Você está na página 1de 13

c a picua

“Quando vejo o cor-de-rosa parece que se referem a mim.”

Almada Negreiros, 1921

Por muito que seja íntima, solitária, pessoal e


intransmissível, esta é uma obra colectiva.
Assim sendo, agradeço em primeiro lugar às pessoas
que fizeram o álbum comigo: D-One e Ghuna X, sem
vocês não havia disco, obrigada por TUDO! A todos os
produtores que generosamente me ofereceram beats
e especialmente aos autores dos beats que acabei
por usar (D-one, Darksunn, Nelassassin, Xeg, Sam
the Kid e Ruas): gratidão eterna pela matéria-prima! A
Pedro Geraldes, André Covas, Tiago Barbosa e Nerve
– obrigada por terem dado ao disco o que lhe faltava!
Ao Makoto pela generosidade. Ao Dário e ao Riccardo,
que criaram o Objecto, obrigada pela visão e pela
sensibilidade. Ao Sérgio Godinho por ter aprovado e
incentivado o meu atrevimento. Ao Henrique Amaro e à
Optimus Discos pela oportunidade. E, finalmente, todo o
apoio de André Henriques, Hélio Morais, Miguel Refreso,
Keso, Rita Garizo, Vasco Sensi, Motown Junkie, Jonathan
e Ricardo Filho de Josefina.

Não posso deixar de agradecer também à Marta, que está


comigo desde o primeiro minuto (ainda temos de fazer
o NOSSO disco!), aos Dealema (pelo exemplo), ao Viris
(pela motivação) e a todos os companheiros de Rap. Aos
meus amigos (Obrigada!). Ao Pedro (<3). À minha família
(por todas as referências) e em especial ao meu Pai que
também entra no disco! À Raiz (Cidade Invicta) e ao Hip
Hop (a que dedico o álbum, por me ter tornado mais forte
e por tudo o que acrescentou à minha adolescência!).
1º Dia
28 e um copo meio cheio, um corpo meio feio, do Porto
por inteiro, eu faço vida solitária tendo companhia, acho
que sou celibatária mas ninguém diria, durante um dia faço
coisas, ya, não me perguntes, eu faço coisas, não tenho
uma vida interessante nem preciso, nem sequer faço por
isso, acho que estou fora de moda e agradeço porque não
sou adereço desse gueto alternativo que passou a ser a
norma, eu sou pirosa como o “baby dá-me corda” e o cor de
rosa fica bem à minha volta, falo demais, tive uma infância
feliz, sou dona do meu nariz e tento confiar na vida, mas não
empurro o meu futuro com a barriga e há muita coisa neste
mundo que me intriga.

Refrão
Eu quero a vida como no 1º dia, cada dia como no 1º dia,
viver a vida como no 1º dia, como no 1º dia…

Faço rap porque gosto, essa é a única razão, ganho menos


do que gasto e não gosto de exposição e desgosto da
posição de dar explicação para o atraso do álbum e da
edição: vai sair quando houver mais coisas a dizer, vai sair
se tiver tempo para o fazer, vai sair quando der, se a gente
quiser, obrigada mas isso não te sei dizer, a folha em branco
assola, no banco não jogo à bola, o tempo avança, já não
sou criança, está quase a passar da hora, duvido da escrita
e se alguém tem pica para ouvir o que me dita a bic, estou
quase nos 30 e para gastar tinta é bom que se justifique,
é bom que alguém goste, que preste e que mostre que é uma
aposta forte, fazer o que gosto, com dom e com dor e com
esforço e com conforto e uma boa dose de sorte!

Refrão

Já tenho tamanho mas ainda não sou grande, não sei


o que quero nem para onde vou, quando eu for grande,
quero ser só como eu sou, nem céptica nem indiferente,
ingénua e sem técnica de vidente, é evidente que a vida
é surpreendente, nisso sou previdente, não pretendo ficar
dormente, sem “been there done that” na vida, no rap, sem
“não vale a pena o limite é o tecto”, esse é o manifesto:
manter intacto contra tudo o resto a ingenuidade do olhar
e do gesto e em qualquer idade acordar no meu berço! …
Ya como no 1º dia, como no 1º dia!

Refrão

Capicua não morre é o recomeço, não dá o mote para o


retrocesso, se há boicote vira do avesso, partindo um osso,
escreve no gesso.

