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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
ÁREA: POLÍTICA, DESENVOLVIMENTO E SOCIEDADE

JUVENTUDE UNIVERSITÁRIA NOS ANOS 1980:


AS PRÁTICAS CULTURAIS DO MOVIMENTO ESTUDANTIL NA UFRN

MICHELLE PASCOAL MAIA

NATAL/RN
2009
MICHELLE PASCOAL MAIA

JUVENTUDE UNIVERSITÁRIA NOS ANOS 1980: AS


PRÁTICAS CULTURAIS DO MOVIMENTO
ESTUDANTIL NA UFRN

Dissertação apresentada ao programa de pós-


graduação em Ciências Sociais da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Ciências Sociais. Área de
concentração: Política, Desenvolvimento e
Sociedade

Orientador: Dr. João Bosco Araújo Costa

NATAL/RN
Catalogação da Publicação na Fonte.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).

Maia, Michelle Pascoal.


Juventude universitária nos anos 1980 : as práticas culturais do Movimento
Estudantil na UFRN / Michelle Pascoal Maia. Natal, 2009.
140 f.

Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal do


Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa
de Pós-graduação em Ciências Sociais, Natal, 2009.
Orientador: Prof.º Drº João Bosco Araújo da Costa.

1. Movimento Estudantil – UFRN. 2. Cultura. 3. Práticas Culturais. 4.


Participação Política. I. Costa, João Bosco Araújo da. II. Universidade Federal
do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BSE-CCHLA CDU 323.26(813.2)


2009
MICHELLE PASCOAL MAIA

JUVENTUDE UNIVERSITÁRIA NOS ANOS 1980: AS PRÁTICAS


CULTURAIS DO MOVIMENTO ESTUDANTIL NA UFRN

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção


do grau de Mestre no Curso de Pós-Graduação em Ciências
Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
pela mesa examinadora composta pelos seguintes
professores:

_________________________________________
Prof. Dr. João Bosco Araújo da Costa
Orientador

__________________________________________
Prof. Dr. João Emanuel Evangelista
Examinador

________________________________________
Prof. Dr. Carlos Alberto Nascimento de Andrade
Examinador

____________________________________________
Prof. Dr. Homero de Oliveira Costa
Examinador Suplente
Natal, 30 de março de 2009.

Ao meu sobrinho Vinícius por significar tudo que há de


mais belo, verdadeiro e apaixonante em minha vida. E a
todas e todos que se atrevem a sonhar, acreditar e lutar
por mundo justo, humano e fraterno.
AGRADECIMENTOS

Aos meus pais por serem os responsáveis por parte do que sou, do que
represento e conquistei até hoje. A cumplicidade de mamãe e papai, as pessoas
humanas e íntegras que eles são. Ao exemplo que me deram.
Aos irmãos que a vida me deu e ao que ela me tirou. Em especial para a
irmã e amiga Vaninha, presente nos momentos mais difíceis.
Aos meus avôs e avós, pelos grandes homens e mulheres que foram e são.
Ao meu cunhado, a companheira de papai e ao companheiro da minha mãe, Jorge
Bambino, por tudo que fez e faz por mim.
Às minhas tias e tios, primos e primas. A tia Regina pela amizade e
colaboração na transcrição das entrevistas, a minha prima Viviane pela ajuda no
inglês e a minha madrinha e tia Bel por estar ao meu lado sempre que preciso de
um ombro amigo.
Ao Professor Dr. João Bosco de Araújo da Costa, nosso orientador.
Ressaltamos a sua dedicação, a valiosa contribuição e orientação, onde mesmo
diante de tantos compromissos e ocupações sempre nos atendeu, como também
ajudou com muita atenção e carinho.
A todos os professores que me ensinaram durante toda a minha vida
escolar e acadêmica. Aos professores da pós-graduação em Ciências Sociais.
Agradeço a João Emanuel Evangelista e Homero Costa, que deram a honra de
contribuir com o nosso trabalho na qualificação.
Aos militantes estudantis, dos anos 1980 na UFRN, que nos doaram com
muita gentileza e generosidade suas lembranças, sendo de fundamental
importância para resgatarmos parte da história do movimento estudantil em Natal:
Antenor Soares de Medeiros, Carlos Nascimento, Fernando Mineiro, Hugo Manso,
Maristela Pinheiro, Moisés Domingos Sobrinho, Aderbal Silva, Christian Lira de
Vasconcelos, Cipriano Vasconcelos, Fernando Santos, João Emanuel Evangelista
e Manasses Campos. Agradecemos, também, o material, de seus arquivos
particulares, que nos foi cedido para a pesquisa, pelos professores Carlos Alberto
Nascimento de Andrade e Cipriano de Vasconcelos.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES), por contemplar-me com uma bolsa de estudos, contribuindo para minha
dedicação à dissertação e conclusão do mestrado.
A todos da secretaria da pós-graduação, pela atenção sempre que precisei
de orientação. Aos colegas que fiz durante o mestrado. A Ivonete que me
hospedou em sua casa durante a minha ida a Mossoró. A Edilene, Nara, Eduardo,
Sabrina, Daline, Cida, Ozaías, Jussara, Aninha entre outros que me deram dicas,
trocaram informações e experiências.
Aos grandes amigos que me acompanham durante anos, sendo
companheiros e fazendo a diferença em minha vida: Adriana, Glácio, Flávio,
Késsia, Isa, Geórgia, Daniel, Mozart, Divaneide, Vanessa, Danielle, Gisele, Carlos,
Sheila, Cibelly, Caíze, Marcos, Paulinho, Lidiane, Aluízia, Hilanete, Henrique, entre
outros.
Obrigada, muito obrigada mesmo por de alguma forma fazerem parte da
minha caminhada!
RESUMO

Os anos 1980, na UFRN, representaram um momento de retomada das


lutas estudantis. As principais bandeiras do movimento estudantil nesse período
era a luta pelo fim do regime autoritário e por democracia dentro e fora da
universidade. Nesse contexto, foram realizados eventos, atividades e produções
artístico-culturais com o propósito de fazer uma crítica política ao regime,
buscando fazer um diálogo com a comunidade universitária e com parte da
população. Nosso trabalho fez uma investigação sobre as práticas culturais do
movimento estudantil nos anos 1980. Fizemos uma análise sobre o processo de
transição democrática brasileira, a participação política da juventude, suas práticas
culturais no país, a sociedade e a política no RN, o movimento estudantil da UFRN
e suas práticas culturais. Discutimos o conceito de cultura e práticas culturais,
como também mapeamos as principais atividades e produções culturais
organizadas pelos estudantes da UFRN, nesse período. Utilizamos como recurso
metodológico a fonte oral, a literatura sobre o assunto e matérias em jornais,
boletins e panfletos estudantis.

Palavras chave: Movimento Estudantil, Cultura, Práticas Culturais, UFRN,


Participação política.
ABSTRACT

The 1980s, at UFRN represented a moment of resumption of student


struggles. The major goals of the student movement in this period was the fight
against the authoritarian regime and for the democracy within and outside the
university. In this context, events, activities, artistic and cultural productions were
organized in order to make a critical policy for the procedure, trying to establish a
dialogue between the university community and the population. Our work has
made a research on cultural practices of the student movement in the 1980s. We
did an analysis on the process of democratic transition in Brazil, the political
participation of youth, their cultural practices in the country, society and politics in
the RN, the student movement at UFRN and its cultural practices. We also
discussed the concept of culture and cultural practices, but also pointed each of
the the main activities and cultural productions organized by students of UFRN in
that period. As methodological resource, were used the oral sources, the academic
literature on the subject and newspaper pieces, newsletters and advertisement
material of the students.

Keywords: Student Movement, Culture, Cultural Practices, UFRN, Political


participation.
LISTA DE ABREVIATURAS

ABC Paulista – Santo André, São Bernardo e São Caetano;


ABI- Associação Brasileira de Imprensa;
ADURN – Associação dos Docentes da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte;
AI5 – Ato Institucional nº 5;
ARENA – Aliança Renovadora Nacional;
AP- Ação Popular
CA – Centro Acadêmico;
CB – Ciências Biológicas;
CCC- Comando de Caça aos comunistas;
CCE – Centro de Ciências Exatas;
CONEG – Conselho Nacional de Entidades Gerais;
CPC- Centro Popular de Cultura;
CS- Convergência Socialista
DA – Diretório Acadêmico;
DCE – Diretório Central dos Estudantes
GTDN- Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste
IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática;
ISEB- Instituto Superior de Estudos Brasileiros;
LDB- Lei de Diretrizes e Bases;
MCP- Movimento de Cultura Popular;
ME – Movimento Estudantil;
MEC – Ministério da Educação e Cultura;
MDB – Movimento Democrático Brasileiro;
MR8 – Movimento Revolucionário 08 de Outubro;
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil;
PCB – Partido Comunista Brasileiro;
PC do B – Partido Comunista do Brasil;
PDS-Partido Democrático Social;
PDT – Partido Democrático Trabalhista;
PFL- Partido da Frente Liberal;
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro;
PP- Partido Popular;
PSTU- Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados
PT – Partido dos Trabalhadores;
PTB- Partido Trabalhista Brasileiro;
RN – Rio Grande do Norte;
RU – Restaurante Universitário;
SUDENE- Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte;
UNE – União Nacional dos Estudantes;
USAID – Agência Norte Americana para o Desenvolvimento Internacional.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................12
1 – O MOVIMENTO ESTUDANTIL E A TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA
NO BRASIL ...................................... ..........................................................23
1.1 – A Transição Democrática no Brasil.....................................................23
1.2 – Juventude universitária e participação política...................................33
1.3 – As práticas culturais do Movimento Estudantil....................................47
2 – A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DA JUVENTUDE UNIVERSITÁRIA
NOS ANOS 1980 EM NATAL.......................................................................59
2.1 – RN: Sociedade e Política nos anos 1980............................................59
2.2 – O Movimento Estudantil na UFRN nos anos 1980..............................71
3 – ANALISANDO AS PRÁTICAS CULTURAIS DO MOVIMENTO
ESTUDANTIL NA UFRN NOS ANOS 1980..................................................89
3.1 – (Re)Visitando a literatura sobre Cultura e práticas Culturais..............89
3.2 – As práticas culturais do Movimento Estudantil na UFRN nos
anos 1980.....................................................................................................92
CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................123
REFERÊNCIAS................................................................................................126
ANEXOS ----------------------------------------------------------------------------------------134
ANEXO I- I FESTIVAL DE MÚSÍCA E POESIA---------------------------------------134
ANEXO II- MATÉRIA SOBRE O II FESTIVAL DE MÚSICA E POESIA
E A SEMANA DE CULTURA DO INTERIOR-------------------------------------------135
ANEXO III- I FESTIVAL UNIERSITÁRIO DE ARTE E CULTURA----------------136
ANEXO IV- MATÉRIA SOBRE O I FESTIVAL UNIVERSITÁRIO DE ARTE
E CULTURA------------------------------------------------------------------------------------137
ANEXO V- SHOW DE SUELDO SOARES--------------------------------------------- 138
ANEXO VI- SHOW DE GERALDO AZEVEDO---------------------------------------- 139
ANEXO VII – BNB CLUBE EM PONTA NEGRA--------------------------------------140
12

INTRODUÇÃO

A participação política da juventude universitária ao longo dos anos vem


se destacando e mostrando sua relevância em vários momentos políticos do
país. Os jovens engajados no Movimento Estudantil tornaram-se agentes de
um trajeto de lutas e mobilizações, sendo personagens atuantes nas disputas
políticas vivenciadas pela sociedade brasileira em diversos períodos de sua
história republicana.
Nas escolas e universidades o Movimento Estudantil (ME) apareceu
como importante ator, encaminhando as lutas específicas, que vão desde a
reivindicação por melhores salas de aula, qualificação dos professores,
transporte, melhoria na casa do estudante, Residência Universitária e
Restaurante Universitário, como nas lutas gerais, na luta permanente por mais
verbas na educação, agindo em conjunto com outros movimentos sociais,
lutando por transformações na sociedade.
Uma das características do Movimento Estudantil tem sido a utilização
de atividades e eventos artísticos culturais, tais como a música, o teatro, as
artes plásticas, a charge, poesia, entre outras manifestações que caracterizam
as suas práticas culturais.
A parceria entre o movimento estudantil e os artistas ganhou destaque nos
anos 1960 com a criação do Centro Popular de Cultura da UNE. Através da
ação e produção cultural, a juventude fez uma crítica política à falta de
democracia dentro e fora do âmbito universitário. Na UFRN, no final dos anos
1970 e nos anos 1980, o movimento estudantil, a partir de seus eventos e
produções culturais, deu continuidade a essa característica de utilização de
atividades artísticas como instrumento de sua atuação política.
A nossa pesquisa faz uma investigação sobre as práticas culturais do
movimento estudantil na UFRN, nos anos 1980. Nesse sentido, procuramos
evidenciar o movimento estudantil através da compreensão das práticas
culturais presente na ação das lideranças estudantis e desenvolvidas pelas
entidades representativas. Analisaremos as atividades, eventos, produções
culturais, entendendo como eram organizadas as manifestações de arte e
cultura, como também em que contexto histórico, político e social essas
práticas culturais foram realizadas.
13

O interesse por este tema foi motivado pela nossa participação no


movimento estudantil universitário na UFRN, durante a nossa atuação na
diretoria do Centro Acadêmico de História (CA) e do Diretório Central dos
Estudantes (DCE/UFRN), no período de 1999 a 2003. No entanto, apesar de
nossa aproximação e paixão por essa temática, procuramos construir um
trabalho científico, um estudo de caso, uma investigação sobre um período da
história política do Movimento Estudantil em Natal, mantendo-nos no desafio de
fazer a partir da pesquisa no campo das ciências sociais uma reconstituição,
um registro, um resgate de parte desse momento.
Diferentes concepções teóricas analisaram como também tentaram
compreender o movimento estudantil. A maioria dos estudiosos que se
dedicaram a essa temática, principalmente nos estudos referentes ao regime
autoritário 1 brasileiro a partir de 1964, classifica o M.E como um movimento de
classe média. O comportamento do jovem estudante foi interpretado como fruto
das aspirações e frustrações dessa classe, conforme Foracchi:

Na situação brasileira a classe média em ascensão libera


ressentimentos e aspirações que pressionam o jovem
estudante com influências radicalizadoras. Suas insatisfações
são, assim, elaboradas e manipuladas socialmente como
expressões do inconformismo ou da rebelião da classe média
(FORACCHI, 1977, p. 238).

A análise de Martins Filho enxerga também o ME como resultado dos


interesses imediatos da classe média. Provavelmente ele chega a tal conclusão
em função da origem social da maioria dos estudantes universitários.2
Percebemos que essa concepção que analisa o ME como produto da classe

1
Utilizamos o conceito de regime autoritário de LINZ, que define que são “sistemas políticos
com pluralismo político limitado, não responsável, sem ideologia orientadora e elaborada, mas
com mentalidades distintas, sem mobilização política extensiva ou intensiva, exceto em alguns
pontos do seu desenvolvimento, e no qual um líder ou, ocasionalmente, um pequeno grupo
exerce o poder dentro de limites formalmente mal definidos, mas, na realidade; bem
previsíveis”. (LINZ, 1964, p. 255).

2
MARTINS FILHO apud ANDRADE, Carlos Alberto Nascimento. A organização política dos
estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1974-1984). 1994, Natal. Tese de
Mestrado em Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. p. 11.
14

média, baseia-se no universo dos estudantes universitários, devido à


significativa presença das classes médias nas universidades.
Não são todos os jovens universitários que fazem parte do Movimento
Estudantil. É importante ressaltar que apenas uma parcela dessa juventude
participa ativamente das atividades políticas. Uma minoria mais atuante
politicamente propõe-se a representar o conjunto dos estudantes, liderando as
ações, as mobilizações, as atividades. A totalidade dos jovens não está
presente no movimento estudantil, mas apenas um pequeno grupo mais ativo.
Para entender o movimento estudantil é preciso compreender que a condição
de estudante é transitória, concordamos com Foracchi quando afirma que:

É a transitoriedade da condição social de estudante um dos


fatores responsáveis pela formação de perspectivas voltadas
para o futuro, isto é, de perspectivas sensíveis aos aspectos
contraditórios do presente, constituídos e apreendidos no
transcorrer do processo social de transformação do jovem em
estudante. (FORACCHI, 1977, p. 240)

O movimento estudantil é uma parcela da juventude que na sua maioria


ainda depende dos pais, que ainda não trabalha, facilitando dessa forma sua
atuação nas atividades políticas. Entendemos que o movimento estudantil é
composto por estudantes secundaristas e universitários, tendo lutas que são
especificidades dentro das escolas e universidades. Entretanto, também
possuem uma tradição de participação política nas disputas, como também nos
conflitos que atingem a sociedade. Segundo Foracchi:
O movimento estudantil, expressão radical da ambígua
polarização ideológica dessa camada compósita que é a
pequena-burguesia, integra-se à ação das massas urbanas
politicamente interessadas na transformação do status quo.
Além disso, o Movimento estudantil organiza-se em torno de
reivindicações especificamente estudantis que evidenciam, por
sua vez, a ligação do estudante com os problemas da
sociedade subdesenvolvida. (FORACCHI, 1977, p. 249)

Para compreender as práticas culturais do Movimento Estudantil nos


anos 1980 na UFRN temos que discutir a condição de estudante, como
15

também perceber o Movimento Estudantil como parte dos movimentos sociais, 3


destacando suas especificidades. Nesse sentido, de acordo com Fraga:

Ao longo de nossa investigação, buscamos caracterizar o


Movimento Estudantil enquanto movimento social, resgatando
algumas de suas particularidades. Consideramos três
características próprias do ME quais sejam: a possibilidade de
ser a primeira participação de forma organizada na sociedade,
a temporalidade da condição de estudante e o caráter geral de
suas bandeiras de luta. (FRAGA, 1996, p. 05,).

A partir dos anos 70, em todo Brasil, ganhou visibilidade um conjunto de


movimentos, os quais foram denominados pela literatura de novos movimentos
sociais. Mesmo que o Movimento Estudantil não se enquadre na noção de
novo movimento social em sua totalidade, uma de suas características o faz
participar desse universo, qual seja, o fato de assim como os outros
movimentos que surgiram nesse período, o ME não representa uma classe
social específica e não se organiza na estrutura produtiva, a exemplo do
movimento operário. Em relação à literatura sobre os novos movimentos
sociais, os quais constituíram a chamada nova sociedade civil naquele período,
Costa afirma que:

O perfil da sociedade brasileira entre 64, ano do golpe militar


que inicia o ciclo autoritário, e os anos setenta, marco inicial do
processo de transição política para a democracia
representativa, sofreu profundas modificações, especialmente
nas estruturas econômicas e sociais do país. Mesmo que de
forma esquemática, é importante apontar suas linhas gerais,
pois é nesse novo cenário que fomentam-se as condições
estruturais para a emergência de novos atores que serão
portadores de novas narrativas políticas, constituindo o que
uma vasta literatura denominará de novos personagens, a
partir de novos lugares da política.(COSTA, 1998, p. 31-32).

Os movimentos sociais entravam em cena ganhando visibilidade por


suas ações. Novos atores surgiam nesse cenário político, às ruas eram
ocupadas por mobilizações que reivindicavam, entre um conjunto de demandas

3
Castells entende Movimento social como sistema de práticas sociais contraditórias, que
controvertem a ordem estabelecida a partir das contradições específicas da problemática
urbana. Sustenta que os movimentos urbanos se transformam em movimentos sociais na
medida em que logram converter-se em componentes de um movimento político que
controverte a ordem social (1976).
16

específicas de diversos segmentos da sociedade, tais como: Moradia,


Transporte, Saúde, Educação, Saneamento, Emprego, o retorno à democracia
e logo o fim do regime autoritário.
Muitas dessas manifestações tinham um caráter sócio-cultural, no caso
dos movimentos feministas, pautadas nas questões de gênero. O movimento
homossexual, ecológico, entre outros que ganharam força no país, nesse
período e que não se centravam basicamente na questão da reprodução da
força de trabalho.
De acordo com Jacobi (1987) a relação entre os movimentos sociais e o
Estado na década de 70 foi vista numa perspectiva fragmentada, privilegiando
mais o que o Estado cedia do que o que efetivamente controlava e organizava.
Já a partir dos 1980 novas mudanças foram apontadas, colocando os
movimentos sociais em permanente tensão, entre a inovação e a
institucionalização. Como argumenta Jacobi:

O aspecto inovador pode ser visto quanto à sua relativa


autonomia face ao Estado, partidos políticos e os políticos
propriamente ditos. A institucionalização representa
basicamente a perspectiva de negociar e interagir com o
Estado, o que freqüentemente tem provocado interpretações
contraditórias sobre o caráter dos movimentos e seu potencial
de transformação. (JACOBI, 1987, p. 13).

Para Castells (2000) começou a existir uma fragmentação dos


movimentos sociais, em um mundo global onde a busca da identidade, coletiva
ou individual, atribuída ou construída torna-se a fonte básica de significado
social, ou seja, de acordo com o autor:

A identidade está se tornando a principal e, às vezes, única


fonte de significado em um período caracterizado pela ampla
desestruturação das organizações, deslegitimização das
instituições, enfraquecimento de importantes movimentos
sociais e expressões culturais efêmeras.(CASTELLS, 2000,
p.41)

Como a maioria dos conceitos das ciências sociais, a noção de


movimento social descreve apenas parte da realidade, sendo também um
elemento de um modo específico de construir a realidade social. Dessa forma,
17

as distintas teorias sobre os movimentos sociais, entre eles o movimento


estudantil, formam a disputa de atribuição de sentido. Como reflete Melucci:

A maioria das correntes teóricas nas ciências sociais apresenta


uma variedade de conceitos sobre movimento social que quase
nunca são comparáveis entre si, seja pelos próprios
antagonismos e diferenças entre as correntes, seja porque os
movimentos sociais se constituem objetos que envolvem
interesses e paixões. (MELUCCI, 1997, p.12).

Os estudos referentes aos movimentos sociais, como é o caso do


movimento estudantil, têm como objetivo ampliar as possibilidades de
pesquisa, incorporando novas temáticas para reflexão e estudo dos cientistas
sociais. Mais do que sugerir novas propostas de pesquisa, o ofício do cientista
social requer o levantamento de novas questões, problemas, abordagens,
refletindo sobre antigas afirmações criticamente, trazendo à tona diferentes
interpretações e olhares aos temas estudados.
Resgatando a bibliografia referente ao tema do nosso trabalho,
constatamos que vários estudos têm sido feitos com o objetivo de retratar a
participação política dos estudantes na história política brasileira. Percebemos
que as reflexões sobre o período do regime autoritário no Brasil são bastante
amplas, apesar dos diferentes enfoques, das diversas interpretações dos
autores.
Dentre os trabalhos sobre o assunto, destacamos os mais
4
representativos, como o estudo de Poerner (1979), O poder jovem: História
da participação política dos estudantes brasileiros, que aborda a importância do
papel político dos estudantes em diferentes momentos da história brasileira,
principalmente no período da instauração do regime autoritário a partir de 1964.
Martins (1987) 5, Movimento Estudantil e Ditadura Militar: 1964:1968, pesquisou
o movimento estudantil no período do regime autoritário, analisando também a
participação política dos estudantes nesse momento da história do país.

4
(POERNER, 1979.)

5
(MARTINS FILHO, 1987)
18

Entre a literatura que retrata a participação política do ME no Rio Grande


do Norte6, destacamos o trabalho de Silva (1989), “Estudantes e Políticas:
estudo de um movimento (RN 1960-1969)”, que analisou o movimento
estudantil universitário no RN e suas principais atividades. A dissertação de
mestrado de Andrade (1994), “A organização política dos estudantes da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1974-1984)”, cujo objetivo foi
estudar as tendências políticas presentes no ME na UFRN, terminando com o
processo de Ocupação da Reitoria em 1984. Nossa monografia “A ocupação
da Reitoria: Seis dias que abalaram a UFRN”, sobre o fato político que foi a
ocupação da Reitoria na UFRN em 1984. O trabalho de Patrício (2004),
intitulado de “Militantes estudantis e cultura política no Rio Grande do Norte
(1960-1990)”, que retratou as práticas sócio-culturais e o processo de
sociabilidade do movimento estudantil.
Procurando ampliar os estudos sobre o movimento estudantil no RN, a
nossa pesquisa tem como objetivo geral investigar as práticas culturais dos
Estudantes universitários, nos anos 1980, na UFRN. Especificamente
analisamos as práticas culturais das entidades e seus militantes, quais e como
eram organizadas as atividades culturais, como também as formas de
participação política e cultural dos estudantes, na época.
Assim como as noções e conceitos referentes a movimentos sociais
constituem um dos elementos do nosso quadro teórico analítico, a investigação
proposta para nossa pesquisa, que analisou as práticas culturais do movimento
estudantil, exige uma discussão sobre cultura.
O conceito de cultura nas Ciências Sociais perpassa por uma tendência
em dividir a Cultura entre a Cultura “Popular” e “Erudita”. De um lado uma
cultura “popular” que constitui um mundo à parte, separado e independente. De
outro lado, uma cultura letrada e dominante, construída a partir das relações de
dominação que caracterizam o mundo social, como também da suposta
dependência da cultura “popular” em relação à cultura “dominante”. Nesse
sentido, algumas análises percebem a cultura “popular” como autônoma e
outros como dependente da cultura “dominante”.
A noção sobre a cultura é definida através de vários olhares. Portanto, é
importante ressaltar que esse não é um campo homogêneo, nem mesmo pode
6
(SILVA, 1989); (ANDRADE, 1994); (MAIA, 2003); (PATRICIO, 2004)
19

ser simplificado a partir do antagonismo entre a cultura “popular” e a “Erudita


ou dominante”. A cultura é uma troca, uma arena de elementos conflitivos. As
práticas culturais dos indivíduos na sociedade ultrapassam as fronteiras de
classes. Os códigos são trocados, reelaborados, codificados e decodificados
constantemente.
Pensar cultura pode parecer, também, uma idéia de consenso, de
homogeneidade. No entanto, temos que ficar atentos para perceber as
nuances e contradições desse consenso, pois embora seja um campo que
primeiramente se apresente como homogêneo, o mundo da cultura apresenta
complexidades. De acordo com a reflexão de Bosi:

No entanto, cultura é vida pensada. O Projeto de cultura que


gostaríamos que vingasse numa sociedade democrática é
aquele que desloca o conceito de cultura e mesmo de tradição.
Em vez de tratar a cultura como uma soma de coisas
desfrutáveis, coisas de consumo, deveríamos pensar a exibida
para a idéia-chave, o projeto que eu diria recuperador: uma
concepção que resgatasse o caráter mercantil, exibido e
alienante que a cultura assumiu e vem assumindo na
sociedade de classes. (BOSI, 1997, p.38)

Estudar a cultura é analisar as representações e comportamentos dos


indivíduos em suas práticas sociais, refletindo profundamente sobre o contexto
sócio-histórico em que estão inseridas, como também as ações coletivas que
representam as diferentes visões de mundo e os conflitos no interior dos
grupos, organizações, movimentos sociais, revelando que a cultura não é um
campo homogêneo, nem simplesmente antagônico, mas em constante disputa.
As atividades culturais do Movimento Estudantil não estão dissociadas
das práticas políticas dos segmentos sociais e das perspectivas políticas,
ideológicas, que permeiam o ME. Isto porque as práticas culturais têm se
tornado um elemento constitutivo do processo de instituição e socialização dos
jovens, de representações e visões de mundo de um determinado
grupo/movimento social.
Tanto a atuação política do ME tem uma dimensão cultural, como as
práticas culturais estão inseridas em uma dimensão política. Nesse sentido,
conforme Hall, “todas as práticas sociais, na medida em que sejam relevantes
20

para o significado ou requeiram significado para funcionarem, têm uma


dimensão cultural” (HALL, 1997, p. 32).
Em relação à metodologia, para investigar as práticas culturais do
movimento estudantil nos anos 1980, na UFRN, o método qualitativo se
apresentou como o mais adequado, por ser mais apropriado para o estudo e a
compreensão de dimensões subjetivas da realidade.
Quanto ao método, conforme demonstra Richardson (1989), temos o
método quantitativo, que é definido pelo emprego da quantificação. Sua análise
é baseada por procedimentos, estudos estatísticos. Como também o método
qualitativo, que tem como objetivo traduzir fenômenos do mundo social,
descrevendo e decodificando elementos de uma estrutura complexa de
significados.
Sobre o método qualitativo Richardson (1989) aponta algumas situações
que se evidencia a importância da aplicação desse método, como situações
que se busca compreender aspectos psicológicos cujos dados não podem ser
coletados de modo completo por outros métodos devido à complexidade que
encerra. Nesse sentido, temos estudos dirigidos à análise de atitudes,
motivações, expectativas, valores, etc. (RICHARDSON, 1989, p.39).
Flick defende que “o passo de fundo teórico do método é a construção
conjunta da realidade” (FLICK, p. 134, 2004). O autor apresenta algumas
características da teoria do método qualitativo, como, por exemplo, a realidade
social é vista como construção e atribuição social de significados; a ênfase no
caráter processual e na reflexão; as condições “objetivas” de vida tornam-se
relevantes por meio de significados subjetivos; o caráter comunicativo da
realidade social permite que o refazer do processo de construção das
realidades sociais torne-se ponto de partida da pesquisa.
Esse método de pesquisa analisa os fenômenos segundo a perspectiva
dos participantes da situação estudada, retirando desse contato e análise a
nossa própria interpretação de um determinado processo social. Nesse sentido,
temos que atribuir a importância fundamental à descrição detalhada dos
fenômenos, como também dos elementos que o envolvem, aos discursos, aos
significados e aos contextos, facilitando a partir dessa perspectiva a exploração
de contradições e abordagens.
21

Ao pesquisar sobre o Movimento Estudantil nos anos 1980 estamos


fazendo um estudo de caso e por isso temos que ser cautelosos quanto à
credibilidade do material investigado, confirmando sempre os depoimentos dos
atores envolvidos com os dados, os documentos, as fontes empíricas. Ainda
Richardson argumenta em relação ao método qualitativo que:

Os estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem


descrever a complexidade de determinado problema, analisar a
interação de certas variáveis, compreender e classificar
processos dinâmicos vividos por grupos sociais, contribuir no
processo de mudança de determinado grupo e possibilitar, em
maior nível de profundidade, o entendimento das
particularidades do comportamento dos indivíduos.
(RICHARDSON, 1989, p. 39).

