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DIÁRIO DE UM LEVAIN - FERMENTAÇÃO NATURAL

A fermentação natural, também conhecida como SOURDOUGH, SAUERTEIG, LEVAIN, MASA MADRE
entre outras denominações ao redor do mundo, é a forma mais primitiva de levedar uma massa de
pão. Existe há milhares de anos e era o "fermento biológico" da época, quando não existiam os
fermentos industrializados. Esse método de fermentação é bem mais lento do que aquele com
fermento comprado mas, no melhor estilo "slow food", vai resultar em pães mais rústicos, com sabor
mais acentuado e característico, além de ter melhor digestibilidade devido aos longos períodos de
fermentação.

O cultivo de um fermento natural leva, em média, uma semana. Tudo vai depender de vários fatores,
como temperatura ambiente, tipo e qualidade da farinha, qualidade da água, etc. Mas isso só vai ser
feito uma vez! Depois que o fermento estiver estável e se comportando como previsto, poderá ser
guardado na geladeira e alimentado a cada 1 ou 2 semanas. Quando for usar o seu fermento, basta
lembrar de retirá-lo da geladeira (e de sua hibernação) no dia anterior, alimentá-lo e vê-lo ficar ativo
novamente.

O método é bem simples: tenha em mãos farinha de trigo e água filtrada (sem cloro) ou mineral, em
temperatura ambiente, um recipiente de vidro transparente (para facilitar a visualização do que
acontece), uma colher para misturar e, se possível, uma balança digital. A balança vai nos ajudar a
determinar o nível de hidratação da nossa cultura, facilitando na hora de seguir uma receita, por
exemplo, mas a falta dela não impede de se conseguir os resultados desejados.

A farinha pode ser branca, integral, de centeio ou tantas outras. As respostas serão um pouco
diferentes, os aromas também. Escolhi a farinha branca (tipo 1) para simplificar as coisas. De mais a
mais, depois da primeira fase de criação do seu fermento, ele pode ser facilmente transformado em
fermentos de outros tipos de farinha, caso prefira.

Fiz várias experiências no cultivo do fermento e escolhi o método da Donna Currie, autora de
Cookistry, pela simplicidade de execução que, ao contrário da maioria dos métodos, não envolve
nenhum descarte de ingredientes. Só para você entender, os métodos mais tradicionais de cultivar
um fermento natural envolvem misturar farinha e água, no dia seguinte descartar a metade dessa
mistura e completar com água e farinha novos, repetindo-se essa rotina diariamente até que o
fermento fique "maduro" (do contrário o volume aumenta em proporções gigantescas!). Esse método
que escolhi, mesmo não envolvendo descarte, funcionou muito bem!

1º DIA - Pegue seu pote de vidro (usei um pote de 500ml de capacidade, com tampa). Você pode
usar um copo ou outro recipiente qualquer, coberto com um pano limpo, ou um pires.

Despeje 30g (30ml ou aproximadamente 2 colheres de sopa) de água filtrada ou mineral dentro do
pote.

Junte 15g (2 colheres de sopa) de farinha de trigo.

Misture bem. Vai ficar uma mistura rala.

Confira o aroma: cheiro de farinha! Pode parecer óbvio, mas é bem interessante verificar que a cada
dia o cheiro da mistura vai mudar, te dando dicas se tudo está correndo conforme esperado.
OBS: As medidas usadas no meu fermento estão em gramas (g). Estou fornecendo medidas
aproximadas em colheres de sopa padrão (15ml) caso você não tenha uma balança de cozinha digital.

2º DIA - 24 horas depois... aparentemente nada mudou. Aparentemente!

O cheiro já está levemente modificado.

Hoje vamos apenas mexer algumas vezes ao longo do dia. Se você fica fora o dia todo, basta misturar
de manhã e à noite. O ato de misturar favorece a atividade das bactérias e leveduras que habitam
nossa cultura.