Medo do Medo
Ouve o que eu te digo, vou-te contar um segredo, é muito
lucrativo que o mundo tenha medo, medo da gripe, são
mais uns medicamentos, vem outra estirpe reforçar os
dividendos, medo da crise e do crime como já vimos no
filme, medo de ti e de mim, medo dos tempos, medo que
seja tarde, medo que seja cedo e medo de assustar-me se
me apontares o dedo, medo de cães e de insectos, medo da
multidão, medo do chão e do tecto, medo da solidão, medo
de andar de carro, medo do avião, medo de ficar gordo velho
e sem um tostão, medo do olho da rua e do olhar do patrão
e medo de morrer mais cedo do que a prestação, medo de
não ser homem e de não ser jovem, medo dos que morrem
e medo do não!

Medo de Deus e medo da polícia, medo de não ir para


o céu e medo da justiça, medo do escuro, do novo e do
desconhecido, medo do caos e do povo e de ficar perdido,
sozinho, sem guito e bem longe do ninho, medo do vinho,
do grito e medo do vizinho, medo do fumo, do fogo, da água
do mar, medo do fundo do poço, do louco e do ar, medo do
medo, medo do medicamento, medo do raio, do trovão e
do tormento, medo pelos meus e medo de acidentes, medo
de judeus, negros, árabes, chineses, medo do “eu bem te
disse”, medo de dizer tolice, medo da verdade, da cidade e
do apocalipse, o medo da bancarrota e o medo do abismo, o
medo de abrir a boca e do terrorismo.

Medo da doença, das agulhas e dos hospitais, medo de


abusar, de ser chato e de pedir demais, de não sermos
normais, de sermos poucos, medo dos roubos dos outros
e de sermos loucos, medo da rotina e da responsabilidade,
medo de ficar para tia e medo da idade, com isto compro
mais cremes e ponho um alarme, com isto passo mais
cheques e adormeço tarde, se não tomar a pastilha, se não
ligar à família, se não tiver um gorila à porta de vigília,
compro uma arma, agarro a mala, fecho o condomínio,
olho por cima do ombro, defendo o meu domínio, protejo
a propriedade que é privada e invade-me a vontade de por
grade à volta da realidade, do país e da cidade, do meu
corpo e identidade, da casa e da sociedade, família e cara-
metade…eu tenho tanto medo… nós temos tanto medo…
eu tenho tanto medo…

Refrão
O medo paga a farmácia, aceita a vigilância, o medo paga à
máfia pela segurança, o medo teme de tudo por isso paga o
seguro, por isso constrói o muro e mantém a distância!

Eles têm medo de que não tenhamos medo.


Sagitário
(Onde é que estás?)

Vinha de longe embrulhado num cobertor, pequeno


cavalo manso, pele malhada bicolor, era uma oferta e o
rapaz estava radiante, recebeu-o com o amor de um pai
principiante, dava-lhe leite e com deleite dormia com ele,
dava-lhe banho e com empenho escovava o pêlo, e passo
a passo foi-lhe ensinando tudo o que a custo aprendera
sobre este mundo absurdo, sobre sobrevivência, regras
de convivência, perigos, advertências, queria sobretudo
ensiná-lo a ser livre tendo em conta isto tudo, ou seja, a
voar sozinho, mantendo as patas no mundo, tornaram- s e
iguais, homem-bicho, bicho-homem, tal e qual na
harmonia e na desordem, a metade animal como o lobo ao
lobisomem, rapaz e cavalo fundem tanto quanto podem,
ambos gostavam de passar tempo sozinhos, (era) comum
desaparecerem por alguns dias seguidos, a transgressão
era atraente e o desafio à autoridade trazia conflito se
o bicho não tinha vontade de seguir o caminho que o
menino lhe apontava ou insistia que o destino o queria
noutro lado, tal e qual ele já vira no rapaz habituado a
dar o grito do Ipiranga para não ser contrariado, ficavam
amuados, davam turras e patadas, de costas voltadas até
que um deles voltava…e parecia que ia voltar sempre…
cavalo jovem pensa que é dono do mundo, tem a atitude
de quem quer seguir seu rumo, romper as rédeas e ser
como um vagabundo, aventureiro que não pensa no futuro
e orgulhoso decidiu ser independente, virou a esquina e
perdeu-se de toda a gente e indiferente a sorte não o ajudou
se alguma vez quis voltar atrás nunca chegou, o rapaz
despedaçado procurou por todo o lado a sua metade, ele
esperou esperançado, fez de tudo, correu mundo e ficou
cansado, sem a outra parte, ele chorou…o cavalo quis ser
livre, tomou a iniciativa, sendo Pégaso é feliz, voa como
sempre quis, mas eu sei que ele espera pelo rapaz que em
terra seguirá para sempre a estrela que o trouxe até aqui,
eu sei que ele espera pelo rapaz que em terra seguirá para
sempre a estrela que o trouxe até aqui.