O processo metodológico constitui-se, em um primeiro momento, da


revisão da literatura sobre movimento estudantil, transição democrática, cultura
e juventude para a construção do quadro teórico de análise. Em um segundo
momento, fizemos um mapeamento de dissertações, teses e trabalhos sobre o
M.E no RN, a política e a sociedade natalense.
Em terceiro, utilizamos entrevistas que foram realizadas com pessoas
que fizeram parte do Movimento Estudantil no Rio Grande do Norte nos anos
1980. Entrevistamos lideranças estudantis de diferentes correntes políticas.
Diretores e não diretores das entidades, militantes de diferentes lugares,
espaços no ME. As entrevistas recolheram dados pessoais, políticos e culturais
dos depoentes. Indagamos sobre a entrada no ME, se pertence ou pertencia a
algum grupo político, as principais atividades culturais que participou e/ou
organizou, os eventos, manifestações, produções na área da arte e cultura
realizadas pelas entidades estudantis nos anos 1980.
Outro caminho importante para a pesquisa foi o levantamento dos
periódicos estudantis, jornais e revistas da imprensa potiguar existentes nos
arquivos públicos e privados, nos quais resgatamos matérias, comentários,
notícias, imagens sobre as publicações, trabalhos e eventos culturais
realizados pelo Movimento Estudantil.
A nossa dissertação está estruturada em três capítulos. O primeiro
capítulo constitui-se de três itens. No primeiro item abordamos a transição
democrática brasileira. No segundo item desenvolvemos uma reflexão sobre o
22

conceito de juventude e a participação política da juventude do movimento


estudantil. No terceiro item investigamos as práticas culturais do Movimento
Estudantil no país.
O segundo capítulo está composto por dois itens, no primeiro item
analisamos a sociedade e a política no Rio Grande do Norte, bem como a
visibilidade da juventude do movimento estudantil da UFRN no processo de
redemocratização em Natal e no segundo item, abordamos a reconstrução das
entidades e do movimento estudantil na UFRN.
No terceiro capítulo, constituído de dois itens, discutimos no primeiro
item a literatura sobre cultura e práticas culturais. No segundo item
trabalhamos evidenciando quais eram as práticas culturais das entidades
estudantis e da juventude do movimento estudantil universitário na UFRN, nos
anos 1980. Refletimos no nosso trabalho sobre as atividades, movimentos,
produções, eventos e ações culturais desenvolvidas, bem como a visibilidade
dessas manifestações estudantis na sociedade potiguar.
23

1- TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA BRASILEIRA E O MOVIMENTO


ESTUDANTIL

A transição democrática no Brasil se deu de forma lenta e pactuada, a


partir de um clima de negociações e conflitos sociais. A juventude universitária
teve uma participação importante nas lutas por democracia. Em parceria com
os artistas, mantendo uma tradição que vinha desde os anos 1960 com o
Centro Popular de Cultura da UNE, nos anos 1970 e 1980, através do teatro,
da música de protesto, do cinema, a juventude universitária do ME mostrou sua
inquietação, questionando o regime autoritário brasileiro.

1.1 – Transição Democrática Brasileira

Com o golpe militar em 1964, o Brasil passou por significativas


mudanças em suas configurações econômicas, políticas e sociais. Na esfera
econômica a partir da entrada das multinacionais e do capital estrangeiro no
país, o tema era o “desenvolvimento” a qualquer custo, de forma acelerada e
que fizesse do Brasil uma grande potência mundial. Nesse período, a
concentração de renda foi crescente.
Na esfera política com a decretação de atos institucionais7, o regime
autoritário reprimiu as manifestações e ações contrárias às medidas adotadas
por seus representantes. Agindo de forma, muitas vezes, arbitrária e
desrespeitando os Direitos Humanos. Na estrutura social houve um êxodo rural
e aumento da população urbana, como também um processo de
marginalização e aumento das desigualdades sociais no país. Conforme
Domingos Sobrinho:

As repercussões das mudanças impostas pelo Golpe militar


(...) atingiram os diversos setores da sociedade brasileira,
rompendo efetivamente o modelo de desenvolvimento
econômico anterior e consolidando a tendência da
industrialização brasileira de se adequar aos padrões
7
Os Atos Institucionais foram decretos emitidos durante os anos após o Golpe militar de 1964
no Brasil. Serviram como mecanismos de legitimação e legalização das ações políticas dos
militares, estabelecendo para eles próprios diversos poderes extra-constitucionais. Sem este
mecanismo, a Constituição de 1946 tornaria inexecutável o regime militar, daí a necessidade
de substituí-la por decretos mandados cumprir. De 1964 a 1969 são decretados 17 atos
institucionais regulamentados por 104 atos complementares.
24

hegemônicos vigentes no sistema capitalista mundial. Esse


processo provocou, por conseguinte, alterações significativas
na estrutura econômica e social e nos planos político e cultural.
(DOMINGOS SOBRINHO, 1988, p. 30)

O Brasil viveu um período de desenvolvimento econômico caracterizado


por uma situação de crescente dependência, funcionando na periferia do
sistema econômico mundial. A abertura da economia ao exterior, as empresas
estrangeiras, proporcionando a estas uma mão de obra barata, resultou na
expansão cada vez mais ampliada do mercado externo, em um crescimento
das classes médias assalariadas urbanas, que se beneficiaram desse processo
de acumulação capitalista, como também em uma forte concentração de renda
e agravamento das desigualdades sociais no país.
Com a instituição da Lei de Segurança Nacional 8, o regime autoritário
adotou uma série de medidas que tinham interesses em eliminar qualquer
forma de oposição política e reivindicações econômicas e sociais das classes
subalternas, organizando, dessa maneira, as bases coercitivas do novo modelo
brasileiro. Sobre o assunto, Alves reflete que:

Também as medidas econômicas adotadas destinavam-se a


remover obstáculos e a prover as bases iniciais para o
processo de desenvolvimento pretendido pela Doutrina de
Segurança Nacional e Desenvolvimento. Os principais
objetivos eram, como toda evidência, a atração de capitais
multinacionais e o estabelecimento de uma política de controle
salarial que maximizasse a exploração e com isso aumentasse
os lucros. (ALVES, 1985, p.78-79).

Tendo como prioridade atrair os investimentos estrangeiros, duas


iniciativas foram criadas, sendo vistas como necessárias para atrair esses
investimentos. Uma delas foi a criação de uma legislação de controle das

8
Uma série de medidas para limitar a participação política e abranger o poder coercitivo do
regime autoritário. A Lei de Segurança Nacional definia crimes contra a ordem política e social.
Sua principal finalidade era transferir para uma legislação especial os crimes contra a
segurança do Estado, submetendo-os a um regime mais rigoroso, com o abandono das
garantias processuais.
25

greves e a outra foi a regulamentação dos reajustes salariais, fazendo parte de


uma política ampla de controle dos salários. De acordo com Alves:

Durante todos esses anos, a política salarial tem


reiteradamente subestimado o resíduo inflacionário e os
aumentos de produtividade, fazendo cair consideravelmente,
em termos reais, os níveis de salário. (ALVES, 1985, p. 78).

Por imposição do regime autoritário brasileiro foi criado em 1965, no


país, o bipartidarismo. Esse sistema bipartidário foi implantado no Brasil depois
da intervenção militar em 1964 e determinou várias regras, pelas quais apenas
foi possível formar dois partidos políticos, a Aliança Renovadora Nacional
(ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
Através do Ato Institucional número 2, o AI2, o bipartidarismo foi
implantado como um instrumento de controle político do regime, permitindo a
formação de dois partidos políticos, um situacionista e outro que atuava no
campo da oposição. A ARENA era o partido de sustentação política do regime
autoritário e o MDB era a oposição consentida.
A consolidação do modelo econômico do regime autoritário e a
repressão exercida proporcionaram, a partir de 1967-1968, uma radicalização
de setores da oposição, notadamente do movimento estudantil influenciado por
diversas dissidências do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Havendo um
primeiro momento de grandes mobilizações estudantis e depois da opção de
parte expressiva de suas lideranças a resistência armada ao regime.
Nos sindicatos havia uma disputa entre os sindicalistas indicados e os
que divergiam do regime autoritário. Nesse período, alguns movimentos sociais
ocuparam as ruas com passeatas, com protestos cada vez mais intensos. O
movimento estudantil, o movimento dos trabalhadores e a Frente Ampla foram
os principais setores que se uniram através de grandes manifestações.
A Frente Ampla foi uma iniciativa de dois ex-governadores de Estado
que haviam participado e desempenhado um importante papel na instauração
do regime autoritário em 1964: Magalhães Pinto e Carlos Lacerda 9. Eles
começaram a discordar da política desenvolvida pelo governo, se distanciando
cada vez mais deste, levando-os a organizar essa frente.
9
Sobre o assunto Ver ALVES. Estado e Oposição no Brasil (1964-1968), 1985.
26

Ao formar a Frente Ampla foram buscar apoios de lideranças tradicionais


da política brasileira. Entre esses apoios estava o ex-presidente Juscelino
Kubitschek, o que preocupou bastante o regime autoritário. Conforme
argumentou Alves:
Em setembro de 1967, os principais líderes da Frente Ampla
reuniram-se com o ex-presidente João Goulart, exilado em
Montevidéu, Uruguai, para discutir as atividades da oposição e
determinar metas comuns. Um acordo formal de cooperação foi
assinado pelos quatro líderes, estabelecendo as bases de sua
aliança. Este documento, conhecido como o Pacto de
Montevidéu, constituiu o programa da Frente Ampla, que
começou a adquirir características de um partido político de
oposição de amplas bases. (ALVES, 1985, p.127).

Diante do crescimento da Frente Ampla, sua influência em setores


conservadores e até mesmo militares, do avanço das manifestações de rua
organizadas pelos estudantes e da adesão dos trabalhadores na militância
sindical, o Estado de Segurança Nacional baixou, em abril de 1968, a portaria
número 177, proibindo a Frente Ampla.
Nessa conjuntura, devido ao direito a imunidade parlamentar,
confirmado a partir da constituição de 1967, o Congresso Nacional tornou-se
um espaço de denúncias de parlamentares da oposição, eleitos em 1966, que
representavam a inquietação da sociedade civil em seus discursos. Segundo
Alves:
Parlamentares alternavam-se na tribuna para denunciar
políticas e abusos do Executivo, registrando-os nos anais do
Congresso. Um grupo de cerca de 40 políticos do MDB
elaborou uma estratégia de ação parlamentar valendo-se do
seu direito à imunidade para praticar a liberdade de expressão
na tribuna do Congresso Nacional. (ALVES, 1985, p. 129).

Foi a partir desse contexto político de crescimento da oposição ao


regime autoritário que no dia 13 de dezembro de 1968 foi decretado o Ato
Institucional número 5, o AI510, marcando o fim da primeira fase da instituição
do Estado de Segurança Nacional, inaugurando um novo período do modelo de
desenvolvimento econômico, tendo como parceria o Aparato Repressivo o qual
controlava qualquer tipo de oposição à política do regime.

10
Ato Institucional número cinco, criado pelo governo militar em 13 de dezembro de 1968. Foi
um instrumento que deu ao regime poderes absolutos e cuja primeira conseqüência foi o
fechamento do Congresso Nacional por quase um ano.
27

Nesse período, denominado de “milagre econômico11” brasileiro, que vai


de 1968 a 1973, ocorreu um crescimento do setor industrial e uma política do
governo voltada para o investimento estrangeiro, depositando nas empresas
multinacionais a perspectiva de um desenvolvimento rápido no país. No
entanto, houve uma associação, sob a direção do regime autoritário, entre
investimentos estatais, capitais privados nacionais e internacionais.
Houve um enorme crescimento econômico no país nesse momento.
Portanto, os efeitos do “milagre” entre a maioria da população foram muito
diversos. As classes médias urbanas assalariadas tiveram um crescimento,
mas a concentração de renda e o processo de empobrecimento de grande
parte da população aumentou. Os ganhos da produtividade, naquele momento,
não se refletiram no salário dos trabalhadores. Como observa Alves:

O “milagre econômico” brasileiro não só não aliviou os sérios


problemas de pobreza e sofrimento extremos, de privação dos
mais elementares recursos na maioria da população, como,
sob muitos aspectos, agravou-os. (ALVES, 1985, p.156).

De um lado o modelo de desenvolvimento brasileiro tentou se manter


conforme desejava o regime autoritário, de um outro lado a repressão era cada
vez mais dura. Nesse contexto, a luta armada foi uma das opções encontradas
por alguns grupos de esquerda, contrários ao regime, influenciados pelo
exemplo da revolução cubana e a guerra do Vietnã.
Os guerrilheiros praticavam assaltos a bancos com objetivo de obter
recursos que financiassem a guerrilha. Dessa forma agiam na clandestinidade,
organizando ações defensivas como seqüestros a personalidades públicas,
pressionando o regime a liberar os presos políticos pertencentes às
organizações clandestinas. “Em meados de 1973, os grupos revolucionários
armados haviam sido derrotados e os custos sociais do modelo econômico
adquiriam considerável peso, fazendo aumentar as pressões por reformas em
outros setores da sociedade” (ALVES, 1985, p.178).
Durante os anos de 1969 a 1974, organizações internacionais religiosas
e dos direitos humanos ficaram sabendo da existência da tortura no Brasil. A

11
O "milagre econômico" é a denominação dada à época de excepcional crescimento
econômico ocorrido durante a ditadura militar.
28

tortura foi institucionalizada como método de interrogatório e controle político.


De acordo com Alves:

Durante esse período, o efeito combinado, da exploração


econômica, da repressão física, do controle político e da rígida
censura estabeleceu uma “cultura do medo” que coibiu a
participação em atividades de oposição comunitária, sindical ou
política. (ALVES, 1985, p. 169).

O “milagre” econômico e o modelo de desenvolvimento brasileiro


adotado durante o regime autoritário começaram a entrar em crise. Essa crise
econômica e política que aconteceu no país gerou um descontentamento de
diversos setores da sociedade como o empresariado, a classe média e os
demais trabalhadores com o governo brasileiro. Como reflete Singer:

Na verdade, o “modelo” começou a fazer água em 1973,


quando a inflação, que vinha declinando vagarosamente, voltou
a crescer com ímpeto. Descobriu-se então que a correção
monetária, um dos dispositivos mais festejados do “modelo”, só
funcionava a contento quando a inflação tendia a cair, quando
ela se eleva, a correção- que sempre se faz a posteriori- tende
a ampliar seus efeitos, acelerando ainda mais sua ascensão.
Durante algum tempo tentou-se esconder o sol com a peneira,
resultando daí um hiato cada vez maior entre a inflação real e a
inflação oficial, que acabou engolindo todo o sistema de
controles de preços, juros e salários. Já em fins daquele ano, o
“modelo” girava num vazio: a economia inegavelmente
continuava crescendo, mas o processo produtivo começava a
engasgar em tantos pontos, que mudanças profundas na
política econômica se impunham. (SINGER, 1989, p. 163-164).

No governo brasileiro, dando continuidade ao projeto político do General


Geisel, que fora eleito pelo colégio eleitoral em 1974, o General Figueiredo
começou algumas mudanças na estrutura política, com reformas eleitorais até
a revogação do AI5, agindo em torno da necessidade da abertura política,
ainda, sob controle do governo. No entanto, essa “abertura” política, apesar de
não ter representado um projeto bem definido, teve como objetivo recuperar a
legitimidade do regime. Sobre o assunto, de acordo com Domingos Sobrinho:
29

Se a distensão e a “abertura” não representavam projetos bem


definidos, nem por isso deixavam de ter diretrizes explícitas.
Com essa estratégia, tratava-se de recuperar a legitimidade do
regime, a qual e estava esvaindo. Não se tratava de substituir o
regime autoritário por outro democrático. A preocupação era
enfrentar a perda da legitimidade, a crise econômica e política,
as dissensões internas no meio militar tudo sem deixar escapar
o controle do processo. (DOMINGOS SOBRINHO, 1988, p.
46).

Durante essa “abertura” o MDB, mesmo sendo uma “oposição


parlamentar” consentida ao regime autoritário, terminou aglutinando diversos
segmentos de oposição ao regime no congresso na década de 70, tornando-se
uma grande frente, sendo crescente a sua vitória eleitoral.
Em 1974, nas eleições legislativas, o MDB teve uma grande
vitória eleitoral, fazendo com que muitos setores da oposição viessem a apoiar
o partido “oficial” da oposição, utilizando-o como mecanismo para concentrar
os votos de protesto. Nesse momento aumentou o apoio às lutas populares,
inclusive de setores progressistas da Igreja Católica, que começavam a se
contrapor à violência, tortura, repressão e mortes ocorridas durante o regime
autoritário
A Igreja Católica, com uma atuação política e social junto a grupos
populares, organizações de base, sendo um dos canais de comunicação
alternativos para informar a opinião pública, teve um importante papel como
uma instituição que dava visibilidade ao que estava ocorrendo contra os
direitos humanos no Brasil.
Além da Igreja, outros setores da sociedade civil organizada, como a
12
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), setores da imprensa, professores,
novas lideranças sindicais, partidos clandestinos de esquerda, familiares das
vítimas mortas e desaparecidas pelos governos militares, aderiram ao
movimento pela redemocratização política do Brasil reivindicando, entre outras

12
A OAB, assim como a Igreja católica apoiou o golpe militar de 1964. Essas instituições foram
deslocando-se para o campo da oposição a partir de processos próprios de disputa em seu
interior. A Igreja com o crescimento dos adeptos da pedagogia da Libertação; a OAB a partir da
liderança imprimida pelo Jurista Raimundo Faoro.
30

coisas, a volta das liberdades democráticas tais como de organização e


expressão.
A ordem dos advogados do Brasil também teve uma função relevante na
luta contra a repressão. A OAB mostrou que não era apenas uma associação
profissional limitada na defesa de determinados interesses, cumprindo com seu
dever de supervisionar o cumprimento da constituição. Alves afirma que:

Mas sua contribuição mais importante em termos políticos terá


sido talvez, o questionamento da legitimidade da estrutura legal
do Estado de Segurança Nacional. A ordem e alguns
respeitados juristas estabeleceram uma distinção entre o
“estado de Direito” definido como sistema regido por legitimas
estruturas legais- e o “estado de exceção”- caracterizado como
o de estruturas legais ilegítimas. As definições e a insistência
nessa distinção negavam ao Estado de Segurança Nacional a
legitimação que buscara com sua constante preocupação em
baixar decretos-leis, atos institucionais e complementares.
(ALVES, 1985, p. 211).

Além da Igreja, da OAB, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI)


merece destaque na luta contra a censura. O controle à imprensa foi
intensificado a partir do AI513. A ABI amparou a organização de vários grupos
no rádio, na televisão, cinema, música. Grupos que sobreviveram devido a sua
proteção e autoridade.
Nesse sentido, passou a haver uma crescente insatisfação de amplos
setores da sociedade com o regime autoritário. Entretanto, desta vez os
movimentos sociais não se encontravam sozinhos, seus anseios começavam a
ecoar na população. A partir daí, muitos que eram a favor do regime autoritário,
sentiam a necessidade de mudar de posição aderindo ao movimento amplo
pela redemocratização e anistia14a todos os presos políticos exilados do país.
Os sindicatos, que estavam sob controle do regime, aumentaram a sua
força política a partir de 1977, exigindo mudanças estruturais, democracia e
liberdade de organização para os trabalhadores. Os sindicatos rurais foram o
que mais cresceram nesse período, tendo como contribuição para o seu
13
Em relação à imprensa, é importante destacar que, assim como a Igreja e a OAB, todos os
meios de comunicação apoiaram o golpe. Somente depois passaram a posições críticas em
relação a imprensa censurada.
14
Anistia significa: Ato pelo qual o poder público declara impuníveis, por motivos de utilidade
social, todos quanto, até certo dia, perpetraram determinados delitos, em geral políticos, seja
fazendo cessar as deligências persecutórias, seja tornando nulas e de nenhum efeito as
condenações. (FERREIRA, 1975, p. 101).
31

crescimento a influência e defesa da Igreja católica com os camponeses, sem


terra, comunidades rurais.
Em 1978 os sindicatos dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo e
Diadema destacaram-se na cena política com as grandes greves que
lideraram. Foi nesse clima de efervescência na sociedade que os movimentos
sociais retornaram a vida política participando efetivamente de toda essa luta
pela anistia e liberdades democráticas no país.
Nesse contexto eclodiram as greves em quase todos os lugares do país,
inclusive essas grandes greves em São Paulo. Os movimentos sociais
voltavam a se organizar, surgindo nesse período grandes manifestações. Os
estudantes, sindicalistas e os demais movimentos sociais, no final da década
de setenta, retornaram ao cenário político brasileiro. Desta vez, contaram com
uma significativa adesão da sociedade civil na luta pela democracia.
Uma ampla literatura consolidou a expressão de uma nova sociedade
civil que teve nos movimentos sociais que emergiram, no período, seus
construtores. Novos personagens surgiram nesse cenário político. Doimo
(1995), Sader (1995), Gonh (2002).
Durante esse período, houve um crescimento significativo do MDB no
Congresso Nacional, causando grande surpresa para o regime autoritário e
para o próprio MDB, demonstrando, no entanto, mudanças nas tendências
eleitorais do país. Em 1978 o MDB assumiu um papel de oposição “real” ao
regime autoritário, aglutinando setores diversos da política que iam desde
políticos conservadores a tendências socialistas.
A diversidade de posições políticas que estavam no MDB dificultou o
consenso sobre uma plataforma coerente pelo partido, tendo um apoio forte da
sociedade por criticar a situação econômica do país, o arrocho sobre o salário
dos trabalhadores e as condições de vida de grande parte da população,
Para não perder totalmente o controle do processo político e da
crescente perda de legitimidade, o regime autoritário iniciou a política oficial de
abertura. Dessa forma, tentando dividir o campo democrático o regime a
ampliou a possibilidade de organização partidária, bem como o aparecimento
de novas agremiações e partidos políticos. Segundo Paiva:
32

No Brasil, as mudanças ocorridas na forma de atuação do


Estado, no período de descompressão do regime, é
caracterizado pela utilização de estratégias de ação que
tendem a buscar o consentimento para garantir sua
legitimidade. (PAIVA, 1994, p. 32).

De acordo com esse cenário político, o governo criou em 1979 a Lei


orgânica dos novos partidos, tendo como objetivo fragmentar a oposição
parlamentar ao regime. Nos anos 80 iniciou-se um processo no país de criação
de novos partidos políticos.
O MDB passou a ser o Partido do Movimento Democrático Brasileiro
(PMDB), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) sob a liderança de Ivete Vargas,
apoiou o governo de Figueiredo, o Partido Popular (PP), moderado, fazia
algumas críticas ao regime, depois se incorporou ao PMDB, o Partido
Democrático Trabalhista (PDT), liderado por Leonel Brizola, lutava pelo
socialismo democrático, dentre alguns dos novos, surgiu o Partido dos
Trabalhadores (PT), no ano de 1980, um Partido identificado de esquerda, que
aglutinou e expressou os novos atores sociais surgidos no período.
O PT foi um partido formado por diversos setores da sociedade
brasileira, como a ala progressista da Igreja católica, intelectuais, artistas,
militantes de esquerda. Um partido criado por várias concepções e tendências
políticas, construído a partir de uma pluralidade de pensamentos, bem diferente
dos outros existentes. Segundo Alves:

De todos os partidos de oposição, o PT era talvez o mais novo,


no tipo de organização e no estímulo a uma nova forma de
participação política. Todos os demais partidos enraizavam-se
em correntes políticas tradicionais, beneficiando-se da
experiência e de estruturas do passado. O PT por outro lado,
devia remediar ao mesmo tempo a falta de experiência política
de seus filiados- mais acostumados à militância sindical ou nas
organizações de base do que à formação político-partidária- e
uma enorme carência de recursos e apoio financeiro. (ALVES,
1985, p.277-278).

Com a política de liberalização do regime, em 15 de novembro de 1982


aconteceram eleições para prefeito, vereador, deputado estadual, deputado
33

federal, senador e governador. Essas eleições eram através do voto vinculado


e as coligações entre os partidos eram proibidas.
Nesse período, muitos partidos ainda estavam clandestinos. Em 1984 os
partidos de oposição, juntamente com entidades que representativas da
sociedade civil iniciaram uma campanha pelas eleições diretas para presidente
da República. No entanto, mesmo com o crescimento da mobilização popular,
as eleições acabaram acontecendo através do Colégio Eleitoral, sendo mais
uma vez realizadas de forma indireta.
Em 1988 foi realizada um Congresso Constituinte no Brasil, ou seja, uma
nova constituição foi promulgada no país, tendo como um dos seus pontos
centrais a realização de eleições diretas para presidente da República.
A transição democrática brasileira significou um processo de negociação
entre os atores políticos. Nesse sentido, a transição foi lenta e pactuada.
Ocorreu como um projeto tão tradicional como elitista de consolidação
nacional, baseada no continuísmo político. Weffort(1984), O’ Donnell (1988).
Durante o longo período em que o regime autoritário governou o Brasil
ocorreram profundas mudanças econômicas, políticas e sociais. No entanto, os
anos 1980 representaram um tempo ímpar da história política do Brasil e da
luta em busca de transformações em praticamente todos os cantos do país. O
tema principal era a promulgação de uma nova constituição brasileira, que
tivesse como eixo a democracia, o respeito às liberdades individuais e aos
direitos humanos.

1.2 – Juventude Universitária e Participação Política

A participação dos jovens universitários nos diversos momentos


históricos do Brasil pós-30, notadamente através do movimento estudantil, tem
sido objeto de uma significativa literatura. Essa literatura em boa parte é
responsável por uma noção consagrada tanto dos jovens universitários, quanto
do sentido de sua participação política.
Para discutir a participação dos jovens universitários nos anos 1980 em
Natal duas questões de ordem teórica são colocadas: Situar os jovens
universitários como parte da juventude e nesse sentido refletir sobre a
34

pluralidade que compõe essa categoria. Em segundo lugar problematizar o


binômio juventude e participação política para situar a atuação dos jovens
universitários nas entidades estudantis como uma das formas de atuação
cívica da juventude.
As sociedades historicamente têm definido o lugar social para os
indivíduos que ainda não se encontrarem no exercício de papéis sociais
estabelecidos para os segmentos “adultos”. Por este motivo é que a fase
cronológica determinada pela idade biológica tem sido um dos elementos
presentes na classificação de jovens e juventude. Porém, de acordo com
Souza:

Essa condição, de indefinição estatutária que marca a


emergência da juventude, indicou dois problemas na
continuidade das ordens das idades e da sucessão das ‘fases’:
questionou a ‘fixidez’ das ‘fronteiras’ das idades e a
fragmentação da unidade correspondente à idade
cronológica/fase da vida. (SOUZA, 2005, p. 89).

Essa classificação de juventude partindo da divisão em fases de vida,


construída a partir da identificação da faixa etária ou da delimitação por etapas,
se torna muito simplificada para definir essa categoria. A concepção de
juventude é uma construção social, não podendo ser concebida isoladamente,
pois a sociedade define os perfis dos atores e categorias que a compõem,
estando esse conceito diretamente relacionado a uma época, apresentando
características que variam conforme o lugar, período e tempo histórico em está
inserido. Carrano considera que:

A noção de juventude é resultante da experiência social de


determinado tempo histórico; entretanto, a maneira mais
simples de uma sociedade definir o que é um jovem é
estabelecer critérios para o situar numa determinada faixa de
idade, na qual se circunscreve o grupo social da juventude.
(CARRANO, 2003, p. 109-110).

Nesse sentido, ressaltamos que a noção de juventude é uma construção


sócio-histórica. Para definir juventude é preciso situá-la em um tempo e
espaço, admitindo que cada sociedade possui uma concepção sobre essa
35

categoria, como também lhe atribui funções que se relacionam com as regras e
interesses que permeiam o todo social.
As correntes teóricas que trabalham com o conceito de juventude e
participação política constroem sua análise sobre o assunto partindo de duas
visões distintas. Uma delas aponta como característica própria da juventude à
rebeldia, participação e engajamento nas lutas sociais. De outro lado, parte dos
estudiosos enxerga na juventude apatia, individualismo, desinteresse pela
política e pelos problemas sociais. No entanto, percebemos que a existência de
uma juventude engajada, politizada e participativa não é uma realidade
constante em todos os espaços ocupados pelos jovens, como também a
rebeldia ou apatia não são características inatas da juventude, que existem
jovens de diferentes posturas na sociedade. Sobre esse assunto, segundo
Fraga e Iulianelli:

Do ponto de vista dos indivíduos, a juventude seria uma


condição provisória, transitória, diferentemente de outras
categorias como gênero, classe social, que se apresentam
como mais permanentes. Os autores aceitam, todavia,
independente de tais adjetivações, a existência em quase
todas as sociedades de uma gama suficiente de expectativas e
ansiedades em torno da juventude, por vislumbrarem nos
jovens características associadas, paradoxalmente, à
reprodução e à mudança social. No entanto, sua conceituação
é uma produção sócio-histórica, posto que cada época e
sociedade admite sua concepção própria e lhe atribui funções
específicas.(FRAGA e IULIANELLI, 2003, p. 09).

