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Arquitetura e urbanismo: abordagem


abrangente e polivalente
2

Editora Chefe: Profª Drª Antonella Carvalho de Oliveira


Bibliotecário Maurício Amormino Júnior
Diagramação: Maria Alice Pinheiro
Edição de Arte: Luiza Batista
Revisão: Os Autores
Organizadora: Jeanine Mafra Migliorini

 
 
 
 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(eDOC BRASIL, Belo Horizonte/MG)

A772 Arquitetura e urbanismo [recurso eletrônico] : abordagem abrangente


e polivalente 2 / Organizadora Jeanine Mafra Migliorini. – Ponta
Grossa, PR: Atena, 2020.

Formato: PDF
Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader
Modo de acesso: World Wide Web
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5706-195-4
DOI 10.22533/at.ed.954202407

1. Arquitetura. 2. Planejamento urbano. 3. Urbanismo. I.Migliorini,


Jeanine Mafra.
CDD 720

Elaborado por Maurício Amormino Júnior – CRB6/2422


 
 

Atena Editora
Ponta Grossa – Paraná – Brasil
Telefone: +55 (42) 3323-5493
www.atenaeditora.com.br
contato@atenaeditora.com.br 

 
APRESENTAÇÃO

Ao estudar e escrever sobre arquitetura nos deparamos com um universo que vai
além da ciência, essa realidade abrange acima de tudo o social, uma vez que a arquitetura
é feita para o homem exercer seu direito ao espaço, da maneira mais confortável possível.
O conceito do que é exatamente esse conforto muda significativamente com o passar
dos tempos. Novas realidades, novos contextos, novas tecnologias, enfim, uma nova
sociedade que exige transformações no seu espaço de viver.
Algumas dessas transformações acontecem pela necessidade humana, outras, cada
vez mais evidentes, pela necessidade ambiental. Um planeta que precisa ser habitado
com consciência, de que nossas ações sobre o espaço possuem consequências diretas
sobre nosso dia a dia. Esta discussão é necessária e urgente, nossos modos de construir,
de ocupar devem estar em consonância com o que o meio tem a nos oferecer, sem
prejuízo para as futuras gerações.
As discussões sobre essa sustentabilidade vão desde o destino e uso das edificações
mais antigas, que são parte de nosso patrimônio e são também produto que pode gerar
impactos ambientais negativos se não bem utilizados; do desaparecimento ou a luta pela
manutenção da arquitetura vernacular, que respeita o meio ambiente, à aplicação de
novas tecnologias em prol de construções social e ecologicamente corretas.
Não ficam de fora as abordagens urbanas: da cidade viva, democrática, sustentável,
mais preocupada com o bem estar do cidadão, dos seus espaços de vivência, de
permanência e a forma como essas relações se instalam e se concretizam, com novas
visões do urbano.
Para tratar dessas e outras tantas questões este livro foi dividido em dois volumes,
tendo o primeiro o foco na arquitetura, no espaço construído e o segundo no urbano, nos
grandes espaços de viver, na malha que recebe a arquitetura.
No primeiro volume um percurso que se inicia na história, nos espaços já vividos.
Na sequência abordam as questões tão pertinentes da sustentabilidade, para finalizar
apresentando novas formas de produzir esse espaço e seus elementos, com qualidade e
atendendo a nova realidade que vivemos.
No segundo volume os espaços verdes, áreas públicas, iniciam o livro, que passa
por discussões acerca de espaços já consolidados e suas transformações, pela discussão
sobre a morfologia urbana e de estratégias possíveis de intervenção nesses espaços,
também em busca da sustentabilidade ambiental e social.
Todas as discussões acabam por abordar, na sua essência o fazer com qualidade,
com respeito, com consciência, essa deve ser a premissa de qualquer estudo que envolva
a arquitetura e os espaços do viver.
Jeanine Mafra Migliorini
SUMÁRIO

CAPÍTULO 1........................................................................................................................... 1
ÁREAS DE PRESERVAÇÃO E URBANIZAÇÃO: O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO LITORAL
PAULISTA
Isabella Silva de Serro Azul
Gabriela Sayuri Durante
Samuel Bertrand Melo Nazareth
DOI 10.22533/at.ed.9542024071

CAPÍTULO 2......................................................................................................................... 13
ANÁLISE MORFOLÓGICA DE PADRÕES ESPACIAIS DA VEGETAÇÃO NATIVA REMANESCENTE DO
MUNICÍPIO DE POÇOS DE CALDAS, MG, COMO SUBSÍDIO PARA CONSTRUÇÃO DE INFRAESTRUTURA
VERDE
Leandro Letti da Silva Araújo
Evandro Ziggiatti Monteiro
DOI 10.22533/at.ed.9542024072

CAPÍTULO 3......................................................................................................................... 30
EVOLUCIÓN DE LAS TIPOLOGÍAS DE ESPACIOS VERDES PÚBLICOS EN EL PAISAJE URBANO.
RESCATE DE LA MEMORIA VEGETAL EN VALPARAÍSO
Cristóbal Cox Bordalí
Constanza Jara Herrera
DOI 10.22533/at.ed.9542024073

CAPÍTULO 4......................................................................................................................... 63
ARBORIZAÇÃO DE VIAS PÚBLICAS EM IRUPI-ES: UMA ANÁLISE DA MORFOLOGIA URBANA DOS
BAIRROS CAROLINO BARBOSA E JOÃO BUTICA
Eduardo Machado da Silva
Wagner de Azêvedo Dornellas
DOI 10.22533/at.ed.9542024074

CAPÍTULO 5......................................................................................................................... 88
PERCEPÇÃO AMBIENTAL E ANÁLISE MORFO-ESPACIAL DE ESPAÇOS LIVRES PÚBLICOS: UM
ESTUDO EM CIDADES DE MÉDIO PORTE NO RIO GRANDE DO NORTE/RN
trícia Caroline da Silva Santana
DOI 10.22533/at.ed.9542024075

CAPÍTULO 6....................................................................................................................... 102


ENTRE BELÉM/PA E RECIFE/PE, TERRITÓRIOS DESENHADOS EM PROCESSOS RESTRITIVOS,
PERMISSIVOS, OCULTOS E PACTUADOS À LEGISLAÇÃO URNANO AMBIENTAL
Ramon Fortunato Gomes
Ricardo Batista Bitencourt
DOI 10.22533/at.ed.9542024076

CAPÍTULO 7....................................................................................................................... 116


PROJETO E PLANEJAMENTO URBANOS FRENTE AOS PARADIGMAS ECOLÓGICOS DA AGRICULTURA
URBANA
Bruno Fernandes de Oliveira
DOI 10.22533/at.ed.9542024077

SUMÁRIO
CAPÍTULO 8....................................................................................................................... 129
A EVOLUÇÃO URBANA DA CIDADE DE SANTOS E O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
DE 1532 A 1930
Hilmar Diniz Paiva Filho
Roberto Righi
DOI 10.22533/at.ed.9542024078

CAPÍTULO 9....................................................................................................................... 145


PATRONES DE LOCALIZACIÓN E INSTALACIÓN DE INFRAESTRUCTURA RELIGIOSA CATÓLICA EN
SANTIAGO DE CHILE. 1850 – 1950
Mirtha Pallarés-Torres
Maria Eugenia Pallarés-Torres
Jing Chang Lou
DOI 10.22533/at.ed.9542024079

CAPÍTULO 10..................................................................................................................... 159


ESTUDO DE UM FRAGMENTO URBANO: O BAIRRO-JARDIM CHÁCARA FLORA, SÃO PAULO
Luciana Monzillo de Oliveira
Maria Pronin
DOI 10.22533/at.ed.95420240710

CAPÍTULO 11..................................................................................................................... 175


MARCAS E MATRIZES DA CONSTRUÇÃO DA PAISAGEM URBANA NO ALTO DA BOA VISTA, RIO DE
JANEIRO
Leonardo Rodrigues Pereira
DOI 10.22533/at.ed.95420240711

CAPÍTULO 12..................................................................................................................... 187


CEAGESP: RECONVERSÃO E PROJETO URBANO?
Bárbara Pereira Baptista
Nadia Somekh
DOI 10.22533/at.ed.95420240712

CAPÍTULO 13..................................................................................................................... 203


A EVOLUÇÃO DAS INTERVENÇÕES URBANAS SOBRE A CONFORMAÇÃO DA PAISAGEM DE UMA
CENTRALIDADE LINEAR: AVENIDA REBOUÇAS, EM SÃO PAULO
Maria Pronin
Luciana Monzillo de Oliveira
DOI 10.22533/at.ed.95420240713

CAPÍTULO 14..................................................................................................................... 219


AFINAL, O QUE SÃO ECOVILAS? EM BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO
Juliana Viégas de Lima Valverde
DOI 10.22533/at.ed.95420240714

CAPÍTULO 15..................................................................................................................... 233


ESTRATÉGIAS DE PROJETO PARTICIPATIVO EM ÁREAS DE VULNERABILIDADE SOCIAL
Júlio Barretto Gadelha
Tomaz Amaral Lotufo
DOI 10.22533/at.ed.95420240715

SUMÁRIO
CAPÍTULO 16..................................................................................................................... 267
MOBILIDADE ATIVA E CAMINHABILIDADE: ENSAIO PROJETUAL NA AV. JAIR DE ANDRADE
Mateus Marcarini Zon
Larissa Leticia Andara Ramos
Laura Lopes Akel
Natália Brisa do Nascimento Santos 
DOI 10.22533/at.ed.95420240716

CAPÍTULO 17..................................................................................................................... 279


PRÁTICAS URBANAS CRIATIVAS: ESTUDO, ANÁLISE E IMPACTO DE AÇÕES TÁTICAS NO ESPAÇO
PÚBLICO
Carolina Vittória Ortenzi Bortolozzo Carvalho
DOI 10.22533/at.ed.95420240717

CAPÍTULO 18..................................................................................................................... 296


GESTÃO URBANA E PARTICIPAÇÃO SOCIAL: REFLEXÃO EM TEMPOS DE DISSENSO
Andre Reis Balsini
DOI 10.22533/at.ed.95420240718

SOBRE A ORGANIZADORA.............................................................................................. 309

ÍNDICE REMISSIVO........................................................................................................... 310

SUMÁRIO
CAPÍTULO 1
doi

ÁREAS DE PRESERVAÇÃO E URBANIZAÇÃO: O


DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO LITORAL
PAULISTA

Data de aceite: 05/07/2020 dos municípios dessa região é São Sebastião,


Data de submissão: 19/05/2020 onde cerca de 25000 famílias habitam áreas
de risco e é a localização de parte significativa
do Parque Estadual da Serra do Mar, maior
Isabella Silva de Serro Azul reserva contínua de Mata Atlântica do país.
Universidade Presbiteriana Mackenzie,
O objetivo deste trabalho é contribuir para o
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo São Paulo
– SP estabelecimento de relações entre as diretrizes

http://lattes.cnpq.br/9849357257274499 das políticas públicas vigentes em São Sebastião


e o urbanismo sustentável. Este estudo foi
Gabriela Sayuri Durante
Universidade Presbiteriana Mackenzie, iniciado em 2015, na sua primeira etapa foram
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo São Paulo levantados dados secundários e realizados
– SP levantamentos em campo. Posteriormente, foi
http://lattes.cnpq.br/6577935164347007 estruturado o referencial teórico da pesquisa
Samuel Bertrand Melo Nazareth para ser utilizado como embasamento das
Universidade Presbiteriana Mackenzie, análises críticas. Os programas colocados
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo São Paulo
em prática recentemente em São Sebastião
– SP
apontam avanços significativos para as questões
http://lattes.cnpq.br/9184883670205869
da população vulnerável e da preservação
do meio ambiente. No entanto, o urbanismo
sustentável é mais abrangente e existem outros
RESUMO: Desde o início da década de 1970 aspectos discutidos que não são abordados
discute-se o desenvolvimento sustentável nas diretrizes propostas, como a priorização de
como aquele cujas dimensões sociais e modais de transporte não motorizados.
ambientais não são subjugadas às econômicas. PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento
Esse conceito é aplicado em diversas áreas, sustentável, urbanização, Parque Estadual da
inclusive no urbanismo. Diversos programas de Serra do Mar.
urbanização que são considerados sustentáveis
foram criados para diferentes lugares, como no
caso do litoral do Estado de São Paulo. Um

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 1 1


PRESERVATION AND URBANIZATION AREAS: SUSTAINABLE DEVELOPMENT IN THE

SÃO PAULO COAST

ABSTRACT: Since the beginning of 1970 there are discussions about sustainable development
as the one in which social and environmental dimensions are not less important than the
economical one. This concept is applied in multiple areas, including the urbanism. Several
urbanism programs considered sustainable have been created, as in this case of the São
Paulo state coast. One of the counties of this region is São Sebastião, where 25.000 families
live in risk areas and within the most significant continued reserve of Atlantic forest in the
country, the Serra do Mar Estate Park. The objective of this paper is the establishment of
relationships between the public politics guidelines in São Sebastião and the sustainable
urbanism. This study was initiated in 2015, in the first stage, the secondary datas were found
and a field survey was performed. Posteriorly, the theoretical reference of the survey were
structured in order to be used as foundations for critical analysis. The recent practices that
were put in place in São Sebatião point to significant advances for the vulnerable population
and the environment preservation questions. However, sustainable urbanism is broad and
some others aspect discussed were not taken in place on the proposed guideline, such as
the prioritization of non-motorized modes of transport .
KEYWORDS: Sustainable development, urbanization, Serra do Mar State Park.

1 | INTRODUÇÃO

A Serra do Mar está presente no norte de Santa Catarina, no Estado de São Paulo e
no do Rio de Janeiro, totalizando aproximadamente 1500 km de extensão. O Conselho de
Defesa do Patrimônio Histórico (Condephaat) a tombou em 1985 devido à sua formação
geológica e à abundância de fauna e flora típicas da Mata Atlântica. Essa região configura
uma área de preservação ambiental chamada Parque Estadual da Serra do Mar (PESM)
(SECRETARIA DO ESTADO DA CULTURA DE SÃO PAULO, 2013).
Em São Paulo, a escarpa da Serra do Mar encontra-se próxima à praia e os municípios
estão localizados em uma estreita faixa de planície entre elas. Esse é o caso de São
Sebastião (Fig. 1), pertencente à microrregião de Caraguatatuba.

Figura 1: Localização de São Sebastião


Fonte: Acervo próprio, 2016

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 1 2


A situação geográfica de São Sebastião condicionou a fragmentação das suas áreas
urbanizadas. Os acessos e interligações entre elas são realizados pela rodovia SP-55, o
que gera um problema de mobilidade no município (PÓLIS, 2012).
São Sebastião possui uma população fixa de 83.020 habitantes, cuja a principal
fonte de renda é a prestação de serviços nos condomínios de veraneio de alto padrão. O
município enfrenta problemas com a insuficiência do saneamento básico e essa situação
é agravada nas altas temporadas com a chegada da população flutuante (IBGE, 2010).
A elitização das regiões mais próximas às praias e aos centros urbanos de São
Sebastião faz com que a maior parte da população local consiga estabelecer suas
residências em terrenos mais afastados, aproximando-se dos limites do PESM e, em
alguns casos, extrapolando-os. Além do problema ambiental, esses assentamentos
irregulares estão em áreas de risco de deslizamento de terras provenientes da serra,
principalmente nas épocas de chuva intensa (PÓLIS, 2012).
Considerando os problemas detectados no contexto de São Sebastião, foram
elaborados programas considerados sustentáveis e eles atuam em consonância com
o Plano Diretor atual do município, atualizado em 2011. As diretrizes do Projeto de
Desenvolvimento Sustentável do Litoral de São Paulo do governo estadual, que está em
vigor desde 2007, e do Programa de Recuperação Socioambiental do Sistema Mosaico
da Serra do Mar e Mata Atlântica, executado em parceria entre as Secretarias do Meio
Ambiente e da Habitação, visam à amenização dessas questões (SÃO PAULO, 2004).
O objetivo deste trabalho é contribuir para o estabelecimento de relações entre as
diretrizes dessas políticas públicas vigentes em São Sebastião e o urbanismo sustentável
definido pelos autores selecionados para a composição do referencial teórico desta
pesquisa.

2 | MÉTODOS

Esta pesquisa foi iniciada em 2015 1, na etapa inicial da pesquisa foram levantados
dados sobre a legislação, população, economia e contexto histórico da região. Em seguida,
foram realizados levantamentos em campo e o tema foi discutido e analisado. Como
houve o interesse em prosseguir a pesquisa, foram realizadas outros procedimentos
metodológicos em 2019, organizados sequencialmente.
Nas etapas seguintes foram feitos outros levantamentos de dados secundários em
livros, e artigos científicos para estruturar o referencial teórico da pesquisa. Esse conteúdo
e o material obtido sobre São Sebastião foram utilizados como embasamento para as
análises críticas realizadas sobre os projeto de urbanização vigentes na região.

1 Durante o desenvolvimento do Trabalho Final de Graduação (TFG) realizado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Presbiteriana Mackenzie em parceria com a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU)
e com a École d’architecture de la ville et des territoires de Marne-la-Vallée, com a orientação do Prof. Dr. Valter Luis Cal-
dana Jr. e da Prof.ª Dr.ª Maria Augusta Justi Pisani.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 1 3


3 | DESENVOLVIMENTO URBANO SUSTENTÁVEL

Os impactos da industrialização, das condições de exploração dos recursos naturais,


da produção de alimentos e da poluição ambiental começaram a ser discutidos no âmbito
acadêmico após a realização do Clube de Roma em 1972. Nesse cenário de reflexões,
foi criado o conceito do desenvolvimento sustentável, como aquele cuja importância
atribuída às questões econômicas está equilibrada com os aspectos sociais e ambientais
(CASTRO; ALVIM, 2018).
Segundo Castro e Alvim (2009), na estruturação do conceito de desenvolvimento
sustentável apresentada nos acordos apoiados pela Organização das Nações Unidas
(ONU) ao longo dos anos da década 1970 e 1980, foram estabelecidas relações entre
a produção econômica, os impactos socioambientais e a urbanização. Com isso, foram
disseminadas pelo mundo diversas políticas públicas que consideravam todos os aspectos
abordados por esse termo.
No início do século XXI, a abrangência do desenvolvimento sustentável foi atualizada
por Ignacy Sachs (2002). O autor considera oito dimensões da sustentabilidade: a social,
a cultural, a ecológica, a ambiental, a territorial, a econômica, a política nacional e a
internacional.
Para Leite (2012), as cidades representam um grande desafio estratégico do planeta
neste momento e equivalem a oportunidade de um desenvolvimento sustentável global.
Portanto, o autor defende a criação de mecanismos capazes de aliar o desenvolvimento
dos espaços metropolitanos com o respeito e atenção necessários aos princípios da
sustentabilidade.
Considerando a relação entre os diversos aspectos do desenvolvimento sustentável
e a urbanização, Farr (2013) considera que os assentamentos humanos são definidos
como um sistema integrado, composto por indivíduos, sociedade, natureza e economia, e
não somente pelo desenho de implantação das moradias.
Farr (2013) pontua cinco parâmetros resultantes do urbanismo sustentável. Eles
são: o aumento da sustentabilidade por meio da densidade urbana, os corredores de
sustentabilidade, a biofilia, o alto desempenho e os bairros sustentáveis.
O adensamento é uma proposta oposta ao fenômeno de espraiamento urbano. A
expansão horizontal das cidades antes das áreas consolidadas atingirem uma densidade
demográfica ideal é um padrão em que, segundo especialistas, é vendida a ilusão de
uma vida mais pacata e próxima da natureza, enquanto, na verdade, estas situações se
revelam como isoladoras e alienantes (LEITE, 2012).
Em casos de urbanização mais densas, a relação entre o escoamento pluvial e
a quantidade de moradias é menor e existe a possibilidade da ocupação territorial ser
equivalente a uma parte menor da bacia hidrográfica. Além disso, o adensamento próximo
aos corredores de transporte público facilita e retém os seus usuários.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 1 4


Os corredores de sustentabilidade são destinados ao uso do transporte público e à
conectividade das áreas verdes na cidade. O primeiro, proporciona o aumento da facilidade
da população para a utilização do transporte público pelo fato deste estar integrado com os
espaços onde os habitantes realizam as suas diversas atividades. O segundo possibilita
a preservação de espécies, comunidades e diversidade de ecossistemas no meio urbano
(FARR, 2013).
A presença da natureza no espaço urbano em diversos tipos de áreas verdes, como
campos de esporte, praças cívicas e jardins comunitários é definida por Farr (2013) como
o parâmetro da biofilia. Esses espaços podem promover melhorias na segurança do
pedestre por meio da implantação da iluminação pública e na gestão de águas pluviais,
pelo fato de serem permeáveis, além de possibilitarem a produção de alimentos.
Outro parâmetro emergente do urbanismo sustentável de Farr (2013) do alto
desempenho. No caso das edificações, elas apresentam um menor consumo de energia,
reduzindo impacto ambiental provocado. Já para as infraestruturas, estas se referem ao
controle da água pluvial e à gestão do sistema viário, que se relacionam no quesito dos
fluxos. Enquanto a primeira possibilita o equilíbrio na proporção dos solos permeáveis
e não permeáveis, o que tem influência direta no escoamento das águas das chuvas, a
segunda foca na otimização dos sistemas de locomoção (FARR, 2013).
Segundo Leite (2012), a locomoção é um dos maiores desafios das cidades
contemporâneas. O autor explica que não existe uma solução de mobilidade pronta e
genérica a ser aplicada nas diversas cidades, mas trata-se de repensar os hábitos dos
indivíduos, bem como os modelos de transporte atuais.
Todos esses parâmetros resultantes do urbanismo sustentável devem ser
contemplados no que Farr (2013) define como bairro sustentável. Nele, os habitantes
podem realizar todas as suas atividades com diversos meios de locomoção, inclusive
opções não motorizadas. Além disso existe uma central de transporte intermodal que o
conecta com outros lugares.
Leite (2012) afirma que a integração de diferentes meios de transportes motorizados
e não motorizados, chamada pelo autor de multimodalidade, é um fator comum no ranking
global de cidades sustentáveis. No Brasil, temos o exemplo de Curitiba que possui um
planejamento urbano bem estruturado, onde destaca-se o eficiente sistema de corredores
de ônibus implantado ao longo do eixo de adensamento residencial.
Nos casos de cidades onde a multimodalidade é explorada, os usuários da zona
residencial tem fácil acesso ao transporte público, de maneira que seja possível mesclar
diferentes formas de deslocamento, sejam elas motorizadas ou não. A redução do uso
dos veículos motorizados privativos é importante para a diminuição da emissão de gases
na atmosfera e proporciona um cenário urbano adequado a escala do pedestre (LEITE,
2012).
A adequação a escala do pedestre está relacionada com a igualdade no direito de ir
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 1 5
e vir para todas as camadas sociais. Segundo Gehl (2010), essa acessibilidade universal
é o que promove a sustentabilidade social nas cidades.
Tendo em vista todos esses parâmetros resultantes do urbanismo sustentável,
Farr (2013) afirma que a implementação das suas propostas requer a participação de
profissionais de diversas áreas de atuação e a sua consolidação depende do envolvimento
das gerações futuras. Ele aponta a importância de repensarmos nossos hábitos e modelos
urbanos com a premissa de que “nós, humanos, somos agora uma super espécie fazendo
escolhas pessoais e nacionais que juntas irão determinar o mundo que será herdado por
nossos filhos e o futuro das nossas espécies na Terra.” (FARR, 2013, n.p.)
O urbanismo sustentável é um termo abrangente que visa ao estabelecimento de um
equilíbrio em cadeia, do qual cada vez mais indivíduos possam se beneficiar. Atualmente,
a importância dessas considerações no planejamento urbano é reconhecida e aplicada
como uma maneira de estimular a população a optar por um estilo de vida com menor
impacto ambiental (FARR, 2013).
Com as previsões de um contexto mundial cada vez mais urbano, as discussões se
voltam para analisar e repensar os exemplos de cidades existentes. Leite (2012) aborda
a regeneração urbana e esclarece que o foco é a reabilitação os centros das cidades, ao
invés da expansão de territórios. A recuperação e reestruturação de uma localidade é uma
alternativa generosa com seu potencial histórico e vazios urbanos.
O planejamento estratégico e a regeneração dos territórios existentes podem ser
viabilizados e aprimorados com a implantação de inovações econômicas e tecnológicas
Os avanços tecnológicos promovem um aumento significativo da acessibilidade em
diversas regiões e provocam melhorias significativas nos sistemas de transportes, tanto
nos coletivos, quanto nos individuais, e também nas redes de comunicações ao redor do
mundo.
Considerando o processo de globalização que provocou novas dinâmicas e padrões
urbanos, Leite (2012) aborda a capacidade das cidades compactas e criativas de
promoverem circunstâncias mais democráticas e conectadas, como malhas urbanas entre
os núcleos adensados com usos de solo diversificados. Além disso, elas apresentam
eficientes sistemas de transporte público que encorajamo os usuários a realizarem
caminhadas, ciclismo e a utilizarem novos modelos de carros, cujo impacto ambiental é
menor.
O urbanismo sustentável é um conceito em constante desenvolvimento, pois
acompanha a atualizações da informações, das conquistas e do senso de urgência da
sociedade local. Além disso, ele é um movimento com premissas básicas, mas que deve
considerar as condicionantes e particularidades locais que configuram o contexto próprio
de cada região (SILVA; ROMERO, 2011).
No contexto contemporâneo brasileiro, Abiko (2009) aponta os conflitos entre a cidade
formal e a informal como um dos principais desafios do desenvolvimento sustentável
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 1 6
das cidades do país. Em diversas situações, a infraestrutura urbana não acompanhou o
crescimento populacional dos últimos anos, gerando essas divisões no território urbanos
de acordo com a sua formalidade.
Sendo assim, os habitantes da cidade informal não tem acesso às necessidades
primordiais explicitadas por Ferreira (1998) que compõem o padrão de habitabilidade
urbana, como o espaço interno, externo e do entorno de sua residência saudável, o
acesso à infraestrutura, equipamentos, serviços, lazer cultura, esporte e direito à cidade,
o sentimento de pertencimento ao espaço que habita e a qualidade de vida. Desta forma,
a inclusão social e territorial é essencial para a promoção de cidades sustentáveis.
O conceito de habitabilidade urbana é definido como “a condição da unidade
habitacional estar ligada à infraestrutura urbana básica e de serviços e se sentir inserida
ou pertencente ao tecido urbano” (COHEN, 2004, p.122). Portanto, esse é um indicador
da sustentabilidade local e promoção de cidades sustentáveis.
Os principais fatores de risco na habitação são: a carência de infraestrutura urbana;
o transporte ineficaz; a precariedade na assistência médica e educacional; o paisagismo
deficiente, originando insolação inadequada; a ausência de iniciativas comunitárias e de
cidadania; a existência de habitantes de rua, originando marginalidade, promiscuidade
e incidência de doenças transmissíveis devido à precariedade do ambiente construído e
seu entorno (COHEN, 2004).
Rolnik e Nakano (2003), complementam os fatores de risco habitação de risco da
habitação explicitando a inseguridade, seja do terreno, da construção ou ainda da condição
jurídica de posse daquele território. As terras onde se desenvolvem os assentamentos
irregulares são, com frequência, aquelas mais vulneráveis devido a suas características
ambientais. Sendo elas mais frágeis, perigosas e de difícil urbanização, como encostas
íngremes, beiras de córregos e áreas alagadiças.
Para a determinação das necessidades habitacionais, é preciso que sejam
estabelecidos parâmetros mínimos de habitabilidade, a partir dos quais possam ser
mensurados o tamanho e a natureza dos problemas habitacionais locais (RIBEIRO;
CARDOSO; LAGO, 2003).

4 | URBANIZAÇÃO E SUSTENTABILIDADE EM SÃO SEBASTIÃO

Nas últimas décadas, os processos de urbanização dos municípios do litoral do


Estado de São Paulo ocorreram inadequadamente, resultando em situações que afetam,
principalmente, a população local. Atualmente, existem projetos, como a exploração do
Pré-sal na bacia de Santos, a extensão da Rodovia dos Tamoios e a ampliação da área
portuária de São Sebastião, que provavelmente irão provocar transformações sociais,
econômicas, ambientais e territoriais na região. Dentro deste contexto, foram articuladas

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 1 7


políticas públicas visando ao desenvolvimento sustentável dessa região.
O Projeto Litoral Sustentável foi proposto pelo Instituto Pólis com apoio da Petrobras
para a realização de diagnósticos participativos e a elaboração de Agendas, tanto na
escala regional, quanto nas municipais.
A atuação do programa em diversas escalas com iniciativas específicas para cada
um dos municípios da Baixada Santista e do Litoral Norte demonstra uma preocupação
com as particularidades e condicionantes locais. Essa consideração das características
do contexto é ressaltada por Silva e Romero (2011) como um aspecto importante para a
promover sustentabilidade urbana.
No diagnóstico do município de São Sebastião foram detectadas questões nas
esferas econômicas, ambientais, sociais, políticas, econômicas e culturais (PÓLIS,
2012). A proposta de considerar todas essas dimensões aproxima-se da definição de
sustentabilidade de Sachs (2002), demonstrando a abrangência do programa e a sua
contextualização no cenário contemporâneo.
Atualmente, a economia de São Sebastião estrutura-se no conjunto de serviços
gerais e comércios compostos por pequenas empresas de reparação, hospedagem e
alimentação (Fig. 2), no entanto, a maior parte da população atua em trabalhos informais.
A população que realiza atividades de pesca e agricultura não pode comercializar seus
produtos nas feiras regionais porque não há inspeções locais de vigilância sanitária. Com
isso, eles também aderiram ao mercado informal e grande parte do abastecimento de
alimentos do local fica por conta de produtores externos.

Figura 2: Comércio em São Sebastião


Fonte: Acervo próprio, 2015

Esse contexto socioeconômico de São Sebastião evidencia a necessidade de


políticas públicas para promover a integração dos habitantes locais. O programa propõe
a inclusão dessa população a partir de auxílio no uso sustentável do território para a

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 1 8


produção de alimentos e para o uso turístico, ambos dentro das limitações específicas
para garantir a preservação ambiental da região (PÓLIS, 2012).
As atividades econômicas propostas pelo programa em relação a produção de
alimentos e ao turismo visam à preservação ambiental e à integração dos indivíduos com
a natureza no meio urbano. Farr (2013) define essa prática como biofilia, sendo um dos
parâmetros eminentes do urbanismo sustentável.
A presença da Mata Atlântica em São Sebastião é uma importante condicionante
ambiental devido a sua formação geológica e a sua biodiversidade endêmica. Existem no
município doze Unidades de Conservação, sendo que o PESM é a maior de todas.
O PESM é administrado pela Fundação para a Conservação e a Produção Florestal
do Estado de São Paulo e configura a maior reserva deste bioma do país. O parque
está presente em oito municípios e a área de preservação em São Sebastião é de 30
mil ha, configurando um corredor ecológico (PÓLIS, 2012). Segundo Farr (2013), essa
configuração viabiliza a preservação de espécies, e diversidades de ecossistemas no
meio urbano (Fig. 3).

Figura 3: Limites entre o PESM e a cidade de São Sebastião


Fonte: Acervo próprio, 2015

A Agenda de Desenvolvimento Sustentável para São Sebastião elaborada pelo


programa propõe a intervenção e acompanhamento de diversas áreas de preservação,
incluindo a implantação de um sistema de vigilância ambiental as unidades de conservação
com uma estrutura de salas de operação para o compartilhamento dos dados obtidos. Para
garantir a eficiência dessa diretriz, também são propostos treinamento para a prefeituras
realizar esse tipo de operação (PAULO, 2004).
A preservação dessas unidades de conservação, inclusive do PESM, estão previstas
no Plano de Desenvolvimento Integrado de São Sebastião, criado em 2011 para ser utilizado
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 1 9
até 2031 com revisões ao previstas dentro desse período. As suas diretrizes integram
a urbanização com as questões ambientais, propondo uma divisão com macrozonas e
subdivisões em macroáreas. Dessa forma, foi proposto um zoneamento para garantir a
preservação ambiental com diferentes restrições e tipos de uso e ocupação do solo.
A presença da natureza nessas unidades de conservação de São Sebastião estão de
acordo com o parâmetro de biofilia. Esse tipo de espaço no meio urbano tem potencial para
aumentar a segurança dos pedestres devido à possibilidade de implantação de iluminação
pública e para melhorar a gestão de águas pluviais, por serem áreas permeáveis (FARR,
2013).
Atualmente, existem áreas de preservação ocupadas por habitantes locais em
assentamentos precários (Fig. 4). Essa ocupação ocorre devido ao processo de
especulação imobiliária que torna os terrenos mais próximos da praia mais valorizados
(PÓLIS, 2012). Com isso, configura-se em São Sebastião o conflito entre a cidade
formal e a informal, detectado por Abiko (2009) como um dos principais desafios para a
sustentabilidade urbana nas cidades brasileiras contemporâneas.

Figura 4: Residência em área de risco em São Sebastião


Fonte: Acervo próprio, 2015

Em São Sebastião existem 71 assentamentos precários localizados predominantemente


entre a rodovia SP-55 (Rodovia Dr. Manoel Hyppolito Rego) e a Serra do Mar (PÓLIS,
2012). Algumas dessas habitações estão em áreas de risco, sujeitas ao deslizamento de
terras, principalmente nos períodos de chuva abundante que é no verão (Fig. 5). Rolnik e
Nakano (2003) explicam que além da inseguridade do terreno e da construção, a condição
jurídica da posse do território também configura uma situação de risco da habitação.
A Agenda de Desenvolvimento Sustentável do Programa a remoção das famílias que

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 1 10


habitam áreas de risco, promovendo a sua realocação para zonas de urbanização em
todo o litoral do Estado de São Paulo e a ocupação de vazios urbanos (GOVERNO DO
ESTADO DE SÃO PAULO, 2004).
Os vazios urbanos de São Sebastião são recorrência da urbanização fragmentada
do município. Outro problema causado por esse processo é a descontinuidade nos
sistemas de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgotos. A região mais
crítica encontra-se no sul do município, onde, tanto condomínios de média e alta renda,
quanto os assentamentos precários não são atendidos adequadamente pela infraestrutura
urbana. (PÓLIS, 2012). A inadequação do saneamento básico e a existência de habitação
de risco evidenciam o comprometimento da habitabilidade no município de São Sebastião
que, segundo Cohen (2004) é visto um indicador da falta sustentabilidade urbana.
Segundo Cohen (2004) a eficiência do transporte também é um dos fatores que
promovem a habitabilidade. Em São Sebastião, o deslocamento entre os núcleos urbanos
é realizado majoritariamente pela rodovia SP-55. Apesar dessa situação ser decorrente
da urbanização fragmentada condicionada pelas características físicas do município, ela
não proporciona condições adequadas de mobilidade urbana. A proposta para amenizar
essa situação inclui obras viárias, tanto a duplicação da Rodovia dos Tamoios, quanto
a implantação do Contorno Sul para interligar São Sebastião ao município vizinho,
Caraguatatuba (PÓLIS, 2012).
Dessa forma, não foram feitas proposta para a mobilidade de São Sebastião que
sejam favoráveis para promover o urbanismo sustentável. A priorização do sistema viário,
contraria a premissa de estimular os transportes não motorizados para contribuir na
redução de emissão de gases de efeito estufa (FARR, 2013).
Manter o sistema viário de São Sebastião sem a sua integração com outros meios de
locomoção não contempla a multimodalidade, apontada por Leite (2012) como um fator
comum das cidades sustentáveis. Além disso, não existe uma adequação para a escala do
pedestre. Este é um dos fatores que promove a democratização da locomoção nas cidades
e a acessibilidade universal é, segundo Gehl (2010), essencial para a sustentabilidade.

5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS

As diretrizes apresentadas pelas políticas públicas atualmente vigentes em São


Sebastião estão em concordância com as definições do urbanismo sustentável adotadas
neste trabalho. Como esse tema é mais abrangente, nem todos os conceitos intrínsecos
abordados pelos autores selecionados como referencial teórico desta pesquisa estão
presentes nas propostas.
Os avanços são significativos na realocação da população vulnerável e na preservação
do meio ambiente. No entanto, a questão do saneamento básico e da mobilidade no
município poderiam ser aprimoradas. Esta última com a integração de propostas mais
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 1 11
adequadas para estimular os percursos na escala do pedestre e ciclista.

REFERÊNCIAS
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CASTRO, Afonso C. ; ALVIM, Angelica B..Conceptual landmarks of sustainable development in cities -


a reading of the process of building the idea of sustainable development. IOP conference series: materials
science and engineering, v. 471, p. 092032-092042, 2019.

COHEN, Simone Cynamon. Habitação saudável como caminho para a promoção da saúde. Tese
(Doutorado em Ciências nas área de Saúde Pública). Ministério da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz. Escola
Nacional de Saúde Pública. Rio de Janeiro, 2004

FARR, Douglas. Urbanismo sustentável: desenho urbano com a natureza. Porto Alegre: Bookman Editora
LTDA, 2013.

FERREIRA, L. da C. A questão ambiental: sustentabilidade e políticas no Brasil. São Paulo: Bomtempo


Editorial, 1998.

GEHL, Jan. Cidade para pessoas. São Paulo: Editora Perspectiva, 2010.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IGBE). Censo de 2010 [acesso online] Disponível em: http://
censo2010.ibge.gov.br/ Acesso em: 28 ago. 2019.

Leite, Carlos. Cidades sustentáveis, cidades inteligentes: desenvolvimento sustentável num planeta
urbano. Porto Alegre: Bookman Editora LTDA, 2012.

PÓLIS, Instituto. Diagnóstico urbano socioambiental e programa de desenvolvimento sustentável em


municípios da baixada santista e litoral norte do estado de São Paulo – São Sebastião. [acesso online].
São Paulo, 2012. Disponível em: file:///c:/users/usuario/downloads/1601.pdf Acesso em: 10 out. 2016.

RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz; CARDOSO, Adauto Lucio. Reforma urbana e gestão democrática:
promessas e desafios do Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: Revan/FASE, 2003.

ROLNIK, Raquel; NAKANO, Kazuo. As armadilhas do pacote habitacional. Le Monde Diplomatique Brasil,
Ano 2, n. 20. São Paulo: Instituto Polis, 2009.

SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamonde, 2002.

SÃO PAULO, Governo do Estado. Projeto desenvolvimento sustentável do litoral paulista – programa
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Disponível em: http://serradomar.sp.gov.br/pdslp/ Acesso em: 21 out. 2016

SÃO PAULO, Secretaria do Estado da Cultura. Conselho de defesa do


patrimônio histórico, arqueológico, artístico e turístico. [acesso online].
São Paulo, 2013. Disponível em: http://www.cultura.sp.gov.br/portal/site/sec/
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Acesso em: 09 mai. 2015.

SILVA, Geovany Jessé Alexandre da. ROMERO, Marta Adriana Bustos. O urbanismo sustentável no Brasil:
a revisão de conceitos urbanos para o século XXI. Arquitextos, Ano 11, n. 128.3. São Paulo: Portal Vitruvius,
2011.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 1 12


CAPÍTULO 2
doi

ANÁLISE MORFOLÓGICA DE PADRÕES ESPACIAIS


DA VEGETAÇÃO NATIVA REMANESCENTE
DO MUNICÍPIO DE POÇOS DE CALDAS, MG,
COMO SUBSÍDIO PARA CONSTRUÇÃO DE
INFRAESTRUTURA VERDE

Data de aceite: 05/07/2020 quantificação de suas áreas. Posteriormente, foi


Data de submissão: 06/05/2020 realizada análise de fragmentação, indicando
regiões de maior vulnerabilidade ecológica,
prioridade de conservação e conflito de uso.
Leandro Letti da Silva Araújo Os resultados do mapeamento forneceram
Curso de Arquitetura e Urbanismo, Pontifícia
uma visão completa da estrutura da paisagem,
Universidade Católica de Minas Gerais
indicando áreas potenciais para a condução
Poços de Caldas, Minas Gerais
de infraestrutura verde no território municipal
http://lattes.cnpq.br/9719364181013445
associada às funções ecológicas, atribuídas
Evandro Ziggiatti Monteiro
Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e
à morfologia dos elementos da paisagem
Urbanismo – Universidade Estadual de Campinas compostos por vegetação florestal nativa. Como
Campinas São Paulo resultados complementares, foram destacados
http://lattes.cnpq.br/7432026322841170 os aspectos mais relevantes associados à
fragmentação, indicando que a complexidade
da forma e a dispersão do fragmento influenciam
mais os níveis de fragmentação do que sua
RESUMO: Como início dos estudos para o
área e a distância.
desenvolvimento de uma infraestrutura verde
PALAVRAS-CHAVE: Infraestrutura verde;
para a cidade de Poços de Caldas, na região
Ecologia de paisagens; Fragmentação espacial;
sudeste do Brasil, este trabalho propõe a análise
Processamento de imagens; Análise espacial.
da distribuição e fragmentação do conjunto
remanescente de florestas nativas, identificando
os padrões morfológicos dos elementos que
estruturam o mosaico da paisagem regional.
Utilizando o mapeamento de unidades de
paisagem por meio de sensoriamento remoto,
foi realizada a análise morfológica de padrões
espaciais (MSPA), foi possível identificar a
estrutura dos elementos, categorizados como
área núcleo, borda, corredores e ilhas, além da

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 2 13


MORPHOLOGICAL ANALYSIS OF SPATIAL PATTERNS OF NATIVE VEGETATION

REMAINING OF THE CITY OF POÇOS DE CALDAS, MG, AS A SUBSIDY FOR THE

IMPLEMENTATION OF A GREEN INFRASTRUCTURE

ABSTRACT: As the beginning of studies for the development of a green infrastructure for
the city of Poços de Caldas, in the southeastern region of Brazil, this work proposes the
analysis of the distribution and fragmentation of the remaining native forest by identifying
the morphological patterns of the elements that structure the regional landscape mosaic.
Using remote sensing, the morphological analysis of spatial patterns (MSPA) was performed,
providing the quantification and distribution of the structure and identifying elements
categorized as core area, edge, bridges and islets. Subsequently, a fragmentation analysis
was performed, indicating regions of greater ecological vulnerability, conservation priority and
use conflict. The mapping results provided a complete overview of the landscape structure,
indicating potential areas for conducting green infrastructure in municipal territory composed
of native forest vegetation, indicating that the complexity of the shape and the shredding of
the fragment influences fragmentation levels more than area and distance.
KEYWORDS: Green infrastructure; Landscape Ecology; Forest Fragmentation; Morphological
Analysis; Spatial analysis.

1 | INTRODUÇÃO

Em virtude dos impactos negativos oriundos de atividades humanas, torna-se cada


vez mais frequente a necessidade de estratégias e conceitos que promovam o equilíbrio
entre as necessidades da sociedade e a conservação das paisagens naturais. Estas,
geralmente, são consideradas como suportes ou para obtenção de recursos, tendo sua
proteção determinada por legislações específicas. Assim, mudanças na forma de se
interpretar o meio natural, com base no respeito de suas potencialidades e fragilidades,
pode vir a representar um momento de ruptura perante modelos predatórios de apropriação
e ocupação dos espaços naturais.
Nessa questão insere-se o conceito de Infraestrutura verde, que, segundo Benedict
e McMahon (2006), é definida como uma rede interconectada de espaços naturais
e projetados responsável por manter funções e serviços ecossistêmicos, garantindo
a qualidade dos sistemas de suporte das atividades humanas e vida silvestre. Como
funções e serviços ecossistêmicas, entende-se como as atividades de regulação climática,
ciclagem de nutrientes, provisão de habitats e manutenção dos suportes e dos recursos
essenciais para a vida, sendo que, sob uma ótica humana, são necessários às atividades
econômicas, sociais e bem-estar e qualidade de vida. De acordo com Herzog e Rosa
(2010), “A infraestrutura verde proporciona serviços ecossistêmicos ao mimetizar as
funções naturais da paisagem, visa conservar e restaurar áreas ecológicas relevantes”.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 2 14


Ao atuar como base fundamental das cidades, como o sistema viário ou sistema
de saneamento, permite a integração de agendas políticas de tomadores de decisão
a necessidades atuais, como resiliência a eventos climáticos, produção sustentável,
conservação da biodiversidade e promoção de qualidade de vida (Silva & Wheeler, 2019).
Contrasta com os meios atuais de urbanização, apelidados de “infraestrutura cinza”, pois
estes são geralmente associados a funções específicas, sofrendo adaptações ao longo
do tempo à medida que problemas e impactos inesperados surgem, sendo, geralmente
ineficientes pela falta de uma visão sistêmica, base fundamental dos sistemas ecológicos.
De forma geral, o fundamento básico de infraestruturas verdes é sua concepção
enquanto rede, interligada por fatores e elementos responsáveis pelo equilíbrio do suporte
e das funções ecológicas. A consideração de aspectos como a sazonalidade climática,
regime pluvial, aspectos geológicos e pedológicos, sua influência sobre os recursos
hídricos superficiais e subterrâneos, as características da vegetação e as relações entre
as populações de seres vivos são essenciais para manutenção dessa rede, de forma que
sua fragmentação pode ser responsável pela redução da resiliência que afeta a todas as
populações urbanas, sob a forma de enchentes, ilhas de calor, vetores de doenças, perda
de solo, entre outros.
A legislação ambiental brasileira determina a preservação e conservação de áreas,
cobertas ou não por vegetação nativa, “com a função de preservar os recursos hídricos,
a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna
e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas” (Brasil, 2012).
No entanto, o modelo de desenvolvimento adotado, sob um panorama geral, ainda é
caracterizado por políticas e ações que ampliam a fragmentação ecológica e impactando
as populações (Zhang et al., 2019).
De acordo com Forman (1995), a fragmentação consiste na ruptura de habitats,
ecossistema ou uso da terra em parcelas menores por eventos naturais ou antrópicos e,
entre seus efeitos estão o aumento do risco de extinção de diversas espécies da fauna e
flora, danos na integridade das redes de recursos hídricos e qualidade das águas de um
aquífero, entre outros distúrbios que podem ocorrer ao longo dos processos ecológicos
realizados pelos ecossistemas. Nesse contexto, a avaliação da fragmentação espacial da
paisagem deve ser realizada levando-se em consideração a relação entre as manchas
de vegetação e os objetos ou ações ocorridas em seu entorno que podem ter levado a
suposta fragmentação, expondo uma provável interdependência.
Entre as disciplinas que estuda o tema, a Ecologia de Paisagens aborda o estudo
de padrões dos elementos que compõe um mosaico paisagístico, suas interrelações
e como os padrões morfológicos influenciam tais interrelações no tempo e no espaço.
Por contar com ampla gama de métodos auxiliados por ambiente digital, sensoriamento
remoto, geoprocessamento e sistemas de informações geográficas, permite a análise
de paisagens sob várias óticas, fornecendo métricas para quantificação, interpretação e
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 2 15
simulação de cenários de conservação ecológica (McGarigal & Marks, 1995).
Diante disso, este trabalho tem como objetivo principal iniciar uma série de estudos
práticos e sistemáticos sobre o planejamento de uma infraestrutura verde no município
de Poços de Caldas, sul do estado de Minas Gerais. Admite-se a complexidade e a
necessidade de abordagens multifatoriais para interpretação dos sistemas ecológicos,
no entanto, como ponto de partida, propõe-se uma análise preliminar da situação da
fragmentação dos espaços de vegetação em todo o território municipal, a partir do uso
de sensoriamento remoto e métricas de paisagem. Espera-se, com os procedimentos
propostos, entender: i. a distribuição; ii. estimar a quantificação; iii. identificar espaços
vulneráveis e com potencial de recuperação e conservação ecológica; e iv. avaliar o uso
de método para identificação de padrões espaciais em paisagens

2 | MATERIAIS E MÉTODOS

2.1 Área de estudo

O mapeamento abrange todo o município de Poços de Caldas, sul do Estado de


Minas Gerais, com área territorial de 547km², estimativa populacional para o ano de 2018
de 166.111 habitantes, resultando em uma densidade demográfica de 303,67 hab/km²
(IBGE, 2018). A população é predominantemente urbana, cerca de 97% e as principais
atividades econômicas são o setor de serviços, turismo e mineração de bauxita. No setor
do turismo, ressalta-se a importância das águas minerais e termais, o que influenciou
todo o processo de desenvolvimento urbano na cidade no início do século XX, a partir de
conceitos avançados de infraestrutura de drenagem, urbanismo e embelezamento urbano
baseado em modelos europeus, o que promoveu a construção de espaços verdes de
grande valor ambiental e sociocultural.
A região é conhecida pela geologia do Planalto de Poços de Caldas, um maciço
alcalino resultado de um lento processo de vulcanismo, que originou a forma de uma
caldeira circular (Moraes, 2007). Possui altitude média de 1250m, contrastando com as
cidades próximas da região, como São João da Boa Vista, distante apenas 30km e com
altitude média de 800m. Em função da altitude, o clima é classificado como Tropical de
Altitude – Cwb, implicando em temperaturas amenas ao longo do ano e inverno entre
-3 e 18°C. Está inserido na bacia hidrográfica do Rio Grande, que abrange os afluentes
mineiros dos rios Mogi-Guaçu e Pardo. A Figura 1 apresenta a imagem utilizada para o
mapeamento, com destaque para estrutura circular do Planalto de Poços de Caldas. Os
tons azulados indicam áreas urbanas, verdes indicam campos e pastagens, vermelhos
indicam vegetação florestal e azul escuro, represas.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 2 16


Figura 1. Esquerda: Imagem do satélite LANDSAT 8 de 2018; direita: fotografias da cidade de Poços de
Caldas e do planalto de Poços de Caldas. Fonte: autor e data desconhecidos.

Em relação à vegetação nativa, o município está inserido no bioma Mata Atlântica, e


apresenta as fitofisionomias florestais denominadas Floresta Ombrófila dos tipos Aluvial,
Montana e Altomontana, presentes nas serras, sobretudo em faces de pouca insolação
e talvegues de declividade acentuada, Floresta Estacional Semidecidual, presente em
grande parte das matas ciliares e morros com declividade moderada, Floresta Ombrófila
Mista com a presença de remanescentes de araucárias, além de fitofisionomias gramíneas,
com destaque para Campos de Altitude (PMPC, 2009).
No que tange aos parâmetros legais de proteção da vegetação, além do Código
Florestal, os maiores fragmentos são protegidos pela Lei Complementar nº 74/2006 que
regulamenta o Plano Diretor Municipal de Poços de Caldas, sem, no entanto, impedir usos
conflitantes em seu entorno. O mapa de macrozoneamento é apresentado na Figura 2. A
grande área em verde claro é denominada como Zona Rural de Proteção Ambiental e as
manchas em verde escuro pertencem à Zona de Proteção Ambiental. No entanto, como
já mencionado, usos conflitantes com elementos protegidos, porém isolados, contribui
para a fragmentação florestal do município e para situações de impacto, como indicado
no detalhe.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 2 17


Figura 2. No alto: macrozoneamento municipal; embaixo: cenas extraídas do Google Earth Pro datadas
de 2016 e 2019. Fonte: PMPC, 2006.

O município possui 3 unidades de conservação, sendo o Parque Municipal da Serra


de São Domingos, serra que limita a expansão da urbanização a norte e que possui grande
significado ambiental, perceptivo e turístico para cidade, e duas Reservas Particulares do
Patrimônio Natural, situadas em zona rural.