Refrão
O sagitário tem quatro patas no chão, homem-cavalo aponta
ao céu com ambição, no planetário é uma constelação,
mas na verdade é a metade de um coração.

Hora Certa
Eu desejei-te e pedi-te a estrelas cadentes, eu agarrei-te e
impedi-te de noites ausentes e anulei para servir-te meus
sentimentos, eu acusei-me e defendi-te com unhas e
dentes, e foi a ti a quem escrevi cartas transparentes,
e construí só para ti sonhos de adolescente, e foram anos
que ofereci a um coração carente, confiando que no fim
me desses o suficiente, e agora como é que eu te deixo ir
embora (?), como é que eu te largo, faço o luto e mando
fora (?), como é que eu luto contra o susto da ruptura e
asseguro que não te quero no futuro (?), como é que eu lido
sobretudo com o hábito (?), como é que eu tiro o que era
nosso do armário (?), como é que eu vivo como outra na
tua vida (?), como é que eu vivo outra vida, a minha (?)

Refrão
Qual é a hora, a hora certa, a hora de ir embora (?), será
desta, será esta a hora certa para ir embora (?), no amor
e na festa, só há esta, só há uma hora certa, a hora de ir
embora à hora certa!

Mesmo que já não te queira, mesmo que seja uma asneira,


como é que eu estou certa que é a coisa certa e que esta
porta já não pode ser aberta (?), como é que eu a fecho (?),
como é que eu te deixo (?), mesmo que já não recorde todos
os nossos recordes, tanta coisa podre e a dor que já não
morde, eu tenho de ser forte, saber manter o corte e calar
o desejo, calar o desejo, e se eu te quiser de volta (?), e
se esta for a escolha, como de roleta à solta, como é que
eu decido (?), e se este foi o quadro que pintei a régua e
esquadro e pendurei lá no alto, como é que eu o tiro (?),
como é que se desiste, depois de tanto que se insiste,
não é triste, não é isto um fracasso como o punho em
riste (?), ou será coragem e virá a recompensa (?),
dispenso a bagagem para a viagem porque peso não
apressa e se ainda não foi desta, arrastar carcaças é
desporto que não presta, se ainda não foi desta, chorar
e escrever cartas é desgosto que não cessa!

Refrão

É a hora certa…É a hora certa…Qual é a hora certa?

Eu desejei-te e pedi-te a estrelas cadentes, eu agarrei-te


e impedi-te de noites ausentes e anulei para servir-te meus
sentimentos, eu acusei-me e defendi-te com unhas
e dentes, e foi a ti a quem escrevi cartas transparentes,
e construí só para ti sonhos de adolescente, e foram anos
que ofereci a um coração carente, confiando que no fim
me desses o suficiente!
Os Heróis
Tocam telefones a sala é cheia, agitada e ruidosa, com o
rigor de uma colmeia, cada um no seu cubículo, fazem
curriculum, é quadriculado mas a vida anda em circulo,
full-time job, o salário não sobe, é precário mas ouve, não
há nada menos podre e não sais de casa dos pais, não vais
longe, um dia melhorará mas não é hoje, e a certa altura
esqueces a licenciatura, esqueces que estudaste duro a
pensar no teu futuro e juras que nunca mais te vais esforçar
para nada e que não vale a pena decorar a tabuada!

Refrão
Temos tudo o que é estudo…emprego zero, o berço era
de ouro mas foi posto no prego. Na neurose do euro não
seremos servos, seremos nós os heróis, (nós) seremos nós
os heróis, (nós) nós os heróis!

Aqui não há fins-de-semana, apenas folgas, se querias


ficar na cama pensa que é pior nas obras, pedem-te para
ter esperança e ficas verde, pensas logo no recibo e em
tudo o que a gente deve, para pagar a reforma à segurança
social, promovem desta forma a insegurança laboral, e é em
Portugal onde tu queres viver, tu não queres ter de emigrar,
tu não queres ter de ceder, mas está difícil, subir de nível,
quando crise atrás de crise há um muro intransponível,
está difícil, quase impossível, e só te oferecem estágio com
salário invisível!

