiráveis virtudes desse grande santo, sua integridade virginal,
sua ardente caridade, seus arroubos e suas sublimes contemplações, sua profunda humildade,
em uma palavra, sua natureza toda impregnada pela graça, e a graça tornada nele uma segunda
natureza: natura versa est in virtutem, virtus in naturam 13. Celebrai essa paciência invencível nos
sofrimentos, essa obediência tão pronta, essa fé, essa constância, essa fidelidade tão perfeita;
o que quer que digais, vós não direis jamais o bastante; vossas palavras estarão sempre abaixo
da verdade, já que São Bernardo nos assegura que José foi absolutamente o primeiro em
todas as virtudes e atingiu o auge delas: Credo eum fuisse mundissimum in virginitate, profundissimum
in humilitate, ardentissimum in Dei amore, altissimum in contemplatione, sollicitissimum pro hominum
salute 14. E quem poderia duvidar disso? Seu nome mesmo indica o crescimento de todas as
virtudes nele, já que José significa Filius accrescens 15, o que quer dizer que todas as virtudes que
os outros santos tem costume de fazer crescer, receberam em José, ao contrário, um
crescimento de lustre. Também os Evangelistas, descobrindo nesse homem divino tantos
tesouros de méritos e virtudes, parecem não mais saber como trata-lo, de sorte que, quando
eles falam desses três augustos personagens, Jesus, Maria, José, eles confundem de tal forma
as posições e as precedências, que eles colocam ora um, ora outro no meio:

(Joseph) surge, et accipe Puerum et Matrem – (José) Levanta-te, tomai a Criança e sua
Mãe ; Eis Jesus entre José e Maria.
16

Cum esset desponsata Mater ejus (Jesu) Maria Joseph – A Mãe de Jesus, Maria, tendo
desposado José 17. Aqui Maria está entre Jesus e José.

Invenerunt Mariam et Joseph, et Infantem positum in præsepio – Encontraram Maria, José e a


Criança colocada no presépio18. Eis José entre Jesus e Maria.

Compreendemos por aí qual é a grandeza de José, considerado como Justo, já que


Jesus e Maria se dignam deixa-lo caminhar de par com eles. Se o primeiro José, vendo-se
colocado entre o sol e a lua, encontrou-se todo envolto de luz, presságio de sua futura
grandeza, quantas luzes celestes, quanta glória não terá recebido José, que se encontrou tantas

11 II Cor 12, 17.


12 “Todos os seus domésticos possuem um duplo vestido”. Prov 31, 21.
13 “A natureza se inclina para a virtude, e a virtude para a natureza”.
14 “Acredito que ele foi puríssimo na virgindade, profundíssimo em humildade, ardentíssimo no amor de Deus,

altíssimo na contemplação, muito solícito pela salvação dos homens”.


15 “Filho crescente”
16 Mt 2, 13.
17 Mt 1, 18.
18 Luc 2, 16.

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vezes entre Jesus e Maria? Honrai, pois, sua grandeza enquanto justo ele é, ou antes, honrai
sua justiça enquanto que ele é grande pelas eminentes virtudes que possui; sinto-me levado
agora a contemplá-lo como Esposo de Maria, qualidade que o torna ainda maior.

Segundo ponto

V. Eu bem pude, com a ajuda das cores sombrias de uma sombra, vos pintar a grandeza de
José como justo, mas a mesma medida não pode me servir para representar sua dignidade
ainda maior de Esposo. Os mais vivos esplendores de uma brilhante aurora seriam ainda
insuficientes para deixar em relevo a grande que nosso santo adquiriu recebendo por esposa
Aquela que apareceu no mundo “como uma aurora nascente – sicut aurora consurgens” e que,
crescendo sempre de virtude em virtude, disso fez um rico dote que ela levou a José, seu
esposo. É, pois, à clareza dessa aurora celeste que contemplarei as riquezas de José, que se
tornou, por essa santa aliança, de certa forma, maior do que ele mesmo. Com efeito, a augusta
Virgem não quis outras condições para o contrato de casamento, senão que seu esposo fosse
em tudo e para tudo semelhante a ela, tanto na inocência de costumes quanto na pureza de
alma; e se tal contrato passou pelas mãos do Espírito Santo, quem poderia crer que a Santa
Virgem não tivesse sido escutada nisso, e que São José não tivesse sido enriquecido de
qualidades, dons e virtudes semelhantes em todos os pontos àquelas de Maria, sua esposa?
É o parecer de São Bernardino de Sena: Deus non univit animæ Virginis nisi operationem et virtutem
illi simillimam 19. Pouco importa que os Evangelistas tenham guardado silêncio quanto a São
José, ou que eles tenham deixado de nos ostentar, como poderiam eles ter feito, essas virtudes
e essas prerrogativas excelentes que realçam sua dignidade. Basta-me que eles o tenham
apresentado como Esposo de Maria: Virum Mariæ, de qua natus est Jesus 20, quer dizer, como
aquele entre todos os mortais que mais se pareça com a obra mais perfeita entre todas as
criaturas que saíram da mão de Deus, ou seja, Maria. “Pois, diz São Bernardo, José foi feito
à semelhança da Virgem, sua esposa – Erat enim Joseph factus in similitudinem Virginis sponsæ suæ.
– Virum Mariæ – Esposo de Maria, que quer dizer que ele é aquele que mais perto se
aproximou dessa sublime criatura que se elevou até o mais alto dos céus, e que arrebatou, de
certa forma, o seio do Pai Eterno, Seu Único Filho. Virum Mariæ, que significa que ele tem
um mesmo coração, uma mesma alma com esse mesmo coração e essa alma que levou o
coração e a alma do Filho de Deus. Virum Mariæ, ou seja, o chefe da primeira soberana do
mundo, pois que o “homem é o chefe da mulher – caput mulieris vir 21. Virum Mariæ, ou seja, o
mestre dessa augusta senhora que conhecia o preceito do Gênesis: “Tu estarás sob o poder
do homem – sub viri potestate eris 22, e que, tão perfeita em todo o resto, não deixou por isso de
ultrapassar todas as outras mulheres pelo respeito e pela submissão que ela tinha a seu esposo.
Virum Mariæ, ou seja, dessa grande rainha que as Dominações, os Principados, o Querubins
e os Serafins se gloriam de servir. Virum Mariæ, ou seja, diz São Bernardo, vós dizeis tudo ao
dizer que ele foi semelhante à Virgem, sua esposa: factus in similitudinem Virginis sponsæ suæ,
semelhante no trato, no coração, nas inclinações, pelos costumes, semelhante em virtude e
em santidade. Se Maria foi a alva que anunciou o sol de justice, José foi o horizonte iluminado
por seus brilhantes esplendores. Concluamos que se, como justo, ele chegou a ultrapassar

19 “Deus não uniu à alma de uma tão excelsa Virgem senão alguém à ela semelhante na virtude e no agir”.
20 “Esposo de Maria, da qual Jesus nasceu”. Mt 1, 16.
21 I Cor 11, 3.
22 Gn 3, 16.