2.2 Modelo mosaico-fragmento-corredor-matriz

Paisagens são caracterizadas pela heterogeneidade de elementos que dão origem


a um conjunto singular e indissociável, interpretado como um mosaico paisagístico. No
entanto, apesar de indissociável, para auxiliar em processos analíticos, a categorização
e caracterizam dos elementos que compõe um mosaico faz-se necessária, a partir
da identificação de unidades de paisagem homogêneas, diferenciadas em relação ao
entorno imediato (Zonneveld, 1989). Além da identificação das unidades de paisagem,
fatores geográficos – distribuição, formato, contexto com o entorno, quantidade, riqueza
e diversidade, e fatores ecológicos – fluxos, cadeias e processos dinâmicos, também
devem ser considerados (Lang & Blaschke, 2009). A partir do estudo dos padrões dos
elementos paisagísticos, Forman (1981) desenvolveu o modelo fragmento-corredor-
matriz, na busca por sintetizar a complexidade das relações entre a forma, a distribuição
e suas implicações ecológicas, tornando-se base instrumental essencial para a disciplina

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 2 18


Ecologia de Paisagens.
Fragmentos são elementos não lineares, cuja característica principal é a relação entre
área e perímetro, cuja influência sobre sua área nuclear e área de borda são relevantes
para manutenção de qualidade de vida silvestre e redução de impactos. Fragmentos
alongados ou de estruturas muito complexas, por exemplo, possuem maior perímetro e
área de contato com o entorno, estando sujeitos a maior impactos. Fragmentos de formas
circulares, possuem uma relação equilibrada entre sua área e perímetro, acarretando
maior proteção para os recursos e biodiversidade existentes em seu interior (Primack &
Rodrigues, 2001).
Os elementos denominados corredores são estruturas lineares que proporcionam
funções de conectividade entre fragmentos, promovendo fluxo gênico, além de funções
de proteção contra impactos do entorno. Matas ciliares, por exemplo, são corredores
que permitem a movimentação de espécies, a atuação de agentes de dispersão, além
de funcionar como barreira a impactos que possam degradar a qualidade de um corpo
dágua. Por último, a matriz é conceituada por Forman e Godron (1986) como o uso da
terra predominante em um mosaico paisagístico. Tomando-se como exemplo matrizes
antrópicas, pode-se visualizar uma grande área de plantio homogêneo como soja ou cana-
de-açúcar, onde existem alguns fragmentos de vegetação nativa remanescente, córregos
e matas ciliares.
A partir do modelo gerado, modos de análise e quantificação da estrutura e dos
elementos das paisagens foram desenvolvidos sob a forma de métricas, que tem por
finalidade caracterizar elementos isolados ou sob a ótica do conjunto. Aspectos de
forma, alongamento, compacidade, complexidade, dispersão, fragmentação, porosidade,
diversidade, riqueza, entre outros, passaram a ser utilizados para contextualizar e para
predição de cenários de atividades de impacto ou projetos de conservação e recuperação
ambiental.
As métricas de paisagem são geralmente calculadas a partir de softwares, como
o FRAGSTATS (MackGarical & Marks, 1995), e fornecem dados numéricos que devem
ser comparados, pois os valores, isoladamente, não permitem conclusões. O formato
específico dos dados foi considerado uma das principais dificuldades por planejadores e
tomadores de decisão, por não ser intuitivo e apresentar de maneira clara a situação de
fragmentação natural de uma paisagem, por exemplo. A utilização de plugins associados
a ambientes SIG, permitiu a visualização dos dados de forma especializada, tornando as
informações mais acessíveis (Vogt et al., 2007).
Diante dessa perspectiva, insere-se a Análise Morfológica de Padrões Espaciais
(MSPA – Morphological Spatial Pattern Analysis), desenvolvida por Soile e Vogt. (2008).
A MSPA é realizada em ambiente digital pelo software GUIDOS – Graphical User
Interface for the Description of image Objects and their Shapes (Vogt, 2016), dedicado ao
processamento e análise de imagens para identificação de padrões morfológicos, aspectos
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 2 19
de fragmentação e conectividade. A partir de uma imagem raster composta por apenas
duas classes temáticas, primeiro plano e segundo plano (foreground e background), o
algoritmo classifica os pixels por meio de análises morfológicas e descreve os componentes
do primeiro plano (fragmentos de vegetação, por exemplo) a partir de seus padrões de
distribuição, área e conectividade, em função do segundo plano (a matriz, ou o uso da
terra predominante). A categorização originalmente proposta pelo algoritmo é distinta em
sete padrões básicos (Figura 3), sendo:
• Core/Núcleo: área interna da classe pesquisada com capacidade de fornecer ha-
bitat ou maiores recursos ecológicos;
• Islet/Ilha: fragmento da classe pesquisada pequeno demais para possuir núcleo;
• Perforation/Perfuração: buracos dentro de um fragmento da classe pesquisada,
que podem representar o uso do solo da matriz dominante ou outro uso diverso;
• Edge/Borda: área externa da classe pesquisada, mais suscetível a impactos e
perturbações sobre o uso do solo da vizinhança;
• Loop/Laço: elemento linear que possui início e fim no mesmo fragmento da classe
pesquisada;
• Bridge/Corredor: elemento linear de conectividade entre fragmentos diferentes da
classe pesquisada;
• Branch/Ramal: elemento linear conectado aos demais elementos descritos acima
apenas em um lado; o lado oposto finaliza na matriz.

Figura 3. Exemplo da análise MSPA. Fonte: Vogt et al., 2009.

O método vem sendo amplamente utilizado por setores e instituições ligados à


conservação florestal, a saber: European Environment Agency, International Association
of Landscape Ecology – IALE, Environmental Protection Agency – US EPA, Landscope
America, Food and Agriculture Organization – FAO, United States Forest Service, entre
outros.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 2 20


2.3 Análise de fragmentação

Como já mencionado, a fragmentação da paisagem é responsável por diversas


consequências ambientais. Está relacionada com a variedade do tamanho, forma
de elementos, além de sua distribuição no território; em síntese, a fragmentação está
relacionada com a heterogeneidade espacial, ou seja, quanto maior a diversidade de
elementos em um espaço, maior a fragmentação, levando-se em conta a distância entre
os elementos e sua configuração (McGarigal et al., 2012).
Entre os conceitos que permitem a análise da fragmentação, está o de entropia,
utilizado em várias áreas do conhecimento, e relacionado com o grau de desordem de um
sistema. Em ecologia, a entropia é utilizada com base em índices, como o de Shannon-
Weaver, como forma de medir a abundância de espécies em uma paisagem. Em estudos
urbanos, medidas de entropia já são utilizadas como forma de medir a diversidade de
usos, por exemplo (Araújo & Monteiro, 2017).
A análise de fragmentação nesse trabalho é realizada pelo software GUIDOS 2.3.
Segundo Vogt (2015), a base de cálculo de entropia do GUIDOS avalia a adjacência dos
pixels da classe do primeiro plano em 8 direções, fornecendo informações espacializadas
sobre a dimensão e contiguidade dos elementos, além da situação de conectividade entre
os elementos na paisagem. Em tese, uma paisagem com apenas um elemento compacto,
teria como resultado um valor mínimo de entropia, enquanto uma paisagem com diversos
elementos em todas as regiões teria sua entropia ampliada. O resultado gráfico permite
uma interpretação intuitiva da situação de fragmentação da paisagem, a partir de um
gradiente de cores e da porcentagem de fragmentação de cada cor.

2.4 Material

O mapeamento das unidades de paisagem foi realizado a partir de composição


multiespectral LANDSAT 8, datadas de julho de 2018, sendo a utilizado o sensor
infravermelho próximo para distinção das de áreas de plantio comercial. Foi realizado
fusão de imagens para melhoria da resolução, de 30 m para 15 m, possibilitando
o mapeamento a partir da escala 1:75.000. O mapeamento foi realizado por meio de
classificação supervisionada no software ArcGIS 10.4 (ESRI, 2015), utilizando como
categorias: urbano, agrícola, campos/pastagens, silvicultura, corpos hídricos e espaços
de vegetação. A categoria campos/pastagens compreende desde os campos nativos
como os campos antropizados, em função da dificuldade em obter respostas espectrais
na escala utilizada. Considerando a multifuncionalidade da vegetação, no que diz respeito
a infraestrutura verde, os espaços de vegetação representam desde os fragmentos de
vegetação florestal nativa remanescente às áreas verdes institucionais, que tem potencial
para condução de biodiversidade e lazer dentro do espaço já urbanizado.
Após a obtenção da carta de uso da terra (unidades de paisagem), as categorias

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 2 21


antrópicas foram mescladas de forma a criar a categoria “segundo plano”. Em seguida,
foi criada imagem contendo apenas duas categorias, para utilização no software GUIDOS
2.3 e realizar a MSPA. Os procedimentos podem ser consultados no tutorial do GUIDOS
Toolbox, disponibilizado pelo aplicativo.

3 | RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nesta seção, são apresentados e discutidos os valores e resultados encontrados


durante a execução do mapeamento e MSPA. É conduzida por duas etapas: i. discussão
sobre a situação atual da distribuição e quantificação das unidades de paisagem propostas
para Poços de Caldas; ii. discussão sobre a situação dos espaços de vegetação, segundo
os padrões morfológicos identificados, com foco na distribuição e fragmentação.

3.1 Distribuição das unidades de paisagem

A escala do mapeamento das unidades de paisagem propostas forneceu impressões


sobre sua distribuição no espaço e sua quantificação (Figura 4). Pode-se verificar que
a área urbanizada do município se distribui de forma linear e transversal em relação ao
limite administrativo, no sentido leste – oeste, com expansão a sul. Como já mencionado,
uma cadeia de serras impede a expansão à norte. Os maiores fragmentos são compostos
pela cadeia de serras e possuem continuidade, favorável a conservação e manutenção
da infraestrutura verde.
Na porção sul, a topografia é menos acidentada, mais propícia a culturas que não
podem ser instaladas em altas declividades, como batata e milho. Além desse fato, há
ocorrência dos principais rios da cidade, somados a terrenos de baixa declividade, tornam
certas regiões alagadiças e úteis para construção de represas e geração de energia,
como a represa Saturnino de Brito, datada de 1936, a represa Bortolan, datada de
1956 e a represa do Cipó datada de 1999 (DME, 2019). Por observação, nota-se maior
fragmentação de manchas de vegetação por unidade de área, estando grande parte das
fitofisionomias restritas a matas ciliares protegidas por lei. Na porção norte, acima da
cadeia de serras, a topografia é mais acidentada e com maiores declives, tornando mais
difícil e onerosa sua ocupação e por conseguinte, evitando a supressão de vegetação
na mesma intensidade que ocorreu na porção sul. Nessa região, há forte presença de
culturas de altitude, como café e uva. No caso de silvicultura, com foco em plantio de
eucalipto, pode-se verificar que se distribui por todo o território municipal.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 2 22


Figura 4. Unidades de paisagem e classes de declividade de Poços de Caldas.

Conforme a Tabela 1, verifica-se o predomínio da categoria de culturas agrícolas,


campos e pastagens, representando 46,83% da área do município, seguida da categoria
espaços de vegetação, com 28, 14%. A categoria silvicultura apresenta um valor expressivo,
cerca de 17%, de maneira que estudos para avaliar sua tendência de expansão ao longo
do tempo no espaço municipal devem ser propostos, diante do potencial de ampliar efeitos
de fragmentação da vegetação nativa.

AREA PERÍMETRO URBANO


CATEGORIA TAXA % TAXA %
(ha) (ha)
Área urbana 3298,41 6,03 3035,06 39,10
Culturas, campos e
25617,72 46,83 3219,73 41,48
pastagens
Silvicultura 9768,18 17,86 166,33 2,14
Lagos, represas e açudes 622,57 1,14 121,65 1,57
Vegetação florestal nativa 15393,35 28,14 1220,05 15,72
TOTAL 54700,23 100 7762,76 100

Tabela 1 – Área e taxas das categorias de unidades de paisagem

Em relação ao perímetro urbano municipal, possui 7762,14 ha, equivalente a 14,2%


do território municipal. A categoria de culturas agrícolas, campos e pastagens representa
41,48% da área do perímetro urbano, seguida da categoria de áreas urbanas, com
39,10%. A categoria de espaços de vegetação representa 15,72% do perímetro urbano.
Estimando-se uma relação de área verde por habitantes, tem-se aproximadamente

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 2 23


73,45m²/hab., considerando a população estimada para o ano de 2018, cerca de 166.111
habitantes. (IBGE, 2018). O valor, isoladamente, pode ser interpretado como um bom
indicador, no entanto, ressalta-se a importância da distribuição e da relevância a partir da
espacialização. Como já mencionado, o valor não considera apenas áreas institucionais,
mas todos os espaços de vegetação; ainda, há limites para identificação de arborização
urbana e pequenas praças, em função da escala de mapeamento para o nível municipal.

3.2 Análise Morfológica de Padrões Espaciais

Considerando o caráter investigativo do presente trabalho, optou-se por reduzir o


número de classes obtidas pela MSPA por dois motivos: i. a escala pode não representar
adequadamente tantas variações nos padrões dos elementos, considerando a resolução
do pixel, de 15mx15m; ii. alguns padrões são derivados dos elementos “corredores”,
portanto, serão mesclados na mesma categoria e; iii. em revisão por análise visual, os
padrões conhecidos como perfuração foram demasiadamente confundidos com áreas
escurecidas por sombras. Tannier et al. (2012) aplicou a mescla de padrões baseada
na importância de questões de habitat e conectividade, sintetizando e facilitando a
análise dos elementos. Nesse sentido, optou-se por utilizar padrões mais próximos de
uma síntese do modelo fragmento-corredor-matriz de Forman (1981), sendo: i. núcleo e
borda (componentes de um fragmento); ii. ilhas (fragmentos pequenos sem núcleo); iii.
corredores (pontes, ramais e laços).
Há de se considerar ainda que, um dos aspectos de maior relevância sobre a
fragmentação de manchas de vegetação é o efeito de borda. Sendo a borda de uma
mancha definida como uma região de contato entre a matriz, promovendo trocas e sujeita a
dinâmicas, manchas com maior perímetro em relação a sua área tendem a sofrer os efeitos
de borda que resultam em modificações nos parâmetros físicos, químicos e biológicos da
mancha, refletindo importante fator de qualidade ambiental (Primack & Rodrigues, 2001).
Entre os parâmetros de inserção de dados para a MSPA, está a largura considerada
para a borda, a partir da resolução do pixel. No caso da imagem LANDSAT 8 fusionada,
a largura mínima padrão é de 15m. Dessa forma, o software permite alterar a largura da
borda de 15m, para 30, 45, 60m, por exemplo. Considerando a extensão territorial da área
de estudo do presente trabalho, a estimativa da largura da borda foi realizada a partir de
dados secundários obtidos por publicações científicas que envolveram levantamento in loco
em fragmentos de fitofisionomias similares a do município. Deve-se ainda compreender
que a ampliação da largura da borda implica na redução da área do núcleo e que a largura
das bordas em um fragmento é diversa.
Em relação a trabalhos de mapeamento de áreas para infraestrutura verde por meio
de MSPA, Wickham et al. (2013) utilizou distâncias de 1, 2 e 4 pixels para análise de
redes ecológicas nos Estados Unidos. Tannier et al. (2012) utilizou a distância de 40m

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 2 24


para analisar a conectividade de habitats em estudo na França. Ostapowicz et al. (2008),
em trabalho sobre o impacto da escala de mapeamento em análises morfológicas em
padrões florestais, propõe a parametrização de borda efetiva a partir de cálculo envolvendo
a resolução dos pixels e o parâmetro de tamanho da borda, presente na interface do
software.
Trabalhos práticos em áreas do bioma Mata Atlântica trazem diversas recomendações.
Rodrigues (1998) utilizou uma abordagem multifatorial – árvores, arbustos e microclima,
como forma de avaliar as alterações sobre esses fatores ao longo de 48 transectos em
fragmentos na região de Londrina. Como resultado preliminar, os aspectos marcantes
do efeito de borda, como redução hídrica e composição de espécies deu-se até 35m da
margem. Borges et al. (2004) recomendam a simulação de valores para avaliação das
características utilizando progressão de 50 e 100%; no caso desse trabalho, 15, 22,5 e
30m. Blumenfel (2008) em estudo sobre as relações entre um fragmento e suas regiões
de contato, encontrou um gradiente expresso em 3 faixas de distância da borda, sendo
40, 70 e 100m. Nesse sentido, optou-se por simular resultados para o valor intermediário
obtido por Rodrigues (1998), utilizando 30m e 45m (Figura 5).
Conforme a análise (Tabela 2), para a simulação com o valor do pixel de borda em
30m, a classe correspondente ao núcleo do fragmento é equivalente a aproximadamente
32,30% da categoria espaços de vegetação e a classe borda, 33,02%. As classes corredor
e ilha correspondem a 25,21% e aproximadamente 9,47%. Foram encontrados 2809
polígonos na classe núcleo, com intervalo de área de 0,36 a 953ha, com uma média de
1,77ha. A classe ilha resultou em 8151 polígonos, com intervalo de 0,02ha (225m²) a
4,80ha, com uma média de 0,18ha.

Área TAXA Área 45m TAXA


CLASSE DIFERENÇA
30m (ha) % (ha) %
Núcleo 4972,00 32,30 3228,19 20,97 -11,33
Borda 5082,5 33,02 4857,2 31,55 -1,46
Corredor 3880,55 25,21 5180,21 33,65 +8,44
Ilha 1458,3 9,47 2127,75 13,82 +4,35

Tabela 2 – Áreas e taxas dos elementos paisagísticos para as duas simulações de largura de borda.

Para a simulação com o valor de pixel de borda em 45m, a classe núcleo obteve
20,97%, havendo uma redução de 11,33% em relação a simulação com pixel de 30m.
Também houve redução na classe borda, pouco significativa, de apenas 1,46%, totalizando
31,55%. A classe corredor correspondeu a 33,65% da área, com aumento de 8,44% e a
classe ilha correspondeu a 13,82%, um aumento de 4,35%. Foram encontrados 2038
polígonos para a classe núcleo, com intervalo de área de 0,02ha (225m²) a 699,64, com
um média de 1,57ha. Para a classe ilha, foram encontrados 8613 polígonos, com intervalo

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 2 25


de área de 0,02ha (225m²) a 9,83, com média de 0,24ha.

Figura 5. Acima à esquerda: MSPA; acima à direita: Análise de fragmentação por entropia; embaixo:
exemplos da simulação com 30m e 45m de borda e gradiente dos valores de fragmentação.

Sobre os resultados da simulação com os dois valores de pixel para a classe borda,
foi possível constatar que, apesar da ampliação em 50%, a redução das áreas nucleares
foi de apenas 11,33%. No entanto, esperava-se o aumento do valor da borda, o que
não ocorreu pelo fato do aumento da classe ilha. Com a extinção de áreas nucleares,
também houve a extinção de bordas, fazendo com que os polígonos fossem identificados
como ilhas. A análise sobre a classe ilha demonstrou que existem polígonos dispostos
em sequência, similar a um corredor, porém, a ausência de conectividade foi relevante na
classificação. Também foram constatadas ilhas com grande área, mas alongadas demais,
não havendo largura suficiente para existência de núcleo ou borda.
Em relação à fragmentação da categoria espaços de vegetação, a análise da entropia
confirmou a importância da cadeia de serras em termos de conservação e continuidade
(Figura 5). Os valores são distribuídos em um gradiente azul-verde-laranja-amarelo-
vermelho, sendo azul menores valores de fragmentação e vermelho, maiores valores. Na
região da Serra de São Domingos, foram encontrados os menores valores, em tons de

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 2 26


azul, variando de 5% do centro da mancha até 25% para as bordas. Alguns fragmentos
de dimensões menores também obtiveram valores baixos de entropia, provavelmente em
razão da baixa complexidade da forma, mais compacta. Os espaços de maior fragmentação
foram as manchas que possuem forma mais complexas e dispersas, atingindo valores
máximos de 65%. Com base na análise, pode-se observar que a forma da mancha foi
um fator mais relevante para a fragmentação do que sua dimensão e alcance. De modo
geral, cerca de 42% da categoria encontra-se em um intervalo de entropia de 40 a 49%
e 38,90% em um intervalo de 30 a 39%, indicando que, apesar dos dados quantitativos
sobre a área dos espaços de vegetação, estes encontram-se dispersos e fragmentados.

4 | CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como objetivo principal, foi proposta a análise da fragmentação da vegetação


florestal no município de Poços de Caldas, por meio de processamento de imagem de
satélite e MSPA, para subsidiar o início de estudos sobre infraestrutura verde na região.
A partir dos procedimentos propostos, foi possível realizar os seguintes apontamentos:
I. Os espaços de vegetação mais conservados estão situados em áreas de serra,
cuja configuração transversal em relação ao limite administrativo municipal
divide o município em porção norte e sul. À norte, a topografia acidentada
manteve fragmentos de grande dimensão, porém, de forma complexa e dispersa,
gerando grandes níveis de fragmentação espacial. À sul, as baixas declividades
propiciaram maior ocorrência de atividades agrícolas e a instalação de represas,
de forma que grande parte da vegetação se encontra na forma de matas ciliares
e corredores.
II. A classificação do MSPA a partir do modelo fragmento-corredor-matriz facilita a
identificação e interpretação dos elementos da paisagem, permitindo pontuar e
centralizar esforços para análises mais detalhadas.
III. No caso de Poços de Caldas, a partir da simulação em dois cenários com
larguras diferentes de borda, pode-se verificar que o aumento em 50% na
largura, ocasionou em uma redução de 11% nas áreas nucleares dos fragmentos,
podendo tecer considerações sobre a influência da forma.
IV. A escala de mapeamento foi adequada para o levantamento de informações
regionais, porém não foi efetiva para identificação de espaços públicos
intraurbanos.
Como consideração final, sugere-se:
I. Novo recorte espacial em área urbana com o uso de escala adequada para
identificação dos espaços de vegetação públicos, com potencial de conexão e
incremento de infraestrutura verde.
II. Análise temporal nas áreas que apresentaram maior fragmentação, verificando
dinâmicas de uso da terra.
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 2 27
III. Inserção de bases de dados secundários referentes à hidrografia, topografia, solos
e fauna.

REFERÊNCIAS
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abordagem pela sintaxe espacial. VI Conferência da Rede Lusófona de Morfologia Urbana, 2017, Vitória.
Anais. Vítória: UFES. p. 185-194. 2017.

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Washington: Island Press, 2006.

BLUMENFELD, E. C. Relações Entre Vizinhança e Efeito de Borda em Fragmento Florestal. 2008. 86


f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) - Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo,
UNICAMP, Campinas, 2008.

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Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 2 29


CAPÍTULO 3
doi

EVOLUCIÓN DE LAS TIPOLOGÍAS DE ESPACIOS


VERDES PÚBLICOS EN EL PAISAJE URBANO.
RESCATE DE LA MEMORIA VEGETAL EN
VALPARAÍSO

Data de aceite: 05/07/2020 de la ciudad, y a su vez, revelando su memoria


data de submissão: 06/04/2020 urbana. Se identifican tres unidades de paisaje
en la ciudad, en las cuales tienen lugar diversas
Cristóbal Cox Bordalí tipologías de espacios verdes urbanos,
Arquitecto, Pontificia Universidad Católica de
tipificadas en relación a sus correspondientes
Valparaíso, Valparaíso, Chile
especies vegetales.El modo de aproximación
Arquitecto, Politecnico di Torino, Italia.
al contenido histórico es por medio de la
Constanza Jara Herrera
Arquitecta, Pontificia Universidad Católica de revisión bibliográfica, compilación de relatos
Valparaíso, Valparaíso, Chile y análisis de representaciones iconográficas.
Magíster en Arquitectura del Paisaje Universidad A su vez, la definición de unidades de paisaje
de Melbourne, Australia son determinadas por medio de salidas de
observación urbano arquitectónica y análisis
planimétrico.Se espera que esta investigación
Proyecto de investigación financiado por medio de contribuya a la reflexión en torno a la toma
la adjudicación de fondo de investigación interno de
la Escuela de Arquitectura y Diseño de la Pontificia
de decisiones relativas al espacio público y
Universidad Católica de Valparaíso. diseño urbano, contemplando y valorizando
los aspectos espaciales, históricos, simbólicos
que la vegetación urbana aporta a las ciudades,
RESUMEN: La presente investigación promoviendo su preservación e incentivando la
indaga sobre la generación y evolución del creación de nuevos espacios verdes urbanos.
paisaje vegetal urbano en Valparaíso, Chile, PALABRAS CLAVE: Vegetación, historia
identificando los procesos y eventos históricos urbana, cambio climático, paisaje cultural,
que han dado forma al paisaje en constante infraestructura verde.
transformación, en vista a los desafíos que
presenta el cambio climático y el proceso de ABSTRACT: The underlying study investigates
desertificación. Se busca una aproximación the generation and evolution of the urban
a la secuencia histórica que ha modelado la vegetation in Valparaíso, Chile and identifies
relación de la ciudad con su entorno natural, the processes and historic events, which had
considerando la complejidad geográfica y social an influence on it until today. In this respect,

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 30


special attention is paid to the global warming and advancement of the desertification. This
study also aims at uncovering further historic events that had an impact on the city’s relation
with its environment, due to its complex geographical location and social situation. Thereby,
this study discloses further details on the urban history of the city.More precisely, in this
study three distinct types of urban vegetation have been identified in Valparaíso, which were
classified according to their kind of vegetation.This study is based on a profound literature
review, narratives and iconographic analysis. In addition (to the previously mentioned modes
of investigation), the three identified types of urban vegetation have been further explored
in various in-depth observations of urban architecture as well as in planimetric analysis.We
hope that this study contributes to discussions on decisions about public spaces and urban
design, acknowledging a place’s traits, symbolic and historic background and underlining the
importance of urban vegetation for people. Consequently, with this study we would like to not
only promote its preservation, but encourage the creation of further urban vegetation in cities.
KEYWORDS: Vegetation, urban history, climate change, cultural landscape, green
infrastructure.

1 | CAMBIO CLIMÁTICO, EL LUGAR DE LA VEGETACIÓN ANTE EL CRECIMIENTO

URBANO

El desmedido crecimiento urbano, la pérdida de ecologías locales y la deficiente


planificación urbana, desafían la capacidad humana para adaptarse a nuevos escenarios
de alta incertidumbre en términos climáticos. En Chile, los escenarios proyectados indican
un probable aumento de temperaturas y disminución de las precipitaciones a lo largo del
territorio, aumentando el proceso de desertificación principalmente en la zona central de
Chile (Garreaud, 2011). En ese contexto, la vegetación urbana en el proyecto de paisaje
es de suma relevancia por sus características benéficas al contribuir a la salud de los
habitantes de una ciudad: "cien árboles pueden remover del aire cinco toneladas de CO2
y media tonelada de otros contaminantes por año"(Farah, 2010).
La macrozona central de Chile es un área que ha sufrido un gran impacto por la
presión ejercida entre las dos potentes áreas metropolitanas: Santiago y Valparaíso,
donde la infraestructura gris ha tomado un rol protagónico en la conformación de espacios
públicos; ello, en abandono de los espacios verdes reducidos a un carácter fragmentario,
ornamental y recreacional, más que como un elemento estructurante de la ciudad y
sostenedor de las relaciones entre el hábitat humano y el ecosistema que lo sostiene
(León, 1998; Vásquez, 2015).
A su vez, esta macro zona se inscribe dentro del hot-spot “Chilean Winter Rainfall-
Valdivian Forests” (Myers & Mittermeier, 2000). Los hotspot de biodiversidad son regiones
de valor mundial donde se destaca una importante concentración de biodiversidad de
especies endémicas al mismo tiempo que una amenaza del impacto, preocupante, por

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 31


la acción del ser humano (Novoa, 2013). Correspondiendo a uno de los 34 sitios a nivel
mundial, el hotspot chileno abarca una franja entre las costas del océano pacífico y las
altas cumbres de la Cordillera de Los Andes entre la costa de Mejillones por el norte y el
itsmo de Ofqui, laguna San Rafael, por el sur.

Figura 1.Área hot-spotChilean Winter Rainfall-Valdivian Forest.

Inscrita en la Macrozona central de Chile, la ciudad-puerto de Valparaíso se ubica


en el Litoral Central en los 33° de latitud Sur y 71° de Longitud Oeste a 119 kilómetros de
la capital del país, Santiago. Su forma de anfiteatro orientada al mar está dada por cerros
que alcanzan los 450 metros de altura sobre el nivel del mar cuyas quebradas confluyen,
en su mayoría, sobre un área de relleno artificial denominada Plan de Valparaíso, lugar
donde se desarrolla el centro de la ciudad.
A nivel nacional, Valparaíso es considerada una de las regiones que cuenta con
la menor superficie de áreas silvestres protegidas del país, la primera en número de
especies con problemas de conservación y la segunda con más incendios forestales.
Estos datos revelan la necesidad de fomentar la preservación de ecosistemas reconocidos
como valiosos, cumpliendo la función de reducir la vulnerabilidad ante incendios forestales
(MINVU, 2008; CONAF, 2015).
En este escenario, resulta fundamental comprender el tiempo histórico y revelar la
memoria del paisaje cultural y urbano, para así, poner en valor el rol de la vegetación en
los espacios verdes urbanos de Valparaíso. Desde ahí, surge la necesidad de reflexionar
acerca de los procesos y sucesos históricos que han dado forma al paisaje urbano hasta
la actualidad.

El paisaje es memoria del territorio, es decir Historia, porque puede entenderse como el
orden simbólico y visual, accesible a la experiencia actual y cotidiana, que expresa las
claves biográficas de los individuos y las sociedades (Ojeda, 2001)

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 32


2 | ESTRATEGIA METODOLÓGICA

Para determinar la secuencia histórica que da lugar a la relación de la ciudad


con su entorno natural, se realiza una revisión de documentos como libros, artículos y
catálogos, consultando antecedentes históricos y botánicos. Se hace una compilación de
relatos históricos y análisis de representaciones pictóricas, para una aproximación desde
dichas fuentes a la condición vegetal original en Valparaíso, identificando sus especies
primigenias y cuáles de ellas han sido relevantes en la transformación de los Espacios
Verdes Urbanos.
Para acotar el espacio de estudio y dar lugar a la información encontrada en la
secuencia histórica, se definen tres Unidades de Paisaje según el contexto geomorfológico
de Valparaíso. Para identificarlas se realiza un paralelismo conceptual entre los términos
de Infraestructura Verde acuñados por el Centro de Estudios Ambientales del Ayuntamiento
de Vitoria-Gasteiz (CEA, 2014) [núcleo, nodo, conector] con las partes de la morfología
que conforman la ciudad. Ello con el fin de encontrar los espacios potenciales para la
generación de un sistema de espacios verdes a nivel urbano en la geografía compleja de
Valparaíso.
Con el fin de dilucidar una tipificación cualitativa dentro de las Unidades de Paisaje,
se identifican Tipologías de Espacios Verdes Urbanos existentes mediante la observación
arquitectónica en la ciudad y el análisis de planimetrías urbanas e históricas, en cada
Unidad de Paisaje. A su vez, se complementa con un reconocimiento in-situ de especies
vegetales existentes en las áreas de estudio.

3 | CONFORMACIÓN DEL PAISAJE URBANO Y VEGETAL

3.1 Ocupación y Origen

Valparaíso no es prevista ni fundada como ciudad, solamente como puerto oficial


de Santiago, declarado tal en 1544. Habitada originalmente por pescadores Changos,
surge como punto de abastecimiento y comunicación con el virreinato del Perú en época
colonial. Un "modesto y pequeño punto de desembarco" (Consejo Municipal, 2010)
que se extiende a lo largo construido a los pies de áridos cerros que con el paso del
tiempo, a partir de la exportación de trigo hacia Perú (s. XVIII), el comercio con Europa y
la Independencia de Chile, aumenta sus actividades portuarias, militares y comerciales
requiriendo de más superficie para sus funciones. Por estos motivos la ciudad comienza
a ganarle superficie al mar.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 33


Figura 2. Bahía de Valparaíso. Oleo sobre tela, Autor desconocido, c1835

Se vuelve una necesidad el aumentar el área portuaria en tierra que estaba acotada
por la cercanía de los cerros al mar. De esta manera, es modificada la geografía con la
sustracción de material de los cerros para la conformación de rellenos, que dieron lugar
a nuevas superficies tanto para nuevas zonas de la ciudad (el barrio El Almendral) como
para las bodegas y almacenes del puerto, malecones y espacios públicos como la actual
Plaza Echaurren, el Muelle de desembarco de pasajeros Arturo Prat, la Plaza Sotomayor
y el Sector de la Aduana.
Desde su nombramiento como puerto principal y a medida que se va desarrollando
la actividad portuaria, Valparaíso incrementa su población cuya habitación toma posesión
de las quebradas, ejes donde los arroyos que surten de agua para sustentarse explican la
presencia de abundante vegetación.

Figura 3. Valparaíso, Quebrada Elías. Oleo sobre tela, Conrad Martens, 1834

Cabe destacar también la importancia que tienen los ataques por parte de corsarios
europeos (s. XVII) y los continuos desastres naturales en la conformación de la ciudad:
terremotos, marejadas, tempestades e incendios que inciden tanto en la conformación

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 34


urbana como en la identidad de sus habitantes.

Figura 4. Bombardeo, Valparaíso. Autor desconocido. 1866.

3.2 Vegetación y cambio

La transformación del espacio físico de Valparaíso, se ve plasmada en el perfil urbano


que adquiere en función de nuevos espacios tanto de paso, (Calle La Planchada, actual
calle Serrano), como de estancia (Plaza Municipal del Puerto, actual Plaza Echaurren),
comercio (el Muelle y los Almacenes Fiscales), culto (capilla de Marmolejo, actual Iglesia
La Matriz) y habitación (casas sobre las laderas de las quebradas). Lo anterior corresponde
a superficies y construcciones, artificios construidos por mano de los nuevos habitantes
de la bahía, que traen consigo una transformación tangible del paisaje de la ciudad y
sus proximidades. Sin embargo existe otro elemento constituyente de la zona sobre la
que se emplaza la actual ciudad: la vegetación. Igualmente transformada por la acción
antrópica, ella se desarrolla en esta zona clasificada bajo continentalidad Hiperoceánica y
se inscribe en la clasificación bioclimática del macroclima Mediterráneo, región del Matorral
y Bosque Esclerófilo formación Bosque esclerófilo costero (Gajardo, 1994). De acuerdo a
Luebert y Pliscoff (2006), Valparaíso se inscribe en la formación Bosque esclerófilo, Piso
Vegetacional Bosque Esclerófilo Mediterráneo Costero de Lithraea caustica y Cryptocarya
alba. Ello incide en el tipo de especies y su evolución ante la vulnerabilidad por la acción
antrópica.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 35


Figura 5. Plano de la Ciudad y Puerto de Valparaíso, Litografía, Jacobson. c1850.

4 | ESPACIOS VERDES ACTUALES

Al detener la mirada sobre el estado actual de vegetación, reconocemos el concepto


"Área verde" como el término en que se ha institucionalizado a nivel nacional la vegetación
urbana. En Valparaíso, el concepto está asociado a dos problemáticas, por un lado los
aspectos cuantitativos al constatar que la cifra de área verde con mantención por habitante
es de 1,6 m2 por habitante, número insuficiente si se considera el promedio nacional de
4,2m2/hab y los 9m2/hab mínimo recomendado por la OMS. En cualquier caso las cifras
anteriores están bajo el mínimo que establece la OCDE de 13 m2/hab (Bascuñan, Walker
y Mastrantonio, 2006; Observatorio Urbano, 2014).

Figura 6. Índice de áreas verdes por habitante

Por otro lado, al revisar parámetros cualitativos surge el cuestionamiento sobre la


definición conceptual del término "Área verde". Desde un punto de vista normativo, la
Ordenanza General de Urbanismo y Construcciones la define como:

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 36


Superficie de terreno destinada preferentemente al esparcimiento o circulación peatonal,
conformada generalmente por especies vegetales y otros elementos complementarios
(MINVU, 2014)

Donde se puede inferir que un área verde puede constituirse sin poseer vegetación
alguna. Situación que empobrece el espacio público mediante la desregulación de uno de
sus parámetros básicos como lo es la vegetación, es decir, áreas verdes, sin verde: áreas
café. Éstas áreas verdes no consolidadas van en serio detrimento de la calidad de vida
de sus habitantes, afectando el sentimiento de seguridad al prestarse como lugar eriazo
y potencial para conductas antisociales. Actualmente en Valparaíso, éstas áreas cafés
suman 85 hectáreas al año 2010. (Consejo Municipal, 2010).
Por lo anterior, surge la necesidad de llegar a una definición más íntegra de "áreas
verdes", que incluya aspectos socioculturales que le son propios, reconociéndose como
un lugar de encuentro por excelencia, donde ocurre la relación social, espacios para ver
gente y dejarse ver (Mullauer, 2001).
Asimismo, esta nueva definición deberá incluir aspectos ecológicos que respondan a
funciones vitales para la ciudad, concibiendo el binomio ciudad-entorno, como una unidad
con relaciones simbióticas establecidas territorialmente, padeciendo en la mayoría de los
casos, gran fragilidad ante el crecimiento desmedido e informal de las actuales ciudades.
Comprendemos esta relación sistémica, tal como lo definen Benedict y McMahon (2002)
bajo el nombre de Infraestructura Verde

Una red interconectada de espacios verdes que conservan las funciones y valores de los
ecosistemas naturales y provee beneficios asociados a la población humana. (Benedict y
McMahon, 2002)

Al respecto, la infraestructura verde permite la mitigación y adaptación ante el


cambio climático al aumentar la resiliencia del sistema urbano-ecológico, mejorando la
preparación de la ciudad ante escenarios de alta incertidumbre, y por otro lado, al proveer
un gran número de beneficios ambientales, sociales y económicos que ayuden a enfrentar
el cambio climático. (Vásquez, 2015)
El diseño del Sistema de Infraestructura Verde, ha sido elaborado por Centro de
Estudios Ambientales del ayuntamiento de Vitoria-Gasteiz (CEA, 2014) en base a tres
elementos espaciales: núcleos, nodos y conectores. Los núcleos son espacios con un alto
grado de naturalidad y buen estado de conservación adyacentes a la ciudad; los nodos
son espacios verdes ubicados en el interior de la ciudad que, por tamaño y/o localización,
constituyen piezas básicas estructurantes del sistema verde urbano; los conectores son
elementos de carácter lineal, cuya función principal es facilitar la conexión entre los
elementos núcleo y los nodos, configurando una red interconectada de espacios verdes.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 37


Figura7. Esquema Sistema Infraestructura Verde (S.I.V)

5 | RESULTADOS

5.1 Etapas históricas de la vegetación

Aproximándonos a la memoria vegetal de Valparaíso, se reconocen tres etapas


históricas clave en la transformación de la vegetación urbana. A partir de revisiones
bibliográficas en el campo de la historia y de la botánica local, junto al análisis de
representaciones gráficas que retratan Valparaíso (dibujos, grabados, obras pictóricas
y técnicas de la fotografía) se llega a la identificación de las siguientes etapas históricas
relativas a la evolución de la vegetación en la ciudad de Valparaíso:

Figura 8. Línea del tiempo etapas vegetación en Valparaíso

5.1.1 Etapa de vegetación originaria

Se refiere a la formación vegetal anterior a la acción antrópica colonial. Comprendida


en el periodo que va desde su origen hasta el año 1544, cuando Pedro de Valdivia ratifica
el nombre de Valparaíso.
A partir de las descripciones obtenidas, el paisaje vegetal de la ciudad correspondía
a cimas de cerros áridos con vegetación xerófita de matorral baja, ocasional y de alta
exposición al viento. Las quebradas entre cerros presentaban cursos de agua a la vista, a
los cuales se asocian bosques frondosos higrófilos en galería. Destaca la Palma en varias
de las descripciones.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 38


Figura 9. Facsímil del plano publicado en Roma por Alonso de Ovalle, 1646. Una de las imágenes
más antiguas de la ciudad que si bien no queda inscrita en el arco temporal de esta primera etapa,
representalaspalmassobrelascolinas,presenciadevegetación originariaendémica.

Algunas representaciones gráficas y citas que describen esta etapa:

“Recordándole a su tierra natal bautiza este hermoso valle junto al mar, lleno de árboles y
arroyos, con el nombre de Valparaíso” (Harrison, Morales & Swain, 2007)

“El mar no contenido penetraba con las mareas hasta besar el pie de los quillayes y los
boldos, árboles que todavía predominaban a lo largo del litoral" (Olivares, 2015)

"Subiendo por los bordes de las quebradas se hallaban canelos, maitenes, bellotos y
peumos, y, de cuando en cuando, algún litre" (Le Dantec, 2003)

"mientras que en las desnudas y rojizas colinas, como un ejército de gigantes puestos en
atalaya, mecían las Palmas Reales...emblemas legítimos de un clima sin igual” (Olivares,
2015).

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 39


Figura 10. View of Con Con, Chile, with its two Figura 11. Chilean palms in Valley of Salto.
Palms. Óleo sobre tela, Marianne North, 1884. Jubaea Chilensis Óleo sobre tela, Marianne
North, 1884.

5.1.2 Etapa de inserción de vegetación importada relativa a tendencias

internacionales.

Corresponde al periodo de transformación e inserción de especies importadas por


los colonos e inmigrantes europeos. Comprendida entre 1544 y 1914, abarca el período
colonial hasta la decadencia y desaceleración de Valparaíso, incluyendo el terremoto de
1906, la apertura del Puerto de San Antonio en 1912 y del Canal de Panamá en 1914, hito
clave en la historia de la ciudad pues marca su receso y decadencia como puerto.

Figura 13. Plaza de la Victoria, Rafael


Castro Ordoñez, 1863. Colección de
Figura 12. Vista desde el cerro Alegre. Oleo Archivo del MNCN, España.
sobre tela, E. Charton de Treville, 1859

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 40


Es durante esta etapa que se consolida la imagen de la ciudad de Valparaíso en
cuanto a sus principales espacios públicos. Con ellos la arborización e introducción de
especies que caracterizaron principalmente las plazas del Almendral y Barrio Puerto:
Plaza Municipal, Plaza de la Aduana, Plaza del Orden, Plaza de Orrego, Jardín Abadie y
Plaza O Higgins.
La inmigración significó la necesidad de subsistencia asociada al desarrollo de la
agricultura en Valparaíso, así también la transmisión de una nueva dimensión espiritual en
el contexto urbano, transformando el vínculo entre naturaleza y ser humano. Esto modificó
el aspecto de la ciudad en particular por la influencia francesa e inglesa, que imponen en
el alto grupo social y en la burguesía chilena el romanticismo como la atracción por el
medio natural en un estilo de recreación unido a un paisaje embellecido (Méndez, 1987).
Comienza la aparición de jardines y parques en la ciudad, así como también las quintas,
casas y ranchos con huertos en el sector de El Almendral. De este modo comienzan a
verse flores, arbustos, árboles y colecciones de plantas ornamentales, todas, importadas
desde Europa Nor Occidental (Urbina, 1999) generando incluso un comercio manejado
principalmente por extranjeros en torno a semillas y especies vegetales exóticas. Puede
entenderse como un proceso paradojal en cuanto la transformación que toma lugar en
Valparaíso es dual: por una parte la deforestación continua de los cerros (construcción de
edificaciones, fuente de energía, necesidades culinarias, y reparación de navíos) al mismo
tiempo que la incorporación de nuevas áreas de cultivo para el desarrollo de estas nuevas
especies vegetales. Así, no solo ocurre la inserción de especies sino también el reemplazo
de la flora nativa por flora exótica, con una impronta hispánica y gala, principalmente, en
el diseño espacial de los parques, jardines, huertas y quintas.
Algunas representaciones gráficas y citas que describen esta etapa:

Entre los cerros del Puerto dos merecen nuestra detención. Los dos están cubiertos de
flores y moradas silenciosas. (Olivares, 2015).

El gusto por las plantas exóticas introducido por franceses, y el deseo de vivir mejor
explican el nacimiento casi explosivo de estas áreas verdes asociadas a la idea de
recreación y descanso (Urbina, 1999).

La iglesia estaba emplazada frente a una plazuela, la cual con el tiempo fue adornada con
jardines, escaños y una fuente (Harrison, 2007).

La modernización comenzó a verse también allí en 1865 al construirse una nueva recova
y en 1866 al remodelarse con árboles y sofaes para el descanso (Urbina, 1999)

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 41


Figura 14. Parque Municipal, ex Jardín Abadie, Felix LeBlanc. 1888. Archivo Biblioteca Nacional.

5.1.3 Situación actual de la vegetación en la ciudad

Se refiere al período comprendido entre la apertura del Canal de Panamá en 1914


hasta el presente. En este periodo se inicia la plantación masiva de eucaliptus (Eucalyptus
globulus) en la zona costera central de Chile con la promulgación del Decreto de Ley 701
de bonificación de plantaciones forestales. Este proceso es, en Valparaíso, uno de los
factores responsables de la delicada situación actual en términos ambientales y vegetales
de la ciudad.
Durante esta etapa se definen y luego cuestionan conceptos como el de Área Verde,
en una discusión cualitativa y cuantitativa de estos espacios, su aporte al medioambiente
y la proyección de estas en escenarios futuros distintos.
Se reconocen algunas especies endémicas y/o nativas presentes bajo una distribución
mínima y puntual. La amenaza atribuida a la carencia de parámetros de diseño con
vegetación adecuada es una tendencia que debe ser revertida para la recuperación de
los suelos, ecosistemas y endemismo. Debe ser recalcada además la escasa inversión
en arborización que se ve reflejada, en parte, en el número de metros cuadrados de
área verde por habitante, en las hectáreas de áreas verdes y áreas cafés comunales y la
escueta cantidad de áreas bajo protección como santuarios.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 42


Figura 15.Plantación de eucaliptus en una Figura 16. El gran Incendio de Valparaíso, 12
quebrada de Valparaíso, Cristóbal Cox. 2016 de Abril 2014. Radio Universidad de Chile,
2014.

Figura 18. Microbasural sobre quebrada,


Figura 17. Criterio de mantención en poda de
Montedónico, Valparaíso. Fuente: www.
árboles, Plaza Victoria, Constanza Jara, 2016
soychile.cl, 2014.

5.2 Espacios verdes Urbanos

5.2.1 Comprensión del Concepto

Al remirar las definiciones con que se describen los espacios de recreación y


esparcimiento con vegetación en zonas urbanas, conocidas como "Área verde", más que
ser un área, es un espacio verde urbano, el cual lo definimos mediante cinco parámetros
componentes:
i. Función: Acto que permite el espacio; encuentro/traspaso/retiro dentro del ritmo
urbano;

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 43


Figura 19. Esquema Parámetro Función

ii. Tamaño: Proporción que responde al modo de agrupación poblacional en relación


a la superficie destinada;

Figura 20. Esquema Parámetro Tamaño

iii. Espacialidad: Virtud espacial elogiable del lugar;

Figura 21. Esquema ParámetroEspacialidad

iv. Vegetación: Presencia de árbol, arbusto y/o cubresuelo para la regulación de la


temperatura, provisión de hábitat para avifauna;

Figura 22. Esquema ParámetroVegetación

v. Identidad: Reconocimiento por parte de la comunidad.

Figura 23. Esquema Parámetro Identidad

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 44


5.2.2 Reconocimiento del Sistema de Infraestructura Verde (S.I.V) en Valparaíso

Bajo esta definición de Espacio Verde Urbano, se revisa la ordenación conceptual


dada por el Centro de Estudios Ambientales del ayuntamiento de Vitoria-Gasteiz, donde
se reconocen los valores del Sistema de Infraestructura Verde (S.I.V) como una estructura
válida para aplicarla en el lugar de estudio: el área urbana la ciudad de Valparaíso,
incluyendo el área periurbana que bordea la parte alta de los cerros.
Geomorfológicamente se reconocen ciertas unidades que dan cuenta de la variedad
de espacios sobre los cuales se desarrolla la ciudad, estas son litoral rocoso, litoral
arenoso, quebradas costeras, laderas de cerros que miran al mar, laderas interiores de
exposición norte y laderas interiores de exposición sur (Consejo Municipal, 2010).
Se superponen los elementos que conforman el S.I.V. en la morfología y naturaleza
de Valparaíso para reconocer la posible existencia y funcionamiento del sistema en este
territorio.

5.2.3 Unidades de Paisaje

Se establecen tres Unidades de Paisaje para la ciudad, que poseen potencial para
conformar un Sistema de Infraestructura Verde:
1. Altas cimas
Unidad asociada al elemento núcleo en un Sistema de Infraestructura Verde.
Contempla desde las altas cimas de Valparaíso hacia el sur lo que implica menor exposición
solar respecto a la bahía. Su forma obedece a la geografía de Valparaíso donde las
crestas de los múltiples cerros bajan al mar ordenando los asentamientos urbanos a lo
largo de ellas.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 45


Figura 24. Superposición de un sistema de infraestructura verde en Valparaíso.

Las Altas cimas, además corresponden al límite urbano establecido por la presencia
de vegetación densa contigua a la urbe.
2. Cuenca
Unidad asociada a conector. Se comprende su concavidad alargada como elemento
lineal vinculante transporte de aguas.
3. Borde-mar
Unidad asociada al elemento nodo, que comprende la zona plana de la ciudad y la
serie de plazas que podrían estructurar el sistema verde urbano.

Figura 25. Esquema de las Unidades de Paisaje en vista aérea de Valparaíso

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 46


Figura 26. Continuidad de las Unidades de Paisaje en el territorio

Figura 27. Vista aérea de un fragmento de la ciudad. Continuidad de la transversal.

5.3 Tipologías

Se identifican Tipologías de Espacios Verdes Urbanos existentes en cada Unidad de


Paisaje, entendiendo por tipología: Un orden que compara, clasifica y establece relaciones
entre sus partes y el entorno circundante. Ellas son definidas bajo parámetros del espacio
geográfico y la compleja trama urbana de Valparaíso.

5.3.1 Unidad de Paisaje Altas cimas

a. Serranía periurbana: Espacio Verde en potencia por presentar vegetación nativa en


zonas de baja o nula urbanización al encontrarse en el área periurbana. Presentan senderos que
serpentean transversales a las crestas, por lo general, a lo largo de una misma cota de nivel
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 47
uniendo un cerro con otro en sentido horizontal, esto define una figura y un modo de recorrer
las Altas cimas: serpenteante.

Figura 28. Esquema vista aérea de la tipología Serranía periurbana

Predomina la vegetación introducida de matorral y arbórea, destacando la Quila y Eucaliptus


respectivamente, sin embargo, alberga igualmente especies nativas de modo puntual y singular,
siendo difícil su reconocimiento in situ por presentarse en menor proporción de estas respecto
a las especies introducidas.
Especies predominantes de la tipología:
Predomina la vegetación exótica de matorral y arbórea, presentando especies nativas
de modo puntual y singular siendo difícil su reconocimiento in situ por la proporción de
estas respecto a las especies exóticas.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 48


Figura 29. Camino La Pólvora. Quila, chupalla, lluvia de oro, boldo, litre, baccaris, peumo. Eucaliptus
coronando la loma.

Figura 30. El recorrido es de paso por el borde, con un muro por la diferencia de nivel. Este paso es a
lo largo del cerro entre su vegetación de suelo: cubre la superficie y sube como muro entre cerro. Lo
que cubre aquí, cubre allá también, cerros verdes.