Nesse sentido, cada sociedade determina sua concepção a cerca da


função social dos indivíduos que a compõe. Ao falar de juventude, é importante
ressaltar que não estamos falando de um grupo homogêneo e sim uma
categoria que envolve determinadas particularidades, ou seja, um grupo
heterogêneo, complexo, com características próprias do espaço que ocupam
e/ou faz parte na sociedade.
Entendemos que a juventude faz parte de uma categoria que compõe o
conjunto da sociedade, possuindo características que variam de acordo com o
meio, classe, contexto, lugar e espaço em que está inserida, sendo exatamente
por isso que não pode ser definida no singular. Analisar uma determinada
parcela da juventude requer do pesquisador uma sensibilidade para
36

compreender os mundos das diversas juventudes que fazem parte da


totalidade social.
O significado de ser jovem nos variados espaços sociais aponta para
que o cientista social tenha um olhar para as diferenças e semelhanças das
realidades juvenis. Existem especificidades entre os grupos que fazem parte da
juventude. Não existe uma definição única do que é ser jovem, do tipo de
comportamento jovem, já que dentro da juventude encontramos
particularidades.
Pensar o jovem é compreender a sua multiplicidade. Percebendo não se
tratar de um grupo homogêneo, avançamos um pouco mais ao tratar do
assunto, pois teremos como identificar as diferenças de classe, etnia, gênero,
cultura que atravessam também as juventudes. Atualmente falamos em
juventudes no plural ao invés de juventude, no singular. Como reflete Frifotto:

Tomado por diferentes ângulos, o tema de que nos ocupamos


nesta análise é, desde o início complexo e controverso. Essa
complexidade e essa controvérsia têm início com a dificuldade
de se ter um conceito unívoco de juventude, por razões tanto
históricas quanto sociais e culturais. Assim, é necessário, de
imediato, não tomar de forma rígida. Mas adequado seria,
talvez, falar, como vários autores indicam, em juventudes,
especialmente se tomarmos um recorte de classe social. Ao
optarmos por essa compreensão, poderemos levar em conta
particularidades e até aspectos singulares sem cair numa
perspectiva atomizada. Os sujeitos jovens (ou as juventudes)
teimam em ser uma unidade do diverso econômico, cultural,
étnico, de gênero, de religião etc. (FRIGOTTO, 2004, p. 180-
181).

O conceito de juventude no decorrer do tempo foi interpretado a partir de


uma construção histórica, social e cultural. No final dos anos 1960 houve uma
‘segregação’ de grupos, trazendo uma perspectiva cultural das diferenças.
Nesse sentido, a percepção sobre algumas categorias da vida social foi se
modificando. Antes havia a predominância da unidade, da homogeneidade dos
grupos sociais, surgindo mudanças na forma de conceber os agentes que
compõem cada categoria, afirmando as profundas diferenças dentro de uma
categoria que era vista como única, sem divisão, como foi o caso da juventude.
37

Temos que compreender a variedade de juventudes existentes, que se


diferenciam pelo comportamento, gostos, idéias, práticas sociais. A sociedade
possui grupos de jovens com diversas identidades. As relações sociais da
juventude acontecem através da formação de grupos envolvidos com política,
religião, cultura, música, teatro, dança, esportes, festas, divertimentos
coletivos, em relações de amizades, afetivas, de estilos de vida comuns. Novas
práticas sociais da juventude acontecem em espaços e movimentos que não
são necessariamente de participação política, mas que através desses espaços
são constituídos vínculos que possibilitam ao jovem intervir de diferentes
formas na vida social. De acordo com Carrano:

Nos diferentes conflitos sociais urbanos que contam com o


envolvimento direto e majoritário da juventude é possível
perceber uma nítida presença de grupos de identidade
referidos a práticas culturais de tempo livre e lazer. Torna-se
cada vez mais difícil estabelecer identidades de grupos que
possam ser catalogados como unicamente políticos ou de
contestação. Os jovens que estabelecem vínculos sociais,
culturais e afetivos nos grupos de lazer também são aqueles
que constituem a “reserva” política das mobilizações nos
territórios das cidades. Esta realidade nos leva a reconhecer o
lugar central que o corpo e a cultura dos sentimentos ocupa no
cotidiano e nas distintas projeções sociais da juventude.
(CARRANO, 2003, p. 148).

Sociologicamente, pensando a categoria juventude, temos a facilidade


de associá-la à inovação, enxergando a possibilidade de renovação e
construção de um futuro mais justo a partir da atuação concreta dos jovens nas
lutas que promovam uma mudança na sociedade. Portanto, temos que refletir
sobre as juventudes dos diferentes lugares e realidades. Temos uma juventude
no campo, na cidade, na periferia, no centro, na marginalidade etc. A
construção da noção de juventude ocorre conforme determinam as relações
sociais, constituindo as suas práticas culturais e as identidades do que é ser
‘jovem’. Segundo reflexão de Souza:

Deve se ter em mente que ‘juventude’ não surge como uma


aparição; embora seja uma construção social. Emerge, de uma
correlação de forças que produziram efeitos de visibilidade que
constituíram as representações de identidades ‘jovem’ e
38

maneiras de ‘ser’ e ‘viver’ a elas associadas. (SOUZA, 2005, p.


92).

Os jovens estiveram articulados através de manifestações coletivas e


atuaram em lugares diversos, sejam na sua comunidade, na sua Igreja,
escolas, universidades, em partidos políticos ou em novos espaços como
Ongs, movimentos feministas, movimento negro etc. A juventude, por muitas
vezes, tornou-se protagonista da história, atuando nos mais diversos espaços,
sendo uma categoria com capacidade de intervenção no meio que convive.
Muitos jovens começam a ocupar espaços institucionais, dialogando
com agências governamentais, com setores ligados ao governo a partir da
construção de políticas e propostas específicas do grupo social que atuam,
suas formas de organização, de inserção diante de um tempo moderno, com
suas complexidades e diversidades. Porém, as formas de participação da
juventude ocorrem desde o movimento estudantil, nas escolas e universidades,
como em outros espaços recentes de discussão de políticas para a juventude.
Castro considera que:

As juventudes organizadas dispõem de um capital cultural, de


uma contribuição histórica que se expressam tanto nas
clássicas formas de organização, como as estudantis e
partidárias, como em outras, mais recentes, orientadas para
distintas, que de alguma forma vêm sendo acionadas nos
debates sobre política de juventude, já que distintas agências
que estão em tal foro de debates vêm se pautando por ouvir os
jovens, organizando reuniões em distintas partes do Brasil.
Mas há que cuidar para bem resguardar a autonomia, a
irreverência, o exercício da crítica, a mobilização dos jovens,
quando se opta pela institucionalização, por formatos
institucionalizados legais, pela participação no aparato de
poder formal. (CASTRO, 2004, p. 290-291).

Em relação à participação dos jovens na política, a literatura existente


tem como referência a atuação juvenil em entidades estudantis, ou seja, o
movimento estudantil tem sido a forma de participação política da juventude
que se tornou referência como parâmetro para determinar o interesse ou apatia
dos jovens em relação à política.
39

No entanto, se é inegável que a atuação dos jovens no Movimento


Estudantil tem sido uma constante em diversos momentos históricos da vida
política brasileira, é necessário refletirmos para dois aspectos fundamentais: os
jovens do Movimento Estudantil não significam a totalidade da categoria
juventude, nem o movimento estudantil constitui-se na única forma de atuação
sócio-política da juventude.
Nesse sentido, devemos compreender o Movimento Estudantil como
uma das parcelas da juventude e formas de participação política da juventude,
pois existem diversas formas de inserção do jovem na política, ou seja, existem
juventudes em variados lugares e realidades, sendo as formas de participação
diferenciadas de acordo com os espaços que as juventudes ocupam. Porém,
existem múltiplas formas de participar, de agir conforme as demandas de seu
contexto social. De acordo com Castro:

Os movimentos juvenis têm a potencialidade libertária da


crítica, a busca por autonomia, a integração entre o erótico, as
artes e a indignação pelo injusto. Juntam o brigar por direitos
de uma geração de ser sujeitos na arena política, algumas
vezes por seus direitos específicos como jovens, e pelo direito
de muitos. Por exemplo, a política de passe livre para
estudantes beneficia famílias de baixa renda, não somente os
jovens, e questiona a concessão de serviços públicos a
empresas privadas, orientadas principalmente pelo lucro.
(CASTRO, 2004, p.290.).

A participação política da juventude se deu em vários períodos da


história. Desde a luta através do movimento estudantil com a UNE, a partir de
1937, na campanha do petróleo é nosso em 1950, como na ação clandestina
contra o regime autoritário nos anos 1960, na luta por democracia nos anos
1970 e 1980, entre outras demandas sociais.
Durante a década de sessenta, o ano de 1968 se destacou na história
do Brasil e do mundo como um período de manifestações dos estudantes e
trabalhadores contra o sistema político estabelecido. Desses protestos,
destacaram-se os ocorridos em maio de 1968, em Paris, França. Inicialmente,
era exigida a reabertura da faculdade de Letras de Naterre, havendo forte
repressão policial, resultando em várias passeatas. Depois a revolta foi
40

ampliada, configurando-se, assim, permanentes protestos contra o governo do


conservador Charles de Gaulle. Segundo HOBSBAWM: “O movimento de
ativistas de um campus de subúrbio foi transformado em um movimento de
massas que incluía praticamente todos os estudantes de Paris, desfrutando de
amplo apoio da opinião pública”. (HOBSBAWN, 1971, p. 237).
Esse movimento contestador da ordem social, ocorrido na França,
ameaçou profundamente o regime político do país, sendo iniciado e inspirado
por estudantes. Conforme HOBSBAWM:

O movimento estudantil, por si só, era um transtorno, mas não


um perigo político. As autoridades o subestimaram
completamente, e isto deve em grande parte a que elas
estavam preocupadas com outros assuntos, inclusive outros
problemas da universidade e discussões burocráticas entre
vários departamentos governamentais, aos quais lhes
pareciam mais importantes. Contudo, paradoxalmente, a
própria falta de importância do movimento estudantil o
transformou num detonador sumamente efetivo para a
mobilização operária. Tendo o subestimado e negligenciado, o
governo tentou dispersá-lo pela força. (HOBSBAWM, 1971,
p.237).

O movimento de maio de 1968, na França, colocou em xeque o governo


do general De Gaulle. Entre 14 a 27 de maio, essencialmente, houve uma
greve geral, a maior de todo o país. O governo, cada vez mais, foi sendo
questionado, recorrendo ao uso da força, para repreender e acabar com o
movimento.
No Brasil, em 1968, os estudantes foram às ruas reivindicando mais
verbas para educação, contra o acordo MEC-USAID15, que dentre outras
coisas procurava introduzir o ensino pago nas universidades públicas.
Começavam a surgir passeatas, inclusive reunindo cem mil pessoas, ficando
conhecida na história pela passeata dos cem mil. Nesse mesmo ano, morreu
no Rio de Janeiro o estudante Edson Luís, no dia 28 de março, pela repressão
15
O objetivo desse acordo era aperfeiçoar o modelo educacional brasileiro. Isto se deu através
da reforma do ensino, onde os cursos primário (5 anos) e ginasial (4 anos) foram fundidos, se
chamando de primeiro grau, com 8 anos de duração e o curso científico fundido com o clássico
passou a ser denominado segundo grau, com 3 anos de duração, e o curso universitário
passou a ser denominado terceiro grau. Com essa reforma, se eliminou um ano de estudos
fazendo com que o Brasil tivesse somente 11 níveis até chegar ao fim do segundo grau
enquanto outros países europeus e o Canadá possuem no mínimo 12 níveis
41

do governo militar, gerando grande revolta na população. A partir daí, o dia 28


de março ficou conhecido em todo Brasil como o dia nacional de luta dos
estudantes.
Conforme Araújo (2007) o movimento estudantil brasileiro começou a se
reorganizar a partir do Congresso da UNE em 1977. Com o objetivo de realizar
o congresso e reconstruir UNE, foram feitas três versões do III Encontro
Nacional de Estudantes (III ENE). Uma em Belo Horizonte, que não chegou a
se concretizar porque a polícia chegou, prendendo quase todos os delegados
estudantis; e duas em São Paulo, uma na USP e outra na PUC, que sofreu
violenta repressão. (ARAUJO, p. 223, 2007).
Os estudantes marcaram o III ENE para setembro, na USP. No dia
marcado para o encontro, o coronel Erasmo Dias, Secretário de Segurança
Pública de São Paulo, ocupou a cidade universitária, declarou a USP em
“recesso” e colocou policiais em locais estratégicos, nas vias de acesso à
universidade. Porém, foi montado um esquema clandestino para a realização
do congresso.
Vários estudantes conseguiram se reunir na PUC-SP e decidiram fazer
um congresso rápido, concentrado, com um único ponto de pauta. No entanto,
enquanto se realizava, num auditório da PUC, uma assembléia metropolitana
de estudantes para decidir medidas de protesto ao cerco policial da USP, os
delegados de outros estados e representantes das entidades estudantis
paulistas realizavam, clandestinamente, numa sala de aula, o III ENE.
(ARAÚJO, 2007)
De acordo com Araújo (2007), quando foi divulgada pelo rádio, a notícia
da realização bem-sucedida do III ENE, a PUC foi invadida, a universidade
depedrada, portas derrubadas, vídeos quebrados, entraram na biblioteca,
alguns livros foram destruídos. Muitos estudantes agredidos, sufocados pela
fumaça das bombas lançadas por policiais. Era o dia 22 de setembro de 1977,
um dia que representou vitória pela criação da comissão Pró-UNE, como, por
outro lado, também, foi um dia de luto pela invasão da PUC São Paulo.
O ano de 1977 foi o ano da retomada das manifestações contra o regime
autoritário, repressão, censura e tortura de muitos líderes estudantis.
Aumentaram as reivindicações por mais verbas para as universidades, contra
os preços abusivos das mensalidades e pela libertação dos presos políticos. O
42

AI-5 é revogado em 1978 e começa na sociedade uma campanha forte pela


“anistia ampla, geral e irrestrita” mobilizando intensamente o Movimento
estudantil.
O regime autoritário estava cada vez mais sem apoio da população,
facilitando assim a formação de uma frente democrática contra a ditadura,
formada por diferentes setores e forças políticas da sociedade. O M.E
participou dessa frente democrática, como também da criação do Comitê
Brasileiro pela Anistia (CBA), criado pelo movimento popular.
No país inteiro os estudantes começavam a escolher os delegados que
iriam participar do congresso de refundação da UNE. Cinco mil estudantes
comparecem ao Congresso de Reconstrução da UNE em Salvador. Mesmo
com a tentativa do regime de impedir o M.E de se reorganizar a UNE foi
reconstruída, definindo nesse momento que seus representantes seriam eleitos
através de eleições diretas para a diretoria da entidade.
Em agosto de 1979 foi sancionada a Lei da Anistia, porém com algumas
limitações, não prevendo a anistia ampla, geral e irrestrita, com a punição dos
torturadores, reivindicada pelo CBA. Mas, a anistia garantiu a volta de muitos
militantes exilados para o país, que tiveram a possibilidade de retornar a vida
pública.
No período em que a UNE era reconstruída politicamente, sua sede,
situada na praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, foi fisicamente demolida. Em
junho de 1980 o prédio da UNE foi posto abaixo. No mesmo ano, em outubro, a
UNE realizou seu 32º Congresso em Piracicaba (SP), que elegeu Aldo Rabelo
como presidente e iniciou um longo processo de recuperação do terreno e do
prédio demolido. Apesar da perda de sua sede histórica, a UNE estava
definitivamente reconstruída e seguiu realizando seus congressos e elegendo
seus presidentes. 16
A década de 1980 foi um período de manifestações sociais em todo o
mundo. Alguns jovens foram personagens de vários processos políticos,
culturais, sociais em conjunturas próprias de seus países, suas regiões, suas
comunidades, demonstrando o interesse em atuar nas ações que traziam
mudanças significativas na sociedade. De acordo com Iulianelli:
16
(ver sobre o assunto ARAÚJO, p. 237, 2007).
43

A década de 80 é aquela na qual emergem ações juvenis de


caráter diverso. Não é mero acaso que 1985 foi declarado pela
Organização das Nações Unidas o Ano Internacional da
Juventude. As preocupações internacionais com o futuro, com
o bem-estar das futuras gerações, implicavam a inclusão da
juventude internacional. Essas ações juvenis incidiam
diretamente na construção de ações governamentais, que
apontassem para um futuro coletivo, garantindo à juventude um
papel distinto daquele de assistente ou paciente do porvir.
(IULIANELLI, 2003, p.61).

Nos anos 1980 em diversas partes do mundo eclodiram reivindicações


da juventude, estudantil ou não, que nem sempre tinham como objetivo
transformações mais globais, mas questões ligadas ao cotidiano da época.
Segundo Carrano:
Desde a década de 80, em cidades francesas, acontecem
incidentes protagonizados por jovens que não explicitam
projetos políticos de transformações globais, mas que
explodem pelos mais diversos motivos cotidianos: a
arbitrariedade de uma ação policial, o arrombamento de uma
loja ou supermercado, o conflito entre grupos rivais, a
intolerância étnica etc. (CARRANO, 2003, p. 147).

No Brasil, durante o ano de 1984 uma grande campanha por Diretas


para presidente do país mobilizou os estudantes e a sociedade brasileira. Essa
campanha, denominada de Diretas Já, foi responsável por uma intensa
movimentação política, com realizações de grandes comícios e manifestações.
A votação pelas “Diretas” no Congresso, mesmo com todo engajamento
da sociedade civil e dos movimentos sociais, não foi aprovada. A Ementa
Dante de Oliveira17, que previa eleições diretas, foi derrotada, levando os
partidos políticos a buscarem outra saída para o país. Nesse contexto, foi
realizada uma eleição indireta, através do colégio eleitoral, onde se escolheria
o novo presidente do Brasil. O Partido dos Trabalhadores (PT) não concordou
e nem participou da eleição indireta.

17
Recebeu o nome de emenda Dante de Oliveira o projeto de emenda constitucional
formulado pelo deputado federal Dante de Oliveira (PMDB-MT) em 1984, que tinha por objetivo
reinstaurar as eleições diretas para presidente da República no Brasil, uma vez que a tradição
democrática havia sido interrompida no país pelo golpe militar de 1964.
44

Duas chapas foram lançadas, de um lado Paulo Maluf, apoiado pela


PDS e políticos ligados ao governo militar, de outro, Tancredo Neves, tendo
como vice José Sarney, apoiados pelo PMDB com aliança com o PFL18. A UNE
fez uma discussão sobre essa questão, decidindo apoiar a candidatura de
Tancredo Neves. Essa decisão polêmica não foi unânime entre os diferentes
grupos e correntes políticas que compunham o ME.
Nessa nova conjuntura a UNE se envolveu na luta pela legalização da
entidade. O projeto de legalização da UNE tinha que ser aprovado em duas
instâncias: no judiciário e no Congresso Nacional. Primeiro os estudantes
venceram na justiça e depois organizaram um grande ato no qual o projeto iria
ser sancionado pelo presidente da república, José Sarney. A legalização da
UNE aconteceu depois de muita batalha, sendo o presidente da UNE, nesse
período, Renildo Calheiros.
O momento foi de retomada das lutas estudantis e sociais. Os
estudantes voltaram a se organizar, mobilizando a juventude universitária em
todo país, atuando em parceria com os demais movimentos sociais, agindo
com o objetivo de fortalecer a UNE, o crescimento da participação política
dentro e fora do âmbito acadêmico.
Novos protestos e passeatas aconteciam naquele período em todo país.
As campanhas por diminuição do preço de mensalidades nas universidades
particulares, a defesa do ensino público, de mais verbas para a educação,
faziam levantar os ânimos para o resgate do espírito inquieto e participativo de
parte da juventude brasileira.
Quando vamos discutir sobre a juventude, sua participação política em
diversos momentos da história, temos que perceber que muitas das
características que são apontadas como inerentes ao jovem são reflexos de
uma realidade social, de elementos ideológicos e relações existentes na
sociedade, que resultam ou não em um comportamento politizado, engajado e
participativo.
Debater sobre as formas clássicas de participação política da juventude,
como é o caso do Movimento Estudantil, exige uma análise do que é ser jovem

18
Inicialmente uma dissidência do PDS(Partido Democrático Social). O Partido da Frente Liberal foi
um partido político brasileiro fundado em 1985 em meio as articulações que elegeram Tancredo Neves
para a Presidência da República encerrando assim um ciclo de vinte e um anos de governos militares no
Brasil.
45

como também uma percepção a respeito das variadas formas de participação


das juventudes na sociedade.
Em seu universo de atuação, a juventude do movimento estudantil teve
uma participação política em vários momentos da história, propondo
alternativas ao conjunto da sociedade. Os jovens organizados no movimento
estudantil possuíam uma agenda de lutas específicas, com questões internas
da universidade, do ensino, de âmbito acadêmico. Como também eram
militantes assíduos das ações políticas que tinham como objetivo combater a
corrupção, diminuir a pobreza, lutar contra o preconceito, levantando questões
globais em parceria com outros movimentos sociais. Iulianelli argumenta que:

No final da década de 1980, houve ações juvenis em vista da


ética na política. Apesar da influência dos meios de
comunicação social, essas ações recolocavam no cenário
político brasileiro a juventude. Mais que isso, reapresentava à
sociedade brasileira a União Nacional dos Estudantes-para
além das carteirinhas para viagens em albergues da juventude
e ingressos com menor custo para cinema e teatro.
(IULIANELLI, 2003, p. 57).

O movimento estudantil como outros espaços de intervenção juvenil são


importantes espaços de interação social. A partir do envolvimento da juventude
nesses espaços coletivos, são construídas novas formas de inserção, atuação,
comunicação e socialização, fazendo com que a juventude que tenha uma
participação nas lutas sociais construa uma intervenção politizada na
sociedade.
A participação política dos jovens no movimento estudantil inicia-se
durante o período escolar, no caso do movimento estudantil secundarista, ou
ao ingressar no ensino superior, no caso do movimento estudantil universitário.
Essa forma de participação clássica da juventude no âmbito acadêmico,
debatendo questões políticas ligadas ao cotidiano dentro das instituições de
ensino, como também discutindo as ações governamentais voltadas para a
Educação brasileira, faz do Movimento Estudantil um espaço de formação
política, um ambiente propício para o surgimento de novos atores sociais.
É importante ressaltar que diferente da organização dos trabalhadores
em seus sindicatos e associações, o envolvimento do estudante em suas
entidades representativas e no Movimento Estudantil é passageiro, devido à
46

temporalidade da sua condição de estudante, que dura em média cinco anos,


na universidade.
Portanto, devido ao curto tempo de sua condição, é comum o dilema das
lideranças estudantis, que precisam conciliar os estudos com as atividades
políticas. Portanto, de um lado enfrentam a cobrança de terminar os estudos,
de outro lado, a necessidade de participar, a responsabilidade com os
problemas da universidade e do país. Segundo Fraga:

A condição de estudante ocorre, nem sempre, mas no geral, na


juventude (referimo-nos à juventude como sendo os jovens
ingressos no sistema de ensino de primeiro, segundo e terceiro
grau). Tal fato nos faz crer na possibilidade de ser o movimento
estudantil uma primeira instância de participação organizada
dos sujeitos sociais. (FRAGA, 1996, p.06).

Ao longo da sua história, o movimento estudantil vem sendo dirigido por


diferentes juventudes. Estudantes que se limitavam às lutas específicas e aos
muros da universidade, ou da escola, no caso das secundaristas, como
também, em outros períodos, jovens que extrapolaram os muros, sendo
fundamentais no processo de construção de uma sociedade mais humana.
Fazer uma reflexão sobre juventude e participação política permite-nos
discutir sobre a dinâmica das relações sociais das juventudes e suas práticas.
Seja através de atuações no âmbito da política, religião, cultura, os jovens
participam dos espaços coletivos, porém as suas ações são baseadas nas
suas experiências de vida e no contexto social que os cercam.

1.3 – As práticas culturais do Movimento Estudantil

Investigar as práticas culturais do Movimento Estudantil no país nos


anos 1980 implica em fazer uma abordagem dos momentos de maior
47

efervescência cultural dos estudantes na sua atuação política à frente das


entidades estudantis.
Na história política e cultural da intervenção da juventude estudantil em
parceria com artistas na sociedade brasileira, os anos 1960 representam um
período de grande participação, criação e produção de bens simbólicos no
país. A década de 1960 no Brasil esteve marcada pela efervescência política
de artistas, intelectuais e dos movimentos sociais. A Revolução Socialista em
Cuba tinha acabado de acontecer em 1959, um clima de mudanças contagiava
a sociedade, os setores progressistas estavam eufóricos, a juventude engajada
em busca da concretização de um projeto coletivo de transformação do país e
da realidade do povo brasileiro. Conforme Ridenti:

No entanto, especialmente nos anos 60, havia uma ligação


íntima entre expressão política, artística e científica - todas
voltadas para a revolução brasileira-, que conduzia os jovens
engajados das classes médias a militar no cinema, no teatro ou
em qualquer arte, no jornalismo, na universidade e/ou em
algum partido político revolucionário em sentido estrito- sendo
essas opções encaradas como formas de realização de
projetos coletivos e não essencialmente como opção individual
de carreira. (RIDENTI, p.92, 2000)

A intelectualidade brasileira estava reunida no Instituto Superior de


Estudos Brasileiros (ISEB), uma instituição criada pelo Estado, que tinha como
objetivo discutir um projeto de desenvolvimento para o Brasil. Dentro do ISEB
existiam intelectuais que defendiam o projeto da classe dominante para o país,
considerados de direita, como também os que se contrapunham ao projeto de
desenvolvimento defendido pela burguesia, os intelectuais de esquerda,
pensando o país a partir da necessidade de mudanças sociais.
Nesse período acontecia em Pernambuco o Movimento de Cultura
Popular19 (MCP), o qual foi divulgado através das conferências de Paulo Freire
organizadas pelo ISEB, influenciando fortemente a juventude e intelectualidade
no Rio de Janeiro, o que contribuiu para a criação do Centro Popular de Cultura
da UNE (CPC da UNE).

19
O Movimento de Cultura Popular (MCP) era ligado ao governo do Estado em Pernambuco e
trabalhou mais voltado para a alfabetização da população.
48

Durante a existência do CPC, entre 1961 e 1964, a UNE foi presidida


por Oliveira Guanaes de Aguiar, da Bahia, em seguida por Aldo Arantes,
Vinícius Caldeira Brant e José Serra. A maioria da direção da UNE nesse
20
período era ligada a Ação Popular (AP) enquanto que a maior parte da
diretoria do CPC era militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Na conjuntura em que se encontrava o país, onde a pauta era o
nacionalismo e o antiimperialismo, a esquerda se unia na defesa das reformas
de base que estavam sendo debatidas no período. Apesar de possuírem uma
política própria para o movimento, os grupos se aliavam na perspectiva de
atingirem questões amplas e projetos que beneficiariam a população. Sobre a
união entre CPC e UNE, de acordo com Aldo Arantes:

Por um lado, o movimento estudantil, num processo de


explosão, de mobilização, de fortalecimento da sua liderança,
pegando a questão da luta pela reforma universitária com muita
força, buscando novos métodos de mobilização para os
estudantes do Brasil. E aí surge a idéia da UNE volante. Por
outro lado, os intelectuais que, naquele momento, discutiam
algo que está sempre presente na luta, na reflexão dos artistas
e intelectuais, que é a questão da arte pela arte. É claro que
não tinha clareza do aspecto estético, da forma etc, mas
compreendia a arte como instrumento de expressão dos
problemas da sociedade. (BARCELLOS, 1994, p. 27).

Durante a gestão de Aldo Arantes, foi criado o hino da UNE. A letra de


Carlos Lyra e a música de Vinícius de Moraes.

União Nacional dos estudantes, mocidade brasileira, nosso


hino é nossa bandeira. De pé a jovem guarda classe
estudantil, sempre na vanguarda, trabalhar pelo Brasil. Nossa
mensagem de coragem é que traz um canto de esperança
num Brasil em paz. A UNE reúne futuro e tradição. A UNE, a
UNE, a UNE é nossa voz. (ARAÚJO, p. 118, 2007)

20
A Ação Popular (AP) reunia a juventude ligada a Igreja Católica, foi criada no início dos anos
sessenta, se organizando como um movimento de esquerda, fazendo uma aliança instável e
contraditória com o Partido Comunista, no âmbito do movimento estudantil. De acordo com
BERLINCK, Manoel Tosta. O Centro Popular de Cultura da UNE. p 116.
49

A UNE realizou dois seminários sobre a Reforma Universitária, se


opondo e rejeitando o projeto da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), delineando a
proposta da UNE para a reforma que estava sendo discutida naquele momento.
O primeiro Seminário foi realizado em Salvador de 20 a 27 de maio de 1961 e o
segundo foi em Curitiba, em 1962. Nesse período a UNE conseguiu organizar a
greve do 1/321, buscando uma maior participação dos estudantes nos
colegiados superiores das universidades.
22
Em parceria com a UNE, o CPC realizou a UNE volante, uma
mobilização que durante três meses literalmente colocou as duas organizações
em movimento por várias capitais brasileiras, estabelecendo o debate com o
público universitário sobre a questão da Reforma Universitária por meio do
teatro e outras atividades artísticas. Conforme Pelegrini:

A UNE volante constituiu-se de uma caravana que percorreu o


país por três meses, promovendo no seu percurso “agitação e
propaganda” em prol da Reforma Universitária. Entre seus
membros, encontravam-se parte da diretoria da UNE e artistas
do Centro Popular de Cultura (CPC). Das atividades
promovidas nessa excursão, constaram a realização de 200
assembléias pelas faculdades do país, além de reuniões com
lideranças estudantis e apresentação de peças teatrais,
atingindo um público total de 50 mil pessoas. (PELEGRINI,
p.48, 1997)

O trabalho feito a partir da UNE volante propiciou o fortalecimento e


politização do movimento estudantil, na criação de CPCs em quase todas as
capitais brasileiras, em uma aproximação da UNE, que é a entidade máxima
dos estudantes universitários, com o conjunto de estudantes que não
participavam das atividades políticas que envolviam a universidade e o país.
A partir do contato direto feito por intermédio de práticas culturais, com a
utilização do teatro, música, poesia, buscava-se engajar os jovens para que
estes começassem a atuar na política estudantil, bem como nas manifestações
por reformas na sociedade. Segundo Berlinck, a UNE volante:

21
A luta pela participação dos estudantes nos órgãos de decisão das universidades na
proporção de um terço.
22
Sobre o CPC ver (MAIA, 2005)
50

Permitiu o contato das lideranças estudantis com as bases


universitárias, operárias e camponesas em todo o Brasil, o que
significou uma revolução nos métodos de atuação política
tradicional no meio estudantil. (BERLINCK, p.91, 1984).

