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RONALDO GIUSTI ABREU

A RESPONSABILIDADE PENAL AMBIENTAL DAS PESSOAS JURÍDICAS

MARABÁ

2017
RONALDO GIUSTI ABREU

A RESPONSABILIDADE PENAL AMBIENTAL DAS PESSOAS JURÍDICAS

Artigo Científico apresentado como requisito


parcial à obtenção do grau de Especialista em
Direito Ambiental, Curso de Pós-Graduação
em Direito Ambiental, Centro Universitário
UNINTER.
Orientadora: Prof.ª Me.Sonia de Oliveira

MARABÁ
A RESPONSABILIDADE PENAL AMBIENTAL DAS PESSOAS JURÍDICAS

Autor: Ronaldo Giusti Abreu1

Orientador: Prof.ª Me.Sonia de Oliveira 2

Resumo

O presente artigo é apresentado como Trabalho de Conclusão do Curso de Pós-


Graduação em Direito Ambiental do Centro Universitário UNINTER , com o
objeto específico de responder à seguinte problemática jurídica: as pessoas jurídicas
podem ser responsabilizadas penalmente pelo cometimento de crimes ambientais?
O objetivo científico do presente trabalho é estudar a responsabilidade penal
ambiental das pessoas jurídicas e as abordagens do tema em sede constitucional,
jurisprudencial, legal e doutrinária. Para responder a essa indagação, recorreu-se a
dados extraídos de decisões de tribunais e em obras de doutrinadores pátrios,
objetivando demonstrar que, embora historicamente nova, a responsabilidade penal
ambiental das pessoas jurídicas tem sido admitida pelos tribunais brasileiros, em
que pese a grande dificuldade encontrada para embasá-la teoricamente,
flexibilizando-se o princípio societas delinquere non potestat. Mesmo diante da
pouca produção doutrinária e jurisprudencial, foi possível concluir, com sucesso, o
objetivo deste trabalho.

Palavras-chave: Crimes ambientais. Pessoas jurídicas. Responsabilidade


penal.

Introdução
O ser humano demorou milênios para adquirir uma consciência ambiental,
segundo a qual os recursos naturais são finitos e precisam ser preservados, para as
atuais e futuras gerações.

1
Advogado, bacharel em direito pelo Centro de Estudos Superiores do Estado do Pará-CESEP e
matriculado no curso de pós-graduação em Direito Ambiental do Centro Universitário
UNINTER .
2
Me st re e m Dire it o n a P UC/ P R. E spe cia list a   e m Dire it o Crimin a l pe la Un icu rit ib a .
Esp e cia list a em Dire it o do Tra b a lh o p e lo Ce n t ro Un ive rsit á rio UNI NTE R. G ra du ad a
e m Dire it o p e la P UC -P R. A dvo ga da at ua nt e n as á re a s t rab a lh ista e cí ve l.
P ro f e sso ra O rien t ad o ra de TCC no Cen t ro Un ive rsit á rio UNI NTE R .
O Estado vale-se do direito penal para a proteção do meio ambiente, uma
vez que o Direito Ambiental tem como objeto maior a tutela da vida, em particular a
vida humana.
O presente trabalho tem como objetivo estudar e pesquisar sobre a
responsabilidade penal ambiental das pessoas jurídicas.
Institucionalmente, o objetivo deste artigo é a obtenção do título de pós-
graduação em Direito Ambiental pelo Centro Universitário UNINTER.
Cientificamente, o objetivo deste trabalho é analisar a problemática da
responsabilidade penal das pessoas jurídicas pelo cometimento de crimes
ambientais, tendo em vista o princípio societas delinquere non potestat, segundo o
qual, só cometem crimes as pessoas naturais.
Assim, desenvolvemos o seguinte problema de pesquisa, em razão dos
objetivos propostos:
- As pessoas jurídicas podem ser responsabilizadas penalmente pela
prática de crimes ambientais, face o princípio societas delinquere non
potestat?
Em virtude do problema desenvolvido, levantaram-se as seguintes hipóteses
para a pesquisa:
a) Não seria possível a responsabilização penal ambiental das pessoas
jurídicas, em razão do princípio societas delinquere non potestat,
segundo o qual só podem cometer crimes as pessoas naturais;
b) As pessoas jurídicas poderiam ser responsabilizadas penalmente por
cometimento de crimes ambientais, em que pese o princípio societas
delinquere non potestat.
Tendo como base a descrição do tema investigado, o método utilizado teve
como técnica de investigação a pesquisa bibliográfica, doutrinária e jurisprudencial.