5.3.2 Unidad de Paisaje Cuenca

a. Cima: Espacio público emplazado en la parte superior correspondiente a la loma


de cerro, es afectado por constantes vientos y alta exposición solar. Presenta desniveles
en la continuidad de su suelo, pudiendo o no, tener condición de mirador.
La caracterizan la transparencia otorgada por la ausencia de vegetación de matorral
y la presencia de especies arbóreas que dejan expuesto el interior de la plaza a través de
sus troncos. Aquí las copas de los árboles se constituyen como un nuevo cielo compuesto
por las variedades de especies existentes, generalmente, acentúan la forma de los
recorridos, conformando un espacio central libre y en transparencia.
La conformación de su suelo está dada por terrazas en desnivel que orientan la vista
hacia el punto bajo o el horizonte. Así mismo establecen una discontinuidad entre niveles,

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 49


potenciada por la vegetación y organizados por un eje visual central que atraviesa el
espacio.

Figura 31. Esquema vista aérea tipología Cima

Especies predominantes de la tipología:

Figura 32. Plaza Waddington, Playa Ancha. Frondosidad marcada entre encinas desde vértices de la
plaza. Transparencia por ausencia de arbustos y algunos árboles caducos. Apertura hacia el lado norte.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 50


Figura 33. El suelo se despeja pues lo denso queda en las copas de los árboles, bajo ellos el recorrido
y vista, lo que queda oculto es por el desnivel, los árboles están presentes por sus copas. Ninguno al
centro: plaza abierta por los árboles y el suelo

b. Laderas: Planos inclinados del cerro que dan forma a la concavidad de la quebrada
o cuenca. Son afectadas distintamente por el viento predominante (sur oeste) y el sol
según su orientación. Esto caracteriza una ladera de otra pudiendo hacer distinciones
en su vegetación, temperatura y humedad según hora del día. Están definidas por la
pendiente o inclinación del terreno, factor del cual depende su uso y ocupación en cuanto
intervención antrópica; baja y media pendiente alberga habitación y mayor ocupación,
alta pendiente permite un lugar de paso y baja ocupación mientras que una máxima
pendiente la vuelve inhabitable y nula en ocupación o presencia de construcciones. Sobre
las laderas tienen lugar espacios que son inmediatos o próximos a la superficie natural, en
otras palabras la pendiente del terreno establece que el límite de las intervenciones sea el
cerro mismo. Se habita un espacio junto al cerro, próximo a la naturaleza del lugar dada
por su manto vegetal o suelo.

Figura 34. Esquema de asoleamiento. Vista aérea de tipología Laderas

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 51


b1. Ladera de umbría: espacio que corresponde a uno de los lados de la concavidad
de la quebrada con baja exposición solar.
b2. Ladera de solana: espacio que corresponde a uno de los lados de la concavidad
de la quebrada con alta exposición solar.
Especies predominantes de la tipología:
b1. Ladera de umbría

b2. Ladera de solana

Figura 35.Lo único liso es lo artificial, queda trazado por su medida que permite solamente pasar. Es
inmediato al cerro entresuelos más altos: capa de vegetación en la que se está inmerso, es menor
respecto al cerro, más cerro que paseo, a lo largo.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 52


Figura 36.Pasaje Ortúzar, Cerrro Santo Domingo.En Valparaíso el área verde se vuelve espacio verde
por el plano inclinado del cerro. Convirtiéndose en un fondo escénico para el acontecer de la ciudad.
Cubren los suelos: dedal de oro, pelargonium, espuela de galán, tuna, aloes, suspiro azul, romerillo.

c. Fondo: Parte inferior de la quebrada donde confluyen las laderas, corresponde al


espacio creado por el curso de agua, visible o subterráneo, es el punto más húmedo de
la cuenca. Su exposición solar y la incidencia del viento va a depender de la orientación,
cuenta con pendiente variable pero en progresivo descenso hacia el nivel del mar.
La humedad que concentra favorece la presencia de vegetación en una densidad
que vuelve invisible el suelo del fondo de quebrada, creando así un nuevo nivel de suelo
correspondiente a la superficie formada por las copas de los arbustos o árboles.
La pendiente y vegetación, en cuanto a la densidad en que se presenten, establecen
dos situaciones espaciales en cuanto al habitar. La primera es una situación de interior
donde las laderas y especies vegetales cierran el espacio, lateral y frontalmente
respectivamente. En este interior el habitante queda fuera de la ciudad, puede oírla pero
no verla, está enfondado. La segunda es de orientación horizontal y apertura por medio
de la vista, donde aquella nueva superficie de suelo establecida por las copas limita el
dominio visual hacia la parte baja de la cuenca orientando la mirada hacia el frente.
Cabe mencionar la alta degradación ambiental que se ha reconocido en los fondos
de quebrada. Por su forma misma y el poco cuidado de sus usuarios, se han convertido
en focos de contaminación tipo microbasurales, que en algunos casos la vegetación logra
ocultar gracias a su altura.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 53


Figura 37. Corte transversal y longitudinal, nivel de suelo y vista en dominio

Especies predominantes de la tipología:

Figura 38. Mirador Camogli, cerro San Juan de Dios. Fondo denso y voluminoso. No hay suelo
aparente, sino la frondosidad que sostiene la mirada hacia la lejanía.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 54


Figura 39. Las especies se amontonan en la pendiente, crean un cierre que me deja en el interior del
fondo, se escucha la ciudad (transporte y voces), pero no la veo. Se identifica la parte alta sin verse
totalmente. Las especies más altas están en lo plano, enfondado-emboscado, ambas te dejan dentro.
El cerro cae hasta el paso, crecen las especies hasta el inicio mismo del paseo.

5.3.3 Unidad de Paisaje borde-mar

Líneas de Costa: Se trata de tres franjas longitudinales paralelas al borde costero


definidas a partir de su distancia respecto al mar. Esta distancia determina la influencia
marítima a la que está expuesta cada línea. Los factores viento o brisa marina, salinidad
y diferencias de temperatura distinguen el tipo de espacio presente en cada línea donde
tienen lugar los espacios públicos estructurantes de la zona plana de la ciudad: las plazas.
a. Primera línea de costa: Franja inmediata al borde costero, en ella se presentan
espacios de carácter netamente longitudinal y planos que contienen el habitar a lo largo.
b. Segunda línea de costa: Franja intermedia entre la primera línea de costa y el pie
de cerro. Los espacios verdes se dan de modo puntual y planos bajo la denominación de
plazas o plazoletas, siendo centros de convergencia.
c. Tercera línea de costa: Franja ubicada donde termina el área plana de la ciudad y
comienza el cerro. En esta línea el suelo toma formas más irregulares que diferencian una
zona de otra, revelando la geografía del pie de cerro.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 55


Figura 40. Esquema de la ciudad y las tres líneas de costa

Especies predominantes de la tipología:

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 56


Figura 41. Plaza Los Loros, Playa Ancha. Pelargonium, quilo, suspiro azul, aloes, pitosporum y agaves
componen el plano vertical en primera línea de costa.

Figura 42. Plaza de mar orientada al mar. Sus espacios principales para estar y contemplar están en
la línea más cercana al mar. Los árboles principales, pinos cipreses están junto a esta zona: un eje,
entrada con vista y un borde de estar también con vista.

6 | CONCLUSIONES

A través de la revisión de fuentes bibliográficas y salidas de observación accedemos


a los orígenes de la ciudad, la transformación de sus espacios públicos y evidencias de
vegetación existente en sus lomas, quebradas y plan, en un arco temporal de poco más

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 57


de cinco siglos (años 1544-2016).
a. Fases históricas
A partir de la ocupación de la ciudad en el siglo XVII, se modeló la abrupta geografía
y se sobre explotó la vegetación por ser fuente principal de materia prima. Este impacto
significó una transformación importante del paisaje de Valparaíso al no contemplar una
restitución de dicho entorno vegetal, hecho que trajo consigo dos principales repercusiones:
la disminución de las especies nativas mantenidas naturalmente hasta el momento de
la antropización urbana y la introducción de vegetación foránea, incluyendo especies
invasoras como el eucaliptus (Eucalyptus globulus) con cualidades pirógenas y de erosión
del suelo, que van en detrimento de la vegetación nativa por su alto nivel de expansión
y competición, volviendo además, vulnerable la ciudad ante la erosión y los incendios.
Razón por la cual se recomienda la erradicación progresiva de esta especie, para futura
transformación en formaciones nativas.
A su vez, se reconocen especies nativas que han trascendido en el tiempo,
actualmente presentes de manera puntual en la ciudad y el imaginario urbano, es el caso
de la emblemática palma chilena (Jubaea chilensis), el belloto del norte (Beilschmiedia
miersii) y el peumo (Cryptocarya alba). La incorporación de estas especies en futuros
proyectos urbanos debería potenciarse para consolidar este imaginario colectivo y como
medida para restaurar mediante parches de vegetación el medio natural.
Actualmente el paisaje vegetal de la ciudad está compuesto por especies introducidas,
tanto en la consolidación de espacios públicos como en las periferias de producción forestal,
e incluso la mayoría de las especies asilvestradas que encontramos transversalmente
en las tres unidades de paisaje. En contraposición de las especies nativas que solo se
encuentran en iniciativas puntuales, demuestra que la tendencia al momento de elegir
especies se ha mantenido.
b. Unidades de paisaje
Desde el estudio se valida el Sistema de Infraestructura Verde como una red que
sostiene dinámicas simbióticas de desarrollo entre la urbe y el entorno que la sostiene.
Valparaíso cuenta con tres unidades de paisaje reconocibles; Altas Cimas, Cuenca
y Borde-mar, las cuales se reconocen como potenciales para conformar un Sistema de
Infraestructura Verde en correspondencia a sus elementos Núcleo, Conector y Nodo. Sin
embargo, actualmente no existente continuidad entre las unidades de paisaje impidiendo
que las partes funcionen como sistema, además se distinguen problemáticas específicas
asociadas a cada una:
ALTAS CIMAS, Principalmente por su abrupta geografía y estar escasamente habitado,
hoy en día es un espacio postergado por la administración municipal e invisibilizado a la
ciudad. Como potencial núcleo en un S.I.V. debería priorizarse su capacidad de retener
humedad en sus altas cuencas, y albergar especies nativas y endémicas. Además, es de
vital importancia regular la expansión de especies invasoras introducidas. Este margen
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 58
urbano debe cobrar mayor prioridad en la agenda de planificación y ser considerado clave
para futuros estudios urbanos y paisajísticos.
CUENCA, La pendiente de la ladera ha funcionado como un límite frente a la ocupación
urbana, no así ante la contaminación principalmente de deshecho doméstico. La mayoría
de las quebradas presentan un estado de conservación degradado por contaminación
y se encuentran aisladas con otras unidades de paisaje respecto a su vegetación. Son
reconocibles como alargadas manchas puntuales verdes en el área urbana, de lo cual
se concluye que existe una discontinuidad del elemento cuenca, que pierde fuerza en su
capacidad de conectar Núcleo y Nodo.
El potencial de conector se confirma a partir de su forma y condiciones: por conservar
el agua propia del fondo de quebrada, su humedad y vincular la alta cima al borde-mar en
su recorrido.
Aquellas con menor impacto de contaminación, mantienen una vegetación que
se aproxima al estado de conservación natural similar al estudiado en el análisis de
representaciones pictóricas de la ciudad donde las quebradas siempre figuran como
concentraciones de verde. Por esto, la cuenca resulta ser el elemento clave a restituir
como corredor y así volverse conector del S.I.V.
BORDE-MAR, En los inicios de la ciudad la vegetación está en contacto directo
con el borde mar, sin embargo con el paso del tiempo la superficie del área urbana
crece, distanciando el pie de cerro y su vegetación respecto al mar. En este estudio se
consideran tres graduaciones de líneas de costa. En ellas, las plazas se identifican como
potenciales nodos en un S.I.V. siendo la estructura más resistente en la trama histórica, en
cuanto no varían radicalmente en su superficie y ubicación a lo largo del tiempo. Producto
del crecimiento de la ciudad estos potenciales nodos han quedado aislados del sistema
total, presentando una capa vegetal débil, debido al tipo de especies que poseen y a
la discontinuidad respecto a las cuencas. De vital importancia será promover diseños
que aumenten y den continuidad a este tipo de espacio verde urbano, promoviendo su
mantención por parte del municipio, los habitantes y vecinos.
c. Tipologías
Los espacios verdes urbanos de Valparaíso responden en su mayoría a una
clasificación de tipologías identificadas, donde cada una establece un modo de habitar
el espacio según su función, tamaño, espacialidad, vegetación e identidad, donde la
geografía es la determinante principal.
La complejidad geográfica sobre la cual se ha desarrollado la ciudad conlleva
ciertos casos en que en un mismo espacio se superponen tipologías. En este caso es de
relevancia determinar la tipología predominante.
De cada tipología se desprende una forma espacial, modo de habitar y vegetación
asociada. Cada una de ellas constituye su forma espacial según cualidades de tamaño,
luz, sombra, forma y color que dan lugar a funciones y características identitarias.
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 59
Cabe señalar que la evolución de las tipologías de espacio verde urbano está asociada
a la expansión de la ciudad, la geografía donde se ubica y su mantenimiento, más que a
un área específica. Las tipologías son mutables en cuanto mantengan sus características,
tolerando desplazamiento o variación de superficie dentro de la misma Unidad de Paisaje.
d. Especies
Las especies vegetales cumplen un importante rol en la dimensión espacial como
la construcción de una envolvente ya sea vertical u horizontal y con ello la sombra
asociada a cada especie. Ellas dibujan un nuevo enmarque hacia el entorno, acentuando
la profundidad del espacio mediante variaciones cromática y de texturas en sus diversas
formas.
Aspectos funcionales como la protección ante el viento, confort de temperatura y
barrera acústica, consolidan un espacio resguardado donde antes había uno abierto.
Por otro lado, se destaca la ausencia de especies nativas, situación que refleja
degradación en el estado vegetacional y ecológico. Se reconoce la necesidad de proyectos
de restauración ecológica en la ciudad que valoricen las especies originarias que vayan
acorde a las dimensiones espaciales y funcionales anteriormente descritas.
Finalmente se constata la carencia de mantención municipal en muchos de los
espacios estudiados, el abuso del césped que conlleva excesivo gasto hídrico y podas
aplicadas con descriterio que detrimentan el desarrollo de especies centenarias. Cabe
mencionar que las iniciativas barriales de carácter particular/privado demuestran
apropiación y significación del espacio público mediante la incorporación y mantención
de especies en su mayoría arbustivas. Este tipo de participación ciudadana activa se
reconoce como un aspecto relevante a promover en la creación y/o recuperación de
espacios verdes urbanos.
Al momento de planificar, diseñar y ejecutar proyectos de espacios verdes urbanos,
se requiere una asesoría técnica con mirada crítica para repensar los criterios para una
adecuada selección y mantención de especies, en un contexto donde las condiciones
medioambientales son cada vez más extremas y las ecologías locales más frágiles.

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Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 61


ANEXO

Tabla 1. Especies individuadas según fases históricas

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 3 62


CAPÍTULO 4
doi

ARBORIZAÇÃO DE VIAS PÚBLICAS EM IRUPI-ES:


UMA ANÁLISE DA MORFOLOGIA URBANA DOS
BAIRROS CAROLINO BARBOSA E JOÃO BUTICA

Data de aceite: 05/07/2020 Barbosa e João Butica em Irupi-ES. Para tanto


Data Submissão: 03/04/2020 foi realizada pesquisa bibliográfica, análise
de estudos de caso, levantamento de campo,
pesquisa iconográfica, análise de percepção
Eduardo Machado da Silva espacial e confecção de mapas. Verificou-
Graduado em Arquitetura e Urbanismo pelo
se que o bairro Carolino Barbosa possui 78
Centro Universitário Unifacig.
plantas arbustivas e arbóreas pertencentes a
Manhuaçu/MG
14 espécies identificadas, onde apenas cinco
http://lattes.cnpq.br/5280603303112655
indivíduos não foram possíveis identificar.
Wagner de Azêvedo Dornellas
Mestre em Ambiente Construído pela
No bairro João Butica foram encontradas 38
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), plantas arbustivas e arbóreas em 13 espécies
Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela identificadas e apenas três sem identificação.
Universidade Federal de Viçosa (UFV). Concluiu-se que a arborização nos dois bairros
Manhuaçu/MG é escassa, com poucos exemplares em áreas
http://lattes.cnpq.br/6888660664208284 isoladas nos bairros, sem a devida manutenção
e com espécies não recomendadas para
arborização urbana, devendo-se propor

RESUMO: Atualmente, a arborização de devida correção das espécies inadequadas

vias tem despertado maior atenção pelos e incipientes além da contínua e adequada

planejadores de cidades, valorizando esse manutenção.

elemento como componente na estrutura PALAVRAS-CHAVE: Arborização urbana;

urbana por seus diversos benefícios, dentre Vegetação; Árvore; Irupi; Áreas verdes.

eles se destacam: a diminuição da poluição do


ar, melhora no microclima, barreira acústica,
sombreamento, distribuição de ventilação,
embelezamento estético das cidades e
qualidade de vida. Apresente pesquisa teve
como objetivo realizar uma análise qualitativa
e aplicativa da arborização dos bairros Carolino

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 4 63


PUBLIC ROAD ARBORIZATION IN IRUPI-ES: AN ANALYSIS OF THE URBAN

MORPHOLOGY OF THE NEIGHBORHOODS CAROLINO BARBOSA AND JOÃO BUTICA

ABSTRACT: Currently, the afforestation of roads has attracted greater attention by city
planners, valuing this element as a component of the urban structure for its various benefits,
among which we highlight: the reduction of air pollution, improvement in the microclimate,
acoustic barrier, shading, distribution ventilation, aesthetic beautification of cities and
quality of life. Present research aimed to carry out a qualitative and applied analysis of the
afforestation of Carolino Barbosa and João Butica neighborhoods in Irupi-ES. For this purpose,
bibliographic research, analysis of case studies, field survey, iconographic research, analysis
of spatial perception and map making were carried out. It was found that the Carolino Barbosa
neighborhood has 78 shrub and tree plants belonging to 14 identified species, where only five
species have not been identified. In the João Butica neighborhood, 38 shrub and tree plants
were found in 13 identified species and only three without identification. It was concluded that
afforestation in the two neighborhoods is scarce, with few examples in isolated areas in the
neighborhoods, without maintenance and due maintenance of species not recommended
for urban afforestation, and the appropriate correction of inadequate and incipient species
should be proposed in addition to maintenance. permanent maintenance.
KEYWORDS: Urban afforestation; Vegetation; Tree; Irupi; Green areas.

1 | INTRODUÇÃO

Atualmente, grande parte da população vive nas cidades. No Brasil, esse número
chega a 80% da população (IBGE, 2010) onde, nas últimas décadas, o país passou por
um acelerado processo de urbanização. Em tal processo, muitas vezes apenas requisitos
básicos de infraestrutura urbana, até então precários nas cidades, tais como pavimentação
de ruas, estradas, saneamento básico entre outros, foram priorizados. Nesse cenário, a
vegetação urbana ocupou um lugar de esquecimento no planejamento urbano pelo poder
público. Em Irupi, cidade do estado do Espírito Santo (ES), a situação foi bem parecida. A
cidade, situada na região do Caparaó capixaba, conta hoje com cerca de 13.380 habitantes
(IBGE, 2017), e sua economia gira em torno do café, sua principal atividade econômica.
Nos últimos anos, a cidade passou por um rápido processo de urbanização que
priorizou os bairros mais periféricos, dentre eles, os bairros Carolino Barbosa e João
Butica. Ambos os bairros possuem características semelhantes, são predominantemente
residenciais, havendo poucos pontos de comércio. Ambos surgiram há cerca de 20 anos e
passaram por um rápido processo de urbanização que acabou ignorando as áreas verdes,
originando um espaço urbano excessivamente pavimentado e escasso de vegetação.
Com o recente crescimento desordenado e falta de planejamento urbano nas cidades
brasileiras, despertaram atenção de planejadores no sentido da vegetação urbana, como
componente necessário na estrutura da cidade. (RIBEIRO, 2009).

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 4 64


Segundo Mascaró (2010), quando se substitui a vegetação por asfalto, favorece
a absorção de radiação solar diurna e a reflexão noturna, formando o fenômeno “ilhas
de calor”. A pavimentação e as construções ocupam o lugar da vegetação que não é
replantada e, devido à ausência de áreas verdes, gera desconforto na ambiência urbana.
Em se tratando de uma região carente de áreas verdes, a devida arborização urbana
nos bairros citados influenciaria na qualidade de vida dos moradores. De acordo com
o Manual de Arborização da CEMIG (2011), a arborização além da função paisagística
ela proporciona outros benefícios, tais como: purificação do ar; melhoria no microclima
da cidade; melhoria na infiltração da água no solo; redução da poluição; proteção e
direcionamento de vento; abrigo a fauna; conservação genética da flora nativa; formação
de barreiras sonoras e/ou visuais, proporcionando privacidade; aumento do valor das
propriedade e melhoria da saúde física e mental da população.
Atualmente, a arborização das cidades é estratégica, quer como respostas as
condições ambientais adversas, quer como elemento da paisagem urbana, buscando sua
compatibilidade com os projetos de renovação do tecido urbano. (MILANO; DALCIN, 2000,
p. 17). Tendo em vista essa situação, o presente trabalho visa analisar as características
da morfologia urbana dos bairros Carolino Barbosa e João Butica na cidade de Irupi, bem
como fazer um levantamento da vegetação arbórea e arbustiva presente, identificando
espécies e suas condicionantes.

2 | DESENVOLVIMENTO

2.1 A árvore e a cidade

2.1.1 Aspectos contextuais e históricos da arborização urbana

De acordo com Santos (1997), a arborização urbana é um conjunto de áreas públicas


e particulares com cobertura arbórea que uma cidade apresenta. Com isso, todo e qualquer
local que tenha árvore plantada em área urbana, é considerado arborização urbana, seja
público ou privado, desde que se encontre dentro do perímetro urbano.
Para Bonametti, (2001 p. 53) “a arborização urbana é na forma mais simples um
conjunto de terras urbanas com cobertura arbórea que uma cidade apresenta.” Ainda
segundo o ponto de vista de Bonametti (2001), a arborização pode servir como revitalização
de bairros ou de grandes centros deteriorados, o que é bem comum em grandes cidades.
A vegetação e o paisagismo garantem uma revalorização à área implantada, ao mesmo
tempo em que contribui em diversos aspectos, desde estruturação de vias, à qualidade
de vida local.
A utilização de árvores como elemento na arquitetura não é algo recente. Essa

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 4 65


utilização, vem desde os primórdios, com as civilizações egípcias, com os fenícios, gregos,
persas, chineses e romanos, utilizando a vegetação como componente na arquitetura em
templos, jardins, bosques sagrados, o que tornou possível desenvolver conhecimentos
dos usos e manejos das árvores (MILANO; DALCIN, 2000).E como decorrer da história, a
Grécia, passa a ser o primeiro país a assumir espaços livres às áreas de domínio público,
como áreas de lazer e convívio da sociedade. Mais tarde, os Romanos apropriaram da
ideia e transformaram os jardins privados da nobreza, em áreas abertas ao público (DE
ANGELIS, 2000, apud LOBOTA, DE ANGELIS, 2005).

Na Idade Média destacam-se as novas formas de jardinaria, ênfase aos jardins Árabes
com funções específicas, de pequena escala, tratando-se de jardins internos constituídos
basicamente de plantas frutíferas e aromáticas. A desagregação do império Romano,
consequência das invasões bárbaras, instalou na Europa uma involução no mundo da
cultura, proporcionando a estagnação, por determinado período das manifestações
artísticas. (LOBODA; DE ANGELIS, 2005, p.127, 128).

Já no período da renascença, passa-se a desenvolver o cultivo de espécies oriundas


de outras partes do mundo, afim de colecionar e serem exibidas pelos jardins botânicos
que se iniciaram no período da Idade Média. A partir daí surgem os estilos de jardim, como
o jardim italiano que se adaptava a topografia do terreno; o francês, que eram extensos,
cenográficos e em grande escala; e o inglês, com jardins de formas orgânicas e pioneiros
em criação de parques abertos ao público (MILANO; DALCIN, 2000).
Porém, somente a partir de meados de 1700 que as árvores passaram a ter papel
no ambiente urbano, impulsionado pelos surgimentos dos jardins botânicos na Europa, e
quase que simultaneamente no continente americano (SEGAWA, 1996). Essa presença
arbórea nas cidades, se refletiu por volta do início do século XIX, no caso das squares
de Londres e os boulevards de Paris, onde até os dias de hoje a vegetação urbana,
principalmente a arborização de vias públicas, se tornaram componentes necessários
para as cidades (GREY; DENEKE, 1986).
Já no Brasil, a cidade de Recife, foi provavelmente o primeiro centro urbano a
receber arborização em suas ruas, e isso se deu durante a colonização holandesa, em
meados do século XVII (MENEGHETTI, 2003, apud MESQUITA, 1996).As praças e os
largos eram espaços que atraiam a atenção dos administradores das cidades, por ser
um ponto relevante de maior atenção urbanística e por possuir edifícios com arquitetura
mais imponente e maior movimento populacional, o que fazia com que a arborização
valorizasse também a região nesses locais. E foram essas áreas as responsáveis pelo
início da arborização urbana no Brasil (LOBOTA, DE ANGELIS 2005). No caso de Recife,
“a presença de coqueiros em duas ruas foi confirmada por documentos pictóricos do final
da década de 1630.” (MENEGHETTI, 2003, p. 04).
Com a Revolução Industrial no século XIX, as questões sanitárias e de saúde estavam
em colapso e a partir disso, surge o pensamento salubrista. A vegetação urbana passa
a ter maior espaço nos planejamentos das cidades e deixa de ser um atributo polêmico.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 4 66


Essa questão salubrista fez surgir na cidade do Rio de Janeiro o primeiro passeio público
do Brasil, que representava um monumento à vegetação e à burguesia da época. Foi
também no Rio de Janeiro que em 1869 a cidade passa a estabelecer normas para a
arborização de ruas, algo seguido por outras cidades brasileiras(SEGAWA, 1996).
Anos mais tarde, com a formação da República no Brasil, as cidades passam por
uma mudança em suas malhas urbanas. Esse rápido crescimento das cidades nos fins
do século XIX e início do século XX, impulsionado pela instituição da república no Brasil
e com as questões de infraestrutura nas cidades, o surgimento de veículos motorizados,
da luz elétrica, da especulação mobiliária, provocaram severas mudanças no desenho
urbano das cidades, onde muitas vezes se deu a perda de jardins privados, áreas livres,
fazendo com que restringisse o avanço e até a preservação de parques e arborização de
ruas (MILANO; DALCIN, 2000).
A partir da metade do século XX, acende a preocupação com o meio ambiente no
mundo e no Brasil, isso só começa a ser refletido nos planos diretores dos municípios nas
décadas de 1980 e 1990. Em 1986 na cidade de Porto Alegre é realizado o I Encontro
Nacional de Arborização Urbana, o que consolidou um novo renascimento da arborização
urbano no Brasil, que ficara esquecido por anos, principalmente em cidade onde houve
um acelerado processo de urbanização. (MILANO, 2000).
Já em 1992 foi fundado a Sociedade Brasileira de Arborização Urbana, e houve
também o I Congresso de Arborização Urbana, onde uniu planejadores, técnicos,
profissionais e pesquisadores atuantes no setor, trazendo à tona uma gama de trabalhos.

2.1.2 A importância da árvore no ambiente urbano

As árvores cumprem um papel fundamental no ambiente urbano. De acordo com


Milano e Dalcin (2000 p. 23), “alguns aspectos da arborização podem ser mensurados,
avaliados e monitorados, caracterizando benefícios e, consequentemente, objetivos que
passam a ser estabelecidos no planejamento”. (LE CORBUSIER, 2011) cita na carta de
Atenas que todo bairro residencial deve contar com uma área verde para esportes e lazer
Porém, apenas arborizar não é a solução, antes é necessário saber a condicionantes
da área a ser implantada, a partir de um elaborado planejamento, “a prática e uso corretos
da arborização nos centros urbanos conduzem, de um lado, à transformação morfológica
de áreas já ocupadas e, de outro, à incorporação de novas áreas, sob diferentes formas,
ao espaço urbano.” (BONAMETTI, 2015 p. 52). Segundo Mascaró (2010) a vegetação atua
nos microclimas urbanos contribuindo para melhorar a ambiência urbana sob diversos
aspectos, desde amenização climática ao melhoramento estético, exemplo ilustrado na
figura 01 a seguir. A presença de uma árvore no ambiente talvez não altere muito no clima
da vizinhança, mas várias em conjunto ou espalhadas, podem ser bem eficientes para o
conforto climático e humano (GREY; DENEKE 1978).

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 4 67


Locais arborizados economizam recursos hídricos públicos, por exemplo na
manutenção de áreas pavimentadas. Áreas arborizadas quando comparadas aquelas
expostas diretamente ao sol sofrem com os fenômenos de contração e dilatação,
diminuindo seu resgate. (SÃO PAULO, 2015 p. 15).

Figura 01: Sombra pela copa da árvore


Fonte: São Paulo (2015, p. 15). Adaptado pelo autor

Um fator importante da atuação das árvores nas cidades, é que elas podem funcionar
como direcionamento e distribuição de ventos, e como barreira acústica. Para MASCARÓ
(2010), a ventilação é de suma importância na ambiência dos espações arquitetônicos
e urbanos e consequentemente, na sensação térmica de seus usuários, além também
de ser responsável pela renovação do ar destes espaços assegurando a qualidade
necessária à respiração humana. Ele também cita quatro efeitos básicos da ventilação
em relação ao vento, dentre eles a canalização do vento, quando formado o corredor de
vegetação isso pode reforçar ou amenizar a ação do vento (figura 02).A filtragem ocorre
pela presença de vários tipos de vegetação e de variados tamanhos distribuindo assim
a ventilação, funcionando também como barreira sonora (figura 03). A deflexão, ocorre
quando a vegetação presente torna a ventilação defletora e diminui sua velocidade e
altera suas direções, de modo também que distribua o vento (figura 04). E a obstrução,
é quando a vegetação presente atenua a velocidade do vento, alterando sua direção e
diminuindo a temperatura do ar (figura 05).

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 4 68


Figura 02: Canalização do vento. Figura 03: Filtragem do vento.
Fonte: Mascaró (2010, p.46). Adaptado pelo autor Fonte: Mascaró (2010, p. 48). Adaptado pelo autor.

Figura 04: Deflação de vento. Figura 05: Obstrução do vento.


Fonte: Mascaró (2010, p. 47). Adaptado pelo autor. Fonte: Mascaró (2010, p. 47). Adaptado pelo autor.

Seguindo o ponto de vista de Mascaró (2010), as árvores também podem servir como
barreira sonora, reduzindo e absorvendo os ruídos através de cinco maneiras diferentes,
são elas: absorção, desviação, reflexão e refração do som, exemplo ilustrado na figura 06.

[...] pela absolvição do som (elimina-se o som), pela desviação (altera-se a direção do
som), pela reflexão (o som refletido volta a sua fonte de origem), pela refração (as ondas
sonoras mudam de direção através de um objeto, por ocultamento, cobra-se o som
indesejado por outro mais agradável) (MASCARÓ, 2010.p. 52).

Figura 06: Esquema da atuação da arvores como barreira acústica


Fonte: Milano; Dalcin (2000, p. 31). Adaptado pelo autor.

Outro fator importante na presença da árvore no ambiente urbano é que a


arborização urbana diminui a poluição, onde as folhas das árvores retêm as impurezas
do ar, provenientes do tráfego dos carros nas cidades, impedindo que essas partículas
poluidoras alcancem as vias respiratórias, esquema ilustrado na figura 07, o que podem

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 4 69


agravar doenças, como: asma, bronquite, pneumonia, tosse e entre outras. Sendo assim,
com a água da chuva, as folhas são lavadas, retirando as impurezas retidas na folhagem.
(SÃO PAULO, 2015).

Figura 07: Atuação da árvore em relação a poluição urbana


Fonte: São Paulo (2015, p. 16). Adaptado pelo autor

As árvores também são responsáveis por capturar o gás carbônico “por meio da
fotossíntese, as árvores capturam o gás da atmosfera e o utilizam na formação de suas
estruturas vegetativas. Sendo este, um dos gases responsáveis pelo efeito estufa, as
árvores auxiliam no combate ao aquecimento global” (SÃO PAULO, 2015).
Além do mais, a arborização urbana proporciona a conexão da fauna e flora, pois as
árvores atuam como corredores ecológicos (figura 08), servindo como abrigo e caminho
para vários seres vivos, como insetos, líquens e aves, enriquecendo a biodiversidade local.
Além disso, essas árvores servem de atrativo e refúgio, principalmente para a avifauna
urbana, pois suas flores e frutos garantem as condições de sobrevivência desses animais
(SÃO PAULO, 2015).

Figura 08: Arborização Urbana, funcionando como corredor ecológico.


Fonte: São Paulo, 2015 p. 14). Adaptado pelo autor.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 4 70


As árvores desempenham também o papel de desenho urbano nas cidades,
contribuindo para melhora da paisagem estética das vias das cidades (MILANO; DALCIN,
2000). “Nesse sentido, destacam os papeis das formas, das cores e das texturas das
árvores, desenvolvendo contrastante naturalidade ao geométrico e artificial produto que
genericamente as cidades constituem.” (MILANO; DALCIN, 2000 p. 36, 37). Além disso,
os mesmos autores, destacam também que as árvores, influenciam no julgamento das
pessoas em relação aos bairros residenciais, melhorando a qualidade estética e visual
das ruas, exemplo ilustrado na figura 09. “A presença de espécies arbóreas na paisagem
promove beleza cênica, melhoria estética (especialmente na época de floração) e
funcionalidade do ambiente e, em consequência, um aumento da qualidade de vida da
população” (SÃO PAULO, 2015, p.16).

Figura 09. Copa das árvores e seu efeito estético e psicológico.


Fonte: São Paulo (2015, p. 17). Adaptado pelo autor.

No entanto, apesar da reconhecida importância da arborização das áreas urbanas,


é comum, o fracasso dos plantios ou da manutenção dessas áreas. Isso se deve
principalmente à falta de participação comunitária e da ausência de conscientização sobre
a importância da arborização, fazendo-se necessário para um eficiente planejamento e
manutenção da população (CABRAL, 2013 apud RODRIGUES, 2010). É fundamental
também se atentar a percepção da população em relação ao meio ambiente pois, através
desta análise, é possível obter informações para uma melhor gestão no planejamento
dessa arborização (CABRAL, 2013). Além também de se “discutir e analisar o papel
da arborização urbana para um melhor aproveitamento dos espaços não-edificados da
cidade, melhorando assim a qualidade de meio ambiente” (BONAMETTI, 2001, p. 53).
O poder público, a partir de implementação de leis e decretos e do próprio planejamento
em planos diretores, viabilizando assim a implantação, bem como a preservação e
fiscalização da arborização de vias públicas. Segundo o Art. 99 do Código Civil, são bens
públicos: os usos comuns do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas, praças. Nesse
caso, compete ao órgão público esta implementação.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 4 71


É de competência do poder público municipal promover e executar ações que visem
a preservação, recuperação e ampliação da arborização urbana de acompanhamento
viário. Deve-se entender e discutir a implantação da arborização antes de fazê-lo e não
apenas plantar árvore de modo aleatório em qualquer lugar, pois quando elas alcançarem
a idade adulta poderão causar problemas (CABRAL, 2013, p. 07).

É responsabilidade também da empresa distribuidora de energia elétrica, da cidade


ou do estado, adequar suas redes elétricas à arborização urbana nas cidades, e quando
necessário a devida poda sem grande interferência na vegetação urbana presente e
garantindo a eficiência energética (ESCELSA, 2015).
Além disso, todos fazemos parte da cidade, então é dever participar dela, por meio
de audiências públicas pela câmara municipal, de acompanhamento de plano diretor,
promovendo sugestões, ideias, e soluções para um plano de arborização organizado e
melhor para todos na cidade.
Segundo o Estatuto das Cidades (2001, p. 17) em seu art. 2º II: “a gestão democrática
por meio da participação da população e de associações representativos dos vários
segmentos das comunidades na formulação, execução e acompanhamento de planos,
programas e projetos de desenvolvimento urbano”.Além disso, se faz necessário que
profissionais qualificados intervenham nos projetos de arborização afim de diminuir futuros
problemas de má qualidade de arborização urbana no sistema viário (BONAMETTI, 2001).

2.2 O papel do bairro na malha urbana

De acordo com o Le Corbusier na Carta de Atenas, a zona urbana é a área de uma


cidade que se caracteriza pela edificação contínua e pela existência de equipamentos
sociais, como habitação, trabalho, recreação e circulação. Para Rossi (2001) o bairro é um
monumento à forma da cidade, possuindo características morfológicas, sociais, naturais e
constituindo a imagem da cidade.
Sendo assim, “um bairro bem-sucedido é aquele que se mantém razoavelmente em
dia com seus problemas de modo que eles não o destruam. Um bairro malsucedido é
aquele que se encontra sobrecarregado de diferenciar e problemas cada vez mais inerte
diante deles.” (JACOBS, 2014).Atualmente com surgimento de cidades cada vez mais
monótonas e parecidas umas com as outras, se faz necessário seu planejamento tanto
no âmbito de resgate histórico e cultural, como no surgimento de novas ideias de gestão,
para assim se diferenciar, e tornar aquela cidade, ou aquele bairro, único no meio urbano
(GEHL, 2013). O termo cidades sustentáveis, vem sendo muito usado nos últimose a
arborização urbana é uma forma de tornar a cidade mais sustentável, além de ser um
referencial para a região, ou seja, a cidade, o distrito, ou o bairro, passa a ser identificável,
passa a possuir uma particularidade que o tona único (JACOBS, 2014).

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 4 72


O principal atributo de um distrito urbano próspero é que as pessoas sintam seguras
e protegidas na rua em meio a tantos desconhecidos. Não devem sentir ameaçadas
por eles de antemão. O distrito que falha nesse aspecto também fracassa em outros e
passa a crias para si mesmo, e para a cidade como um todo um monte de problemas.
(JACOBS, 2014, p. 123).

2.3 Arborização de urbana em Colorado (RS): Estudo de caso

Na pequena cidade de Colorado, RS, foi realizada uma análise qualitativa e quantitativa
de sua arborização. A pesquisa se baseava em avaliar as árvores existentes na cidade,
catalogando espécies, observando suas atuais condições, conflitos com o ambiente
urbano e entre outros (RABER; RABELATO 2010). A cidade de Colorado possui uma
população de cerca de 3.550 habitantes e sua economia na base agrícola (PREFEITURA
MUNICIPAL DE COLORADO, 2010). Por ser uma cidade de pequeno porte e por possuir
características semelhantes à cidade de Irupi, este estudo de caso foi utilizado como
referência para o objeto de estudo deste trabalho.
Os autores realizaram um levantamento, no município, por meio de método quali-
quantitativo “em forma de amostragem, averiguando desta forma, a situação atual da
arborização urbana.” (RABER; RABELATO, 2014, p. 187). Foram escolhidas as ruas de
maior movimento na cidade. Todos os dados foram minuciosamente anotados em planilhas
referentes a cada quarteirão das ruas analisadas “O levantamento quali-quantitativo foi
realizado através de caminhadas pelas ruas e avenidas, sendo que os indivíduos foram
facilmente reconhecíveis como árvores, ervas ou plântulas.” (RABER; RABELATO, 2014,
p. 188).
Ainda segundo Raber e Rabelato (2014), o próximo passo foi realizar a identificação
botânica das árvores catalogadas, as árvores foram analisadas conforme categorias, tais
como: morto – com danos irreversíveis; péssimo – com de doenças doenças ou pragas;
regular – com indícios de doenças, pragas ou defeitos físicos; bom – sem presença de
doenças, pragas e defeitos; ótimo – vigorosas e em perfeitas condições.
Para análise da diversidade, os autores utilizaram o índice de diversidade de
Shannon-Weiner, que é um cálculo mais simples para amostragem de levantamento de
arborização urbana.
H = -Ssi = 1 piLnpi
Onde:
H = índice de Shannon;
s = número de espécies;
pi = proporção da amostra contendo indivíduos da espécie i.
A partir desse cálculo, foi possível chegar ao valor de 43 árvores por quilometro
quadrado nas ruas da cidade, onde foram encontrados no total 483 indivíduos arbóreos
identificados em 45 espécies. O Ingá marginata foi a espécie predominante com 21% da
população arbórea e as espécies nativas representavam 51% da arborização na cidade

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 4 73


(RABER & RABELATO, 2010).
Além disso, também foram encontradas 25 espécies de árvores exóticas. Esse
inventário da arborização é fundamental para identificação da população arbórea do
local e assim tomando conhecimento de informações e métodos de manejo, para que o
planejador possa tomar as decisões mais cabíveis (RABER; RABELATO, 2010).
O Índice de diversidade de Shanonn (H´) foi de 2,95, o que é considerado intermediário,
a maior diversidade de árvores, garante melhor proteção contra pragas “[...]recomenda-
se não exceder mais que 10% da mesma espécie, 20% de algum gênero e 30% de uma
família botânica.” (RABER; RABELATO, 2010, p. 193).

Figura 10: Principais famílias existentes na arborização urbana de Colorado, RS.


Fonte: Raber; Rabelato (2014). Adaptado pelo autor

De acordo com as recomendações de Grey e Deneke (1978), citados por Milano e


Dalcin (2000), na arborização urbana, uma única espécie não deve ultrapassar o total de
10 a 15% da arborização na cidade, pois essas árvores se tornariam indivíduos fáceis
para proliferação de pragas e doenças, o que ocasiona uma grande perda arbórea para a
cidade. Dentro desse aspecto, “o Inga marginata foi a espécie predominante, representado
por 21,12% dos exemplares registrados, fugindo às recomendações desses autores”
(RABER; RABELATO, 2014, p. 193). As autoras também classificaram o estado geral das
árvores da cidade, onde 24,64% eram ótimos, 55,07% bons, 15,53% regulares, 3,73%
péssimos e, 1,03% mortos. Além disso, a cidade possui calçadas medindo 2 metros em
média.
Outra análise importante realizada pelas autoras foi verificar a situação do sistema
radicular, onde de todas as árvores amostradas, 351 não apresentaram problemas de
afloramento da raiz, “sendo que 132 (27,33%) apresentam sistema radicular superficial,

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 4 74


ou seja, raiz parcialmente exposta causando danos significativos ao passeio público”
(RABER; RABELATO, 2014, p. 194).
Com isso, por meio dos dados coletados por Raber e Rabelato (2014), foi criado
uma planilha, contendo todas as análises obtidas, inserindo todas as espécies coletadas,
com seus respectivos condicionantes, onde foi entregue a prefeitura sob vigência da
Secretaria de Meio Ambiente, para que assim, a secretaria mantenha controle da situação
e atualizando quando necessário.
A pesquisa revelou que a arborização na cidade de Colorado, RS, precisava de reparos,
já que grande parte das espécies analisadas possuíam avarias, além também de algumas
espécies estarem em atrito com a rede elétrica devido a sua altura. Outro ponto relevante
de reparo na arborização na cidade eram os canteiros, que necessitam de ampliação, pois
algumas espécies arbóreas tinham danificado as calçadas (RABER; RABELATO, 2010).
Segundo Raber e Rabelato (2010, p. 183), “considera-se indispensável o planejamento
da arborização urbana e a realização de um plano prevendo espécies, critérios e técnicas
adequadas para plantios em diferentes situações.” Ou seja, a arborização bem aplicada,
deve seguir o planejamento viário urbano atendendo seu espaço físico, escolhas de
espécies adequadas, atendendo aos mobiliários e equipamentos urbanos existentes.
Caso contrário, deve-se fazer uma análise das áreas para que se possa revitalizar esse
espaço, para que assim, se torne um ambiente que integre com o novo espaço paisagístico
(BONAMETTI, 2001).
Nesse contexto Cabral (2013) afirma que que não é necessário somente ter árvores
na cidade, mas também deve-se levar em consideração que as árvores sejam plantadas
através de estudos e planejamento, que se configura desde de análise do solo, espécie
a ser plantada, poda, além das necessidades de cada espécie de árvores, quanto
a sua altura, tamanho da copa, largura das golas e entre outros, não prejudicando as
características do bairro.

2.4 Metodologia

A pesquisa se classifica como qualitativa e aplicada, onde tem como objetivo analisar
a malha urbana dos bairros Carolino Barbosa e João Butica na cidade de Irupi (ES),
bem como catalogar áreas verdes presentes no perímetro urbano dos mesmos e avaliar
sua atual infraestrutura. O primeiro passo da pesquisa ocorreu em nível bibliográfico, a
partir do referencial teórico, buscando conceitos, definições, aspectos históricos e outras
informações fundamentais acerca do assunto proferido. A segunda parte da pesquisa se
deu por meio de estudo de campo, levantamento fotográfico da área, análise de percepção
espacial e elaboração de mapas.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 4 75


2.5 Resultados e discussões

2.5.1 Características morfológicas e infraestrutura dos bairros

O município de Irupi, localizado no sul do estado do Espírito Santo, na região do


Caparaó (Figura 11), teve seu início, nos arredores da propriedade do senhor Hydário
Tomaz, onde se transformou num pequeno arraial, com cemitério, capela dedicada a São
João Batista, pequenos pontos de comércio e algumas casas. O então arraial se tornou
distrito de Rio Pardo (atual Iúna), passando a se chamar Cachoeirinha do Rio Pardo, por
ficarem às margens do desse rio. A partir daí o progresso foi chegando ao distrito, quando
em 1943 o nome Cachoeirinha do Rio Pardo, por meio de lei estadual foi substituído para
“irupi”, que tem origem da língua tupi-guarani, que no português significa “amigo belo e
águas tranquilas”. (PREFEITURA MUNICIPAL DE IRUPI, 2018).
O distrito foi crescendo e se desenvolvendo com a agricultura e cultivo do café
quando, em 1991 por meio de um plebiscito, foi instaurado a emancipação política do
município de Irupi. Atualmente o município conta com uma população de 13.380 habitantes
(IBGE, 2017) com apenas 27 anos de emancipação política, o jovem município possui
uma economia voltada no cultivo do café, principal fonte de renda, além disso, o setor de
serviços também está em crescente desenvolvimento na cidade.

Figura 11: Localização Geográfica do município de Irupi no Estado do Espírito Santo

Fonte: Blogspot, 2012. Fonte: GeobasesIncaper, 2010.

A sede do município atualmente conta com oito bairros, sendo eles, Bom Pastor,
Carolino Barbosa, Centro, Jequitibá, João Butica, João Tomáz, Laurentino Antônio Faria
(Reta) e Wilson Fernandes Pereira, como ilustrado no mapa da figura 12.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 4 76


Figura 12: Mapa do perímetro urbano e área dos bairros
Fonte: Google Maps (2018). Adaptado pelo autor.

Foram analisados os bairros Carolino Barbosa e João Butica, por serem bairros
residenciais, e onde detém a maior quantidade de arborização urbana na cidade. Segundo
dados da Prefeitura Municipal de Irupi, em 2017 os bairros possuíam respectivamente
uma população de 723 e 611 habitantes. De acordo com as análises feitas in loco nos dois
bairros, ambos possuem características urbanísticas semelhantes, com a predominância
de zona residencial e poucos pontos de comércio e serviço. O Bairro João Butica possui
ao todo 13 ruas, enquanto o bairro Carolino Barbosa possui 5 ruas (Figura 13).

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 4 77


Figura 13: Mapa das vias dos bairros Carolino Barbosa e João Butica
Fonte: Prefeitura Municipal de Irupi (2018), adaptado pelo autor.

A pavimentação em grande parte das ruas foi executada por bloquetes sextavados.
No bairro João Butica, 6 das 13 ruas não estão pavimentadas, sendo elas: João da Camila,
Vereador Flávio Tavares Valério, Antônio Ribeiro Sobrinho, ruas projetadas Um, Dois e
Três. Já nas ruas, Antônio Cláudio da Silva, Milton da Costa Lomar, Joaquim Gomes de
Oliveira, Adílio Butica, Jorge Ferreira da Silva e parte da rua José Pedro Gerado, possuem
pavimentação por bloquetes sextavados.
No bairro Carolino Barbosa, todas as cinco ruas possuem pavimentação. As ruas,
João Ferreira Leite, Adílio Butica, Antônio Graciano Ribeiro e Afonso Borba, possuem
pavimentação por bloquetes sextavados, na Avenida Floriano Soares de Sousa, a
pavimentação é asfáltica. A divisa oficial entre os bairros se faz pelo córrego canalizado
que passa sob a rua Antônio Cláudio da Silva, seguindo pela rua João da Camila. O
gabarito predominante nos bairros é de 1 a 4 pavimentos, sendo mais predominante o
gabarito até dois pavimentos no bairro João Butica e o gabarito de 2 a 3 três pavimentos
no bairro Carolino Barbosa, tornando o último, um bairro mais denso e populoso, apesar
de possuir poucas ruas. O bairro Carolino Barbosa é contemplado com calçadas mais
largas, numa média de 2 a 3 metros de largura, enquanto no bairro João Butica a média

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 4 78


já é o mínimo de 1,5m de largura encontrado em suas calçadas. Já as ruas possuem
tamanhos que variam dos 7 a 9 metros de larguras nos dois bairros, como pode ser
analisado na Tabela 1.

RUA/AVENIDA BAIRRO VIA CALÇADA


Floriano Soares de Souza Carolino Barbosa 8,10 (7,90; 8,30) 2.25 (1,50; 3,00)
João Ferreira Leite Carolino Barbosa 8,95 (6.90; 7,30) 2.25 (1,50; 3,00)
Antônio Graciano Ribeiro Carolino Barbosa 6.51 (6,00; 7,03) 2,50 (2,00; 3,00)
Afonso Borba Carolino Barbosa 7.92 (8,97; 6.88) 1,45 (0,90; 2,00)
Adílio Butica Carolino Barbosa 6,27 (5,30; 7,25) 1,25 (1,00; 1,50)
Adílio Butica João Butica 9,00 (9,00; 9,00) 1,25 (1,00; 1,50)
José Pedro Geraldo João Butica 7,07 (6,93; 7,21) 1,75 (1.50;02,00)
João da Camila João Butica 8,82 (7,35 10,30) 1.50 (1,00; 2,00)
Milton Lomar da Costa João Butica 7,10 (7,00; 7,20) 1,50 (1,50; 1,50)
Joaquim Gomes de Oliveira João Butica 7,05 (6,90; 7,20) 1,75 (1,50; 2,00)
Jorge Ferreira da Silva João Butica 6,65 (6,60; 6,70) 1,25 (1,00; 1,50)
Elzira Almeida João Butica 6,60 (6,50; 6,70) 1,25 (1,00; 1,50)
Ver. Flávio Tavares Valério João Butica 7,10 (7,00; 7,20) 1,25 (1,00; 1,50)
Antônio Cláudio da Silva João Butica 7,05 (7,00; 7,10) 1,25 (1,00; 1,50)
Antônio Ribeiro Sobrinho João Butica 7,10 (7,00; 7,20) 1,25 (1,00; 1,50)
Rua Projetada Um João Butica 7,00 (7,00; 7,00) 1,25 (1,00; 1,50)
Rua Projetada Dois João Butica 7,00 (7,00; 7,00) 1,25 (1,00; 1,50)
Rua Projetada Três João Butica 7,00 (7,00; 7,00) 1,25 (1,00; 1,50)
Tabela 1 – Largura média, mínima e máxima das vias e calçadas amostradas nos dois bairros em Irupi-
ES.
Fonte: Prefeitura Municipal de Irupi (2018).