Refrão

Contrato de 6 meses, 1 ano, às vezes, se és africano


esquece, eles só querem portugueses e o pior é que há
trabalho, mas não emprego, carta fora do baralho vai parar
ao desemprego, ouro no prego, o crédito é especulativo,
é um nó cego e o débito acaba contigo, não há sossego
no grémio do capitalismo, o quadro é negro, ya sem
eufemismo, mas tu és forte, tu não és a marioneta,
cada dia na corrida, tu estás mais perto da meta, veloz
como um cometa, cada dia na luta, semeias a revolta
contra esses filhos da…

Refrão

Tu sonha alto e espera sempre o melhor e pensa que cada


passo ultrapassa o anterior e que já não falta muito para
mudar o rumo e vai ser o aluno o professor, tu não desistas,
continua na procura e olha para cada dia como uma nova
aventura, isto não dura sempre, há muito pela frente
e quem se empenha e tenta vai e fura!

Maria Capaz
Esta merda é toda minha, esta terra ainda não tinha uma
Mc de jeito, virei abelha rainha, meu nome hoje é Vitória,
faço mossa, faço história, faço troça dessa escória que só
coça a micose e quer glória! Queres escola eu dou-te, cala
a boca e ouve, isto implica compromisso e um full-time é
pouco. Eu dou o litro, tiro isto do físico, sai do corpo e filtro
com o espírito crítico típico do Porto! Oh! Está tudo louco,
lambem as botas aos tropas, cada um pior que o outro! Oh!
Está tudo mouco, não me comparam com eles, mas eles são
muito pouco, com eles pelos cabelos por dizerem mal do
jogo, se o rap é assim tão reles muda de estilo para outro!

Refrão
Eu sou Mc, eu sou Maria Capaz, no R A P sou eu que reino
rapaz, eu sou Mc, eu sou Maria Capaz, no R A P sou eu que
reino rapaz…

São do disse-que-disse, vieram para o pic-nic, se têm


muito apetite dançamos cheek to cheek, mas no fim eu já
te disse, contigo não asso beef, eu não sou azo a convite,
eu só carrego delete! Mando calar esse freak, com muita
sede no pote, mando papar miluvite, entrego ao papá no
bote, é que eu passo no passe-vite esse teu tique de snob,
é que eu desfaço-te e não o faço por mim, mas é assim o
Hip Hop! Levas tampa tipo tupperware, não sou mulher
para aturar dreads com bugs no software. Tua rima é oca,
tu não fazes rap, tocas berimbau de boca, só esse teu ego
ocupa-te a cama toda, para ti quatro palavras…
muita, broa, muita, sopa!

Refrão

Aqui fresca vira frígida, duvidas estás em dívida, o meu


rap trava línguas, de tristes tipos à mingua. Desiste sou
esdrúxula, calo voz aguda como Úrsula, ficas surda-muda
como a última! Eu sou a única, escrevem o meu nome com
maiúsculas, daqui as tuas letras são minúsculas. Pingas na
cueca, a sueca é escatológica, teu rap é uma merda, mega
pegada ecológica. Insisto em ser o cúmulo, nesta gravação
eu gravo a pedra do teu túmulo, sou como um skater cada
queda é um estímulo, dar o máximo é o mínimo, o máximo
é o mínimo!

MC é Maria Capaz! MC é Maria Capaz! Maria Capaz!

Refrão

Maria Capaz, Maria Capaz. Maria Capaz, Maria Capaz.


Judas & Dalilas
Eu sou a víbora, o meu nome é Dalila, mal te vi colei em ti
em modo Miss Simpatia querida, eu quero tudo o que tens,
eu sou a sonsa, eu não sou amiga de ninguém para além
da onça, mira de ave de rapina, pratico uma boa intriga, na
trica conspirativa, traíra competitiva, viva o mau-olhado e a
facada dada nas costas, santa do pau oco com olho gordo
nas notas, sorrindo brindo à nossa, aceitam-se apostas,
afinal qual das hipócritas sabe lamber mais botas, eu
mereço um Óscar, o cachê e o poster, sem mim a tua vida
era um filme do Kevin Koster!

Judas e Dalilas, cínicos, cobras criadas, línguas afiadas,


frios, amigos das horas vagas

Nerve
Chibo-me acerca do coitado para quem me fiz passar por
bom amigo. Se eles me apanham, vou contar e sair da
esquadra limpo. Com o cadastro imaculado. Enfim, tens
sido útil mas vais ser mais útil a apodrecer na prisão por
mim. E agora que sais de cena, talvez seja desta que eu
desonro a tua irmã e guardo o que era teu. Colega, isto
é só love. Espalhar a semente como um soldado. Quando
voltares, já fui com um plano novo, concentrado noutra
cidade. Ouve, eu violo a sociedade morta que definiu as
normas antes de eu nascer e estar presente para dar
a minha proposta. Lamento, mas quando ficar rico, eu
recompenso. Agora, o que me importa, é sacanear
a minha situação daqui para fora.