Através da UNE volante foram realizadas inúmeras atividades, entre elas


um documentário chamado Isto é Brasil, peças de teatro, oficinas de artes,
assembléias estudantis, contatos entre artistas e lideranças dos movimentos
sociais.
Apesar de durar pouco, a UNE volante resultou em um crescimento do
movimento estudantil e um maior conhecimento da história, da política e das
raízes culturais do Brasil. Durante sua existência foi possível um contato com
os movimentos que estavam acontecendo em outras capitais, como comenta
Cecil Thiré em entrevista a Domont:

Ficamos muito impressionados com as coisas que vimos. Lá


em Natal, havia uma campanha: “De pé no Chão também se
Aprende a Ler”; haviam escolas de Chão de Terra batida, e
gente sendo alfabetizada......Nós não queríamos subir aos
palcos para servir a burguesia. Nós queríamos nos direcionar à
horizontalização da cultura. (DOMONT, 1990, P. 31).

É importante entender que na dinâmica estudantil, no caso da UNE, ou


dos movimentos sociais, como o CPC, existem grupos, tendências, posições e
práticas diferentes e que, portanto, muitas vezes, apesar da parceria em torno
da formação e atuação do CPC houve divergências na forma de conduzir e
encaminhar algumas atividades políticas.
Dentro do CPC existiam, também, posições divergentes, resultando em
momentos tensos de debate sobre Arte, Cultura Popular, Povo. Disputas
ocorreram, por exemplo, devido às idéias de Carlos Estevam Martins,
responsável pelo Anteprojeto do Manifesto do CPC da UNE, escrito em 1962,
que pretendia marcar o pensamento do movimento cepecista.
Alguns dos artistas do CPC criticavam posições defendidas no
Anteprojeto do Manifesto, discordavam da estética que estava sendo
51

desenvolvida nas peças, filmes, literatura, percebendo a necessidade de fazer


um trabalho sério, comprometido com as questões sociais em pauta naquele
período e, ao mesmo tempo, com qualidade estética.
Essas divergências geraram um racha que levou um grupo de artistas e
cineastas como Glauber Rocha, Cacá Diegues a se afastarem do CPC e mais
tarde atuarem no movimento que foi chamado de Cinema Novo, permanecendo
no CPC, Carlos Estevam Martins, Vianinha, Ferreira Gullar entre outros,
utilizando a arte a serviço da política.
Com a instauração do regime autoritário, em 1964, o Centro Popular de
Cultura da UNE foi praticamente destruído, censurado, interrompido como
várias outras organizações, movimentos e partidos de esquerda no Brasil.
Naquela ocasião estava para ser inaugurado, na sede da UNE, o Teatro da
UNE, que significaria um dos projetos mais importantes do CPC, não só em
função do volume de recursos investidos, mas, também, na projeção que daria
ao movimento. A inauguração, no entanto, não chegou a acontecer.
A experiência do CPC foi interrompida pelo incêndio no prédio da UNE
no Rio de Janeiro, marcando o golpe militar e destruindo um projeto coletivo,
forte e generoso, da tentativa de transformação social através da arte.
O final da década de setenta foi marcado pelo ressurgimento dos
movimentos sociais ao cenário político do país, os Cientistas Sociais no Brasil
começavam a procurar entender e interpretar os anos de governos militares, a
esquerda no pré-64, a atuação do Partido Comunista Brasileiro (PCB) nos anos
anteriores ao golpe militar.
O nacional-popular e a tentativa de falar e agir em nome do “povo”, de
representar esse “povo”, era vista como atitude populista e vanguardista, novas
práticas políticas eram defendidas pelos novos movimentos sociais e pela
intelectualidade. Tudo que representasse o passado, o pré-golpe, deveria ser
duramente combatido. De acordo com Ridenti:

Esse tipo de avaliação ganhou terreno a partir do fim dos anos


70, quando alguns intelectuais procuraram fazer um acerto de
contas com a experiência de engajamento imediatamente
passada, praticamente descartando o nacional-popular como
mero populismo: exagerando seus limites, talvez sem avaliar a
fundo seus alcances, supondo consciente ou
52

inconscientemente que a intelectualidade de esquerda dos


anos 80 tivera alcançado um patamar superior- suposição hoje
muito discutível. (RIDENTI, p.35, 2000)

O CPC da UNE surgiu com o propósito de levar uma mensagem ao


“povo”, enfrentou dificuldades para atingir camadas da população que estavam
econômica e politicamente marginalizadas, percebendo que a realidade do que
identificavam como “povo” era muito mais complexa do que imaginavam.
No entanto, o movimento cepecista teve enorme sucesso com o público
universitário, com os estudantes em geral, devido a um nível mais elevado de
informações, do acesso ao saber através da leitura, da sala de aula, do espaço
acadêmico que tem o estudante, atingindo com mais facilidade e conseguindo
bons resultados na politização desses jovens.
O CPC influenciou profundamente o surgimento de outros movimentos
artísticos e culturais, como o Cinema Novo, novas formas de atuação teatral,
na literatura, na composição de músicas, bandas, grupos musicais; foi
responsável pelo engajamento e início da carreira de vários artistas e
intelectuais nas áreas de cinema, teatro, música, literatura, poesia, que
continuaram fazendo sucesso e brilhando como grandes expressões da cultura
brasileira.
A intelectualidade brasileira e os movimentos culturais no início dos
anos 1960, no Brasil, defendiam a construção de uma cultura e uma prática
cultural engajada com as questões políticas e sociais. Os artistas eram
militantes de um movimento amplo na sociedade que enxergava a
possibilidade de transformações radicais no sistema sócio-econômico vigente e
a emancipação do povo brasileiro.
Antes da consolidação do regime autoritário no país em 1964, em todos
os cantos do Brasil, surgiram movimentos de cultura e educação “popular”, com
grande destaque o MCP23, em Pernambuco e o CPC da UNE, criado no Rio de
Janeiro, em 1961. Os estudantes, intelectuais, artistas estavam envolvidos com
um projeto amplo de transformação social, repensando as formas e
manifestações culturais brasileiras, as interpretações e concepções sobre arte
e cultura “popular”. No início dos anos 1960, segundo Moraes:
23
O Movimento de Cultura Popular (MCP) foi criado no dia 13 de maio de 1960, como uma
instituição sem fins lucrativos, durante a primeira gestão de Miguel Arraes na Prefeitura do
Recife.
53

O calendário para 1964 distribuído pela UNE revelava, tanto


pela criatividade estética como pelo conteúdo das mensagens,
que os estudantes aprofundavam seu compromisso com as
transformações sociais. Cada mês do ano era ilustrado por
uma fotografia que denunciava as condições miseráveis de
vida de operários e camponeses. As fotos eram pontuadas por
poemas de Affonso Romano de Sant’anna, Vinícius de Morais,
Geir Campos e Félix de Athayde, entre outros. (MORAES,
1989, p. 50).

Depois da destruição do CPC, os estudantes, artistas e intelectuais


buscaram outro caminho de expressão política e artística. Daí que surgiu a
idéia, que foi de Oduvaldo Vianna Filho, do show Opinião, reunindo grandes
artistas como Nara Leão, Zé Kéti, João do Vale. O show Opinião teve um
imenso sucesso, inclusive entre os estudantes, que lotaram o teatro como
forma de protesto contra a política autoritária dos governos militares.
A peça Roda-Viva, escrita por Chico Buarque para o grupo de teatro
Oficina, e dirigida por José Celso Martinez Corrêa, estreou no início de 1968,
no Rio de Janeiro, com Marieta Severo e Antônio Pedro nos papéis principais.
A peça, com uma série de canções que driblavam a censura, tornou-se um
símbolo de protesto contra a ditadura. Na segunda montagem, em junho do
mesmo ano, no Teatro Galpão, em São Paulo, a peça sofreu um violento
atentado: um grupo de mais de cem homens, ligados ao CCC, invadiu o teatro,
espancou os atores e depredou o cenário. (ARAÚJO, p. 188, 2007).
O advento do regime autoritário no Brasil, a partir de 1964, apontou para
transformações políticas e econômicas profundas na sociedade. O Estado
autoritário, governado por militares, promoveu o desenvolvimento capitalista na
sua forma mais avançada. Foi um momento da história brasileira de maior
difusão e produção de bens culturai
Começam a ocorrer mudanças na forma de conceber e fazer cultura no
Brasil. A sociedade capitalista cada vez mais voltada para o lucro, acaba
transformando tudo em mercadoria, rejeitando as produções que não se
encaixam nas exigências e nos padrões mercadológicos, valorizando apenas o
que é interessante para o mercado e a indústria cultural. De acordo com
54

Adorno e Horkheimer (1985), a cultura sempre contribuiu para domar os


instintos revolucionários e não apenas os bárbaros. A cultura industrializada faz
algo a mais. Ela exercita o indivíduo no preenchimento da condição pela qual
ele está autorizado a levar essa vida inexorável.
Ortiz (1985) apontou que durante o período 64-68 ocorre uma
formidável expansão, no nível da produção, da distribuição e do consumo de
bens culturais. As práticas culturais começam a ser modificadas. Por exemplo,
a política de turismo tem um impacto importante no processo de
mercantilização da cultura popular. Não é por acaso que as Casas de Cultura
Popular, sobretudo no Nordeste, se encontram sempre associadas às grandes
empresas de turismo, que procuram explorar as atividades folclóricas e os
produtos artesanais. Por outro lado, parece existir uma divisão de trabalho
entre cultura de massa e cultura artística e popular.
A produção cultural e artística começa a mostrar outras características
que as expressões e produções dos anos 60. Fica evidente a ausência de um
enfoque político-ideológico, presente em anos anteriores da história da cultura
brasileira. Passa a existir a utilização de novas linguagens, códigos,
manifestações culturais que se relacionam diretamente com o mercado, ou
seja, dentro de uma nova lógica imposta pela indústria cultural.
Ortiz (1994) analisou que a distribuição e criação dos produtos culturais
reproduzem as contradições do próprio modelo capitalista brasileiro, que
acentua as diferenças entre as regiões e reforça a divisão de trabalho entre
campo e cidade. Entretanto, é necessário compreender que paralelamente à
marginalização econômica e cultural de parcelas imensas de classes
subalternas, manifesta-se a expansão de um mercado de bens simbólicos que
tem expressão considerável na medida em que possibilita a consolidação das
indústrias culturais e reorganiza a política estatal, no que se refere à área da
cultura.
Os anos 1970 no Brasil traziam novos comportamentos, movimentos de
contestação à ordem vigente, uma necessidade em não se adaptar à lógica do
mercado.
Na lembrança de muitos estudantes da segunda metade dos
anos 70, a vida do dia-a-dia tinha um estilo que misturava um
pouco de militância política, um pouco de espírito hippie, um
55

pouco de cultura popular e um pouco de América Latina.


(ARAÚJO, p. 245, 2007)

No entanto, nesse período começa a haver um crescimento da indústria


cultural, suas produções cada vez mais atingiam um número maior de pessoas.
Um mercado crescente da cultura começou a trazer novas perspectivas de
ações, uma massificação da produção cultural, que foi exatamente resultado da
globalização, como também de novas formas de comunicação entre os países
e povos do mundo.
Segundo Ortiz (1994) o que caracteriza a situação cultural nos anos
1960 e 1970 é o volume e a dimensão do mercado de bens culturais. Se até a
década de 50 as produções eram restritas, atingindo um número reduzido de
pessoas, hoje elas tendem a ser cada vez mais diferenciadas e cobrem uma
massa consumidora. Durante o período que estamos considerando, ocorre
uma formidável expansão, a nível de produção, de distribuição e de consumo
da cultura; é nessa fase que se consolidam os grandes conglomerados
econômicos que controlam os meios de comunicação e da cultura popular de
massa.
O movimento estudantil discordava da forma que indústria cultural
atuava na sociedade. Nesse sentido, as produções culturais só serviam se
gerassem lucro, tentando fazer com que qualquer forma de expressão artística
e cultural tivesse que se adequar às imposições de mercado, as quais agiam
interferindo diretamente na forma de produzir cultura no país.
Nesse período, conforme Araújo, um grupo de teatro lançou-se no
cenário artístico carioca na segunda metade dos anos 1970, criando um novo
tipo de teatro de humor: Asdrúbal Trouxe o Trombone. A peça Trate-me Leão
era uma sátira mordaz e ao mesmo tempo engraçadíssima da geração dos
anos 1970. (ARAÚJO, p. 246, 2007).
Os estudantes agiam se contrapondo à cultura de massa, tentando
propor uma prática cultural alternativa, baseada em uma ação crítica,
contestadora, politizada. Existia uma oposição à alienação feita pelos meios de
comunicação de massa, que contribuía com a manutenção do sistema sócio-
econômico vigente e as injustiças sociais.
56

Conforme Araújo (2007), nessa época, a literatura e a música latino-


americana entraram no país: lia-se Gabriel García Márquez, Cortazar e As
veias abertas da América Latina, de Eduardo Galeano; Mercedes Sousa se
apresentava em shows com Milton Nascimento. Muitos estudantes viviam em
“repúblicas”. As comunidades estudantis dos anos 70 tinham uma decoração
padrão: almofadas indianas pelo chão, pôster de Che Guevara, tapete de sisal,
estante de livros feita com tijolos e tábuas superpostas, uma rede e,
inevitavelmente, um garrafão de vinho transformado em abajur.
A música foi um dos principais formas de expressão cultural da década
de 1980, constituindo-se em uma manifestação contrária à situação política e
social que vivia o Brasil. Através da música a juventude mostrava seu
inconformismo, reivindicando, a partir do rock nacional, outros sentimentos,
comportamentos e valores, fazendo com que a indústria fonográfica investisse
nesse estilo musical, proporcionando uma interação desse novo gênero
musical com a sociedade. De acordo com Araújo:

Na década de 80 explodiu, no mercado fonográfico brasileiro,


o rock nacional. A juventude brasileira que até então ouviu o
rock inglês e norte-americano dos Beatles e Rolling Stones,
The Who, Santana e Police passou a ouvir, a cantar e a dançar
rock em português. Justiça seja feita, o rock nacional não
nasceu nos anos 1980. Os roqueiros de então pagam seu
tributo aos precursores: o Tremendão Erasmo Carlos, da
Jovem Guarda dos anos 1960, e Raul Seixas e Rita Lee, da
década de 1970. Mas, nos anos 1980, surgiram e
multiplicaram-se as bandas de rock nacional: a Legião Urbana,
liderada por Renato Russo, lançou seu primeiro álbum em
1981; o Barão Vermelho lançou o primeiro LP com o vocalista
Cazuza em 1982, e em 1983 os Paralamas do Sucesso
lançaram seu primeiro disco. (ARAÚJO, 2007, p. 256).

Movimentos culturais, como o rock nos anos 80, representaram


claramente a insatisfação de boa parte da população com a situação brasileira.
No período em que o país ainda vivia um clima de autoritarismo, devido ao
controle exercido pelo regime autoritário, os grupos musicais surgiam no
cenário cultural, questionando a realidade da época.
A busca de novos valores, comportamentos, reflexões sobre a
organização da sociedade brasileira, era o que pretendiam os movimentos
57

culturais nos anos 1980. Através do rock, das letras das músicas, novas
reivindicações políticas expressavam os anseios da juventude.
As representações culturais significam umas das mais importantes
expressões do tempo em que estamos inseridos. Os conflitos sociais
existentes, os antagonismos, reações, práticas cotidianas, sentimentos
coletivos e vivências diferenciadas estão claramente representados na
dinâmica cultural, bem como no diálogo entre cultura e sociedade na história.
Percebemos que a cultura possui uma lógica própria. A produção
cultural tem uma dinâmica interna, agindo sem necessariamente estar
subordinada à economia, sendo, muitas vezes, parceira do capital. O valor da
cultura na sociedade não está diretamente relacionado ao seu valor
econômico, mas a influência que tem sobre as pessoas, determinando
comportamentos e ações nos diferentes espaços sociais.
A cultura deve ser pensada como um importante instrumento de
transformação ou mesmo de reprodução da lógica política, econômica e social
vigente em um determinado período na sociedade. Através das práticas
culturais são expressados sentimentos, valores, comportamentos, posturas
individuais e coletivas, enfim, em diversos momentos foi evidente a
demonstração feita por meio da cultura, dos conflitos e insatisfações sociais.
Para o desenvolvimento da história de um país temos que entender
como as manifestações artísticas e culturais podem informar, politizar, criar um
diálogo com diferentes camadas sociais. A música foi reflexo da inquietação da
juventude, da tentativa de se buscar novos caminhos. A partir do rock foram
trilhados horizontes inovadores, atingindo com suas letras críticas indivíduos de
várias regiões, despertando sentimentos, comportamentos e emoções.
As práticas culturais se consolidam como um elemento contestador
nesse período, construindo as novas formas de agir e pensar da sociedade,
sendo fundamental para o desenvolvimento social, inovando e interagindo com
as pessoas, levantando novas possibilidades de ação cotidiana através da
cultura.
O cenário cultural brasileiro nos anos 80 passou por mudanças
significativas a partir da urbanização crescente da população, de novos
hábitos, procedimentos e atitudes que mesclam novos e velhos valores. Os
meios de comunicação, a industrialização e globalização aparecem cada vez
58

com mais força na dinâmica social, apresentando novos estilos de vida,


alterando a relação entre cultura e sociedade.
Assim como a música, o cinema nos anos 1980, apesar de ter
enfrentado os problemas políticos desse período como a censura, a luta pela
democracia, algumas crises financeiras, não deixou de exercer a sua função
social, discutindo, interagindo com a população, tornando-se um importante
meio de expressão das aspirações políticas e sociais, demonstrando a sua
importância na construção de uma sociedade democrática.
Novas práticas sociais buscavam reagir e se contrapor ao controle
exercido pelo regime autoritário. Numa tentativa de alcançar um acesso mais
democrático a cultura, surgiram nesse período algumas produções culturais de
caráter contestador, fazendo uma crítica através da música, do cinema, da arte
em geral, questionando a situação nacional.
Os movimentos culturais brasileiros nos anos 1980 conviveram com uma
realidade baseada em conflitos, em ações autoritárias, antidemocráticas. Um
regime dirigido pelos militares foi instaurado a partir de 1964. Sendo que esse
processo conturbado, com constantes transtornos, de manifestações sociais e
políticas, passou a influenciar a partir dessa convivência, as práticas culturais
no Brasil.
O cotidiano dessa época demonstrou a necessidade de encontrar saídas
através da ação cultural. As expressões artísticas nascem com o objetivo de
modificar e criticar a forma como estava sendo conduzida a sociedade
brasileira. Esses conflitos foram resultados da inquietação da juventude, da
reação da população aos acontecimentos de um tempo, um determinado
tempo histórico, em que os sentimentos, as angústias, contradições, vontades
são refletidas na esperança da construção de novos espaços, de outra
organização social, da vitória da democracia e dos movimentos sociais.

2- A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DA JUVENTUDE UNIVERSITÁRIA NOS


ANOS 1980 EM NATAL

Nos anos 1980 a sociedade natalense vivenciou profundas mudanças


econômicas a partir do processo de industrialização, um momento voltado para
59

o discurso da modernidade. Nesse processo, o trabalho feminino ganhou


destaque na capital.
Nas configurações políticas se expressavam as práticas coronelísticas,
de favorecimento e lealdade entre grupos familiares que ocuparam o poder
político no Estado. Nesse contexto, diante fragilidade de movimentos sociais
urbanos organizados na cidade de Natal, o ME teve uma visibilidade nas lutas
políticas, sendo um dos movimentos sociais mais fortes nas manifestações
pela redemocratização no final dos anos 1970 e início dos anos 1980.

2.1- RN: Sociedade e Política nos anos 1980

As configurações econômicas e sociais do Rio Grande do Norte no início


dos anos 1980 expressavam o que a literatura denominou de fase pós-
SUDENE do Nordeste. Como ocorreu com a região Nordeste do Brasil, o Rio
Grande do Norte nos anos 1980 apresentava uma nova configuração
econômica e social resultante do processo de industrialização vivenciado.
O Brasil tinha como projeto básico construir um parque industrial
importante e com isso entrar para o restrito elenco das principais potências
mundiais. Esse foi um período de grande expansão e de intensa modernização
da economia. Um momento que são verificadas mudanças importantes, e delas
participa o Estado usando, também, como instrumento, o planejamento
regional 24. Conforme Araújo:

O planejamento regional também teve que se ajustar aos


novos tempos. No caso do Nordeste, que conheço mais de
perto, a SUDENE teve que abandonar a proposta
industrializante, mas reformista, do GTDN para promover a
industrialização situada, agora, no projeto de modernização
conservadora conduzida por sucessivos governos militares.
(ARAÚJO, 2000, p.18).

24
Sobre esse assunto ver (ARAÚJO, 2000.)
60

A partir do diagnóstico realizado pelo GTDN25, foi demonstrado que a


“questão regional” traduziu-se na falta de inserção da economia nordestina no
mercado nacional e de industrialização era a responsável pela exclusão e
pobreza. A SUDENE teve como centralidade de sua atuação a ênfase na
industrialização do Nordeste.
No Nordeste foi relevante a importância do setor público no crescimento
das atividades econômicas que mais se expandiram na região, nos anos 1970
e 1980. O Estado investiu e criou uma infraestrutura econômica e social,
promovendo o crescimento da economia, ocupando um lugar de destaque no
processo de urbanização da cidade. De acordo com Santos:

As décadas de 60, 70 e 80 marcaram sensivelmente a


economia norte-riograndense pela adoção de uma consciência
de planejamento e pela implementação de grandes projetos de
industrialização, impulsionando o seu aparelho produtivo. Mas
o desencadeamento mais rápido desse processo industrial, no
Estado, dava-se nos primeiros anos do decênio 70, quando se
implementavam grandes projetos agroindustriais,
incrementavam-se programas habitacionais e o turismo
tornava-se um objeto de preocupação empresarial. (SANTOS,
1994, p. 207)

A sociedade potiguar vivenciava um período político voltado para o


discurso da modernidade, do desenvolvimento regional. A realidade econômica
encontrava no turismo uma potencialidade desse desenvolvimento. Um
momento da forte presença das mulheres no espaço urbano, tendo uma
significativa participação no trabalho realizado a partir do processo de
industrialização em Natal, notadamente na indústria de confecções.
Nesse processo de industrialização, a cidade de Natal ocupou um
espaço secundário, comparada a outras cidades. As indústrias instaladas que
se fixaram na sua região urbana são aquelas ligadas ao setor têxtil e de
confecções, absorvendo principalmente a mão-de-obra feminina.
As trabalhadoras eram submetidas a relações de trabalho que eram
marcadas pela repressão, patriarcalismo e machismo, fazendo com que essas
25
GTDN - Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste. Constituído no ano de
1956, pelo presidente Juscelino Kubitschek, ficando Celso Furtado responsável pela sua
coordenação.
61

trabalhadoras reagissem instituindo redes de sociabilidade que deixaram


marcas. De acordo com Lopes Júnior:

Anos depois, quando a desindustrialização prematura abortou


a industrialização tardia, as fabriquetas de confecção de fundos
de quintal e os grupos de “sacoleiras” se constituirão a partir de
laços construídos nesse período. (LOPES JÚNIOR, 2000,
p.37).

Na sociedade daquele período expressavam-se as práticas


coronelísticas, de favorecimento e lealdade entre grupos familiares que faziam
parte da elite local, como também em relações de reciprocidades hierárquicas.
O espaço político se dava a partir do clientelismo, do acordo entre os chefes
locais, do conservadorismo que se fazia presente na política do Estado e da
cidade.
Essas configurações políticas da sociedade potiguar nos anos 1980 são
à parte para a compreensão da especificidade da transição democrática no
Estado, ou seja, é a partir do perfil que a sociedade do Rio Grande do Norte
apresentava nos anos 1980, que podemos compreender tanto o fato de que no
RN os representantes liberalizantes do regime autoritário obtiveram sucesso
nas competições eleitorais; como a visibilidade que adquiriu o movimento
estudantil da UFRN naquele período.
O projeto de ‘abertura’ política no país ocorreu em um clima de
negociações e pactuações, principalmente no Nordeste, onde a estrutura e o
poder dos grandes proprietários de terra ainda eram muito fortes. A política do
Estado sempre foi subordinada à política nacional, agindo conforme a
interferência do poder central, tendo uma conduta frágil, bastante vulnerável a
interesses externos a política local, como também a articulações políticas de
interesses particulares baseadas no clientelismo e nas relações de favores
pessoais e familiares.
No Rio Grande do Norte, assim como em outros lugares do Nordeste,
houve uma intervenção do poder central na escolha dos quadros políticos que
atuaram na política do Estado. Nesse contexto o nome do Dr. Tarcísio Maia
para governador em 1975 foi uma escolha pessoal do general Golbery do
62

Couto e Silva, que tinha como objetivo dar sustentação política ao governo. De
acordo com Andrade:

Tarcísio assume o governo estadual com o propósito de criar


novas bases de sustentação política para o partido governista e
de se firmar como uma nova liderança, capaz de articular o
projeto de renovação política que o momento requeria. Seu
governo foi essencialmente técnico, tendo para isso convocado
o trabalho de quadros especializados, afastados da
administração pública desde o golpe de 64, o que garantiu a
seu governo uma dose de confiabilidade e credibilidade junto à
opinião pública e às elites locais. (ANDRADE, 1996, p. 123).

O governo de Tarcísio Maia tinha uma boa relação com o governo


central, o que facilitou o bom desempenho de sua administração. Tarcísio
formou uma equipe técnica, a partir do trabalho de especialistas em vários
setores de seu governo. Por isso, a avaliação positiva da sua administração
permitiu-lhe o papel de articulador político do partido situacionista no processo
de sua sucessão para governador em 1978.
A conduta política do governador Tarcísio Maia foi marcada por um forte
conteúdo paternalista e pela tentativa de minimização da importância das
antigas lideranças situacionistas. Para governador, Tarcísio procurou seu
sucessor dentro do seu círculo familiar, indicando com o apoio do General
Golbery do Couto e Silva seu primo, Lavoisier Maia, médico e professor
universitário que havia sido secretário de saúde em seu governo.

A escolha de seu nome significava, antes de mais nada, a


continuidade do programa de trabalho de Tarcísio Maia e a
possibilidade de manutenção, em nível estadual, do projeto de
“abertura lenta, gradual e segura” defendido pelos grupos no
poder(ANDRADE, 1996, p. 124).

Partindo dessa mesma forma de fazer política e seguindo a lógica


utilizada para fazer o sucessor, o governador Lavoisier Maia também vai
buscar no seu meio familiar um prefeito para a cidade de Natal. O indicado
para prefeitura de Natal foi o filho de Tarcísio Maia, José Agripino Maia26, um

26
Ver (ANDRADE, 1996.)
63

jovem engenheiro de 33 anos, que era diretor de uma das grandes empreitadas
do estado, a Empresa Industrial Técnica (EIT), o que lhe assegurava a simpatia
e o apoio dos diversos grupos econômicos locais, ligados, sobretudo, a
agroindústria (fruticultura de exportação) e à indústria da construção civil. Ainda
conforme reflexão de Andrade:
Dessa forma, a renovação dos grupos no poder, no Rio Grande
do Norte, dava-se através de uma forma extremamente
retrógrada de fazer política-a prática do nepotismo. A
distribuição dos principais postos da política estadual era feita
com base na proximidade pessoal, nos laços afetivos e
familiares, o que pode parecer paradoxal para quem propõe
mudanças nas práticas políticas vigentes. Por trás de tudo
estava, no entanto, a preocupação de não deixar escapar do
comando de Tarcísio o projeto que lhe fora, anteriormente,
confiado pelos amigos do Planalto. (ANDRADE, 1996, p. 126).

A entrada de José Agripino Maia no cenário político estadual para


ocupar a prefeitura de Natal foi marcada por discurso de novidade, de
sinalização de novos tempos para a cidade, para a população. A intenção
política do novo prefeito, conforme os seus discursos no período era priorizar a
população mais pobre da sociedade. O discurso de José Agripino Maia era de
governar com prioridade para a população mais humilde de Natal. De acordo
com Paiva:

Neste sentido, para se ajustar ao novo contexto, o Estado


redefine a sua forma de atuação, assimilando a idéia de
Planejamento participativo, principalmente no âmbito de política
urbana de caráter social, passando a enfatizar, a partir de
então, a importância da participação coletiva na implementação
dos programas sociais. (PAIVA, 1994, p. 32)

A administração de José Agripino deu ênfase ao discurso do


desenvolvimento comunitário, deixando claro que a idéia de participação
comunitária se impunha como uma necessidade política naquela época.
64

Do ponto de vista político, o discurso da participação


sinalizava para novas possibilidades de ação política
apregoadas pela “abertura” e, nesse sentido, era um elemento
importante para a retórica do projeto político em curso.
(ANDRADE, 1996, p. 133).

A inserção da população pobre a partir da ocupação dos espaços nos


conselhos comunitários possibilitou uma inclusão de parte desta população em
discussões políticas da comunidade e da cidade como um todo. No entanto,
segundo Andrade, é importante ressaltar que:

Após uma década de controle autoritário das relações sociais e


políticas, introduzir práticas participativas era algo bastante
difícil, ainda mais quando esta participação deveria se dar sob
controle e não se configurava como uma conquista, mas como
uma concessão ou, ainda pior, como uma iniciativa dos grupos
no poder. (ANDRADE, 1996, p. 137).

No entanto, é importante destacar que essa política voltada para as


práticas associativas era uma maneira de controlar as reivindicações dos
excluídos. Essa ação tinha o interesse de manter tudo sob controle do governo,
inclusive as articulações para a participação popular, concedida e não
conquistada pela população.
O discurso da experiência de gestão participativa que se deu nesse
período foi construído anteriormente, tendo como fonte inspiradora de todo
esse trabalho a ação desenvolvida pela Arquidiocese de Natal, no fim dos anos
50, e a administração popular do prefeito Djalma Maranhão, no começo dos
27
anos 60 . Sobre Djalma Maranhão e sua trajetória política, Andrade ressalta
que:

Djalma Maranhão foi um ex-militante comunista, que governou


Natal de 1960 a abril de 1964. Já tendo ocupado, por um curto
período de tempo, a prefeitura da cidade, por indicação do
governador Dinarte Mariz, em sua rápida passagem pela
prefeitura, deixou, no entanto, uma marca, pela prioridade que
concedeu à população mais pobre da cidade. Por isso, ficou
conhecido como “prefeito do subúrbio”. (ANDRADE, 1996, p.
141).
27
Sobre o assunto ver (ANDRADE, 1996.)
65

Portanto, para a população da periferia de Natal o trabalho desenvolvido


por Djalma Maranhão, assim como o trabalho da Igreja deveria ser recuperado.
José Agripino, durante seu governo, teve como marca da sua administração o
resgate de personalidades públicas que realizaram projetos importantes na
cidade em outros períodos para atuar em seu governo, como também, mesmo
com o discurso de renovação política, utilizou ações políticas que foram criadas
e bem sucedidas em outras administrações, como foi o caso da utilização de
imagens e memória da experiência de gestão participativa do governo de
Djalma Maranhão. Segundo Andrade:

A capacidade de recuperar imagens e personalidades


renegadas pelo movimento revolucionário marca bem o novo
momento político. Os “antigos fantasmas” passam a ser “úteis”
ao novo modelo, o que promove a volta ao cenário político de
personagens que tiveram presença marcante em momentos
anteriores. (ANDRADE, 1996, p. 144).