Nas imagens 14 e 15 identifica-se a presença de pequenos arbustos e árvores de


pequeno porte nas ruas Jorge Ferreira e Adílio Butica no bairro João Butica. Verificam-
se também as condições das calçadas que se encontram irregulares possuindo tamanho
médio de 1,25 metros a vegetação presente ocupa quase todo o passeio.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 4 79


Figura 14: Rua Jorge Ferreira (João Butica). Figura 15: Rua Adílio Buticab (João Butica).
Fonte: Arquivo do autor, 2018. Fonte: Arquivo do autor, 2018.

Nas figuras 16 e 17 verificam-se as ruas Elzira de Almeida e Antônio Cládio da


Silva ambas localizadas no bairro João Butica. No caso da rua Elzira de Almeida, ainda
se encontra sem pavimentação, porém com boa presença arbustiva, o contraste da Rua
Antonio Cláudio da Silva, onde não possui nenhuma vegetação e calçadas estreitas.

Figura 16: Rua Elzira de Almeida (João Figura 17: Rua Antônio Cláudio da Silva
Butica). (Carolino Barbosa / João Butica).
Fonte: Arquivo do autor, 2018. Fonte: Arquivo do autor, 2018.

Na rua Afonso Borba (figura 18 e 19) localizada no bairro Carolino Barbosa já se


encontra maior presença arbórea e arbustiva apesar de não se constante pela via. A
vegetação presente está localizada em sua maioria em área privada afastado da rede
elétrica. Se destaca também a existência de uma árvore de grande porte em frente a
Secretaria Municipal de Transportes (figura 18).

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 4 80


Figura 18: Rua Afonso Borba (Carolino Figura 19: Rua Afonso Borba (Carolino
Barbosa). Barbosa) Saída para o Centro.
Fonte: Arquivo do autor, 2018 Fonte: Arquivo do autor, 2018.

Na rua João Ferreira Leite (figuras 20 e 21), encontra-se a existência de pequenos


arbustos nas calçadas em poucos trechos da via. Nota-se também que a rua é dotada de
calçadas mais larga com média de 2 metros de largura, porém muito irregulares e com
constantes obstáculos, tornando inacessíveis em certas situações.

Figura 20: Rua João Ferreira Leite Figura 21: Rua João Ferreira Leite
(Carolino Barbosa). (Carolino Barbosa).
Fonte: Arquivo do autor, 2018 Fonte: Arquivo do autor, 2018.

A infraestrutura atual dos bairros é um pouco precária, principalmente em relação


às calçadas. Apenas alguns casos, a largura dos passeios possui de dois a três metros,
como foi identificado na tabela 1. Essas calçadas maiores estão presentes apenas no
bairro Carolino Barbosa, porém, em ambos os bairros, foi possível observar calçadas
com obstáculos, desníveis, estreitas ou sem pavimentação, o que torna bem inacessível
a circulação de pessoas, principalmente pessoas com mobilidade reduzida. Na questão
sanitária, a rede de esgoto já está instalada em todas as ruas dos dois bairros, porém, o
sistema ainda está em obras e seu funcionamento ocorrerá quando toda a cidade já tiver
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 4 81
sido contemplada pela obra de esgotamento que ainda está em andamento. O projeto de
esgotamento sanitário também prevê a reforma da estação de tratamento de esgoto do
bairro João Butica que realizará o tratamento de esgoto dos dois bairros (João Butica e
Carolino Barbosa).

2.5.2 Análise da vegetação urbana

A análise da vegetação presente nos bairros foi feita a partir de visita in loco,
levantamento fotográfico, coleta de material, como folhas e frutos das espécies arbóreas
pesquisadas e, em seguida, por meio de consulta bibliográfica, identificando todos os
pontos de vegetação presentes nos bairros e realizando marcação em mapa para melhor
reconhecimento de área arborizada.

Figura 24: Mapa das vias e da vegetação urbana atual nos bairros em abril de 2018.
Fonte: Prefeitura Municipal de Irupi (2018), adaptado pelo autor.

No mapa elaborado na Figura 24, estão localizados as árvores e arbustos coletados


nos dois bairros. As árvores estão localizadas em áreas mais isoladas dos bairros,
enquanto os arbustos estão localizados de forma mais dispersa pelos bairros. Apesar
disso, nota-se grande ausência de áreas verdes, já que no mapa verifica-se que várias

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 4 82


ruas possuem pouco ou nenhum tipo de vegetação. As duas tabelas a seguir (tabela 2 e
3) mostram as espécies identificadas nos bairros, com seu nome popular, nome científico,
número de espécies identificadas e sua frequência no bairro.

Nome Nº ind. Frequência (%)


Nome científico
popular

Mangueira 11 15,86
Sibipiruna Mangífera indica 10 13,51
Areca Caesalpina pluviosa 9 12,16
Hibisco Dypsislutescens 7 9,45
Fícus Hibiscus rosa-sinensis 6 8,10
Pata-de- Fícus Benjamina 5 6,75
vaca 4 5,40
Bauhiniavariegata
Extremosa 3 4,05
Lagerstroemia indica
Cássia 3 4,05
Cassia siameaLam.
siamea
Licania tomentosa 3 4,05
Oiti
Tabebuia chrysotrichia 3 4,05
Ipê Amarelo
Psidiumguajava 2 2,70
Goiabeira
Schinusterebinthifolia 2 2,70
Aroeira
Cupressusmacrocarpa 1 1,35
Tuia
Clitoriafairchildiana 5 6,75
Sombreiro
-
Não
indentificado
Tabela 2 – Espécies arbustivas e arbóreas presentes nas vias do bairro Carolino Barbosa
Fonte: Autor, 2018.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 4 83


Nome popular Nome científico Nº ind. Frequência (%)

Mangueira 7 18,42
Areca Mangífera indica 4 10,52
Jerivá Dypsislutescens 4 10,52
Hibisco Syagrusromanzoffiana 4 10,52
Fícus Hibiscus rosa-sinensis 3 7,89
Extremosa Fícus Benjamina 3 7,89
Goiabeira Lagerstroemia indica 2 5,26
Palmito-amagoso Psidiumguajava 2 5,26
Aroeira Polyandrococoscaudenses 2 5,26
Tuia Schinusterebinthifolia 1 2,63
Sombreiro Cupressusmacrocarpa 1 2,63
Amendoeira Clitoriafairchildiana 1 2,63
Sibipiruna Terminaliacatappa 1 2,63
Não indentificado Caesalpina pluviosa 3 7,89

Tabela 3 – Espécies arbustivas e arbóreas presentes nas vias do bairro João Butica
Fonte: Autor, 2018.

Nas ruas do Bairro Carolino Barbosa foram encontradas 78 plantas arbustivas e


arbóreas pertencentes a 14 espécies identificadas. De acordo com levantamento elaborado
(tabela 2), pelo menos cinco indivíduos não foram possíveis identificar suas espécies.
Enquanto no bairro João Butica foi encontrado um número bem inferior de vegetação,
sendo apenas 38 plantas arbustivas e arbóreas, identificadas em 13 espécies (tabela 3),
sendo que em 3 indivíduos não foi possível identificar a espécie. Apesar da quantidade
de árvores levantadas, o número é bem inferior se for considerada a população dos dois
bairros juntos, tem-se 1.334 habitantes, segundo dados da Prefeitura Municipal de Irupi
(2017). Além de um total de 116 indivíduos, contados entre árvores e arbustos levantados
nos bairros, o que representa uma média de 11,5 árvores por habitante.
Segundo De Arruda et al (2013) e a SBAU (Sociedade Brasileira de Arborização
Urbana) propuseram um valor mínimo de 15m² de área verde por habitante em espaços
públicos, de modo que esse valor atenda as necessidades essenciais para as atividades
humanas e qualidade de vida. O bairro Carolino Barbosa detém maior presença arbustiva
e arbórea, porém em pontos mais isolados e não espalhados pelo bairro. Além disso, com
o levantamento feito, pôde-se analisar as recomendações de Grey e Deneke (1978) que
também foram utilizadas no estudo de caso que foi analisado acerca da arborização urbana
da cidade de Colorado – RS, por Raber e Rabelato (2010), onde cada espécie arbórea
não deve ultrapassar 10-15% do total de árvores do local, para um bom planejamento da
arborização urbana. Nesse caso, no bairro Carolino Barbosa, a Mangífera indica detém
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 4 84
15,86% do total de 78 árvores e arbustos catalogados no bairro, além da Caesalpina
pluviosa com 13,51% e a Dypsis lutescens com 12,16%, o que foge das recomendações
desses autores. No bairro João Butica a Mangífera indica também foi a árvore de maior
predominância com 18,42% das árvores do bairro.
Essa predominância de apenas um grupo ou espécie, não é recomendado, pois
facilita na proliferação de pragas, que são comuns em ambientes urbanos. Nos dois
bairros a Fícus benjamina, Cássia siamea, Clitoria fairchildiana e a Mangífera indica foram
prejudiciais a infraestrutura urbana, danificando a pavimentação de passeios, meio fio
e por possuir frutos grandes, como é o caso da Mangífera indica. Além disso, essas
espécies não são recomendadas para arborização urbana, já que podem prejudicar a
estrutura urbana, como foi o caso.
Em nenhum dos casos houve conflito com a rede elétrica, pois nas áreas com árvores
de médio e grande porte localizadas, a rede elétrica se encontrava no lado oposto da via.
Nos casos em que havia predominância de vegetação junto a rede elétrica, eram de
arbustos ou árvores de pequeno porte que ficavam sob a rede.
Porém, apesar disso, em praticamente todos os casos de arborização em vias,
existem conflitos com a infraestrutura urbana. Em muitos casos a gola da árvore não tem
o espaço necessário e com o tempo a árvore foi comprometendo a estrutura ao redor.
Segundo a CEMIG (2011) as golas das árvores devem conter no mínimo 1m² e 0,60 cm de
largura de todos os lados em qualquer formato. Nos bairros em questão, nenhum segue
essa recomendação, o que ocasionou os conflitos com a estrutura urbana, principalmente
com os passeios.

3 | CONCLUSÃO

Os bairros analisados possuem infraestrutura precária, como calçadas irregulares,


obstáculos e desníveis, ausência de pavimentação de várias ruas e a própria escassez
de vegetação urbana.
O bairro Carolino Barbosa se configurou o mais arborizado e com melhores condições
para receber arborização por conter calçadas mais largas de até 3 metros, o que permite
uma arborização bem-sucedida, conforme as orientações. A arborização existente no
bairro é bem isolada, concentrada em apenas um trecho da via Floriano Soares de Souza.
No restante do bairro é possível localizar pequenos arbustos em pontos mais dispersos
do bairro.
Já no bairro João Butica, é notória a ausência de vegetação, onde foi encontrado em sua
maioria pequenos arbustos espalhados em algumas vias e em várias ruas não há nenhum
tipo de vegetação. Foi registrado também a presença de espécies não recomendadas para
arborização urbana, como o caso da Fícus, a Cássia e a Amendoeira, que incompatíveis
com a estrutura urbana, nesses casos, deve se fazer a devida substituição das espécies
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 4 85
por outras mais adequadas à arborização urbana. Além disso, na grande maioria dos
casos de árvores e arbustos catalogados, houve conflito com a estrutura das calçadas
pelo tamanho reduzido das golas.
Outro ponto levado em consideração foi o desequilíbrio de diversidade de espécies,
onde cada espécie não deve ultrapassar 10-15% do total da população arbórea, que foi
o caso da Mangífera indica, Caesalpina pluviosa e Dypsis lutescens nos bairros. Nesses
casos, deve-se substituir, ou no caso, implantar espécies que estão em menor quantidade
para se obter um equilíbrio mais adequado e assim melhor controle contra propagação de
pragas.
Por fim, conclui-se que ambos os bairros estudados possuem escassez de
arborização urbana, com poucos exemplares em áreas isoladas nos bairros e sem a
devida manutenção. Diante disso, deve se fazer a correção das espécies inadequadas
e a devida manutenção da infraestrutura urbana, para melhor receber a arborização de
forma correta e adequada.

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Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 4 87


CAPÍTULO 5
doi

PERCEPÇÃO AMBIENTAL E ANÁLISE MORFO-


ESPACIAL DE ESPAÇOS LIVRES PÚBLICOS: UM
ESTUDO EM CIDADES DE MÉDIO PORTE NO RIO
GRANDE DO NORTE/RN

Data de aceite: 05/07/2020 documental. Os resultados mostraram que os


padrões de uso e comportamento dos usuários
ocorrem frequentemente de acordo com a
Trícia Caroline da Silva Santana configuração espacial do local mas também
Universidade Federal Rural do Semi Árido-
para a percepção que os indivíduos têm do
UFERSA. Departamento de Ciencias Sociais
local, o que contribui para a ocorrência de
Aplicadas e Humanas-DCSAH. Pau dos Ferros/
RN determinadas atividades. Diante disso, aponta-
http://lattes.cnpq.br/4315619665111241 se para a relevância de se levar em conta
estudos que considerem a percepção dos
usuários como suporte ou mesmo norteador
nas intervenções morfo-espaciais em espaços
RESUMO: As praças são locais ideais para
livres públicos, de modo elencar proposições
a prática de atividades de lazer, recreação,
mais adequadas à realidade e contexto local e
circulação pedonal e comércio. Seu uso está
efetivamente, possibilitar o uso, a apropriação
relacionado à configuração espacial que
do lugar e sua identificação junto aos usuários.
apresenta, mas também às formas pelas quais
PALAVRAS-CHAVE: Morfologia urbana;
as características ambientais são apreendidas
Espaços públicos; Percepção
pelos usuários. Este artigo apresenta uma análise
quantitativa-qualitativa, aspectos relacionados à
ABSTRACT: The squares are ideal places
configuração espacial e à percepção ambiental
for practicing leisure activities, recreation,
dos usuários, para apontar os elementos que
circulation and commerce. Its use is related to
podem influenciar o uso efetivo dos espaços
the spatial configuration that it presents, but
públicos. O objeto empírico é a Praça Monsenhor
also to the ways in which the environmental
Caminha, em Pau do Ferros / RN / Brasil, e
characteristics are apprehended by the users.
para sua realização optou-se pela metodologia
This article presents a quanti-qualitative
consagrada na área ambiente/comportamento,
analysis, relating aspects related to the spatial
com uma abordagem multidisciplinar. Foram
configuration and the environmental perception
desenvolvidas entrevistas semiestruturadas
of the users, to point out the elements that can
com 30 usuários, levantamento físico do
influence the effective use of public spaces.
espaço em si e do seu entorno e levantamento

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 5 88


The empirical object is the Square Monsenhor Caminha, in Pau dos Ferros / RN / Brazil,
and the methodology was the environment / behavior area. Semi structured interviews were
carried out with 30 users, field survey and documentary survey. The results showed that
users’ patterns of use and behavior occur in agreement with the spatial configuration of the
place, which contributes to the occurrence of certain activities, but also to the perception
that individuals have of the place. Therefore, it is important to take into account studies that
consider the users’ perception as support or even guide the morpho-spatial interventions in
public spaces, in order to list propositions more appropriate to the reality and local context
and, in fact, the use of the place and its identification with the users.
KEYWORDS: Urban morphology; Public Spaces; Perception

1 | INTRODUÇÃO

Os espaços livres públicos são fundamentais para a interação social das pessoas
nas cidades e embora exista uma demanda efetiva, a construção de novos espaços
nem sempre apresenta projetos que favoreçam ou incentivem a sua utilização. Fala-se
bastante sobre a crise que afeta o uso e valorização dos espaços públicos enquanto
locais de lazer, recreação e circulação (ARENDT, 1991; HABERMAS, 1984; JACOBS,
2001; SENNET, 1988). Em consequência, muitas práticas sociais que eram características
desses espaços foram direcionadas a locais que favorecem maior permanência do usuário
por ofertarem mais conforto e segurança, como condomínios fechados, clubes exclusivos,
shoppings centers e parques temáticos.
Por outro lado, ao invés de se debruçarem sobre a crise, outros autores dedicam-se
a debater sobre a vitalidade dos espaços públicos, voltando-se para os locais onde ela
é encontrada e para o entendimento das condições que favorecem vivências públicas
coletivas harmoniosas. Nesse sentido, Gehl e Gemzøe (2002) argumentam que parte
do não-uso está ligado ao empobrecimento dos projetos dos espaços públicos, que não
acompanham as mudanças sociais. O texto a seguir tem como base uma revisão teórico-
conceitual acerca de elementos projetuais capazes de propiciar a vitalidade urbana em
áreas livres, envolvendo obras de Gehl, Whyte, Jacobs e Alexander e entrevistou usuários
para averiguar que elementos projetuais abordados pelos autores são mais perceptíveis
e incentivam o uso e a vitalidade dos espaços livres públicos.
A respeito do debate sobre o conceito de praça e a noção de espaço público, Alex
(2008) ressalta, que atualmente as influências do paisagismo norte-americano interferem
marcantemente no entendimento e nas formas de conceber o projeto desses espaços
urbanos. Para este autor, a praça é simultaneamente um vazio e uma construção e, mais
do que apenas um espaço físico aberto, revela-se um centro social integrado ao tecido
urbano, sendo também importante pelo seu valor histórico e pela sua participação contínua
na vida da cidade.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 5 89


O lazer é um dos direitos fundamentais dos cidadãos, estando assegurado na
Constituição Federal em seu Art. 6". no qual Estado tem o dever de cumprir com sua
regulação e prover as condições mínimas necessárias para que todos os indivíduos
tenham acesso aos bens culturais de lazer de maneira igualitária.
Ação fundamental para a qualidade de vida e para a saúde dos indivíduos, é entendido
aqui como um conjunto de ocupação às quais o indivíduo pode entregar-se de livre
vontade seja para repousar, se divertir, se entreter e recrear, ou ainda, para desenvolver
sua formação, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade (DUMAZEDIER,
2004).
Diante do exposto, o lazer uma das condições básicas para o desenvolvimento
humano social dos cidadãos e necessita a articulação de elementos e fatores econômicos,
sociais, políticos e ambientais para que ocorra de maneira apropriada. Os espaços
livres públicos, por sua acessibilidade irrestrita a todos os indivíduos e passível de ser
usufruído coletiva ou individualmente possibilitam o exercício do lazer como um direito
social. Apresentam uma longa tradição histórica como espaços de reunião, celebrações,
encontros e possibilitam a vida em sociedade (SENNET, 1988), os quais, distribuídos
pela cidade formam uma trama de possibilidades de uso e apropriações fundamentais,
especialmente para aqueles que não podem arcar com os custos de opções privadas de
lazer.
Seu uso porém, está diretamente relacionado às condições de uso em que
se encontram, sendo assim, este estudo buscou compreender quais aspectos são
percebidos pelos usuários para que visitem as praças públicas para a prática do lazer.
Baseado em uma bibliografia da autores (JACOBS, 1961/2001; ALEXANDER et al., 1977;
WHYTE,2009; GEHL, 2006) que listaram elementos e diretrizes projetuais capazes de
incentivar o uso em espaços livres públicos, foram aplicadas entrevistas semi estruturadas
com 30 usuários da praça pública Monsenhor Caminha na cidade de Pau dos Ferros/RN.
A estratégia metodologia adotada possibilitou analisar, sob a ótica dos indivíduos como a
configuração espacial pode favorecer a utilização desses espaços de lazer. Entende-se
que o conhecimento de elementos ou estratégias projetuais capazes de favorecer o uso
desses espaços seja importante para orientar intervenções e reformas nesses espaços,
e contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas que propiciem a inserção e
manutenção desses ambientes nas cidades e da promoção do lazer.

2 | O USO DO ESPAÇO PÚBLICO E SUA RELAÇÃO COM A CONFIGURAÇÃO ESPACIAL

Embora parte da literatura discorra sobre a “crise” nos espaços livres públicos,
comentando sua “morte” como um fenômeno contemporâneo (JACOBS, 1961/2001;
SENNET, 1988), outra parte dela discute possibilidades de utilização desses locais, cuja

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 5 90


vitalidade seria essencial para a própria sobrevivência da cidade (GEHL, 2006; WHYTE,
2009). Partindo dessa dicotomia, propõe-se discutir aspectos que podem interferir no uso
de praças públicas, sob o ponto de vista dos pesquisadores que se dedicam ao tema,
entendendo-se que a elucidação de questões relativas ao abandono ou à subutilização
dos espaços públicos perpassa a identificação de atributos relevantes para a atração de
usuários e a promoção de atividades.
Na década de 1960, Jacobs (1961/2001) defendeu a valorização dos espaços
públicos tradicionais (em especial da rua) como lugares lúdicos e de trocas de
sociabilidade, reforçando a importância do livre acesso a eles e o papel dos edifícios
do entorno no favorecimento da presença de indivíduos. Embora a autora não tenha
abordado especificamente o desuso de praças públicas em suas críticas, seu olhar para
a vida pública nas ruas também incide sobre as praças, pois trata das relações humanas
no contexto urbano como um todo.
Por sua vez, Gehl (2006), White (2009) e outros autores discutem o conceito de
vitalidade urbana sob dois aspectos vinculados aos estudos da qualidade urbana: (i)
como uma ação, ou seja, o ato de animar, de dar vida; (ii) como um estado, significando
a intensidade da vida social e de suas manifestações. O debate em torno dessas duas
possibilidades define indicadores que dão uma ideia ampla sobre as formas de utilização
efetiva dos espaços livres públicos, analisando a influência de sua configuração física na
presença (ou não) de pessoas no local. Ou seja, segundo tais autores, a vitalidade pode
ser entendida como uma condição do espaço público, cujas características específicas
permitem tanto atrair quanto manter em sua área usuários distintos (faixa etária, gênero,
condição social, estado civil, etc.), em variados horários e dias, e realizando atividades
também diversas.
Ainda sob esse enfoque, Canter (1997) afirma que o ambiente deve ser analisado
em função de seus atributos físicos, do(s) significado(s) que assume na vida das pessoas
e do(s) comportamento(s) que propicia, reforçando, assim, a importância dos valores
culturais nas experiências com os espaços públicos. Para este artigo, esse entendimento
é essencial, já que vincula o uso do espaço não só aos elementos físicos existentes, mas
também a aspectos da percepção dos usuários.
A partir das contribuições discorridas, o conceito de vitalidade utilizado relaciona a
análise morfológica ao comportamento e à percepção dos usuários, considerando que,
para haver a vitalidade deve haver uma relação entre pessoas, local e objetos (bancos,
árvores, brinquedos), tendo como intermediária a percepção. Portanto, a presença de
pessoas nos espaços livres públicos é considerada fundamental para a existência de um
estado de vitalidade, tornando-se tema recorrente para Jacobs (1961/2001), Alexander et
al. (1977), Whyte (2009) e Gehl (2006).
Jacobs (op.cit) demonstra que o uso de um local está em grande parte relacionado
à sua morfologia, que pode potencializar a presença de usuários. Defendendo que há
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 5 91
estratégias de manipulação do espaço que podem ser adotadas para promover o uso
ativo do ambiente, a autora discute a noção de bairro e sua função na cidade, destacando
pontos que podem tornar as ruas e calçadas (in)seguras, aspectos que podem tornar
um bairro animado e prospero, e os perigos da escassez de diversidade. Em seu texto
ela evidencia a relevância da presença humana para gerar mais vida e animação ao
lugar, em uma espécie de círculo que se retroalimenta, enfatizando quatro condições
indispensáveis para gerar diversidade nos espaços públicos: usos principais combinados,
quadras curtas, prédios de várias idades e concentração de pessoas (densidade alta).
Alguns destes aspectos também constam do livro A Pattern Language, de Alexander
at al. (op cit), uma importante discussão de fatores do projeto arquitetônico influenciada
pela compreensão da relação entre comportamento humano e ambiente construído.
Embora seja bastante generalista pois constitui uma primeira tentativa contemporânea
explícita para tratamento do ambiente espacial em seu conjunto (LYNCH, 2007), o texto
traz 253 recomendações para conceber cidades e edifícios mais” animados”, e propõe
estratégias locais e globais de projeto direcionadas a facilitar a vida pública (presença e
permanência de pessoas), incentivando a vitalidade urbana.
Tais diretrizes são expostas por meio de proposições, ou padrões, soluções
recorrentes que podem ser repetidas sem que seja preciso reproduzi-las exatamente (que
retomaremos ao longo desse capítulo), o que confere flexibilidade à linguagem, já que
não existiriam soluções iguais e únicas, mas sim aquelas adaptadas ao contexto.
Com relação à importância da presença de pessoas para a vitalidade, destaca-se,
ainda, a obra de Jan Gehl (2006), La humanización del espacio urbano: la vida social
entre los edifícios, que discute questões acerca do modo como as capacidades sensoriais
podem influenciar a utilização dos espaços públicos, apresentando estratégias sobre
como promover seu uso ativo. A obra oferece uma descrição detalhada de importantes
atividades realizadas nos espaços públicos (desde conversar, namorar, jogar e brincar,
até trabalhar e discutir), tendo como principal fonte de dados a pessoa que utiliza o lugar,
cujas opiniões relacionadas com as características dos ambientes e com o seu contexto
(entorno). Sob seu ponto de vista as pessoas são os principais protagonistas da cidade,
e ruas e calçadas são “órgãos vitais”, pois, nelas ocorre grande parte da integração e
convivência social, mesmo quando se verificam conflitos entre usos (considerados
inerentes à vida urbana).
Complementando essa argumentação, Whyte (2009) pontua aspectos subjetivos
(ou intangíveis) que o ambiente deve proporcionar aos usuários, possibilitando (ou
impossibilitando) seu uso. Ao incorporar a sociabilidade, essa dimensão se reflete em
diversas propriedades do ambiente (como ser agradável ou alegre), em cuja análise é
recomendado que o pesquisador faça o levantamento das características dos usuários,
das atividades desenvolvidas por eles e dos horários de uso, além de realizar entrevistas.
Segundo o autor, um espaço público bem sucedido tem muitas pessoas (sozinhas e/ou
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 5 92
em grupos, conhecidas e desconhecidas entre si e de variadas idades), e sua ocupação
acontece em vários horários, de dia e de noite. A diversidade de idades dos usuários
reflete a comunidade no qual ele está inserido.
Os estudos nesse campo (SERPA, 2007; ALEX, 2008; CARMONA, 2003) evidenciam
que as atividades podem estar relacionadas: (i) ao que ocorre no lugar (parques e quadras
de esporte); (ii) ao que ocorre em seu entorno (comércio e serviço); (iii) às iniciativas
protagonizadas por autônomos (pipoqueiros, sorveteiros, ambulantes); e (iv) a eventos
programados. Em um estudo recente, Silva (2009) documenta a rotina de funcionamento
das atividades variadas do entorno de oito espaços públicos de lazer em São Leopoldo-
RS, e conclui que a existência de atividades funcionando ao longo de todo o dia e sua
variedade concorre para haver constantemente pessoas circulando no lugar, o que atrai
a vitalidade.
Diante dessas considerações, enfatiza-se a importância dos espaços livres públicos,
esquivando-se da noção de que locais voltados ao lazer e recreação não são itens
essenciais face a todas as demais necessidades e prioridades que perpassam as áreas
urbanas brasileiras. O lazer é entendido aqui como um conjunto de ocupações às quais
o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, se divertir, se entreter
e recrear ou, ainda, para desenvolver sua formação, sua participação social voluntária ou
sua livre capacidade (DUMAZEDIER, 2004).
Uma das várias possibilidades de exercício do lazer como um direito social está nos
espaços públicos de uma cidade, entendidos aqui como aqueles de acesso irrestrito, nos
quais as pessoas realizam atividades individuais ou em grupos (LYNCH,1997). Assim,
discutir como essas indicações sobre espaço, vitalidade urbana e percepção se aplicam
na praça Monsenhor Caminha relação entre configuração espacial e uso dos espaços
livres públicos, como elemento fundamental da qualidade de vida dos moradores e como
direito social.

3 | PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O estudo de caso apresentado neste artigo é um recorte de uma pesquisa que tem por
tema os espaços livres públicos urbanos, e que é norteada pela metodologia consagrada
na área ambiente/comportamento, de abordagem multidisciplinar (por exemplo, MARCUS;
FRANCIS, 1998).
Para sua realização, foram utilizados múltiplos métodos de coleta de dados, tais
como: levantamento de arquivo, levantamento físico e entrevistas com usuários. A
pesquisa bibliográfica buscou embasamento sobre o tema da vitalidade urbana e dos
elementos que possibilitam a vivência saudável e coletiva no ambiente construído, a qual
gerou um quadro de referências baseado em obras e estudos relevantes sobre o tema.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 5 93


Em outro momento, foram aplicados questionários semi-estruturados à 30 usuários
da Praça Monsenhor Caminha, com questões abertas e fechadas, que objetivaram
identificar as relações entre usuários e o espaço público.
Os dados das entrevistas foram tabulados no software Excel, e foi empregado o
método da estatística descritiva simples.

4 | USO E CONFIGURAÇÃO ESPACIAL NO SEMI-ÁRIDO POTIGUAR: O CASO DA

PRAÇA MONSENHOR CAMINHA

O município de Pau dos Ferros está localizado na Região do Alto Oeste Potiguar,
e possui uma população de cerca de 27.745 habitantes, dos quais mais de 90% está na
área urbana (IBGE, 2012) (Figura 01).

Figura 01: Mapa de Pau dos Ferros no RN e na Região do Alto Oeste Potiguar (IBGE; 2012)

A cidade de Pau dos Ferros tem sua origem atrelada á uma trilha utilizada por
vaqueiros e viajantes a caminho da Província do Ceará em 1973 e que seguia um curso
d’água que no período do inverno estava cheio e que viria ser chamado de Rio Apodi.
A região em que está localizado o município fica entre duas serras e ás margens do
rio Apodi. Foi elevada à condição de vila em 04 de setembro de 1854 quando se desvincula
de Portalegre e se torna um importante entroncamento em função da circulação de
mercadorias e pessoas. Em 1924 Pau dos Ferros foi elevada á categoria de cidade, sendo
Francisco Dantas de Araújo seu primeiro prefeito. Atualmente a cidade conta com 27 733
habitantes (IGBE, 2012) e se divide em 13 bairros que se desenvolvem principalmente
nas proximidades de dois importantes eixos viários, a BR 226 que corta a cidade no
sentido norte-sul e a RN 117, no sentido leste à oeste.
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 5 94
A praça Monsenhor Caminha ou Praça de Matriz, na cidade de Pau dos Ferros
está situada em sua zona central e possui uma área de aproximadamente 988 m2. Foi
inaugurada em 27 de junho de 2009 e na última reforma recebeu uma fonte, bancos,
arborização e paisagismo, lixeiras, além de quiosques de venda de comida e bebidas e
artesanatos. O formato da praça é triangular e cercado por ruas em todas as sua faces, o
que facilita seu acesso por qualquer um dos lados, ampliando sua permeabilidade (Figura
02).

Figura 02: Imagens da Praça Monsenhor Caminha, Pau dos Ferros, Natal/RN/Brasil.

Encontra-se ao lado da Igreja Matriz N. Sra. da Conceição, próximo ao prédio da


Prefeitura Municipal, da Casa da Cultural Popular, de instituições bancárias e de grandes
supermercados. Em seu entorno distribuem-se imóveis residenciais, comerciais e de
prestação de serviço (Figura 03). Essa diversidade de atividades existente na vizinhança
da praça possibilita a circulação de um número expressivo de pessoas, sejam moradores,
sejam visitantes das cidades adjacentes, haja visto que Pau dos Ferros atua como uma
metrópole regional, aglutinando em si uma grande variedade de oportunidades de serviços,
de produtos e de instituições, em relação à cidades menores de seu entorno.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 5 95


Figura 03: Entorno da Praça Monsenhor Caminha.

É importante evidenciar a relevância da cidade enquanto polo regional e a influência


que esse espaço público sofre nesse contexto. A cidade configura-se como polo regional
na dinâmica territorial urbana do semi árido potiguar, especialmente pela aglomeração de
entidades de prestação de serviço e comerciais, além disso, salienta-se a presença de
instituições educacionais de nível superior, nomeadamente, campus do Instituto Federal de
Educação do RN- IFRN; da Universidade Estadual do RN, da Universidade Federal Rural
do Semi Árido- UFERSA, e de duas faculdades privadas. Encontra-se ainda o Hospital
Regional Dr. Cleodon Carlos de Andrade e um ampla oferta de clínicas e consultórios
médicos/dentários. Diante dessa multiplicidade de atrativos, a Praça Monsenhor Caminha
funciona como ponto de encontro pela centralidade de exerce especialmente pela sua
localização mais central, contudo, isso ocorre especialmente em horários e dias regidos
pelo funcionamento dessas entidades.
Assim, por se tratar de funções realizadas em determinados dias e horários
(genericamente, de segunda feira à sexta feira das 8 às 18hs), nota-se que em outros
momentos do dia a praça tem sua utilização mais reduzida, seja para usos de permanência
(sentar, ler, conversar, comer e beber) seja para a circulação de pessoas. Observa-se
então, o papel das características das atividades do entorno na promoção do uso do
espaço público (GEHL, 2006),
A pesquisa qualitativa envolveu a aplicação de entrevistas com 30 pessoas que se
encontravam na praça. Participaram 19 homens e 11 mulheres, a idade predominante foi

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 5 96


de adultos entre 30 e 59 anos (40%) seguindo de de jovens de 18 à 29 anos (30%) e dos
idosos (+60 anos, 20%). A maior parte residia em Pau dos Ferros (63%) e o restante em
cidades vizinhas as quais fazem parte da rede regional de cidades que se agrupam em
torno de Pau dos Ferros.
A maioria dos entrevistados afirmou que raramente usam o lugar para atividades de
permanência (60%), os que usam o ambiente para realização de funções de estar são
30% e ainda 10% não responderam. Dentre as pessoas que utilizam a praça efetivamente
e não como local de passagem, a maioria disse que costuma encontrar amigos, conversar
e namorar (60%), alguns (20%) relataram que vão para comer e beber nos quiosques.
Tanto como local de passagem quanto de permanência, o lugar é visitado por 40% das
pessoas todos os dias e 20% apenas nos dias da semana.
Quando questionados sobre quem são as pessoas que mais visitam a praça, aferiu-
se que os adultos são os que mais utilizam o lugar, acredita-se que pela sua localização
e pela pouca oferta de atrativos para crianças (o local dispõe apenas de um pequeno
play-ground de madeira). A companhia preferida das pessoas que acessam a praça são
os adultos (30%), os que vão com crianças (20%) e também daqueles que vão sozinhos
(40%).
Em relação aos sentimentos ou sensações presenciados pelos usuários quando
estes visitam a praça, a maioria afirmou que se sente feliz (40%) e confortável (30%), ou
ainda relaxado (10%) indicando que o espaço é percebido positivamente pelas pessoas
entrevistadas. Curiosamente, no entanto, mais da metade afirmou que o espaço é péssimo
(60%) e apenas 10% consideram o lugar muito bom. Tal avaliação pode estar relacionada
com a falta de opções de atividades presentes na praça, que não dispõem de quadra, de
playground ou de outras possibilidades de lazer ativo, sendo um local de contemplação,
passagem ou de lazer lúdico. Os autores (WHYTE, 2009; GEHL, 2006) sugerem que
a existência de múltiplas possibilidades de lazer e recreação são fundamentais para o
sucesso de um ambiente, evitando seu abandono/subutilização e o desperdício de infra
estrutura. Além disso, um ambiente que dispõe de ampla variedade de equipamentos de
lazer tem maiores chances de congregar em si uma gama maior de tipos de usuários,
ampliando sua vitalidade urbana.
Os usuários mencionaram alguns pontos positivos como: proximidade à comércio
(40%); boa localização e acesso (30%), além de ser agradável (20%). Entende-se que a
localização é um importante atrativo para os espaços públicos (GEHL, 2006), no entanto
estar localizada em uma área predominantemente comercial condiciona o uso do ambiente
aos horários em que as atividades comerciais estão em funcionamento, relegando o lugar
ao pouco uso ou mesmo abandono em outros momentos do dia e da semana, conforme
discutido acima. A localização também está relacionada com a sensação de segurança
citada pelos usuários (JACOBS, 1961/2001; ALEXANDER et al. 1977). Nas entrevistas, a
falta de segurança percebida pelas pessoas foi o ponto negativo mais citado (20%), junto
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 5 97
com a presença de indivíduos suspeitos (20%) e pela existência de ruídos/barulho (20%).
Todos esses itens estão relacionados com sua inserção em área central. A presença
de “indesejáveis” foi citada por Whyte (2009), segundo qual este item pode interferir
negativamente na maneira como as pessoas percebem e utilizam os ambientes, e pode
levar o espaço ao abandono, já que suscita nas pessoas sensações de insegurança e
medo.

5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreender as maneiras como os usuários percebem e se apropriam dos ambientes


urbanos é uma estratégia de melhorar o funcionamento das estruturas urbanas e contribuir
para a qualidade de vida.
Nesse sentido, este artigo buscou enumerar os principais aspectos que a literatura
indica como essenciais para um projeto urbano e relacionar com a percepção dos
usuários de uma praça pública na cidade de Pau dos Ferros/RN, nomeadamente Praça
Monsenhor Caminha ou Praça da Matriz. Os resultados indicaram localização, presença de
equipamentos e mobiliário urbano variado e a sensação de segurança são fundamentais
para o bom uso de um lugar. Além disso, considerar a localização é relevante, pois sabe-
se que o espaço vai alem de si mesmo, e está diretamente relacionado com seu entorno
e com as atividades e possibilidade de acesso existentes.
Priorizar a sensação de segurança com o uso de iluminação artificial ou de rondas
policiais também é uma saída para reduzir a subutilização do lugar em horários diferentes
do funcionamento comercial, e deve ser pensando como uma maneira de valorizar a
praça, sob o ponto de vista dos usuários.
Destaca-se o potencial papel dessa praça para o lazer dos moradores da cidade,
diante de sua localização, história, condições de conservação e possibilidades de
acomodar eventos ou atividades culturais.
Observa-se que a praça Monsenhor Caminha é um espaço histórico na cidade e
conserva os traços de um projeto urbano e paisagístico que priorizou o lazer contemplativo.
Ressalta-se a importância desse equipamento para a cidade, como um lugar de encontro
e de passagem que se mantém ao longo do tempo, mesmo que em momentos específicos
do dia ou da semana.
Entende-se com esta pesquisa, a necessidade de se compreender os anseios e
desejos da população através de pesquisas que sejam direcionadas ao público alvo
dos projetos, ampliando com isso, as possibilidades de sucesso de um espaço. O
seu desenvolvimento apontou a importância dos espaços públicos das cidades serem
pensados a partir de um olhar atento para particularidades morfo-espacial e socioculturais
dos diferentes lugares, valorizando a percepção dos usuários.
Dessa maneira, embora a praça da Matriz seja em certos momentos do dia e da

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 5 98


semana razoavelmente utilizada dada sua localização, tamanho e importância histórica na
cidade, ainda assim requer uma série de modificações que possibilitem seu aproveitamento
e usufruto, independente do funcionamento das instituições e edifícios que a rodeiam.
Considerando que Pau dos Ferros conta com uma população de aproximadamente 30
mil habitantes (IBGE, 2012) e que levantamentos físicos e in loco (SANTANA, 2018)
apontaram que a cidade dispõe de apenas 11 praças e um largo, vê-se a pertinência de
se dotar o município com outros ambientes que propiciem a vivência coletiva e o lazer e
a recreação aos moradores e visitantes.
Como espaços de interação social, as praças mostram-se necessárias e benéficas
pela população, que vê nelas a possibilidade de interagir com outras pessoas. Logo,
mesmo que aspectos considerados negativos (como insegurança, sujeira e degradação)
sejam percebidos, no geral, afetam apenas parcialmente as relações entre usuários e
ambiente. Talvez isso ocorra pela carência de espaços que propiciem tais benefícios
aos habitantes da cidade, relegando-os a utilização das áreas da maneira como elas se
apresentam, sem muitas escolhas. Têm-se aí outra questão que deveria ser investigada.
Observou-se que a escolha dos fatores que influenciam na utilização das praças
nem sempre são compatíveis entre si, haja vista, que a percepção refletida em gostos e
preferências não são uniformes e as considerações são subjetivas: aquilo que torna feliz
um idoso pode não satisfazer uma criança ou um jovem. Então, a presença de elementos
específicos para um determinado público pode levar à estratificação de públicos, tornando-
se essencial considerar a multiplicidade de público como fundamental para a existência
da vitalidade urbana, mesmo em situações nas quais a convivência entre os diferentes
grupos seja difícil (LIBERALINO, 2011).
Sabendo-se que cada fase da vida e do desenvolvimento psicológico demanda
necessidades distintas (SOMMER, 1990) e que a especialização direcionada à um público
é algo raro, entende-se que os espaços e seus componentes devem conter estratégias
projetuais voltadas para o design universal (ou design para todos), ou seja, atender à
diferentes públicos, permitindo a convivência harmoniosa entre uma ampla gama de
usuários, propiciando a convivência pacífica entre os iguais e desiguais.
Da mesma maneira, devido ao caráter multidimensional e interdependente que
envolve os processos de identificação e utilização dos ambientes públicos, seria essencial
investigar como outros fatores, de cunho econômico, social e cultural, concorrem para
influenciar a percepção dos indivíduos e suas relações com os espaços cotidianos, os
quais não foram investigados nesse artigo, mas se configuram como sugestão para outros
estudos, que aprofundem o debate. Outros pontos poderão orientar novas investigações
são: análise da situação socioeconômica da área e dos habitantes do entorno das praças;
realização de mapeamento comportamental centrado na pessoa a fim de verificar detalhes
do uso do espaço; pesquisa da percepção ambiental dos trabalhadores do entorno,
buscando uma perspectiva diferenciada sobre o uso da área; ampliação da análise morfo-
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 5 99
espacial com adição de itens relacionados à estética, ergonomia e gabarito do entorno.
Entendemos que trabalhar uma abordagem morfológica sob a ótica dos usuários é
mais uma maneira de entender o fenômeno da vitalidade em praças públicas, valorizando
a percepção dos moradores e visitantes enquanto indivíduos capazes de opinar na
constituição de seus espaços cotidianos, servindo como importante referencial para
qualquer intervenção que neles venha a acontecer (SANTANA, 2015).
Sob esse ponto de vista, a compreensão dos elementos que constituem as praças
públicas, desde a sua localização até o mobiliário, é essencial ao seu entendimento como
lugares, resultando nos usos que ali se instalam, sobre os quais também tem grande
influência na percepção dos indivíduos. De fato, a pesquisa empírica mostrou que os
usuários acalentam desejos de vivenciar mais frequentemente os espaços públicos, e
estão atentos para as ações de preservação ou de abandono que incidem sobre esses
locais, revelando potencial para seu envolvimento no resgate desses espaços através de
ações populares ou individuais.

REFERÊNCIAS
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Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2009.

WHYTE, W. H. The social life of small urban spaces. Project for Public Spaces, New York, 2009.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 5 101


CAPÍTULO 6
doi

ENTRE BELÉM/PA E RECIFE/PE, TERRITÓRIOS


DESENHADOS EM PROCESSOS RESTRITIVOS,
PERMISSIVOS, OCULTOS E PACTUADOS À
LEGISLAÇÃO URNANO AMBIENTAL

Data de aceite: 05/07/2020 Google Earth Pró. O método de investigação foi


Data da submissão: 01/04/2020 complementado com pesquisas em instituições
responsáveis pelo ordenamento territorial e
visitas de campo. Deste modo foi possível
Ramon Fortunato Gomes escolher como base de análise, a “Ilha de
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Deus”, por representar um território rico nos
Naviraí, Mato Grosso do Sul
aspectos relacionados a pesquisa. Assim, o
http://lattes.cnpq.br/9735321570550620
estudo apresentado contribui no campo da
Ricardo Batista Bitencourt
morfologia urbana e do planejamento urbano
Universidade de Brasília
pois exibi ferramentas de análise e identificação
Brasília, Distrito Federal
de territórios informais e seus processos de
http://lattes.cnpq.br/3405711083054225
constituição.
PALAVRAS-CHAVE: legislação urbanística;
crescimento urbana; legislação ambiental;
RESUMO: O estudo apresentado expõe ocorrências urbanas.
e discute os processos de constituição do
território urbano e relaciona-os a consolidação ABSTRACT: The presented study exposes
de espaços urbanos informais denominado de and discusses the processes of constitution
ocorrências urbanas. Faz um recorte no litoral of the urban territory and relates them to the
entre Belém/PA e Recife/PE, em cidades com consolidation of informal urban spaces called
conjuntos urbanos tombados cuja legislação urban occurrences. It makes a cut on the coast
urbana e ambiental representam os principais between Belém/PA and Recife/PE, in cities
meios de ordenamento do solo urbano. Tem with fallen urban complexes whose urban
como base de análise a Lei Federal 6766/79 and environmental legislation represent the
(BRASIL, 1979) e o Código Florestal Brasileiro, main means of ordering urban soil. It is based
Lei 12.651/12 (BRASIL, 2012), onde foram on analysis Federal Law 6766/79 (BRASIL,
levantados parâmetros para a identificação de 1979) and the Brazilian Forest Code, Law
grupos de ocorrências urbanas por meio de 12.651/12 (BRASIL, 2012), where parameters
análise em imagens de satélite disponíveis no were identified for the identification of groups

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 6 102


of urban occurrences through image analysis satellites available on Google Earth Pro. The
investigation method was complemented with research in institutions responsible for land use
planning and field visits. In this way, it was possible to choose “Ilha de Deus” as the basis for
analysis, as it represents a territory rich in aspects related to research. Thus, the presented
study contributes in the field of urban morphology and urban planning because it exhibits
tools for the analysis and identification of informal territories and their constitution processes.
KEYWORDS: urban legislation; urban growth; environmental legislation; urban occurrences.

1 | INTRODUÇÃO

O presente trabalho é destinado ao tema da morfologia urbana e sua aplicação no


planejamento urbano territorial. Busca compreender as dinâmicas do espaço urbano e seu
processo de formação, em núcleos urbanos informais consolidados em áreas periféricas,
denominados nesta pesquisa de ocorrências urbanas. Foram analisados dez territórios
localizados em cidades com conjuntos urbanos tombados (IPHAN, 2014), do litoral, entre
as cidades de Belém (PA) e Recife (PE), tendo como base de análise a legislação urbana
e ambiental, Lei Federal 6766/79 (BRASIL, 1979) e o Código Florestal Brasileiro, Lei
12.651/12 (BRASIL, 2012). Sobre a análise do objeto, pode ser identificado quatro tipos
característicos de processos de formação territorial. São processos invisíveis, dinâmicos e
imateriais, frutos de políticas de planejamento urbano territorial, tratado na pesquisa como
processos restritivos, permissivos, ocultos e ajustados ou pactuados. São processos que
pavimentam caminhos para a consolidação de ocorrências urbanas, consolidadas em
forma, morfologicamente representativas. Segundo Rolnik, nesses territórios, a lei:

[...] aparentemente funciona, como uma espécie de molde da cidade ideal ou desejável.
[…]. Porém, ao estabelecer formas permitidas e proibidas, acaba por definir territórios
dentro e fora da lei, ou seja, configura regiões de plena cidadania e regiões de cidadania
limitada (ROLNIK, 1997, p. 13-14).

A análise adotou como objeto de estudo, municípios tombados como conjunto


urbano (IPHAN, 2014) localizados no litoral, ou ligados ao mar por baias, rios ou canais.
São cidades com conexões estreitas com o mar e seu meio ambiente físico e construído,
neste sentido apresentarem dois aspectos que divergem no desenvolvimento urbano.
Primeiro, nelas incidem um arcabouço legal e jurídico de maior intensidade, restritivo a
novas construções e intervenções urbanísticas, composto por leis do patrimônio histórico
e artístico, leis ambientais e leis municipais. São leis que apresentam como principal
objetivo preservar o patrimônio cultural, natural e conter o crescimento desordenado
dessas cidades (SILVA, 2012). Segundo, nelas circulam e fixam fluxos populacionais
movidos pelo turismo, pelo lazer e pelos serviços que emergem das dinâmicas promovidas
pelo consumo desses territórios turistificados (BUTLER,1980; COSTA, 2012).

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 6 103


Foram identificados territórios que emergem da contraposição entre a preservação
e o desenvolvimento, uma ancorada na contenção edilícia por meio de leis urbanísticas
e ambientais, e o outro estimulado e impulsionado por dinâmicas populacionais de
consumo, pela economia local, e pela publicidade de mídias. São contraposições que
movimentam processos de constituição do espaço que proporcionam o surgimento de
territórios informais e ilegalidades. São eles, restritivos, permissivos, ocultos e ajustados
ou pactuados mediante conflitos territoriais. Assim, são processos que tencionam o
planejamento urbano no sentido do capital imobiliário, nas áreas de especulação imobiliária,
no valor de troca e não de uso (HARVEY, 1985). Neste sentido delineiam conflitos entre
territórios, exclusão sócio espacial, e intervenções verticais do poder público ou jurídico
sobre o solo urbano, proporcionando o que o estudo aponta como ocorrências urbana –
núcleos urbanos informais e ocupações sobre o território.
Entende-se que os processos restritivos definem territórios com especificidades as
limitações, as restrições, as retenções na legislação urbanística, para romper, cessar e
controlar o crescimento urbano em determinado local ou região, e utilizam do policiamento
por meio do planejamento urbano. Estes repelem fluxos urbanos para a periferia ou os
absorvem por meio da informalidade, mesmo por sobre as mesmas áreas protegidas por
leis ambientais, patrimoniais e urbanísticas. Isso devido a necessidade ou a emergência
urbana (MARICATO, 2015). São intensificados pela negligência das instituições de controle
do solo urbano, ou pela resistência de comunidades locais (ROSA, 2011).
Os processos permissivos, por sua vez, proporcionam territórios com ocupações
em sua maioria, licenciadas, porém fragilizadas quando analisadas, perante a legislação
urbanística e ambiental. Incidem por meio de leis definidas verticalmente por autoridades,
em maioria sem o diálogo com a população. São frutos de acordos de gabinete,
interferências políticas e mudanças na lei de uso e ocupação do solo propostos pelo
mercado imobiliário onde são criados mecanismos para que as ferramentas de controle
do solo urbano possam acontecer (REIS, 2017).
Os processos ocultos, ocorrem por ações e articulações criadas na forma de
mecanismos ocultos, estes são mais difíceis de serem identificados pois demanda acesso
e pesquisa em secretarias ou procuradorias jurídicas. São processos que desenrolam na
esfera jurídica, mediante ações judiciais, e são diferentes dos processos permissivos pois
violam a legislação urbana ambiental por meios ilícitos. Em outras palavras os processos
permissivos têm a garantia da lei (modificada para abarcar as ações permissivas),
enquanto os processos ocultos ocorrem a margem da legislação. São processos que vão
ao embate da legislação urbanística, pela emergência urbana, pela negligência e pela
transgressão a legislação urbana e ambiental (GOMES, 2019).
Já os territórios ajustados ou pactuados, são aqueles que nascem de conflitos sociais

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 6 104


e urbanos perante a hierarquização dos espaços, perdas e conquistas de espaço público.
Ocorrem por meio de pressões sociais em processos de resistência ou por pressões
populares (MOREIRA, 2017; REIS, 2017). São ajustados ou pactuados por meio de
audiências públicas, reuniões comunitárias, grupos de estudos, processos decisórios
democráticos (GOMES, 2019).
Assim o estudo tem como objetivo identificar os tipos de territórios informais,
negligenciados ou transgressores, definidos como ocorrências urbanas, constituídos por
meio dos processos restritivos, permissivos, ocultos e pactuados. Discutir os processos
de consolidação, suas formações urbanas diante de processos não mensuráveis, e trazer
contribuições ao campo da morfologia urbana e das políticas públicas de planejamento
urbano.
Justifica-se, pois, ao apontar, identificar e classificar ocorrências urbanas, definidas
como formações urbanas informais perante a lei, o estudo poderá trazer contribuições
no campo da morfologia urbana e do planejamento urbano. E ao discernir os processos
de constituição do espaço urbano, estes poderão compor ferramentas de análise da
identificação de problemas urbanísticos e de correção pontual (ROSA, 2011). Ter como
ponto de partida a informalidade, as comunidades locais e os processos descuidados pelo
estado pode ser ponto de partida para constituir espaços de total cidadania e convívio
social coletivo.