Ah! Ah! Judas e Dalilas! Ah! Ah! Judas e Dalilas!


Judas & Dalilas!

A cobra não se dobra, molda-se à necessidade, se dás corda


e ela enrola morde mais cedo ou mais tarde, nessa cidade
há muita comida para réptil, para Judas e Dalilas o mundo é
terreno fértil, Judas não ajuda mas também não atrapalha,
Deus acuda, queria tudo, mas fica com as migalhas, Dalilas
fazem filas e afiam as navalhas, cortam casacas as vacas de
quem mais as agasalha, lá vai o Judas na sombra, à espera
que eu dê o tombo, eu subo e nunca me escondo, até lhe
sacudo o ombro, o que é que elas querem as pegas se nem
te pegas com elas (?) não podem pegar em nada, pregam-te
a peta que é delas, pegam-te a peste cadelas e tu nem deste
por nada, se adormeceste com elas já vais levar carecada…
vais levar carecada, vais levar carecada, adormeceste com
elas… vais levar carecada!

Judas e Dalilas, cínicos, cobras criadas, línguas afiadas,


frios, amigos das horas vagas.

Nerve
Homem-engodo a usar facas espetadas nas costas do povo
como degraus em direcção ao topo. Gollum do caralho.
Rasteja daqui para fora, vai. Seu traidor sem tecto, idiota
sem noções reais, pobre diabo, reles verme, mentiroso,
snitch. Esquece elites e abraça a tacanhez da tua estirpe.
Este meio tem tendência para acolher o chibo. Se tu caíste,
eles organizam jantares para falar sobre isso. Vingam-se
e comem-te vivo. Fazem da tua carne o seu pão e do teu
sangue o seu vinho. Tu não és Judas, juras, mas tudo o que
furtas fura-te as costuras. Então ajuda-me a entender o que
é que tu és. Sem desculpas.

Ah! Ah! Judas e Dalilas! Ah! Ah! Judas e Dalilas!


Judas & Dalilas!

Levas pimenta na língua, por tentares cortar a minha, por


quase matares a rima com as pragas que me lançavas,
passo por cima que essa inveja não me atinge e a intrigas
sou imune como a cebolas bravas!
A Volta
Estou em fase de pazes comigo própria, Ana e Capicua
viram quase fotocópia, já não escrevia porque andava
dividida, com dúvidas na vida, ávida de um dia novo,
eu não sabia qual a causa da fobia e quase não podia
quebrar a casca do ovo, não me reconheço nisso, sempre
fui uma optimista, não gosto do sinistro, evito o derrotista,
mas vida é imprevista, ferida estava à vista, era vasta a
lista de ideias negativas, imagens masoquistas, fobias
esquisitas, hipocondríaca, incapaz de estar sozinha, e eu
sentia o desamparo e é raro o tempo, em que me lembro
de não estar ou sentir carente e estava sempre demasiado
consciente desse peso de não ser como toda a gente, de
estar ausente, distante do presente e de não me esquecer
disso nem um instante permanentemente… eu não me
esqueço disso nem um instante permanentemente… eu não
me esqueço disso nem um instante permanentemente…

Com toda a gente passa alguma vez na vida, nem toda a


gente passa com taça garantida, é um alerta para quem
não desperta para a janela aberta que é a transformação
e se distrai, fica só como um bonsai, até que o pano cai e
não houve evolução, é um sinal que tu tens de olhar para
dentro e ver afinal o que é que queres para ti mesmo, no
centro, ser fiel ao sentimento e não temer a mudança
que te exige esse momento!

Era urgente recuperar a independência que me define, voltar


a reconhecer-me e a pisar terreno firme, a olhar para mim
em vez de ter de olhar por mim, a confiar na vida e que a
morte não é um fim, eu nem que tente consigo controlar
tudo, estando consciente desisto disso e não me iludo,
relaxo e estou num mundo vivaço ou moribundo, sem medo
do futuro porque eu sou um ser fecundo e o meu sonho
pode tudo e vale tudo, o impossível sobretudo e eu vou
saltar o muro, sismas eu derrubo, minhas cinzas são adubo,
já sei qual é o fruto… vai crescer amor profundo!