A administração de José Agripino representava a modernidade naquele


período, o seu nome como liderança política era a expressão do que havia de
mais novo em áreas como a construção civil, o turismo, entre outras. A família
Maia possuía um projeto político mais moderno, porém com a manutenção de
uma prática política tradicional de favorecimento familiar.
O processo de distensão iniciado pelo governo Geisel teve como
propósito atingir uma mudança de postura com relação às forças políticas do
Estado, tendo em vista preparar as condições adequadas ao processo de
transição política em curso. Um exemplo disso foi o acordo feito em 1978 entre
os dois principais grupos políticos do Estado, os Maias e os Alves28.
As lideranças e grupos econômicos locais, a partir dos anos 1970,
fizeram uma aliança com o objetivo de criar condições para que a economia
local se industrializasse, para que houvesse uma modernização da economia
do Estado. Conforme Fernandes:

28
Ver sobre o assunto (DOMINGOS SOBRINHO, 1988.)
66

Elas tinham como meta modernizar, pela organização de um


parque industrial moderno, tendo como base as matérias
primas locais e através desse caminho inserir no cenário
nacional e internacional uma economia provinciana atrasada.
Nessa perspectiva, ela estava afinada com o ideário do
progresso, calcado no emprego da ciência e da tecnologia no
desenvolvimento das forças produtivas, sob a ótica do
capitalismo. Eles procuraram ligar a economia local a esse
cenário. E por isso pode-se inferir que elas eram dotadas, num
primeiro momento, de um projeto liberal e, em seguida, de um
ideário neoliberal, no sentido de que estavam abertas, nos dois
momentos, às renovações vindas de fora. Sem abrir mão,
contraditoriamente, do apoio do Estado a esse processo.
(FERNANDES, 2007, p.131)

Os estudantes universitários em Natal no final dos anos 1970


começaram a se reorganizar dentro da UFRN. Novas lideranças e grupos
políticos surgem na universidade com o objetivo de lutar pela democracia, pela
construção de novas práticas na UFRN. Nesse sentido, as agremiações
políticas que foram formadas na sociedade, disputaram a condução do
movimento estudantil na universidade, debatendo a possibilidade de modificar
a política no Estado.
Houve a ampliação da luta nacional pela anistia. Na capital do Estado
ocorreu a criação de uma secção do comitê de Anistia. No final dos anos 1970
e início dos anos 1980 estavam ocorrendo manifestações sociais, passeatas,
greves organizadas pelos trabalhadores em diversas cidades brasileiras. Em
Natal “O ano de 1979 se inicia com revelações sempre freqüentes, nos órgãos
de imprensa, sobre as condições de vida a que estava submetida à população
natalense.” (DOMINGOS SOBRINHO, 1988, p. 59).
Nesse momento, a organização de conselhos comunitários em Natal
tornou-se uma exigência constante dos governos Estadual e Municipal, pois os
governos viam nesses mecanismos uma forma de manter um diálogo com a
população e suas reivindicações.
Conforme Paiva (1994), um passo importante para a participação
controlada foi a formação da Federação dos Conselhos Comunitários e
Entidades Beneficentes do Rio Grande do Norte. Essas entidades foram
67

criadas em 1980 pela prefeitura Municipal, num processo verticalizado, ou seja,


ignorando qualquer atuação da população, desde a simples consulta sobre a
sua necessidade.
O momento político em todo o país era de luta pela redemocratização,
como também por mudanças na condução do governo brasileiro. Diante desse
cenário político, no Rio Grande do Norte, o Movimento Estudantil teve uma
visibilidade importante, organizando e liderando várias atividades, pois devido à
conjuntura local, era um dos movimentos sociais organizados de maior força
política na sociedade. Domingos Sobrinho argumenta que:

Os estudantes universitários que fizeram uma longa trajetória


de resistência à ditadura, particularmente a partir de 1974/75,
quando os estudantes de direito começaram a reerguer as
entidades destruídas pelo arbítrio passaram a sentir, a partir de
1977/78, a diminuição da vigilância policial e a repressão direta
dos anos anteriores, criado assim “mais coragem” para ampliar
a resistência. Aliás, é importante destacar que foi o Movimento
Estudantil universitário ( na cidade de Natal) e alguns grupos
intelectuais de camadas médias (como os que faziam o
movimento cineclubista) os únicos a desenvolverem no período
anterior à “abertura”, um movimento de “resistência” mais
constante e visível ao regime militar. (DOMINGOS SOBRINHO,
198, p. 68)

A juventude do movimento estudantil potiguar teve uma grande


participação e organização dos atos públicos, bem como outras atividades que
faziam um diálogo com a sociedade a respeito da redemocratização. Devido a
uma conjuntura local específica no RN, o movimento estudantil protagonizou as
manifestações ocorridas no Estado, mobilizando outros setores e movimentos,
liderando e se engajando nas lutas políticas.
Na cidade de Natal, diferente de outras cidades do país, o movimento
operário e de bairros não ganharam destaque nas lutas sociais pela
redemocratização. Os movimentos sociais urbanos eram inexistentes, ou seja,
não havia em Natal movimentos oriundos das contradições geradas pelo
desenvolvimento urbano. As primeiras greves foram realizadas pelos
professores secundaristas da rede estadual e os rodoviários (motoristas e
68

cobradores da rede privada de transportes coletivos) que se destacaram nesse


processo, conforme argumenta Domingos Sobrinho:

Inicialmente são os professores secundaristas da rede pública


estadual, seguidos pelos motoristas e cobradores de ônibus
que realizaram as primeiras greves no período. Depois vem a
manifestação dos estudantes universitários no campo central
da UFRN. São estas categorias que realizam as intervenções
mais expressivas daquele ano. Evidentemente, cada um destes
movimentos apresenta características próprias: enquanto os
professores e estudantes procuram alcançar uma maior
generalização nas suas lutas, buscando o apoio da sociedade,
os motoristas e cobradores permaneceram relativamente
circunscritos às suas reivindicações, não dando dimensão
maior à sua mobilização. (DOMINGOS SOBRINHO, 1988, p.
51).

No Rio Grande do Norte o processo de redemocratização e abertura


política, segundo Patrício29, se deu seguindo a orientação nacional de
unificação das elites, de forma lenta, porém segura para as lideranças
estaduais que estavam no poder. De um lado os Maias, e de outro a oposição,
os Alves.
Em 1982 esses grupos oligárquicos se organizavam com o retorno das
eleições “Diretas” para governador, na qual tínhamos de um lado, em torno do
nome de Aluízio Alves, a oligarquia Alves, do outro lado, apresentando o nome
de José Agripino, a oligarquia Maia. A aliança que tinha sido firmada em 1978
durou enquanto existiam interesses convergentes entre esses grupos políticos.
Como aponta Trindade:

A manutenção da “paz pública” decorreu da impossibilidade de


se ajustar numa mesma aliança política grupos que tinham
interesses que convergiam para um mesmo objetivo: o governo
do estado. A eleição de 1982 para o governo do estado
afastava-os cada vez mais, tendo em vista que ambos- Alves e
Maia- queriam indicar o cabeça da chapa, Aluízio no caso dos
Alves; José Agripino, no caso dos Maia. (TRINDADE, 1985,
p.59-60).

29
(PATRÍCIO, 1992)
69

O desempenho de José Agripino na prefeitura de Natal e o apoio


recebido através dos mecanismos de participação comunitária, criados durante
sua administração, garantiram a sua vitória na primeira eleição direta, através
do voto vinculado para governador em 1982. “A eleição de José Agripino, em
1982, representou uma grande vitória para o partido governista, pois
significava, antes de tudo, a derrota de um dos maiores líderes políticos do
estado, o ex-governador Aluízio Alves”. (ANDRADE, 1996, p. 155).
José Agripino foi lançado pelos grupos políticos ligados ao governo
militar tendo mais uma vez como objetivo a renovação da política no Estado,
mas sua administração no governo do Estado não apresentou mudanças
significativas, porém, ao contrário de renovação política, esta administração
continuou a política conservadora de seus antecessores. Conforme Domingos
Sobrinho:

A preocupação dos Maias em buscar a renovação dos seus


quadros e do seu próprio discurso, justifica-se ante a
possibilidade de realização de eleição direta para governador e
devido às exigências de “abertura”, uma vez que tendo entrado
em cena as “forças populares”, fazia-se necessário alterar as
relações entre governantes e governados, entre dominantes e
dominados. (DOMINGOS SOBRINHO, 1988, p. 65).

Em Natal, no ano de 1985, ocorre eleição direta para a prefeitura.


Aquele foi um momento importante para a redemocratização no Estado, pois
não se tinham eleições diretas para prefeito no RN desde 1965. Concorreram
ao pleito Garibaldi Alves Filho, deputado estadual e Vilma Maia30.
A candidatura de Garibaldi representou as forças democráticas e
populares que fizeram resistência ao regime autoritário. Andrade afirma que:

Garibaldi ganhou as eleições com grande maioria de votos,


esse resultado foi devido ao tamanho descontentamento e
30
Vilma Maia desenvolveu um trabalho social à frente de um programa de voluntários no
governo de Lavoisier Maia. Foi secretária de trabalho e Ação Social do Estado, no governo de
José Agripino Maia.
70

insatisfação do povo em relação à oligarquia dos Maias, que


perdurava no poder desde 1975. (ANDRADE, 1994, p.75)

Nesse processo de liberalização do regime, de redemocratização no


Estado, os movimentos sociais reagem com o objetivo de alcançar um espaço
de crítica em relação às práticas tradicionais da política no RN. O movimento
estudantil consegue ser um dos movimentos sociais mais ativos, atuando de
forma intensa na luta pelo fim do regime autoritário. Como analisa Domingos
Sobrinho:

Um dos fatores que devem ter contribuído para esses grupos,


fundamentalmente o movimento estudantil fosse o mais
expressivo grupo social a enfrentar “politicamente” o regime
militar, durante inclusive o período de intensa repressão, foi a
sua vinculação com a esquerda marxista. Isto porque as
organizações clandestinas, ou melhor, os seus resíduos,
mesmo após a desarticulação provocada pela campanha
antiguerrilha, continuaram presentes no meio universitário.
Assim é que as principais lideranças do Movimento Estudantil
que procuravam rearticulá-lo tinham direta ou indiretamente
contato com o que se passava no underground das
articulações políticas de esquerda numa demonstração clara
de que a experiência dos anos sessenta continuasse a ser
repassada aos novos militantes através de algumas lideranças
daquela época, tais como Juliano Siqueira, François Silvestre,
entre outros.(DOMINGOS SOBRINHO, 1988 . 68).

Observamos que no final dos anos 1970 e nos anos 1980 os estudantes
foram agentes participativos nas transformações ocorridas na sociedade. O
movimento estudantil representou os estudantes em várias lutas políticas,
manifestações sociais, culturais, saindo do espaço das salas de aula,
ocupando as ruas, levantando suas bandeiras em parceria com outros
movimentos sociais, atuando em momentos ímpares da história do Estado do
RN.
As questões específicas dos estudantes, em alguns momentos, ficaram
num plano secundário. Devido ao fato de existirem poucos movimentos sociais
urbanos na sociedade civil, como também do movimento estudantil ser um dos
71

movimentos sociais mais politizados e fortes em Natal, tornando-se uma das


principais vozes contra o regime autoritário.
É nesse quadro de fragilidade da sociedade civil local que o ME não
apenas ganhou visibilidade, como teve espaço para a ampliação do discurso
radicalizado de suas lideranças. Levando em consideração ser um tema pouco
explorado o fato de que as origens sociais dos ativistas e lideranças do ME são
aparentemente responsáveis pela radicalização discursiva desses.
Nesse sentido, temos que ressaltar a importância do Movimento
Estudantil nesses momentos de conflito político e social, sua atuação em
conjunto com outros movimentos sociais nas manifestações pela
redemocratização da sociedade. Entretanto a realidade local propiciou que o
ME universitário da UFRN nos anos 1980 se destacasse na cena política, com
toda sua capacidade de liderança e mobilização nos vários processos políticos
vivenciados na cidade de Natal.

2.2 – O movimento estudantil na UFRN nos anos 1980.

Como aconteceu em todo o Brasil, a atuação política dos jovens


universitários da UFRN nos anos 1980 significou a retomada do movimento
estudantil na cena política local desde que teve suas principais ações
interrompidas com a instauração do regime autoritário.
Para estudar a participação dos estudantes é preciso compreender o ME
nas diferentes conjunturas políticas, percebendo a atuação estudantil, sua
forma e conteúdo apresentado, em cada momento histórico. Em Natal nos
anos 1980, o movimento estudantil universitário vivenciava, como de fato em
todo o Brasil, a retomada de suas entidades representativas e atuação pública
de suas lideranças.
Na história política brasileira podemos destacar a participação estudantil
em vários conflitos sociais. Nessa trajetória, nacionalmente os estudantes
universitários estavam organizados pela União Nacional dos Estudantes (UNE).
Em Natal/RN, a representação estudantil universitária se dava através do
DCE/UFRN, que dirigia as atividades políticas dos estudantes na universidade.
O movimento estudantil se organizava para defender o ensino público, tendo
72

como objetivo uma maior democracia nas eleições e decisões, principalmente


nas universidades.
Ao analisar a atuação do movimento estudantil no período de 1960-1969
31
no Rio Grande do Norte, SILVA demonstrou a significativa contribuição dos
estudantes, sendo fundamentais no combate ao analfabetismo, com a
participação efetiva no projeto de Educação Popular, na campanha “De pé no
chão também se aprende a ler” do governo de Djalma Maranhão, no início da
década de 60. Houve uma doação da militância desses estudantes,
secundaristas e universitários, na batalha pela alfabetização da população
potiguar e na constante ação, para avançar e melhorar o nível de educação do
povo, no Estado.
Durante o regime autoritário no Brasil, as entidades e organizações
foram colocadas na ilegalidade. As entidades que ainda existiam eram
controladas pelo Estado, inclusive na UFRN, além de outras universidades, foi
notória a intervenção militar.
Os estudantes que ainda estavam em entidades eram indicados do
governo, dessa forma não se atreviam a contestar a falta de democracia nas
instituições, agindo de forma conciliadora com os representantes da
universidade e do país. Entretanto, é importante ressaltar a tentativa da UNE,
mesmo na clandestinidade, em realizar seus congressos, que foram fortemente
reprimidos pelos militares.
No Rio Grande do Norte, o ME universitário, assim como no resto do
país, passou um longo período de apatia devido às medidas tomadas pelos
militares de fechamento das entidades e perseguição às lideranças estudantis.
Houve um longo período de eleições indiretas para o DCE, como a constante
intervenção dos militares na universidade, indicando os Reitores, dificultando a
organização estudantil, e da própria universidade, que não tinha autonomia
frente ao governo.
O DCE da UFRN teve na sua direção estudantes que não eram eleitos,
mas indicados, que não enfrentavam ou questionavam os governos militares.
Esse quadro se modificou em 1979 com a reconstrução das entidades
estudantis.

31
Ver (SILVA, 1989)
73

No final dos anos 70, em conjunto com a luta pela redemocratização do


país, era inaugurada uma nova fase de retomada política dos estudantes. Em
1979 é realizado o XXXI Congresso da UNE, na cidade de Salvador-BA.
Entretanto, com a reconstrução da entidade máxima dos estudantes, foi
marcado um período de manifestações e ressurgimento das lutas estudantis.
Segundo Viana, com a redemocratização, nos anos 80, a luta da UNE se
somou a outras organizações da sociedade civil, reivindicando anistia geral e
irrestrita, constituinte, revogação da Lei de Segurança Nacional e eleições
‘Diretas’. (VIANA, 2002, p.12).
Foi nesse processo de abertura política no Brasil, da reconstrução da
UNE, que o movimento estudantil ressurgiu e voltou a se organizar dentro da
UFRN. De acordo com Andrade, só em 1979, coincidindo com a eleição da
UNE é convocada pelo conselho de entidades de base, composta pelos
Diretórios Acadêmicos (DA’s): DA do Centro de Ciências da Saúde, DA do
Centro de Tecnologia, DA do Centro de Ciências Sociais Aplicadas, DA do
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes e DA do Centro de Ciências
Exatas, a primeira eleição direta para o DCE/UFRN, marcada para os dias 03 e
04 de outubro de 1979. (ANDRADE, 1994, p.94-95).
Concorrem para o pleito três chapas: Alternativa, Quem sabe faz a hora
e Arueira. Vencendo a chapa Arueira devido à unificação de todos os grupos
de esquerda, que compunham o movimento estudantil. Essas novas correntes
políticas eram denominadas de esquerda por se definirem como socialistas,
fazendo oposição ao regime autoritário que governava o país naquele período.
Os estudantes dos grupos de esquerda acharam melhor não sair
divididos, pois juntos conseguiriam impedir a vitória de grupos conservadores
que desde 1969 assumiram o DCE. O objetivo central deste grupo era luta pela
reestruturação do movimento estudantil e anistia ampla, geral e irrestrita, pelo
fim da repressão.
A partir daquele momento o movimento estudantil universitário se
reorganizava, no Brasil, através da UNE, e no RN o foco das discussões
políticas aconteciam no DCE/UFRN. Depois da vitória da chapa Arueira,
presidida por Moisés Domingos Sobrinho, os dirigentes que antes eram
indicados pelos gestores da UFRN deixaram de dirigir as entidades estudantis,
fazendo com que, a partir daquele instante, os estudantes se organizassem
74

sob influência política das concepções da esquerda, se dividindo em diferentes


novas e tradicionais correntes de pensamento político. Desses grupos, todos
defendiam a construção de uma sociedade socialista, porém, cada um com
suas práticas e seus métodos para atingi-la.
Os estudantes universitários do Estado em seu ressurgimento ao
cenário político na UFRN retomaram as suas lutas e bandeiras, atuando em
conjunto com outros segmentos da sociedade, ou mesmo dentro da
universidade com professores e funcionários voltaram a se organizar em torno
de suas reivindicações, podendo ser essas apenas de caráter específico,
apenas no âmbito universitário, como bandeiras e reivindicações de toda a
sociedade, ou seja, de caráter geral. Sobre as bandeiras de lutas dos
estudantes, vejamos o que nos diz FRAGA:

As bandeiras de luta dos estudantes, normalmente, são objeto


das lutas gerais da sociedade, a exemplo da defesa do ensino
público e gratuito e de mais verbas para a educação. Mesmo
as bandeiras consideradas específicas como a construção de
restaurantes ou moradias estudantis e a democratização da
Instituição, entre outras, na sua maioria, fazem parte da política
de educação no país, e, portanto estão condicionadas à política
governamental em vigor. Tal característica tem levado o
Movimento Estudantil, em momentos de visibilidade, a adquirir
novos aliados, com a participação de outros sujeitos sociais, à
medida que estes se identificam com a luta dos estudantes,
modificando o sentido, o caráter e as formas organizativas de
sua luta original. Como desdobramento essa característica, os
estudantes têm dificuldades de mensurar suas vitórias, se não
considerá-las, no geral, como vitórias políticas, tornando os
bens simbólicos elementos de grande importância nesse tipo
de movimento social. (FRAGA, 1996, p. 06).

No início da década de 80, com as manifestações pela anistia,


redemocratização e oposição ao regime autoritário, perceberemos uma
reorganização dos partidos de esquerda no Estado, assim como sua influência
dentro da juventude do Movimento Estudantil. Na UFRN, após eleição direta
para o DCE em 1979, começou a existir uma forte presença de forças e
partidos políticos de esquerda disputando os rumos da entidade.
O DCE foi palco das disputas das diferentes correntes de pensamento
político na universidade. As campanhas passaram a ser bastante concorridas,
os grupos de esquerda que se uniram em torno da gestão Arueira disputaram
como também mostraram as suas divergências na concepção, em sua forma
75

de agir, na corrida pela direção do DCE, na hegemonia no Movimento


Estudantil.
Apesar de alguns partidos ainda serem considerados ilegais, nesse
período, houve a criação e reorganização de partidos políticos, como também
as definições das estratégias, das táticas de cada partido, sua política para a
juventude. Esses partidos se dividiram em diferentes tendências políticas,
retornando, assim, ao cotidiano universitário, definindo a atuação de seus
militantes, contribuindo para a construção de um novo comportamento no ME.
Conforme FRAGA:

Os militantes formam os movimentos e os movimentos formam


os militantes. Nesses processos, formaram-se ideais comuns
de grupo e suas identificações uns com os outros, de forma
que os atores passam a compartilhar valores culturais e
políticos entre eles. Militante é aquele que participou das lutas
políticas, ocupou espaços públicos, ganhou visibilidade, viveu
intensas experiências, distanciou-se da rotina dos demais
membros da sociedade e construiu uma rotina própria de vida.
(FRAGA, 2002, p. 291).

No Movimento Estudantil encontramos a atuação de vários partidos


políticos, que vão se diferenciando e agindo de acordo com sua intervenção
política dentro da universidade. Os partidos políticos de esquerda fizeram do
Movimento Estudantil uma prioridade, um espaço importante para suas práticas
políticas estratégicas.
Nesse sentido é importante identificar a influência dos partidos,
tendências e agremiações políticas nas ações políticas dos líderes estudantis.
Sobre o assunto, de acordo com Foracchi:

A politização da massa estudantil só pode ser compreendida


como expressão da eficiência do trabalho partidário. Já vai
longe o tempo em que o estudante se desinteressava das
questões políticas e preocupa-se, tão somente, com ser um
“bom estudante”, como querem os círculos tradicionalistas. Foi
durante a vigência do Estado Novo que as manifestações
estudantis se revestiram de conotação política. Formou-se,
progressivamente, entre os jovens estudantes, de então, uma
compreensão mais nítida e política dos problemas nacionais,
76

não sendo diminuta a responsabilidade que, nesse processo,


tiveram os grandes partidos nacionais que lideraram a reação
organizada ao Estado Novo. (FORACCHI, 1977, p.227).

Portanto, foi inaugurada uma nova fase no ME, a partir da organização


dos militantes em tendências. Segundo FERREIRA: “A palavra tendência é o
mesmo que: inclinação, vocação, pendor, força que determina o movimento de
um corpo, intenção, disposição”.32 Apesar de esse ser um conceito geral do
termo, nos movimentos sociais e populares, tendência é uma inclinação,
aproximação com determinadas teorias e práticas, a forma de agir de
determinado grupo e com o comportamento deste no movimento, ao existir
afinidade do estudante com a forma de conduzir as lutas e de pensar de um
grupo, isso significaria ter uma tendência para este grupo, independente de ser
filiado ao partido político que orienta este pensamento político. De acordo com
ANDRADE:

A tendência estudantil é um canal informal de organização dos


estudantes; é através dela que as lideranças estudantis
elaboram o conteúdo político e reivindicativo que serão
encaminhados pelas entidades. (ANDRADE, 1994, p. 30).

O movimento estudantil no Rio Grande do Norte apresentava uma


pluralidade de pensamentos, seu comportamento, suas posturas políticas
variavam de acordo com o grupo ou tendência que dirigia e representava a
entidade estudantil em determinado período.
Houve um momento em que o movimento estudantil ficou apático,
conservador, porque foi dirigido por grupos atrelados aos interesses
governistas, que não questionavam, criticavam ou se posicionavam contra o
ataque a educação, aos interesses dos estudantes e da sociedade. Porém,
também podiam assumir posições contestadoras, ativas, participativas na
defesa das bandeiras de luta mais amplas, no apoio, na solidariedade com as
lutas gerais da população e dos movimentos populares.
A politização e envolvimento da maioria dos estudantes nos
encaminhamentos da entidade estudantil são resultados da aproximação dos
32
FERREIRA apud (ANDRADE, 1994, p.30.)
77

representantes com o conjunto de estudantes da UFRN, conduzindo um debate


interno no movimento, apresentando as propostas da entidade para a
universidade, propiciando a adesão dos jovens, nas atividades políticas, pois
de acordo com Britto:

A mocidade é parte importante das reservas latentes que se


acham presentes em toda a sociedade. Dependerá da
estrutura social, essas reservas (e quais delas), se as houver
serem mobilizadas e integradas numa função. (BRITO, 1968,
p.77).

Ao estudar as posturas políticas assumidas pelos estudantes


universitários no início dos anos 80 e a condução das reivindicações,
manifestações, até as lutas por democracia, é indispensável entender a
dinâmica estudantil, bem como a tendência que condicionou determinada
atitude. Conforme VIANA:

No Movimento Estudantil, as tendências são de fundamental


importância para preservar sua dinâmica e manter sua
vivacidade. As tendências existentes no interior do Movimento
Estudantil podem variar de concepções ultra-revolucionária a
tendências mais conservadoras ou reacionárias. Geralmente,
os estudantes organizados em tendências políticas fazem parte
de algum partido seja de esquerda ou direita, ou a grupos
organizados, como os anarquistas, por exemplo. Sendo que a
atuação das entidades está intimamente ligada as concepções
do grupo político que está dirigindo ou possui maioria na
direção. Mas quando há momentos de crises políticas, seja no
âmbito nacional ou local existe uma tendência para a unidade
dessas correntes políticas para enfrentar com maior força os
problemas colocados. (VIANA, 2002, p.50)

Portanto, ao analisarmos o Movimento Estudantil, suas principais metas


e atitudes, assim como sua intervenção nas questões de âmbito mais geral,
problemas que afligiam toda a população, é interessante ressaltar a orientação
política que influencia ou que determinou o comportamento do movimento, as
diferentes formas de agir para atingir objetivos, na maioria das vezes, comum.
78

33
As tendências políticas se dividiam a partir de sua concepção tática e
estratégica na sociedade e nos movimentos sociais. O PCB, o PC do B e o
MR8, que atuavam internamente no PMDB, tinham uma concepção etapista da
revolução brasileira. Esses grupos políticos entendiam que naquele momento
político processava-se a primeira etapa da revolução brasileira- a revolução
democrática nacional burguesa (ou nacional democrática burguesa, na visão
do MR8). No entanto, só após ser concluída a primeira etapa é que
passaríamos para a etapa socialista.
De outro lado estavam as organizações de esquerda que atuavam no
PT. Esses grupos tinham uma concepção do caráter socialista da revolução
brasileira. Eles procuravam romper com a visão etapista da revolução
brasileira. A democracia não era entendida como um “estágio” pré-socialista,
mas como elemento inseparável e intrínseco ao socialismo. Para essas
organizações internas ao PT a revolução brasileira necessita de sindicatos
fortes, de um partido político poderoso que trave a sua luta ideológica e
cultural, como também conquiste posições nas instituições do Estado.
Moisés Domingos34 presidiu a primeira gestão eleita diretamente
durante, ainda, o regime autoritário. No entanto, ele apontou alguns limites da
sua gestão naquele período:

Todas as correntes de esquerda procuravam estar dentro das


entidades estudantis. Nós avaliávamos na época que ao final
da nossa gestão nós havíamos politizado demais o movimento
estudantil e esquecido as manifestações mais específicas dos
estudantes. Então, nós tínhamos poucas atividades voltadas
para a vida estudantil. Falar de problemas específicos, da
necessidade do estudante, se isso não estivesse ligado a uma
bandeira política para nós não teria interesse. Nossa gestão foi
historicamente expressiva, a nossa preocupação era levar
manifestação para a Praça John Kennedy, no Centro da
cidade. Era fazer as manifestações de protesto. 35

33
Sobre esse assunto ver (SILVA, 1987.)
34
Moisés Domingos foi presidente do DCE em 1979. Filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT).
Atualmente é sociólogo e professor da UFRN.
35
(DOMINGOS SOBRINHO, 2008.) – Documento Sonoro
79

Dentro dos partidos políticos, as tendências faziam discussões sobre a


sua política para os diversos espaços sociais. No campo da educação, da
cultura, da universidade, tudo era primeiramente discutido no partido e
colocado em prática dentro dos movimentos sociais. As posições do partido
eram encaminhadas nas entidades estudantis pelas tendências políticas.
A luta contra o capital, o latifúndio, contra os banqueiros, a política do
regime autoritário e sua intervenção na dinâmica interna da universidade
estava presente na ação dos grupos políticos. Nas questões internas da
universidade, a defesa de um ensino público, gratuito, de qualidade era um dos
pontos centrais dos estudantes. No entanto, o modo de agir de cada tendência
era diferente.
No movimento estudantil existia uma disputa entre o PCB, que fazia
parte da velha tradição comunista, e o PT, recém criado em 1980. Existiam
tendências políticas de diferentes grupos dentro do PT. A Viração, que era uma
tendência política de um grupo próximo ao PC do B, entre outras. Antenor
Soares de Medeiros36 comentou sobre a forma como que a tendência que ele
fazia parte entendia o movimento estudantil:

Nossa tendência, Viração, sempre procurou combinar a luta


mais geral, a luta pela redemocratização com os interesses
mais específicos dos estudantes, então a gente mostrava que
não havia dicotomia, não existia porque separar. Lutar por
redemocratização, por mais verbas na universidade, por
melhores condições de ensino. Exatamente combinando a luta
da redemocratização com as questões do interesse mais
específico dos estudantes, desde a falta do professor na
disciplina, a falta de materiais didáticos. A questão do
restaurante universitário, a questão de esporte, cultura, lazer.
Então essa combinação foi a forma que desenvolvemos no
movimento estudantil daquela época. 37

36
Antenor Soares de Medeiros foi do CA de Direito e do DCE nos 1980. Atualmente é
Advogado e Procurador do Estado. Membro do PC do B.
37
(MEDEIROS, 2008.) – Documento Sonoro
80