2 | METODOLOGIA

O objeto de estudo representa um recorte de uma pesquisa maior em doutorado,


sobre o crescimento informal e periférico nos conjuntos urbanos tombados do litoral
brasileiro. Neste artigo foi adotado a porção litorânea Norte-Norte/Nordeste, composta
por dez municípios, são eles: Belém (PA), Alcântara (MA), São Luís (MA), Parnaíba (PI),
Aracati (CE), Natal (RN), João Pessoa (PB), Igarassu (PE), Olinda (PE), Recife (PE),
conforme mostra a figura 1. O recorte foi escolhido por representar uma região com
características peculiares na formação e consolidação do território.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 6 105


Figura1: Conjuntos Urbanos Tombados, objeto de estudo na porção Norte-Norte/Nordeste. Fonte:
Elabora pelo Autor (2017).

Como metodologia, o trabalho utilizou e seguiu os seguintes procedimentos: i)


definição de critérios para a identificação de ocupações informais no tecido urbano,
ocorrências urbanas, tendo como base a Lei 6766/79 (BRASIL, 1979), que define quesitos
para o parcelamento do solo urbano, e a Lei 12.651/12 (BRASIL, 2012), que dispõe sobre a
proteção da vegetação nativa, ii) captação de imagens de tecidos informais – ocorrências
urbanas - , nos dez municípios objeto da análise, por meio do uso da ferramenta do
Google Earth Pró para visualização de imagens de satélite. A captação de imagens
obedeceu critérios que foram construídos e adotados por meio da análise na legislação
urbano ambiental de base iii) identificação, conceituação e classificação em grupos, das
formas urbanas informais captadas, iv) Segundo processo de captação de imagens de
tecidos considerados informais conforme os critérios adotados – ocorrências urbanas –
por município, análise das imagens de satélite, e separação nos grupos de classificação
das formas urbanas informais, identificadas no município v) visita de campo na formação
urbana identificada e com maior dinâmica nos processos de transformação do espaço.
O método permitiu a constituição de uma tabela de análise, composta por 4 (quatro)
grupos “G” em 16 (dezesseis) tipos de ocorrências urbanas resultantes dos processos
restritivos, permissivos, ocultos e ajustados, responsáveis pela constituição da forma
urbana (Quadro 1).

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 6 106


Classificação das ocorrências urbanas em grupos e similaridades
Grupos Ocorrências urbanas Similaridades formais e estruturais

· Ocupação em praias, restingas e dunas;


· Estrangulamento em cursos d’água e São ocupações irregulares que utilizam de
nascentes; estruturas e recursos ambientais preexistentes
· Grandes estruturas; nos ecossistemas naturais, para a instalação de
· Ocupação em mangues; agrupamentos residenciais, ou suporte para grandes
GI
· Ocupação em morros; estruturas como fábricas e depósitos.
· Ocupação em canais naturais de
alimentação ou de escoamento de águas; Fogem à ordem urbana, à Lei 6.766/79 e ao Código
· Ocupação em faixa marginal de proteção Florestal Brasileiro.
de rios.

São ocupações que crescem em arranjos irregulares,


· Aglomerados de baixa densidade; tomando os espaços livres em sua totalidade. São
· Aglomerados; comuns em comunidades tradicionais ou núcleos em
GII
· Lineares; processo de crescimento.
· Ocupação tradicional. Fogem à ordem urbana e à Lei 6.766/79. A casos de
omissão ao Código Florestal Brasileiro.

Tem a característica de serem projetos concebidos


por meio de processos informais resultando na
· Loteamentos clandestinos;
ausência ou na ineficiência de áreas públicas e de
· Complexos em empreendimentos;
lazer.
· Assentamentos;
GIII São implantados por pessoas físicas ou jurídicas
· Empreendimentos
sem a anuência dos poderes públicos ou por setores
(Novos Loteamentos)
públicos sem a anuência de técnicos residentes.
Fogem à ordem urbana e à Lei 6.766/79. A casos de
omissão ao Código Florestal Brasileiro.
São ocupações que crescem em arranjos múltiplos e
GIV · Ocorrências mistas. variados, compondo diferentes tipos de ocorrências
urbanas.

Quadro1: Classificação das ocorrências urbanas e grupos característicos.


Fonte: Elaborado pelo Autor (Gomes, 2019, p.196).

Assim, foram analisadas exclusivamente nas imagens de satélite do Google Earth


Pró, 10 (dez) cidades – objeto de estudo – e identificado em cada perímetro urbano,
quatro territórios com ocorrências urbanas informais, sendo um em cada grupo de
classificação, totalizando no geral 40 (quarenta) ocorrências urbanas. Posteriormente
foi executado o levantamento de campo na ocorrência urbana que possibilitasse maior
riqueza de documentos para análise, assim foram realizados 10 (dez) levantamentos de
campo, sendo um para cada cidade no conjunto de territórios do objeto de estudo.
O método utilizado permitiu juntar informações relevantes e construir bases de
discussão sobre a construção de territórios em processos restritivos, permissivos, ocultos
e pactuados perante a Lei. Porém a análise de legislação e de imagens de satélite do
Google Earth Pró não permitem uma discussão de maior profundidade para além da
morfologia urbana. Existem dinâmicas invisíveis, que não sobressaem na cidade estática,
estando, entretanto, incorporados aos processos de decisão do estado, nas lutas sociais

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 6 107


e de classes, na permanência e na resistência das comunidades, na emergência social
por espaço e habitação, sendo apenas identificadas por meio de minucioso levantamento
de campo.

3 | RESULTADOS E DISCUSSÃO

A visualização nos processos de transformações do espaço por meio do histórico


em imagens de satélite, disponíveis no Google Earth Pró, permitiu identificar a existência
de dinâmicas e processos, que imprimem no desenho e nas formas espaciais da cidade,
resultados incorporados ao uso do espaço e sua consolidação como forma (CARVALHO,
2003; PANERAI, 2006; MORRIS, 1992). Nota-se uma diversidade de territórios entre
Belém (PA) e Recife (PE) que permitem a discussão e o caldo da pesquisa.
Já o levantamento de campo possibilitou o aprofundamento nas análises e a
identificação de dinâmicas na produção do espaço, invisíveis nas imagens de satélite.
São territórios diversos, produzidos pela resistência popular, pela atuação de líderes
comunitários, por mulheres, por pescadores, comunidades, famílias, pelo fortalecimento
cultural, pela especulação imobiliária, por agentes imobiliários ou agentes do estado
representados no poder, pela inadimplência ou o sucateamento das instituições de
controle do solo urbano.
Como exemplo desses territórios, estão: a Vila da Barca em Belém (PA); as Agrovilas
Quilombolas em Alcântara (MA); a Comunidade de pescadores, Caolho, em São Luís
(MA); a Praia do Sal em Parnaíba (PI); a Vila do Estevão e Canoa Quebrada em Aracati
(CE); o Parque das Dunas em Natal (RN); o Bairro São José em João Pessoa (PB); o
Bairro de Nova Cruz II em Igarassu (PE), a área do Passarinho em Olinda (PE) e a Ilha de
Deus em Recife (PE). Ambos resultados de processos de constituição do espaço urbano
que transitam entre o permissivo, o restritivo, o oculto no âmbito judicial e o ajustado
perante as normativas e leis (figura 2).

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 6 108


Figura 2: Exemplos de ocorrências urbanas, entre Belém e Recife. Em (A) acesso principal à Vila da
Barca em Belém; em (B) Canoa Quebrada em Aracati, sobre áreas sensível ambientalmente; em (C) Bairro
São José em João Pessoa, ocupação consolidada e informal; e em (D) início de formação de ocupação
desordenada na Praia da Pedra do Sal em Parnaíba. Fonte: Arquivo pessoal do Autor (2017).

Todas são formações urbanas que carregam a informalidade e a transgressão.


Comunidades, que constituem seus espaços no tempo, por modos de vida, formação
cultural, tradição, e deste modo, conseguem se perpetuar no espaço e na imagem da
cidade. Conjugam forças para lutar contra as constantes ações institucionais, perante a
lei e o estado. As visitas de campo expuseram comunidades que sobrevivem a constantes
ações do estado enquanto outras são removidas, fragmentadas, desalojadas, por ações
institucionais conjuntas, no discurso da manutenção da ordem urbana, da higienização
sem que o estado proporcione perspectivas ou soluções aos casos que não sobrevivem
a tais ações.
Também se notam aqueles territórios consolidados como produto de transgressões
a legislação urbano ambiental. Porém não é possível afirmar que as transgressões
devam ser punidas, mas elas não podem exclusivamente se formalizar por meio de
violações urbanas, ambientais e ou sociais. Cabem ser discutidos e avaliados os
casos e verificar o ônus e quais grupos terão vantagens e desvantagens com possíveis
anistias. Deve ser equacionado e equilibrado afim de não haver perdas sociais. Ou seja,
é preciso debater quais situações de transgressão à legislação poderão ser admitidas,
definir quais os órgãos competentes para análise, quais as mediadas compensatórias
serão necessárias (MORETTI E AMORE, 2019). Acrescenta Fernandes (2006) sobre a
importância da academia na compreensão do papel do Direito Urbanístico, sendo esse
papel preponderante na aplicabilidade da legislação urbanística e ambiental e no seu
cumprimento. Assim, entre marginalidade e transgressões, foram identificados territórios
entre Belém (PA) e Recife (PE), (Quadro 2).
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 6 109
Territórios identificados entre Belém (PA) e Recife (PE)
Território visitado/
Territórios analisados
Objeto Processo de Síntese da visita de campo no
por meio de imagens
Estudo constituição / Ocorrência território
de satélite
urbana
Território de ocupação informal
sobre área de proteção
1.Rio Doce I;
ambiental em palafitas, sobrepõe
2.Pratinha; Vila da Barca / Processo
a regularização em zona
Belém (PA) 3.Eco Park Newton restritivo / Ocorrências
de interesse social, projeto
Miranda II; mistas.
de habitação urbanização
4.Vila da Barca;
abandonados,, conflitos sociais e
espaciais internos.
1.Centro de Lançamento Vilas construídas para abrigar
Aeroespacial (CLA); comunidades tradicionais
2.Comunidades desapropriadas pela CLA. Hoje
Agrovilas /
Alcântara quilombolas, Manival e somam pela falta de titularidade da
Processo pactuado /
(MA) Paquatiua; terra, irregularidade no processo
Assentamentos.
3.Agrovilas; de assentamento, crescimento
4.Assentamento MA não planejado, conflitos sociais e
(106) fragmentação sócio cultural.
1.lhinha;
Comunidade que convive com
2.Localidade na
o processo de remoção para a
extremidade sul da Vila Caolho / Processos
implantação de urbanização da
São Luís (MA) Embratel e limite com o permissivos / ocorrências
Av. Costeira e para o incentivo de
bairro Gapara; mistas
empreendimentos imobiliários e
3.Loteamento tapiracó
comerciais na praia.
4.Caolho;
Área de expansão urbana que vive
1.Praia da Pedra do Sal; Praia da Pedra do Sal processo de crescimento informal
2.Tabuleiro; / Processos restritivos em área de valorização ambiental
Parnaíba (PI)
3.Bairro Projetado; / ocupação em praia, e turística. Funciona com escape a
4.Santa Isabel; restingas e dunas. falta de habitação popular próximo
ao trabalho.
Comunidade que sofreu tentativa
de remoção por meio de grilagem
1.Vila do Estevão;
Vila do Estevão / da terra. A organização social
2.Beirada;
processos Ajustados e a resistência da comunidade
Aracati (CE) 3.Canoa Quebrada;
/ ocupação em praia, constituíram ferramentas de
4.Crescimento urbano ao
restingas e dunas. conquista ao direito a propriedade
longo da CE-371;
em zona de especial interesse
social e ambiental.
Área de interesse turístico e
1.Redinha;
imobiliário, com potencialidade
2.Ocupação sobre a linha
Via Costeira / processos para constituição de espaços
do trem, junto a Rua Rio
permissivos / ocupação públicos e lazer comunitários. Foi
Natal (RN) Potengi;
em praia, restingas e loteada e concedida ao uso de
3.Via Costeira;
dunas. redes de hotéis, e hoje ocupam
4.Bom Pastor e Pi
áreas de interesse público e
Timbú;
ambiental
Bairro constituído na
1.Ocupações no rio
informalidade, auto construído
Jaguaribe; Bairro São José /
João Pessoa como alternativa a moradia
2.Aratu, Mangabeira III; processos restritivos /
(PB) próxima ao trabalho, em processos
3.Barra de Gramame; ocorrências mistas
de restrições a ocupação urbana e
4.Bairro São José;
ao direito à moradia.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 6 110


1.Centro, Sítio São
Marcos e Santa Rita;
Movimento de ocupação e
2.Conjunto Residencial
resistência em resposta as
Pitanga; Nova Cruz II , Mangue
restrições urbanas, a não
3.Propriedades rurais, Seco, ocupação da
utilização dos instrumentos
Igarassu (PE) com acessos na Av. fazenda ramalho /
urbanísticos propostos pelo
Severiano Uchôa e Rua processos restritivos/
Estatuto das Cidades, a falta de
Serra talhada; ocorrências mistas
oferta em habitação popular e ao
4.Nova Cruz II, Mangue
direito à moradia.
Seco, ocupação da
fazenda ramalho;
1.Ocupação sobre o
Rio Doce e o Parque do Localidade que sobrepõe área de
Janga; interesse ambiental e regiões com
2.Mata do Passarinho; Passarinho/ processos demandas para moradia popular.
Olinda (PE) 3.Loteamentos na restritivos / aglomerados Há conflitos sócio espaciais
Estrada Lygia Gomes de baixa densidade movidos pela necessidade de
da Silva, próximo ao preservação e pela falta de
Coqueiral Park habitação social local.
4.Peixinhos
Comunidade tradicional que
1.Dois Morros; sofreu processo de regularização
2.Brasília teimosa; Ilha de Deus / fundiária e urbanização, por meio
Recife (PE) 3.Ilha de Deus; processos pactuados / da resistência, da participação
4.O entorno do Le assentamentos popular e de ajustes na legislação
Parc. urbana ambiental para atender a
comunidade pesqueira.

Quadro 2: Territórios analisados entre Belém e Recife.


Fonte: Elaborado pelo Autor (2020).

Cada caso apresentado no quadro 2 possui suas especificidades, porém contribui


com maior propriedade nas discussões do planejamento urbano, do direito a cidade,
o caso da “Ilha de Deus”. Este transita nos diversos tópicos e favorece as análises e
suas contribuições ao estudo apresentado com clareza. Soa como o caso pesquisado de
maior significância pois nele pôde ser relacionar o processo pactuado com as ações de
regularização fundiária. Neste sentido, o território – Ilha de Deus – representado por uma
comunidade de pescadores locais e localizado em Recife/PE (Figura 3), foi escolhido para
enfatizar as questões de estudo colocadas. Assim guiado pelo método serão analisadas a
constituição do território e posteriormente feito o confronto das informações com pesquisa
nas instituições, bibliográfica e relatos de campo. Ambos ancoradas nas leis de uso e
ocupação do solo (BRASIL,1979) e na lei de preservação da vegetação nativa (BRASIL,
2012).

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 6 111


Figura 3: Processos de transformação do espaço, na Ilha de Deus (PE), em assentamento, localizado
em área de preservação ambiental. Fonte: Google Earth Pró (altura de 562 m): a imagem 1 data de
7/2009; a imagem 2, de 11/2009; a imagem 3, de 1/2013; e a imagem 4, de 9/2018. Editado
pelo Autor (2017).

Por meio de imagem de satélites, disponíveis no Google Earth Pró podem ser
observados as mutações do espaço (Figura 3). A Ilha de Deus está localizada em região
de valor imobiliário de Recife, próximo do Shopping Rio Mar, entre o bairro Imbiribeira e o
manguezal do Pina, correspondente uma formação informal autoconstruída e constituída
por uma comunidade de moradores e pescadores locais (1). A imagem (2) revela a
ocupação extensiva em toda área da ilha excedendo os limites por meio de ocupações
em palafitas sobre as áreas de manguezais e reservas naturais. Nota-se na imagem (3)
a remoção das edificações existentes para consolidação de um assentamento em casas
de alvenaria, infraestrutura e acesso por ponte. Na imagem (4) pode ser observado uma
nova ordem territorial com a eliminação das antigas edificações e a consolidação de uma
nova organização espacial (4), (GOMES, 2019).
Trata-se de área ambientalmente sensível, ocupada historicamente por comunidades
tradicionais. Seu processo de crescimento foi marcado pelo adensamento e pelo abandono
de políticas urbanas e sociais. Devido as precárias condições sanitárias, de infraestrutura
e de habitabilidade, com altos índices de violência, chegou a ser conhecida como “Ilha
sem Deus”, relatou moradores em visita de campo (2017). Após vivenciarem a morte de
um filho nas palafitas de acesso a área, e desgastadas com o baixo grau de habitabilidade,
acessibilidade e condições sanitárias, um grupo de mulheres de pescadores locais,
tomaram frente e foram motivadas na luta por, moradia, infraestrutura e equipamentos

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 6 112


públicos para a comunidade (GOMES, 2019).
A partir de luta popular, conseguiram a intermediação do Governador Eduardo
Campos (PSB, 2007 a 2014). Assim foram aplicadas “políticas urbanas”, por meio de um
projeto participativo, com acordos e pactos entre comunidade e instituições ambientais e
municipais no intuito de constituírem soluções plausíveis ao caso, considerando que a área
se destina a preservação ambiental (APP) (GOMES, 2019). Assim pode ser observado
que no processo de constituição da Ilha de Deus, ocorre por meio de processos pactuados
ou ajustados na legislação urbana ambiental, transitam entre a resistência, a participação
popular para atender a regularização fundiária e a urbanização na comunidade pesqueira.

[...] a comunidade da Ilha de Deus não surgiu apenas devido ao perverso cruzamento
entre a exclusão social e depredação ambiental, mas também, só pode surgir e crescer
pela ineficiência do poder público em aplicar o conjunto existente de leis de proteção
e controle das áreas de interesse ambiental. A dimensão das ocupações pobres em
áreas de restrição é tamanha, que, de fato, esta irregularidade urbanística foi “aceitada”
pela incapacidade do estado em executar o conteúdo complexo e rigoroso das leis
ambientais sobre áreas urbanas. (MOREIRA,2017, p.6-7).

O projeto de regularização fundiária, urbanização e estruturação urbana teve


a participação da população nas etapas do processo, desde a construção, até a
fiscalização nas obras das unidades habitacionais (PMRE, 2009). Em visita de campo
pode ser observado que houve rompimento no processo de implantação do projeto.
Como consequência, algumas famílias não tiveram suas casas entregues, equipamentos
públicos não finalizados e infraestrutura urbana incompleta. Foi observado em loco um
novo processo de crescimento informal por “puxadinhos” nas unidades entregues e por
palafitas no entorno da ilha. Marca na paisagem o contraste do local com investimentos
escassos ou precarizados com as aplicações imobiliárias representadas pelos prédios
na praia da Boa Viagem, e pelo Shopping Rio Mar, vizinhos imediatos da comunidade
(GOMES, 2019).
Neste caso foi importante o “processo ajustado ou pactuado” para a construção
do espaço e o direito à moradia. Notam-se que os principais movimentos de resistência
à moradia, ao direito urbanístico, ao cumprimento da lei com resultados positivos e
conquistas sociais, são desenrolados por meio de processos pactuados. Entre Belém e
Recife destacam-se também o histórico da Vila do Estevão (CE), consolidado em áreas
de falésia e dunas e o caso da Vila da Barca (PA), porém este não avança no direito a
moradia e regularização fundiária, enquanto destacam-se nos conflitos sociais, ambientais
e negligencia dos órgãos institucionais para a resolução do problema.

4 | CONCLUSÕES

O trabalho apresentado permite dialogar com a legislação urbano ambiental com

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 6 113


a consolidação de núcleos urbanos informais, por meio da identificação de processos
invisíveis na forma urbana, responsáveis por sua modelagem. São processos que
permitem a perpetuação no espaço, de formas urbanas consolidadas, carregadas de
transformações sócio espaciais, e associadas ao discurso do planejamento urbano.
Traz para a discussão a abordagem da cidade dispersa, os processos de exclusão
e expulsão de populações e comunidades para as margens urbanas, e a formação de
núcleos urbanos informais dispersos, como resultados de ações e política urbanas que
priorizaram um modelo de cidade moldada para o mercado. Um modo de fazer cidades
onde os investimentos em infraestrutura urbana não são distribuídos na totalidade urbana
(COSTA, 2015). Assim contribuem para pontos cegos no planejamento urbano, hiatos,
assistem ao desequilíbrio urbano ao promoverem setores valorizados, especulados e
outros sem urbanidade, informais (MARICATO, 2015).
Verificam-se dois modos de gerir e discutir a política urbana. Um é composto por
modelos de gestão urbana discutidos unilateralmente, como ocorreu nas agrovilas em
Alcântara (MA), na concessão e privatização de praias e dunas em Natal (RN), e na
homogeneização do espaço urbano, na Av. Costeira de São Luiz (MA). Este circula no
campo dos processos restritivos ou permissivos, unilaterais, neles não são observados
meios ou alternativas de equacionar soluções que atendam a emergência urbana. E
em situações de legislação urbanística e ambiental restritiva, é observado a criação de
mecanismos de controle urbano ou ações de permissividade da lei decididas em esferas
não participativas (AGUILERA; NAREDO, 2019).
O outro modo é representado por políticas de resistências populares, que nascem
com resposta as políticas urbanas unilaterais não democráticas, como ocorreu na Vila
do Estevão, em Aracati (CE), a na Ilha de Deus em Recife (PE). Assim, verifica-se que
o planejamento urbano deve permitir o ajuste e o pacto entre as partes do processo.
Em outros casos, proporcionar condições para a gestão urbana retomar o controle da
cidade, no sentido de garantir espaços verdes de preservação à biodiversidade, sítios de
interesse coletivo, e reconhecer os processos de exclusão social consolidados no tempo.

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Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 6 114


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Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 6 115


CAPÍTULO 7
doi

PROJETO E PLANEJAMENTO URBANOS FRENTE


AOS PARADIGMAS ECOLÓGICOS DA AGRICULTURA
URBANA

Data de aceite: 05/07/2020 paradigmas ecológicos a serem considerados.


Data de submissão: 17/04/2020 Este artigo procura apresentar uma reflexão
sobre como estes paradigmas devem ser
considerados por esses atores.
Bruno Fernandes de Oliveira PALAVRAS-CHAVE: Agricultura urbana;
Universidade Federal da Fronteira Sul
planejamento urbano; resiliência urbana;
Laranjeiras do Sul – PR
ecologia urbana; serviços do ecossistema.
http://lattes.cnpq.br/6439123387110220

URBAN PLANNING AND URBAN DESIGN

RESUMO: Diante de um processo de FACE THE ECOLOGIC PARADIGMS FROM


urbanização que resulta em um aumento URBAN AGRICULTURE
dramático das cidades, a capacidade destas
ABSTRACT: Face the urbanization process
em prover o bem-estar, a qualidade de vida e a
that results in a dramatic increase of the cities,
saúde pública deve estar aliada ao crescimento
their capacity to provide well-being, quality of
demográfico e à expansão urbana. Uma maneira
life and public health must be combined with
de conter ou amenizar os efeitos negativos
demographic growth and urban expansion. One
da urbanização das cidades, garantindo uma
way to contain or mitigate the negative effects
expansão de maneira sustentável, passa pela
of urbanization in cities, ensuring sustainable
aplicação de conhecimentos ecológicos ao
expansion, is to apply ecological knowledge to
projeto e planejamento urbanos. A agricultura
urban design and planning. Urban agriculture
urbana vem se apresentando como uma
has been presented as a possibility, whose
possibilidade, cujas práticas podem favorecer
practices can support the services provided
os serviços prestados pelo ecossistema urbano
by the urban ecosystem and is considered
e é considerada apropriada às áreas urbanas
appropriate for urban areas due to several
por diversos fatores. Porém, as práticas da
factors. However, urban agriculture practices
agricultura urbana têm apresentado aos
have introduced new ecological paradigms
profissionais, gestores e demais envolvidos
to urban design and planning professionals,
com o projeto e planejamento urbanos novos
managers and stakeholders. This article seeks

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 7 116


to present a reflection on how these paradigms should be considered by these actors.
KEYWORDS: Urban agriculture; urban planning; urban resilience; urban ecology; ecosystem
services.

1 | INTRODUÇÃO

O novo milênio tem produzido uma convergência de interesses interdisciplinares


na sustentabilidade e resiliência das cidades (AHERN, 2013), bem como em estudos
das áreas urbanas com foco ecológico (WU et al., 2013). Interesses estes que podem
ser entendidos quando olhamos para estudos da UN Habitat que mostram que em 2011,
pela primeira vez, a população mundial residente nas cidade superou a população rural
(UN Habitat, 2012) e, prevê-se que em 2050 sete entre cada dez pessoas residam nas
cidades. Um crescimento espantoso se pensarmos que há um século atrás apenas duas
em cada dez viviam em áreas urbanas, número que mostra o quão rápido tem sido o
processo de urbanização no mundo (UN Habitat, 2012).
O processo de urbanização também resultou em um aumento dramático das cidades,
que abrigam 55% da população mundial (UN, 2019): mais de 300 cidades no mundo têm
mais de 1 milhão de habitantes e 14 excedem os 10 milhões de habitantes (PICKETT
et al., 2001) e estima-se que em 2030 sejam 43 as mega-cidades que superam os 10
milhões de habitantes (UN, 2019). A capacidade de uma cidade em prover o bem-estar,
a qualidade de vida e a saúde pública deve estar aliada ao crescimento demográfico e à
expansão urbana, haja vista que essas áreas urbanas consomem grandes quantidades
de bens e serviços do ambiente como comida, água, energia, materiais de construção e
áreas verdes. Assim, a capacidade do ambiente no entorno destas áreas em responder
a um processo de urbanização acelerado fica superada (MITLIN; SATTERTHWAITE ,
1996).
O processo de urbanização é uma ameaça a muitos habitats naturais e diversas
espécies. Por exemplo, nos últimos 100 anos, aproximadamente 180 espécies vegetais
foram extintas da área urbana de Munique (DUHME; PAULEIT, 1998 apud NIEMELÄ,
1999). Uma maneira de conter ou amenizar os efeitos negativos da urbanização das
cidades, garantindo uma expansão de maneira sustentável, passa pela aplicação de
conhecimentos ecológicos ao projeto e planejamento urbanos (NIEMELÄ, 1999).
Diante deste cenário, surgem algumas perguntas, dentre elas: Qual o papel do
arquiteto(a) e urbanista enquanto planejador(a) e projetista da paisagem urbana? Como
aliar estes conceitos, estratégias, desafios ecológicos ao projeto e planejamento urbanos,
encarando a cidade como um ecossistema? Que princípios ou estratégias podem ser
aplicados na paisagem urbana para que haja a garantia e incremento dos serviços do
ecossistema urbano de modo a assegurar o bem-estar, a qualidade de vida e a saúde
humanas? Fica claro, a partir destas perguntas, que se faz necessário uma abordagem

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 7 117


interdisciplinar na busca por respostas. Dentre elas, a agricultura urbana (AU) vem se
apresentando como uma possibilidade, cujas práticas podem favorecer os serviços
prestados pelo ecossistema urbano e é considerada apropriada às áreas urbanas
pela proximidade com o mercado consumidor, pela recuperação da biodiversidade e,
principalmente, pelo incremento à renda familiar (AQUINO; MONTEIRO, 2005).
Neste artigo procuramos demonstrar como a AU e seus estudos apresentam novos
paradigmas aos profissionais, gestores e outros envolvidos com o projeto e planejamento
das cidades na busca por respostas, bem como levam estes a terem que pensar de
maneira interdisciplinar na busca por soluções e inovações.

2 | RESILIÊNCIA URBANA

As cidade são dependente de grandes áreas – a área estimada para dar o suporte
que uma cidade necessita chega a ser de 500 a 1000 vezes o tamanho dela (FOLKE et al.,
1997) – , distantes dela, que possam provê-la de bens e serviços (comida, água, energia,
etc.) e possam dar conta de seus resíduos – estima-se que em todo o mundo as cidades
gerem 720 bilhões de toneladas de lixo todo ano e, em países em desenvolvimento, apenas
25% a 55% do lixo é coletado (UN HABITAT, 2012). Porém, não apenas do ambiente
externo dependem as cidades, pois estas também são beneficiadas por seu ecossistema
urbano interno (BOLUND; HUNHAMMAR, 1999).
Como resultado, esse processo de urbanização tem afetado profundamente a
biodiversidade, os processos e serviços ecossistêmicos, o clima e a qualidade do ambiente
não apenas em escala local, mas global ( WU et al., 2013), fato que tem gerado um amplo
entendimento do conceito de resiliência e suas implicações para a sustentabilidade urbana
(ALBERTI; MARZLUFF, 2004; AHERN, 2013). Cidades resilientes são mais preparadas e
respondem melhor e mais rápido às mudanças e situações de emergência, tanto internas
quanto externas. Assim, ao ampliar os serviços do ecossistema urbano e garantir maior
resiliência às cidades, estas têm menores perdas econômicas diante de distúrbios (JHA
et al., 2013).
Entende-se por resiliência a capacidade de um sistema em absorver distúrbios –
interações que alterem o comportamento de um sistema (SALAS-ZAPATA et al, 2017)
– antes que um sistema mude sua estrutura – mudando suas variáveis e processos que
controlam o comportamento de seus elementos (HOLLING, 1973) – e reorganizar-se
diante de mudanças de modo que este mantenha essencialmente as suas funções, sua
estrutura, identidade e feedbacks (WALKER et al., 2004).
Salas-Zapata et al. (2017) e Folke (2006) indicam que existem três tipos de
resiliência, com diferentes significados, de acordo com a área da ciência que a aplica,
cujos usos justificam-se pela necessidade de entender o porquê da estabilidade de certos
sistemas. São elas a resiliência técnica, ecológica e socioecológica, que diferenciam-se,

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 7 118


principalmente, pela presença de um ponto de equilíbrio (Tabela 01).

Tabela 01 – Tipos de resiliência


Resiliência técnica Resiliência ecológica Resiliência socioecológica
Outros termos Resiliência, elasticidade, Resiliência de ecossistemas, Capacidade adaptativa, resiliência
aplicados resiliência industrial resiliência social, resiliência em sistemas socioecológicos
Definição Capacidade de um Capacidade de um sistema Capacidade adaptativa de um
sistema de retornar ao para: absorver ou amortecer sistema; Capacidade de organização
equilíbrio mudanças e distúrbios; própria e de mudar
manter relações, estruturas e adaptativamente; Capacidade de
funções restauração e aprendizado em um
sistema de modo a encarar
distúrbios e manter características
Foco Recuperação, constância Persistência, robustez Capacidade adaptativa,
transformabilidade, aprendizado,
inovação
Premissas sobre Tendem a manter-se em Têm diferentes estágios de Executam interações cruzadas e
Sistemas estado de equilíbrio domínio de estabilidade ou mecanismos de resposta que
estados de equilíbrio possibilitam o ajuste aos distúrbios
Campo em que é Engenharia, modelagem Ecologia, ecossistemas e Sistemas socioecológicos, pesquisas
usado matemática sistemas sociais em sustentabilidade
Adaptado de Salas-Zapata et al. (2017) e Folke (2006)

Tabela 1 - Tipos de resiliência

A partir disto, podemos identificar que, ao analisarmos os projetos e planejamento


urbanos, a sustentabilidade apresenta-se como um paradoxo, uma vez que o entendimento
dos projetistas do termo “ecologia” é baseado no conceito ou objetivo da “forma sustentável
ideal” (AHERN, 2013). Este entendimento desconsidera a dinâmica espacial e funcional
de um sistema complexo e auto-organizado como as cidades, as quais são alvo frequente
de distúrbios provocados pelos humanos (REBELE, 1994) que a afetam de diferentes
modos em suas diferentes partes e tempo. Os projetos e o gerenciamento da paisagem
urbana precisam ser julgados quanto à sua habilidade em contribuir com as funções e
serviços tanto sociais quanto ecológicos, bem como reduzir os riscos e vulnerabilidades
sociais e ecológicas (CADENASSO; PICKETT, 2008).
Enquanto parte deste paradoxo, os espaços livres urbanos constituem um sistema
complexo, dada a inter-relação com outros sistemas que podem se justapor a ele. Formam
um sistema, apresentando, sobretudo, relações de conectividade e complementaridade.
Apresentam múltiplas funções como a circulação urbana, a drenagem urbana, atividades
do ócio, imaginário e memória urbana, conforto ambiental, conservação e requalificação
ambiental, e convívio público. (ALVARES et al., 2009)
As relevantes funções desempenhadas pelos espaços livres no contexto urbano
e sua importância não estão no fator quantitativo, mas sim nas relações que mantêm
(DEL RIO, 1990). A maior parte da biodiversidade do ecossistema urbano encontra-
se nos espaços livres urbanos. A proposição de um sistema de espaços livres é com
certeza uma alternativa de planejamento para a paisagem urbana, sendo seu processo de
implementação longo, o qual exige uma série de procedimentos que vão além do simples

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 7 119


mapeamento e registro das áreas (MACEDO, 1995).
Quando entendida neste contexto, a sustentabilidade das cidades envolve muito
mais do que uma bem concebida e projetada forma urbana. Aliada às três dimensões a
partir da qual a sustentabilidade é discutida – econômica, equidade social e ambiental
– está a resiliência, entendida como a quarta dimensão quando analisamos a cidade
em um contexto de desiquilíbrio. Uma cidade resiliente é capaz de oferecer serviços
ecossistêmicos em um contexto de dinâmica e distúrbios urbanos (AHERN, 2013).

3 | ECOLOGIA URBANA

Surgem daí as discussões a cerca da Ecologia Urbana, cujo foco dos estudos urbanos
passa, então, a ser ecológico e o espaço urbano compreendido como um ecossistema
(BOLUND; HUNHAMMAR, 1999; CADENASSO; PICKETT, 2008), seja a cidade composta
por diversos ecossistemas individuais, ou definida como um único ecossistema (REBELE,
1994).
A Ecologia Urbana permite que façamos uma reflexão de que a realidade das cidades
ou áreas urbanas, assim como elas se desenvolveram ao longo do tempo, não representa
apenas uma importante forma da coexistência humana, mas também as relações entre
homem e natureza. Não conseguimos entendê-las por completo analisando suas partes,
pois as cidades não são a simples combinação do sistema humano com o sistema
ecológico (ALBERTI, 2008). O estudo do ecossistema urbano resulta no estudo de um
sistema híbrido originado pela interação entre os sistemas humano e ecológico.
Para criar uma ligação entre a teoria da ecologia urbana e a prática de planejamentos
e projetos de paisagens com foco ecológico, torna-se necessário o conhecimento de cinco
princípios urbanos básicos (CADENASSO; PICKETT, 2008), os quais apontam para as
funções do ecossistema que originarão serviços na paisagem urbana: 1 – cidades ou
áreas urbanas são ecossistemas; 2 – elas são heterogêneas; 3 – são dinâmicas; 4 – seus
componentes humano e biofísico interagem; 5 – e os processos biofísicos continuam
sendo importantes nelas.
Destes princípios, cabe ressaltar a importância dos processos biofísicos, os quais,
por muito tempo negligenciados, têm sido objeto de estudos, uma vez que se reconhece
a capacidade dos espaços verdes urbanos em dar suporte à biodiversidade, amenizar
condições climáticas extremas e facilitar a infiltração de águas de chuvas como alguns
dos serviços ecológicos prestados pelo ecossistema urbano (CADENASSO; PICKETT,
2008). Ainda, toda paisagem urbana, e não apenas os espaços verdes, podem prover
serviços ecológicos.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 7 120


4 | SERVIÇOS DO ECOSSISTEMA URBANO

Desde a publicação do Millennium Ecosystem Assessment, em 2005, os serviços


prestados pelo ecossistema e sua relação com o bem-estar humano passaram a ser foco
de estudos ecológicos, os quais tem sido acompanhados pelo rápido desenvolvimento de
ciências com foco na sustentabilidade baseadas na dinâmica relação entre sociedade e
natureza. Consequentemente, pesquisas em ecologia da paisagem urbana passaram a
ser direcionadas para a sustentabilidade urbana, as quais integram várias perspectivas da
ecologia urbana cujas discussões centrais se desenvolvem em torno da estrutura, funções
e serviços do ecossistema urbano (WU et al., 2013; ALBERTI, 2008; AHERN, 2013).
O ecossistema urbano ainda necessita de maiores entendimentos de seus processos,
funções, estabilidade e usabilidade a partir de abordagens e concepções interdisciplinares
que possam ser aplicadas à paisagem urbana (PICKETT et al., 2001; QURESHI et al.,
2013). Os Serviços do Ecossistema podem ser definidos como os benefícios às populações
humanas derivadas, direta ou indiretamente, das funções do ecossistema (COSTANZA et
al., 1997) e são classificados em 17 categorias.
Grande número destes serviços não são consumidos diretamente pelos humanos,
mas são essenciais à manutenção e sustentação dos ecossistemas. Outro aspecto dos
serviços prestados pelos ecossistemas diz respeito à sua área de cobertura. Estes podem
estar disponíveis local ou globalmente, de acordo com o problema ao qual ele está atrelado
e à possibilidade dele ser transferido de onde foi produzido à cidade, onde os humanos
podem se beneficiar dele (BOLUND; HUNHAMMAR, 1999).
Dentre os serviços do ecossistema urbano, que beneficiam os humanos diretamente,
podemos citar, a exemplo serviços abióticos – infiltração de águas da chuva; interceptação
de precipitação; melhoria/filtragem da qualidade do ar; redução de barulho – ; bióticos –
diminuição de pragas e doenças; provisão de alimentos; regulação do micro-clima – ;
e culturais – suporte à educação ambiental; redução de estresse; ganho no valor de
propriedades; entre outros.
Dentre as estratégias para assegurar e incrementar os serviços do ecossistema
urbano, estão a biodiversidade do ecossistema urbano e o planejamento e projetos
multifuncionais (AHERN, 2010; 2013). A biodiversidade pode ser entendida como a
diversidade de espécies e ecossistemas que, coletivamente, dão suporte a funções
específicas mas respondem de forma diferente às mudanças e distúrbios. Assim, dá
suporte direto aos processos e serviços do ecossistema urbano, muitos dos quais os
humanos se beneficiam.
Quanto à multifuncionalidade dos espaços, o uso eficiente destes no planejamento
e projeto é fundamental uma vez que são limitados e existe grande competição pelos
mesmos. Neste contexto, a multifuncionalidade envolve o uso deliberado de várias
estratégias que deem suporte ao maior número de serviços pelo ecossistema (AHERN,

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 7 121


2013). Também, o alto valor das áreas urbanas requer a combinação de vários usos
em uma mesma área, tornando necessárias estratégias que garantam e incrementem os
serviços do ecossistema (BOLUND; HUNHAMMAR, 1999).

5 | AGRICULTURA URBANA (AU)

A Agricultura Urbana (AU) assume várias formas em diferentes níveis de


desenvolvimento. Com um dado conjunto de características topográficas, climáticas e
culturais, a AU muda de acordo com o crescimento e desenvolvimento urbano (NUGENT,
2000). O Comitê de Agricultura urbana da CFSC define a agricultura urbana (AU) como o
plantio, processamento e distribuição de alimentos e outros produtos através de plantio e
criação de animais intensivos na e ao redor das cidades (TORNAGHI, 2014).
Para Mougeot (2005), a AU é uma indústria localizada nas cidades (intra-urbano)
ou ao redor delas (peri-urbano), que produz e desenvolve, processa e distribui uma
variedade de produtos, sejam alimentos ou não-alimentos, reutilizando amplamente
recursos materiais e humanos, produtos e serviços encontrados nas áreas urbanas e seu
entorno e retornando à área urbana recursos, produtos e serviços.
A AU é realizada de diversas formas, como em hortas privadas, hortas comunitárias,
hortas comunitárias de arrendamento, hortas escolares, hortas em varandas/balcões
e coberturas de edifícios, e são trabalhadas em diversas escalas, desde varandas a
grandes áreas na interface urbano-rural. A escolha do método de produção varia devido
às circunstâncias de cada comunidade e suas preferências (GREWAL; GREWAL, 2012).
Diversas são as potencialidades da AU apresentadas na literatura. As práticas
de AU têm sido apresentadas como positivas e não-problemáticas, com o potencial de
parcialmente resolver problemas associados com a qualidade e acessibilidade alimentar,
reduzir as pegadas ecológicas, aumentar a coesão comunitária, alcançar maior resiliência
comunitária e promover a sustentabilidade urbana (TORNAGHI, 2014).
Muitas das experiências de AU são também práticas exemplares explicitamente
abordando a provisão de alimentos e o direito por alimentos urbanos, saúde individual
e comunitária, qualidade ambiental urbana e peri-urbana e justiça socioambiental
(SONNINO, 2009).
A AU contribui significativamente com o funcionamento do ecossistema urbano e,
portanto, com a qualidade de vida das comunidades urbanas, contribuindo com a redução
dos impactos dos assentamentos urbanos. Ainda, contribui com o fortalecimento do
sentimento de pertencimento, comprometimento e cidadania, permitindo aos cidadãos se
unir e desenvolver sistemas mais elaborados de auto-regulação e participação, avançando
a democracia e construindo novas formas de participação e responsabilidade (FERREIRA
et al., 2018). A AU, por sua habilidade em reconectar a esfera da reprodução com seu
substrato ecológico e físico, abre importantes janelas de oportunidade para experimentar

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 7 122


mecanismos radicais de desenvolvimento territorial e vida urbana (TORNAGHI, 2014).

6 | A AU E O PROJETO E PLANEJAMENTOS URBANOS

Uma crescente pressão para se envolver com as mudanças climáticas e segurança


alimentar têm colocado a produção local de alimentos e o planejamento alimentar nas
agendas de diversos municípios (TORNAGHI, 2014). O interesse na AU também tem
crescido a nível municipal em parte por conta do movimento por alimentos locais e a
disponibilidade de espaços não utilizados e não desenvolvidos em muitas cidades ao
redor do mundo (McCLINTOCK, 2010).
Por mais que sejam conhecidas as contribuições da AU à segurança alimentar, à
ecologia urbana e ao emprego informal, ainda há uma divisão entre a percepção da atividade
pelos tomadores de decisões e os produtores urbanos. A AU ainda é considerada como uso
do solo e atividade urbana de menor importância pelas autoridades urbanas (HALLORAN;
MAGID, 2013). Também porque a questão alimentar e os alimentos ainda são vistos como
uma questão rural e não urbana, cujas questões são moradia, transportes, segurança,
saúde entre outros (POTHUKUCHI; KAUFMAN, 1999; MORGAN, 2009). Pode-se fazer
essa constatação ao ver que, nas cidades, os departamentos/instituições que tratam das
questões alimentares não as fazem de maneira integrada a outros departamentos urbanos
(POTHUKUCHI; KAUFMAN, 1999).
Mesmo com a crescente consciência e evidência de como a AU contribui em diferentes
aspectos da resiliência urbana, a governança da AU continua a ser um problema. Mesmo
quando incorporada ao sistema de parques e espaços livres, são tratadas de maneira
temporária por acordos ou memorandos entre diferentes agências governamentais,
sujeitas às mudanças políticas e institucionais (HOU, 2018).
Os atores que promovem a AU sugerem que a ela não se é dado o devido valor por dois
motivos: pelo valor relativo do solo e pelo que pode ser chamado de pensamento “colonial”.
Quanto ao valor, por ser difícil quantificar monetariamente as positividades criadas pela
AU, como segurança alimentar, geração de receita ou verde urbano, o valor agregado ao
solo pela AU não é percebido. Já o pensamento “colonial”, está atribuído à percepção de
que a agricultura é uma atividade própria do campo e não da cidade (MORGAN, 2009;
HALLORAN; MAGID, 2013). Esta percepção é uma das quatro razões, apontadas por
Pothukuchi e Kaufman (1999), do por quê o sistema alimentar tem pouca visibilidade como
um dos sistemas urbanos. As outras são: - os residentes urbanos tem a questão alimentar
como dada/garantida, devido ao acesso aos mercados e estabelecimentos alimentares; -
as mudanças tecnológicas nos transportes e conservação e processamento dos alimentos
que permitiram o distanciamento da produção e o consumo; - e a visão dicotômica urbano-
rural dos planejadores, que vem os alimentos como objetivo das políticas rurais, para os
agricultores ( POTHUKUCHI; KAUFMAN, 1999).
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 7 123
Quanto às questões relacionadas à dicotomia urbano-rural, utilizadas pelos
planejadores para justificar sua omissão em considerar o sistema alimentar como um
sistema urbano, podemos apontá-las como falhas por diversos motivos: os estabelecimentos
do setor alimentar são parte importante da economia urbana e tem profundos efeitos em
outros setores, como saúde pública, água, transportes; o setor alimentar emprega muitos
dos residentes urbanos; a cidade é o espaço onde a demanda por alimentos é gerada;
os desperdícios de alimentos geram grandes quantidades de resíduos que têm de ser
tratados pela cidade; a AU é uma prova da atividade agrícola dentro das cidades, entre
outros ( POTHUKUCHI; KAUFMAN, 1999; MORGAN, 2009; SONNINNO, 2009).
De acordo com grande parte da literatura sobre planejamento e políticas, a AU tem
sido inibida pelo suporte insuficiente do governo, confinada a zonas restritivas ou tratada
com negligência pelos planejadores urbanos que não possuem treinamento técnico ou
incentivos administrativos para focar nos sistemas urbanos de produção de alimentos
(COHEN; RAYNOLDS, 2014). Governos locais e autoridades do planejamento tem um
importante papel a desempenhar na integração da AU aos planos já estruturados e
permitindo a AU através de medidas regulatórias apropriadas. Porém, os planejadores
urbanos e governantes municipais nem sempre entendem a diversidade de práticas do
movimento da AU e estão frequentemente mal preparados para lidar com tais ações
(THIBERT, 2012).
Segundo Thibert (2012), a AU é relativamente marginalizada pelas instituições
planejadoras por três motivos: primeiro, por ser uma prática considerada incompatível
com a área urbana e os usos do solo, o que eliminaria possíveis “incômodos”; segundo
por se tratar de uma prática que requer políticas transdisciplinares, isto geralmente
não se encaixa em nenhum campo do planejamento; e terceiro porque os planejadores
geralmente não consideram políticas relacionadas a alimentos parte de seu trabalho e não
se sentem capacitados a intervir no planejamento de alimentos. Ainda, muitos consideram
a agricultura uma prática exclusivamente rural e não vem problemas no sistema de
alimentos. Isto sugere que há um problema de competência bem como um problema de
percepção na comunidade planejadora.
A acomodação da AU nas cidades requer negociação entre diversos interesses que
detém diferentes níveis de poder para defender suas reivindicações pelo espaço urbano.
Esta negociação é material na contestação pelo espaço físico, cultural pela construção de
alternativas imaginárias do uso do solo urbano e política pelo compromisso com processos
de tomada de decisão (BARTHEL et al., 2015). A AU, enquanto um particular tipo de uso
do solo, espaço comunitário, e espaço de produção e distribuição de alimentos, é figura
central na visão de como a produção urbana de alimentos pode apoiar objetivos mais
amplos no planejamento.(COHEN; RAYNOLDS, 2014)
Esta corrente aponta para a necessidade de um trabalho integrado e interdisciplinar
entre os campos do planejamento urbano, planejamento alimentar e direito ao solo para
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 7 124
permitir a construção de um sistema agricultural urbano, na direção da intensificação
ecológica.(TORNAGHI, 2014) Uma sociedade civil ativa é necessária para mobilizar
pessoa e recursos para proteger os espaços verdes urbanos, sustentando o conhecimento
de como produzir alimentos e reimaginando a cidade como um lugar de produção de
alimentos (BARTHEL et al., 2015).
O desenvolvimento de um plano municipal para a AU pode ser um veículo para
o envolvimento de atores, e a formalização de tal plano – bem como as mudanças no
uso do solo necessárias para prover espaço para a produção de alimentos – podem
fazer com que estes atores abracem a cidade e se comprometam com o plano.(COHEN;
RAYNOLDS, 2014) Colocar a AU na agenda política e criar o reconhecimento da prática
em termos institucionais pode ser um passo em direção à sustentabilidade, e depende da
combinação entre a clara vontade política, a cooperação e uma mudança de paradigma
no planejamento urbano (HALLORAN; MAGID, 2013). O desafio, então, é o fortalecimento
da comunicação contínua e colaboração entre os diversos atores da AU de modo que o
planejamento e as políticas otimizem as conexões interpessoais e as múltiplas formas de
conhecimento com o objetivo de fortalecer a economia, ambiente e integridade social de
todo o sistema (COHEN; RAYNOLDS, 2014).
O planejamento pode desempenhar um importante papel em qualquer esquema de
AU difundido e suportado pelo estado. O objetivo é alterar o padrão de preferências de
consumo e escolhas, aproveitando a visibilidade, preço e conveniência dos produtos da AU
(SPENCER, 2014). Planejar o uso do solo é importante para o governo local, possibilitando
que ele reduza conflitos e promova o desenvolvimento regional saudável. Planejar o uso do
solo empregando princípios sustentáveis é portanto de grande importância à sociedade,
com significativas implicações à habitabilidade no planeta (YAO et al., 2018).

7 | CONCLUSÃO

Está clara a importância dos serviços prestados pelo ecossistema urbano para o
bem-estar, qualidade de vida e saúde humanas, uma vez que dependemos deles para
sobreviver. A ecologia da paisagem urbana com foco na sustentabilidade urbana vem
aumentando a ênfase dada aos serviços do ecossistema e suas relações com o bem estar
humano (WU et al.; 2013). Torna-se, então, necessária a garantia e o incremento destes
serviços, os quais contribuem para a estrutura de uma cidade mais resiliente. Uma vez
que as cidades e sua população tendem a crescer nas próximas décadas (UN Habitat,
2012), tanto os serviços quanto os ecossistemas que os provém passam a ter grande
importância para o planejamento e projeto das cidades (BOLUND; HUNHAMMAR, 1999).
Por fim, uma abordagem alternativa para ecologia urbana reside na arquitetura
da paisagem e seu planejamento. Esta prática profissional é motivada pelo desejo
de incorporar princípios ecológicos, de modo a prover ambientes mais agradáveis e

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 7 125


disponíveis aos residentes urbanos, e reduzir os impactos negativos da demanda por
recursos pelas cidades e resíduos gerados por estes ambientes (PICKETT et al., 2001).