Foi o tempo foi o vento, veio o vendaval, veio o medo de ter


medo e o medo do mal, foi da gente, foi a mente, foi tudo
mental, foi um corte, um contratempo comportamental, foi
da vida, foi bem-vinda porque é natural, foi para ver passar
no vidro a vida normal, foi a volta que revira a volta total,
veio trazer-me de volta ao mundo real…

Terapia de Grupo
É preciso uma consulta, terapia de grupo, um psicanalista,
drunfs ou uma coisa que dê frutos para sermos um país
livre de paranóia, para sermos um país livre da sua história,
ainda não recuperámos de uma relação difícil, quarenta e tal
anos governados por um imbecil, já muito tentámos
e já muito conseguimos, mas quando adormecemos ele
volta a perseguir-nos, não é só pesadelo é falta de
auto-estima, isso é que nos corrói e rouba a serotonina,
esse é o pior défice, o que faz espécie, o que nos impede
e nos faz pensar pequeno, isso não se esquece e não sei
como é que até à data, tipo snappy, ainda não marchou
veneno, suicídio colectivo não seria a solução já tentámos
muitas vezes em noite de Eurovisão…

… Mas voltando ao caso que por acaso é importante, temos


um país infeliz e temos de ir avante com a cura, deitar a
criatura no divã, fazer hipnoterapia, chamar um xamã, foi
vítima de abuso, o humor é obtuso, é casmurro e inseguro
e tem medo do futuro, e juro que há motivo para orgulho e
que nem tudo é entulho e que no fundo, no fundo é o nosso
canto no mundo!

Há que ir à consulta, há que falar de culpa, viver a vida


adulta sem peso na consciência, por 500 anos de império
e violência, há que assumir a dívida e agir em coerência,
não pode haver censura, na auto-ajuda, não há eufemismo
possível para escravatura, o que arde cura, até loucura
e o livro de história não é livro de aventuras! Resolvido
o remorso, há que fazer um esforço para reduzir a pouco
o complexo de inferioridade, isto já é de loucos, sempre
a seguir os outros, a comparar os trocos, isto causa
ansiedade, ser menos cinzentão, menos comiseração,
somos modestos em vão, estilo judaico cristão, menos
velho do Restelo, menos medo pelo espelho, mesmo em
cima do joelho esta cartola dá coelho!

Sr. Doutor o país anda confuso, diz que é cauda da Europa


e não acha isso absurdo! Sr. Doutor o país anda cansado,
como o coelho da Alice acha-se sempre atrasado!
É um caso crítico, indivíduo hipocondríaco, inseguro,
deprimido e com falta de memória! É pessimista e sente-se
culpado, alarmista e mal resolvido com a sua história!
É complexado, tem tendências masoquistas, quase não
tem auto estima e até chega a ter insónia. Diga se é grave
Sr. Doutor, ponha mão nisto a ver se chega a ministro
da nossa neurose crónica!
Luas
Quando não estou luminosa, todos me acham invisível,
mas é aí que eu me renovo, mulher nova, invencível,
procuram pela antiga face, mas são fases e eu mudo, não
são disfarces simplesmente não ostento tudo, tenho um
outro lado como todo o mundo lá no fundo, por outro lado
não me escondo e até me exponho muito, saio destacada
para quem me quer ver, mas não tentes encaixar-me,
quadrada nunca hei-de ser, crescendo e minguando
como os ciclos da vida, posso ser incandescente ou
andar desaparecida, vejo passar as estrelas como carros
na avenida, assim não estou perdida não me esqueço que
estou viva, sou poderosa tenho a força da fecundidade,
sou orgulhosa de ser fruto da realidade, já tenho idade,
tenho marcas no corpo, crateras no peito, mas sem
desconforto e isso é pouco ser penso nos outros (pouco),
e isso é tanto se penso nos anos (tanto), ao meu sufoco
eu faço ouvidos moucos, eu não sou diferente, loucos
somos todos, todos! Loucos somos todos! Atraio os
solitários, atraio os apaixonados, ilumino o espaço e
os passos desorientados, os gatos e os telhados, os
fados e dedilhados, os casos e rendilhados dos corpos
enrodilhados, faço de estrela mas a luz não é minha e finjo
sê-la para não estar sozinha, sou imperfeita mas sei ser
divina, sou diva, sou livre, sou Vénus, felina, mulher vivida,
mulher da vida, altiva sou tida por ser mulher fina, só sei ser
rainha, menos não posso, há tantas estrelas e eu brilho sem
esforço… e todos para me verem vão levantar o pescoço…
todos para me verem vão levantar o pescoço …

Refrão
como a lua sou de luas, aluada do lado de lá da lua, sou a
tua lua cheia, a tua lua escura, eu sou a cura e escondo a
face de quem me procura, sou a loucura que não esquece
quem foge à aventura, e como a lua sou a chefe desta noite
nua e faço dançar as marés e as mulheres da rua! E como a
lua sou a chefe desta noite nua e faço dançar as marés e as
mulheres da rua!