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em santidade os maiores santos, como Esposo, ele se elevou acima mesmo dos anjos e pôde
ver, a seus pés, exceto a Santa Virgem, toda outra santidade criada.

VI. Se tendes dificuldades em crerdes em mim, segui-me, e examinemos juntos a maneira de


agir dessa Virgem puríssima, o tipo de modéstia e que deveria servir de modelo vivo a todas
as outras virgens. Observai aqui alguém que fala com ela sozinho, na intimidade; guardai-vos
de formar suspeitas, é um anjo do céu, que lhe traz uma mensagem da parte de Deus. No
entanto, a virgem se intimida, abaixa os olhos e se espanta: Turbata est in sermone ejus, et
cogitabat 23. Como? Maria mantem reservas diante de um anjo do céu; quem será, então,
bastante feliz para não espantar uma tal modéstia? Esse alguém será José. Ele é proposto
como esposo, e logo foi aceito. E não somente ela consente, como também se agrada de tal
companheiro, tanto em casa, como nas viagens, em meio aos desertos e solidões. Não
somente ela não se espanta em sua presença, mas ela consentiu tão prontamente em se casar
com ele que, sem contrato prévio, o casamento foi imediatamente concluído no mesmo lugar:
Cum esset desponsata... Maria Joseph 24. Coisa admirável, Maria treme à viste de um anjo, e ela
aceita sem receio a companha de um homem. Dizer que nessa circunstância ela foi inferior
a ela mesma, seria um sacrilégio. É preciso, então, dizer que José foi para ela mais que um
anjo; tal consequência é inevitável. Sim, José foi mais que um anjo para Maria, e se não
quiserdes vos apoiar no Evangelho, apoiai-vos na lei que diz que aquele que esposa uma
rainha, pelo próprio fato de com ela se casar, torna-se rei: Nubentem reginæ consequens est regem
fieri 25. Aquele que dá sua mão a uma rainha, dela recebe o cetro real. No momento em que
ele lhe coloca o anel no dedo, ela coloca a coroa sobre a cabeça dele, ainda que ele fosse um
simples pastor, ele entra imediatamente em todas as honras devidas a um rei e deve ser
respeitado como tal. Porém, eu tiro daí um argumento sem réplica. Maria é a rainha dos
santos e dos anjos. José é o esposo de Maria. Logo, de acordo com a lei, ele é também rei
dos santos e dos anjos. Se vós honrais com frequência a Santa Virgem com esses gloriosos
títulos: Regina sanctorum, regina angelorum, ora pro nobis 26, vós deveis honrar José da mesma
maneira, e dizer-lhe: Rex sanctorum, rex angelorum, ora pro nobis 27. O que mostra, com efeito, que
José era superior a todos os anjos, são as frequentes mensagens que ele recebia do céu por
meio deles. Os anjos são enviados a José para lhe confiar o mistério da Encarnação: Quod in
ea natum est de Spiritu Sancto est 28. Os anjos são enviados a José para lhe fazer conhecer o
mistério da Redenção: Ipse salvum faciet populum suum a peccatis eorum 29. Os anjos são enviados a
José quando, inquieto do estado onde ele via sua esposa, ele queria se retirar. Os anjos foram
enviados a José quando se tratou de dar um nome à divina Criança. Os anjos foram enviados
a José quando Jesus foi ameaçado pela perseguição de Herodes. Os anjos foram enviados a
José quando ele teve de retornar do Egito para a Palestina. Os anjos lhe foram enviados
avisá-lo para que se refugiasse em Galiléia por receio do rei Arquelau. Vós observais como
as secretas responsabilidades de que esse grande homem tinha de tratar com o augusto
senado da adorável Trindade colocava continuamente em movimento os mensageiros

23 “Ela perturbou-se de suas palavras, e pensava no que significava”. Lc 1, 29.


24 “Maria era desposada com José”. Mt 1, 18
25 “Aquele que se casa com a rainha, consequentemente, torna-se rei”.
26 “Rainha dos santos, rainha dos anjos, rogai por nós”.
27 “Rei dos santos, rei dos anjos, rogai por nós”.
28 “O que ela concebeu é do Espírito Santo”. Mt 1, 20.
29 “Ele salvará seu povo de seus pecados”. Mt 1, 21.

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celestes; é isso que nos faz escutar tantas vezes essas palavras no texto sagrado: Angelus Domini
apparuit in somnis Joseph – O anjo do Senhor apareceu em sonhos a José 30. Dizei-me agora se
o título de rei e de rei dos anjos não lhe convém, e se não é verdade que, na qualidade de
esposo, ele foi maior que os mais elevados anjos do céu.

VII. Todavia, o que principalmente realça José na qualidade de esposo de Maria, é que, por
esse título, ele é venerado como o chefe dessa santa família, que não foi nem toda humana,
nem toda divina, mas que tem tanto um como outro, o que faz que alguns a chamara de
“família hypostática” e de “a Trindade terrestre”. E quantas palavras não tenho eu, para
afirmar com o piedoso Gerson, quantas palavras não tenho eu, capazes para retratar essa
admirável Trindade de Jesus, José e Maria! Cuperem mihi suppeterent verba ad explicandam tam
admiranda Trinitatem Jesu, Joseph, Mariæ 31! Por meio de José, esposo da Santíssima Virgem,
formou-se, então, aqui em baixo, um retrato da adorável Trindade. Da mesma forma, com
efeito, que, no alto do céu, o Pai gera o Filho sem mãe, e que do Pai e do Filho procede o
Espírito Santo, e que essa terceira pessoa não produz uma outra, assim também, Maria
concebe aqui em baixo a Jesus, sem pai; Jesus e Maria dão a José a qualidade de esposo e de
pai, e José não foi nem verdadeiro pai de um, nem esposo carnal de outro. E para melhor
compreender as admiráveis disposições da divina sabedoria, reflitamos nesses três nomes:
Iesus, Maria, Ioseph; vós vereis que cada um deles traz consigo um esboço da Santíssima
Trindade. Todos os três são compostos de cinco letras, formadas por duas consoantes e três
vogais 32. As três vogais podem indicar a Trindade das Pessoas, e as duas consoantes figurar
a união das duas naturezas em Jesus Cristo. Esses são tantos motivos que devem levar nossos
corações a agradecer a soberana bondade de Deus que, tendo colocado José como chefe
dessa trindade terrestre, nos dá o direito de concluir que, se tão grande foi ele como justo,
ele não o foi menos enquanto que Esposo. Rendei, então, frequentes homenagens à adorável
Trindade no céu, ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, mas honrai também a Trindade Santa
que habitou visivelmente entre nós sobre a terra: Jesus, José e Maria. Gravai em vossos
corações, com letras de ouro, esses três nomes, esses nomes celestes, pronunciai-os com
frequência, escrevei-os em toda parte: Jesus, Maria, José. Que sejam essas as primeiras
palavras que vós ensinareis aos vossos filhos. Repitam esses nomes sagrados muitas vezes ao
dia, e que eles estejam ainda em vossos lábios no momento em que dareis o último suspiro.
Deixem os anjos imprimir com letras de fogo em vosso espírito, e, mais ainda, em vossos
corações, que se José foi grande como justo, ele foi ainda maior como chefe da Santa Família
em qualidade de Esposo, e o que acrescenta ao máximo sua glória, é sua grandeza como Pai.