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Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 7 128


CAPÍTULO 8
doi

A EVOLUÇÃO URBANA DA CIDADE DE SANTOS E O


PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO
DE 1532 A 1930

Data de aceite: 05/07/2020 E, finalmente, o terceiro, já na segunda metade


Data de submissão: 29/04/2020 do século XIX, onde a articulação do território
ganhou força e ocorreu, de maneira mais
eficiente, a integração nacional ao capitalismo
Hilmar Diniz Paiva Filho internacional. Em comum, esses quatro séculos,
Universidade Presbiteriana Mackenzie, Faculdade
tiveram como pano de fundo a passagem da
de Arquitetura e Urbanismo
modernidade para a contemporaneidade,
São Paulo | SP
marcada pela consolidação do capitalismo, da
Roberto Righi
técnica e da revolução industrial.
Universidade Presbiteriana Mackenzie, Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo PALAVRAS-CHAVE: Santos, formação e
São Paulo | SP organização do território, evolução urbana,
urbanismo.

RESUMO: A cidade de Santos sintetiza, em THE URBAN EVOLUTION OF THE CITY


escala local, as principais transformações pelas OF SANTOS AND THE BRAZILIAN
quais o Brasil atravessou durante o seu processo
DEVELOPMENT PROCESS FROM 1532 TO
de desenvolvimento. Este artigo, apoiado em
uma extensa base documental e iconográfica, 1930

relaciona a história sociopolítica-econômica ABSTRACT: The city of Santos synthesizes,


paulista e brasileira com a evolução urbana on a local scale, the main transformations
da cidade de Santos entre os anos de 1532 e that Brazil underwent during its development
1930. Para isso, considerou-se três momentos. process. This article, supported by an extensive
O primeiro, correspondendo ao período colonial documentary and iconographic base, relates
até a vinda da família real portuguesa ao Brasil, the socio-political-economic history of São
onde destaca-se o papel paulista na expansão Paulo and Brazil with the urban evolution of
e na formação do território brasileiro. O the city of Santos between the years 1532 and
segundo, de 1808 a 1867, período da formação 1930. For this, three moments were considered.
do Estado brasileiro e da consolidação do café The first, corresponding to the colonial period
como principal produto de suas exportações. until the arrival of the Portuguese royal family
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 8 129
to Brazil, where the São Paulo role in the expansion and formation of the Brazilian territory
stands out. The second, from 1808 to 1867, the period of the formation of the Brazilian State
and the consolidation of coffee as the main product of its exports. And finally, the third, already
in the second half of the 19th century, where the articulation of the territory gained strength
and national integration with international capitalism took place more efficiently. In common,
these four centuries had as a backdrop the transition from modernity to contemporary times,
marked by the consolidation of capitalism, technique and the industrial revolution.
KEYWORDS: Santos, formation and organization of the territory, urban evolution, urbanism.

1 | INTRODUÇÃO

A urbanização como processo, e a cidade, como resultado deste processo, marcam


de sobremaneira a civilização contemporânea. Porém, para se decifrar a cidade,
compreender quais processos estabeleceram a sua complexidade e explicam a dimensão
da urbanização, se exige um olhar para o passado. Desta forma, podemos entender
que o espaço é história e nesta perspectiva, a cidade de Santos, é uma síntese das
transformações sociopolíticas-econômicas ocorridas através dos tempos.
Este artigo parte do pressuposto que a cidade portuária de Santos está intrinsicamente
relacionada aos processos nacionais e internacionais e, em razão desta interconexão,
nota-se a sua ressonância em seu desenho urbano. Seu objetivo principal é identificar
e demonstrar através da história e da iconografia, como um período de 400 anos, na
passagem da modernidade à contemporaneidade, estão refletidos na formação, expansão
e desenvolvimento da estrutura urbana da cidade de Santos. Para tanto, relaciona-se a
história sociopolítica-econômica paulista e nacional com a formação e o desenvolvimento
da estrutura urbana da cidade de Santos considerando-se três períodos: de 1532 a
1808, correspondendo essencialmente ao período colonial até a chegada da família real
portuguesa ao Brasil; de 1808 a 1867, período onde houve a formação do Estado brasileiro,
a incipiente cultura do café ganhou corpo e consolidou-se como principal produto das
exportações brasileiras e a inauguração da estrada de ferro São Paulo Railway Company
(SPR); e de 1867 a 1930, auge do ciclo cafeeiro paulista, o então motor da economia
brasileira, que se abalou com a crise de 1929 e, por meio de uma revolução realizada um
ano mais tarde, decretou-se o fim da Primeira República.

2 | A RUPTURA DO CAPITALISMO: DA MODERNIDADE À CONTEMPORANEIDADE

Luís Carlos Bresser-Pereira, em seu artigo As duas fases da história e as fases do


capitalismo (2016), afirma que a rigor só existem duas fases da história humana: a pré-
capitalista e a capitalista. Porém, entre essas duas fases identifica um período longo, de
grandes transformações, que começa no norte da Itália, a partir do século XIV, e pela

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 8 130


primeira vez, se completa na Inglaterra com a formação do Estado-nação e a Revolução
Industrial no final do século XVIII, a chamada Revolução Capitalista. Para isso, considera
os quatros ciclos sistêmicos de acumulação que Giovanni Arrighi1 identifica na história do
capitalismo: o ciclo genovês, do século XV ao início do século XVI; o ciclo holandês, do
fim do século XVI até meados do século XVIII; o ciclo inglês, da última metade do século
XVIII até o início do século XX; o ciclo americano, durante o século XX.
Para Bresser-Pereira, a revolução capitalista é o segundo momento de transformação
na história humana. O primeiro é o surgimento da agricultura que permitiu a passagem
das sociedades nômades para as sedentárias, fato que determinou o surgimento das
primeiras civilizações e impérios.
Ainda segundo Bresser-Pereira, a revolução capitalista alterou profundamente as
bases sociopolíticas-econômicas. No plano social, surgiram duas novas classes sociais: a
burguesia e a classe trabalhadora. No político, deu origem as nações e ao Estado moderno,
e, a eles, um território: o Estado-nação. No econômico, deu início ao capital e as demais
instituições econômicas fundamentais do sistema: o mercado, o trabalho assalariado, os
lucros, e o desenvolvimento econômico. E no plano científico e tecnológico, transformou
uma sociedade agrícola em uma sociedade industrial.
Contudo, pode se distinguir na revolução capitalista, a revolução comercial da
industrial. A primeira ocorre em um longo período que vai do surgimento da burguesia
no século XIII até as grandes navegações e a formação do chamado sistema-mundo2. A
segunda, em um período mais curto, abrangendo a transformação da sociedade agrária
europeia em uma industrial, isso graças ao avanço tecnológico aplicado ao campo. Este
fato, alguns séculos mais tarde, fez com que as cidades-Estado se tornassem Estado-
nação, forma própria de organização político territorial do capitalismo.
As cidades-Estado foram um fenômeno intermediário entre os impérios antigos e
os Estado-nação. Na antiguidade, era através dos impérios que se dava a organização
política territorial. Já nos tempos modernos e capitalistas, isso ocorrerá por intermédio
dos Estados-nação.
Ernest Gellner3, em seus estudos, observa que o poder imperial se limitava a cobrança
de impostos, deixando intactas sua organização econômica e sua cultura. Podemos
observar isso na expansão romana. No entanto, os Estados-nação fazem o oposto. Por
estarem envolvidos em uma competição internacional, sempre em busca de hegemonia
e maiores taxas de crescimento utilizam a homogeneização como uma ferramenta eficaz

1 Giovanni Arrighi foi um sociólogo italiano marxista, profundamente influente no estudo das origens e transformações do
sistema capitalista global. Realizou pesquisas nas áreas de mercado e desenvolvimento econômico na África e na Europa.
Atuou como professor do Departamento de Sociologia da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, Estados Unidos.
2 O conceito sistema-mundo se baseia no conceito de economia-mundo, inventado por Fernand Braudel. Foi desenvolvido
por Immanuel Wallerstein, Giovanni Arrighi e Samir Amin. Baseia-se na divisão inter-regional e transacional do trabalho e
resulta na divisão do mundo em países centrais, semiperiféricos e periféricos.
3 Ernest Gellner foi um filósofo e antropólogo social. Desenvolveu importantes teorias sobre a sociedade moderna e das
diferenças que a distinguem das sociedades precursoras.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 8 131


para alcançar tais objetivos. Um mesmo grupo com a mesma cultura, língua e história
permite que através da educação pública, se possa garantir que padrões crescentes de
produtividade sejam alcançados e compartilhados por toda a população.
Desta forma, os governos passam a ser os condutores do processo de desenvolvimento
econômico favorecendo as empresas nacionais na concorrência internacional. E foi
através de um demorado processo de institucionalização política e econômica, que foi o da
formação do Estado-nação, que empresários, burocratas do Estado e políticos assumem
o papel chave no processo da definição de estratégias nacionais de desenvolvimento.
A sociedade politicamente orientada que compartilha um destino comum, ao se dotar
de um Estado e de um território, forma o Estado-nação. Bresser-Pereira, em seu artigo,
observa que a constituição dos Estados nacionais e, portanto, de mercados seguros para
os empresários investirem na indústria, foi a condição para que a revolução industrial
ocorresse inicialmente na Inglaterra e na França e, em seguida, nos Estados Unidos.
Celso Furtado (2009), utilizando com liberdade os conceitos de Marx e Weber,
propõe que o desenvolvimento econômico se constituiu em dois momentos históricos.
No primeiro, na revolução comercial, e no segundo, na revolução industrial. Entretanto,
Bresser-Pereira, acrescenta que nessa análise histórica faltava uma terceira transformação
fundamental que ocorreu entre as duas citadas ou conjuntamente com a última: a formação
dos Estados nacionais. É somente quando as nações se dotam de Estados tornando-se
Estados-nação que o desenvolvimento se viabiliza. Nessa nova ordem, o Estado moderno
é o sistema constitucional-legal e a administração pública garante essa ordem jurídica.
Nas palavras de Bresser-Pereira: “a nação é a comunidade que compartilha uma história
e um destino comum e tem ou busca ter um Estado, e o Estado-nação é a unidade política
territorial dominante, como, nas sociedades pré-capitalistas foram os impérios antigos”.
Foi também a partir da revolução capitalista que se popularizou o trabalho
assalariado, o lucro como objetivo da atividade econômica e a acumulação de capital
com a incorporação do progresso técnico. Contudo, é importante salientar, que o
desenvolvimento econômico não pode ser confundido com progresso ou desenvolvimento
sem adjetivos. O desenvolvimento econômico é um processo autossustentado, através do
avanço técnico, de elevação dos padrões de vida ou de aumento do bem-estar material,
não necessariamente igualitário, nem autossustentável do ponto de vista ambiental.
Já o desenvolvimento sem adjetivos ou o progresso não é autossustentado, embora o
homem também seja o agente. E, somente quando o desenvolvimento econômico se
torna autossustentado se pode dizer que a revolução capitalista se completa, porque o
Estado já não tem o controle direto de todo o processo e sim o mercado.
A visão de duas grandes fases intermediadas pela revolução capitalista, como
destaca Bresser-Pereira, é importante porque na fase pré-capitalista não se pode falar
em progresso ou desenvolvimento, enquanto na fase capitalista os objetivos políticos
maiores das sociedades contemporâneas passam a ser deliberadamente buscados e
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 8 132
parcialmente atingidos. Nesse processo histórico, a revolução capitalista completada pela
revolução industrial, assume o papel central, tenha ela sido realizada originalmente pelos
países hoje ricos ou de forma retardatária nos países hoje em desenvolvimento.

3 | SANTOS, A CAPITANIA DE “SÃO VICENTE – SÃO PAULO” E A FORMAÇÃO DO

TERRITÓRIO BRASILEIRO | 1532 – 1808

A Capitania de São Vicente, se inicia antes mesmo da fundação da Vila de São


Vicente por Martim Afonso de Sousa, em 22 de janeiro de 1532 e da criação da Capitania
de mesmo nome, conferida àquele donatário, por D. João III. Quando da “descoberta” do
Brasil, em 1500, os colonizadores portugueses encontraram aqui povos que já habitavam
as terras brasileiras. Os primeiros nativos contatados pelos portugueses, não se adaptaram
a regiões secas e frias e era comum a presença desses índios nas proximidades de rios
navegáveis. Desse modo, a ocupação pela cultura Tupi-guarani seguia aproximadamente
a rede hidrográfica principal, sendo que sua extensão pode ser explicada em parte por
sua vocação de navegadores, particularmente fluviais (Donato, 1997). Contudo, além
das vias fluviais, os caminhos terrestres também representaram uma importante via
de comunicação e penetração, colocando em contato as terras do litoral com o interior
do continente. O mais famoso desses caminhos, conhecido como Peabiru, ia do litoral
paulista até Assunção, no Paraguai, cruzando o atual estado do Paraná. Na verdade, é
provável que o Peabiru fosse composto por uma rede de caminhos interligados colocando
em contato a região sul/sudeste brasileira com a andina (Figura 1).

Figura 1: O Peabiru visto do Sul para o Norte. Fonte: Os caminhos da conquista.

Após a chegada dos portugueses, um dos primeiros centros de penetração do


território brasileiro foi a capitania de São Vicente, tendo as vilas de São Vicente e São
Paulo como focos iniciais de irradiação (de Abreu, 2011).

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 8 133


Nos primórdios do século 16, São Vicente era para os espanhóis o principal ponto de
partida para a via terrestre entre o Atlântico e o Paraguai, para daí alcançar os altiplanos
do Peru, no coração do império incaico recém-conquistado. Foi a partir de então, que
Portugal passou a ver com desconfiança a presença espanhola em suas terras, adotando
medidas que exerciam uma maior vigilância. Uma dessas providencias foi a implantação
de povoações no planalto com o auxílio dos jesuítas, que funcionariam assim como
postos avançados da colônia portuguesa, cortando a principal via de ligação terrestre
com os territórios pertencentes à coroa espanhola. Neste sentido, em janeiro de 1554, os
jesuítas edificariam nos campos de Piratininga, no planalto, cerca de 70Km distantes de
São Vicente, o prédio que abrigaria um colégio e uma capela dando origem a Vila de São
Paulo de Piratininga (Donato, 1997) (Figura 2).

Figura. 2: Brasilia Pars. Capitania de S. Vicentii cum adjacentibus, 1597. Fonte: Novo Milênio.

Nesse início de colonização, após a fundação da vila de São Vicente, a primeira


vila do Brasil, a comitiva de Martim Afonso de Souza começou a ocupar o território e
alcançou a porção mais ao norte da ilha de São Vicente, conhecida como Enguaguaçu.
No entanto, um dos membros da comitiva de Martim Afonso de Sousa, Braz Cubas, teria
papel fundamental na formação da futura cidade de Santos. Em 1536, recebeu terras e
adquiriu mais algumas na região do Enguaguaçu, onde iniciou o plantio de cana-de-açúcar
e montou um engenho de açúcar. Em um curto espaço de tempo transformou-se numa
figura política proeminente e o maior proprietário de terras da baixada santista. Em 1543,
conseguiu a transferência do porto da vila de São Vicente para as águas mais protegidas
e próximas ao povoado do Enguaguaçu e desta situação mais interior e bem-sucedida
se tem a gênese do centro histórico da cidade de Santos. Ainda em 1543, Braz Cubas,
fundou a Irmandade para edificação do Hospital de Santa Casa de Misericórdia de Todos

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 8 134


Santos. Em consequência, o povoado não seria mais denominado Porto de São Vicente
e sim, Porto de Santos. Em 1545, Braz Cubas se tornaria Capitão-mor da Capitania de
São Vicente e, nesta condição, em data desconhecida, desligou o povoado da Vila de São
Vivente e o elevou à condição de Vila do Porto de Santos (Figura 3).

Figura 3: João Teixeira, 1640. Fonte: Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

Contudo, conforme Myriam Ellis (1972) observou em seus estudos, a história da


Capitania de “São Vicente-São Paulo” no período colonial não se prendeu unicamente a
da expansão geográfica e da conquista territorial. Existe uma história paralela ao século
do ouro, a da classe mercantil do Brasil colonial, prolongamento da lusitana, que mais
tarde, às vésperas da Independência do Brasil, teria influído na desastrada política das
Cortes portuguesas de “recolonização” do Brasil e consequente restauração do monopólio,
acarretando o rompimento político definitivo.
O descobrimento do ouro foi responsável pelo que se pode denominar de “segundo
processo de colonização e povoamento” da colônia, pelo deslocamento do eixo econômico
do Nordeste-Bahia para o sul e por tudo o mais que disso resultou. No campo político-
administrativo do Brasil, a iniciativa particular cedeu terreno à crescente intervenção do
Estado na vida colonial. Em 1709, a Coroa reverteu as terras de Pero Lopes de Sousa,
a Capitania de Santo Amaro, e de sua união com a Capitania de São Vicente, criou a
Capitania de São Paulo e Minas de Ouro. Foi neste momento que a capitania alcançou
sua maior extensão territorial em virtude das entradas bandeirantes. Porém, já a partir
de 1720, recém criada capitania começou a gradativamente ser desligada das regiões
das Minas Gerais (1720), do Rio Grande de São Pedro (1738), de Goiás (1744) e de

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 8 135


Mato Grosso (1748), dando origem assim as novas capitanias e, desta forma, reforçou e
garantiu a reivindicação do uti possidetis em 1750 (Figura 4).

Figura 4: O território da Capitania de São Paulo | 1700 – 1853. Fonte: Honório de Sylos, São Paulo e
seus caminhos. São Paulo: McGraw-Hill, 1976, p.7.

A Capitania de São Paulo, durante todo esse tempo, teria desempenhado a função
de fronteira, de fortaleza contra as pretensões castelhanas, função, que, aliás, lhe coube
durante boa parte do período colonial (Ellis, 1972).
A cidade de Santos, por sua vez, pela situação de porto marítimo de entrada das minas,
passou a fazer parte da jurisdição do Rio de Janeiro desde os primórdios do século XVIII,
tal a preocupação do governo português de que por ali se desencaminhassem os tesouros
do sertão. Este fato, Afonso de E. Taunay (1939) denominou de a “extraterritorialidade”
de Santos”.
Entre 1748 e 1765, a capitania de São Paulo perdeu autonomia e subordinou-se a
capitania do Rio de Janeiro. Sua restauração ocorreu em 1765, através de duas Cartas
Instrutivas do Marques de Pombal. Restaurada a Capitania de São Paulo, serviu, sob a
administração do Morgado de Mateus, que também cuidou de reerguê-la economicamente,
aos planos militares do governo lusitano. Parte daí o incremento à lavoura da cana de
açúcar na região, apontada por Afonso de E. Taunay (1939), e estudada por Maria Theresa
Schorer Petrone (1968). Lavoura que antecedeu, promoveu aberturas e marcou rumos
para a cultura do café, fator do enriquecimento da Província de São Paulo, já no século
XIX, de progresso do país e de fundamental importância para a cidade de Santos.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 8 136


4 | SANTOS E A IDEIA DE UM BRASIL | 1808 - 1867

Historicamente, o Brasil torna-se independente de Portugal com a chegada da família


real portuguesa. Em 1808, sob a ameaça de Napoleão, a família real portuguesa deixou
seu país. Este evento modificou radicalmente a situação brasileira, país que de colônia
torna-se metrópole. A política tornou-se complexa e centrada no Rio de Janeiro, muito
mais próximo de Santos do que a antiga capital da colônia localizada em Salvador, cidade
desprezada pela coroa portuguesa. A realeza em território brasileiro, representada por
Dom João VI, decidiu pela abertura dos portos para as “nações amigas”. A aceleração
das mudanças no Brasil resultantes da vinda da corte e o crescimento de um espírito
nacionalista levaram a independência em 1822, com o estabelecimento imperial de D.
Pedro I, filho de D. João VI.
Foi nesse período de ebulição, que a incipiente cultura do café, iniciada no Rio
de Janeiro se deslocou rumo a São Paulo, dinamizando a economia da região sudeste
brasileira. Em 1817, é fundada a primeira fazenda de café de São Paulo, no vale do rio
Paraíba do Sul, e, após a Independência do Brasil, o cultivo de café ganhou ainda mais
força nas terras da região do Vale do Paraíba, enriquecendo rapidamente as cidades da
região e gerando uma oligarquia rural. Entretanto, a exaustão dos solos do Vale do Paraíba
e as crescentes dificuldades impostas ao regime escravocrata levaram a uma decadência
no cultivo do café a partir de 1860 e o Vale vai se esvaziando economicamente enquanto
o cultivo do café migra em direção ao Oeste Paulista, substituindo o plantio da cana-de-
açúcar e se utilizando de sua ainda precária infraestrutura. Este fato acarretou grandes
mudanças econômicas e sociais.
Em 26 de janeiro de 1839, a então Assembleia Provincial, aprovou uma lei que
elevava a Vila de Santos à condição de cidade. Este fato, demonstrou a importância que
seu porto começava a exercer neste novo cenário, reforçado pelo papel que o santista
José Bonifácio tinha desempenhado na Independência do Brasil. Entretanto, agora na
condição de cidade, Santos ainda não tinha se desvencilhado de seus traços coloniais
(Figura 5), panorama este, que se altera com a expansão do café pelo Oeste Paulista e
da chegada da ferrovia.
A São Paulo Railway Company (SPR), financiada com capital inglês, foi a primeira
ferrovia construída em São Paulo, e a segunda no Brasil. Sua construção se iniciou em
1860 e sua inauguração aconteceu em 1867, ligando a cidade de Santos a de Jundiaí,
passando pela cidade de São Paulo, alterando a paisagem urbana da província à medida
que percorria os seus 159 Km. Neste momento, a centralidade da cidade de São Paulo
foi fortalecida propiciando o surgimento das primeiras fábricas e indústrias e a função
portuária da cidade de Santos como sua a mola propulsora.
A economia paulista experimentava um desenvolvimento com proporções nunca
vistas antes. O café, em sua expansão para o oeste, transpôs a cidade de Campinas

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 8 137


e nesse contexto de efervescência econômica, a estrutura dos meios de transportes se
redefiniu: em 1867, a São Paulo Railway ligava Santos à Jundiaí; em 1872, a Companhia
Paulista comunicava Jundiaí a Campinas; no mesmo ano, a Mogiana passou a ligar São
Paulo ao nordeste paulista; um ano depois, a Companhia Ituana ligou por meio de trilhos
Jundiaí e Itu; e a Sorocabana, em 1875, articulou a cidade de São Paulo à região de
Sorocaba e ao antigo caminho para o Sul.

Figura 5: Pianta del Porto di Santos, 1832. Fonte: David Rumsey Map Collection.

O desenvolvimento da economia cafeeira não teria sido possível sem as estradas


de ferro. As estradas de ferro encurtaram as distâncias. Se a expansão da cafeicultura
impulsionou a criação das ferrovias paulistas, o desenvolvimento das estradas de ferro
contribuiu para a expansão da economia cafeeira, do capital cafeeiro, na formação de
sua burguesia e como porta de entrada para a imigração na substituição da mão de obra
escrava.

5 | SANTOS E A ORGANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO BRASILEIRO | 1867 A 1930

A organização do território, como estratégia de conectar de maneira mais eficiente


o Brasil ao mundo teve seu início ainda no período monárquico, porém, foi com a
proclamação da República que este processo se intensificou. No agora estado de São
Paulo, a estruturação regional decorreu fortemente da formação de um eixo de transporte
e de suas derivações que acompanharam a expansão cafeeira, estabelecendo desta

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 8 138


forma, uma rede básica de cidades: Santos (porto) - São Paulo (centro administrativo) –
Campinas (região produtora) (Figura 6).

Figura 6: Carta geral do Estado de S. Paulo, 1915. Fonte: Biblioteca Nacional.

Porém, foi somente a partir de 1892, que as reformas institucionais do governo


central começaram efetivamente a pautar as ações do governo estadual em direção das
intervenções urbanas. O saneamento e o melhoramento das cidades se tornaram prioridade
para o combate das epidemias e torná-las palco adequado para o fluxo de investimentos. Por
estes motivos Santos, São Paulo e Campinas foram, num primeiro momento, priorizadas
pela política do governo estadual. Uma característica dos melhoramentos levados a
cabo na cidade de São Paulo foi a implantação maciça de obras de infraestrutura para
a urbanização de áreas já consolidadas. No caso de Santos, por ser palco de disputas
políticas, isso se deu de maneira inversa, e desta forma, a cidade moderna e salubre que
se pretendia construir foi pensada e debatida antes da implantação da sua infraestrutura,
permitindo desta maneira a criação de uma forma urbana essencialmente planejada de
grande contribuição para o pensamento urbanístico brasileiro.
Nesse início de república, a modernidade era almejada por políticos e intelectuais e
acompanhar o fluxo do progresso significava adequar-se ao ritmo da economia e padrões
culturais ditados pelos países da Europa Ocidental. Isso também se fez presente no
urbanismo, onde as experiências europeias, como as reformas urbanístico-sanitárias
empreendidas por Georges Eugène Haussmann em Paris, serviram de modelo e ponto
de partida para as reformas de importantes cidades brasileiras, como no caso do Rio de
Janeiro, São Paulo, Manaus, Belém, Porto Alegre e Recife. Porém, este fenômeno, o

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 8 139


programa de melhoria e reforma urbana, se estendeu para todos os pequenos núcleos
urbanos do Brasil que dispunham de capitais para realizá-lo, conforme observou Nestor
Goulart Reis (1968).
No caso de Santos, considerada por alguns autores como extensão da capital do
estado, a cidade de São Paulo, em função da enorme importância que seu porto alcançou
com a chegada da ferrovia, também se tornou um local prioritário para o estabelecimento
das reformas urbanas. E Saturnino de Brito as fez.
O Plano de Saneamento de Santos, elaborado pelo engenheiro sanitarista Saturnino
de Brito, é ao mesmo tempo a obra de maior significado para a engenharia sanitária e
de enorme contribuição para o pensamento urbanístico brasileiro. Santos, na virada do
século XIX, enfrentava ao mesmo tempo problemas de epidemias, de saúde pública e a
pressão exercida pelo crescimento urbano impulsionado pelo principal porto brasileiro
exportador de café

Figura 7: Saneamento de Santos: drenagem superficial, 1905. Fonte: Novo milênio.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 8 140


Figura 8: Santos (Estado de S. Paulo, Brasil): planta e projectos, 1910. Fonte: Arquivo do Estado de
São Paulo.

Como respostas a estas questões, Saturnino de Brito atuou em dois momentos. No


primeiro, respondendo as questões sanitárias, de inundação e de drenagem das áreas
pantanosas entre a cidade histórica e a baía. Para tanto, sua equipe adotou o sistema
separador completo ou absoluto, já indicado por Estevan Fuertes em seu plano de 1895.
Nesse sistema os esgotos sanitários e as águas pluviais são transportados em redes
próprias, não conectadas entre si. Com essa escolha foi possível conceber canais de
drenagem abertos, em oposição às soluções adotadas nas cidades europeias, e a eles
associar parques lineares com funções estéticas, ambientais e de recreação (Figura 7).
No segundo momento, dedicou-se ao projeto urbanístico elaborado em 1910. Percebe-
se nesta proposta, a ressonância do ideário de Camillo Sitte, em contraponto ao de
Haussmann. O plano de Saturnino de Brito, contemplava as características topográficas,
tramas e traçados. Nos terrenos de elevada declividade, situados a oeste da cidade,
ao invés de sua ocupação, como em 1896 propôs o plano não executado da Câmara
Municipal, sugeriu a implantação de parques e de uma via de contorno. Como a maior
parte da área de expansão da cidade situava-se em terrenos planos, Brito propôs uma
trama urbana regular sem, entretanto, cair na rigidez de uma malha uniforme e contínua.
Ele justifica seu traçado pela facilidade que oferece à implantação das redes de água e
esgotamento sanitário e pluvial. Entretanto, o traçado regular domina apenas as áreas
não ocupadas, respeitando, em diferentes partes do plano, os traçados preexistentes

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 8 141


(Figura 8).
Em síntese, o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX tiveram
como marca a intensificação da organização e a modernização do território brasileiro,
principalmente na região sudeste do país, onde houve a expansão da economia cafeeira,
a construção de ferrovias e a modernização urbana. Esse também foi o período em que
a engenharia e o incipiente urbanismo brasileiro contribuem para o debate e construção
do futuro nacional. A cidade de Santos retrata bem este fenômeno. Saturnino de Brito,
engenheiro e urbanista, desempenha um papel de destaque neste contexto pela sua
capacidade de reflexão, inovação e pesquisa. A profundidade na forma que Saturnino de
Brito trata temas como crescimento, integração, evolução, preservação e respeito foram
algumas de suas contribuições que ainda permanecem atuais no Brasil.

6 | ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Houve três períodos marcantes no desenvolvimento da cidade de Santos, que


coincidem com as transformações ocorridas no Brasil e no mundo, todos de fundamental
importância para o desenvolvimento do país.
No primeiro período, o mais longo, abrangendo três séculos de história, deu-se no
decorrer do período colonial até a chegada da família real portuguesa ao Brasil. Neste
período, nota-se não somente a expansão geográfica e a conquista territorial brasileira,
mas também a formação da classe mercantil nacional, subproduto da descoberta do ouro
no século XVIII. A cidade de Santos, neste momento, desempenhou principalmente a
função de porta de entrada do Sertão, isso em função de sua condição portuária e de sua
interligação a uma rede de caminhos que adentravam o país em busca de riquezas.
No segundo, período relativamente curto, entre 1808 e 1867, deu-se a formação
do Estado no Brasil, embora ainda a ideia de nação não se fizesse completa. Porém
foi somente a partir da atuação do Estado, tese defendida por Bresser-Pereira, que se
pavimentou o caminho para que o país de desenvolvesse. O Brasil, agora como um
país independente, necessitava melhor integrar seu território e sua produção ao sistema
capitalista mundial. Nesse contexto a cidade de Santos ganhou cada vez mais importância
para o escoamento da incipiente e promissora produção cafeeira da província de São
Paulo e, para isso, a técnica se mostrou uma importante aliada para estes novos tempos.
Desta forma, o país começou a implementar estradas de ferros como forma de dinamizar
as suas exportações.
No terceiro, a partir da inauguração em 1867 da estrada de ferro que ligava Santos
a Jundiaí, a São Paulo Railway, durou até 1930, uma ano após a crise de 1929, que
como consequência acarretou o fim da Primeira República Brasileira por meio de uma
revolução. Nesta fase consolidou-se o eixo Santos-São Paulo-Campinas como uma rede

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 8 142


de cidades importantíssimas para o desenvolvimento da província e, posteriormente, com
a proclamação da República, do estado de São Paulo. A cultura do café, por esta ocasião,
estendia-se por todo o Planalto Paulista, atingindo até algumas áreas da Baixada Santista,
pressionando as autoridades para a necessidade de ampliação e modernização das
instalações portuárias e a criação de uma estrutura eficiente capaz de escoar a produção
em maior escala e rapidez. A cidade de Santos por estar em uma das pontas desta rede,
a que ligava o estado de São Paulo ao mundo, transformou-se desta forma na principal
porta de saída das exportações regionais e, por seguinte, brasileiras.
Foi também no alvorecer da República, ainda no século XIX, que se teve o início
de uma fase de grande importância na organização urbana das cidades, da aproximação
entre instalações portuárias e do tecido urbano em expansão e explica uma nova relação
cidade-porto pelo viés da urbanização. E em Santos isso não foi diferente.
Já o século XX foi marcado por novas potencialidades entre as cidades portuárias,
pautadas em empreendimentos urbanos que vão construindo o espaço da cidade industrial
mudando o perfil da economia nacional, antes ancorada na produção agrário-exportadora.
E o Sudeste apresentou-se como o locus de expansão da industrialização, mudando o
perfil das cidades e seus portos. Nesse contexto, a cidade de Santos sofreu grandes
alterações, obras de estruturação e o aparelhamento de seu porto aliadas ao saneamento
da cidade numa concepção de reforma urbana através da qual se organizaram o espaço
portuário e a modernização da cidade numa associação funcional e espacial direta entre
cidade e porto.

REFERÊNCIAS
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Universidade de São Paulo, 2011.

BERNARDINI, Sidney Piochi. Os planos da cidade: as políticas de intervenção urbana em Santos – de


Estevan Fuertes a Saturnino de Brito (1892-1910). São Carlos: RiMa: FAPESP, 2006.

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. As duas fases da história e as fases do capitalismo. Textos para
Discussão da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, Texto para
Discussão 278, mai. 2011.

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XXI. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1944.

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1997.N

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administrativa da Capitania de São Paulo. Primeiro Congresso de História de São Paulo, Campinas, jul. 1972.

FARIA, Luiz Henrique Portela; PEREIRA, Maria Apparecida Franco (Org.). Santos na modernidade
capitalista (1870-1930): novas abordagens e releituras de velhas fontes. São Paulo: e-Manuscrito, 2019.

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FURTADO, Celso. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009.

KEATING, Vallandro; MARANHÃO, Ricardo. Caminhos da conquista: a formação do espaço brasileiro. São
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LOPEZ, Adriana; MOTA, Carlos Guilherme. História do Brasil: uma interpretação. São Paulo: SENAC, 2008.
PETRONE, Maria Thereza Schorer. A lavoura canavieira em São Paulo. São Paulo: Difusão Européia do
Livro, 1968.

REIS FILHO, Nestor Goulart. Evolução urbana do Brasil. São Paulo: Livraria Pioneira Editora: Editora da
Universidade de São Paulo, 1968.

TAUNAY, Afonso d’Escragnolle. História do café no Brasil. Rio de Janeiro: Departamento Nacional do Café,
1939. 15 v.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 8 144


CAPÍTULO 9
doi

PATRONES DE LOCALIZACIÓN E INSTALACIÓN


DE INFRAESTRUCTURA RELIGIOSA CATÓLICA EN
SANTIAGO DE CHILE. 1850 – 1950

Data de aceite: 05/07/2020 acción de la Iglesia Católica como un agente


Data de Submissão:05/06/2020 urbano que se insertó en las formas de vida
de los habitantes, dibujando la ciudad (Cisoc,
1999). Relación iglesia y ciudad que ha variado
Mirtha Pallarés-Torres en el tiempo, definiendo nuevos patrones y
Facultad de Arquitectura y Urbanismo de la
relaciones en el espacio urbano, conservando
Universidad de Chile
el modo de producción e instalación, orientado
Santiago, Chile
a los objetivos de evangelizar de la iglesia y sus
https://orcid.org/0000-0003-3867-1187
congregaciones, ajustado por la postura de los
Maria Eugenia Pallarés-Torres
Facultad de Arquitectura y Urbanismo de la
fieles sensibilizados por los cambios sociales y
Universidad de Chile culturales propios del progreso y la evolución.
Santiago, Chile PALABRAS CLAVES: Patrones de localización,
https://orcid.org/0000-0001-6433-2854 Trama urbana, Infraestructura religiosa católica
Jing Chang Lou
Facultad de Arquitectura y Urbanismo de la
Universidad de Chile LOCATION AND INSTALLATION
Santiago, Chile PATTERNS OF CATHOLIC RELIOGIOUS
https://orcid.org/0000-0002-8060-3180
INFRASTRUCTURE IN SANTIAGO DE

CHILE. 1850 - 1950

RESUMEN: Se analiza la localización de las ABSTRACT: The location of buildings destined

edificaciones destinadas al culto religioso católico for Catholic religious worship in the development

en el desarrollo y crecimiento de la ciudad del and growth of the city of Santiago de Chile

Santiago de Chile entre los años 1850 y 1950. between the years 1850 and 1950 is analyzed.

La revisión considera la perspectiva histórica The review considers the historical perspective

en la evolución de la ciudad y la relación de on the evolution of the city and the relationship

los fieles con el territorio urbano, identificando of the faithful with the urban territory, identifying

los patrones de localización y su efecto sobre the location patterns and their effect on the

el desarrollo de la ciudad, lectura que marcó la development of the city, reading that marked the

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 9 145


action of the Catholic Church as an urban agent that was inserted into the lifestyles of the
inhabitants, drawing the city (Cisoc, 1999). Church and city relationship that has changed
over time, defining new patterns and relationships in the urban space, preserving the mode
of production and installation, oriented to the objectives of evangelizing the church and its
congregations, adjusted by the position of the sensitized faithful for the social and cultural
changes typical of progress and evolution
KEYWORDS: Location patterns, Urban layout, Catholic religious infrastructure

1 | INTRODUCCIÓN

La organización del espacio en la ciudad se relaciona con su origen y evoluciona en


función de los procesos históricos acontecidos en los diferentes períodos de producción;
es por ello que al percibir la expresión de ciudad de hoy, indudablemente se reconoce
la relación con su gestación, incluyendo las variable de localización y de conveniencia,
donde los objetivos de implantación están directamente relacionados con la razón de los
asentamiento y sus órdenes, los cuales suelen responder a la intensión de un organismo
gestor, como por ejemplo las razones de Estado, que conllevan a un determinado
emplazamiento y planeamiento de los enclaves urbanos en el que adquieren relevancia
los trazados y diseños, ajustados a las formas de poder que en los distintos escenarios
se originaron. Es decir, el espacio entendido como un producto social, por ende, las
significaciones que genera se relacionan con una determinada estructura social histórica
o modo de producción (Lefebvre, 2003)
La comprensión espacial de la ciudad de Santiago como las razones que la llevaron a
ser fundada forjaron un patrón de diseño que pudiendo ser similar a otras, es significativa y
única en la particularidad (Pallarés, 2003). En ella se refleja un asentamiento que ha vivido
distintas instancias de poder, donde inicialmente primó la dominación desde lo estratégico,
pasando por lo político, económico, social, cultural y religioso, lo que ha permitido
construirla en el tiempo y reconocerla en cada uno de los períodos de intervención, que la
modificaron y condicionaron, llegando a convertirla en un collage de fuerzas capaces de
materializarse en la expresión que presenta. Ciudad que se percibe y se vincula con sus
orígenes y con las exigencias que el crecimiento impuso sobre el tejido fundacional en lo
urbano y social.
En el ámbito urbanístico la localización de los lugares de culto de la religión católica
fue significativa y relevó la impronta de la institución en la trama urbana, señalando la
acción colonizadora de la evangelización, cuya presencia en el territorio fue un imperativo
político, que en el tiempo migró hacia intereses que dependiendo de las circunstancias se
transformaron en ejes conductores de la sociedad. La religión como categoría fundamental
de la vida individual y social fue parte de las relaciones de poder de las formaciones
sociales y de la identidad de las colectividades, dando cuenta a través de la localización
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 9 146
de sus templos de los objetivos y razones de su instalación, habitualmente tendiente a la
evangelización o a la custodia y atención de los feligreses (Pallarés, 2015).
Durante el período de estudio en Santiago de Chile se produjeron una gran cantidad
de edificaciones destinadas al culto de la religión católica, probablemente auspiciadas
por la favorable condición económica del país, pero principalmente debido a la situación
de la institución en una época de conflictos, demandó estrategias de posicionamiento
entre las que indudablemente estuvo la construcción de edificios y distintas instalaciones
destinadas a acoger necesidades y ocupar territorios. El espacio público cobró interés
y se transformó en el motor de los cambios e identificaciones de la escala de la ciudad,
estableciendo un nuevo modelo urbano, donde las distintas corrientes europeas se
manifestaron en el hacer arquitectónico, cambiando la imagen tradicional colonial de la
ciudad. Proceso que se apoyó en la estructura existente, densificando la manzana a través
de su subdivisión o mayores alturas, situación que dio origen a nuevas concepciones
espaciales, posibles de desarrollar al contar con medios materiales e intelectuales que
lo facilitaron. Es en este contexto, se construyeron un número importante de edificios
destinados a acoger la infraestructura religiosa católica, ubicándose en localizaciones
estratégicas con edificaciones monumentales para la época. Para Gaete (1986) iglesias y
ciudades evolucionan juntas, ya que tanto sus ideas como su organización pueden tener
un rol importante respecto a la forma en que el hombre ocupa y moldea el paisaje.

2 | OBJETIVOS DE LA INVESTIGACIÓN

Descubrir las variables de localización e instalación que condicionaron la producción


religiosa católica del período de estudio, a fin de explicar los patrones de implantación y
la huella que dejaron en el desarrollo de la ciudad.

3 | METODOLOGÍA DE LA INVESTIGACIÓN

Investigación de carácter exploratorio que demandó recursos documentales y trabajo


de campo. Para la realización del trabajo documental se recurrió a bibliografía de corriente
principal y secundaria, como también a registros de instituciones públicas y privadas que
permitieron evidenciar en forma parcial las producciones del período de estudio. Las fuentes
más expeditas de información fue la empresa encargada del suministro sanitario, ya que
la provisión del servicio que entrega está directamente condicionada por la localización y
caracterización de la recepción, lo que exige de información y actualización permanente
de uso y función, indagación de gran utilidad para la construcción de la historia de los
sitios e instalaciones. En el caso de edificios que cuentan con una categorización de valor
patrimonial, se pudo revisar la información que se encuentra disponible en el Consejo de
Monumentos Nacionales, dependientes del Ministerio de Educación.
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 9 147
Las bases de datos de producción del período de estudio se construyeron desde
registros públicos complementados con información de campo. Para visualizar la impronta
sobre el territorio se usó un sistema de georreferenciación que permitió instalar sobre la
planimetría las producciones.

4 | DISCUSIÓN Y RESULTADOS

Reflexionar acerca del lugar que ocupa en el espacio las edificaciones destinadas
al culto católico en la ciudad de Santiago y las razones que llevaron a producirlas fue la
inquietud que se intentó dilucidar, fundamentalmente porque la memoria de las ciudades
son un conjunto de relaciones que se establecen en un espacio que el hombre acondiciona
en el tiempo, siendo factible descubrir desde sus intervenciones, las cuestiones que las
motivaron y la manera como las utilizaron.
Del estudio se desprende que la impronta de la instalación estuvo definida por
acciones asistenciales y por la construcción de edificaciones que dieron identidad al
permitir la individualización zonal, estrategia o casualidad, obviamente son muchas las
respuestas, aunque con una sola evidencia, las edificaciones construidas por la iglesia
católica fueron parte de la instalación fundadora de la ciudad, por lo que han estado
presentes desde entonces, para luego y dependiendo de los tiempos asumir y recoger
los cambios sociales, políticos y culturales, a fin de conservar el nivel de dominio que
siempre han tenido y desde la perspectiva de la concepción espacial e impronta territorial.
Son construcciones objetivas que aportaron significancia, imaginación, imaginarios,
experiencias y utopías (Hidalgo, 2012), en el tiempo las tipologías edilicias variaron
acomodándose a las circunstancias y a las sensibilidades, pero manteniendo presencia,
e intentando abarcar todas las oportunidades de localización, y convocar a todos los
potenciales usuarios.
La cobertura de la ocupación abarcó no sólo el territorio urbano, sino que también se
anticipó instalándose en zonas rurales donde existía presión por cambio de uso, sirviendo
como avanzada de consolidación del proceso de urbanización que se preveía y que
orientaría los ejes de crecimiento de la ciudad.
La variación en la estrategia de sostenimiento del ministerio asociado a la impronta
sobre el territorio estuvo condicionada por los sucesos que vivió la religión católica y que
alteraron su proceso de evangelización. En este contexto la iglesia orientó la detección
de potenciales fieles en la participación que le cupo en el período de independencia y
posterior república, concentrando sus edificaciones en el casco histórico de la ciudad,
para posteriormente en el siglo XIX proyectar su presencia a los espacios ocupados por la
clase dirigente, tendencia modificada desde los albores del siglo XX a partir de la difusión
de la Encíclica Rerum Novarum en 1891, que se conoció como doctrina social de la Iglesia
(Hidalgo, 2012)
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 9 148
Inicialmente los elementos que definieron la trama urbana de la ciudad de Santiago
estuvieron condicionados por la red de comunicación, además de las dimensiones y el
tratamiento del espacio público, la división predial, la modalidad de implantación y la altura
de construcción. La red de comunicación definida por el tejido ortogonal de calles con
orientación norte - sur y oriente - poniente, con patrones geométricos de formas simples
y regulares definieron manzanas cuadradas con un orden lineal riguroso, con la plaza
como centro de poder, útil para la defensa militar y de fácil orientación. A partir de ella
la ciudad creció y se construyó en la medida que las condiciones sociales y económicas
lo permitieron, con un crecimiento urbano concéntrico que albergaba en los anillos más
cercanos a la plaza a las familias nobles, más alejados se localizaban los grupos de
menores recursos y en las afueras los pobres y desposeídos. El orden social se trasladó
a una realidad física mediante un modelo que representó jerarquía división y raciocinio,
que debía convertirse en un foco de irradiación para la región circundante, como las
ondas concéntricas producidas al arrojar una piedra al agua y el beneficio que siente su
alrededor en forma proporcional a la distancia que los separa (Guarda, 1968)

Figura 02: Atlas cartográfico del Reino de


Figura 01: Prospectiva y planta de la ciudad Chile, siglos XVIII y XIX.
de Santiago. Fuente: Instituto Geográfico Militar de Chile
Fuente: A. de Ovalle 1646

Situación que quedó reflejada en los mapas que marcan límites y definen territorios
indicando pertenencia, e individualizando a su dueño y retratando lo que alguna vez
existió en un determinado lugar de la ciudad, como forma y símbolo de una relación
social integrada, donde la experiencia humana se transforma en signos visibles, símbolos,
normas de conducta y sistemas de orden (Mumford, 1945) En este escenario, el espacio
religioso católico tuvo un lugar preponderante que se manifestó en la cantidad y tamaño
de los territorios que estaban en poder de los eclesiásticos, situación representada en

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 9 149


mapas como un recordatorio para la memoria que rebela los cambios que ha sufrido la
ciudad de Santiago (Pallarés, 2018).
Los mapas dan cuenta de los logros que obtenía día a día la Corona, lo que se
observa en el retrato de la ciudad realizado por diversos autores en distintos períodos,
donde se observa la directa relación entre las estructuras fundamentales en las que se
distribuía el poder y la organización de la sociedad. Se trata de representaciones del
territorio correspondientes con la imagen de ciudad que quería proyectar cada autor,
cuyas motivaciones no siempre coincidían, por lo que los resultados difieren, sin embargo,
coinciden en que la localización de la iglesia está presente en todo el territorio, en el
centro de la Capital, al otro lado de la cañada, al norte del río Mapocho y en el cerro Santa
Lucía, desde donde se veía y dominaba la ciudad. La iglesia católica era la institución
social más poderosa, no solo por el control que ejercía en la educación, la organización
familiar y las costumbres, sino que también por su influencia en las esferas de gobierno,
y la presencia que tenía en el territorio.
Con la Independencia y la llegada de la República se produjeron divisiones no solo
en la esfera civil y gubernamental sino también en el ámbito religioso, que manifestaron
sus discrepancias al modelo, las que repercutieron en la relación de la iglesia con la
sociedad, disminuyendo su prestigio y llevándola a un período de crisis. La razón que
fundamentaba la relación era el derecho unilateral a Patronato, que concedía un fuerte
control del Estado sobre la Iglesia católica. Situación que provocó el distanciamiento de
ambas instituciones, sin embargo, a partir de 1831 se produjo un acercamiento que se
fundamentó con el ascenso al poder de los conservadores y por la promulgación de la
Constitución de 1833, que establecía que la religión del Estado de Chile era la católica
apostólica y romana, con exclusión del libre ejercicio público de otro culto. La unión tuvo
como resultado una serie de beneficios para el clero, a cambio de imponer su obediencia
y lealtad a la nueva realidad política, lo que resultó ventajoso para ambas instituciones,
ya que el control que aplicaba la iglesia respecto de la moral y buenas costumbres resultó
ser un apoyo en la implementación de políticas conservadoras y autoritarias.
Sin embargo y a pesar de que un porcentaje mayoritario de la población era católica y
estaba de acuerdo con lo establecido, existían detractores conocidos como “anticlericales”
que no compartían el predominio de la iglesia católica, rechazando y cuestionando
su injerencia en temas de carácter político social y con una sociedad en progresiva
secularización. Esto sumado a la presencia de colonias extranjeras con otros credos que
no podían practicar, llevó al Estado a introducir una serie de excepciones en la legislación
para acoger prácticas distintas al catolicismo conocidas como la ley interpretativa de 1865,
que permitía el derecho privado de otros cultos admitiendo fundar y sostener escuelas
privadas para educar a los hijos de personas que profesaban otros credos, además de las
denominadas “leyes laicas” que incluyó la ley de cementerios laicos, la ley de matrimonio
civil y la ley de registro civil, todas funciones a cargo de la iglesia que pasaban a manos
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 9 150
del Estado, reduciendo el poder eclesiástico y marcando la futura separación Iglesia -
Estado, situación que se concretó oficialmente en la Constitución de 1925.
Con la instauración de la ciudad republicana el poder se mantuvo en la alta aristocracia
y el desarrollo urbano se apoyó en la estructura existente a través de la densificación de
la ciudad, con la subdivisión predial y el aumento en la altura de la edificación, la ciudad
creció permitiendo la generación de distintos barrios, siendo determinante la acción del
Estado que habilitó sectores a través de la construcción de obras públicas y la acción
de particulares o grupos sociales que tenían el monopolio de tierras tanto urbanas como
agrícolas. Ellos se dedicaron a crear empresas para subdividir las tierras que eran de su
propiedad en solares de distintas dimensiones, para luego ponerlas a la venta. Loteos
que se estructuraron siguiendo la traza horizontal en forma de damero del trazado del
Santiago colonial, así con la adquisición de algunos predios rurales que colindaban con
la ciudad permitiendo la creación de barrios que reportaron importantes utilidades a sus
antiguos propietarios (De Ramón, 1985)

Figura 03: Iglesias de Barrios y patrones de localización.


