Fritz The Cat

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Fritz the Cat (1972, EUA) - RESENHA POR MATHEUS BARCELLOS

O primeiro longa autoral de Ralph Bakshi, Fritz the Cat, de 1972, baseado nas tiras de
quadrinhos underground de Robert Crumb, fez todo seu marketing girar em torno da sua
classificação para maiores de 18, ou código X no sistema americano, até então inédita no
mundo das animações. We’re not rated X for nothin’, baby! A frase ocupa o topo do cartaz de
lançamento enquanto, logo abaixo, o gato Fritz apalpa maliciosamente, com um sorriso de
canto de boca, como quem não quer nada, os seios voluptuosos de uma gata. Não se teve
hesito nem vergonha de vender o filme como um dirty movie, ou um filme de sacanagem,
destinado a passar naqueles cinemas “alternativos” do Taxi Driver, mas, o que é entregue vai
muito além disso e, curiosamente, esse seu aspecto acaba sendo tanto parte de sua força
quanto sua derrota.
O mundo de Fritz é os Estados Unidos na transição da década de 60 para os anos 70, onde a
liberdade sexual se mistura à experimentação com drogas, hippies convivem com punks e as
questões sócio culturais agitam as ruas e revoltam a população. Situado em um universo
fabulesco de animais antropomórficos, os comentários satíricos da obra já começam ao
delegar um bicho para cada tipo específico de pessoa, como na graphic novel Maus de Art
Spiegelman. Os civis brancos americanos são, em sua maioria, animais domésticos, os negros
são corvos, retomando de forma irônica a simbologia já utilizada em Dumbo (Crow em
inglês, sim, como em Jim Crow), neonazistas são cobras de capuz e cruz a lá Ku Klux Klan,
e, claro, policiais são porcos. Essas atribuições, por mais cômicas que sejam, morrem no
campo da iconografia, pois pra todo o resto eles se comportam como humanos. A trama
segue uma narrativa episódica retratando as aventuras sexuais e “revolucionárias” do gato
Fritz e seus amigos, chegando a se tornar quase um road movie em certos momentos. Fica
claro que a estrada que Fritz almeja alcançar é a de Kerouac e dos beats, pelo menos é assim
na cabeça dele. O felino protagonista é um poeta, pseudointelectual e universitário da NYU,
que usa do carpe diem horaciano como desculpa para justificar seus hormônios a flor da pele,
e das revoltas sociais para fugir das suas responsabilidades e apaziguar sua white guilt. Se os
jovens alunos de Keating em Dead Poet Society sentem uma genuína e existencial ânsia por
viver livremente, os de Fritz só pensam em satisfazer os próprios egos e fetiches.
Existe uma certa ironia na figura do personagem principal, uma espécie de crítica que sai pela
culatra sobre os jovens da época, mas que permanece atual até hoje. Fritz, durante uma
viagem astral psicodélica, revela seu ódio pelo o estereótipo do intelectual universitário que
não vive a realidade, apenas estuda livros com fim de se mostrar mais inteligente que outros
intelectuais. A verdade é que ele mesmo não passa de um pedante impostor que aponta o
dedo (ou pata) para os outros buscando se enaltecer, mas, no lugar dos livros, a arma é sua
falsa vivência. O filme, ao satirizar essas figuras, corria sérios riscos dele mesmo se tornar
uma obra prepotente detentora da verdade, porém, os diversos seios e genitálias que saltam
pela tela o tempo todo impedem a obra de se levar a sério, deixando tudo mais leve e sem
obrigações. A animação rudimentar (o orçamento de Bakshi não era tão generoso assim), que
se apoia em movimentos simples e repetitivos, somada à estética cartunesca, com suas
experimentações multicolor e psicodélicas, traduz bem o clima do universo de Fritz, ao
mesmo tempo livre e progressista, mas, também, moralmente sujo e bruto.
Como dito antes no parágrafo introdutório, o caráter explícito do filme também arquiteta os
momentos de perdição do longa que, em algumas partes pode assumir um tom
sensacionalista, como no abuso da égua ou a longa cena de sexo entre o gato e a corva. O
choque apenas pelo choque, sem nenhum verdadeiro efeito dramático ou reflexivo, subtrai
um pouco da força do filme, distanciando seus espectadores e isso nunca é bom.

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