Terceiro ponto

VIII. Se, para vos fazer admirar as grandezas de nosso santo Patriarca como Justo, e
sobretudo como Esposo, eu o coloquei em paralelo com o primeiro José, que foi como que
sua sombra, e de Maria sua esposa, essa aurora radiosa que alegrou o mundo, para vos
mostrá-lo ainda maior como Pai, e devo considera-lo em suas relações com o divino Sol de
Justiça. É assim que se chama aquele de quem José foi o pai: Nonne hic est fabri filius? – Não é

30 Mt 1, 21; Mt 2, 13.19.
31 “Desejaria ter em meu poder palavras para falar da tão admirável trindade de Jesus, José e Maria!”
32 No caso de Ioseph, talvez o santo considere “ph” com uma só consoante, como acontece com o grego no

caso do “ph” – φ – como em “philosophia”, por exemplo, que em português escreve-se filosofia. Nota do tradutor.

8
esse o filho daquele artesão 33? Diziam os judeus com despreza a respeito de Jesus. “O Filho
de um artesão!” Sem dúvida, mas de qual artesão? Eu irei vos ensinar, responde São Pedro
Crisólogo, é o filho desse grande artesão que fabricou o mundo, não com o martelo, mas por
uma ordem de sua vontade: non malleo, sed præcepto 34; desse artesão que combinou os
elementos, não por um esforço de gênio, mas por um simples mandamento, non ingenio, sed
jussione 35; desse artesão que acendeu o astro do dia na abóbada celeste, não com um fogo
terrestre, mas por um calor superior, non terreno igne, sed superno calore 36; desse artesão, em uma
palavra, que, com uma só palavra, fez surgir o universo a partir do nada, cuncto fecit, ex nihilo 37.
Vós tendes razão, ilustre doutor, eles deveriam reconhecer que Jesus é o filho do grande
arquiteto do universo. Mas consintais que, para a glória de José, também digamos que ele é
o filho desse pobre carpinteiro que, em uma humilde loja, maneia a serra e a plaina, e já que
a própria Virgem Santa dá a José esse belo título de pai de Jesus, dizendo-lhe: Pater tuus et ego
– seu pai e eu 38, título que, aliás, lhe convém, dado que esse filho é o fruto de Maria, que por
sua vez pertence a José em qualidade de Esposa, consinta também que ele é filho desse pobre
artesão, fabri filius, e que, como tal, ele é seu súdito e companheiro de trabalho. Ó, que
maravilha quando nisso pensamos! Jesus ajudou esse pobre artesão a cortar madeira, assim
como ajudou o grande artesão de natureza a fabricar o universo: quando præparabat cælos
aderam 39. Quando o Criador, aqui é o Filho de Deus, a Sabedoria Incriada que assim fala,
quando meu pai se ocupava em criar o mundo, eu estava presente, e eu representava a ideia
disso na inteligência infinita; quando ele estendia a abóbada celeste, quando ele colocava
limites ao mar, quando ele suspendia as nuvens no ar, eu estava com ele, organizando todas
as coisas: cum eo eram cuncta componens 40. A mesma Sabedoria Encarnada pode igualmente dizer
dela mesma: quando José, meu pai, entrava em seu atelier para trabalhar, eu estava com ele,
como companheiro de seus trabalhos: cum eo eram cuncta componens; quando ele cortava e
modelava a madeira, eu estava com ele, cum eo eram; quando ele serrava e plainava, eu estava
com ele, cum eo eram; quando ele adaptava as peças juntando-as, eu as organizava com ele, cum
eo eram componens. Como ele, eu colocava a mão na serra, eu misturava meus suores com os
dele. O miranda prorsus, Joseph, sublimitas tua 41! Que dignidade sublime! - Exclama Gerson –
que grandeza maravilhosa essa que nos mostra José como o êmulo do próprio Deus! Um
pobre carpinteiro emula o arquiteto do mundo! Quereis vós ainda mais para aclamar José
soberanamente como grande pai, se o próprio Deus não pode fazer um pai maior que aquele
que tem um Deus por filho? Existem três coisas, diz o Doutor Angélico, que Deus não pode
fazer maior do que elas já são, à saber: a humanidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, por
causa de sua união hipostática com o Verbo; a glória dos eleitos, em seu gênero, por causa
de seu objeto principal que é a essência infinita de Deus; e a Mãe incomparável de Deus, da
qual foi dito que Deus não pode fazer uma mãe maior que a Mãe de um Deus: majorem quam

33 Mt 13, 55.
34 “Não martelo, mas preceituo”.
35 “Não faço um esforço de inteligência, mas ordeno”.
36 “Não um fogo terreno, mas um calor superior”.
37 “Eu todo fiz a partir do nada”.
38 Lc 2, 48.
39 Prov 8, 27.
40 Prov 8, 30.
41 “Ó, José, vossa sublimidade é realmente de se admirar!”.

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matrem Dei non potest facere Deus 42. Vós podeis, em um certo sentido, acrescentar, para a glória
de José, uma quarta coisa: majorem quam patrem Dei non potest facere Deus – Deus não pode fazer
um pai maior que o pai de um filho que é Deus. Reconheçamos, então, que se José foi grande
como Justo, maior inda como Esposo, ele foi muito maior sobretudo com Pai.