1. Direito Ambiental. Princípios.

O direito ambiental rege-se pelos princípios da precaução, da prevenção, da


correção na fonte e do poluidor pagador.
Para CANOTILHO (2008, p. 42), o princípio da precaução funciona como
uma espécie de princípio “in dubio pro ambiente”: na dúvida sobre a perigosidade de
uma certa atividade para o ambiente, decide-se a favor do ambiente e contra o
potencial poluidor.
De acordo com o precitado constitucionalista lusitano (2008, p. 45):
“O princípio da prevenção implica então a adopção de medidas previamente
à ocorrência de um dano concreto, cujas causas são bem conhecidas, com
o fim de evitar a verificação desses danos ou, pelo menos, de minorar
significativamente os seus efeitos”.

Ainda segundo CANOTILHO (2008, p. 46), o princípio da correção na fonte:


“determina quem deve, e onde e quando se devem desenvolver acções de
proteção do ambiente. Visa, portanto, pesquisar as causas da poluição para,
sempre que possível, as eliminar ou pelo menos moderar, evitando que se
repitam”.

Por fim, o princípio do poluidor pagador rege-se pela responsabilidade


imputada ao poluidor pelo dano que causar ao meio ambiente.

1. Responsabilidade penal ambiental de pessoas jurídicas


Introduziu-se o Direito Penal Ambiental no sistema jurídico para proteger o
meio ambiente e sancionar as atividades e as condutas nocivas a sua existência,
haja vista a complexidade do sistema. O Direito Penal quis, na verdade, manter a
harmonia entre o homem e a natureza, e incorporar o repúdio da sociedade em
relação aos danos causados a essa relação.
Para LECEY (2006, p. 38):
“[...] o meio ambiente ecologicamente equilibrado é essencial à
qualidade de vida a ponto de impor-se ao Poder Público e à coletividade
o dever de vida a ponto de preservá-lo às presentes e futuras gerações.
[...] Bem de tal extrema importância, não pode ficar alheio ao Direito
Penal, cujas regras devem estender-lhe proteção.

LECEY (2006. p. 39) ensina, ainda, que o ambiente é tutelado e protegido,


como um valor em si mesmo, pelo que representa às gerações presentes e
futuras, como destaca nossa própria Constituição de 1988. A tutela penal do meio
ambiente, por consequência, decorre da relação do homem e a natureza, regulada
pelo direito.
Da prática de uma infração penal advém uma responsabilidade, que se
subdivide em duas: a individual e a da pessoa jurídica.
A questão que se eleva neste trabalho é se a pessoa jurídica é responsável
penalmente, no caso de cometimento de infração penal ambiental.
Não há dúvidas de que a pessoa física titular de pessoa jurídica que explora
determinada atividade que agrida o meio-ambiente está passível de ser
responsabilizada penalmente, por força do princípio societas delinquere non
potestat.
E quanto à responsabilização penal da pessoa jurídica, mormente na esfera
do direito ambiental?
Imputar responsabilidade penal a uma pessoa jurídica pela prática de
crime ambiental é inovação da Constituição de 1988 – art. 225, §3°.
Por ser inovação, houve e ainda há grande dificuldade de tornar eficaz a
norma constitucional, mediante a flexibilização do princípio societas delinquere
non potestat, segundo o qual a sociedade não pode cometer crimes. Ou seja,
somente as pessoas físicas poderiam ser autoras de infrações criminais.
A Lei n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, regulamenta o dispositivo
constitucional, ao definir os crimes ambientais, responsabilizar as pessoas
jurídicas pela sua prática e definir as penas.
Se é verdade que a Constituição e a lei são claras quanto a esse instituto, o
suporte doutrinário e jurisprudencial ainda é débil. É historicamente recente
decisão de tribunal superior que admite essa responsabilização penal.

a. Abordagem constitucional brasileira.