Ao longo do dia, conforme eu mexia, já apareciam as primeiras bolhinhas.

À noite o cheiro já estava bem diferente. O cheiro de farinha de trigo deu lugar a um cheiro ácido,
muito parecido com o cheiro do polvilho azedo (usado para fazer pão de queijo).

Misturei mais uma vez antes de ir dormir.

3º DIA - Ontem à noite meu fermento apresentava um cheiro ácido, muito parecido com o cheiro de
polvilho azedo. Hoje, continua assim. Tudo normal até aqui. As bactérias estão acidificando o meio, o
que vai propiciar o desenvolvimento das leveduras que queremos. Chegou a hora de alimentar nossos
"bichinhos".

Junte ao pote:

30g (30ml ou 2 colheres de sopa, aproximadamente) de água filtrada ou mineral

30g (4 colheres de sopa) de farinha de trigo branca (tipo 1)

Misture vigorosamente para que não fiquem pelotas de farinha. Sua mistura agora deverá estar um
pouco menos aguada.

Ao longo do dia, quando lembrar, abra o pote e dê uma boa mexida. Observe o que acontece e não
esqueça de verificar o cheiro da cultura.

A matemática que você não precisa saber, mas que é bem interessante:

A nossa cultura iniciou-se bem aguada, o que favorece o processo, numa proporção (por peso) de 2:1,
ou seja, 2 partes de água para 1 parte de farinha (200% de hidratação). Hoje vamos começar a
diminuir, gradativamente, a hidratação da nossa cultura. Com a adição de hoje teremos dentro do
pote um total de 60g de água e 45g de farinha, que já diminui nossa hidratação para
aproximadamente 133%. Amanhã chegaremos aos 100% de hidratação (partes iguais de água e
farinha, por peso) que vamos manter.

Só para nosso registro, agora temos 105g de cultura (45g do 1° dia + 60g de hoje)

No fim da tarde meu fermento já apresentava muitas micro-bolhas na superfície, e um cheiro menos
intenso de polvilho azedo. Parece que as bactérias estão dando lugar às leveduras!
Depois de mexer, bolhas maiores sobem à superfície, evidenciando fermentação. Estamos
progredindo!

Se o seu fermento ainda não apresenta atividade, não se preocupe por enquanto, é normal que demore
um pouco mais dependendo do ambiente e ingredientes usados. O que deve ser observado é se está
aparecendo algum tipo de bolor ou cheiro de estragado e nesse caso é melhor descartar e começar de
novo, talvez com uma outra marca ou tipo de farinha. O cheiro azedo (parecido com cheiro de polvilho
azedo) é normal e é bem diferente de cheiro de estragado!

Dei uma boa mexida antes de ir dormir, tampei meu pote, sem trancar, e deixei em temperatura
ambiente até o dia seguinte.

4º DIA - Depois do fim de dia agitado de ontem, hoje meu fermento amanheceu calminho, mas ao
mexer, apresentou bolhas na superfície, exatamente como ontem.

Hoje é dia de equilibrar a hidratação para 100% e mantê-la assim daqui pra frente.

A hidratação 100% significa mesmo peso de farinha e água.

Junte ao pote:

15g (15ml ou 1 colher de sopa) de água filtrada ou mineral

30g (4 colheres de sopa) de farinha de trigo

Agora temos um total de 75g de água + 75g de farinha = 150g de cultura dentro do pote (100% de
hidratação)

Misturar vigorosamente. Mexer ao longo do dia sempre que lembrar.

Ao longo do dia, a cultura se manteve bem mais calma se comparado com o 3° dia. Isso já era esperado,
pois o meio ficou ácido (lembra do cheiro de polvilho azedo?) e ideal para o desenvolvimento das
leveduras que queremos. Essas leveduras são mais lentas do que aquelas primeiras bactérias que
foram responsáveis por acidificar a cultura e essas bactérias, por sua vez, não conseguem sobreviver
nesse mesmo cenário. Interessante, não? Tudo indica que agora, nossas leveduras vão aflorar!