IX. Param-me aqui para me objetar que José não foi o verdadeiro pai de Nosso Senhor; ele
o parecia sem o ser, e disso tinha o título sem a dignidade. “Eu me admiro, responde São
João Damasceno, que se ouse fazer tal objeção. José não teve somente o nome de pai, mas
teve ainda disto a realidade o tanto que o homem pode tê-lo – non solum patris nomen habuit,
sed etiam rem significatam, quantum ab homine participari potest 43. Não é apenas a geração que
constitui a paternidade, mas também a autoridade e os cuidados do governo paterno. José
não teve, é verdade, parte na produção de Jesus Cristo, mas teve a seu respeito a autoridade
tanto quanto a solicitude e os deveres de um pai. Tem, por acaso, uma só das funções do
melhor dos pais que não tenha sido gloriosamente exercida por esse “servo fiel e prudente,
que o Senhor colocou no governo de sua família? – Quem constituit Dominus suus super familiam
suam 44”. Não foi José que tomou em seus braços e Menino Jesus logo depois de nascido e
que o deitou sobre a palha no presépio? Não foi, por acaso, José que empurpurou do mais
belo Sangue da terra o gládio da lei fazendo a circuncisão no divino Menino, já que era
responsabilidade dos pais administrar esse sacramento a suas crianças? Não foi, por acaso,
José que o subtraiu dos furores de seu real perseguidor? Não foi ele que forneceu, durante
trinta anos, do trabalho de suas mãos e do suor de sua fronte, o alimento, a vestimenta e o
alojamento? Quantas vezes os braços de José não serviram de berço ao Menino Jesus!
Quantos ternos beijos não lhe prodigou ele?! Quantas vezes não lhe deu ele de comer com
suas mãos, o vestiu, o ensinou a falar, o exerceu ao trabalho?! Pois esse divino Infante queria
parecer em tudo semelhante aos outros, e quando ele se tornou grande, quantas vezes José
não repousou sobre seu Coração?! Porém, se José se comportou como um pai tão terno, tão
devotado para com Jesus, como pensais que deve ter se comportado Jesus para com José?
Tem-se necessidade de dizer que ele foi para com ele o melhor dos filhos, testemunhando-
lhe um respeito, uma submissão, uma obediência perfeita em todas as coisas, como para com
seu pai bem-amado?! Ó tetos, ó muros, ó feliz recinto que abrigastes essa augusta família e
que fostes testemunha de seus trabalhos, de suas recreações, de suas celestes conversas que
Jesus e José tiveram, dizei-nos quantas vezes José, para se reanimar em suas fadigas, repetia
o doce nome de seu Jesus, e com qual respeitosa impressão acorria, então, Jesus a ele, como
se ele o tivesse chamado, dizendo-lhe com uma celeste alegria impressa sobre seu rosto: Eis-
me aqui, meu pai, que quereis? O que me ordenas? José, que foi de uma tão profunda
humildade que os quatro evangelistas não reportam uma só palavra dele, José, parece-me,
para condescender ao desejo de Jesus, teve de lhe dizer às vezes: Vejamos, filho meu, assisti-

42 “Ad quartum dicendum quod humanitas Christi ex hoc quod est unita Deo, et beatitudo creata ex hoc quod
est fruitio Dei, et beata virgo ex hoc quod est mater Dei, habent quandam dignitatem infinitam, ex bono infinito
quod est Deus. Et ex hac parte non potest aliquid fieri melius eis, sicut non potest aliquid melius esse Deo – à
quarta objeção é preciso dizer que a humanidade de Cristo, por ser unida a Deus, e a felicidade criada, por ser
a fruição de Deus, e a bem-aventurada Virgem, por ser a Mãe de Deus, possuem uma certa dignidade infinita
vinda do bem infinito, que é Deus. E, por causa disto, não se pode fazer algo de melhor, pois que não há nada
que seja melhor do que Deus.” Santo Tomás de Aquino, Summa Theologiæ, Iª, q. 25, a. 6.
43 “Não somente teve ele o nome de pai, mas também o que ele significa, tanto quanto é possível ao homem

de dele participar”.
44 “Que o Senhor constituiu sobre sua família”. Lc 24, 45.

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me nesse trabalho. E Jesus o assistia. Meu Filho, onde está a plaina? E Jesus trazia a plaina.
Limpemos o atelier, e Jesus começar a varrer, fazendo cada coisa com tanta modéstia e com
tanta graça, que todos os habitantes de Nazaré acorriam, às vezes, para a loja de José para
ver trabalhar essa interessante criança. Mas eles não eram os únicos a vir: todos os profetas
ali acorriam de longe: ó feliz José! Exclama Isaías, essa criança que contigo trabalha, e que te
chama de pai, é admirável, é o Deus forte, o príncipe da paz, o anjo do grande conselho:
admirabilis, Deus fortis, princeps pacis, magni consilii angelus 45. Aquele que reconheces como teu
filho, diz o profeta Miquéias, é o grande personagem do qual datam as origens da eternidade,
egressus ejus ab initio, a diebus æternitatis 46. Eu o reconheço também, diz o real profeta, essa
criança que te chama de pai, é aquele a quem a terra pertence e tudo o que ela encerra: Domini
est terra et plenitudo ejus 47. Se o Apóstolo tirou um invencível argumento em favor da soberania
de Jesus Cristo sobre todas as criaturas a partir do nome de Filho que Deus lhe deu: tanto
melior angelis effectus, quanto differentius præ illis nomen hæreditavit; cui enim angelorum dixit: pater meus
es tu 48? Nós podemos igualmente deduzir daqui a soberania de São José sobre todos os
santos, sobre todos os anjos, e sua elevação ao trono mais sublime no céu, a partir do nome
de pai que Deus lhe deu. Pois qual é o anjo ao qual o Senhor disse algum dia: Vós sois meu
pai? Cui enim angelorum dixit: pater meus es tu? Se Deus, em presença de toda a corte celeste, a
chama de pai, o venera como pai, o honra como pai, jugai se ele não foi então de uma
incomparável grandeza como pai.

X. Mas para se convencer que ele foi verdadeiramente grande como justo, maior como
esposo, e grandíssimo como pai, bastaria considera-lo entre os braços de Jesus e de Maria no
momento de render sua ama a seu Criador. Vós o vedes estendido sobre uma pobre cama,
Jesus de um lado, Maria de outro, envolto de uma multidão infinita de anjos, de arcanjos, de
serafins, que, em uma respeitosa atitude, se preparam para receber sua santa alma? Ó Deus,
quem poderá nos dizer com quais sentimentos, nesse momento supremo, José disse um
último adeus a Jesus e a Maria? Quantas ações de graças, quantas protestações, quantas
suplicações, quantas desculpas da parte desse santo ancião! Seus olhos falam, seu coração
fala, só sua língua se cala, mas seu próprio silêncio é eloquente. Tanto uma hora ele olha
Maria, e Maria, por sua vez, o olha, e com quanto amor! Tanto ele se volta para Jesus, e Jesus
lhe responde, e com um olhar tão afetuoso! Ele toma a mão de Jesus, a aperta sobre seu
coração, a cobre de beijos, ele a rega com suas lágrimas, e lhe diz de tempos em tempos,
antes de coração que de qualquer outra forma: Meu filho, meu bem-amado filho, eu vos
recomendo minha alma! E, apertando a mão de Jesus sobre seu coração, ele cai em um
desfalecimento de amor. Ah, José, se vós não soltais a mão daquele que é a Vida, vós não
podeis morrer! Ó, quão doce é morrer segurando a mão de Jesus! A alma, enfim, se separa
do corpo, ela toma seu impulso, mas, mal tendo saído, à vista de Jesus e de Maria, ela retorna.
Eu o repito, José, se vós não fechais os olhos à Vida, vós não podeis morrer. Jesus, José não
partira se vós não o soltardes. Maria, José não partirá se vós não lhe dais permissão. Jesus
levanta a mão, o abençoa e beija seu bem-amado pai, e José expira no meio dos beijos e
abraços de Jesus. Alma santa, podeis ir, o lugar reservado a vosso sublime mérito vos espera.

45 “Admirável, Deus forte, príncipe da paz, anjo do grande conselho”. Is 9, 6.