Para Savigny, citado por POGGIO SMANIO (2004, p. 1), a pessoa jurídica
é uma criação artificial da lei e, como tal, não pode ser objeto de autêntica
responsabilidade penal, que somente pode recair sobre os reais responsáveis
pelo delito, os homens por trás das pessoas jurídicas. Esse pensamento ainda é
adotado nos dias de hoje por ampla doutrina.
Ensina o caput do art. 225 da Constituição Federal de 1988 (2015) que
“Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações”.
O §3° do artigo 225 da Constituição estabelece a responsabilidade penal
das pessoas jurídicas, por infrações lesivas ao meio ambiente, ao dispor que “As
condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
Logo, resta evidente a intenção do legislador constitucional pátrio de
flexibilizar o principio societas delinquere non potestat, uma vez que ensina que
as pessoas jurídicas também estão sujeitas às sanções penais por suas condutas
e atividades lesivas ao meio ambiente.

b. Abordagem legal
No Brasil, a Lei n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, inseriu
definitivamente no arcabouço legal ordinário a responsabilidade penal das
pessoas jurídicas, pelo cometimento de crimes ambientais.
A referida lei, já no seu art. 3°, leciona: “As pessoas jurídicas serão
responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta
Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante
legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua
entidade”.(grifamos).
CAMARGO (2011, p. 16), ao mergulhar nos ensinamentos de TEIXEIRA,
assim conclui acerca do advento da lei ambiental brasileira:
A Lei nº 9.605/1998 dispôs sobre as sanções penais e administrativas
para as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado e, ainda, precursoramente tipificou os delitos ambientais
imputados às pessoas físicas e às pessoas jurídicas de direito público ou
de direito privado, sendo impar ao dispor sobre responsabilidade penal
de pessoa jurídica, o que significou um grande avanço na proteção
ambiental.

Esse diploma legal, ainda segundo CAMARGO (2011, p.8):

...representou uma mudança da visão do tradicional Direito Penal, pois


em sua redação tornou efetivo o compromisso constitucional de se incluir
a pessoa jurídica como sujeito ativo de crime ambiental, possibilitando
que os entes coletivos pudessem estar no pólo passivo da ação penal,
sobrepujando o clássico principio societas delinquere non potestat.

A Lei n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, estabelece as penas que devem


alcançar as pessoas jurídicas cometedoras de crimes ambientais.
As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas
jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, da Lei n° 9.605/1998, são multa,
restritivas de direitos e prestação de serviços à comunidade.
As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são suspensão parcial ou
total de atividades, interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade e
proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios,
subvenções ou doações.
Vale acrescentar que a suspensão de atividades será aplicada quando as
pessoas jurídicas apenadas não estiverem obedecendo às disposições legais ou
regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente.
Por seu turno, a interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou
atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a
concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar.
A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios,
subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos.
A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em
custeio de programas e de projetos ambientais, execução de obras de recuperação
de áreas degradadas, manutenção de espaços públicos e contribuições a entidades
ambientais ou culturais públicas.
A pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de
permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei terá decretada sua
liquidação forçada, seu patrimônio será considerado instrumento do crime e como tal
perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.
Assim, o legislador ordinário, em avançando na proteção ambiental, regula,
de forma a não deixar dúvidas, o teor da norma constitucional ínsita no §3° do art.
225 da Carta política de 1988.