À NOITE

Ao mexer à noite notei que aquele cheiro de polvilho azedo já havia desaparecido, dando lugar a um
aroma bem mais agradável, diria até que meio frutado, lembrando maçã. Estamos chegando lá!

5º DIA - Depois de mexer, muitas bolhas sobem à superfície... o aroma, ainda frutado, já tem alguma
semelhança com fermento biológico.

Hora de alimentar!
Junte ao pote:

30g de água (30ml ou 2 colheres de sopa)

30g de farinha de trigo (4 colheres de sopa, aproximadamente)

Mexa vigorosamente até ficar bem homogêneo. Misture, sempre que lembrar, ao longo do dia.

Agora, já com 100% de hidratação, nossa cultura ganhou 60g de alimento e agora pesa 210g.

Parece que hoje é o grande dia!

Sempre que eu passava pelo fermento ele já estava mais crescido!

Em apenas 4 horas, o volume teve um aumento de mais de 50%! E muitas bolhas, literalmente
espumando!

Ao meio dia mexi a mistura e ela voltou ao nível inicial das 8:00 da manhã.

Girei o pote e recomecei a marcação deixando a anterior ao lado, para comparação.

Uma hora e meia depois já havia quase chegado ao mesmo nível que de manhã levou 4 horas para
atingir! Estamos ficando bastante ativos hoje! Esse é exatamente o comportamento que estamos
esperando!

O comportamento agora se repete a cada mexida na cultura, sempre repetindo o tempo de


aproximadamente uma hora e meia para quase dobrar de volume.

Depois o intervalo passou para 1 hora e o nível subiu ainda mais!

6º DIA - Meu fermento finalmente chegou onde almejava! Está se comportando ativamente e de
forma previsível. Tem aroma agradável e muitas bolhas! Eu posso continuar alimentando-o por mais
alguns dias somente para que amadureça um pouco mais ou simplesmente guardá-lo na geladeira
para que "hiberne" até que eu queira usá-lo. Optei por refrigerá-lo.

Antes disso, porém, vou fazer a primeira "colheita" e experimentar em uma receita. Se o fermento
ainda não estiver forte o suficiente para fazer um bom pão, posso retirar a cultura guardada na
geladeira, a qualquer hora, e retomar as alimentações como antes, de modo a amadurecê-lo.

Se o seu fermento não se comportou assim e ainda apresenta pouca atividade, continue alimentando-
o a cada 24 horas com a mesma quantidade de água e farinha até que ele fique bem ativo, mexendo
várias vezes ao longo dia.

Dos 270g de cultura que tenho, vou "colher" 240g para minha receita de pão. O restante (30g) volta
para o pote para ser alimentado e guardado na geladeira. Aproveito esse momento para lavar o pote
e deixar a casa do meu fermento limpa para evitar surpresas desagradáveis quando for visitá-lo
novamente. Nessa hora, alimento meu fermento em uma vasilha separada e depois de bem misturado
despejo no pote que vai armazená-lo. Dessa forma as paredes do recipiente ficam limpas e corremos
menos risco de desenvolver bactérias ou fungos indesejáveis.

Os 240g que separei, usei para fazer um Pão Rústico.


FERMENTAÇÃO NATURAL - CONCLUSÃO: Meu fermento nasceu no dia 28 de Abril de 2017, quando
misturei as primeiras colheradas de farinha e água. Agora, mesmo ainda jovem, já proporcionou
alguns produtos da melhor qualidade. Ao ganhar idade e maturidade, ficará ainda melhor. Poderá se
perpetuar infinitamente desde que bem cuidado, podendo passar por muitas gerações. Mas... e
agora? O que devemos fazer?