46 “Suas origens datam do início, dos dias da eternidade”. Mq 5, 2.
47 “A terra e tudo que ela contém pertence ao Senhor”. Sal 23, 1.
48 “Tão superior aos anjos quanto mais excelente que o deles foi o nome que ele herdou”. Hb 1, 4.

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Maria ficará à direita de Jesus, e vós à sua esquerda. É assim que deve ser honrado aquele
que foi grande como Justo, maior como Esposo e grandíssimo como Pai.

Conclusão

XI. Santa Teresa de Jesus, essa alma seráfica, tinha uma particular devoção para com nosso
Santo Patriarca, e não desejava nada tanto vê-lo honrado por todos. Ela protesta que nunca
lhe pediu algum favor sem ter sido por ele logo atendida, e exorta todos a fazerem o teste de
extrema benevolência desse grande santo, recorrendo a ele em todas as necessidades, sejam
temporais, sejam espirituais, assegurando que nos convenceremos, assim, por experiência
própria que, sendo ele o maior de todos os santos na glória, ele é também o mais poderoso
para nos obter graças. E, com efeito, Deus quis que as pessoas de todo estado de vida, de
toda condição, tivessem alguma coisa de comum com São José, afim de que todos tivessem
uma confiança especial em sua proteção, para que todos tivessem recurso a ele como a seu
particular advogado e como a um intercessor universal, visto que na casa de Jesus e de Maria,
os outros santos suplicam e José ordena, os outros rezam e José comanda, e comandando
ele obtém o que quer. Também os religiosos de todas as Ordens devem eles ter uma grande
devoção para com São José, e o reconhecer por seu fundador, já que, segundo a opinião de
muitos, ele é o primeiro que tenha feito os santos votos. Eclesiásticos, vós encontrais no
topo de vossa hierarquia São José, o primeiro que tenha administrado o patrimônio de Jesus
Cristo, vós lhe deveis pois uma devoção especial. Seculares, vós podeis também contar São
José em vossas posições: ele viveu virgem, verdade, mas caso e fora do templo, ainda que
sua casa fosse um santuário. Os grandes e os nobres devem ser devotos para com São José,
já que ele vinha do mais ilustre sangue real. E vós, homens do povo, artesão, pobres e
indigentes, vós deveis ter confiança em São José, que viveu, como vós, em um atelier, ganhou
sua vida do trabalho de suas mãos, e com o suor de sua fronte. Todos, em uma palavra, vivos
e mortos, devem esperar em São José, que viveu e morreu com aquele que é a Vida. Eis o
advogado universal de todos os cristãos; todos os cristãos pertencem a São José, porque
Jesus e Maria lhe pertenceram. Bem mais, os infiéis e os próprios bárbaros devem ter alguma
confiança em São José, pois ele os protegeu de uma maneira particular no tempo de seu
exílio. Precisaria então ser pior que um infiel, pior que um bárbaro para não ter devoção para
com São José. Esforcemo-nos, então, no desejo de o amar, de o honrar de mais em mais:
práticas de devoção, etc.

XII. Bendita, e bendita seja para sempre a memória de Cosmo III, esse grande príncipe que,
durante sua vida e sua morte, mostrou tanta devoção para com nosso Santo Patriarca. Não
contente de lhe ter oferecido as mais ternas afeições, ele quis ainda, no fim de sua carreira,
lhe consagrar o que ele tinha de ais caro no mundo, ou seja, o ardente amor que ele tinha
para com seus súditos. Tirando, então, a coroa de sua cabeça, ele a colocou sobre a de São
José, constituindo-o soberano de toda a Toscana. Por esse ato generoso, ele engajou o santo
a nos olhar como seus súditos, e nos obrigou a reconhecer José como nosso príncipe. Como
súditos, nós lhe devemos respeito, honras e homenagens; como príncipe, ele se engaja a nos
olhar com um olho benevolente e paterno, de sorte que para nós a devoção a São José é uma
necessidade hereditária que nos foi imposta pela piedade de Cosmo III, colocando-nos, em
certo sentido, na alternativa ou de sermos devotos desse grande santo, ou de cessarmos de
ser seus súditos. Recorramos, então, a esse ilustre patriarca, e veneremo-lo do fundo do

12
coração como nosso soberano e nosso advogado. Como soberano, supliquemos-lhe de
nunca retirar sua mão benfeitora de cima de seus súditos, que colocaram nele todas as suas
esperanças; eles tem confiança que, graças à sua proteção, a pobre Toscana não ficará em
nenhum momento viúva. Insistamos, sobretudo, por nossas insistentes orações para que ele
se digne assistir ao príncipe que partilha com ele seu governo, para fazê-lo prosperar e de
coloca-lo, igualmente, em situação de conduzir a bom fim todos seus piedosos projetos, que
não tem outro objetivo senão o bem público. Como advogado, nós não temos senão uma
graça a lhe pedir, que é a de ter um santa morte seguida do paraíso. Alegrai-vos, todavia,
piedosos servidores de São José, pois o paraíso está perto de vós; a escada que a ele conduz
não tem senão três degraus: Jesus, Maria e José. Eis como subimos e descemos por essa
escada. Subindo, nossas súplicas são colocadas primeiramente nas mãos de José, José as
apresenta a Maria e Maria as dá a Jesus. Descendo, as graças emanam de Jesus que as concede
a Maria, e Maria as entrega a José. Jesus faz tudo por Maria, pois é seu filho, Maria obtende
tudo por sua qualidade de Mãe, e José pode tudo em sua qualidade de justo, de esposo e de
pai.

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Santa Teresa de Ávila

1515 – 1582

O livro da vida - autobiografia

CAPÍTULO 6.

Trata do muito que ficou a dever ao Senhor por lhe ter dado conformidade
em tão grandes trabalhos e como tomou por medianeiro e advogado ao glorioso São
José e o muito que lhe aproveitou

Fiquei, destes quatro dias de paroxismo, num estado que só o Senhor pode saber os
incomportáveis tormentos que sentia em mim: a língua feita em pedaços de mordida; a
garganta, de não ter passado nada e da grande fraqueza, sufocava-me, pois nem a água podia
engolir; toda eu parecia estar desconjuntada; com grandíssimo desatino na cabeça. Toda
encolhida, feita um novelo que nisto parou o tormento daqueles dias sem me poder mexer,
nem braço, nem pé, nem mão, nem cabeça, mais do que se estivesse morta, se não me
maneassem. Só um dedo me parece podia mexer da mão direita. Chegarem-se a mim não
havia como, porque tudo estava em tal lástima, que não o podia suportar; num lençol, uma
a uma ponta, e outra a outra, me meneavam.

Isto foi até à Páscoa florida. Só tinha que, se não se chegassem a mim, as dores
cessavam muitas vezes e, a troco de descansar um pouco, já me tinha por boa, pois temia de
me vir a faltar a paciência. Assim fiquei muito contente de me ver sem tão agudas e contínuas
dores, embora, nos grandes frios de quartãs dobradas - fortíssimas - com que fiquei, as tivesse
incomportáveis. O fastio era muito grande.