A maior parte dos grupos queria que com o fim do regime autoritário
ocorresse uma revolução, uma ruptura. O PCB entendia que o processo de
transição gradual e lenta, não terminaria numa revolução, mas num processo
de redemocratização.
A concepção de algumas correntes políticas, na época, é que a
revolução aconteceria em pouco tempo. Eram lidos e repetidos muitos livros,
documentos de Lênin. Falava-se muito em socialismo, em ter um país
socialista. Segundo reflexão de Moisés Domingos: “Nós falávamos muito em
revolução, em socialismo, mas nunca elaboramos o que era isso. Repetíamos
muito Lênin. Muitos documentos da esquerda eram documentos mecanicistas
sobre a realidade”.
A visão do PCB sobre o processo político da época era diferente dos
outros partidos de esquerda. Nesse sentido, a maioria dos partidos o
chamavam de reformista, pois ainda no período da luta armada contra o regime
autoritário o PCB formulou uma política que condenava a luta armada e o
enfrentamento direto com a ditadura como táticas de ação dos comunistas. Os
comunistas do PCB sempre desenvolveram políticas no sentido de favorecer a
organização do movimento de massas.
Isso significava, para o PCB, participar dos sindicatos, dos processos
eleitorais, das associações dos moradores, de mulheres, do movimento negro,
ou seja, do movimento cultural como o cineclube. A idéia que se tinha era de
fazer uma frente ampla contra o regime militar, incorporando à esquerda,
liberais e setores conservadores que tivessem algum interesse na
redemocratização do país. Segundo João Emanuel Evangelista:38

Então essa política terminava aglutinando as pessoas que


fizeram parte da diretoria do DCE, que foram depois recrutadas
para o PCB e em razão da ação que nós desenvolvemos no
DCE, conseguimos aglutinar grupos de vários alunos para o
movimento estudantil em vários centros, centro de tecnologia,
centro de ciências sociais aplicadas, o Centro da Saúde, o
interior.39

38
João Emanuel Evangelista foi presidente do DCE nos anos 1980. Era membro do PCB nesse
período. Atualmente é filiado ao PT. Sociólogo, Cientista Político e Professor da UFRN.
39
(EVANGELISTA, 2008.) – Documento Sonoro
81

Na gestão de João Emanuel Evangelista, do PCB, ocorreu uma grande


greve, na qual o PCB sempre buscava mobilizar para ter forças para negociar.
O objetivo seria obter conquistas com um processo de negociação. Esse era
um ponto de vista que se diferenciava dos outros grupos políticos, por isso
repercutia na ação dentro dos diretórios acadêmicos. Conforme argumenta
João Emanuel Evangelista:

Fizemos uma greve, foi a primeira greve que foi feita na


universidade, inclusive com uma pauta local, de reivindicações
locais, específicas aqui da UFRN. E nós tínhamos esse direito
por causa da diretoria do DCE. Mas o PT tinha a maioria do
conselho de representantes. Ficava na verdade uma tentativa
sistemática do conselho de representantes substituir a diretoria
do DCE na direção política da greve. Então, nós éramos
minoria entre as forças que controlavam os aparelhos das
entidades estudantis, mas éramos maioria em relação à
vontade dos estudantes. 40

Foi construída a greve, as manifestações para se abrir um espaço de


negociação com o Reitor, que na época era o professor Diógenes da Cunha
Lima. As questões que não puderam ser resolvidas localmente foram levadas
ao Ministério da Educação através de uma pauta de reivindicações.41
Durante o processo de negociação, houve momentos de grande
impasse, de um nível grande de acirramento nessa reunião com o Reitor,
gerando conflitos entre a direção do DCE e o comando de greve. Nesse
sentido, esse era um dos grandes embates entre os grupos políticos. De um
lado, grupo que defendia a negociação e de outro, o enfrentamento.
No início da década de 80, na administração do Reitor Genibaldo
Barros42, ainda no regime autoritário, os estudantes tiveram de enfrentar,
devido a uma política nacional de corte de verbas para o ensino superior no
país, uma ameaça constante de cobrança de taxas na universidade, a
possibilidade de aumentar o preço do restaurante universitário, gerando uma
crise dos direitos dos estudantes e um sentimento de oposição ao governo,
representado na universidade através da administração central.
40
(EVANGELISTA, 2008.) – Documento Sonoro
41
Até o término do nosso trabalho não tivemos acesso a essa pauta de reivindicações.
42
Sucessor de Diógenes da Cunha Lima. Sua administração foi de 1983 a 1987.
82

Diante desse contexto de resistência e luta pelo fim do regime autoritário


43
no país, que ocorreu o processo de Ocupação da Reitoria na UFRN em
1984. A universidade estava passando por um período difícil, de constantes
cortes de verbas, ameaça de fechamento das residências e restaurantes
universitários. Portanto, foi devido à portaria 62/84 do MEC, prejudicando
diretamente o acesso dos estudantes carentes ao restaurante universitário, que
surgiu a demanda para a Ocupação da Reitoria.
A ocupação se deu depois de esgotadas todas as tentativas de
negociação. Foi um momento de radicalização máxima dos estudantes na
UFRN, durou seis dias e só acabou depois que foi suspensa por 45 dias a
portaria44 que aumentava o preço do restaurante. Durante a ocupação, na
Reitoria, foram organizadas comissões, como também instalado o Comando
Geral de Ocupação.45
No decorrer dessa assembléia permanente que foi a ocupação, os
residentes universitários foram fundamentais na construção desse fato político.
Os residentes eram a parcela de estudantes diretamente afetada com a
portaria do MEC, em conjunto com as lideranças estudantis, diretores e não
diretores de entidades, mantiveram a ocupação funcionando, cozinhavam,
dormiam no local, realizavam atividades culturais, participavam das comissões
e conquistaram a adesão dos estudantes que não eram residentes.
Essa manifestação política envolveu várias personalidades públicas do
Estado. Desde políticos, religiosos, professores, funcionários, como, também, o
movimento recebeu apoio de outras Universidades Federais, DCE´s e da UNE.
Algumas das lideranças da ocupação foram processadas,46 o que levou os
estudantes a fazerem atividades contra o inquérito. Houve um ato político e
cultural no dia 08 de maio de 1984, na Praça Padre João Maria, com

43
Sobre o assunto ver (MAIA, 2003)
44
A portaria Ministerial no 62 de 05 de fevereiro de 1984, segundo relatório do pró-Reitor de
Assuntos Estudantis Jaime Mariz e 15 de fevereiro de 1984, de acordo com a Tese de Carlos
Alberto Nascimento de Andrade, sendo que não foi possível identificar a data correta. Esta
permitia que, de acordo com as disponibilidades orçamentárias de cada universidade, se
subsidiasse em até 70% o preço das refeições para os alunos considerados carentes.
45
Nesse período o DCE era presidido por Christian Lira, membro do PC do B. Nas Residências
Universitárias existia uma grande influência dos grupos ligados ao PT.
46
Os estudantes processados foram Hugo Manso Júnior, Hermínio Pereira de Melo, Fernando
Wanderley Vargas, Manoel Joseane Mafra de Carvalho, José Evangelista Fagundes, Fernando
Antônio S. dos Santos, Edmilson Lopes Júnior e Soraya Godeiro Massud.
83

exposições sobre a ocupação, shows, capoeira, música, teatro e passeata pelo


centro da cidade.
A ocupação mexeu com a sociedade potiguar, repercutiu em todo Brasil.
Os estudantes foram notícias nos principais jornais da cidade. A população
acompanhou atentamente passo a passo da negociação para a saída dos
estudantes do prédio da Reitoria.
O PCB, o chamado Partidão, não era a favor a Ocupação da Reitoria.
Sempre defendeu a negociação em detrimento do confronto, da radicalização.
Inclusive, durante todo o processo, defendeu a saída dos estudantes do prédio
da Reitoria. No entanto, os outros grupos não concordavam com essa postura
política. A concepção que a maior parte das tendências do movimento
estudantil tinha era refletida nesse poema do Informativo Clarear, da época,
texto do universitário Vanduí Guedes:47

Qual a direção que precisa o Movimento Estudantil?


O poeta responde:
Precisa de uma direção
Que não pare de lutar
Que seja bem coerente
Com seu modo de pensar
Saindo da Teoria
Ocupando a Reitoria
Na hora que precisar.
Uma direção disposta
Com fome de Trabalhar
Pegando a Universidade
Lutando pra transformar
Unindo com professores
E com os trabalhadores
Para poder conquistar.48

Nos anos 1980, as eleições no Brasil se davam através do Colégio


Eleitoral. Na universidade, as chapas que concorreram ao DCE, nesse período,
direcionavam o movimento estudantil a um forte debate sobre a atuação dos
estudantes frente a essa forma de eleição. Sobre esse assunto, de acordo com
Fernando Soares dos Santos49: As chapas eram identificadas com as que
queriam participar do colégio eleitoral e as que iam boicotar o colégio eleitoral.
47
Militante estudantil nos anos 1980. Poeta.
48
Texto retirado do Informativo Clarear da época segundo o universitário Vanduí Guedes, jun.
1985.
49
Fernando Soares dos Santos foi militante estudantil nos anos 1980. Era membro da
Tendência Convergência Socialista do PT. Atualmente é professor e membro do PSTU.
84

A discussão era em torno dos projetos políticos que eram apresentados para o
país na época”.50
Em entrevista com o estudante e dirigente político da época, Hugo
Manso51:, este comentou sobre as eleições “Diretas” para o governo do Estado
em 1982. Lembrou que a votação se deu através de chapa, ou seja, o voto
tinha obrigação de ser em todo o partido, o voto era vinculado. Dessa forma,
partidos pequenos, como era o caso do PT, que ainda era novo, surgido em
1980, em comparação aos outros existentes e organizados há mais tempo,
inclusive formado por oligarquias conservadoras e herdeiras dos governos
militares, saiam prejudicados, onde também forças de esquerda, como o PC do
B, PCB e MR8, que atuavam no PMDB, eram levadas a votar e apoiar todos os
candidatos desse partido político.
Nessa efervescência que vivia o país, da retomada das lutas e
mobilizações populares, foi que os estudantes em conjunto com vários outros
segmentos da sociedade resolveram questionar a eleição através do colégio
eleitoral. Nesse instante de inquietação, a reivindicação se dava em torno das
eleições “Diretas” para presidente. Era questionada a participação popular nas
decisões políticas, principalmente na escolha do representante máximo do
país: o presidente da República. Segundo Costa:

O tema da democracia ganhou centralidade no período


compreendido como transição brasileira, o que parecia
surpreendente visto que a centralidade das demandas por
democracia conviviam com um cenário de crise econômica e
recorrente processo inflacionário. (COSTA, 1998, p. 57).

A população questionava o voto como uma forma de participação


mínima na sociedade. Nessa luta pela redemocratização do país, nascia em
todos os lugares a campanha pelas “Diretas Já”, em todos os cantos e cidades
as ruas eram ocupadas por passeatas, atos públicos, inúmeras atividades

50
(SANTOS, 2003.) – Documento Sonoro

51
Hugo Manso foi presidente do DCE nos anos 1980. Filiado ao PT. Atualmente é Engenheiro
Mecânico.
85

políticas, como a entrega de panfletos, exigindo eleições “Diretas” para


presidente do Brasil.
Os estudantes ligados ao movimento estudantil, conforme o informativo
do DCE52 organizaram um comitê pró- diretas para presidente que contou com
a participação de vários movimentos da sociedade. Havia uma agenda política
que se dava nacionalmente, no confronto ao regime autoritário, a busca do
retorno das liberdades democráticas no país e na universidade.
A campanha pelas “Diretas”, no Rio Grande do Norte, assim como em
todo Brasil, foi muito forte, envolveu os movimentos de esquerda do estado,
além de outros setores da sociedade norte riograndense, de acordo com
Patrício:

Com relação ao PMDB local, só após a deflagração da


campanha é que os políticos desse partido aderem às ‘Diretas’,
com sua participação muito tímida e restrita aos grandes
comícios. (PATRÍCIO, 2002, p. 04).

Portanto, os estudantes universitários, segundo Andrade (1994),


participaram ativamente do processo de “Diretas”. O DCE em conjunto com os
sindicatos e demais entidades agiram através de grandes passeatas,
manifestações em toda a cidade, sendo agentes importantes desse processo
político e histórico. (ANDRADE, 1994, p. 76).
De acordo com Christian Lira de Vasconcelos53, presidente do DCE, à
época54, a participação dos estudantes nos atos em defesa das ‘Diretas’ foi
muito grande. O primeiro ato teve cerca de cinco mil pessoas no centro da
cidade. Esse ato foi realizado fundamentalmente a partir de uma mobilização
estudantil. A maioria, cerca de 80% a 85% dos manifestantes, eram
estudantes.
Foi também realizado nesse período, a partir de uma luta estudantil, um
ato político de grande repercussão na cidade, realizado em frente ao antigo

52
Ibid.
53
(VASCONCELOS, 2003.)- Documento Sonoro
54
1984.
86

Palácio do Governo, no centro da cidade. Os estudantes estavam tratando de


uma questão específica reunida em assembléia, na Faculdade de Medicina.
No pátio da Faculdade de Medicina, a polícia chegou e cercou o local,
proibindo os estudantes de fazerem qualquer manifestação de rua, pois
naquele momento tinha saído um Decreto de Arrocho Salarial. Quiseram proibir
os estudantes de saírem nas ruas naquele dia, porém, conforme Christian Lira
de Vasconcelos55, todos tinham em mente realizar de fato aquela manifestação,
no entanto:

A proibição da polícia acirrou os ânimos, objetivamente a gente


tinha que encontrar uma forma de levar as nossas vozes a se
somarem com as vozes de milhares de outras vozes, que
naquele momento no país iam as ruas protestar. Então
cercados pela polícia, nós não conseguíamos encontrar uma
alternativa, até que um estudante, que não fazia parte inclusive
da diretoria de entidade, deu uma dica para o Conselho de
Entidades, que estava reunido lá na Faculdade de Medicina
discutindo como fazer, o que fazer. Ele disse: Por que nós não
saímos daqui em pequenos grupos e nos encontramos
novamente no centro da cidade? E foi assim que foi feito, no
carro de som a gente anunciava que a manifestação estava
cancelada, que não haveria mais passeata pelas ruas, mas por
baixo, nos bastidores, até onde eu vi, as pessoas começaram a
conversar uma com as outras, os diretores de entidades, e
saíram em pequenos grupos de três, quatro pessoas, todo
mundo em direção ao centro da cidade. E fizemos na verdade
um grande ato (...). 56

Sobre as “Diretas Já”, Fernando Soares dos Santos, que fazia parte do
movimento estudantil na década de 80 comenta: “Aquele foi um movimento
importante, tem até uma marchinha que a gente cantava muito, questionava o
regime militar, que a gente chamava as pessoas para se preparar para
derrubar o regime militar, que a votação seria em abril!”.

João, chegou a hora da eleição


A gente pede ele não dá
Tudo bem deixa pra lá
Como é que vai ficar
Em abril, o Brasil todo vai parar
Para acabar com a ditadura militar.”57

55
Christian Lira de Vasconcelos foi presidente do DCE em 1984. Membro do PC do B.
Jornalista e Servidor Público.
56
(VASCONCELOS, 2003.)- Documento Sonoro
57
(SANTOS, 2003.)- Documento Sonoro
87

Portanto, no dia 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves, um opositor do


regime autoritário, foi eleito presidente pelo Colégio Eleitoral. Tancredo foi
lançado presidente da República pelo PMDB e dissidentes do PDS, que
formaram a Aliança Democrática. O PDS lançou Paulo Maluf.
No Estado, de acordo com ANDRADE:

O apoio a Tancredo Neves, pela ‘Aliança Democrática’, esteve


a cargo dos Alves, dos militantes independentes do PMDB e
dos partidos de esquerda (PC do B, PCB e MR8). O PT
assumiu a posição nacional do partido, boicotou o Colégio
Eleitoral. (ANDRADE, p.76, 1994).

Em 1985 em Natal, tiveram eleições para a prefeitura da cidade. O DCE


da UFRN realizou um grande debate entre os candidatos. No Ginásio do
Campus, mais de cinco mil pessoas comparecem. Todos os candidatos
estiveram presentes: Garibaldi Filho, Hugo Manso, Miriam de Souza, Wadson
Pinheiro e Vilma Maia58. A comunidade universitária pôde conhecer os
programas de cada candidato59.

O ano de 1985, segundo informativo do DCE, foi um ano de debate


sobre o pensamento de Tancredo para a Universidade. Os estudantes
enfrentavam além de problemas educacionais, de verba para restaurante,
residência universitária, problemas de segurança no campus, transporte. O
asfalto que dava acesso ao campus era precário, os estudantes reivindicavam
orelhões no campus, entre outras questões.

O DCE, em junho de 1985, no SESC, entregou ao Ministro da Educação


Marco Maciel um documento reivindicando democracia e suplementação de
verbas para a UFRN60. Em agosto de 1985, o DCE, em parceria com a

58
Garibaldi Filho pelo PMDB, Hugo Manso pelo PT, Miriam de Sousa pelo PTB, Wadson
Pinheiro pelo PDT e Vilma Maia pelo PDS.
59
Folha Acadêmica, Órgão Oficial do Diretório Central dos Estudantes, outubro de 1985.
60
Ibid.
88

ADURN e AFURN realizou um Seminário de Reforma da Universidade, no qual


ocorreram importantes debates a cerca da democratização da universidade.
Nos anos 80 o momento foi de retomada das lutas estudantis e sociais.
O movimento estudantil voltou a se organizar, mobilizando a juventude
universitária em todo país, tendo como objetivo fortalecer as entidades
estudantis, o crescimento da participação política dentro e fora do âmbito
acadêmico.
O envolvimento do movimento estudantil universitário no processo de
redemocratização do Brasil e do Rio Grande do Norte, desde a participação na
luta pela anistia, contra o regime autoritário, pela abertura política e por
eleições “Diretas” para presidente, foi fundamental na conquista de liberdades
democráticas e o direito a organização política partidária no país.
Apesar de naquele momento a votação no Congresso pelas “Diretas”
não ter sido vitoriosa, a emenda Dante de Oliveira, que previa as eleições
“Diretas” não ter sido aprovada no Congresso Nacional, entretanto, só foi
possível conseguir a concretização dessa bandeira de luta política alguns anos
depois, é impossível negar a relevância desse fato, a participação e o
engajamento político da juventude do movimento estudantil na busca de
ultrapassar os muros da universidade.

3- ANALISANDO AS PRÁTICAS CULTURAIS DO MOVIMENTO


ESTUDANTIL NA UFRN NOS ANOS 1980

A discussão conceitual sobre cultura envolve várias abordagens,


complexidades e disputas. As práticas culturais dos estudantes no final dos
anos 1970 e nos anos 1980 na UFRN aconteciam integradas a manifestações,
atividades e movimentos políticos.
Os eventos de arte e cultura, as produções no campo do teatro, da
música, das artes plásticas, da literatura tinham uma dimensão política, sendo
89

usados como instrumentos para criticar e contestar o regime autoritário, como


também a falta de democracia dentro e fora da UFRN.

3.1- (Re) Visitando a literatura sobre cultura e práticas culturais

Entendemos que a abordagem sobre cultura é bastante complexa,


envolvem análises e conceitos que buscam refletir as disputas teóricas que
existem no campo das Ciências Sociais. Muitos autores ao trabalharem com o
conceito de cultura tendem a busca de uma cultura dominante, hegemônica de
um lado, ou da cultura popular, autêntica de outro. E ao pensarem dessa
forma, acabam conseguindo obscurecer a vitalidade da cultura como
expressão da experiência vivida no sentido de um duplo movimento de
contenção e resistência que ela carrega.
Muitas discussões a respeito da cultura envolvem a questão do popular,
de uma cultura popular pura sendo essa, para alguns autores, antagônica e
separada da cultura dominante. Para Gramsci a cultura popular é aquela
"criada pelo povo e apoiada numa concepção de mundo e da vida toda
específica, que se contrapõe à concepção de mundo hegemônica”. (GRAMSCI,
1979, p. 184) Na perspectiva gramsciana, segundo Chauí:

O popular na cultura significa, portanto, a transfiguração


expressiva de realidades vividas, conhecidas, reconhecíveis e
identificáveis, cuja interpretação pelo artista e pelo povo
coincidem. Essa transfiguração pode ser realizada tanto pelos
intelectuais “que se identificam com o povo” quanto por aqueles
que saem do próprio povo, na qualidade de seus intelectuais
orgânicos. (CHAUÍ, 1990, p. 88.)

Indo além nessa reflexão, Hall (2003) sugere que não há um sujeito
determinado (o povo) ao qual atrelar a cultura popular, mas o que conta é “a
capacidade de constituir classes e indivíduos enquanto força “popular” contra o
bloco de poder”. Compreendemos que “povo” não é uma categoria
homogênea. Existem vários grupos e interesses entre as diferentes culturas e
classes sociais que compõem o chamado “povo”.
Para Hall (2003), quando critica que no centro da linha que polariza o
90

terreno da cultura, o antagonismo povo versus o bloco do poder é o que


precisa ser afirmado em vez de “classe contra classe”. Para o autor, tanto não
há um conteúdo fixo para o conceito de “popular” como o de “povo”. “As
culturas de classe tendem a se entrecruzar e a se sobrepor num mesmo campo
de luta. O termo “popular” remete a esse relacionamento entre a cultura e as
classes, se referindo com mais precisão às alianças de classes e forças que
constituem as “classes populares”.
Por mais que existam interesses em torno da manipulação da cultura,
que haja uma oposição entre cultura popular e a cultura da classe dominante,
que ambas apresentem elementos conflitivos e antagônicos, a cultura popular é
disputada por elementos da cultura dominante e das classes subalternas.
Segundo Hall, as transformações se situam no centro do estudo da
cultura popular, pois entender a cultura popular apenas como tradição ou
destruição de estilos específicos de vida e sua transformação em algo novo, é
não perceber um duplo interesse existente na cultura popular, o duplo
movimento de conter e resistir, que inevitavelmente se situa no seu interior. De
acordo com Hall:

A Cultura Popular não é, num sentido “puro”, nem as tradições


populares de resistência a esses processos, nem as formas
que as sobrepõem. É o terreno sobre o qual as transformações
são operadas. (HALL, 2003, p. 248-249)

Percebemos que, no campo da Ciência Política, a cultura foi estudada e


interpretada a partir da divisão das classes sociais. De um lado, uma cultura
dominante e de outro uma cultura que apenas recebia influência e nada tinha a
influenciar, a cultura dos dominados. Porém, hoje existe a discussão que
analisa a cultura através da circularidade, da troca, da disputa pela hegemonia
em seu interior.
Há uma circularidade da cultura, uma cultura que não é homogênea,
uma cultura que está em uma disputa constante entre as classes sociais.
Conforme Bosi, engana-se quem pensa, partindo de uma visão genérica da
cultura popular, que ela seja homogênea e que diga sempre as mesmas
91

coisas. “Cultura popular é a cultura que o povo faz no seu cotidiano e nas
condições em que ele a pode fazer”. (BOSI, 1997, p. 44).
A cultura se constrói fazendo. Nas práticas e costumes cotidianos a
cultura é produzida e reproduzida, criada e recriada. O objetivo, segundo Bosi
(1997) é analisar a Cultura como processo, cultura como trabalho, cultura como
ato- no –tempo: este é o fio da meada.
O autor entende a cultura como trabalho, ação constante, práticas
construídas socialmente. Comparando com outras formas de pensar a cultura,
o autor aponta que a cultura dos pobres seria um nada, eles precisariam obter
aqueles bens para serem cultos. O que é oposto à idéia de trabalho, porque,
nesta, todos têm acesso à cultura: não se trata mais de um problema de
classe, o ser humano será culto se ele trabalhar; e é a partir do trabalho que se
formará a cultura. É o processo e não a aquisição do objeto final que interessa.
Toda produção cultural humana é uma ação social. A cultura é
assimilada a partir de modelos sociais estabelecidos. As experiências artísticas
são manifestações culturais se entendermos a cultura como o lugar da
realização da expressão humana, em um processo de criação simbólica da
realidade, do tempo e espaço em que estamos inseridos. Através de processos
culturais específicos a sociedade vai sendo criada e recriada. A identidade
humana se constrói em sua prática cultural, afirmando que está dentro de um
contexto, de uma época, de um grupo e vida social.
Neste sentido, as mudanças na sociedade se darão a partir de uma nova
prática humana. A realidade pode ser aos poucos modificada por meio de
relações e interações sociais, repensando a cultura, os costumes, valores,
comportamentos, atingindo novos padrões, avançando numa perspectiva de
discutir as estratégias de dominação de um grupo sobre outro, alcançando
outras formas de organização através da dimensão e de um enfoque cultural.

3.2 As práticas culturais do Movimento Estudantil na UFRN nos anos 1980

Os anos 1980 foi um período para o movimento estudantil na UFRN em


que as principais idéias políticas eram de esquerda, socialistas, falava-se muito
em revolução. A luta pós-anistia, de surgimento de novas forças políticas, do
Partido dos Trabalhadores, de centrais sindicais, movimentos feministas,
92

ambientalistas, eram vários os movimentos, as idéias que permeavam essa


época.
O “novo sindicalismo” no final dos anos 1970 surgiu após anos de
repressão do regime autoritário a partir de 1964. Esse movimento sindical
defendia novas práticas políticas, se opondo a todo sindicalismo construído por
setores, que conforme esse “novo sindicalismo” fazia parte do passado de sua
classe.
A noção de o “novo” e o “velho” dentro dos outros movimentos sociais
também eram constantes. O PCB, chamado partidão, representava também no
movimento estudantil uma postura que era interpretada pelos outros grupos de
tradicional, conservadora, conciliadora. Ou seja, era visto como o velho, o
passado. O “novo” estava representado através das várias correntes políticas
do PT, que reivindicavam e monopolizavam esse discurso.
O “novo” tinha que ser diferente, combativo e radical a qualquer ação ou
prática autoritária. Entretanto, a história política e social é marcada por rupturas
e continuidades. Cada momento tem sua especificidade, porém carrega em si,
algumas continuidades com práticas anteriores, muitas vezes compreendidas
como velhas. Nesse sentido, no decorrer do tempo, identificamos que nem tudo
é tão novo ou tão velho assim.
Na sociedade do fim dos anos 1970 e anos 1980 o tema principal era da
luta pela redemocratização do país, a luta pela constituinte, por eleições
diretas, pelo fim do autoritarismo, do regime autoritário. Essas eram as
chamadas bandeiras democráticas da época na sociedade, e dentro do
movimento estudantil se viam essas bandeiras como uma possibilidade, um
momento tático na busca, para a maior parte das correntes políticas, de
caminhar para uma nova sociedade.
No movimento estudantil não era diferente. Essas bandeiras
democráticas estavam presentes. Os estudantes vivenciavam também
internamente um processo de luta contra a repressão, de retorno das eleições
diretas nas entidades estudantis, desempenhando um papel de liderança dos
movimentos sociais no Rio Grande do Norte devido às especificidades locais,
nesse momento político. Christian Lira de Vasconcelos61afirmou que:

61
(VASCONCELOS, 2008.) – Documento Sonoro.
93

Ao lado dessas lutas, obviamente, nós tínhamos as lutas


próprias dos segmentos estudantis. A democratização da
universidade, mais verbas para a educação, a reconstituição da
UNE, a reestruturação do movimento estudantil.