Lua cheia, lua nova, lua cheia, lua nova,


lua cheia, lua nova…

Refrão
Casa no Campo
Refrão
Um filho, um livro, um disco, uma árvore, dois amigos,
dois umbigos unidos num chão de mármore, quatro tempos,
quatro ventos, dentro de quatro paredes, debaixo de um céu
de estrelas a nossa cama de rede.

Quero uma casa no campo como Elis Regina, plantar os


discos, os livros e quem sabe uma menina, por mim até
podem ser mais, um amor como os meus pais, os dias
como os demais, sem serem todos iguais. Casa no campo
com a porta sempre aberta para deixar entrar amigos,
partir à descoberta, ter a minha cama grande com a colcha
predileta e um cão desobediente dorme em cima da coberta.
Quero uma casa completa com um pedaço de terra, e com
o espaço quero o tempo para adormecer na relva, longe da
selva de cimento, eu acrescento que quero cultivar mais do
que mero conhecimento, quero uma horta do outro lado da
porta e quero a sorte de estar pronta quando
a morte me colher, quero uma porta do outro lado da morte,
ter porte de mulher forte quando a vida me escolher.
Quero uma casa no campo que cheire a flores e frutos,
a gomas e sugus, a doces e sumos, cozinhar para quem
quer comer, comer como sei viver, com apetite já disse que
não quero emagrecer. Comer de colher sopa, fazer pão,
estender a roupa, eu faço pouco das bocas que me dizem
para crescer, eu quero rasgar janelas nas paredes cujas
pedras eu carregar com as mãos que uso para escrever.
Casa no campo com lareira e fogo brando, que ilumine todo
o ano, o sorriso de quem amo, quero uma casa no campo
que pode ser na cidade, mas tem de ser de verdade, mesmo
não tendo morada…

Refrão

Anda viver comigo, colamos o nosso umbigo e não


passaremos frio, no nosso lugar estranho, anda viver
comigo, colamos o nosso umbigo e não passaremos frio,
no nosso lugar estranho.

Onde é que aprendeste o que é o infinito?


Foi na contracapa de um livro da Anita.
Diz-me qual é o teu perfume favorito…
Pão quente, terra molhada e manjerico!

Domingo
Hoje é domingo e se não é domingo é feriado, e se é
domingo é escusado, temos o caso mal parado, porque
eu detesto o domingo, porque eu não presto ao domingo
e sinto que o resto do mundo aborrece e bate no fundo.
Faço tudo para ficar no meu canto e para estar shanti e num
instante vai entrando o elefante na cristaleira, é irritante,
eu tinha pedido tanto, a Deus e a todos os santos, para
só acordar segunda-feira! Não suporto a fatiota de ir dar
a volta no shopping, ficar no sofá no zapping, no jogo do
Porto Sporting. A matiné na missa, na fila para qualquer
lado, na praia maré de gente, no parque, no hipermercado,
manadas de namorados, calados e amuados a apanhar seca
nos carros, cinemas superlotados. Pesadelo e desgraça,
ressaca sem aspirina, paciência no limite tipo falta de
nicotina, fico em casa a ver se passa como a gripe, faço
pizza, vejo um filme, é domingo, por favor mantém-te firme!
Mais um Domingo, por favor mantém-te firme!
Mais um Domingo, por favor mantém-te firme!