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Dei-me logo tanta pressa em ir para o convento, que mesmo assim me fiz levar. A
que esperavam morta, receberam com alma, mas o corpo pior que morto, a causar pena vê-
lo. O extremo de fraqueza nem se pode dizer, que já só tinha ossos. Digo que o ficar assim
durou-me mais de oito meses; o estar tolhida, ainda que fosse melhorando, quase três anos.
Quando comecei a andar de gatas, louvava a Deus. Tudo sofri com grande conformidade e
- a não ser nestes tempos - com grande alegria; porque tudo se me fazia nada, comparado
com as dores e os tormentos do princípio. Estava muito conforme com a vontade de Deus,
ainda mesmo que me deixasse sempre assim.

Parece-me que toda a minha ânsia de sarar era para estar a sós em oração - como me
tinham ensinado - porque na enfermaria não havia disposição para isso. Confessava-me
muito amiúde; tratava muito de Deus, de maneira que edificava a todas. Espantavam-se da
paciência que o Senhor me dava; porque, a não vir da mão de Sua Majestade, parecia
impossível poder-se sofrer tantos males com tanto contentamento.

Grande coisa foi Ele haver-me feito a mercê que me fizera na oração. Esta fazia-me
entender que coisa era amá-Lo. Só desse pouco tempo vi em mim novas virtudes, embora
não fortes, pois não bastaram para me sustentar no caminho da justiça. Não dizer mal de
ninguém, por pouco que fosse, antes o ordinário era em mim o desculpar toda a murmuração,
porque trazia muito diante dos olhos como não havia de dizer nem querer que dissessem de
outra pessoa o que eu não quereria dissessem de mim. Praticava isto com grande extremo
nas ocasiões que para isso havia, embora não tão perfeitamente que algumas vezes, quando
mas davam grandes, não quebrantasse um pouco; mas de ordinário era isto. Assim - às que
estavam comigo e me tratavam - persuadi tanto disto que lhes ficou de costume. E todas
vieram a entender, que onde eu estivesse, seguras tinham as costas. E o mesmo pensavam
daquelas com quem eu tinha amizade e parentesco e que ensinava, ainda que noutras coisas
bem tenha que dar contas a Deus do mau exemplo que lhes dava.

Praza a Sua Majestade perdoar-me, que de muitos males fui causa, embora não com
tão danosa intenção como depois saía a obra.

Ficou-me o desejo da solidão; amiga de tratar e falar de Deus que, se eu encontrava


com quem, mais contento e recreação me dava que toda a delicadeza -ou grosseria, para
melhor dizer - da conversação do mundo. Comungar e confessar-me muito mais amiúde e
desejá-lo; amicíssima de ler bons livros; um grandíssimo arrependimento em ter ofendido a
Deus que, muitas vezes me recordo não ousava ter oração porque temia - como a um grande
castigo - a grandíssima pena que havia de sentir de O ter ofendido. Isto foi-me depois
crescendo em tal extremo, que não sei a que compare este tormento. E jamais foi -nem pouco
nem muito - por temor; mas, como me lembrava dos regalos que o Senhor me fazia na oração
e o muito que Lhe devia e via quão mal Lho pagava, não o podia sofrer. Enojava-me em
extremo das muitas lágrimas que pela culpa chorava, quando via a minha pouca emenda, pois
nem bastavam determinações nem a mágoa em que me via, para não voltar a cair quando me
punha na ocasião. Pareciam-me ser lágrimas enganosas e parecia-me ser depois maior a culpa,
porque via a grande mercê que me fazia o Senhor em mas dar com tão grande
arrependimento. Procurava confessar-me dentre em breve e, a meu parecer, fazia da minha
parte o que podia para voltar a estar em graça.

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Todo o mal vinha de eu não cortar pela raiz as ocasiões e nos confessores que pouco
me ajudavam; dizendo-me o perigo em que andava e a obrigação que tinha em não ter aqueles
tratos, creio, sem dúvida, que tudo se remediaria; porque de nenhum modo sofreria andar
em pecado mortal um só dia, se eu o entendesse.

Todos estes sinais de temor de Deus me vieram com a oração e o maior era o ir
envolvido em amor, porque não se me punha diante o castigo. Todo o tempo que estive tão
mal me durou a muita guarda de consciência quanto a pecados mortais. Oh! valha-me Deus;
desejava saúde para mais O servir e foi causa de todo o meu mal!

Pois, como me vi tão tolhida em tão pouca idade e no que haviam dado comigo os
médicos da terra, determinei-me a recorrer aos do Céu para que me sarassem, pois desejava
a saúde, embora sofresse com muita alegria a sua falta. Pensava algumas vezes que, se estando
boa me havia de condenar, melhor seria estar assim. Pensava, no entanto, que serviria muito
mais a Deus com saúde. Este é o nosso engano: não nos entregamos de todo ao que faz o
Senhor, que melhor sabe o que nos convém.

Comecei a fazer devoções de Missas e coisas muito aprovadas de orações, pois nunca
fui amiga doutras devoções que fazem algumas pessoas - em especial mulheres - com
cerimónias que eu não podia suportar e a elas lhes fazia devoção. Depois tem-se dado a
entender não convirem; eram superstições. Tomei por advogado e senhor ao glorioso São
José e encomendei-me muito a ele. Vi claramente que, tanto desta necessidade como de
outras maiores de honra e perda de alma, este Pai e Senhor meu me tirou com maior bem
do que eu lhe sabia pedir. Não me recordo até agora de lhe ter suplicado coisa que tenha
deixado de fazer. É coisa de espantar as grandes mercês que Deus me tem feito por meio
deste bem-aventurado Santo e dos perigos de que me tem livrado, tanto no corpo como na
alma. A outros santos parece ter dado o Senhor graça para socorrerem numa necessidade;
deste glorioso Santo tenho experiência que socorre em todas. O Senhor nos quer dar a
entender que, assim como lhe foi sujeito na terra - pois como tinha nome de pai, embora
sendo aio, O podia mandar -, assim no Céu faz quanto Lhe pede.

Isto têm visto, por experiência, algumas outras pessoas, a quem eu dizia para se
encomendarem a ele. E assim há muitas que lhe são devotas, experimentando de novo esta
verdade.

Procurava eu fazer a sua festa com toda a solenidade que podia, mais cheia de vaidade
que de espírito, querendo que se fizesse mui curiosamente e bem, embora com boa intenção.
Mas isto tinha de mal - se algum bem o Senhor me dava a graça de fazer-: era cheio de
imperfeições e com muitas faltas. Para o mal e curiosidade e vaidade tinha eu grande manha
e diligência. Que o Senhor me perdoe.

Quisera eu persuadir a todos a serem devotos deste glorioso Santo, pela grande
experiência que tenho dos bens que alcança de Deus. Não tenho conhecido pessoa que
deveras lhe seja devota e lhe presta particulares obséquios, que a não veja mais aproveitada
na virtude; porque aproveita de grande modo às almas que a ele se encomendam. Parece-me
que há alguns anos que, cada ano no seu dia, lhe peço uma coisa e sempre a vejo realizada;
se a petição vai algo torcida ele a endireita para maior bem meu.