c. Abordagem doutrinária
Quatros correntes doutrinárias abordam o tema, segundo CAVARET LOPES
(2016, p.2/3).
A primeira corrente sustenta que a norma foi interpretada de maneira
equivocada. Para essa corrente, o legislador constituinte quis dizer que às pessoas
jurídicas estão reservadas somente as sanções administrativas. As sanções penais
estariam reservadas somente às pessoas físicas.
A segunda corrente ensina que a responsabilidade penal, diferentemente da
responsabilidade civil, não é objetiva, por isso, esta corrente, baseada na teoria da
ficção, considera que nossa teoria criminal impossibilita a responsabilização penal
do ente coletivo, pois este não possui vontade própria, nem consciência da ilicitude,
ou seja, não possui culpabilidade. Desse modo, a pessoa jurídica assumiria o papel
de autor imediato, enquanto a pessoa natural seria o autor mediato do delito,
portanto o ser culpável. Sobre a culpabilidade, Cleber Masson leciona que "não se
admite a punição quando se tratar de agente inimputável, sem potencial consciência
da ilicitude ou de quem não se possa exigir conduta diversa" (2015, p. 110).
Seguida pelo Superior Tribunal de Justiça, a terceira corrente afirma ser
possível a responsabilização das empresas através do sistema da dupla imputação,
pois assim restaria preenchido o elemento subjetivo, qual seja, a culpabilidade do
ente moral.
Assim, a imputação simultânea da pessoa física e da pessoa jurídica seria
a maneira da pessoa coletiva figurar no polo passivo da ação penal. Seguindo esse
raciocínio, para que a pessoa jurídica seja condenada, é necessária também a
condenação da pessoa física. Afastada a pessoa natural da ação penal, esta, por
consequência, seria extinta em relação à pessoa coletiva.
De acordo com a quarta corrente, a aplicação do sistema das imputações
paralelas não é requisito obrigatório para o ajuizamento da ação penal contra a
empresa, pois a Constituição Federal não impôs tal exigência – a maneira de como
o ente moral será responsabilizado criminalmente – nem mesmo fez ressalva
alguma quanto a lei que irá dispor futuramente sobre o assunto, bem como o art. 3º,
da Lei 9.605/1998, que dispõe sobre quais são os requisitos para responsabilizar a
empresa, não faz menção ao concurso do ente moral com o natural. O Supremo
Tribunal Federal adotou este entendimento no julgamento do RE 548.818 PR.
Em reforço à tese de responsabilização criminal das pessoas jurídicas,
GOMES (1999, p. 89) bebe na fonte da doutrina inglesa, embora com ênfase nos
crimes cometidos contra a livre concorrência, pelo que ensina:
A doutrina inglesa, holandesa e americana, tendo à frente,
principalmente, John Vervaele, de Utrecht, sustenta que, se a pessoa
jurídica tem capacidade de ação para contratar, tem também capacidade
para descumprir, por exemplo, criminosamente o contratado, logo tem
capacidade de agir criminosamente. Além do mais, principalmente no
que se refere ao Direito Penal Econômico, ilícitos existem em que a lei
prevê, exclusivamente, a conduta da empresa. É o que acontece, entre
outros exemplos, com os crimes contra a livre concorrência. Quem
exerce a concorrência desleal é a empresa. A ação da pessoa natural
que atua por conta e no proveito dela é expressão do agir da empresa,
pois quem pratica a ação é a própria empresa.
Adequando a doutrina inglesa ao tema em estudo, quem agride o meio
ambiente, na maioria dos casos, é a pessoa jurídica, logo tem capacidade de agir
criminosamente e por tal ação deve responder.