Nesse clima de efervescência, as atividades e produções culturais eram


intensas. Existia uma necessidade de questionar, muitas vezes por meio da
ação cultural, o regime autoritário, como também as questões de âmbito interno
da universidade.
Os eventos que foram organizados, as músicas que eram ouvidas, os
artistas que se apresentavam, os esquetes e peças teatrais que eram feitas,
mostravam produções culturais que tinham uma forma pedagógica de atuação
do movimento, que politizavam, que estavam na agenda da política. Esses
momentos de atividades culturais era uma forma de socialibidade na
universidade, como também da entidade estudantil fazer política.
A discussão sobre a concepção de cultura presente no movimento
estudantil dos anos 1980 passa por uma análise da concepção de cultura nos
partidos políticos de esquerda presentes no movimento. Carlos Nascimento de
Andrade, em entrevista, apontou para o fato de que tudo isso passa por uma
análise dos programas partidários em âmbito nacional. Pois, as determinações
nacionais dos partidos eram implementadas nas cidades, nos bairros, nas
comunidades. A política programática já vinha de cima, sendo colocada em
prática a partir da realidade de cada espaço, das condições objetivas de cada
universidade. Conforme Carlos Nascimento de Andrade:62

Acho que todas as tendências de esquerda viam a questão da


cultura como algo instrumental, como algo pragmático voltado
para a aglutinação dos estudantes... Objetivamente falando, se
for analisar, todas as cartas programas, todas as diretorias do
DCE, desde a primeira, a Arueira, as ligadas ao PC do B, a
Viração. As tendências do PT, o PCB teve presente no DCE,
as tendências que atuaram nos anos 1980, vai verificar que

62
Carlos Alberto Nascimento de Andrade fez parte do ME nos anos 1980. Membro do PC do B.
Atualmente é Professor Universitário.
94

foram as diretorias ligadas ao PCB que mais priorizaram os


aspectos culturais. 63

O PCB priorizava as atividades culturais enxergando na política cultural


uma possibilidade de conseguir uma adesão de grande parte dos estudantes
nas ações promovidas pela entidade estudantil. O evento cultural realizado
pelos militantes desse grupo político tinha um caráter festivo, de socialização,
lazer, não estando direcionado a uma manifestação política.
De acordo com Carlos Nascimento de Andrade, o fato do PCB priorizar a
cultura não queria dizer que eles estavam mais preocupados com essa questão
que as outras correntes, mas a linha política do PCB historicamente foi uma
linha política mais ampla, de alianças. Diferente das tendências do PT, do PC
do B, que tinham uma política de aliança mais restrita, não tinha uma política
mais voltada para as massas, para aglutinação das massas. Já o PCB tinha
uma tática mais de ampliar, de ir além das direções dos movimentos sindicais e
estudantis. Carlos Nascimento afirma que:

O PCB tinha também uma visão instrumental da cultura,


porque na visão do PCB a cultura aglutinava mais estudantes,
as políticas culturais aglutinavam. Essa era a concepção da
PCB. O PCB avaliava o que era uma posição racional,
extremamente racional, que a política cultural atingia mais
estudantes do que uma política de entidade voltada para a
discussão da política nacional, da política partidária. Então
essa era uma discussão instrumental, o PCB achava que o que
aglutinava mais os estudantes era a cultura, não a política. E
isso tinha relação com as táticas que eles tinham ao longo da
história do Brasil. De política ampla, geral e irrestrita.64

O comportamento político do PCB no movimento estudantil era reflexo


da política do partido. Uma política de ampliação, de massas. Nesse sentido, o
PCB atingia uma boa participação em suas atividades, ou seja, era uma tática
política de valorização da cultura em sua dimensão, uma prática bem
elaborada, de atuação no ME.
63
(ANDRADE, 2008.)- Documento Sonoro
64
(ANDRADE, 2008)- Documento Sonoro
95

Em termos conceituais, entre as tendências do movimento estudantil


nunca ocorreu uma discussão mais profunda sobre o que seria a cultura. O que
havia era um eixo programático das chapas que concorriam ao DCE.
Programas políticos que apresentavam uma diretoria de cultura e essa diretoria
era responsável por definir diretrizes para a ação cultural das entidades
estudantis.
Para a maior parte das correntes políticas, a cultura estava diretamente
ligada às questões políticas. O objetivo seria utilizar da cultura como uma forma
de chamar o estudante a participar e se engajar nas atividades promovidas
pela entidade estudantil.
Segundo Adebal Ferreira Silva65 “A primeira idéia era que a cultura
poderia ser usada como forma de conscientização das massas. Primeiro, nós
mudamos as pichações. Em vez de pichar passamos a fazer painéis coloridos.
Depois usávamos o teatro nos atos públicos”. 66
A cultura aparecia com uma vertente instrumental, como um instrumento
de ajudar a mobilização, a politização no meio estudantil. Havia uma referência
na música popular brasileira, em autores e cantores, que cantavam de certa
forma a liberdade, o ideal de uma nova sociedade. A parte cultural era
trabalhada enquanto espaço de agregação dos estudantes, um momento de
lazer. Como afirma Cipriano de Vasconcelos:67

O que a gente tinha como destaque no campo artístico cultural


era a realização de debates temáticos, que misturava um
pouco de discussão cultural. Então a gente fazia um debate
sobre temas políticos, culturais e na época, as sextas-feiras,
em seqüência tinha uma parte mais de lazer, que era uma
boate que existia no centro de Saúde. 68

65
Adebal Ferreira da Silva foi militante estudantil. Atualmente é Advogado e filiado ao Partido
dos Trabalhadores.
66
(SILVA, 2008.) – Documento Sonoro
67
Cipriano Maia de Vasconcelos fez parte do Movimento Estudantil no final dos anos 1970.
Atualmente é Médico e Professor Universitário. Membro do PT.
68
(VASCONCELOS, 2008.) - Documento Sonoro.
96

Os debates políticos eram conduzidos integrados às manifestações


culturais. As temáticas sobre vários assuntos eram debatidas, desde
discussões ligadas à cultura, à educação, à política, e, ao término dos debates,
ocorriam atividades e eventos de música, dança, entre outras. Uma
confraternização entre a juventude da UFRN.
Dentro do Movimento Estudantil, a maior parte dos grupos políticos de
esquerda tinha a cultura na pauta da política. Através de produções e
manifestações culturais, as entidades se posicionavam contra o regime
autoritário, como também contra a falta de democracia nas universidades,
lutavam por mais verbas para a educação e assistência estudantil.
Eram feitos cordéis, charges, poemas, esquetes teatrais, eventos
musicais com o propósito de arrecadar recursos para a participação dos
estudantes em congressos, encontros. Muitas vezes eram combinadas as
atividades culturais com o interesse de levantar verba para a participação em
atividades nacionais.
Jornalzinhos eram lançados com o objetivo de difundir as idéias
presentes na maior parte das tendências de esquerda, que era a luta pela
redemocratização na sociedade, na universidade. Nesses jornais eram comuns
charges e poemas que abordavam a situação do país, fazendo críticas através
da ação cultural.
O PCB (Partido Comunista Brasileiro), segundo depoimento de
entrevistados, priorizava as questões internas da universidade em detrimento
das lutas mais amplas e gerais. Enxergava a cultura na sua universalidade,
dando um valor diferenciado à cultura. Percebendo-a como um fenômeno, uma
manifestação que tem uma importância, uma função própria, que vai além da
política.
No entanto, essa forma de valorizar a cultura, sem necessariamente
direcioná-la a uma manifestação política, fazia parte da própria estratégia do
partido. Por trás dessa postura havia uma tática no Movimento Estudantil, que
em grande parte dava certo, pois aglutinava os estudantes que tinham também
o discurso de se voltarem mais para as questões internas e específicas da
universidade.
Já a maioria das correntes políticas da época, como as internas ao PT, a
ligada ao PC do B, agiam para que, através da prática cultural, a entidade
97

dialogasse, politizasse, se aproximando dos estudantes. A participação política


inúmeras vezes aconteceu através da cultura. Enquanto o PCB afirmava ser
uma corrente que valorizava a cultura pela cultura, os outros grupos viam,
nesse período, conforme depoimentos, a cultura pela política.
Havia duas concepções teóricas que refletiam na condução da política
de cada tendência ao assumir a entidade estudantil. Uma seria da visão
instrumental da cultura, que os militantes do PCB interpretavam como uma
compreensão empobrecedora da cultura, dos artistas e intelectuais. Para as
lideranças desse partido, a cultura é uma dimensão fundamental para formar o
cidadão, já possuindo um valor em si mesmo.
O projeto político do PCB priorizava a cultura sem exatamente direcioná-
la a debates, atividades e manifestações políticas. Realizava atividades
culturais, atraindo os estudantes sem condicionar essas ações à política.
Entretanto, os projetos políticos da maior parte dos partidos de esquerda
utilizavam da cultura para atingir uma maior participação estudantil nas pautas
políticas da entidade e dos movimentos sociais.
Existiam, no entanto, duas formas de recorrer à política cultural. Uma era
mais instrumental, que seria através do panfleto, da atividade política. A outra
seria uma política cultural mais permanente, mais universal, que pensava a
questão da arte como um elemento fundamental para a formação intelectual
dos jovens e dos cidadãos, mantendo uma relação mais sofisticada com a
cultura e com a arte.
De acordo com a maior parte desses partidos, a realidade social que
vivenciavam na época, a cultura, as expressões culturais era uma forma de o
movimento estudantil dar uma resposta ao regime autoritário e a um período
marcado pela necessidade da redemocratização e do retorno às liberdades de
organização, de expressão no país.
Essa cultura, essas práticas culturais estavam inseridas num tempo
histórico, num momento político e social específico. Entendendo, entretanto,
que a cultura é ampla e universal, porém, ela faz parte de um determinado
contexto social, existindo a necessidade de buscar saídas, de criar respostas
para as angústias. Então, diante de um determinado tempo histórico, a cultura
foi utilizada, na maior parte das vezes, pelo movimento estudantil, com esse
intuito de parceria ou mesmo como um instrumento político.
98

As práticas culturais engajadas nas lutas políticas fazem parte da


história de participação do Movimento Estudantil. A parceria do Movimento
Estudantil com os artistas de várias áreas da cultura possibilitou uma
aproximação com a comunidade universitária e com parte da sociedade.
Através de um debate político que foi realizado por diversas formas de
expressão artísticas. Sobre essas práticas culturais, Adebal Ferreira Silva
argumenta que: “Eram debatidas pelos artistas e elaboradas para serem postas
em prática nas assembléias, reuniões e atos públicos”.69
Dentro do espaço político ocupado pelo movimento estudantil, que é um
movimento político e social, a cultura se torna limitada tendo, na maior parte
das vezes, uma função central que é a de transmitir uma mensagem política
através das atividades e produções culturais.
A cultura foi utilizada como um instrumento para alcançar os espaços
sociais, para fazer ouvir a voz daqueles que estavam proibidos de se
manifestar, combatendo os problemas sociais, criticando o regime autoritário
através da peça teatral, da poesia, charge, da literatura de cordel, música etc.
De acordo com Manasses Campos70, um compositor e músico, que fazia uma
militância mais vinculada à cultura no movimento estudantil:

Dentro do Movimento Estudantil tínhamos tudo, desde artista


de circo, poetas, músicos, dançarinos, atores de teatro. Os
estudantes daquela época envolvidos no movimento estudantil
tinham uma vinculação artística. Quando menos se esperava,
alguém que parecia não ter nenhuma habilidade para a arte,
escrevia poemas, já trazia consigo uma alma de poeta, uma
alma de boa atriz.71

Vários artistas faziam parte do movimento estudantil. Cada um


contribuía com a sua arte, o seu talento, a sua boa vontade para a construção
das atividades culturais e políticas. A união da criatividade de jovens
universitários que produziam peças, charges, cordéis com o discurso, a

69
(SILVA, 2008) – Documento Sonoro
70
Manasses Campos foi militante estudantil nos anos 1980. Participou dos Festivais de Música
nos anos 1980. Atualmente é Jornalista, Cantor e Compositor. Filiado ao PT.
71
(CAMPOS, 2008)- Documento Sonoro
99

atuação, a negociação ou enfrentamento de lideranças estudantis,


proporcionou um momento na UFRN de muita produção artístico-cultural.
A esquerda brasileira no período da resistência, inclusive o PCB, sempre
teve uma presença muito forte no mundo intelectual. Com o surgimento do PT,
as diferentes tendências do PT começam a catalisar esses intelectuais.
Sempre houve uma tradição de valorização da cultura.
Essa tradicional valorização da esquerda não era simplesmente no
sentido da instrumentalização da cultura, mas no sentido de perceber a cultura
como um espaço importante, no sentido das abordagens sobre as concepções
de mundo. Através da cultura não só se tinha a possibilidade de fazer
discussões mais gerais sobre a existência humana, mas com a sociedade que
vivia. Cipriano de Vasconcelos comentou que:

O cinema era um grande veículo, nós tínhamos uma grande


vinculação de muitas lideranças do movimento Estudantil ao
Cineclube Tirol72. E a utilização do cinema como um
instrumento, também, de politização.

O cinema foi uma das expressões culturais de destaque nos anos 1980
no país e na cidade. O movimento estudantil organizava encontros que tinham
como objetivo assistir a filmes que geravam um debate intenso sobre assuntos
da vida social e dos problemas que afetavam a população.
Então, o cinema, o teatro, a música, sempre foram recursos muito fortes
dentro dessa tradição. Na cidade de Natal, foi desenvolvido um movimento
intenso dos cineclubes. O chamado cineclubismo era um movimento de
catalisação da sociedade natalense, dos jovens intelectuais, artistas natalenses
que faziam daqueles encontros momentos de discussão sobre os filmes que
73
eram apresentados num processo de politização. Maristela Pinheiro analisou
que:

72
O Cine Clube Tirol foi um projeto realizado por pessoas que, desejando ter acesso a obras
audiovisuais e apreciá-las de forma crítica, se organizaram para viabilizar sessões de cinema.
As pessoas escolhiam o filme que queriam ver e se organizavam para viabilizar uma
programação periódica de filmes. O cineclube é a forma mais democrática de relação público-
cinema. Teve início nos anos 1960, na cidade de Natal.
73
Maristela Pinheiro foi do Movimento estudantil nos anos 1980. Membro do PC do B e
Assistente Social.
100

O Cineclube Tirol era um espaço de cultura que possibilitava


não só reunir jovens para ver filmes, mas para realizar debates
em áreas temáticas importantes, como o projeto Jarí, que eles
viam através do filme Iracema de Bodanzky e depois a gente
viu “Eles não usam Black tié”, e eram cenas que eram vistas, e
eram discutidas num momento que você tinha 19, 20 e 21
anos, e eram jovens que estavam sentados ali num ambiente
cultural, discutindo questões culturais sérias da sociedade.
Esse aspecto da cultura aglutinou muito, inclusive. E era uma
forma jovem também de expressão da cultura. 74

O debate realizado a partir dos filmes que eram assistidos proporcionava


a juventude universitária uma troca de informações sobre diversos pontos de
vista, uma interação dos problemas sociais, como também uma reflexão sobre
o papel da universidade pública no combate a desigualdade e as injustiças
sociais.
Dentro da universidade havia também uma ampla programação de
filmes. Tinha o cineclube do DCE e DAs, que toda semana passava um filme
em todos os setores da universidade. Então existia um trabalho voltado para as
diversas áreas culturais. Como relembra Fernando Mineiro:75

São muitos trabalhos na área cultural, era um componente


muito forte. Como eu era o responsável por essa questão na
diretoria, sempre tive a preocupação muito grande, em não ter
uma relação utilitarista da cultura. Acho que a cultura tem um
espaço específico, ela foca na luta da sociedade. Então, tinham
várias coisas, em particular, que nós tínhamos o privilégio de
ter. Como, por exemplo, filmes nacionais em todos os setores
da universidade. 76:

74
(PINHEIRO, 2008.) – Documento Sonoro
75
Fernando Mineiro foi do Movimento Estudantil e Atualmente é Deputado Estadual pelo PT e
Professor.
76
(MINEIRO, 2008.) – Documento Sonoro
101

Muitos filmes estavam censurados, peças censuradas, músicas. Então


eram passados certos filmes que estavam censurados em um circuito
alternativo. Conforme Fernando Mineiro77 foi elaborado um projeto, que tinha o
objetivo de toda semana os representantes estudantis receberem um filme
nacional. Através de um material simples, criado pelos estudantes que
organizavam essa atividade, circulavam em todos os setores da universidade
passando esses filmes. No Campus da Saúde, na Faculdade de Odontologia,
aconteciam sessões quintas e sextas e com grande participação.
Nessas atividades que os estudantes realizavam referentes ao cinema,
foram passados filmes que depois se consolidaram no mercado. Filmes com
um viés político, de discussão dos problemas sociais. Eram, muitas vezes,
filmes que geravam polêmica na sociedade, por trazerem temáticas que não
eram abordadas constantemente. Como relembrou Antenor Soares de
Medeiros:

Na nossa gestão fizemos também a exibição, que resultou até


na prisão da gente que era diretor na época, que foi o filme Je
vous salue Marie, foi um filme muito polêmico na época.
Naquela época foi uma polêmica muito grande, abordava a
leitura da relação de Jesus Cristo e Maria. Eu me lembro que
também foi uma coisa muito polêmica na universidade. Então
foram momentos que a gente propiciou aos estudantes,
sobretudo os estudantes carentes, os estudantes da residência
universitária.78

A utilização do cinema como forma de criticar ou protestar contra o


regime autoritário e a falta de democracia existente era constante. Filmes
polêmicos eram passados pelo ME com o propósito de serem discutidos entre
os estudantes, os residentes universitários. Essa prática resultou em uma
insatisfação de setores conservadores, que faziam a política do regime
autoritário na UFRN e no Estado, levando à prisão de alguns representantes
estudantis na época.

77
(MINEIRO, 2008.) – Documento Sonoro
78
(MEDEIROS, 2008) – Documento Sonoro
102

O movimento estudantil tinha uma grande força. Possuía um poder de


mobilização forte devido a uma boa quantidade de pessoas politizadas,
pessoas com um nível de conhecimento cultural. Essa formação cultural de
alguns militantes contribuía para que ocorressem nos setores da universidade
concursos de poesia, peças teatrais. Eram momentos culturais intensos.
As calouradas organizadas pelo DCE para recepcionar os novos alunos
contavam, desde o final dos anos 1970, com uma programação ampla que
envolvia apresentações de peças, debate sobre cinema, reforma universitária,
“imprensa alternativa”, finalizando com violeiros, literatura de cordel, shows
musicais etc.
Nos início dos anos 1980, o DCE realizou um ciclo de debates sobre
temas como a seca, a Assembléia Nacional Constituinte e Educação Popular,
cujo convidado foi o professor Moacyr de Góis. A recepção na calourada
contou com o Show do grupo musical de Almir Padilha, apresentação de
mamulengo de Zé Relâmpago e lançamento de livro. Nesse período foi
apresentado o filme de Brecht “A exceção e a regra 79”.
Comemorando o primeiro aniversário da UNE reconstruída, o DCE
promoveu uma campanha pró-filiação, na tentativa de fortalecer a entidade
máxima de representação estudantil no país, além de outras atividades. Era um
momento de discutir sobre a importância da reconstrução da UNE e filiar o
maior número de estudantes às entidades estudantis.
Durante esse ano foi convocada uma audiência dos estudantes com o
Reitor, no dia 02 de junho de 1980, com o interesse de conseguir a cessão de
um maior número de passagens para a SBPC no Rio de Janeiro. Do dia 02 ao
dia 04 de junho de 1980 ocorreu um debate com o prof. Mário Schemberg,
sobre o tema: Universidade, Tecnologia e Dependência Cultural. O dia 06 de
junho teve o filme “Matou a família e foi ao cinema”, de Júlio Peçanha,
promovido pelo cineclube do DCE e Das, houve nesse mesmo dia a reabertura
da Boite ”Carcará80”. No dia 08 o tema foi o Movimento Estudantil Local e
Nacional, onde foram convidadas todas as entidades estudantis do Estado.
O movimento cultural que havia na UFRN possuía grande expressão
fora da universidade. Eram eventos que tinham uma visibilidade social,

79
DCE-ESPECIAL- BALANÇO GERAL, novembro de 1980.
80
Boletim do DCE-UFRN, 1980.
103

ocupando capas de jornais, matérias. Havia uma repercussão, mexia com a


vida da cidade. Segundo Fernando Mineiro:

Só para se ter uma idéia, é importante lembrar os grandes


eventos juninos. Na época junina em Natal, tinham grandes
eventos na universidade. Além dos eventos nos bairros
tradicionais, o São João da universidade era um grande
evento.81

Nos anos 1980, na época junina, um dos eventos que mobilizava a


sociedade era o São João na universidade. Era o point da cidade esses
eventos juninos realizados na universidade, organizados pelas entidades
estudantis. Além disso, todos os encontros nacionais, como o da SBPC, tinham
um caráter bastante cultural.
Outra vertente importante entre as atividades culturais e atividades
políticas era a literatura, ou seja, durante o regime autoritário a atividade
cultural ia de encontro diretamente à crítica da censura, da limitação, da
liberdade de expressão, da restrição no âmbito produções, do pensamento e
das manifestações artísticas, sendo um elo que aglutinava praticamente todas
as ações políticas. No entanto, para se entender mais sistematicamente o
Brasil no Contexto do Regime militar, de acordo com Cipriano Vasconcelos:

A literatura também tinha um uso entre essa vanguarda do


movimento estudantil. Na infusão de idéias que propiciavam
uma visão mais libertadora da sociedade. Alguns autores eram
bastante lidos. No campo romântico, desde Jorge Amado na
sua fase, digamos assim, socialista. A poesia de Vinícius de
Moraes, enfim de outros autores, Antônio Calado, outros
autores que a gente lia com esse intuito de entender a
sociedade numa perspectiva da produção literária.82

A leitura de obras clássicas, de poemas, de pensamentos políticos


contribuía para um amadurecimento teórico dos militantes do ME. O
aprofundamento de teorias, de conceitos, resultava em um grupo de jovens

81
(MINEIRO, 2008) – Documento Sonoro
82
(VASCONCELOS, 2008) – Documento Sonoro
104

intelectuais e politizados, em um processo de formação política através das


informações que eram adquiridas com o acesso a determinados autores, obras,
literatura.
A luta pela democratização estava presente na atividade cultural, tudo
tinha uma explicação política. Eram colocadas questões que em geral não
eram veiculadas pela TV, nem pelo circuito comercial de cinema. Isso
terminava sendo um momento, não só de fazer cultura, como também ao
mesmo tempo, fazer política. Segundo Moisés Domingos:

Trouxemos também a nossa literatura de cordel, os nossos


cantadores de viola. Como Crispiniano Neto, que trouxe vários
violeiros. Então, nós tínhamos música, nós tínhamos a viola, o
teatro, a música, que fazíamos divulgação com base política,
através do Cordel. Tínhamos o cordel sobre o pacote da
educação do Ministro Portela. E o resto era panfletagem
mesmo. Panfletos, jornais, etc.83

Os estudantes organizavam protestos políticos. Nesse sentido, a partir


da literatura de cordel, faziam sua crítica à política educacional do regime, aos
problemas da universidade. Convidavam os cantadores de viola, os poetas,
cordelistas para juntos fazerem uma manifestação política, tendo como meio a
ação e produção cultural.
Uma feira de livros era realizada todos os anos pelo DCE, onde os
estudantes tinham a oportunidade de doar, trocar e comprar livros por um valor
acessível. Após a realização da Segunda Feira do Livro, o DCE inaugurou em
uma sala no Centro de Convivência como posto permanente de livros usados,
chamado “Sebão 84”.
Havia uma presença e uso da arte cênica, principalmente por parte de
alguns artistas que tinham essa habilidade para trabalhar a comunicação com o
conjunto de estudantes. Através de esquetes, peças teatrais, que
questionavam o regime militar e a falta de democracia dentro da universidade.
Existiam na cidade Movimentos teatrais importantes, como o grupo do
ator Jesiel Figueiredo. Porém, na Universidade, o teatro era muito rudimentar.
83
(DOMINGOS SOBRINHO, 2008) – Documento Sonoro
84
Folha acadêmica. Órgão Oficial do Diretório Central dos Estudantes, junho de 1985.
105

Havia já um movimento no sentido da constituição de grupos de teatro dentro


do Movimento Estudantil, mas era uma coisa inicial. No entanto, utilizaram o
teatro com a finalidade de mobilizar, denunciar, etc. Sendo útil nas campanhas
eleitorais, nas greves, nos movimentos políticos, manifestações sociais.
Conforme João Emanuel Evangelista:

Eu lembro que algumas pessoas ligadas ao PT que usavam


muito do recurso de fazer esquetes para fazer exatamente a
crítica política de uma questão geral da sociedade ou uma
questão envolvendo a universidade brasileira. Esse era sempre
um recurso muito usado. A questão do teatro era uma visão
mais instrumental. Eu diria que o teatro era usado mais como
instrumento que propriamente como uma política cultural, onde
você pudesse ter uma relação menos panfletária no uso da
cultura e da arte.85

O teatro tinha um propósito claro de fazer um protesto político, uma


crítica, convidando o estudante para participar dos movimentos organizados
pela entidade estudantil. O teatro era político. Diferente até da música, do
poema, das artes plásticas, que nem sempre se resumiam à manifestações
políticas, a apresentação teatral no ME era essencialmente pautada em
questões de âmbito político.
Nas campanhas do DCE o teatro foi bastante utilizado. Enquanto parte
das lideranças faziam seus discursos políticos, outros que eram ligados ao
teatro mostravam pequenas encenações. Apresentações de teatro que tinha
um viés da crítica, da ironia, chacota, que na brincadeira buscava-se, através
da manifestação teatral, a comunicação com o conjunto da juventude
universitária. Juntavam sempre muitos estudantes nos diversos setores da
universidade, para assistir.
Conforme Moisés Domingos, eles tinham algumas atividades teatrais,
mas não eram tão fortes quanto às ligadas à música. “Tinha a figura histórica
de um rapaz chamado Bosco Cariri que realmente fazia a nossa divulgação, a
nossa propaganda crítica e política a partir da teatralização, da encenação,
então ele realmente liderava com bastante talento essas atividades”.86
85
(EVANGELISTA, 2008) – Documento Sonoro
86
(DOMINGOS SOBRINHO, 2008) – Documento Sonoro
106

No entanto, o teatro era muito desorganizado. Dessa ação cultural


dependia muito do esforço, do improviso, do talento das pessoas envolvidas. O
trabalho com o teatro agia mais através da crítica. Muitas vezes em função da
campanha política para a direção da entidade estudantil utilizava-se da ação
cultural para atingir um objetivo político.
Todos os setores eram percorridos com essas atividades que
instrumentalizava a cultura para uma pregação ideológica. Não eram
efetivamente manifestações culturais e artísticas sem nenhum interesse
político. Tinha-se uma visão instrumental da manifestação cultural. Moisés
Domingos em depoimento contou que:

Geraldo Guedes e Bosco Cariri levavam uma maquetezinha de


uma televisão e ficavam fazendo o jornal nacional. Bosco fazia
o enterro do Ministro. Então lá vem o caixão e Bosco, como era
do Ceará, do Cariri, ele vinha “valei-me meu padrinho Padre
Cícero” e saía... Vestia uma bata, fazia uma freira e saía pelos
corredores da universidade87.

Os esquetes teatrais contavam com a irreverência, com a criatividade de


estudantes que se caracterizavam de personagens para passar uma
informação sobre algo em relação com a universidade, a sociedade, a
educação. Enfim, a encenação teatral ocorria devido ao improviso e ao talento
de alguns militantes, que usavam de suas habilidades artísticas para a
pregação ideológica.
O DCE realizava as atividades políticas, as reuniões sobre preço de
restaurante, campanhas em defesa do ensino público tendo no final um
encerramento com um evento cultural. Teve em 1982 o dia de convivência88,
com uma abertura de um show musical, depois uma assembléia geral. No
término da assembléia teve grupos de dança, teatro, exibição do filme
“Outubro”, lançamento de livro, debates e mais atividade musical.
Nos Centros Acadêmicos existia também a tradição da utilização do
teatro nos corredores durante e após a campanha nos cursos. Nas formaturas,
em alguns cursos, como Serviço Social, que tinha no teatro uma expressão
87
(DOMINGOS SOBRINHO, 2008) – Documento Sonoro
88
Boletim do DCE-UFRN, agosto de 1982.
107

cultural marcante, era feita uma retrospectiva histórica da profissão e do


momento que a universidade vivia.
Durante o período que Antenor Soares de Medeiros89 fez parte do
Centro Acadêmico de Direito foi reconstruída a biblioteca setorial do curso, a
Amaro Cavalcanti. Foi feita uma campanha para doação de livros, muitos
professores doaram. Durante a gestão que ele fez parte, em 1982, o Centro
Acadêmico organizou vários murais para os estudantes terem notícias políticas,
matérias culturais. Eventos que estavam acontecendo na universidade, no
Estado, no país.
O Centro Acadêmico de Direito criou um jornalzinho, no qual tinha uma
seção sobre cultura. Também, nesse mesmo período foi realizado um festival
de poesia, tendo uma grande participação dos alunos do curso de Direito.
Houve uma boa produção, o que levou a organização promover concursos com
premiação.
O trabalho com a música teve uma qualidade maior. Foram promovidos
pelo movimento estudantil, grandes festivais de música. Contavam com a
participação de artistas locais e nacionais. De acordo com Hugo Manso: “Nós
fizemos um Festival de música do DCE, em parceria com o NAC, que é o
núcleo de arte e cultura da Universidade. Que produziu um disco, um LP, a
melhor voz foi a de Vidger”. 90
Os estudantes do movimento estudantil resgataram os antigos festivais
91
de música. O primeiro festival realizado entre 27 e 30 de outubro de 1982 no
teatro Alberto Maranhão, que era chamado de festival de música e poesia da
UFRN92. Foi promovido pelo DCE, NAC (Núcleo de Arte e Cultura) e Escola de
Música da UFRN.

Houve show com a banda Impacto Cinco, mesa- redonda com debates,
Cineclube DCE, apresentações de grupos teatrais, de dança, concurso de
poesia, grupo Caravana (música) e Aluá (Poesia), apresentações musicais com
Carlos e Lucinha Lira, entre outros. O primeiro festival quem ganhou foi o
cantor Vidger. Esse festival teve várias eliminatórias. O encerramento foi na
89
(MEDEIROS, 2008) – Documento Sonoro
90
(MANSO JÚNIOR, 2008.) – Documento Sonoro
91
Ver sobre o assunto o Boletim do DCE-UFRN, outubro, 1982.
92
Ver anexo I
108

praça cívica do Campus, com a cantora Joyce. Como comentou Antenor


Soares de Medeiros:

Joyce é uma cantora que estava em destaque naquele


momento e ela fez o encerramento. Então foi um festival muito
bem estruturado, muito bem organizado. Contou com o apoio
da comunidade universitária, como um todo, bons prêmios e
também a questão da sociedade, que teve uma grande
presença também de público, então foi um momento forte esse
do festival. 93

O festival de música e poesia na UFRN foi um dos momentos mais


marcantes da música local. Foram gravados discos, além de ter tido um papel
de congregar valores musicais da época. Muitos estudantes estavam entrando
na música popular, começando a ter uma evidência nos anos 1980.
Então, a partir desses festivais de música, estudantes de música,
artistas, pessoas que tocavam, faziam composições, tiveram a oportunidade de
revelar seus talentos. Nesses festivais realizados pelos estudantes não só
existiam produções na área da música, mas também produções na área de
teatro, concurso de fotografia, literatura, das artes plásticas. Como, por
exemplo, um painel desenvolvido e estruturado por professores de educação
artística em parceria com os estudantes.
Os artistas, compositores, cantores, que participavam dos festivais,
normalmente também participavam de outros projetos culturais que existiam na
cidade de Natal. Os festivais realizados na universidade projetavam os artistas
na sociedade natalense. Era um momento de popularização da música popular
brasileira e potiguar. Acontecia uma interação da juventude que produzia
cultura dentro da universidade, com os produtores, artistas da cidade de Natal.
Como relembrou Hugo Manso: “

93
(MEDEIROS, 2008)- Documento Sonoro
109

E participávamos do Festival de Artes de Natal, que se


chamava FAN, que se realizava no Forte dos Reis Magos. Eu
lembro bem, dezembro de 82, eu era presidente do DCE e o
DCE deu muito peso à realização do Festival de Artes de Natal,
que foi dentro do Forte dos Reis Magos. Um grande evento.