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Se eu fora pessoa que tivesse autoridade para escrever, de boa vontade me alongaria
a dizer muito por miúdo as mercês que este glorioso Santo me tem feito a mim e a outras
pessoas. Mas, para não fazer mais do que me mandaram, em muitas coisas serei mais breve
do que quisera. Em outras, mais extensa do que era mister; enfim, como quem em todo o
bem tem pouca discrição. Só peço, por amor de Deus, que faça a prova quem não me
acreditar e verá, por experiência, o grande bem que é o encomendar-se a este glorioso
Patriarca e ter-lhe devoção. Em especial, as pessoas de oração sempre lhe haviam de ser
afeiçoadas. É que não sei como se pode pensar na Rainha dos Anjos - no tempo em que
tanto passou com o Menino Jesus - sem que se dê graças a São José pelo muito que então os
ajudou. Quem não encontrar mestre que lhe ensine oração, tome a este glorioso Santo por
mestre e não errará no caminho. Praza ao Senhor não haja eu errado em atrever-me a falar
dele; porque embora publique ser-lhe devota, no seu serviço e imitação sempre tenho
falhado. Ele procedeu como quem é, fazendo com que eu me pudesse levantar e andar e não
ficasse tolhida, e eu, como quem sou, usando mal desta mercê.

Quem diria que eu havia de cair tão depressa, depois de tantas mercês de Deus, depois
de ter Sua Divina Majestade começado a dar-me virtudes - que as mesmas me despertavam
a servi-Lo - depois de eu meter visto quase morta e em tão grande perigo de ser condenada,
depois de me ter ressuscitado alma e corpo, que todos os que me viam se espantavam de me
ver viva! Que é isto, Senhor meu? Em tão perigosa vida havemos de viver? Ao escrever isto
parece-me que, com o Vosso favor e por misericórdia Vossa, poderia dizer como São Paulo
- embora não com essa perfeição - já não vivo eu, senão que Vós, Criador meu, viveis em
mim. Há alguns anos que, segundo posso entender, me tendes da Vossa mão e me vejo com
desejos e determinações, e de algum modo tinha provado por experiência em muitas coisas
de não fazer coisa contra a Vossa vontade, por pequena que seja, ainda que deva fazer bastas
ofensas a Vossa Divina Majestade, sem o entender. Também me parece que não se me
oferecerá coisa por Vosso amor que, com grande determinação eu deixe de acometer; em
algumas me tendes ajudado para as levar a cabo. Não quero mundo nem coisa dele, nem me
parece algo me contente afora de Vós; tudo o mais é para mim pesada cruz. Bem me posso
enganar e nada ter disto que digo, mas bem vedes, meu Senhor, que, segundo posso entender,
não minto. E estou tremendo - e com muita razão -que me torneis a deixar. Já sei até que
ponto chega a minha fortaleza e pouca virtude quando não ma estais sempre a dar e a ajudar
para que Vos não deixe. Praza à Vossa Divina Majestade que mesmo agora não esteja
apartada de Vós, parecendo-me, no entanto, tudo isto de mim. Não sei como queremos
viver, pois é tudo tão incerto! Parecia-me, Senhor meu, já impossível deixar-Vos tão de todo;
mas, como tantas vezes Vos deixei, não posso deixar de temer, porque, em apartando-Vos
um pouco de mim, dava com tudo em terra.

Bendito sejais para sempre, pois, embora eu Vos deixasse, Vós não me deixastes a
mim tão de todo que não me tornasse a levantar com o dares-me sempre a mão. E muitas
vezes, Senhor, eu não a queria, nem queria entender como tantas vezes me chamáveis de
novo, como agora direi.

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Novena a São José

Festa comemorada no dia 19 de março

PRIMEIRO DIA

SÃO JOSÉ, PAI NUTRÍCIO DE JESUS

Amabilíssimo São José, que tivestes a honra de alimentar, educar e abraçar o Messias, a Quem
tantos profetas e reis desejaram ver e não viram: obtende-me, com o perdão das minhas
culpas, a graça da oração humilde e confiante que tudo alcança de Deus. Acolhei com
bondade paternal os pedidos que vos faço nesta Novena (...) e apresentai-os a Jesus que se
dignou de obedecer-vos na terra. Amém.

V. Rogai por nós, São José, Pai Nutrício de Jesus.


R. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo.
Para todos os dias:

Oração

Ó Deus que por uma inefável Providência Vos dignastes escolher o bem-aventurado São
José para Esposo de Vossa Mãe Santíssima: concedei-nos que aquele mesmo que na terra
veneramos como Protetor, mereçamos tê-lo no céu por nosso intercessor. Vós que viveis e
reinais por todos os séculos dos séculos.

R. Amém.

Pode acrescentar-se todos os dias:

Oração

Glorioso São José, que fostes exaltado pelo Eterno Pai, obedecido pelo Verbo Encarnado,
favorecido pelo Espírito Santo e amado pela Virgem Maria: louvo e bendigo a Santíssima
Trindade pelos privilégios e méritos com que vos enriqueceu. Sois poderosíssimo e jamais se
ouviu dizer que alguém tenha recorrido a vós fosse por vós desamparado. Sois o Consolador
dos aflitos, o amparo dos míseros e o advogado dos pecadores. Acolhei, pois, com bondade
paternal a quem vos invoca com filial confiança e alcançai-me as graças que vos peço nesta
Novena (…). Eu vos escolho por meu especial Protetor. Sede, depois de Jesus e Maria, minha
consolação nesta terra, meu refúgio nas desgraças, meu guia nas incertezas, meu conforto
nas tribulações, meu pai solícito em todas as necessidades. Obtende-me finalmente como
coroa dos vossos favores uma boa e santa morte, graça de Nosso Senhor. Assim seja.

SEGUNDO DIA

SÃO JOSÉ, ESPOSO DA MÃE DE DEUS

São José, castíssimo Esposo Mãe de Deus e Guarda fiel de sua virgindade: obtende-me por
Maria a pureza do corpo e da alma e a vitória em todas as tentações e dificuldades.
Recomendo–vos também os esposos cristãos para que unidos com sincero amor e

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fortalecidos pela graça se amparem mutuamente nos sofrimentos e tribulações da vida.
Amém.

V. Rogai por nós São José, Esposo da Mãe de Deus.


R. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo.

TERCEIRO DIA

SÃO JOSÉ, CHEFE DA SAGRADA FAMÍLIA

Glorioso São José, que gozastes durante tantos anos da presença e filial afeição de Jesus, a
Quem tivestes a dita de alimentar e vestir, juntamente a vossa Santíssima Esposa: eu vos
suplico me alcanceis o dom inefável de sempre viver em união com Deus pela graça
santificante. Obtende também para os pais cristãos a graça do fiel cumprimento de seus
graves deveres de educadores e, aos filhos, o respeito e a obediência segundo o exemplo do
Menino Jesus. Amém.

