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A síncope brasileira
“As definições de síncope... deixam clara sua ligação com a ideia de que o ritmo
musical se estrutura com base na recorrência periódica de acentuações. Essa recorrência
periódica, que os autores citados chamaram também de “normal”, “esperada” etc., é
conhecida como “compasso”. Ora, o compasso, assim como a síncope, também não é um
universal da música. Na verdade, dentro da própria música ocidental ele é uma invenção
tardia, pois é só a partir do período barroco que seu emprego será sistematizado na
Europa.”
“Os pesquisadores brasileiros que escreveram sobre a importância da síncope
tenderam a atribuir a paternidade dela aos africanos que vieram com a escravidão.”
“...a rítmica ocidental é divisiva, pois se baseia na divisão de uma dada duração
em valores iguais.” “Já a rítmica africana é aditiva, pois atinge uma dada duração através
da soma de unidades menores, que se agrupam formando novas unidades, que podem não
possuir um divisor comum (é o caso de 2 e 3).”
“Uma articulação rítmica será dita cométrica quando ocorrer na primeira, terceira,
quinta ou sétima semicolcheia do 2/4; e será dita contramétrica quando ocorrer nas
posições restantes, à condição de não ser seguida por nova articulação na posição
seguinte. Caso ocorra articulação em posição seguinte, ainda assim uma articulação nas
posições pares poderá ser contramétrica, mas à condição de apresentar algum tipo de
marca acentual.”
O paradigma do tresillo
Segundo o autor, o tresillo possui algumas variações, dentre elas, a mais conhecida
como sincopa ou como Mário de Andrade definiu “síncope característica”, sendo um
padrão rítmico característico na música popular brasileira. Sendo assim, ele destaca:
“Afirmei que a ‘síncope característica’ podia ser considerada uma variante do tresillo.
Ora, o agrupamento de valores rítmicos proposto na versão com que costuma ser
apresentada na escrita musical não faz dela uma subdivisão do tresillo, mas do compasso
2/4 ocidental.” Ou seja, a síncope pode ser vista com um tresillo cujos grupos ternários
são subdivididos em 1+2.
O argumento principal deste livro é que existe uma ligação entre o tipo de
contrametricidade (ou concepção do que seja música “sincopada”) configurada pelo
paradigma do tresillo e certa concepção do “afro-brasileiro” e do “tipicamente brasileiro”.
E que estas concepções musicais e não musicais associadas cederão lugar, por volta de
1930, a um novo paradigma rítmico e a novas ideias sobre o que é “ser brasileiro”, ao
mesmo tempo que os velhos gêneros confundidos cederão lugar ao samba como música
popular por excelência.
O paradigma do Estácio
Nesse subcapítulo, o autor traz um novo paradigma para incluir fórmulas rítmicas
que são despercebidas na literatura musicológica brasileira, diferentemente das fórmulas
rítmicas nos dois primeiros subcapítulos.
“Os sambas de Ismael Silva, Bide e Nilton Bastos, entre outros, diferenciaram-se
daqueles consagrados por Sinhô, pelo menos por sua pulsação rítmica mais complexa.
Enquanto estes guardavam vestígios de antigos maxixes, aqueles sambas que vinham do
Estácio [caracterizavam-se] pela agregação de mais uma célula rítmica à marcação.”
Sobre a clave d tamborim: “Qualquer pessoa que esteja familiarizada com o samba
de rua brasileiro, como pode ser visto no Rio de Janeiro pela época do Carnaval ... deve
conhecer a característica célula percussiva que atravessa esta música como um de seus
traços mais persistentes. Esta célula pode ser tocada em vários instrumentos, por exemplo
em um tambor agudo ... ou até num violão. Trata-se de um elemento focal, no qual os
outros instrumentistas, cantores e dançarinos encontram um pivô de orientação.”
“Qualquer habitante do Rio de Janeiro que tenha certo contato com rodas de samba
não terá dificuldade em reconhecer auditivamente estas figuras, ou mesmo em batucá-las
na mesa. Mas não sabemos ainda quais são as propriedades formais delas, pelas quais tal
reconhecimento se torna possível. Em outras palavras: não sabemos o que há de comum
entre todas estas variantes citadas por Didier, Mukuna, Araújo, Kubik, ouvidas nos discos
de Paulinho da Viola, Nelson Cavaquinho e tantos outros, tocadas em tamborins, cuícas,
garrafas — sem falar de outros instrumentos dos quais não dei exemplos —, que nos faz
em todos os casos situar sem sombra de dúvida o ritmo em questão como pertencendo ao
samba carioca posterior a 1930.”
REFERÊNCIA