Grandes shows foram promovidos pelo movimento estudantil, contando


com uma boa participação da sociedade. Foi realizado no teatro Alberto
Maranhão um show de Geraldo Azevedo94, pela legalização da UNE, que teve
um público maior do que o teatro suportava, ficando muita gente sentada nos
corredores. Hugo Manso reforçou que a música era um trabalho de qualidade:

Eu lembro que nós fizemos um circuito levando um


companheiro, que hoje eu acho que está na Europa, chama-se
Lola, em Currais Novos, na cidade, fora do campus, uma
promoção do DCE, chamava-se CIO da terra. Um projeto que
Lola elaborou. 95

Foram elaborados projetos culturais na área da música. O DCE em


parceria com os compositores, músicos, cantores, promoveu ações que tinham
a intenção de divulgar o trabalho artístico dos universitários. Esses artistas
passaram a ter uma evidência em toda cidade, iniciando sua carreira artística
nas atividades realizadas pelo ME na UFRN.
A Bossa Nova apesar de ser um movimento mais antigo, era ainda
pouco ouvida entre a juventude na universidade. Muita gente não tinha a idéia
daquele movimento musical. No entanto, o movimento estudantil trouxe para a
universidade um nome consagrado como Carlinhos Lyra. Esse show aconteceu
no Ginásio de Esportes, fazendo um resgate de um importante movimento
cultural no país, que foi a Bossa Nova.

94
Ver Anexo VI
95
(MANSO JÚNIOR, 2008) – Documento Sonoro
110

A influência da MPB era muito forte entre a militância do Movimento


Estudantil. A MPB era o estilo musical mais presente nesse período na
universidade, como também as bandas de rock nacional. Ouvia-se muito Chico
Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, entre outros nomes da música popular
brasileira.
As bandas de rock nacionais eram também muito ouvidas. As músicas
que faziam uma crítica política à sociedade, ao regime autoritário estavam
presentes nas atividades, nos encontros estudantis. A música foi uma das
grandes formas de protesto aos problemas sociais do país, sendo uma forma
de diálogo entre os artistas e o público, como também, na universidade, um
dos momentos de interação entre a juventude.
No campo da música havia grandes nomes de cantores potiguares que
começaram a carreira atuando nesses eventos na universidade. Cantores que
despontavam naquele período, como Sueldo Soares, Pedrinho Mendes,
tocavam no campus central nas atividades promovidas pelo Movimento
Estudantil. No teatro Alberto Maranhão houve o show musical “Reino” com
Sueldo96 em 1983. De acordo com o que Maristela Pinheiro compreendeu
sobre a época:

Eu acredito que a cultura nesse período foi muito forte,


inclusive pela possibilidade de expressão ideológica. Os
festivais realizados pelas universidades, eles traziam muito
essa sede e perspectiva de mudança, e ao mesmo tempo eram
veículos de denúncia, de inquietação. Era a forma de
expressão, de revelar às ideologias, e isso a juventude fez de
uma forma mais irreverente, mais profunda.97

Os festivais de música promovidos pelo DCE da UFRN contaram com


uma grande participação da comunidade universitária, como de parte da
sociedade. Eram momentos importantes, de expressão e denúncia sobre a
falta de democracia na universidade, propondo por intermédio da música algo
novo e irreverente, cantado e interpretado por artistas locais e nacionais.
96
Ver anexo V
97
(PINHEIRO, 2008) – Documento Sonoro
111

Conforme informativo do DCE, o I congresso de Estudantes da UFRN foi


realizado em maio na universidade, tendo como tema: “A educação na UFRN”.
O ano de 1983 foi um ano de luta pela legalização da UNE. Os jornais do DCE
traziam sempre uma crítica política à situação do país e da universidade
através da charge, do poema, do cordel. Em alguns momentos o DCE levou as
atividades do movimento estudantil para o Centro da cidade. Moisés Domingos
relembrou que:

Ali no grande ponto da cidade do Natal, tinha a Praça Kennedy


de um lado, na Rua João Pessoa que corta a Avenida Rio
Branco. Ali eram as todas nossas manifestações políticas
externas. Armávamos barracas, distribuíamos panfletos,
levávamos violeiros.98

Os estudantes não só organizavam as atividades no campus central,


como também se envolviam em eventos culturais promovidos em espaços fora
do âmbito da universidade. No BNB Clube em Ponta Negra99, o DCE em
parceria com Das e CAs promoviam eventos culturais.
O Centro Acadêmico de Serviço Social promovia uma eleição entre os
estudantes, para que escolhessem os temas que gostariam de debater.
Durante dez meses, na última quinta feira do mês, dentro do horário curricular,
eram feitos esses debates, contemplando a discussão de todos os temas
escolhidos. Isso fez com que os estudantes se aproximassem do Centro
Acadêmico, participando de suas atividades, passeatas, manifestações,
movimentos culturais. Porém, nem sempre havia uma boa participação, como
conta Maristela Pinheiro:

Nós trouxemos Vital Farias. Acho que a primeira vez que Vital
Farias veio para Natal. Ele veio através do Centro Acadêmico
de Serviço Social. Nós trouxemos na intenção de levantar

98
(DOMINGOS SOBRINHO, 2008) – Documento Sonoro
99
Ver Anexo VII.
112

recursos para participarmos de um encontro nacional de


estudantes de Serviço Social. Ledo engano! Nós não
colocamos nem 50 pessoas no Teatro Alberto Maranhão, foi
muito difícil porque nós dizíamos que Vital Farias era bom,
quando Natal não conhecia. Três meses depois vem uma
empresa X e lança e enche o teatro. Era o mesmo Vital Farias,
era o poder de comunicação, que nós não tínhamos.100

Além dos problemas relacionados à comunicação no movimento


estudantil, de algumas frustrações nas realizações de alguns eventos culturais,
também aconteceram eventos de grande participação dos estudantes, como foi
o caso de um show em que o DCE trouxe João do Vale. Esse show aconteceu
na piscina do campus, um evento que faltou espaço para tanta gente.

No setor I do campus, no centro de Ciências Sociais Aplicadas, em um


barzinho que tinha ali, o DCE promovia as Sextas Culturais. Sempre ocorriam
apresentações de estudantes que mostravam seu trabalho artístico, sua
produção na área da poesia, música, teatro. O momento das atividades
culturais era de congregação da juventude na universidade. Era um cenário de
prazer, de felicidade, encontros.
Foram organizadas muitas atividades musicais, com músicos locais, ou
nomes da música conhecidos nacionalmente. Moisés comentou: “Lembro que o
Gonzaguinha chegou a tocar no Setor I, no Barzinho. Muitos artistas locais
tocaram...” 101

A cultura para a maior parte dos grupos políticos desse período


significava a parte integrante que fazia o estudante participar da universidade.
Segundo o depoimento de alguns entrevistados, a universidade não se resumia
a simplesmente assistir uma aula formal, mas também uma forma de se
construir uma formação mais geral enquanto cidadão.

O DCE promoveu o primeiro seminário sobre legislação esportiva, no


Auditório da Biblioteca Central, com os temas: “O Esporte Profissional e a
Legislação Esportiva”, “O Esporte Amador e a Legislação Esportiva”, “A

100
(PINHEIRO, 2008) – Documento Sonoro
101
(DOMINGOS SOBRINHO, 2008) – Documento Sonoro
113

legislação Esportiva e a Justiça Comum” e a “Iniciativa Privada, o Estado e o


Esporte102”.

Nessa área do esporte, conforme o informativo do Diretório Central dos


Estudantes de março de 1985 houve a primeira maratona de vôlei promovida
pelo DCE. Essa maratona contou com a participação de 38 times de todos os
pontos da cidade, inclusive alguns times do interior. Aconteceram 37
eliminatórias, havendo entrega de medalhas para as seis primeiras equipes.
A Olimpíada Universitária do DCE tinha várias modalidades, entre elas o
voleibol, basquete, futebol de salão, xadrez, atletismo, natação, judô, buraco,
handebol. Os jogos universitários contavam, em muitos momentos, com a
organização do DCE. Era considerado um momento importante de interação da
juventude, da troca de idéias, aproximação dos diferentes cursos da
universidade.
103
A Semana de Cultura do interior também foi um evento realizado pelo
DCE em parceria com os Diretórios Acadêmicos dos Campi Avançados do
interior. O objetivo dessa semana de Cultura no Interior era debater não
somente a cultura popular e regional, como também os grandes temas
nacionais.
Uma festa que contou com a presença de mais de duas mil pessoas foi
o “Forrozando no campus”, um evento de São João promovido pelo DCE, DAs,
CAs e ADURN, no dia 21 de junho de 1985, no Centro de Convivência. Os
estudantes foram assistir ao show de Soraya e Olinto do Forró. As entidades
colocaram as suas barraquinhas e arrecadaram dinheiro para os encontros
acadêmicos. O DCE também colocou faixas ao lado da decoração junina, das
bandeirinhas e palhas de coqueiros com frases que pediam Eleições Diretas
para Reitor, mais verbas para a educação e Constituinte, livre e soberana 104.
O DCE participou através da representação de um delegado, Cláudio de
Oliveira, no XII Festival Mundial de Juventude e Estudantes, realizado em
Moscou de 27 de julho a 06 de agosto de 1985, com o tema “Paz, amizade e

102
Folha Acadêmica, Órgão Oficial do Diretório Central dos Estudantes, março de 1985. Ver
Anexo II.
103
Ibid.
104
Folha Acadêmica, Órgão Oficial do Diretório Central dos Estudantes, outubro de 1985.
114

Solidariedade”. O Festival foi uma promoção da Federação Mundial de


Juventude Democrática criada em Londres em 1945, sendo naquele momento
um órgão consultivo da Organização das Nações Unidas (ONU), tendo uma
extensa programação com debates, apresentações artísticas e culturais, entre
outras atividades105.
De 01 a 07 de setembro de 1985, segundo o informativo do DCE, foi
realizada a primeira Semana Universitária de Santa Cruz., promovida pelo
Diretório Acadêmico do Núcleo de Ensino do Trairi e o DCE. A semana
mobilizou toda a cidade do RN com a realização de jogos, debates,
conferências, feira de artesanato, festival de cinema, gincana esportiva e
cultural, bingo, feira de livro usado, ruas de lazer, corrida rústica e ciclismo,
shows com sanfoneiros, violeiros, chorinho brejeiro e quarteto de corda da
UFRN, mamulengos, entre outras atrações.
No dia 14 de março de 1986, o dia da poesia, conforme panfleto da
época, foi realizada uma calourada que contou com a apresentação de uma
dissertação de mestrado. A exibição do vídeo Memória Viva, com a poetisa Zila
Mamede, a exibição do filme “Os anos de JK”, um recital de poesia e Música
em homenagem ao Dia Nacional da Poesia, Silvinha e sua banda, entre outras
apresentações.
O Festival Universitário de Arte e Cultura incluiu também o III Festival de
Música e Poesia. O Festival foi aberto com um show do cantor Bráulio Tavares
no teatro Alberto Maranhão. Nesse momento o DCE dedicou o Festival ao
cartunista Henfil, recém falecido. Um fator importante na realização desse
106
festival foi o patrocínio de várias empresas e instituições da sociedade . O
107
Festival contou com duas eliminatórias na praça cívica do Campus e uma
final no Palácio dos Esportes.
O DCE, em 1986, conseguiu um espaço importante na TV, no canal 5.
108
Um programa chamado STÚDIO- programa semanal do DCE , sempre aos
domingos. Esse foi um importante espaço conquistado pelo DCE na TV
Universitária.

105
ibid.
106
Folha Acadêmica. Órgão Oficial do Diretório Central dos Estudantes. Março de 1988.
107
Ver Anexo III e IV.
108
Folha Acadêmica. Órgão Oficial do Diretório Central dos Estudantes, junho de 1986.
115

Em setembro de 1986 a UNE promoveu um Seminário Pró- Constituinte


em Brasília que contou com uma caravana organizada pelo DCE. Nesse
seminário foi discutida além da constituinte, a educação, a Universidade e a
Soberania Nacional109.
A luta pela liberdade era colocada em pauta nos espaços culturais.
Tinha muita expressão poética. O movimento estudantil possuía uma parceria
com os poetas. Com as pessoas que produziam textos. Uma das grandes
expressões do movimento estudantil do período era a charge. Eram criadas
charges com o objetivo de fazer uma crítica política ou mesmo a propaganda
de uma chapa, nas eleições para o DCE. A charge também foi uma das mais
usadas formas de manifestação artística, política e cultural.
Na folha Acadêmica do DCE110, uma reportagem noticiou: “A arte e a
cultura não aceitam a Ditadura de Pinochet”, mostrando na matéria que um
estudante do curso de Educação Artística da Universidade ganhou destaque
nacionalmente devido a sua arte. Através da mímica, ele fez uma manifestação
que impediu o Presidente da Academia Chilena de Letras, o Professor Roque
Esteban Scarpa, defensor do regime da ditadura imposto ao povo chileno,
realizasse palestra na Universidade de Brasília-UNB.
O estudante e mímico, Júnior, subiu à mesa onde estava o professor e
improvisou uma seqüência de imagens denunciando a presença militar no
Chile, cena amplamente divulgada pelos meios de comunicação. Nesse
sentido, a arte foi usada como um instrumento em defesa das causas que, para
o movimento estudantil, eram justas.
O movimento estudantil se contrapunha aos produtos culturais
estrangeiros no país e a pouca valorização da cultura popular brasileira. Os
militantes do movimento estudantil agiam na tentativa de valorizar a música, as
produções e os artistas nacionais. De acordo com Christian Lira: “A nossa
atuação implicava numa reafirmação desses valores culturais em
contraposição dos produtos culturais estrangeiros”.111
A organização das atividades culturais nas entidades estudantis, na
maioria das vezes, acontecia através da diretoria de cultura. Essa diretoria era

109
Folha Acadêmica, Órgão Oficial do Diretório Central dos Estudantes, setembro de 1986.
110
Folha Acadêmica. Órgão Oficial do Diretório Central dos Estudantes. Março de 1988.
111
(VASCONCELOS, 2008) – Documento Sonoro
116

responsável pela parte cultural, promovendo circuitos de cinema, festivais,


apresentações musicais, teatrais. Organizava, também, publicações de
poesias, que era uma produção cultural e literária dos estudantes.
Então, era praticamente uma regra, toda e qualquer entidade estudantil
tinha uma direção de cultura, que era responsável por esse tipo de atividade.
Tinha como função criar uma agenda de eventos culturais. Entretanto, devido a
curta duração de uma gestão no DCE, que era de mais ou menos um ano, nem
sempre se mantinha uma agenda regular, ou um programa cultural que tivesse
uma certa permanência.
Eram realizadas reuniões que discutia a realização dessas atividades.
Desde a questão material, da busca dos recursos, como outras questões de
organização dos eventos. Os estudantes universitários mostravam suas
produções nas mais diversas categorias artísticas.
Naquele período, havia muito pouco investimento de órgãos públicos, de
governos do Estado nessas atividades e produções realizadas pelos
estudantes universitários. O que acontecia era alguma coisa muito
improvisada, atuando mais como uma rede de relações políticas que se
dispunha na cidade, sendo essa rede mobilizada quando se precisava
arrecadar fundos para um movimento, uma atividade política de grande porte.
Essas atividades eram organizadas com muito pouco recurso, com muito
voluntarismo. Os estudantes tinham uma preocupação muito forte de não
depender de qualquer recurso. Eram buscados, muitas vezes, apoio em
entidades sindicais, instituições que o movimento estudantil tinha algum tipo de
diálogo. Havia muito preconceito em relação a patrocínios privados de algumas
empresas, a não ser que fosse de alguma empresa de alguém ligado à
esquerda, próximo às lutas e movimentos sociais.
A ADURN112 muitas vezes foi parceira de atividades realizadas pelos
estudantes, como demais organizações da sociedade civil que se mostravam
próximas aos movimentos sociais. Através da Reitoria, a universidade na
época também apoiava atividades que não aparecessem diretamente como
uma contestação. Portanto, não tinha muitos recursos, era a partir realmente
da mobilização estudantil, da iniciativa dos estudantes que se organizavam e
buscavam captar recursos, parcerias para viabilizar essas atividades.
112
Associação dos Docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
117

Os diretórios acadêmicos tinham momentos de grande participação,


quando faziam protestos políticos que afetavam diretamente a população ou
mesmo ações culturais com artistas que estavam no auge nacionalmente, que
tinha músicas divulgadas no mercado, nas rádios, televisão, como também
momentos de que a participação se resumia aos diretores do DCE, dos
Centros Acadêmicos, dos militantes, dos amigos mais próximos desses
militantes. De acordo com João Emanuel Evangelista:

Até porque, na verdade, constituíamos um mundo a parte


mesmo! Então quer dizer, se o estudante era de esquerda, ele
se vestia meio diferente. Havia um modelo, um tipo de
identidade que era típico do militante do movimento estudantil.
E era a minoria dos estudantes que se identificava com isso.
Então a gente tinha um grupo que gravitava em torno dessas
lideranças e das pessoas que faziam o movimento estudantil.113

A juventude que militava no ME tinha um comportamento diferenciado


dos outros jovens. As roupas, os hábitos, dos gostos constituíam um mundo
separado, um mundo realmente à parte da maioria. Havia uma linguagem, um
jeito, um estilo de vida próprio desses jovens, que demarcava um espaço no
convívio acadêmico.
Nessas atividades culturais, o grande público nem sempre era o
estudante comum, mas basicamente as próprias lideranças, as pessoas que
circulavam em torno dessas lideranças. A chamada “base” do movimento
estudantil. Nem sempre a maioria dos estudantes participava desses eventos.
A agenda deles, o tipo de questões que mobilizam esses alunos. Não eram, em
grande parte, as mesmas questões que mobilizavam o movimento estudantil.
As atividades culturais que possuíam uma postura mais crítica, seja de
discussões de obras, filmes, debates, eram bem mais restritas, se limitavam a
participação da direção do DCE, diretores de Centros Acadêmicos, militantes.
Porém, se eram realizadas atividades com um caráter mais festivo, encontros,
festas, shows, se tinha uma participação maior. Conforme Cipriano de
Vasconcelos:

113
(EVANGELISTA, 2008) – Documento Sonoro
118

E essa parte, digamos assim, um pouco instrumental na


mobilização, quando se utilizava recursos artísticos, se atingia
um pouco mais os estudantes. Mas não se tinha uma grande
participação. A luta política assumiu a centralidade. Não se
tinha uma agenda cultural no movimento estudantil.
Conseguiam ter uma programação cultural nesse campo que
falei do cinema, da música, enfim, mas não era uma agenda
forte. A agenda política era a principal naquele momento. 114

Nesse período a questão central que permeava na universidade, nas


ruas, em parte da população, nos movimentos sociais, era o tema da
democracia. Havia nos anos 1980, uma agenda política com manifestações
contrárias ao regime autoritário. Diante desse clima foram organizadas na
UFRN atividades, eventos, produções na área cultural. Uma agenda que
levantava, por intermédio da ação cultural, questionamentos políticos sobre os
rumos do país e do Estado.
A agenda cultural era bastante utilizada como um instrumento de
mobilização de recursos, de reforço a essa luta pela politização dos
estudantes. O momento político era o da reorganização das entidades
estudantis, da luta em torno da melhoria nas condições de ensino. Um meio de
instigar a participação estudantil era o debate em torno do cotidiano dessa
juventude. A falta de professores, transporte na universidade, entre outros
assuntos.
A visibilidade maior das atividades realizadas na universidade pelos
estudantes era quando se tinham grandes manifestações de rua. No fim dos
anos 1970 era constante ainda, no meio estudantil, pessoas indicadas pela
Reitoria para controlar a vida dos estudantes. Só em 1979 com a reconstrução
do DCE na UFRN, o movimento estudantil adquire uma força maior, interagindo
com outros movimentos sociais, aparecendo com freqüências nas atividades
dentro e fora da universidade.
A primeira semana de Arte115, organizada pelo DCE, na qual dentro da
programação houve o IV Festival de Música e Poesia, contou com exposições
fotográficas, mostras de artes plásticas, contos, com premiação para os
melhores trabalhos.

114
(VASCONCELOS, 2008) – Documento Sonoro
115
Folha Acadêmica, Órgão oficial do Diretório Central dos Estudantes, setembro de 1987.
119

Uma das grandes iniciativas do DCE em um projeto de extensão


universitária foi a experiência pioneira, de novembro de 1987 a janeiro de 1988,
da criação de um cursinho pré-vestibular com o tema “Educação não rima com
lucro” que tinha como objetivo proporcionar aos estudantes de baixa renda as
condições de ensino necessárias para competir com outros concorrentes. O
movimento estudantil questionava o vestibular, a forma de acesso à
universidade pública.
Na UFRN existiram várias tentativas de fazer um debate e ações
culturais buscando fortalecer a cultura local. Os principais jornais noticiaram
vários movimentos culturais promovidos pelos estudantes que atuavam no
movimento estudantil na UFRN. Através das produções, eventos, shows,
festivais, o movimento estudantil na UFRN em vários momentos ocuparam a
cena política e cultural na cidade.
Na maioria das vezes, os artistas não ganhavam dinheiro com esses
eventos. Eram atividades voltadas para a mobilização política. Não era a
atividade cultural pela atividade cultural, mas sim com um propósito político
bem definido. Essas atividades, eventos, produções culturais eram organizadas
de forma muito espontânea. Não tinha nenhum financiamento específico.
Quando era feito algum show, o DCE tentava conseguir apoio de forma
alternativa, com entidades próximas do movimento estudantil, para conseguir o
transporte e alimentação dos artistas.
Foi construído naquele período, no setor I, um palco ao ar livre e umas
mesinhas para a realização de atividades culturais. Sobre os recursos para a
construção desse palco, segundo Hugo Manso:

Nesse caso foi com recursos da universidade. Esse palco a


gente fez através de uma relação que eu estabeleci com um
cidadão chamado coronel Bosco, que ninguém entendia como
é que eu que era da esquerda, que era do movimento
estudantil, que fazia muita zuada, como era que eu tinha uma
relação boa, com o coronel Mosca que era o Prefeito do
Campus, era o administrador do campus. E minha relação
vinha da natação, porque antes de entrar na universidade eu
era nadador e todos os filhos dele eram nadadores e a gente
tinha uma relação muito íntima, eu freqüentava a casa dele, ele
conhecia minha família, enfim, ele me tratava super bem. Eu
fazia as demandas em nome dele. 116

116
(MANSO JÚNIOR, 2008) – Documento Sonoro
120

Nesse sentido, existia uma ambigüidade na relação do movimento


estudantil com a administração central da UFRN. Em alguns momentos
contestavam as práticas autoritárias que enfrentavam internamente, em outros
momentos mantinham uma proximidade, aceitando e solicitando algumas
vezes, financiamento da universidade para suas atividades e movimentos
políticos.
Porém, na maioria das vezes, os estudantes organizavam pedágios,
produziam camisetas para vender, tentavam buscar formas alternativas de
financiamento para realizarem atividades políticas e culturais. A força de
vontade, a doação militante de muitos jovens, permitiu a concretização de
vários eventos na área da cultura, como também da política.
Foi realizado pelo movimento estudantil um seminário, em que se
discutiu, também, a questão cultural. Segundo Manasses Campos:

“Nós chegamos à conclusão que a cultura não é uma parte


separada, uma ilha isolada dentro da sociedade. Ela conduz
os pensamentos das pessoas. E aí a gente procurava
trabalhar a música, os diferentes grupos, a partir da questão
ideológica”.117

A cultura para o movimento estudantil era discutida enquanto elemento


ideológico e a partir disso procurava-se dentro de cada atividade, produção,
evento cultural, buscar um caminho que, na verdade, avançasse no sentido de
uma sociedade mais justa, mais humana, mais democrática. Independente da
tendência política, a maior parte dos grupos entendia que através da cultura
poderia proporcionar uma transformação nas mentes, comportamentos, uma
ampliação da consciência sobre os problemas da realidade.
A intervenção que o movimento estudantil tinha na universidade através
da política cultural tinha a intenção de facilitar a comunicação com o conjunto
de estudantes universitários. Nesse sentido, orientavam o desenvolvimento
simbólico, distribuindo, promovendo a satisfação das necessidades culturais da
juventude naquele período.
117
(CAMPOS, 2003) – Documento Sonoro
121

As constantes transformações que passam o país, o Estado e a cidade


de Natal criam uma demanda para as disputas políticas ocorridas nos vários
espaços sociais, levando a juventude do movimento estudantil nos anos 1980,
dentro da UFRN a mostrar a sua indignação a política vigente, agindo através
de uma ação cultural que visava combater o autoritarismo dentro e fora da
universidade.
Eram elaboradas ações culturais para fazer um debate político a cerca
das questões que envolviam o ensino, a falta de professor, bibliotecas,
residência universitária, restaurante universitário. A assistência estudantil era
um dos principais pontos que faziam o DCE solicitar reuniões com a Reitoria,
como também a questão de uma maior participação dos estudantes nas
eleições para Reitor e em outros processos internos da UFRN.
As práticas culturais ocorrem de forma articulada com a vida social, com
o momento que o país estava vivendo, com a política econômica do regime
autoritário, a sua atuação dentro das universidades públicas. Diante de um
tempo específico, os estudantes buscaram dar respostas as suas inquietações,
interagindo, criticando, debatendo através da cultura os problemas que afligiam
a população brasileira.
A ação cultural das entidades estudantis tentava fazer um diálogo com
os diversos setores da universidade e dos movimentos sociais, reconhecendo a
dimensão social da cultura, na elaboração explícita de alguns sentidos, na
organização das estruturas sociais como um meio específico de manifestação,
atingindo um determinado público na UFRN e os aproximando das atividades
políticas.
122

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As práticas culturais engajadas fazem parte da história do movimento


estudantil brasileiro. Nos anos 1960, com o Centro Popular de Cultura da UNE,
o CPC, artistas e estudantes se uniram para através da arte e da cultura
“popular” fazer uma intervenção politizada na sociedade, na tentativa de
transformar as mentes e os corações das pessoas.
O Rio Grande do Norte nos anos 1980, assim como no Brasil, vivia um
momento de emergência dos movimentos de oposição ao regime autoritário,
traduzindo-se em campanhas por eleições diretas para presidente do Brasil,
criação de novos sindicatos e manifestações políticas. A luta por democracia
ecoava em todos os cantos do país. Na UFRN novas disputas surgiam no
cenário político interno, o Movimento Estudantil se reorganizava, a
reconstrução das entidades estudantis dava visibilidade a um novo período que
se instaurava na universidade, no RN e no Brasil.
A juventude do Movimento Estudantil da UFRN, organizada em
diferentes tendências políticas, se destacou na luta pela redemocratização em
Natal devido a uma conjuntura local que propiciou esse destaque, na qual eram
poucos os movimentos sociais urbanos organizados na cidade. A partir da
reconstrução das entidades estudantis durante o período de liberalização do
regime autoritário, no final dos anos 1970 e nos anos 1980, os estudantes
promoveram ações culturais que denunciavam o regime, como também sua
123

política para a universidade. As produções culturais ocupavam um espaço de


crítica ao autoritarismo, defendendo um ensino superior de qualidade, mais
verbas para a educação e democracia.
Artistas foram lançados no mercado, ficaram conhecidos na cidade,
devido a sua atuação nas atividades culturais promovidas pelos estudantes na
UFRN. Eram realizados eventos de música, cinema, teatro, poesia, literatura,
esporte com o propósito da entidade estudantil, por intermédio de seus
representantes se aproximarem dos estudantes.
Os antigos festivais de músicas foram retomados na UFRN nos anos
1980, promovendo os artistas locais, difundindo a música potiguar, fazendo
com que os artistas, os músicos, compositores, ficassem em evidência dentro e
fora da universidade.
A produção cultural foi utilizada para fazer uma crítica política. Ela foi um
meio de fazer um debate com os estudantes, uma parceira na construção de
novos valores e comportamentos. A cultura estava na pauta da política. Existia
uma necessidade de transformar, de atingir os estudantes universitários com
uma mensagem passada pela ação cultural, mas que tinha o objetivo de fazer
uma reflexão sobre a situação do país e da universidade. Os eventos culturais
tinham um viés político, ou seja, a cultura estava a serviço da política.
Havia uma divergência entre as tendências políticas na maneira de
promover política cultural na entidade estudantil. O PCB organizava as
atividades culturais sem necessariamente direcioná-las a uma manifestação
política. Agindo dessa forma, conseguiam atrair uma boa participação em seus
eventos culturais. Ao valorizar a cultura em sua dimensão, a entidade
conseguia uma participação mais ampla em suas atividades.
As outras correntes políticas utilizavam da cultura para dialogar com o
estudante, fazendo uma convocação para a participação e engajamento nas
atividades políticas. Usavam a cultura como instrumento político. No entanto,
as ações culturais com uma intenção política definida, de debater questões
sociais, de enfrentamento ao regime, de confronto com a administração central
na UFRN, muitas vezes tinha um público menor. Dependendo do evento
realizado, a participação podia ser grande ou reduzida às lideranças estudantis,
aos militantes mais próximos e seus conhecidos.
124

No entanto, essa prática diferenciada na maneira de produzir a cultura


no movimento não deixava de fazer parte de uma forma dos partidos atingirem
seus objetivos políticos. Mesmo a forma de conduzir a cultura, entendendo seu
valor, sua universalidade, que não necessariamente estava ligada a questões
políticas, não deixa de ter um uma tática, um projeto, uma condução
estratégica que é antes de tudo, uma ação política.
A juventude do Movimento Estudantil nos anos 1980 foi fruto de uma
época, de um tempo histórico. O movimento estudantil é um movimento
político, a elaboração da sua produção cultural não deixa de ter um interesse,
estando sempre inserida em um projeto maior de intervenção social. Um
projeto que é essencialmente político.
O Movimento Estudantil, como uma instância de participação política,
proporcionou um engajamento, uma produção, uma prática cultural intensa. Em
um contexto político onde o principal objetivo era o retorno da democracia, a
política e a cultura foram parceiras na busca de ultrapassar os muros da
universidade, demonstrando a inquietação da juventude com o regime
autoritário.
Nos anos 1980, na UFRN, foram realizadas atividades, eventos,
produções artístico-culturais. O movimento estudantil, utilizando da cultura, de
sua ação simbólica, questionou um tempo histórico e social em que a regra era
calar as vozes dos movimentos sociais. Nesse sentido, se pôde vivenciar um
momento direcionado para a informação, crítica e mensagem política reforçada
a partir de um olhar voltado para a cultura e as práticas culturais.
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ANEXOS

ANEXO I
134

ANEXO II
135

ANEXO III
136

ANEXO IV
137

ANEXO V
138

ANEXO VI
139

ANEXO VII
140

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