Fuente: De los autores

Período caracterizado por un desarrollo desequilibrado que dividió a la ciudad en


centros dominantes y periferias subordinadas, ocupación sectorizada mediante unidades
básicas “Barrios” acordes a las familias que los habitaban, siendo reconocibles por
localización y morfología, asociación importante que permite la unión de miembros de
una misma clase, cofradía o comunidad local (Claval, 1982). Escenario que transformó
a Santiago en una sumatoria de partes reconocibles que recogieron el desarrollo de
distintas unidades urbanas, transformándose en lugares con identidad y reconocibles por
morfología e hitos urbanos, lugares caracterizados por la presencia de templos católicos.
Los edificios de culto católico se localizaron en todo el territorio, extendiéndose en
todas las zonas de ocupación residencial, y en ocasiones anticipándose a la densificación.
Situación caracterizada en sus inicios por un proceso de desarrollo lento y progresivo,
estructurado en base a manzanas residenciales de baja altura que cohabitaron con

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 9 151


edificaciones mayores en dimensión y altura, con programas de culto y prácticas
religiosas, las que operaron como unidades distintivas en el lugar en que se implantaron,
constituyéndose en los elementos de control y desarrollo de la periferia.
La ciudad creció y se desarrolló primero hacia el poniente, luego hacia el sur. En el
área norte el río Mapocho se transformó en una barrera lo que implicó un crecimiento mayor
en esa dirección. En sus márgenes, surgieron barriadas miserables, ocupadas por una
población marginal, con migrantes del mundo rural o minero. Esta situación demandó de
un plan de ordenamiento para la ciudad y la creación de límites para regular el crecimiento
urbano. Medida que hizo efectiva el Intendente de la ciudad de Santiago Benjamín Vicuña
Mackenna en 1872 a través del Camino de Cintura. Primer Plan Regulador que estableció
un límite que bordeaba el centro de la ciudad por sus cuatro costados, fuera del cual se
prohibía la construcción de calles y viviendas. Los bordes eran para acoger chacras y
quintas con árboles que sirvieron para contener las infecciones.
La llegada e instalación de diversas órdenes religiosas destinadas a servir a una
población más numerosa, generó nuevas relaciones de subdivisión y orden de la trama
urbana y de la manzana, lo que estuvo directamente relacionado con el emplazamiento
de la infraestructura religiosa, donde la variedad de localizaciones que la iglesia católica
ocupó en la estructura urbana de la ciudad colonial, se complejizó y se transformó al acoger
sobre la misma estructura a la institución Estado secularizado, evidenciando el paso de la
ciudad colonial de los conventos, a la ciudad republicana de los edificios públicos; cambio
cultural y social que se manifestó en la arquitectura, ciudad y paisaje, modificando el tejido
urbano y haciéndolo cada vez más apto a los nuevas demandas sociales.
De la revisión de los registros del Arzobispado de Santiago se concluyó que en
1850 había diez y ocho edificios de culto católico, cinco de los cuales se localizaban en
la periferia no desarrollada y correspondían a recintos asociados a congregaciones que
desarrollaban el territorio con destino agrícola, o haciendas que contaban con un recinto
destinado a la oración de los hacendados y sus trabajadores. Lo que evidenció que la
incorporación de recintos destinados al culto con acceso público era sólo una parte de las
propiedades de la Iglesia, existiendo también recintos privados en los que se podía ejercer
el culto. Durante el período de estudio, no sólo la ciudad se extendió considerablemente,
sino que fue significativa la producción de instalaciones destinadas al culto católico. A
fines de 1950 había un total de ciento treinta y cinco templos, lo que significa que en el
período se construyeron ciento diez y siete.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 9 152


Figura 04: Crecimiento y localización de infraestructura religiosa católica. Santiago 1850 - 1950.
Fuente: De los autores

En la Figura 04 se observa que la infraestructura se localizó en el centro de la ciudad


con una mayor concentración, en la periferia, al sur bordeando la cañada y al norte al otro
lado del río Mapocho, en 1900 se produjo un aumento de la infraestructura conservando
la lógica de distribución de la localización. Aumento que obedeció a la ocupación de
espacios libres entre zonas pobladas, densificación de la trama y crecimiento en el sentido
poniente, norte y sur. En 1950, último período del estudio, se observó un aumento de la
infraestructura localizada principalmente en el triángulo fundacional y en menor número
en la dirección de crecimiento de la ciudad.
Con respecto al tipo de infraestructura religiosa católica fue posible detectar
conjuntos cuya complejidad varía según el dominio, que puede ser el episcopado o una
orden religiosa. En el primer caso el programa comprende la iglesia precedida por una
capilla provisoria y la casa parroquial que alberga la vivienda del sacerdote, oficinas y las
dependencias de catequesis. En el caso de las órdenes religiosas el programa contempla
el convento seguido de capilla o iglesia, la casa de ejercicios espirituales y la escuela
de primeras letras. Con respecto a los casos estudiados:
1.- Capilla, Parroquia, Basílica: producción del episcopado, corresponde a casos
localizados en zonas decrecimiento.

Ermita erigida a comienzos de S.


XVIII, localizada en la periferia
poniente, para sanear zona de pobres
Entre 1850 -1900.
y desposeídos en terrenos cedidos
Zona Poniente
por la Congregación Mercedaria. En
1883 consolidada la zona urbana se
Templo
construyó en el mismo emplazamiento
Gratitud Nacional.
la Iglesia de la Gratitud Nacional.
(1881 -1883)
Templo que conmemoró el triunfo en la
guerra del Pacífico. Fue financiada con
aportes del Estado y de particulares.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 9 153


Debido al crecimiento y desarrollo
del sector poniente según decreto
firmado por el arzobispo Don José
Entre 1850 – 1900. Alejo Eyzaguirre, el 25/08/1844, se
Zona Poniente ordenó la construcción de la Parroquia
de San Saturnino, levantándose en la
Parroquia actual ubicación una capilla de madera
San Saturnino y adobe. En 1887 fue reemplazada
(1888) por la construcción actual debido al
fuerte crecimiento demográfico y a la
situación económica de bonanza del
país. Financiación Estatal
Templo ubicado en el sector nor-
poniente del río Mapocho, conocido
como la Chimba. Lugar que se
caracteriza desde sus orígenes por
Entre 1850 -1900.
el bajo valor de los terrenos y por su
Zona Norte
ubicación estratégica, fundamentada
en la cercanía con el centro. Su
Parroquia
materialización fue producto de
Santa Filomena
numerosas acciones de beneficencia
(1892)
inspiradas en la encíclica Rerum
Novarum del Papa León XIII y la
labor del presbítero Ruperto Marchant
Pereira.
Templo ubicado en el sector sur en
terrenos pertenecientes a la familia
Ugarte-Fernández. Su gestación
obedece a la llegada de la locomotora
Entre 1900 – 1950. en 1860 a Santiago, el sector se
Zona Sur transformó, viéndose afectados todos
los terrenos vecinos a la línea del tren.
Basílica Del Perpetuo Bajo estas circunstancias en 1861 la
Socorro. (1904). familia Ugarte Fernández vendió parte
de sus terrenos y donó el resto a la
orden misionera Redentorista para la
construcción del templo en que más
tarde se convertiría en Basílica, 1926.

Tabla 01: Templos católicos del Episcopado.


Fuente: De los autores

La localización de la infraestructura religiosa católica como capillas y parroquias


estaba fundamentada en la consolidación de zonas urbanas, independientemente si
estas se encontraban ubicadas en el centro de la ciudad o en la periferia. Cada población
consolidada contaba con un lugar de culto, incrementándose el número de capillas y
parroquias al aumentar la población. Desde tiempos de la Colonia y hasta 1925 en que se
inició la intervención del Estado, para la construcción de capillas o parroquias la iglesia
adquiría terrenos a privados o recibía donaciones.
2.- Infraestructura Orden Religiosa. Se seleccionaron cuatro casos de estudio entre
1850 y 1950. Los elegidos corresponden a los ámbitos de salud, educación y casas de
acogida, donde la iglesia católica a través de las órdenes religiosas tuvo una destacada
participación.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 9 154


Capilla San Borja. Perteneciente
al primer hospital para mujeres y
construida con aportes del Estado
Entre 1850 -1900.
y de la beneficencia. A cargo de
la Orden de las Hermanas de la
Capilla
Caridad, fundada por San Vicente de
Hospital San Borja.
Paul y Santa Luisa de Marillac para
(1872)
la asistencia benéfica en hospitales
asilos y hospicios.

Conjunto formado por el monasterio,


la escuela de internas y la iglesia
como elemento central. Ubicado
Entre 1850 – 1900. en el sector sur de la ciudad en
el límite establecido por la ciudad
Iglesia del propia y la bárbara. Localización
Santísimo Sacramento. enmarcada en la subdivisión de
(1891) quintas dado por el crecimiento de la
ciudad, lo que llevó al Estado junto
a familias prestigiosas a gestionar la
transformación del entorno urbano

La iglesia forma parte de un conjunto


que alberga colegio y convento,
Entre 1850 -1900.
El terreno fue donado por el pintor
Alejandro Cicarelli y su esposa Rosa
Iglesia
Vilches, para trasladar a la Casa de
Casa de María
María a niñas de escasos recursos y
(1878)
en situación irregular las que acoge,
educa y forma en la religión

La Iglesia forma parte del colegio


particular Universitario Ingles a
cargo de las Esclavas del Corazón
Entre 1900 – 1950. de Jesús. Ubicada al nor-oriente de
la ciudad junto al río Mapocho.
Iglesia Localización elegida debido a la
Monjas Españolas. falta de infraestructura educacional
(1924). en barrios periféricos de mayores
ingresos generados por el
crecimiento de la ciudad.
.

Tabla 02: Templos católicos de Órdenes religiosas. Fuente: De los autores

La infraestructura religiosa católica se localizó mayoritariamente en la periferia de


la ciudad debido a que el servicio más importante que prestaba era la beneficencia que
era demandada por los sectores más vulnerables. En el caso del Colegio Universitario
Ingles la razón fue la necesidad de atender a nuevas poblaciones que habían emigrado
desde el centro de la ciudad a la zona oriente. La importancia de la localización periférica
se relaciona con la influencia que la iglesia ejercía sobre la población y la oportunidad

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 9 155


otorgada por el Estado

Iglesia Santísimo Sacramento Iglesia del Colegio Hispano Americano

Iglesias ubicadas al sur de la ciudad, en el área de los extramuros. La construcción obedeció


a la donación de terrenos que hizo Don Pedro Fernández Concha, propietario de la Chacra
del Carmen que subdividió y vendió parte de la propiedad. Durante la construcción se generó
una rápida urbanización de los terrenos aledaños. Respecto de los edificios, es importante
destacar la altura y configuración que permite el reconocimiento visual del conjunto desde
lejanas posiciones, logrando una identificación del sector a consecuencia de la edificación

Tabla 03: Templos extramuros. Fuente: De los autores

Actualmente, la imagen que entrega la ciudad de Santiago es la de una capital moderna


que al igual que la sociedad se encuentra segregada, lo que se evidencia a través de su
construcción en el tiempo, con un crecimiento urbano y una geografía modeladora, que
proyecta una ciudad que revela las diferencias de la sociedad que le dan especificidad,
estableciendo un orden espacial, siendo quizás uno de los más influyentes la iglesia
católica por la ocupación estratégica que hace de los territorios, instalándose en zonas
consolidadas y en zonas de potencial crecimiento, lo que orienta futuras expansiones que
identitariamente reconocerán a las edificaciones religiosas como símbolos barriales.

5 | CONCLUSIONES

El desarrollo del suelo se produjo en función de las necesidades, por lo que las
cesiones de predios que realizaba el Cabildo geográficamente se localizaban desde
el centro fundacional hacia los bordes, por lo que durante varias décadas las nuevas
instalaciones religiosas estuvieron en los límites de crecimiento, incluso superando las
barreras más relevantes del territorio que eran el Río Mapocho por el norte, la Cañada
por el sur, el encuentro de ambos accidentes geográficos por el oriente, mientras que al
poniente la principal barrera era el suelo agrícola. La transferencia de terrenos estuvo
destinada a resolver las necesidades de desarrollo del Arzobispado y de instalación de
las órdenes religiosas, que llegaron al país invitadas por la Iglesia y por los encargados de
gobierno, que vieron en estas organizaciones una importante fuente de recursos para la
evangelización, como también para asumir las tareas formativas, de acogida y de sanidad,
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 9 156
además de otras necesidades de un Estado en desarrollo.
Las características de localización de los templos fueron diversas y aparentemente
estuvieron condicionadas por intenciones, disponibilidad de recursos y oportunidad,
especialmente aquéllas que se relacionaban con la necesidad de instalar presencia
territorial, circunstancia que transversalmente afectó a instancias públicas y privadas,
como también a institucionales y particulares. La mayor concentración de producciones
se observó en la zona comprendida entre el límite del sector fundacional y el camino
de cintura diseñado por Benjamín Vicuña Mackenna en 1872, correspondió a zonas en
desarrollo durante el período de estudio, por lo que resultó evidente que la ocupación fue
por oportunidad y disponibilidad, provocando que desde la frontera pública se produjeran
edificaciones de gran magnitud e importante convocatoria destinadas a albergar
ceremonias de carácter nacional o ciudadano y otras destinadas a acoger a pequeños
grupos, siendo transversal el uso de la localización como medio para el mejoramiento del
sector, asumiendo que la construcción de un recinto de carácter religioso beneficiaría la
vecindad al crear un lugar de uso público y dotar de una impronta edilicia.
En síntesis, la implantación de los edificios de culto de la iglesia católica en el
desarrollo urbano de Santiago delineó la trama urbana, actuando como componente
de la conformación de la ciudad, marcó el inicio de zonas en desarrollo e intervino
como medio de integración en la forma de vida de los habitantes. Las edificaciones
religiosas fueron unidades distintivas en los sectores en que se localizaron, tanto por
emplazamiento estratégico como por morfología definida por torres y campanarios, que
visual y auditivamente establecieron presencia, transformándose en elementos de control
y desarrollo de la periferia y borde de la ciudad.

REFERENCIAS
CLAVAL, Paul. Espacio y poder. Traducción Martínez Hugo, México, 1982.

DE RAMON, Armando. Estudio de una periferia urbana: Santiago de Chile 1850 -1900, en: Historia N°20.
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religiones: el caso del Área Metropolitana de Santiago de Chile. EURE (Santiago), Stgo, v. 38, n. 115, p. 47-
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LEFEBVRE, Henri. La Producción del Espacio. Madrid: Ed. Capitán Swing Libros, 2003.

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PALLARES, Mirtha. Patrones Geométricos en la imagen de la ciudad de Santiago. Investigación

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 9 157


Tutelada. U.P.M. Madrid, 2003.

PALLARES, Mirtha. La arquitectura religiosa católica en Santiago de Chile 1850 - 1950: Razones de las
reminiscencias góticas. Tesis Doctoral - Universidad Politécnica de Madrid. Madrid, 2015.

PALLARES, Mirtha. Templos Católicos Neogóticos. Santiago de Chile 1850 - 1950. Santiago: Editorial
Universitaria, 2018

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 9 158


CAPÍTULO 10
doi

ESTUDO DE UM FRAGMENTO URBANO: O BAIRRO-


JARDIM CHÁCARA FLORA, SÃO PAULO

Data de aceite: 05/07/2020 porção sul do Município de São Paulo, próximo


Data de submissão: 06/05/2020 ao Largo 13 de Maio. O objetivo da pesquisa
é explicar a origem e a permanência de um
fragmento do tecido urbano, conformado dentro
Luciana Monzillo de Oliveira de determinados princípios de Cidade–Jardim,
Universidade Presbiteriana Mackenzie, Faculdade
elaborados por Ebenezer Howard (Ottoni, 1996).
de Arquitetura e Urbanismo
A investigação utiliza do estudo cognitivo de
São Paulo – SP
morfologia urbana, e a metodologia da pesquisa
http://lattes.cnpq.br/4466485917049814
apresentada faz uso de duas abordagens
Maria Pronin
Universidade Presbiteriana Mackenzie, Faculdade
que se aproximam da escola inglesa de
de Arquitetura e Urbanismo morfologia urbana, a saber, a reconstituição do
São Paulo – SP contexto histórico do período de conformação
http://lattes.cnpq.br/6055077332037143 do fragmento urbano e a análise da forma
urbana contemplando as questões referentes à
implantação no solo urbano, que são: o traçado
Texto publicado originalmente nos Anais da Conferência das vias e das quadras, a divisão dos lotes e
PNUM 2019 – Forma Urbana e Natureza, realizada em a ocupação das edificações dentro dos lotes.
Maringá entre os dias 21 e 23 de agosto de 2019.
Espera-se que os resultados obtidos auxiliem o
reconhecimento da relevância da compreensão
da gênese dos fragmentos urbanos, com seus
RESUMO: Nas grandes cidades brasileiras o diferentes padrões morfológicos, como meio
tecido urbano é composto por uma conjunção de contribuir para a leitura do cenário atual
de fragmentos com diferentes padrões e contemporâneo da morfologia urbana das
morfológicos que se conformaram em distintos cidades, principalmente de grande e médio
momentos de ocupação do território no qual porte.
está inserido. O objeto do presente estudo é PALAVRAS-CHAVE: Cidade-jardim; Santo
o Condomínio Chácara Flora, enclausurado e Amaro; Morfologia urbana; Chácara-Flora.
apartado do contexto urbano no qual se insere,
com área aproximada de 900.000 metros
quadrados, loteado em 1924. Está localizado na
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 10 159
STUDY OF AN URBAN FRAGMENT: THE CHÁCARA FLORA GARDEN GATED

COMMUNITY, SÃO PAULO

ABSTRACT: In large Brazilian cities, the urban fabric is composed by a conjunction of fragments
with different morphological patterns that have been conformed at different occupations of
the territory in which it is inserted. The current study object is the Chácara Flora Complex,
enclosed and separated from the urban context in which it is inserted, with an approximate
area of 900.000 square meters, subdivided in 1924. It is located in the southern portion of
the Municipality of São Paulo, close to Largo 13 de Maio. The research goal is to explain the
origin and the permanence of a fragment of the urban fabric, conformed according to certain
Garden City principles elaborated by Ebenezer Howard (Ottoni, 1996). The investigation
uses the cognitive study of urban morphology, and the research methodology presented
uses two approaches that are similar to the English school of urban morphology, namely,
the historical context reconstruction of the conformation period of the urban fragment, and
the analysis of urban form contemplating the issues related to the urban soil implantation,
which are: the layout of roads and blocks, the division of the plots and the building occupation
inside the plots. It is hoped that the obtained results will help recognizing the relevance of
understanding the genesis of urban fragments, with their different morphological patterns,
as a way of contributing to the reading of the current and contemporary scenario of urban
morphology in cities, especially large and medium-sized ones.
KEYWORDS: Garden City; Santo Amaro; urban morphology; Chácara-Flora

1 | INTRODUÇÃO

O tecido urbano das grandes cidades brasileiras é composto por uma conjunção de
fragmentos conformados em diferentes momentos de ocupação do território no qual está
inserido. De acordo com Panerai (2006) o tecido urbano corresponde a escala intermediária
dos elementos constitutivos das cidades e compreende a rede de vias, os parcelamentos
fundiários e as edificações, com suas diferentes tipologias. Reconhecer a formação dos
diferentes fragmentos urbanos, a partir da sua reconstituição histórica e análise de sua
forma urbana tem por objetivo contribuir para a compreensão da morfologia urbana das
cidades, principalmente de grande e médio porte.
A pesquisa utiliza do estudo cognitivo de morfologia urbana para explicar a origem
e a permanência de um fragmento conformado dentro dos princípios de cidade-jardim
(HOWARD, 1996), mas enclausurado e apartado do contexto urbano no qual está inserido.
O objeto de análise é o condomínio Chácara Flora, que tem área aproximada de 900 mil
metros quadrados, foi loteada em 1924, e está localizado na porção sul do município de
São Paulo, próximo ao Largo 13 de Maio, na Prefeitura Regional de Santo Amaro.
Rego e Meneguetti (2011) esclarecem que as pesquisas de morfologia urbana podem
ser dividas em estudos cognitivos e normativos, conforme denominados por Gauthier e

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 10 160


Gilliland (2006). Os estudos cognitivos procuram encontrar as origens e explicações para a
forma urbana, enquanto os estudos normativos vão além, buscando prescrever as diretrizes
para o planejamento e construção das cidades. Rego e Meneguetti (2011) destacam que a
diferença de abordagem é uma das características que permite compreender as diferenças
metodológicas entre as escolas inglesa e italiana de morfologia urbana. A escola inglesa,
liderada pelos estudos do geógrafo M. R. G. Conzen segue a linha cognitiva, e a escola
italiana, por sua vez, baseada nas ideias do arquiteto Saverio Muratori e por Gianfranco
Caniggia, tem uma abordagem normativa e prescritiva.
Costa e Netto (2015) concordam com essa diferenciação entre as duas escolas e
apontam que a escola inglesa tem como objetivo estabelecer uma teoria sobre a construção
do território urbano, a partir das transformações ocorridas; e a escola italiana, por sua
vez, investiga o estudo da forma urbana como um modelo projetual para ser utilizado no
desenho e projeto urbano.
A pesquisa aqui apresentada emprega duas abordagens que se aproximam da
escola inglesa de morfologia urbana: a reconstituição do contexto histórico do período
de conformação de um fragmento urbano; e a análise da forma urbana contemplando as
questões referentes a implantação no solo urbano: o traçado das vias e das quadras, a
divisão dos lotes e a ocupação das edificações dentro dos lotes.

2 | O ANTIGO MUNICÍPIO DE SANTO AMARO

A Revolução Industrial imprimiu marcas nas cidades europeias que, no decorrer do


século XIX, viram sua população crescer deixando o campo à procura de trabalho em
centros urbanos e passou a viver em ruas estreitas onde habitações eram construídas
precariamente, com pouca luz e mal ventiladas. Em Londres e demais cidades onde se
instalaram fábricas, operários estavam convivendo com graves problemas de higiene,
poluição do ar e das águas e consequentes surtos de cólera e outras epidemias. Dácio
Ottoni (1996) relata que por causa desse êxodo rural, o total da população urbana inglesa
chegou a 75% m 1852.
Essas questões despertaram a preocupação de muitos pensadores, de forma que no
fim do século na Inglaterra, havia duas visões opostas em relação aos problemas sociais:
a dos socialistas, que acreditavam que a geração e a distribuição de riquezas tinham que
ser realizadas pela comunidade e a dos individualistas, que privilegiavam a realização
sobretudo do próprio indivíduo.
Ebenezer Howard, através de suas ideias, realizou uma síntese desses dois
pensamentos que estavam em conflito, escrevendo um livro em 1898: “Tomorrow a
peaceful path to real reform”, publicando-o de novo após uma revisão em 1902, com o
título de “Garden cities of tomorrow”. Não sendo nem arquiteto nem urbanista, nesse livro
ele propôs um esquema de cidade ideal com as vantagens do campo e da cidade, evitando

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 10 161


ao mesmo tempo as desvantagens de ambos, demonstrando isso através de diagramas.
Valorizar o campo tem sido uma tradição inglesa e incompatível com a baixa qualidade de
vida nos bairros operários das cidades inglesas da época. Assim, ele conseguiu propor
uma nova alternativa intermediária para essas questões, combinando a intensidade da
vida urbana com a beleza e os prazeres da vida no campo (HOWARD,1996).
Os ideais humanistas de Ebenezer Howard e que ele conseguiu concretizar com
a construção de duas Cidades-Jardins, a Lechtworth e, logo depois, a Welwin, eram:
construir cidades novas com indústrias e vida própria, evitando o paternalismo tanto de
entidades privadas quanto do próprio Estado; habitações com áreas verdes e acesso fácil
ao trabalho ao campo e ao centro; qualidade ambiental do conjunto com cinturão verde e
agrícola além de casas para os trabalhadores de baixo custo.
A primeira Cidade-Jardim foi viabilizada com a compra de um terreno através
da companhia “The Garden City Pioneer Company Ltd” em 1902, sendo que o plano
de implantação urbana ficou a cargo dos arquitetos Raymond Unwin e Barry Parker,
vencedores do concurso. O espaço livre verde e o desenho aberto são características
importantes, permitindo a integração do campo com a cidade.
A segunda Cidade–Jardim, Welwin, a quinze quilômetros da primeira, foi projetada
por Louis de Soissons seguindo o critério de residências sem muros com áreas verdes e
dando importância à topografia e as árvores existentes. O êxito do seu centro comercial
foi importante não só para a cidade, mas para toda a região e incluindo Londres (OTTONI,
1996).
O modelo de desenho urbano e de arquitetura presentes nas primeiras experiências
concretizadas na Inglaterra foi bem aceito a ponto de influenciar outros empreendimentos
na primeira metade do século XX, em diferentes locais do mundo, apesar da ausência do
caráter utópico que as ideias howardianas apresentavam. Mais precisamente, foi o modelo
de Subúrbio-Jardim que passou a ser implantado com sucesso e já estava presente em
Hampstead, nas proximidades de Londres, projetado por Parker e Unwin logo em seguida
à Letchworth. A principal diferença entre os dois conceitos de Cidade–Jardim e Subúrbio-
Jardim reside no fato de que no primeiro caso pretendeu-se um núcleo autônomo com
planejamento que tem em vista o interesse social e a união da cidade e do campo num
único todo orgânico. Já no segundo, trata-se tão somente de uma extensão de terras
que mantem dependência da cidade e pode ou não ser conectada ao seu tecido urbano
(WOLFF, 2015).
Os subúrbios residenciais se estabeleceram na primeira metade do século XX na
América do Norte e em cidades europeias em função da carência de habitações para
classes mais pobres e com o aumento de classes médias. A partir do modelo inglês se
desenvolveram outros subúrbios ajardinados com arborização presente nas ruas em curva,
com arquitetura integrada à paisagem porém com algumas características diferenciadas
Enquanto no modelo inglês as casas eram geminadas e configuravam longos conjuntos
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 10 162
de fachadas iguais, no padrão norte-americano prevaleceu a característica de residências
isoladas e tipologias diferenciadas, sendo que este último foi o adotado em São Paulo, no
primeiro bairro-jardim, que recebeu o nome de Jardim América. (WOLFF, 2015).
O empreendimento foi viabilizado a partir da criação da companhia The City of São
Paulo Improvements and Freehold Company Ltd”., em 1913, sendo que o primeiro Bairro-
Jardim foi projetado por Barry Parker, a partir de esboços elaborados ainda em Londres
por ele em parceria com Raymond Unwin. Tendo como modelo o Subúrbio-Jardim,
com alguma infraestrutura e contrariando os ideais de Howard, esse empreendimento
imobiliário, de caráter comercial, teve como objetivo desde o princípio lotear e vender
terrenos para a construção de residências para a classe média e alta paulistana. Contudo,
o desenho urbano do loteamento e a arquitetura nele proposta buscavam, como nos
demais trabalhos do arquiteto, um alto nível de soluções de projeto arquitetônico e de
qualidade ambiental.
Os primeiros loteamentos que foram abertos fora do núcleo urbano de São Paulo no
final do século XIX tiveram origem em antigas chácaras e dando lugar dessa forma à Vila
Buarque, Avenida Paulista e Higienópolis (SEGAWA, 2000).
A Companhia City em São Paulo está ligada ao projeto de reestruturação do Vale do
Anhangabaú e a Joseph Bouvard arquiteto francês que defendia conceitos de urbanismo
europeu da época e que foi convidado a apresentar seu projeto quando de passagem
por aqui. Ciente do potencial imobiliário dos terrenos nas proximidades das novas
centralidades que se formavam no início do século XX, influenciou o banqueiro belga
Edoard Fontaine de Leveleye a adquirir 1200 hectares que deram origem ao bairro e
que, por sua vez, revendeu para a City de São Paulo que tinha como diretores o próprio
Bouvard, o ex-presidente Campos Sales, Lord Belfourd, governador geral do Banco da
Escócia e presidente da São Paulo Railway Company e outros importantes nomes. Após a
primeira guerra, a construção teve novo impulso e outros empreendimentos com traçado
semelhante e também destinados às classes mais abastadas tiveram lugar na década de
1920, o Jardim Europa, o City Pacaembu e o City Lapa. Mais tarde, empreendimentos
imobiliários residenciais com características semelhantes foram planejados em outras
cidades brasileiras seguindo o mesmo padrão de ruas sinuosas e presença de vegetação,
integrando o espaço público à arquitetura, no Rio de Janeiro, em Belo horizonte e em
Goiânia, todos na década de 1930 (OTTONI,1996).
O desenho original de Parker e Unwin para o Jardim América foi elaborado a partir
de um anterior de autoria desconhecida, com ruas retas, cruzamentos perpendiculares
e diagonais com alguns edifícios públicos nos dois centros simétricos. Os principais
eixos eram a rua Colômbia e a avenida que foi prevista e passou a se chamar Brasil,
perpendicular àquela, tendo como limites superiores e inferiores paralelos a Estados
Unidos e a Groenlândia e laterais, terrenos. Segundo Sílvia Wolf (2015), os arquitetos
mantiveram os eixos das vias principais e a integração com a cidade e a centralidade da
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 10 163
praça. O desenho das ruas passou a ser orgânico com jardins integrados às edificações.
O interior das quadras foi proposto para uso privativo das residências do entorno (Figura
1).
A partir de 1917, Barry Parker foi contratado para vir pessoalmente e permaneceu
por dois anos acompanhando as obras. Logo de início, reviu a questão das quadras
privativas, abrindo passagens para os pedestres e criando assim um espaço que ele
denominou de semipúblico, assim como propondo lotes sem a demarcação dos limites por
muros ou cercas, o que já era bem comum na América do Norte. Sem mais interesse pelo
social, a sua proposta tinha por objetivo o sucesso comercial, porém mantendo qualidade
urbanística e o caráter estético.

Figura 1. Acima, o primeiro plano idealizado para o Jardim América, de autoria desconhecida e
feito anteriormente ao ano de 1913. Abaixo, o primeiro plano proposto por Parker e Unwin para o
loteamento.
Fonte: WOLFF, 2015, p. 138.

Após a concretização do bairro e com a venda de lotes em 1919, algumas alterações


tiveram lugar, tais como ampliações com a compra de terrenos vizinhos e anexação dos
mesmos. A mais significativa foi a do retalhamento dos jardins internos que ocorreu entre
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 10 164
1931 e 1935. Havia dificuldade em definir a responsabilidade pela manutenção das verdes
áreas comuns que se localizavam no miolo das quadras, a City resolveu loteá-las criando
com isso um número grande de novos lotes menores (Figura 2). A última redefinição
ocorreu com a abertura da Avenida 9 de julho no lugar da rua Chile. Outra questão que
não foi aceita pelos moradores foi a ausência de demarcação de limites dos lotes que
passaram a ostentar muros, bem a gosto da tradição cultural do país (WOLFF, 2015).

Figura 2. Acima, a implantação desenhada por Barry Parker para o folheto de vendas do Jardim
América, em 1919. Abaixo, o plano do loteamento com a incorporação de novas porções de terras
adquiridas.
Fonte: WOLFF, 2015, p. 139.

3 | O ANTIGO MUNÍCIPIO DE SANTO AMARO

A Chácara Flora está localizada na Prefeitura Regional de Santo Amaro, na cidade


de São Paulo, mas na data de sua fundação (1925), Santo Amaro era um município
autônomo, uma vez que a região nasceu como um aldeamento independente da capital
paulista.
A data oficial de fundação de Santo Amaro é 15 de janeiro de 1552, dois anos antes

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 10 165


da fundação do Colégio de São Paulo, no Campo de Piratininga, em 25 de janeiro de
1554. O dia 15 de janeiro de 585 é a data do falecimento do Santo Amaro, nascido na
Itália em 513, e que tornou-se o padroeiro dos carroceiros, carregadores e fabricantes de
vela.
A fundação do núcleo de Santo Amaro faz parte do processo de evangelização e
educação dos nativos na região da parte superior da Serra do Mar. Após a fundação de
São Vicente em 1534, na região litorânea da capitania, a Coroa Portuguesa fez um acordo
com a Companhia de Jesus para ocupação do planalto, o que incentivou o surgimento de
diferentes aldeamentos, acessíveis pelos rios Pinheiros e Tietê, e que hoje correspondem
à localização dos bairros de Pinheiros, Embú, Itapecerica da Serra e o próprio Santo
Amaro, inicialmente denominado de Ibirapuera.
No ano de 1560, os jesuítas tomaram posse oficial das terras desta área, com o
apoio das autoridades civis e ergueram uma capela que abrigou a imagem de madeira de
Santo Amaro, doada pelo casal João Paes e Suzana Rodrigues, que são homenageados
com nomes de ruas no núcleo central da região até os dias atuais. Em 1686, Santo Amaro
tornou-se paróquia, e em 10 de julho de 1832, a partir de um Decreto da Regência de D.
Pedro II, a região é elevada à categoria de Vila de Santo Amaro.
Nesse período de início do século XIX, Santo Amaro tinha apenas três ou quatro
ruas embrionárias que partiam do centro irradiador do pátio da igreja matriz, rodeado
por chácaras de pequenos produtores. Para povoar e adensar as freguesias, D. Pedro I
incentivou a vinda de colonos para o Brasil, e a vila de Santo Amaro recebeu 94 famílias
alemãs, que introduziram a cultura da batata na região. A produção prosperou e se
diversificou, e por volta de 1850, Santo Amaro era considerado um importante produtor e
fornecedor de alimentos para a capital, São Paulo (BERARDI, 1981).
Para facilitar o transporte de mercadorias e promover o comércio entre a vila e a
capital, foi construída e inaugurada em 14 de março de 1886 uma ferrovia para trens a
vapor, pela Companhia Carris de Ferro São Paulo – Santo Amaro. O percurso iniciava-se
na Vila Mariana, bairro próximo à região central de São Paulo, e o ponto final era na Praça
Santa Cruz, próxima ao atual Largo Treze de Maio.
Além da colônia alemã, o aumento da população de Santo Amaro foi decorrência
também da vinda de imigrantes italianos, russos, húngaros, ingleses, americanos,
portugueses, sírios, turcos, judeus, espanhóis e japoneses e ainda pelas migrações
internas, principalmente dos estados do Nordeste e de Minas Gerais, atraídos pelos
preços mais baixos de aluguél de moradia, quando comparado com os preços praticados
em São Paulo.
Para atender ao crescimento demográfico, concomitantemente ao aumento dos
impostos territoriais sobre as grandes áreas das chácaras e sítios, proliferou o surgimento
de novos loteamentos, muitos deles com traçado de ruas uniformes e quarteirões
retangulares, como a Chácara Santo Antônio, Brooklyn Paulista e Granja Julieta.
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 10 166
Inicialmente a função principal do município de Santo Amaro estava relacionada com
o comércio de produtos produzidos na porção sul da vila e o núcleo urbano funcionava
como um entreposto comercial.
A construção da Represa de Guarapiranga pela empresa São Paulo Light and Power,
teve início em 1907, com a finalidade de regularizar a vasão das águas do rio Tietê e
garantir o funcionamento da usina de Santana do Parnaíba, que também era propriedade
da empresa.
Poucos anos depois, Asa White Kennedy Billings, então engenheiro da empresa São
Paulo Light and Power, propôs represar afluentes do rio Pinheiros e criar um novo lago,
que permitiu a produção de energia elétrica através do lançamento das águas da represa,
sobre as turbinas da Usina de Cubatão, localizada aproximadamente 800 metros abaixo.
Após a construção dos reservatórios da Represa de Guarapiranga (1907) e Billings
(1925), e do Autódromo de Interlagos (1940), Santo Amaro despontou também como uma
opção de lazer e multiplicaram-se as chácaras de recreio, casas de veraneio, clubes
náuticos e o comércio voltado para a diversão. Ao redor da represa de Guarapiranga e das
auto-estradas surgiram loteamentos residenciais como a Riviera Paulista e Mar Paulista.
Santo Amaro foi um município independente até 22 de fevereiro de 1935, quando
o interventor Federal no Estado de São Paulo, Armando de Sales Oliveira assinou o
Decreto n. 6.983 (SÃO PAULO, Estado, 1935), de extinção do município de Santo Amaro
e sua anexação à Capital. Nas considerações iniciais que justificam a integração dos
municípios, constam entre outros, os seguintes motivos:

Considerando que, dentro do plano geral de urbanismo da cidade de São Paulo, o


município de Santo Amaro está destinado a constituir um dos seus mais attrahentes
centros de recreio;

[...] considerando, ainda, que o Estado não só se dispõe a incrementar, em Santo Amaro,
a construcção de hoteis e estabelecimentos balneareos que permittam o funccionamento
de casinos, como também já destinou verba para melhorar as estradas de rodagem que
servem aquella localidade, facilitando-lhe todos os meios de communicação, rápida e
efficiente, com o centro urbano. (SÃO PAULO, Estado, 1935, s/p).

Dentro desse panorama histórico, é relevante observar que foi no período de


meados da década de 1920, quando Santo Amaro conquistou sua vocação como local
de veraneio, esporte e lazer, que surgiu o empreendimento Chácara Flora, como um
local com qualidades ambientais e paisagísticas para a construção de residências para
a elite e empresários da região e da capital, em busca de refúgio e tranquilidade. O
empreendimento teve suas vendas de lotes intensificadas entre os anos de 1930 e 1950,
em função das melhorias de infraestrutura de transporte entre Santo Amaro e São Paulo.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 10 167


4 | O CONDOMÍNIO CHÁCARA FLORA

No final do século XIX e início do século XX, o estado de São Paulo passou por
grandes transformações econômicas. Inicialmente, destacando-se como um importante
produtor de café e após a queda dos preços de comercialização do produto no mercado
internacional, a região sofreu uma grande crise econômica. Mas a cidade de São Paulo,
capital do estado, continuou prosperando e crescendo em ritmo acelerado, com o
desenvolvimento da indústria, o que atraiu grande afluxo populacional e entre eles, novos
empresários, engenheiros e profissionais estrangeiros que migraram para a cidade para
investir e trabalhar.
Entre os estrangeiros estava Francisco Nemitz, empresário de origem alemã, que
veio para o Brasil para trabalhar e fixar residência na cidade de São Paulo, em 1880. Ele
havia trabalhado na Europa como jardineiro oficial no Palácio de Sanssouci, na cidade
de Potsdam, próximo de Berlim, no período do reinado de Guilherme I (1797-1888) e que
após a unificação alemã, foi o primeiro chefe de estado do Império Alemão. O Palácio
Sanssouci foi construído como residência de verão do Rei da Prússia, Frederico II, o
Grande (1712-1786).
Nemitz comprou duas glebas de terra: uma em Santo Amaro, com o objetivo de
cultivar flores, principalmente cravos e rosas para abastecer os jardins residenciais das
famílias de classe mais abastadas de São Paulo; e outra gleba ficava ao lado do rio
Tamanduateí, no Vale do Anhangabaú, para o plantio de copos-de-leite, aspargos e mudas
de pinheiros para enfeitar na época do Natal (LEFFINGWELL, 2003).
Em 1911, Nemitz adquiriu 968.000 metros quadrados de terra em Santo Amaro, ao
qual nomeou de Chácara Flora, e onde desenvolveu um viveiro de mudas de diferentes
espécies de pinheiros, árvores frutíferas, roseiras, azaleias, camélias, entre outros. Nemitz
também investiu na infraestrutura do local, providenciando a instalação de energia elétrica
e rede de serviço telefônico.
Para comercializar a produção de mudas de espécies diversificadas que empreendeu
em suas terras, Francisco Nemitz abriu uma floricultura, a Loja Flora, na rua São Bento,
no centro de São Paulo, que depois foi transferida para a praça Antônio Prado, número
9. Em seguida abriu uma nova loja no número 100 da Rua Domingos de Morais, na Vila
Mariana (LAEMMERT, 1914).
Conforme já descrito anteriormente, no começo do século XX, Santo Amaro despontava
como um local de lazer para os empresários e moradores da capital, impulsionada pela
inauguração da represa Guarapiranga e da represa Billings, e aproveitando-se deste
momento, surge o empreendimento da Chácara Flora, como uma opção para implantação
de residências para a elite paulistana, e principalmente para a comunidade empresarial
internacional.
Em 1924, a Chácara Flora foi vendida para a empresa Dowe, Goulart & Cia Ltda,

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 10 168


formada pelos sócios Paulo Goulart, Alfredo Stanley Dowe e Drury Albert McMillen. O
objetivo dos sócios era transformar o local em um condomínio fechado para ser vendido
em lotes para construções de casas para o descanso de final de semana dos prósperos
empresários de São Paulo.
Segundo Leffingwell (2003), Drury Albert McMillen (1888-1960), americano de
ascendência escocesa que saiu de Saint Louis, Missouri, e veio morar no Brasil em 1915,
foi o responsável pela demarcação do traçado das ruas e dos lotes do novo condomínio,
estabelecendo alguns portões de acesso em seu perímetro. Em 1925 Drury McMillen
construiu sua residência na Chácara Flora, uma das primeiras que foram erguidas na
área, ao lado do viveiro de mudas de Nemitz (Figura 3). Entre os primeiros compradores
de lotes do condomínio, havia diretores de corporações americanas com filiais instaladas
no Brasil, como Johnson & Johnson, Anderson Clayton e o First National City Bank, e
importantes nomes de famílias alemãs da época, como os Werner Sacks, Mangels, Otto
Bromberg, Hoffman e Daegner. Entre os compradores paulistanos estavam Paulo Alves
Monteiro, Luiz Santos Dumont, Caio da Silva Prado, João Magalhães Hafers, Gabriel
Penteado, Domingos da Costa Muniz, Antônio Carlos Conceição, Joaquim Bento Alves
Lima e Renato Marelli (LEFFINGWELL, 2003).

Figura 3. Foto de 1925, com a residência de Drury McMillen, construída ao lado do viveiro de mudas do
antigo proprietário das terras da Chácara Flora, Francisco Nemitz.

Fonte: LEFFINGWELL, 2003, p. 24.

5 | ESTUDO DA FORMA URBANA DA CHÁCARA FLORA

A área do condomínio Chácara Flora está contida na microbacia do Córrego Cordeiro,


que faz parte da Bacia Hidrográfica do Rio Pinheiros. No condomínio há três lagoas e três

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 10 169


córregos que desaguam no Córrego do Cordeiro que fica ao norte da área. O desenho do
sistema viário com formato irregular e curvilíneo foi traçado acompanhando a declividade
do terreno em direção ao norte. Três ruas, Rua Angra dos Reis, Rua Canaã e Rua dos
Alcatrazes, estão assentadas sobre o sistema de drenagem dos veios de água (Figura 4).

Figura 4. Mapa do condomínio Chácara Flora, com indicação do arruamento, da hidrografia da região e
as curvas de nível a cada 5 metros.
Fonte – Elaborado a partir do Sistema Geosampa, 2018.

Atualmente a área que compreende o condomínio Chácara Flora é de 871.100


metros quadrados, uma vez que alguns lotes que se situam nas extremidades, estão com
acesso pelas ruas lindeiras.
A partir do levantamento realizado sobre os dados disponíveis no Croquis Fiscal
de cada lote, no sistema Geosampa da Prefeitura de São Paulo (GEOSAMPA, 2018), foi
possível verificar que atualmente o condomínio tem 200 lotes distribuídos em 19 quadras
e 15 ruas calçadas em sua maioria com paralelepípedos: Tombadouro, Angra dos Reis,

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 10 170


Maguari, dos Alcatrazes, Canaã, Ana Alves de Carvalho e Castro, Recanto, Dez de
Novembro, Pirapetinga, Junqueira, Mairoly Plesmann, Utinga, Adamantina, Dr. Fernando
Jorge Mendes e Profª. Lucinda Alves de Carvalho. Do total de 200 lotes, 178 possuem
construções, e os restantes 22 lotes estão vagos (Figura 5).
A média de área dos lotes é de 3.880 metros quadrados, sendo que os dois maiores
lotes possuem 17.049 e 12.559 metros quadrados. Os menores lotes possuem 510 e
768 metros quadrados, mas constituem-se como exceções no conjunto. Trata-se de um
condomínio fechado e murado e exclusivamente de residências unifamiliares.
Algumas das residências do condomínio são exemplares significativos do repertório
projetual de importantes nomes do cenário arquitetônico paulistano composto por
arquitetos como: Lucjan Korngold, Jon Maitrejan, Victor Reif, Oswaldo Arthur Bratke,
Eduardo Longo, Paulo Mendes da Rocha, Ibsen Pivatelli, Giancarlo Palanti, Vasco Lopes,
Arthur de Matos Casas, escritório Konisberger & Vanucci, e escritório Botti Rubin.
O padrão urbanístico implantado na Chácara Flora vincula-se a alguns parâmetros
relacionados aos conceitos de cidade-jardim e subúrbio-jardim. O subúrbio existe na
história das cidades desde a Antiguidade, como um local de refúgio afastado da vida
urbana. Já o subúrbio-jardim apareceu com força no século XIX, em países como França,
Inglaterra e Estados Unidos, espraiando-se pelos territórios e impulsionados pelas linhas
de transporte coletivo.
No Brasil, os parâmetros urbanísticos do bairro-jardim e do subúrbio-jardim
despontaram com os projetos da empresa City of São Paulo Improvements and Freehold
Land Company Limited, ou simplesmente Cia. City, para os bairros do Jardim América
(1913), Alto da Lapa (1921), Pacaembu (1925), Alto de Pinheiros (1925) e Butantã (1935).
De acordo com Wolff (2015) estes bairros pertencem à categoria de empreendimento
imobiliário comercial, pois se conformaram como loteamentos para venda de terrenos
para a classe média e alta.
O padrão de urbanismo em ambos os casos compreende o traçado de ruas sinuosas
e arborizadas, com integração entre áreas verdes e edificações, e modelos de casas
inspiradas em ancestrais vilas suburbanas (WOLFF, 2015).

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 10 171


Figura 5. Mapa do condomínio Chácara Flora, com indicação das quadras, lotes e construções.
Fonte – Elaborado a partir do Sistema Geosampa, 2018.

O bairro Jardim América foi tombado em 1986, pelo Conselho de Defesa do Patrimônio
Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico – CONDEPHAAT, órgão responsável pela
preservação dos bens do Estado de São Paulo, e pelo Conselho Municipal de Preservação
do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo, CONPRESP, em
1991. O bairro do Pacaembu foi tombado pelo CONDEPHAAT em 1991 e pelo CONPRESP,
em 1992.
Em 1987, a Secretaria Municipal de Habitação abriu um processo de tombamento
da área da Chácara Flora. Na Reunião Ordinária de 18 de novembro de 2014, por
unanimidade de votos dos membros do CONPRESP, a proposta de abertura de processo
de tombamento foi indeferida, uma vez que os conselheiros entenderam que a área já era
protegida pelo Decreto Estadual nº 30.443/89, e que não era pertinente a sobreposição
de legislações de preservação (CONPRESP, Ata, 2014).

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 10 172


6 | CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo da morfologia urbana do condomínio da Chácara Flora, na zona sul de São


Paulo demonstrou tratar-se de um estudo de caso de excepcionalidade no contexto da
cidade de São Paulo, uma vez que a configuração morfológica do loteamento, assim como
as dimensões dos lotes resultantes desviam-se dos padrões médios para residências
unifamiliares existentes na maioria dos bairros estritamente residenciais do município. A
compreensão desse fato urbano só é possível a partir da confrontação entre o contexto
histórico e territorial do período de formação do loteamento.
Os resultados demonstram que o desenho do loteamento da Chácara Flora respeita a
topografia e a vegetação do local, e segue o princípio das formas orgânicas com extensas
áreas livres de construção dentro dos lotes, seguindo os princípios de bairro-jardim,
difundidos em São Paulo no início do século XX, com os projetos de Barry Parker para os
bairros do Jardim América, Alto da Lapa e Pacaembu. Mas, diferentemente desses bairros
que atualmente estão integrados no tecido da cidade, mesmo que restritos à aquisição
para as classes mais favorecidas da sociedade, a Chácara Flora, desde sua origem, criou
um enclave fortificado e desconectado do tecido urbano envoltório.
Mesmo estando afastada do centro histórico de São Paulo, a zona sul está totalmente
conurbada com a região central, e atualmente a região da Chácara Flora apresenta-se
como uma ilha murada e não interconectada com o sistema viário e com a população do
entorno. Para tentar resolver essa questão que confronta com o que se almeja para as
cidades contemporâneas será necessário considerar os dados apontados por este estudo,
ou seja, o valor significativo da área verde tombada do condomínio e a qualidade ambiental
da região, sua formação histórica, sua configuração morfológica e a representatividade do
acervo arquitetônico e paisagístico da Chácara Flora.

REFERÊNCIAS
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COSTA, Stael de Alvarenga Costa; NETTO, Maria Manoela Gimmler. Fundamentos de morfologia urbana.

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Belo Horizonte: C/Arte, 2015.

GAUTHIER, P.; GILLILAND, J. Mapping urban morphology: a classification scheme for interpreting
contributions to the study of urban form. Urban Morphology, v. 10, n. 1, 2006.

HOWARD, Ebenezer. Cidades-jardins de amanhã. São Paulo: Hucitec, 1996.

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EDUSP, São Paulo: EDUSP, 2015.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 10 174


CAPÍTULO 11
doi

MARCAS E MATRIZES DA CONSTRUÇÃO DA


PAISAGEM URBANA NO ALTO DA BOA VISTA, RIO DE
JANEIRO

Data de aceite: 05/07/2020 no Rio de Janeiro do século XIX. Neste


Data de submissão: 04/05/2020 momento pode-se destacar o reflorestamento
da Floresta da Tijuca promovido pelo Major
Archer entre 1861 e 1874, que recupera uma
Leonardo Rodrigues Pereira significativa área prejudicada pela monocultura
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura
comercial escravista, como um evento histórico
e Urbanismo (PPGAU), Escola de Arquitetura
e Urbanismo (EAU), Universidade Federal fundamental para a evolução da paisagem na
Fluminense (UFF) área. Baseado em referencial teórico de análise
Niterói – Rio de Janeiro de Augustin Berque (1984), e sua visão sobre a
http://lattes.cnpq.br/9077841048973995 geografia cultural, atuando sobre os conceitos de
paisagem-marca e paisagem-matriz, pretende-
se abarcar uma interpretação dos significados
da paisagem em sua constituição, ao longo dos
RESUMO: A pesquisa busca compreender
diferentes tempos históricos, assim como sua
alguns aspectos relevantes da paisagem e
relação com a sociedade e a cultura até os dias
do ambiente, tendo como estudo de caso o
atuais. Na sistematização e agrupamento dos
bairro do Alto da Boa Vista, na cidade do Rio
estudos das paisagens, serão caracterizados
de Janeiro, delimitando e avaliando as várias
os grupos a partir dos períodos distintos
etapas de processo de desenvolvimento da
da história que marcam diferentes relações
localidade, desde sua criação até hoje. Como
entre civilização e natureza, na construção da
objetivo geral, o trabalho apresenta o estudo
paisagem urbana do bairro, no entorno imediato
das relações existentes entre o elementos
ou inserida na Floresta da Tijuca. A partir destes
arquitetônicos e urbanísticos e o patrimônio
períodos, procura-se dissecar os significados
natural, considerando suas contribuições
das paisagens caracterizadas pelas marcas
para a formação de uma paisagem urbana.
dos distintos períodos, sob condicionantes
Para alcançá-lo pretende-se partir do
socioeconômicos, ambientais e culturais,
reconhecimento de nexos entre o espaço
iconizadas em edificações peculiares, que
urbano e natural, configurados, principalmente,
foram historicamente vivenciadas por plantio de
em uma concepção de natureza vinculada às
monocultura comercial, por reflorestamento e
idéias de civilização e nacionalidade presentes,

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 11 175


por organização espacial para sua utilização pela sociedade.
PALAVRAS-CHAVE: Paisagem; Alto da Boa Vista; Rio de Janeiro; Floresta da
Tijuca; História Urbana.

MARKS AND SOURCES OF URBAN LANDSCAPE`S CONSTRUCTION IN ALTO DA BOA

VISTA, RIO DE JANEIRO

ABSTRACT: This research seeks to understand some relevant aspects of the landscape and
the environment, taking as a study area the neighborhood of Alto da Boa Vista, in the city of
Rio de Janeiro, delimiting and evaluating the various stages of the local development process,
since the creation until now. As a general objective, the study of the existing relationships
between the architectural and urban elements and the natural heritage are presented in this
paper. Therefore,it´s considering their contributions to formation of an urban landscape. To
achieve this, the recognition of connections between urban and natural space is one main
intention. Thus it´s configured mainly in a conception of nature linked to the ideas of civilization
and nationality present in Rio de Janeiro in the 19th century. At this moment, the reforestation
of the Tijuca Forest promoted by Major Archer between 1861 and 1874 is an important
memory, which recovers a significant area damaged by the commercial slavery monoculture,
as a fundamental historical event for the evolution of the landscape in this place. Based
on benchmarks of analysis by Augustin Berque (1984), and his view on cultural geography,
acting on the concepts of landscape´s marks and sources and looking for an interpretation of
the meanings of landscape in its constitution, throughout from different historical times, and
the relationship with society and culture to the present day. In the systematization and union
of landscape studies, groups will be characterized from different periods of history that mark
different relations between civilization and nature, in the construction of the urban landscape
of the neighborhood, in the immediate surroundings or inserted in the Tijuca Forest. From
these periods, this work will seek for the meanings of the landscapes characterized by the
marks of the different periods, under socioeconomic, environmental and cultural conditions,
iconized in peculiar buildings, which was historically experienced by planting commercial
monoculture, by reforestation and by spatial organization for its use by society.
KEYWORDS: Landscape; Alto da Boa Vista; Rio de Janeiro; Tijuca Forest; Urban History.