Eu nasci num domingo e o parto não foi fácil e eu também


não sou fácil como a manhã de domingo! Eu choro ou grito,
não tenho limite, bem me esquivo do meu mau feitio e não
me livro, não consigo! Do dia de descanso é de descanso
que eu preciso, isto é tanto dia santo que é um dia de juízo!
Devia ser proibido, ia ser divertido ter dois sábados colados
e a segunda livre! Ya, fazer de conta que não há e não existe
(que) era triste e foi excluído, banido, subtraído! Domingo
é como um SPM, dá vontade de esganar tudo o que mexe
e de comer bolos com creme. Enjoa como quando o barco
treme, por não haver mão no leme, é que hoje é Deus quem
descansa e o seu sono é solene! Quem se lixa é a plebe
que anda no inter-cidades, domingo é uma merda, há que
dizer as verdades! É a angústia que antecipa o começo
da semana, contrário de dia útil, gatilho de melodrama.
Não gosto de partir num domingo ao final da tarde, é pior
a despedida e perde-se a melhor parte, a noite na cidade,
quando o silêncio invade, ficamos com o alívio do domingo
ter passado! E já debaixo da manta é reconfortante a ideia
que o antídoto para o domingo é colo e barriga cheia!
A Última
Eu cresci a ouvir Zé Mário, TV era a rádio e a minha primeira
rima foi à porta do infantário, meu pai sabe-a de cor como
ao Cesário e ao O’Neill, que eu também já decorei só de
ouvi-lo repetir: “Por favor, Madame, tire as patas, por
favor, as patas de seu cão de cima da mesa que a gerência
agradece”… (sou) presidente da república do meu coração,
com opinião política, sem organização, e é por convicção,
que não louvo abstenção, tenho o dever do voto por quem
fez revolução… Tenho intervenção, na rima e na atitude,
para que isto mude, para que isto siga novo rumo! A minha
religião é auto-superação, não façam comparação, brilho no
escuro, sou uma num milhão e tenho ambição, a missão de
servir de inspiração para o futuro!
Com a minha palavra, que é arma com efeito, local, afinal
mudo o mundo aqui primeiro, eu não sou dos partidos,
sou dos inteiros, o colectivo é activo se o indivíduo está
desperto e tudo começa no peito, com a música por perto
do verso, é perfeito!

Refrão
Não tenho nicho, nem naipe, não acredito no hype, já era
Odd no passado, hoje mantenho o style. Isto é um vício
de facto, eu não resisto e ressaco, e pela rima eu desfaço
qualquer obstáculo!

Quero genialidade para emocionar, ter um je ne sais quoi


como o J.B. no “ne me quites pas”, ter capacidade de inovar
sendo fiel à raiz, ao país e à cidade invicta! Eu quero mais,
quero um público e ter o dom de lidar bem com o público e
sobretudo envelhecer com o meu público, eu queria um dia
viajar como um músico, quero tocar e gravar num estúdio,
mas quero divertir-me acima de tudo, quero poder pagar
a quem trabalhar comigo, ao Diego sobretudo
recompensá-lo é devido, eu um dia ainda VOU dividir o
palco COM uma banda e era BOM ter um técnico de SOM
e o cachet merecido…

Eu sou Mc eu estou-me a expor aqui, dou tudo de mim e


já decidi, não vou discutir mais ou menos 20 euros com
os chulos que andam para aí, promotorzecos de merda eu
pago para não ouvir. Faz por ti mas respeita a tua classe,
se tocas de graça ou quase (tu) boicotas os teus pares,
devia haver um sindicato do Rap que acautelasse a nossa
dignidade já que isto agora é negócio, o que é nosso está no
fosso, até chega a ser boicote, em festivais não é suposto,
só toca banda de rock, nos phones é o oposto, putos só
ouvem Hip Hop, dá desgosto ver que o esforço nunca chega
a ter suporte! Nesta lua-de-mel da musica portuguesa
novamente em português excluem os Mc’s, ou seja, quem
sempre fez desta língua uma certeza, mas que nunca vês
em TV’s ou imprensa!

Refrão

A minha religião é auto-superação não façam comparação,


brilho no escuro, sou uma num milhão e tenho a ambição,
a missão de servir de inspiração para o futuro, como eu
ninguém faz aquilo que eu faço, aquilo de que sou capaz,
aquilo em que me esforço e eu posso, posso furar a
industria, criar oportunidades a fazer a minha musica, como
a Diams, a Debelle, a Rodriguez, fazer com que chamem
Rap ao Rap de raparigas, (mas) façam figas, há uma coisa
que eu preciso, é ter o Di e a M7 no mesmo barco comigo,
corações ao alto no mesmo palco comigo, rotações no prato
no mesmo beat fodido!

A minha religião é auto-superação, não façam comparação,


brilho no escuro, sou uma num milhão e tenho ambição,
a missão de servir de inspiração para o futuro!
Créditos
Em “Mão Cheia” é declamado um conjunto de frases de Almada
Negreiros retiradas de “A invenção do dia claro” (1921).
Em “Terapia de Grupo” o trecho final corresponde a um excerto
da música “Só neste país” de Sérgio Godinho (2006, EMI).
Em “Luas” pode ouvir-se o poema “O luar enche a terra de
miragens” de Sophia de Mello Breyner Andresen lido por
Luís Miguel Cintra (1994, “Signo”, Editorial Presença/Casa
Fernando Pessoa). Em “A Última” é declamado um excerto do
poema “Meditação na Pastelaria” de Alexandre O’Neill (1958).

Você também pode gostar