d. Abordagem jurisprudencial
As decisões dos tribunais brasileiros acerca do tema enfocado demonstra
com clareza a dificuldade da afirmação das normas constitucional e legal pelo
Poder Judiciário.
Segundo ensina AYALA (2008, p. 402), essa dificuldade se situa em dois
aspectos principais: a) reconhecimento da própria possibilidade de
responsabilização da pessoa jurídica; b) aplicação da pena à pessoa jurídica, uma
vez reconhecida a eficácia da norma constitucional.
Acerca do primeiro aspecto, verifica-se o desenvolvimento dos debates
mais relevantes e a exposição das oposições mais severas em relação à eficácia
da norma constitucional.
Registre-se que somente no início do século XXI, através de acórdão do
Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (2001), admitiu-se, no Brasil, a
possibilidade de responsabilização penal de pessoas jurídicas pela prática de
delitos, independente de seus dirigentes.
Seguindo na esteira dessa decisão, o Tribunal Regional Federal da 4ª.
Região confirmou decisão da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, que recebeu
denúncia contra a Petróleo do Brasileiro S/A.
Segundo PEDRO (2006, p. 6), no dia 6 de junho de 2005, o Jornal Valor
Econômico noticiou que, pela primeira vez um tribunal superior autorizara
processo penal contra uma empresa, por cometimento de crime contra o meio
ambiente.
De acordo com a reportagem, o processo envolve um posto de gasolina do
município de Videira (SC), que seria responsável pelo lançamento de óleo, graxa
e outros produtos químicos no leito de um rio. A inclusão da empresa na denúncia
foi permitida pelo STJ – Superior Tribunal de Justiça, por força de recurso do
Ministério Público do Estado de Santa Catarina.
Em caso envolvendo a Petróleo Brasileiro S/A, o Tribunal Regional Federal
da 4ª. Região (Ayala, 2008, p. 403) admitiu expressamente a possibilidade de
responsabilização penal de pessoa jurídica, ao confirmar decisão de primeira
instância, que recebera denúncia formulada pelo Ministério Público Federal.
O Supremo Tribunal Federal, mediante decisão de sua Primeira Turma,
filia-se à quarta corrente doutrinária, já que em decisão da relatoria da Ministra
Rosa Weber, rechaçou a tese de condicionamento da ação penal ambiental à
identificação e à persecução concomitante da pessoa física, haja vista que tal
condicionamento não encontra amparo no §3° do Art. 225 da Constituição
Federal. Essa decisão contou com a seguinte ementa :
EMENTA RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PENAL. CRIME
AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA.
CONDICIONAMENTO DA AÇÃO PENAL À IDENTIFICAÇÃO E À
PERSECUÇÃO CONCOMITANTE DA PESSOA FÍSICA QUE NÃO
ENCONTRA AMPARO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. O art.
225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização
penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução
penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A
norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação. 2. As
organizações corporativas complexas da atualidade se caracterizam pela
descentralização e distribuição de atribuições e responsabilidades,
sendo inerentes, a esta realidade, as dificuldades para imputar o fato
ilícito a uma pessoa concreta. 3. Condicionar a aplicação do art. 225,
§3º, da Carta Política a uma concreta imputação também a pessoa física
implica indevida restrição da norma constitucional, expressa a intenção
do constituinte originário não apenas de ampliar o alcance das sanções
penais, mas também de evitar a impunidade pelos crimes ambientais
frente às imensas dificuldades de individualização dos responsáveis
internamente às corporações, além de reforçar a tutela do bem jurídico
ambiental. 4. A identificação dos setores e agentes internos da empresa
determinantes da produção do fato ilícito tem relevância e deve ser
buscada no caso concreto como forma de esclarecer se esses indivíduos
ou órgãos atuaram ou deliberaram no exercício regular de suas
atribuições internas à sociedade, e ainda para verificar se a atuação se
deu no interesse ou em benefício da entidade coletiva. Tal
esclarecimento, relevante para fins de imputar determinado delito à
pessoa jurídica, não se confunde, todavia, com subordinar a
responsabilização da pessoa jurídica à responsabilização conjunta e
cumulativa das pessoas físicas envolvidas. Em não raras oportunidades,
as responsabilidades internas pelo fato estarão diluídas ou parcializadas
de tal modo que não permitirão a imputação de responsabilidade penal
individual. 5. Recurso Extraordinário parcialmente conhecido e, na parte
conhecida, provido. (RE 548181, Relator(a): Min. ROSA WEBER,
Primeira Turma, julgado em 06/08/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-
213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014).

Para A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, a pessoa jurídica


pode ser sujeito ativo de crime ambiental, desde que seja denunciada juntamente
com a pessoa física responsável pela decisão de execução do crime. Assim, para
tal responsabilização criminal, exige o atendimento de dois pressupostos: seja a
infração penal cometida pelo representante da empresa e que a prática delituosa
ocorra em benefício da pessoa jurídica. A ementa abaixo é clara:
EMENTA
 
CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL PRATICADO POR PESSOA
JURÍDICA. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO ENTE COLETIVO.
POSSIBILIDADE. PREVISÃO CONSTITUCIONAL REGULAMENTADA
POR LEI FEDERAL. OPÇÃO POLÍTICA DO LEGISLADOR. FORMA DE
PREVENÇÃO DE DANOS AO MEIO-AMBIENTE. CAPACIDADE DE
AÇÃO. EXISTÊNCIA JURÍDICA. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES
EM NOME E PROVEITO DA PESSOA JURÍDICA. CULPABILIDADE
COMO RESPONSABILIDADE SOCIAL. CO-RESPONSABILIDADE.
PENAS ADAPTADAS À NATUREZA JURÍDICA DO ENTE COLETIVO.
RECURSO PROVIDO.
I. Hipótese em que pessoa jurídica de direito privado, juntamente com
dois administradores, foi denunciada por crime ambiental,
consubstanciado em causar poluição em leito de um rio, através de
lançamento de resíduos, tais como, graxas, óleo, lodo, areia e produtos
químicos, resultantes da atividade do estabelecimento comercial.
II. A Lei ambiental, regulamentando preceito constitucional, passou a
prever, de forma inequívoca, a possibilidade de penalização criminal das
pessoas jurídicas por danos ao meio-ambiente. 
III. A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos
ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de
punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como forma
mesmo de prevenção geral e especial.
IV. A imputação penal às pessoas jurídicas encontra barreiras na
suposta incapacidade de praticarem uma ação de relevância penal, de
serem culpáveis e de sofrerem penalidades.
V. Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e
pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores,
poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de
responsabilização penal.
VI. A culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e
a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do
seu administrador ao agir em seu nome e proveito.
VII. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver
intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do
ente moral.
VIII. "De qualquer modo, a pessoa jurídica deve ser beneficiária direta ou
indiretamente pela conduta praticada por decisão do seu representante
legal ou contratual ou de seu órgão colegiado.".
IX. A atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a
própria vontade da empresa. A co-participação prevê que todos os
envolvidos no evento delituoso serão responsabilizados na medida se
sua culpabilidade.
X. A Lei Ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de
multas, de prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos,
liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, todas
adaptadas à sua natureza jurídica.
XI.  Não há ofensa ao princípio constitucional de que "nenhuma pena
passará da pessoa do condenado...", pois é incontroversa a existência
de duas pessoas distintas: uma física - que de qualquer forma contribui
para a prática do delito - e uma jurídica, cada qual recebendo a punição
de forma individualizada, decorrente de sua atividade lesiva.
XII. A denúncia oferecida contra a pessoa jurídica de direito privado deve
ser acolhida, diante de sua legitimidade para figurar no pólo passivo da
relação processual-penal.
XIII. Recurso provido, nos termos do voto do Relator.
(RE 564.960 - SC (2003⁄0107368-4), Relator: Min. GILSON DIPP, Quinta
Turma, julgado em 02/06/2005).

Logo se vê que, por essa decisão, o STJ se filia à terceira corrente


doutrinária, segundo a qual é possível a responsabilização das empresas através do
sistema da dupla imputação.