Agora que nosso fermento está estável, finalizamos esta primeira etapa de cultivo. Vamos, então,
armazenar nosso fermento na geladeira até a próxima utilização. Se você não for utilizar sua cultura
por um longo tempo, basta que você alimente-a uma vez por semana. Você encontrará a melhor
forma de adaptar isso à sua rotina.

Quando a cultura é refrigerada, sua atividade diminui a quase zero. Ela entra em estado de
"hibernação", digamos assim. Pode manter-se assim por longos períodos, mas o ideal é que seja
alimentada uma vez por semana. Para isso, retire-a da geladeira, junte ao pote o mesmo peso de água
filtrada e o mesmo peso de farinha de trigo, por exemplo, para 30g de cultura, junte 30g de água e
30g de farinha. Mexa vigorosamente e devolva para a geladeira por mais uma semana.
Eventualmente, o volume da sua cultura ficará grande demais. Você poderá, então, usar o excesso em
receitas (existem muitas receitas que usam esse excesso de cultura mesmo que não esteja ativo, para
dar sabor especial à panquecas, bolos, crepes, waffles etc.) e não será necessário descartar nada.

Quando você for usar sua cultura que está "adormecida" na geladeira, será necessário acordá-la. Para
isso você terá que alimentá-la. Escolho uma receita e vejo quanto preciso de cultura. Baseado nessa
quantidade, vou alimentar meu fermento proporcionalmente, sempre deixando uma pequena
quantidade a mais que voltará para a geladeira para uma próxima receita.

Exemplo:

Tenho 90g de fermento na geladeira.

Minha receita pede 240g de fermento natural.

Tiro minha cultura da geladeira e alimento-a com 90g de água filtrada e 90g de farinha de trigo. Agora
tenho 270g.

Deixo a mistura em temperatura ambiente até que fique ativa. Espero que ela cresça até o seu máximo
e comece a retrair.

Esse é o momento de fazer o pão. Retiro os 240g que preciso e procedo com a receita.

Aos 30g restantes adiciono mais 30g de água filtrada e 30g farinha, misturo vigorosamente e devolvo
para o pote (aproveito para lavar o pote antes disso) e minha cultura volta para a geladeira.

Este é só um exemplo e essa cultura aceita bem muitas formas de manuseio. Logo você vai encontrar
a que melhor se adapta à sua rotina.

Conforme vamos usando nossa cultura, vamos entendendo como ela funciona. Não tem receita nem
quantidade específica para usá-la. Conforme alteramos a quantidade de cultura numa receita de pão,
por exemplo, ela vai levar mais ou menos tempo para levedar a massa, mas você notará que o sabor
vai ser diferente também. Mais uma vez, a experiência vai nos ensinar.

Quanto menos cultura (proporcionalmente à quantidade de farinha da receita) usarmos numa receita,
mais lentamente vai ocorrer o processo, chegando a levar dias até o produto final. O resultado será
um sabor mais ácido, que muitos apreciam. Já uma receita que leva uma quantidade maior da cultura,
vai fermentar mais rapidamente o pão, e deixá-lo com sabor mais suave, sem a acidez característica.
Você escolhe.

A fermentação natural é usada, mais tradicionalmente, para produzir aqueles pães mais rústicos, de
casca mais grossa e crocante, como as broas italianas, tão apreciadas.
No entanto, seu fermento natural pode ser usado em qualquer receita de pão, bastando que se adapte
à receita (estou exercitando essa façanha!). Além do mais, se você anda alimentando sua cultura mas
está sem tempo para fazer pães demorados, o excesso pode ser usado em receitas de panquecas,
crepes, waffles, bolos e tudo mais que você costuma fazer que contenha farinha de trigo e água! A
função da sua cultura, nesse caso, não será de fazer crescer a massa e sim agregar sabor, podendo-se
usar o fermento químico ou biológico para esse fim. Assim você não precisa descartar o excesso de
cultura e ainda produz muitas delícias!

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