V. Rogai por nós, São José Chefe da Sagrada Família.


R. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo.

QUARTO DIA

SÃO JOSÉ, EXEMPLO DE FIDELIDADE

Fidelíssimo São José, que nos destes tão belo exemplo no fiel cumprimento de vossos
deveres de Protetor da Santíssima Virgem e de Pai Nutrício do Redentor: rogo-vos me
obtenhais a graça de imitar o vosso exemplo na fidelidade a todos os deveres do meu estado
de vida. Ajudai-me a ser fiel nas coisas pequenas para o ser também nas grandes. Alcançai
essa mesma graça para todos que me são caros nesta vida, a fim de chegarmos a gozar no
Céu o prêmio prometido aos que forem fiéis até a morte. Amém.

V. Rogai por nós, São José, Exemplo de Fidelidade.


R. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo.

QUINTO DIA

SÃO JOSÉ, ESPELHO DE PACIÊNCIA

Bondoso São José que suportastes com heróica paciência as provações e adversidades na
viagem a Belém, na fuga para o Egito e durante a vida oculta em Nazaré e me destes o
exemplo de admirável conformidade com a vontade de Deus: obtende-me a virtude da
paciência nas dificuldades de cada dia. Alcançai também invencível paciência a todos que
suportam pesadas cruzes, a fim de que se unam sempre mais a Jesus, Divino Modelo de
mansidão e paciência. Amém.

V. Rogai por nós São José, Espelho de Paciência.


R. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo.

19
SEXTO DIA

SÃO JOSÉ, MODELO DOS OPERÁRIOS

Humilde São José, que, vivendo em pobreza, dignificastes a vossa profissão pelo trabalho
constante e vos sentistes feliz em servir a Jesus e Maria com o fruto de vossos suores:
alcançai-me amor ao trabalho, que me foi imposto como dever de estado, procurando
cumprir nisto sempre a vontade de Deus. Protegei os lares dos operários do Brasil contra as
influências nefastas dos inimigos de Cristo e da Santa Igreja. Obtende-lhes a graça de
santificarem o seu trabalho pela reta intenção em tudo, conformados com os desígnios da
Divina Providência. Amém.

V. Rogai por nós, São José, Modelo dos operários.


R. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo.

SÉTIMO DIA

SÃO JOSÉ, PROTETOR DA SANTA IGREJA

Glorioso Patriarca São José, Protetor e Padroeiro da Igreja Universal : obtende-me a graça
de amar a Igreja como Mãe e de a honrar como verdadeiro discípulo de Cristo. Rogo-vos
que veleis sobre o Seu Corpo Místico, como outrora velastes sobre Jesus e Maria. Protegei o
Santo Padre e os Bispos, os Sacerdotes e os Religiosos. Alcançai-lhes santidade de vida e
eficácia no apostolado. Guardai a inocência da infância, a castidade da juventude, a
honestidade do lar, a ordem e paz da Sociedade. Amém.

V. Rogai por nós, São José, Protetor da Santa Igreja.


R. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo.

OITAVO DIA

SÃO JOSÉ, ESPERANÇA DOS ENFERMOS

Compassivo São José, esperança dos doentes e necessitados: valei-me em todas as


enfermidades e tribulações alcançando-me plena conformidade com os admiráveis desígnios
de Deus. Obtende-me também para mim e para todos, pelos quais rezo nesta Novena, a cura
das enfermidades espirituais que são as paixões desordenadas, fraquezas, faltas e pecados e
protegei-nos contra as tentações do inimigo da nossa salvação. Amém.

V. Rogai por nós, São José, Esperança dos enfermos.


R. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo.

20
NONO DIA

SÃO JOSÉ, PADROEIRO DOS MORIBUNDOS

Ditoso São José que, morrendo nos braços de Jesus e Maria, partistes deste mundo ornado
de virtudes e enriquecido de méritos: assisti-me na hora suprema e decisiva da minha vida
contra os ataques do poder infernal. Obtende-me a graça de morrer confortado com os
santos Sacramentos, necessários para a minha salvação. Tende compaixão de todos os
agonizantes. alcançando-lhes a graça da salvação por intermédio de Maria, vossa Santíssima
Esposa. Amém.

V. Rogai por nós, São José, Padroeiro dos moribundos.


R. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo.

Oração a São José


Composta por São Franciso de Sales

Glorioso São José, Esposo de Maria, concedei-nos vossa proteção paterna, nós vos
suplicamos pelo Coração de Jesus Cristo. Vós, cujo poder se estende a todas as necessidades,
sabendo tornar possíveis as coisas mais impossíveis, volvei vossos olhos de Pai sobre vossos
filhos. Na dificuldade e tristeza que nos afligem, recorremos a vós com toda confiança.
Dignai-vos tomar sob o vosso poderoso amparo este negócio importante e difícil, causa de
nossas preocupações (cita-se). Fazei que o êxito sirva para a glória de Deus e o bem de seus
dedicados servos. Amém.

Oração da Coleta da Missa de São José

Santíssimæ Genetrícis tuæ Sponsi, Nós vos suplicamos, Senhor, que nos
quæsumus, Dómine, méritis adjuvémur: ut ajudeis pelos méritos do Esposo de Vossa
quod possibilitas mostra non óbtinet, ejus Santíssima Mãe, afim de que pela
nobis intercessióne donétur: Qui vivis et intercessão dele nos seja dado aquilo que
regnas in sæcula sæculorum. Amen. não conseguimos alcançar com nossa
capacidade. Vós que viveis e reinais por
todos os séculos dos séculos. Amem.

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Canto em honra de São José

Te Joseph Celebrent

22
23
Tradução

1 - Que os coros celestes celebrem vossa glória, ó José!


Que os cantos de todos os cristãos façam ressoar seus louvores!
Glorioso já por vossos méritos, sois unido
Por uma casta aliança à Augusta Virgem.

2 - Quando, presa da dúvida e da ansiedade,


Vós vos admirastes do estado no qual se encontra vossa esposa,
Um Anjo vem ensinar-vos que a criança que ela concebeu,
Foi concebida pela operação do Espírito Santo.

3 - O Senhor nasceu, vós o apertais nos vossos braços;


Vós fugistes com ele em direção às praias longínquas do Egito;
Vós o procurais em Jerusalém onde vós o havíeis perdido, e vós o reencontrais,
Assim, vossas alegrias são misturadas com as lágrimas.

4 - Outros são glorificados após uma santa morte,


Eles, que mereceram a palma, são recebidos no seio da glória,
Mas vós, por um admirável desígnio, igual aos santos, e mesmo ainda mais feliz,
Vós gozais desde essa vida da presença de Deus.

5 - Trindade soberana, escutai nossas orações, dai-nos o perdão;


Que os méritos de José nos ajudem a subir aos céus,
Para que enfim nos seja dado de cantar para sempre
O cântico do reconhecimento e da felicidade. Amém.

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