Conclusão

O direito ambiental rege-se por quatro princípios, segundo a doutrina


capitaneada por Canotilho: da precaução, da prevenção, da correção na fonte e
do poluidor pagador.
Este último princípio – do poluidor pagador – rege-se pela
responsabilidade imputada ao poluidor pelo dano que causar ao meio ambiente.
Assim, aquele que causar dano ao meio ambiente deverá ser responsabilizado.
Com espeque nesse princípio, o §3° do Art. 225, da Constituição de 1988,
inseriu em nosso ordenamento jurídico a possibilidade de ser a pessoa jurídica
responsabilizada penalmente pelo cometimento de infrações criminais ao meio
ambiente.
Logo, o Direito Penal Ambiental foi introduzido no sistema jurídico
brasileiro para proteger o meio ambiente.
A lei dos crimes ambientais regulamentou o dispositivo constitucional,
consolidando essa responsabilidade penal, instituindo as penas a serem
cumpridas pelas pessoas jurídicas.
Em sede doutrinária, quatro correntes abordam o tema, segundo Carvet
Lopes. A primeira ensina que às pessoas jurídicas estão reservadas somente as
sanções administrativas. As sanções penais estariam reservadas somente às
pessoas físicas; a segunda considera que nossa teoria criminal impossibilita a
responsabilização penal do ente coletivo, pois este não possui vontade própria,
nem consciência da ilicitude, ou seja, não possui culpabilidade; a terceira afirma
ser possível a responsabilização das empresas através do sistema da dupla
imputação; e a quarta diz que aplicação do sistema das imputações paralelas não
é requisito obrigatório para o ajuizamento da ação penal contra a empresa, pois a
Constituição Federal não impôs tal exigência.
A Constituição e a lei são uníssonas quanto a possibilidade da
responsabilização penal ambiental das pessoas jurídicas. O mesmo não se pode
afirmar quanto à posição doutrinária.
Raras são as decisões dos tribunais pátrios que reconhecem essa
possibilidade de imputação penal. A primeira decisão nesse sentido é do Tribunal
de Justiça do Estado de Santa Catarina, tomada no ano de 2001, o que é
historicamente recente. Em 2005, o STJ se posicionou, autorizando o processo
penal contra empresa responsável por crime ambiental. A Corte maior também
caminha nesse sentido, conforme acórdão ainda mais recente.
Diante do exposto, é possível responder à problemática envolvida:
As pessoas jurídicas podem ser responsabilizadas penalmente pela prática
de crimes ambientais, face o princípio societas delinquere non potestat?
Muito embora a doutrina se mantenha dividida, sim, as pessoas jurídicas,
que causem danos ao meio ambiente, podem ser responsabilizadas pela prática de
crimes ambientais, em face das disposições da Constituição Federal de 1988 (§3°
do Art. 225), da Lei n° 9.605/98 (art. 3º), bem assim da jurisprudência dos tribunais
superiores (STJ e STF) e da doutrina pátria, flexibilizando-se o principio societas
delinquere non potestat.

Referências

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jurídica de direito privado: uma análise de sua aplicabilidade, 2011, p. 16.
Disponível:http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalh
os2011_2/clovis_camargo.pdf
CAMARGO, Clóvis Medeiros, in A responsabilidade penal ambiental da pessoa
jurídica de direito privado: uma análise de sua aplicabilidade, 2011, p. 8. Disponível:
http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2011_2/c
lovis_camargo.pdf
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, in Direito Constitucional Ambiental Brasileiro,
Saraiva, 2ª. Edição, 2008, p. 42.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, in Direito Constitucional Ambiental Brasileiro,
Saraiva, 2ª. Edição, 2008, p. 45
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, in Direito Constitucional Ambiental Brasileiro,
Saraiva, 2ª. Edição, 2008, P. 46
CAVARET LOPES, Marcos Nero, in A responsabilidade penal da pessoa jurídica nos
crimes ambientais: a não obrigatoriedade da utilização do sistema da Dupla
Imputação, 2016, p.2/3. Disponível: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?
n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=17168&revista_caderno=5
Constituição da República Federativa do Brasil, Edição Administrativa do Senado
Federal, Brasilia, 2015.
GOMES, Luiz Flávio, in Societas delinquere potest: revisão da legislação comparada
e estado atual da doutrina. Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas
provisórias e Direito Penal. São Paulo: RT, 1999, p.89.
LECEY, Eladio. A proteção do meio ambiente e responsabilidade penal da pessoa
jurídica. In: Freitas, Vladimir Passos de (0rg.). Direito Ambiental em Evolução 1.2.
ed. Curitiba: Juruá, 2006, p. 38.
LECEY, Eladio. A proteção do meio ambiente e responsabilidade penal da pessoa
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ed. Curitiba: Juruá, 2006, p. 39.
PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro, in Responsabilidade Penal Ambiental das
Pessoas Jurídicas, 2006, p. 6. Disponível em:
http://pinheiropedro.com.br/site/artigos/responsabilidade-penal-ambiental-das-
pessoas-juridicas/
POGGIO SMANIO, Gianpaolo, in A responsabilidade penal da pessoa jurídica, site
Jus Navigandi, 2004, p.2. Disponível: https://jus.com.br/artigos/5713/a-
responsabilidade-penal-da-pessoa-juridica
POGGIO SMANIO, Gianpaolo, in A responsabilidade penal da pessoa jurídica, site
Jus Navigandi, 2004, p.1. Disponível: https://jus.com.br/artigos/5713/a-
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