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Religião, juventude e contemporaneidade

A religiosidade pode ser vista como um aspecto de extrema relevância em


diversas esferas da vida social. Esse fato pode ser verificado analisando diversos
momentos da história da humanidade, desde a chamada Idade Antiga, nos primórdios
do Império Romano, onde o cristianismo se firmou como uma religião que venceu o
domínio das religiões pagãs que até então vigoravam, passando pela Idade Média,
considerada por muitos como uma idade das trevas pelo domínio expansivo exercido
pela Igreja Católica nas sociedades europeias, até o final do século XX e o período
atual, onde o centro de poder do Catolicismo, representado pela cidade do Vaticano e
pelo líder da religião católica, o Papa, exercem ainda uma grande influência sobre a
moral e a ética de diversas sociedades. Esses exemplos contemplam apenas a
importância do catolicismo pelo mundo, fato que pode ser explicado por essa religião
ainda estar presente de forma predominante em vários países pelo mundo. Entretanto,
observando o crescimento de outras religiões e, no sentido contrário, de pessoas que
não possuem religião, pode-se notar que a religião possui um espaço de debate muito
dinâmico e um papel preponderante no cotidiano das pessoas.

Quando se fala de pessoas sem religião é interessante pontuar que essa


categoria envolve um número variado de definições de comportamentos e formas de
pensar. Ateus, céticos, agnósticos ou aqueles que simplesmente declaram não possuir
nenhum vínculo religioso, ainda que possuam alguma forma de espiritualidade ou
crença na existência de alguma entidade superior podem ser contemplados por essa
categoria. Os dados de pesquisas quantitativas realizadas nos últimos anos no Brasil
mostram que o número de pessoas que podem ser classificadas como sem religião têm
aumentado de forma expressiva nos últimos 20 anos, algo que sem dúvida mostra uma
tendência que pode vir a ser contínua e que merece ser investigada de forma mais
detida, uma vez que a análise quantitativa mostra apenas o fato objetivo de que o
crescimento está ocorrendo, mas não explica o que pode estar levando a esse
fenômeno. Para dar conta dessa explicação se faz necessária a utilização do método
qualitativo e uma abordagem sobre essa temática e autores como Ronaldo Almeida e
Daniele Hervieu-Léger lançam uma explicação que começa pela análise do que eles
consideram uma crise na transmissão da religião. O que pode ser observado, pegando
o cenário brasileiro, é a diminuição da eficácia da família como estrutura primeira de
transmissão da crença, ou seja, a hereditariedade por assim dizer da religião perde
espaço na atualidade. Os costumes, tradições e a religiosidade constituem formas de
integrar e iniciar o indivíduo no grupo ao qual pertence, constituindo a corrente que
passa de uma geração para a próxima toda a carga cultural relacionada a determinado
grupo. Entretanto, a cultura e a própria transmissão são caracterizadas por serem
dotadas de uma dinâmica fluida, de forma que costumes e tradições nas sociedades
complexas contemporâneas estão em constante transformação. Essa mudança é o que
constitui, segundo esses autores, a fonte da garantia existencial das culturas e, em
específico, das religiões, pois cada geração acrescenta algo ao costume original de
acordo com o contexto social em que vivem, passando a cultura que lhes foi
transmitida à próxima geração com algumas modificações. O dinamismo da cultura
aparece então como um fator a ser considerado para o desenrolar dessa crise na
transmissão religiosa segundo a visão desses autores.

Um outro fator que merece ser destacado é a multiplicidade de opções de


religiosidade às quais os indivíduos são submetidos na sociedade atual, onde o acesso
a diferentes culturas através de redes de comunicação como internet e televisão é
intenso desde o início da vida. Esse dinamismo das sociedades atuais traz consigo a
diminuição do espaço na memória coletiva para armazenar todos os costumes que nos
levaram ao contexto cultural em que vivemos agora. O que adquire importância nessas
sociedades são as informações imediatas e atualizadas, tirando o foco das tradições.
Além disso, é relevante mencionar a variedade existente dentro de uma religião
hegemônica como o cristianismo, como é colocado por Ronaldo de Almeida ao expor o
cenário religioso brasileiro. Os dados presentes em seu texto "Transmissão religiosa
nos domicílios brasileiros" mostram que a matriz cristã no Brasil ainda pe dominante,
mas os "não católicos" estão em crescimento constante no país. Como não católicos
aparecem não apenas pessoas sem religião, mas também indivíduos de minorias
religiosas como religiões afrobrasileiras, mulçumanos, espíritas e outras. O que se
tornou natural para uma religião como o catolicismo foi o surgimento de variantes de
sua matriz principal, formas da religião original que se atrelam a práticas ou
interpretações diferentes dos preceitos principais da doutrina, sendo exemplos disso os
cultos evangélicos ou as manifestações do chamado catolicismo carismático. Essa
diversificação da doutrina original e criação de outras igrejas ou orientações
alternativas pode ser enxergada como um enfraquecimento da institucionalização e
coesão da religião, algo que diminui a capacidade de reunir os adeptos sobre uma
forma única de religiosidade, o que leva também à diminuição de fiéis à religião matriz
vista de forma geral.
Ainda analisando o cenário brasileiro, os estudos de Ronaldo de Almeida
mostram uma divisão em ciclos da vida em que os indivíduos se mostram mais ou
menos ligados à religião. Por exemplo, na juventude, assim definida como fim da
adolescência e início da vida adulta, foi verificada uma maior probabilidade de
rompimento com a religião dominante e adesão à outras ou abandono de religiões no
geral, no caso o catolicismo e em idades mais avançadas um maior índice de adesão à
religiosidade. Ou seja, nos ciclos iniciais da vida, quando se passa por uma fase de
transformações e formação do caráter e da identidade, que pode ou não se definir de
forma absoluta, é mais comum o abandono da religião ou preferência por minorias
religiosas, algo que remete à ideia da crise da transmissão notada em primeira
instância na constituição familiar. A escolha por possuir ou não uma religião nas
sociedades contemporâneas está cada vez mais associada à dimensão do pessoal e
do privado, deixando a crença individual de ser algo que carrega a obrigação de ser
transmitida ou mesmo imposta. Essa característica que está mais presente com o
advento da modernidade se mostra de forma mais expressiva nos jovens, que são a
parcela da população onde o crescimento dos sem religião é maior no Brasil e que
tendem a preferir escolher uma religião, se for o caso, pela suas experiências pessoais
ao invés de aceitarem aquela que lhes é passada pela tradição. O homem moderno é
marcado pela busca individual de sua identidade além daquela que é herdade pela
hereditariedade e a religião aparece como um fator constante para essa definição, uma
vez que a religiosidade reside no fundo da consciência humana como forma de
orientação para as ações além de representar a primeira maneira encontrada pela
humanidade para explicar a origem de tudo aquilo que a cerca.

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