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Exercício de escuta 5

“Bienal Internacional de Teatro e Mito do Ceará”

Mitos da voz (Enrique Pardo/Thales Branche)

Enrique Pardo inicia o vídeo com uma performance utilizando a silaba “PAN” onde
ele associa ao Deus grego Pan e faz trocadilhos com a silaba formando palavras como
“Pânico” e “Pandemia” e também faz uma alusão ao assassinato do afro americano George
Floyd. A partir desta performance introduz o conceito de ‘broken sounds’ que poderia ser
traduzido como “sons quebrados” ou “sons feridos” ou mesmo “sons interrompidos” mas
gosto mais de chamar de “sons não convencionais’ ou talvez utilizando um termo musical
contemporâneo como “técnicas expandidas de emissão voz”. De qualquer forma o que ele
demonstra são possibilidades vocais onde são explorados elementos que quebram o
paradigma da voz trabalhada academicamente ou de forma mais tradicional ou conservadora.
A voz é rasgada, gritada, roída, lascada, etc; tudo em nome da expressão performática.

Sua referência principal é o do ator e vocalista sul africano Roy Hart (1926/1975)
que quando perguntado se seus exercícios de voz não quebrariam a voz dele e dos alunos
respondeu “Senhora, eu quebro minha voz todos os dias!” onde Pardo complementa que isto
como uma reconfiguração da sua persona. E associa a voz a persona que somos e esta busca
pelos sons incomuns seria uma forma de encontrar novas ‘personas’ dentro de nós mesmos.

Apresentando o quadro “O Esfolamento de Marsias”, do pintor italiano do


renascimento TICIANO, conta a história mítica que inspira este quadro, onde após a
invenção do instrumento Aulos pela Deusa Athena devido a forma física desajeitada que a
deusa apresentava e sua rejeição por ela. O instrumento é encontrado por Marsias, um sátiro,
que passa a toca-lo com tanta habilidade que se compara a Apolo com sua Lira. Apolo então
enciumado propõe um concurso entre eles onde mais uma vez é contrariado com as
comparações, propõe um novo desafio agora cantando e tocando, onde Marsias não pode
fazer pois o seu instrumento não favorece a esta possibilidade e após sua derrota e punido
com seu esfolamento vivo.

É interessante que esta analogia (SUASSUNA,1975) coloque entre dois opostos o


Apolíneo ( Perfeição clássica) e o Dionisíaco (as paixões e transformações românticas ou
destruidoras da ordem), pois será exatamente esta proposição de um voz “dionisíaca” ou
“sátira” contra um voz Apolínea ou Clássica/conservadora. As citações de que a “voz e o
órgão da alma” (LONGFELLOW) e a “voz é o músculo da alma” (HART) são também
elementos chaves dentro do seu embasamento teórico pois existe aqui a busca de uma
expressividade maior com voz no sentido de uma busca da alma ou do amago da
performance. Apresentando também um trecho do Bluesman HOWLIN’WOLF, onde todos
os aspectos não convencionais da emissão vocal são também um elemento importante da
alma da ‘soul’.

Ele conclui fazendo um paralelo entre Marsias e George Loyd com o medo das
figuras Marsias existentes que provocam no mundo ocidental branco e apolíneo que segue a
ordem vigente e o mundo negro, hispânico, ameríndio, asiático, pobre, marginal, etc. que
viola esta ordem para sobreviver e seu poder criador etc.

BRANCHE inicia sua participação mencionando suas experiências com PARDO e


seu grupo, e faz considerações sobre sua trajetória enquanto aprendiz em oficinas realizadas
com seu mentor. Então ele apresenta a sua performance “non soy un monumento
amazônico”, utilizando os conceitos dos ‘broken sounds’ anteriormente explicados por
PARDO. Ele menciona sobre a enorme carga emocional envolvida na sua performance. A
sua busca pessoal para encontrar o seu som vocal e seus questionamentos durante todo o
processo “Aquilo que você produz como voz é o que você é. Qual seria a verdadeira voz?
Quem eu sou verdadeiramente?”

A busca por novos sons vocais ou novas personas, a busca por lugares complicados
e difíceis, a descida aos infernos ou Hades. Menciona a transformação de Persefone se
transformando na rainha do Hades quando ela não era importante. Fazendo a analogia a
utilização de laboratórios de voz fazem este processo de descida aos infernos para a busca
da transformação, e a importância dos ‘broken sounds’ e a dualidade entre o Bel canto e o
Hell canto, a utilização de sonoridades não convencionais para aumentar os mecanismos
expressivos e criativos. Menciona também a importância dos ‘broken sounds’ na sua
pesquisa de Doutorado sobre a seresta no Pará e a influência no seu processo de criação
musical/teatral.

A conclusão que tenho e que estes conceitos são uteis dentro do processo de busca
de novas performatividades artísticas, contudo não é algo novo, posso mencionar como
exemplo a técnica do ‘Sprechgesang’ utilizada pelo compositor alemão Arnold Schoenberg
na sua obra ‘Pierrot Lunaire’ para voz e grupo de câmara executada em 1912. O
‘Sprechgesang’ ou canto falado consiste na execução falada de notas e texto e que foge do
padrão vigente do bel canto da época e ainda choca um pouco hoje em dia. As performances
realizadas pelos cantores de blues e rock ou música popular em geral também não são
recentes e exemplificam as “técnicas expandidas de emissão vocal”. De qualquer forma as
duas exposições de PARDO e BRANCHE são muito interessantes e enriquecedoras para
qualquer ator, cantor ou performer. As possibilidades são infinitas e eu diria o céu nem o
inferno são o limite para a criatividade sem amarras.

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