1 | BREVE INTRODUÇÃO AO CONCEITO DE PAISAGEM

O termo paisagem, segundo o senso comum, se reduz a uma porção do espaço que
pode ser observada com um golpe de vista. A definição simplista não atinge as reflexões
epistemológicas de nosso tempo, que concebem esse conceito como multidimensional,
suscitando aspectos morfológicos, ou seja, um conjunto de formas criadas pela natureza
e pela ação antrópica, além de dimensões funcionais, através das relações entre suas
diversas partes.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 11 176


Para ampliar a discussão sobre o conceito de paisagem, podemos embarcar na
retórica francesa sobre o termo – chamado por eles de paysage. Na geografia francesa,
se torna interessante abordar a figura de Paul Vidal de La Blache, importante pensador
do problema de diferenciação das paisagens na França do século XIX. La Blache mostrou
como as paisagens de uma região são o resultado das superposições, ao longo da
história, das influências humanas e dos dados naturais. As paisagens são, segundo ele,
uma herança histórica. Neste âmbito, a ideia de meio (millieu) urge como fundamental na
obra de La Blache, complementando o conceito de paisagem a partir da consideração do
homem como peça primordial frente a um meio ambiente, interagindo e transformando-o.
A ideia de ambiente, importante para complementação do conceito de paisagem, que
tem sua origem científica na Biologia, é calcada na relação do homem com o meio, desde
seu entendimento como fonte de extração de matéria-prima, como local de produção,
como habitat, até seu entendimento como local simbólico. Calcado nos estudos de
Augustin Berque, desta escola francesa, neste trabalho será tratada a noção de paisagem-
marca e paisagem-matriz como produtos de interações humanas com o meio ambiente.
Neste sentido, importante destacar a reflexão em Berque (1984): “As ideologias, ideias,
aspirações, conflitos de classes, enfim, as relações humanas, que geram ações, têm
como palco destas ações o espaço”.
Nesta instância, os elementos e as paisagens estarão constituídos a partir da lógica
do binômio marca/matriz, apoiado em Berque, onde marca é quando a paisagem expressa
uma civilização e matriz porque participa dos esquemas de percepção, de concepção e
de ação que canalizam, em certo sentido, a relação de uma sociedade com o espaço e
com a natureza.
A noção de transformações contínuas que podem alterar a paisagem-matriz e a
paisagem-marca está intrínseca também nas discussões sobre o desenvolvimento
sustentável, presente no arcabouço que trata da cultura como um aspecto importante
para obtenção da sustentabilidade. Abordaremos a paisagem aqui enquanto um conceito
polissêmico, uma construção social, produto de uma construção simbólica e que ao
mesmo tempo alimenta mais interpretações simbólicas, num ciclo contínuo que resulta
numa também contínua transformação da paisagem. Ela é, portanto, marca e matriz do
pensamento geográfico de uma sociedade.
Com base na geografia, pensa-se então um conceito mais amplo para o termo
paisagem, do que o senso comum ―espaço que se abarca no olhar. É importante o
entendimento de que os objetos que existem juntos na paisagem, existem em inter-
relação, constituindo assim a realidade como um todo, que não pode ser estudada através
de seus componentes em separado. Paisagem assume o conceito de uma forma da Terra
na qual o processo de modelagem, não permite de modo algum ser imaginado como
simplesmente físico. Toda paisagem tem uma individualidade, bem como uma relação
com outras paisagens e isso também é verdadeiro com relação às formas que compõem
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 11 177
a paisagem.

2 | MARCAS E MATRIZES: METODOLOGIA DE RECONHECIMENTO DA PAISAGEM

Mantendo como foco de abordagem a perspectiva da geografia cultural, ancorado no


esquema marca/matriz de Augustin Berque, disserta-se sobre a dinâmica das paisagens
como matrizes geográficas. Neste âmbito emerge o conceito de trajeção, que remete
a uma relação intríseca que abrange tempo e espaço configurados na paisagem que
descreve o significado ontológico do local.
Segundo Berque (1998), “a paisagem é uma marca à medida que expressa
uma civilização, e é também uma matriz, pois participa dos esquemas de percepção,
de concepção e de ação que canalizam a relação de uma sociedade com o espaço e
com a natureza”. Esta ideia nos introduz no universo das relações entre significados e
significantes tão utilizadas no entendimento da linguística.
Enquanto marca, pode e deve ser descrita e inventariada - quantificando-se, por
exemplo, formas e conjuntos de formas na paisagem, analisando a articulação destas
entre si. Estes procedimentos têm como conseqüência o distanciamento do objeto inicial
da proposta - a paisagem - já que ocorre uma abstração que resulta na ausência da
relação direta com o sujeito.
Pode-se então perceber, sob a égide da geografia cultural, a paisagem de dois
modos:
Vista por um olhar, apreendida por uma consciência, valorizada por uma experiência,
julgada por uma estética e uma moral.
Como matriz que determina esse olhar, essa consciência, essa experiência, essa
estética e essa moral.
Entende-se, pois, que a paisagem é plurimodal (passiva-ativa-potencial) como o é
o sujeito para o qual a paisagem existe. A paisagem e o sujeito são integrados em um
conjunto unitário, que se autoproduz e se auto reproduz (portanto se transforma) pelo
jogo, jamais de soma zero, desses diversos modos. Este sujeito em questão é um sujeito
coletivo: é uma sociedade, dotada de uma história e de um meio. O que está em causa são
todos os modos de relação do indivíduo com o mundo; tudo aquilo pelo qual a sociedade
o condiciona e o supera, isto é, ela situa os indivíduos no seio de uma cultura, dando com
isso um sentido à sua relação com o mundo.
Ao contrário da maioria das ciências sociais, a geografia cultural sempre levará
cuidadosamente em conta o material físico no qual cada cultura imprime a marca que lhe
é própria - marca que ela considerará como uma geografia em primeiro grau: a escrita da
terra por uma sociedade.
Assim, no final do século XX, a relação indivíduo-ambiente é colocada em novos
termos, marcando uma transição do enfoque sobre a configuração material da paisagem
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 11 178
para um enfoque mais abrangente, envolvendo não apenas a materialidade do espaço,
mas as relações simbólicas que os sujeitos estabelecem com o mesmo.
Concomitante a essa nova concepção de paisagem, surgem novos modos de
analisá-la, a fim de compreender seus significados, ultrapassando a análise morfológica,
e envolvendo a interpretação de manifestações culturais locais, como canções populares,
lendas, peças de artesanato, e demais elementos que possibilitem uma aproximação à
representação que a população elabora sobre seu território, possibilitando ao pesquisador
compreender a dinâmica construção da paisagem.

3 | MARCAS E MATRIZES: DEFINIÇÕES DE PLANOS DE ANÁLISE

Mediante a constituição e reflexão acerca do referencial teórico de Augustin Berque,


foram identificados os planos de análise a serem implementados no estudo da paisagem,
a partir de suas marcas e matrizes, no bairro do Alto da Boa Vista, no Rio de Janeiro.
Na sistematização e agrupamento dos estudos das paisagens, foram caracterizados os
grupos a partir dos períodos distintos da história que marcam diferentes relações entre
civilização e natureza, na construção da localidade, a qual, é interessante frisar, conta em
seu coração com uma das maiores florestas urbanas do mundo: a floresta da Tijuca. Os
grupos são divididos da seguinte maneira:
Colonial - 1750 a 1821
Imperial – 1821 a 1889
Republicano – 1ª etapa: 1889 a 1930
Republicano – 2ª etapa: 1930 a 1961
Contemporâneo: a partir de 1961
A partir destes períodos pretende-se relacionar a concepção de natureza vinculada aos
ideais de civilização e nacionalidade, sob condicionantes socioeconômicos, ambientais e
culturais, procurando dissecar os significados das paisagens caracterizadas pelas marcas
dos distintos períodos, iconizadas em edificações peculiares, que foram historicamente
vivenciadas por plantio de monocultura comercial, por reflorestamento e por organização
espacial para sua utilização pela sociedade.
Neste panorama, anseia-se uma análise das múltiplas paisagens especificas
existentes no Alto da Boa Vista, para propiciar ao leitor uma sugestiva discussão sobre
o vernáculo daquelas paisagens, estimuladas pelo conceito de Berque sobre o caráter
trajetivo da mesma, na qual é relevante o processo de intersubjetividade, ou seja, a
realidade do sujeito e do objeto não é apenas física ou mental, comportando uma teia de
relações sócio-espaciais que se expressam naquela paisagem.
O estudo das paisagens apoia-se na investigação histórica dos fenômenos (marcas
e matrizes), a partir das fontes bibliográficas, complementando-se na observação dos

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 11 179


diferentes pontos/ângulos do território do bairro. As imagens produzidas a partir do recurso
da fotografia permitem captar as relações existentes na paisagem, sendo expressão
retórica para o destrinchar da análise.
A identificação e reconhecimento dos elementos presentes nas diferentes cenas
produzidas é fundamental para a focalização dos símbolos (marcas) e seus distintos
significantes. O enfoque se dará sobre bens construídos e naturais com valor patrimonial
justificado, como elementos componentes da paisagem urbana abordada.
De acordo com as análises de campo – observação e pesquisa das áreas do Alto da
Boa Vista, com apoio nas imagens estruturadas a partir das fotografias, forma-se como
plano síntese da conjuntura, o quadro a seguir explicitando as principais marcas e matrizes
identificadas em correlação com os grupos temporais definidos.

Figura 1. Tabela de marcas e matrizes da paisagem do Alto da Boa Vista.


Fonte: Acervo pessoal

Nesta conjuntura, são definidos os esquemas de entendimento das paisagens que


serão enfocados a partir da singularidade de cada grupo, com suas respectivas marcas e
matrizes nos próximos capítulos deste artigo.

4 | O ALTO DA BOA VISTA E SUAS PAISAGENS

Abordaremos neste capítulo as diferentes leituras da paisagem do Alto da Boa


Vista e seus conceitos de marcas e matrizes. As marcas e matrizes consideradas neste
trabalho foram as reconhecidas como mais significativas a partir da concepção de grupos
historiográficos estabelecidos para a análise – Paisagem Colonial, Paisagem Imperial,
Paisagem Republicana e Paisagem Contemporânea.
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 11 180
As escolhas dos elementos significantes bem como suas relações expressam algumas
das inúmeras abordagens que podem ser estabelecidas frente à paisagem urbana da área.
A arrumação de paisagens sistematizadas em imagens para o estudo científico, tenta
relacionar os diversos sentidos estabelecidos nas retóricas preservacionistas, desde as
principais iniciativas europeias, com o início das políticas de reflorestamento e de cultivo
de florestas ordenadas e monocultoras, onde a paisagem natural assume, no século XVIII
e especialmente no XIX, da contemplação do cenário selvagem ou domesticado, sendo
este último aspecto primordial para os estudos relacionados com a temática da pesquisa.

5 | A PAISAGEM COLONIAL: MARCAS E MATRIZES

Em um primeiro grupo de análise para leitura da paisagem do bairro convencionamos


denominá-lo de paisagem colonial. Neste âmbito, devemos lembrar-nos do contexto do
período colonial – para efeito de análise da área consideramos o período anterior ao
reflorestamento promovido pelo Major Archer no século XIX e anterior à chegada da família
Imperial como fundamentos históricos para a denominação de uma “paisagem colonial”.
Configuram-se então, como principais matrizes da denominada paisagem colonial
do Alto da Boa Vista: O desmatamento promovido na região a partir da chegada do Café
em 1727 e a sociedade e o modo de vida daquele tempo de monocultura escravista.
As marcas fundamentais estabelecidas na denominada paisagem colonial consistem nas
ruínas das grandes fazendas do período, constituindo em registros, em símbolos daquele
momento da história e do ideário de civilização e sociedade que contribuíram para a
formação (e transformação) do território. Destacam-se como marcas referenciais: O sítio
Humaitá, que foi adquirido pelo Deputado da Província, Luís Pedreira do Couto Ferraz,
futuro Barão e depois Visconde do Bom Retiro, em 1850 e o sítio do Midosi, que pertenceu
ao Visconde de Asseca, e adquirido em 1924 por Guilherme Midosi pode ser considerada
outro exemplo de marca relevante deste tempo. Seu estado atual é de ruínas, e somente
a senzala teve um restaurante edificado sobre ela. Lá residiu o Major Archer até 1873.
Atualmente lá funciona um restaurante denominado “A Floresta”.

6 | A PAISAGEM IMPERIAL: MARCAS E MATRIZES

Em segundo grupo de análise para leitura da paisagem da área de estudos obtemos


o que convencionamos denominá-lo de paisagem imperial. Nesta instância, devemos
avaliar do contexto do período imperial – para efeito de análise da área consideramos o
período compreendido entre a chegada da família Imperial ao Rio de janeiro, ao Brasil, e
a proclamação da República como fundamentos históricos para a denominação de uma
―paisagem imperial”.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 11 181


Este período simboliza a mudança de paradigma na maneira de enxergar o espaço
da floresta, o espaço que se tornaria, a posteriori, Parque Nacional da Tijuca. Esse ideario
é concebido no século XIX, no âmbito das novas relações com aquele espaço constituídas
pela nova política imperial, como por exemplo a chegada da missão artística francesa.
Destaca-se, neste período, a presença do pintor Nicolas Antoine Taunay, que fixou
residência no local, junto à hoje conhecida Cascatinha Taunay, e promoveu o local como
lugar de beleza natural e clima agradável.
Após 1822, a região da Tijuca receberia um nome extraoficial dando o significado
de sua grandeza proporcionado pela riqueza do café: “Tijuca Imperial”. A Tijuca recebia
poderosos habitantes que eram atraídos pela prosperidade cafeeira. Configuram-se
então, como principais matrizes da denominada paisagem imperial do Parque Nacional
da Tijuca; O reflorestamento promovido pelo Major Archer em 1961; A chegada da Missão
Artística Francesa ao Rio de Janeiro, Além da presença do Rei D. João VI de toda a corte
portuguesa no Brasil.
As marcas fundamentais estabelecidas na denominada paisagem imperial consistem
nas arquiteturas neoclássica e eclética, sobretudo suas fontes, palacetes, pontes e
monumentos; bem como a conformação ―urbana‖ do parque. Estas marcas constituem
registros, em símbolos daquele momento da história e do ideário de civilização e sociedade
que contribuíram para a formação (e transformação) do território. Destacam-se como
marcas referenciais: A Praça Afonso Viseu, com destaque para seu chafariz; a ponte Job
de Alcântara (1860), localizda junto à Cascatinha Taunay; A capela Mayrink; O palacete
do Conde do Itamaraty; A fonte Wallace; O monumento do Visconde do Bom Retiro e a
mesa do Imperador.

Figura 2. Chafariz em cantaria da Praça Afonso Viseu, projeto do arquiteto francês Grandjean de
Montigny.
Fonte: Acervo Pessoal

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 11 182


7 | A PAISAGEM REPUBLICANA: MARCAS E MATRIZES

Em um terceiro grupo de análise para leitura da paisagem da localidade obtemos


o que convencionamos denominar aqui de paisagem republicana. Durante a pesquisa
avaliou-se que o contexto do período republicano para efeito de análise da área era deveras
complexo. Tendo em vista este fato, o período republicano foi divido em duas partes:
A primeira, corresponde ao tempo compreendido entre a Proclamação da República e
a ascensão de Getúlio Vargas à presidência; E a segunda parte, compreende desde a
ascensão de Getúlio Vargas à presidência da República até o decreto que institui a criação
do Parque Nacional da Tijuca (1961).
Estes se apresentam como fundamentos históricos para a denominação de uma
paisagem republicana”. Em um primeiro momento, o que convencionamos chamar
da paisagem republicana da 1ª metade, tem como contexto a República Velha, que
apresentava para a sociedade uma busca de consolidação do estado após o período
imperial. Neste tempo, a maioria dos presidentes desta época eram políticos de Minas
Gerais e São Paulo. Estes dois estados eram os mais ricos da nação e, por isso, dominavam
o cenário político da república. Saídos das elites mineiras e paulistas, os presidentes
acabavam favorecendo sempre o setor agrícola, principalmente do café (paulista) e do
leite (mineiro). A política do café-com-leite sofreu duras críticas de empresários ligados à
indústria, que estava em expansão neste período. O paradigma instituído era positivista
e oligárquico, onde a retórica do progresso se misturava com as novas elites ditadas pelo
poder aquisitivo dos grandes produtores do setor agrícola e pecuário. Era preciso neste
momento resgatar uma nova base, nova consistência histórica para o novo momento da
nação.
Estas novas elites buscam sua autoafirmação a partir do passado colonial, transitando
na ambiguidade dos conceitos de tradicional e moderno. A orientação nacionalista do
movimento Neocolonial se explicita, entre outros aspectos, na defesa das manifestações
artísticas tradicionais como expressões da nacionalidade e elementos de constituição da
arquitetura brasileira. Contrapondo-se ao ecletismo arquitetônico reinante nos séculos
XIX e XX, o movimento neocolonial propõe uma arquitetura de cunho nacional.
O interesse renovado pelo estilo colonial nas primeiras décadas do século XX pode
ser observado não apenas no Brasil, mas em diversos países da América Latina, de
modo geral associado às comemorações dos movimentos de independência nacional.
No México, Peru, Colômbia, Venezuela e países da América Central nota-se a retomada
- utópica e, de certo modo, nostálgica - de motivos decorativos, elementos ornamentais e
estilos presentes na tradição e cultura dos povos autóctones (incas, maias, astecas, etc.),
numa tentativa de substituir o vocabulário eclético importado da Europa no século XIX.
No Brasil, a pretensa e estipulada ausência de uma arquitetura indígena que pudesse ser
resgatada impõe a retomada do barroco e do rococó.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 11 183


Configuram-se então, como principais matrizes da denominada paisagem republicana,
em sua 1ª parte, do Parque Nacional da Tijuca; A Consolidação do estado nação pós-
monarquia; E o Romantismo e fuga da cidade, tendo como expoente importante a literatura
de José de Alencar. As marcas fundamentais estabelecidas na denominada paisagem
republicana, em sua 1ª parte, consistem principalmente na arquitetura neocolonial;
bem como a nova conformação de tipologia arquitetônica: representada pelos prédios
e sobrados, de uma arquitetura civil de uma nova elite de imigrantes. Estas marcas
constituem registros, em símbolos daquele momento da história e do ideário de civilização
e sociedade que contribuíram para a formação (e transformação) do território. Destacam-
se como marcas referenciais deste período: O restaurante “Os Esquilos”, o Museu do
Açude e casas de funcionários dentro do parque Nacional da Tijuca com referenciais
neocoloniais.
Em um segundo momento, urge o que convencionamos chamar da paisagem
republicana da 2ª metade, que tem como contexto histórico principal a Era Vargas, que
apresentava para a uma dinâmica de governo e estabelecendo novas bases sócio-
políticas para o país. Ao assumir o poder da presidência do Brasil, Getúlio Vargas pôs fim
na República Velha, suspendeu a Constituição de 1891, cerrou as Assembleias Estaduais
e o Congresso Nacional. Estabeleceu a ditadura, no entanto, prometeu novas eleições
de uma Assembleia Constituinte. São denominadas fases do governo Vargas: Provisório
(1930-1934); Constitucional (1934-1937); Ditatorial (1937-1945), também chamado
Estado Novo.
Neste tempo, a crise econômica internacional de 1929, provocada pela quebra da
Bolsa de Nova Iorque, repercutiu intensamente no Brasil, levando muitos cafeicultores à
ruína, devido à quebra dos 103 preços no mercado internacional. Por outro lado, os setores
ligados à indústria e às chamadas classes médias urbanas, em ascensão, fortaleceram-se.
Em 1930, aliaram-se ao movimento tenentista e desfecharam o golpe que levou Getúlio
Dorneles Vargas ao poder. O paradigma propagado era populista, industrial e militar, onde
a retórica do progresso agora era ditada pelo controle estatal absoluto e firmam-se as
bases industriais no país. Neste momento a discussão entre o tradicional e moderno,
firma-se para o que é ser moderno. Em termos mundiais, este período é bastante tenso,
culminando na 2ª guerra mundial.
Na arquitetura, o Rio de Janeiro foi o palco dos primeiros encontros entre arquitetos
brasileiros nos anos 30. A orientação nacionalista do movimento Modernismo se explicita,
entre outros aspectos, na declara o rompimento com o tradicionalismo cultural estabelecido
na República Velha. A defesa de um novo ponto de vista estético e o compromisso
com a independência cultural do país fazem do modernismo sinônimo de “estilo novo”,
diretamente associado à produção realizada sob a influência de 1922. Este período
evidencia um compromisso primeiro dos artistas com a renovação estética, beneficiada
pelo contato estreito com as vanguardas europeias.
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 11 184
Configuram-se então, como principais matrizes da denominada paisagem republicana,
em sua 2ª parte, do Parque Nacional da Tijuca; A Gestão do Presidente Getúlio Vargas; E
o decreto de criação do Parque Nacional da Tijuca. As marcas fundamentais estabelecidas
na denominada paisagem republicana, em sua 2ª parte, consistem primordialmente na
consolidação urbanística do Parque como o conhecemos hoje. Estas marcas constituem
registros, em símbolos daquele momento da história e do ideário de civilização e
sociedade que contribuíram para a formação (e transformação) do território. Destacam-
se como marcas referenciais: o Cristo Redentor, o Açude da Solidão, projetado por Burle
Marx em 1944 e os prédios de arquitetura civil de características ecléticas que ocupam
principalmente o entorno da Praça Afonso Viseu.

8 | A PAISAGEM CONTEMPORÂNEA: MARCAS E MATRIZES

Em um quarto grupo de análise para leitura da paisagem do Parque Nacional


da Tijuca convencionamos denominá-lo de paisagem contemporânea. Neste âmbito,
devemos lembrar-nos do contexto do período contemporâneo – para efeito de análise da
área consideramos o período posterior ao decreto de criação do Parque Nacional da Tijuca
como fundamento histórico para a denominação de uma ―paisagem contemporânea”.
Podemos caracterizar, como principais vertentes da paisagem contemporânea na
região: O crescimento populacional da cidade e a apropriação pós-moderna da cultura
e do espaço da atualidade, onde o cenário e a espetacularização – ou seja, o parecer, a
imagem – possuem valoração maior que o ser, a essência das relações.
Configuram-se então, como principais matrizes da denominada paisagem colonial
do Parque Nacional da Tijuca; Expansão urbana da cidade em direção à Barra da Tijuca;
Déficit habitacional e Festas e eventos produzidas no cenário do parque. As marcas
fundamentais estabelecidas na denominada paisagem contemporânea consistem nas
ocupações irregulares existentes no parque e em seu entorno e na utilização das antigas
mansões como cenário para festas e eventos.
Estes fatores constituem em registros, em símbolos daquele momento da história e
do ideário de civilização e sociedade que contribuíram para a formação (e transformação)
do território. Destacam-se como marcas referenciais: A comunidade Mata Machado, uma
das grandes ocupações no bairro e as antigas mansões abandonadas por novas gerações
da antiga aristocracia que preferem viver em bairros mais seguros e mais alinhados com
os anseios contemporâneos, como a Barra da Tijuca.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 11 185


Figura 3. Vista da comunidade Mata Machado, ocupação irregular no Alto da Boa Vista.
Fonte: Acervo pessoal

9 | CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando o fenômeno da paisagem urbana como cultural, em sua expressão


peculiar, os estudos e atividades direcionaram o entendimento do fato em todas as suas
características e circunstâncias relacionadas intrinsecamente. Foi importante perceber as
distintas relações existentes na área projeto, evidenciando suas marcas e matrizes, em
grupos historiográficos específicos que moldaram a leitura das paisagens do Alto da Boa
Vista, bairro singular da cidade e que possui um potencial enorme para desenvolvimento
de estudos na área de morfologia urbana relacionada ao ambiente natural.

REFERÊNCIAS

BERQUE, A. Paisagem marca, paisagem matriz: Elementos da problemática para uma Geografia
Cultural. In: CORRÊA, R.L.; ROZENDAHL, Z. (org.) Paisagem, Tempo e Cultura. Rio de Janeiro:
EDUERJ, 1984. p. 84-91.

CULLEN, G. Townscape, Londres: The Architectural Press, 1961.

DRUMMOND, J. A. O Jardim dentro da Máquina: Breve história ambiental da Floresta da


Tijuca. Rio de Janeiro: Estudos Históricos, 1988.

HEYNEMANN, C.B. Floresta da Tijuca: Natureza e Civilização. Rio de Janeiro: Departamento


Geral de Documentação e Informação Cultural, Divisão de Editoração,1995.

SAUER, C.O.The morphology of landscape. In: LEIGHLY, J. (org.). Land and life - a selection
from the writings of Carl Ortwin Sauer. Berkeley: University of California Press, 1983. p. 315-
350.
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 11 186
CAPÍTULO 12
doi

CEAGESP: RECONVERSÃO E PROJETO URBANO?

Data de aceite: 05/07/2020 como habitações, serviços e comércios para


Data de Submissão: 06/05/2020 melhorar o bem-estar social da população?
Apresentamos neste artigo, análises de projetos
urbanos internacionais implantados em áreas
Bárbara Pereira Baptista degradadas e ociosas, advindas da decorrência
Universidade Presbiteriana Mackenzie
do processo de desindustrialização das grandes
São Paulo – SP
metrópoles, também, eles têm como enfoque
barbara.pereira.baptista@gmail.com
proporcionar a ampliação de relacionamentos
http://lattes.cnpq.br/3244147145514986
em rede devido à requalificação da área na qual
Nadia Somekh
foram aplicados. Apresentamos neste artigo
Universidade Presbiteriana Mackenzie
um estudo do panorama histórico do bairro
São Paulo – SP
do CEAGESP, iniciado com a formação do
nadiasom@terra.com.br
bairro de Vila Leopoldina até seus dias atuais
http://lattes.cnpq.br/5961049811271305
analisando sua topografia, área de várzea e
mobilidade urbana da região, culminando com
a possível retirada do entreposto da localidade.
RESUMO: A região do CEAGESP, vem A experiência internacional através de alguns
passando por transformações importantes. exemplos traz uma questão central: Pirelli la
Novas conexões metroviárias, reconversão de Bicocca, Porto de Baltimore, London Dockland,
áreas industriais em produtoras audiovisuais, Paris Rive Gauche, Arroba 22 e Puerto
de economia criativa e ainda uma possível Madero, afinal, esses projetos trazem possíveis
relocalização do centro de abastecimento nos respostas para o futuro da Vila Leopoldina?
levam a refletir qual projeto será adequado para PALAVRAS-CHAVE: Projeto urbano,
a melhor utilização da área em questão. Este CEAGESP, reconversão.
artigo trata da importância da discussão, estudo
e análise dos possíveis projetos urbanísticos
a serem instalados na Vila Leopoldina onde
se situa o CEAGESP. Como reestruturar a
região, com enfoque em novas infraestruturas,

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 12 187


CEAGESP: RECONVERSION AND URBAN PROJECT ?

ABSTRACT: The CEAGESP region is undergoing important transformations. New subway


connections, reconversion of industrial areas into audiovisual production companies, creative
economy and a possible relocation of the supply center lead us to reflect on which project will
be suitable for the best use of the area in question. This article deals with the importance of
discussion, study and analysis of possible urban projects to be installed in Vila Leopoldina
where CEAGESP is located. How to restructure the region, focusing on new infrastructures
such as housing, services and businesses to improve the social well-being of the population?
In this article we present analyses of international urban projects implemented in degraded
and idle areas, resulting from the process of deindustrialization of large metropolis, also,
they focus on providing the expansion of relationships due to the requalification of the area
in which they were applied. In this article we present a study of the historical panorama of
the CEAGESP neighborhood, which began with the formation of the neighborhood of Vila
Leopoldina until its present day analyzing its topography, floodplain area and urban mobility
in the region, culminating with the possible removal of the local warehouse. The international
experience through some examples brings a central question: Pirelli la Bicocca, Port of
Baltimore, London Dockland, Paris Rive Gauche, Arroba 22 and Puerto Madero, after all,
these projects bring possible answers for the future of Vila Leopoldina?
KEYWORDS: Urban project, CEAGESP, reconversion.

1 | INTRODUÇÃO

Durante o terceiro semestre da graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade


Presbiteriana Mackenzie, foi proposto a realização de projetos urbano de utilização
espacial do CEAGESP. Devido a essa proposta da faculdade, o tema da degradação e
abandono da região de Vila Leopoldina, tornou-se importante. Ainda nessa época, era
avaliada pela prefeitura a retirada do entreposto de tal região e a implantação de um polo
tecnológico em tal espaço. Sendo assim, esta pesquisa pauta-se na comprovação da
necessidade de restabelecer o espaço, agora mal utilizado pela central alimentícia, para
os moradores da região.
O projeto urbanístico do Rive Gauche é a referência inicial desta pesquisa, uma
vez que se trata de uma área de ferrovias desativadas, e devido ao desuso de terreno,
tal projeto foi criado. Ele é uma iniciativa plural pois gera uma rede de acessibilidade
permitindo maior convívio social. É constatada a funcionalidade desse projeto já que tal
foi implantado na década de 1990 e vigora até hoje.
A proposta contida nesta investigação sobre a região do CEAGESP é de cunho social
e impacto urbano. A má utilização do setor devido à implementação indevida do entreposto
afeta não só as relações humanas dentro do bairro, mas também em escala metropolitana.
A desvantagem para tais habitantes ocorre devido ao baixo planejamento e à falta de

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 12 188


previsão do crescimento da cidade, da população e do adensamento desproporcional de
vias de transporte. Desse modo, a central de distribuição de alimentos, acaba situada em
uma região remota, e inutilizável, impactando negativamente tanto em sua proposta inicial
de ser um entreposto alimentício, quanto na utilização correta de seu espaço, tendo-o
para os moradores da região.
O objetivo dessa apuração é avaliar a viabilidade da retirada do CEAGESP, tendo
como pauta a revitalização de zonas de entrepostos em países europeus. Esse desígnio
será alcançado via estudos aprofundados em projetos urbanísticos internacionais e
pesquisas densas sobre as exigências dos arredores do rio Pinheiros e de Vila Leopoldina,
zona oeste de São Paulo. Afinal, o entreposto é tal qual colocado um empecilho para o
progresso do bairro.

2 | DESENVOLVIMENTO DO ARGUMENTO

Vazios urbanos e o processo de desindustrialização

A desindustrialização é um fenômeno observado em grandes cidades capitalistas


industriais. Antes a indústria era a atividade econômica principal das metrópoles, que
com o passar do tempo foi sendo redirecionada para cidades do interior em decorrência
do adensamento populacional, que acarreta um aumento de impostos territoriais e de
congestionamento (PADUA, 2009).
O processo mundial de reestruturação econômica que vem se intensificando ao
longo dos últimos 40 anos, gerou uma crise urbana caracterizada pelo surgimento de
grandes áreas ociosas ou subutilizadas. Em decorrência disso, essas regiões sofreram
com desemprego, perda da dinâmica econômica, desgaste dos tecidos sociais existente,
degradação ambiental e baixa qualidade da ocupação do espaço urbano (SOMEKH, N.;
CAMPOS NETO, C.M., 2005).

Projetos urbanos

A partir da segunda metade do século XX, passaram a ser realizados novos tipos de
projetos urbanísticos que auxiliassem na melhoria e no fortalecimento econômico, social
e cultural de áreas deterioradas e ociosas

a colaboração entre o poder público (viabilizadores), o poder privado (investidores) e


as comunidades (moradores e usuários) garante a identificação de planos e programas
que possam maximizar e compatibilizar os esforços e os investimentos, e nortear a
implementação integrada de ações e projetos a curto, médio e longo prazos [...] atraindo
novos investidores, moradores e consumidores, gerando, por sua vez, novos projetos
(RIO, 2001, parágrafo 5).

Pirelli La Bicocca, Milão

Logo após a Segunda Guerra e as transformações nos processos industriais, os


Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 12 189
complexos industriais de Milão começaram a ser abandonados gerando vazios urbanos.
O projeto de Pirelli La Bicocca se caracteriza pela ocupação de antigos galpões industriais
de Pirelli, promovendo diversidade residencial e valorização do espaço público e
preservação do patrimônio histórico, evitando a apropriação desse espaço pelo capital
imobiliário. (EIGENHEER, D. M.; SOMEKH, N., 2012).
O planejamento da área teve como objetivo criar um polo tecnológico multifuncional
de pesquisa, educação e serviços. Seu outro princípio estruturador é integrar o projeto
à malha viária existente gerando uma continuidade, além de uma boa fluidez de seus
espaços e estimular o transporte coletivo de massa e produzir energia não poluente
(GUERRA, A.; MENDES, T.M.D., 2005 apud EIGENHEER, D. M.; SOMEKH, N., 2012).
Isso transformaria a região em uma nova centralidade urbana que promoveria
usos mistos diferenciados, como residências, comércio, cultura, instituições, serviços
e pesquisa de âmbito público e privado e que mesmo assim mantivesse a tradição da
região. Para sua produção, houve a colaboração entre os âmbitos público (o Município de
Milão) e privado (Grupo Pirelli) (GUERRA, A.; MENDES, T.M.D., 2005 apud EIGENHEER,
D. M.; SOMEKH, N., 2012).

Porto de Baltimore, Nova Iorque

No fim da década de 50, com o abandono das áreas centrais e o declínio do porto
de Baltimore, no canto Sudoeste de Manhattan, uma iniciativa privada elaborou um
plano de recuperação do porto com a conservação de alguns edifícios de valor histórico
e a valorização de múltiplos usos como habitação, comércio, serviços, lazer e turismo
cultural (JANUZZI, D. C. R.; RAZENTE, N., 2007). A região havia sido patrocinada pelo
governador Nelson Rockefeller. Com a crise nova-iorquina dos anos 70, a diretriz passou
a ser a abertura ao mercado, visando criar um grande complexo de torres de escritórios e
condomínios residenciais verticais (SOMEKH, N.; CAMPOS NETO, C.M., 2005). O projeto
trouxe uma nova imagem ao público, que na década de 50 era decadente e feia e mudou
para uma cidade conceituada (RIO, 2001).

London Dockland, Londres

Nos anos 70, o fechamento das antigas docas londrinas levou à criação de propostas
de renovação urbana, no entanto os comitês criados não dispunham de poderes e recursos.
Como solução, houve o loteamento das glebas do antigo porto de Londres entre diversos
empreendedores, desenvolvendo um projeto, o London Dockland, voltado ao urbanismo
pós-moderno de gentrificação, negando a presença de serviços sociais e habitação
popular. Tornou-se o maior exemplo de planejamento de ideal neoliberal, no entanto sua
imensidão ameaçava a sua própria qualidade urbana (SOMEKH, N.; CAMPOS NETO,

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 12 190


C.M., 2005).

Paris Rive Gauche, Paris

O 13º Distrito, localizado ao leste de Paris, vinha se degradando ao longo do século XX,
em detrimento das transformações tecnológicas e falta de investimento público. Surgiram
diversos terrenos baldios resultantes do processo de desindustrialização e com isso, o
governo francês decide executar uma intervenção na área criando um polo urbano misto,
incluindo empresas terciárias e diversas habitações para a população da região evitando
um processo de gentrificação. Essa operação urbana é conhecida como Paris Rive Gauche
e acabou por gerar novos pequenos bairros que são dedicados aos seres vivos, reunindo
diversas funções e atividades como habitações, serviços, comércios, cultura e ensino
(VIEIRA, 2010). Dessa forma, cada um dos bairros que o compõem gera uma rede de
acessibilidade permitindo maior convivência e interação social, possivelmente reduzindo
a necessidade de deslocamentos. Ademais, o projeto do Paris Rive Gauche busca unir
diversos tipos sociais e econômicos dentro da mesma região, através de habitação social
e de habitação estudantil (PARIS, 2018).

Arroba 22, Barcelona

Para as Olimpíadas de 1992, o governo disponibilizou fundos para haver uma


renovação da região portuária de Barcelona, onde abrigaria a Vila Olímpica. Buscaram
desenvolver um modelo urbano de alta qualidade, compacto, misto e sustentável, para
que a cidade viesse a ser mais equilibrada, híbrida, ecologicamente mais eficiente, com
mais força econômica e mais coesa (BARCELONA, 2012).
Isso tornou-se uma oportunidade para desenvolver um projeto urbano ambicioso, que
veio a ser composto por duas torres, compostas por um hotel, conjuntos de escritórios,
habitações e ênfase no lazer. Após as Olimpíadas o projeto custou a deslanchar e as
atividades de recreação ao ar livre tornaram-se o seu ponto forte (Somekh & Campos
Neto, 2005).

Puerto Madero, Buenos Aires

A região da Puerto Madero se caracteriza por um projeto de renovação urbana dividida


em dois trechos. Houve a reconversão dos velhos galpões do porto como escritórios de
alto padrão, mantendo sua volumetria e recebendo bares e restaurantes no seu térreo.
Já do outro lado dos diques, a região ganhou mais liberdade recebendo parques, torres
de escritórios e edifícios habitacionais. A lógica empresarial aplicada no projeto, tornou
a região extremamente gentrificada, com espaços de alta qualidade que, apesar de ser
aberto a todos, sua fruição limita-se a elite local. Esse projeto é um exemplo das renovações
que acabam exacerbando tendências contemporâneas, que visam a produção privada
do espaço urbano como diretriz de seu desenho (SOMEKH, N.; CAMPOS NETO, C.M.,

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 12 191


2005).

Benefícios e malefícios nos projetos urbanas

Pode-se verificar, por meio das intervenções urbanas citadas, que existem
diferentes tipos de projetos com novos tipos de produção do espaço urbano. Alguns
desses processos de renovação como a de Pirelli La Bicocca e de Baltimore, estiveram
relacionadas à requalificação da área portuária com a preservação de edifícios de valor
histórico, resultando na valorização dos espaços coletivos. Já as de Paris e Barcelona
tiveram como enfoque a recuperação de áreas deterioradas, a reordenação da cidade com
melhorias na circulação e aumento dos espaços para lazer. Eles buscam dar vitalidade
às áreas de atuação, levando em consideração questões econômicas, sociais, funcionais
e ambientais, além das relações humanas e econômicas que os envolvem. No entanto
vale lembrar que cada situação exige um estudo apropriado próprio (JANUZZI, D. C. R.;
RAZENTE, N., 2007).
Em certos casos, os projetos urbanos se transformaram em instrumentos agravantes
de exclusão, e buscam articular suas ações pontuais com o todo. Isso coloca em questão a
capacidade e as limitações dos atores locais e das esferas governamentais na redução de
desigualdades ampliadas no quadro da globalização (EIGENHEER, D. M.; SOMEKH, N.,
2012). Com isso, nas últimas décadas, têm surgido iniciativas menos ambiciosas, sendo
voltadas aos interesses e às perspectivas de cada localidade (SOMEKH, N.; CAMPOS
NETO, C.M., 2005). Estas intervenções pontuais, são mais controladas na questão de
transformação do ambiente construído, entretanto planejamentos metropolitanos podem
potencializar e dar mais sentido (EIGENHEER, D. M.; SOMEKH, N., 2012).

Processo de fragmentação do mercado alimentício

O abastecimento alimentar das grandes cidades tem sua origem ligada ao


desenvolvimento de aglomerações urbanas, uma vez que a constituição de mercados
estabelece vínculo direto com o fluxo de mercadorias e as dinâmicas do território. Dessa
forma, os territórios urbanos ainda dependem do campo para o seu abastecimento,
gerando assim, a comercialização e movimentação de mercadorias, que reforçam a
relação urbano-rural (CIPOLLETTA, 2010).
Com a evolução do cenário de desenvolvimento e qualidade urbana atingido pelo
reflexo das políticas públicas de gerenciamento adotados nas cidades, criou-se certa
divergência quanto à consolidação das centrais de abastecimento já existentes. Devido
ao adensamento dos centros urbanos, o consequencial congestionamento de suas vias
dificulta o acesso dos caminhões que abasteciam os mercados centrais, formando assim,
uma obstrução na função até então exercidas por estes estabelecimentos. A partir do
aumento da população urbana pós Segunda Guerra Mundial, igualmente com a aceleração
das relações intercambiáveis regionais devido à modernização dos meios de transporte,

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 12 192


o setor alimentício é instigado a buscar novas formas de organização e funcionamento,
capazes de atender à crescente demanda (CIPOLLETTA, 2010).
Como resultado deste cenário, ao longo da década de 60, muitos países transferiram
seus mercados para regiões periféricas ao tecido urbano e que apresentassem infraestrutura
de transporte consolidada. Portanto recebendo a função de intermediar os produtores e
consumidores na distribuição de alimentos, de forma a simplificar e reduzir as transações
realizadas (CIPOLLETTA, 2010).

Alteração da estrutura de abastecimento alimentícia em São Paulo

A partir de 1930, com o adensamento da urbanização e industrialização, o Brasil


passou por recorrentes crises de abastecimento alimentício. Dessa forma, o primeiro
governo Vargas buscou intervir viabilizando melhorias no processo administrativo e
ampliação da produção (CIPOLLETTA, 2010). O antigo sistema de abastecimento de São
Paulo era muito semelhante à estratégia utilizada em Paris, que possui uma estrutura viária
radioconcêntrica e próximo das demais atividades presentes nos centros (CIPOLLETTA,
2010).
Acompanhando a tendência mundial dos anos 1960 e 1970, o poder público
municipal promulgou a transferência do Mercado Municipal, até então centralizador da
administração de alimentos da cidade, para uma região considerada periférica à mancha
urbana (CIPOLLETTA, 2010). Além disso, o intenso ritmo de crescimento da cidade
indicava a necessidade de se criar um entreposto atacadista de distribuição em escala
estadual. Com isso foi construído o Centro Estadual de Abastecimento - CEASA em 1969,
instalado na Vila Leopoldina.

Transformações da Vila Leopoldina

A partir de 1880, com a expansão da cidade pela fixação de grande quantidade de


estrangeiros em São Paulo, as várzeas do rio Pinheiros receberam importante significado
econômico para grande parte dos habitantes da época, servindo não só pelos recursos
naturais, mas também como meio de transporte (BASILE, 2013). Em 1894, o bairro foi
inicialmente loteado pela empresa Richter&Company, para a construção de indústrias e
residências (PANISI, 2017). Com o desenvolvimento das atividades industriais, tornou-se
necessário a acomodação de linhas férreas na área urbana para o transporte da produção
e conexão dos novos bairros operários e áreas industriais com as áreas centrais (BASILE,
2013).
Por volta dos anos 1920, inicia-se a travessia dos bondes da Cia Light para
modernização da região. Tal crescimento da malha urbana até o leito do rio, propiciou
o processo de drenagem e retificação, ocorrido nas décadas de 1930 a 1950, visando
redefinir, bem como ampliar as possibilidades de uso da várzea. Outra atuação foi a da
Companhia City através do planejamento de loteamentos voltados às classes altas da

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 12 193


sociedade, capitalizando de modo privado o crescimento da cidade. Sua força diante da
burguesia, a garantiu o direito de se apropriar das áreas alagadiças e inundáveis do leito
dos rios (BASILE, 2013).

Localização e importância do CEAGESP

Em 1964, com a necessidade de se estabelecer um entreposto atacadista de


distribuição estadual em algum ponto da cidade, decorrente de sua expansão, o ETSP
(Entreposto Terminal São Paulo) do CEAGESP foi implantado. Localiza-se à Rua Doutor
Gastão Vidigal, 1964, no distrito da Vila Leopoldina, subprefeitura da Lapa, região Noroeste
do município de São Paulo.
Era um bairro de passado marcantemente industrial, com forte presença da
indústria têxtil, e veio a se desenvolver diante à presença da ferrovia e a acessibilidade
viária. Caracterizado como subúrbio, era um bairro popular, de pequenas residências e
predominância de grandes glebas (PANISI, 2017).
A construção do entreposto trouxe intensas mudanças na dinâmica da Vila Leopoldina
e Jaguaré, como incremento de atividades de comércio e serviços, adensamento
populacional, além de congestionamento. Foi responsável pela atração de empresas que
estabelecem uma relação de dependência ou mesmo concorrência com a CEAGESP,
como o comércio paralelo de hortigranjeiros, plantas e flores (CIPOLLETTA, 2010). Outros
três fatores prévios ao entreposto, que alavancaram o crescimento do bairro foram a
construção da Rodovia Anhanguera de 1943 a 1948, a instalação do Centro Industrial
Miguel Mofarrej e a construção das marginais Pinheiros e Tietê, na década de 1950
(PANISI, 2017).
De acordo com a Nova Técnica da Prefeitura de São Paulo, o ETSP

É o maior entreposto atacadista de alimentos do país, com área de 574.000 m² e 2.750


permissionários, comercializando 3,3 milhões de toneladas por dia e faturando 7 bilhões
de reais por ano. Abastece 60% da RMSP, gerando cerca de 15 mil empregos e atraindo
cerca de 50 mil pessoas e 12 mil veículos por dia (URBANISMO, 2016, p. 3).

Esse é oficialmente o Entreposto Terminal de São Paulo (ETSP) e é administrado pela


Companhia de Entreposto e Armazéns Gerais de São Paulo (CEAGESP), como também
é conhecido. O CEAGESP é uma empresa público-federal vinculada ao Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que administra uma rede pública de 13
entrepostos atacadistas e 18 armazéns no âmbito do Estado de São Paulo (URBANISMO,
2016).

O CEAGESP: Acesso e mobilidade

Até a década de 90, grande parte do sistema de abastecimento dos silos e do


CEAGESP eram feitos pelos ramais ferroviários, e com a sua desativação, entreposto
passou a ser abastecido unicamente por caminhões. Essa alteração contribuiu fortemente
para os congestionamentos da região, já que demandam grandes áreas para estacionar

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 12 194


e estão sujeitos a restrições de circulação em determinados horários pela legislação
municipal (URBANISMO, 2016).
Felizmente a região do CEAGESP é bem conectada com o restante da cidade
no ponto de vista automobilístico. Ela está compreendida entre as marginais Tietê e
Pinheiros, que garantem fácil acesso às rodovias e aos bairros das zonas Norte, Leste
e Sul da cidade. A Av. Gastão Vidigal faz a ligação sentido norte-sul até a Faria Lima e a
Avenida Queiróz Filho faz a ligação leste-oeste até a Av. Paulista. Além disso, as pontes
do Jaguaré, Remédio e Anhanguera fazem a transposição dos rios (PANISI, 2017).
As Marginais Pinheiros e Tietê possuem um caráter de via expressa e são de
grande importância na estrutura viária da cidade, por se conectarem aos anéis viários da
cidade – o anel intermediário e o grande anel. Ademais, dão acesso a diversas rodovias
como a Castelo Branco, Raposo Tavares, Régis Bittencourt e, através da Avenida dos
Bandeirantes, às rodovias dos Imigrantes e Anchieta (BASILE, 2013).
Já a microacessibilidade não é bem estruturada, já que suas vias não são devidamente
aproveitadas para a criação de um bairro bem conectado para seus pedestres e ciclistas.
A introdução do carro e do tráfego de veículos no geral alterou a dinâmica das cidades e
a forma de projetá-las (PANISI, 2017). Há um grande investimento público priorizando os
veículos em detrimento aos pedestres.
O trecho de ciclovia existente é inferior ao proposto que adentra o bairro, além de
estar desconectada do restante. Já a presente na Marginal não é totalmente acessível a
cidade uma vez que possui apenas cinco pontos de acesso do lado leste. No caso dos
pedestres, são poucas as calçadas com uma dimensão confortável e que se encontram
em boas condições, além da má iluminação e grande presença de paredões, que tornam
a caminhada perigosa e desagradável (PANISI, 2017).
Já na questão de transporte público, a região é atendida pelo CPTM linha 9 –
Esmeralda, antiga estrutura ferroviária de 1957, que atualmente se conecta à duas linhas
de metrô, linha 5 – Lilás e linha 4 – Amarela. (BASILE, 2013). As orlas ferroviárias, onde
se localiza o atual CPTM, define um território de difícil ocupação e que reforça o caráter
de barreira urbana. Isso é decorrente da sua dissociadas de outros meios de transporte
e grande distância das demais estações, o que torna o bairro desconexo e não chega a
formar um polo de desenvolvimento ao redor de suas estações (PANISI, 2017).

O CEAGESP: Vegetação no entorno

A região possui duas áreas verdes significativas nas proximidades, o Parque Villa
Lobos mais ao sul e o Parque Leopoldina – Orlando Villas-Bôas mais ao norte. Fora esses
dois parques, as demais áreas livres na região estão atreladas ao sistema viário, o que
dificulta a sua apropriação por parte dos usuários. No entanto, o Parque Leopoldina –
Orlando Villas-Bôas está fechado desde 2015 com suspeita de contaminação do solo, e
no primeiro semestre de 2017 comprovou-se que não há qualquer impedimento para a

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 12 195


reabertura do parque, sendo que este continua fechado e abandonado por seus gestores,
que alegam não haver verba (PANISI, 2017).

O CEAGESP: Topografia e a ocupação da várzea dos rios Pinheiros e Tietê

De acordo com a Nova Técnica da Prefeitura de São Paulo sobre o diagnóstico do


Arco Pinheiros, o início da urbanização da região ocorreu com os loteamentos residenciais
da Cia. City, que ocuparam as cotas mais elevadas, distantes dos pontos alagadiços,
como nos bairros City Lapa e City Boaçava, a leste do Rio Pinheiros. Os cursos sinuosos,
dos rios Tietê e Pinheiros, continham extensas várzeas alagáveis, que formavam lagoas
permanentes ou sazonais (URBANISMO, 2016).
Durante as décadas de 30 a 50, ocorreram o processo de canalização e retificação
dos rios, tanto pelo desejo de transpor os rios quanto pela necessidade de controlar
problemas sanitários. No entanto, nos anos 60, antes mesmo das finalizações da obra, o
rio já transbordava causando inundações, em decorrência da excessiva impermeabilização
proveniente da urbanização sem planejamento, somada ao tamponamento de afluentes
e a rede de drenagem insuficiente, que com o passar das décadas agravou o problema
(PANISI, 2017). Apesar do CEAGESP estar bem posicionado na metrópole, com fácil
acesso pelas marginais, em épocas de chuva, a central sofre com problemas de enchente.
Analisando o antigo percurso original do rio e seu posicionamento atual, percebe-se que
o CEAGESP está situado onde antigamente eram pequenos lagos e alagadiços naturais
dos meandros do rio Pinheiros, o que justifica sua topografia relativamente plana e suas
constantes inundações.

Funcionamento do CEAGESP

Em 1969, houve a fusão da Companhia de Armazéns Gerais do Estado de SP -


CEAGESP com o CEASA formando o atual CEAGESP (Companhia de Entreposto e
Armazéns Gerais de SP). O CEAGESP é constituído pelo ETSP – Entreposto Terminal de
SP, formado pelo FAP – Frigorífico de Armazenamento Polivalente e pelo Silo Jaguaré. Até
1977 era do Estado, quando foi federalizada em decorrência de uma dívida estadual com
a União, além de também ter o intuito de privatizá-la no futuro. Atualmente é administrado
com vínculo com o MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (CEAGESP,
2019).
A Companhia tem ao todo 34 unidades armazenadoras em 27 municípios, 13
entrepostos em 13 municípios e 8 frigoríficos em 8 municípios, distribuídas em 35
municípios. De acordo com o próprio CEAGESP, apenas 17 dos 34 armazéns do estado
estão em atividade. A falta de atualização de seu parque de instalações e equipamentos,
vem causando consequências para as unidades, como: obsolescência, inadequação
de estruturas para transbordo e até a necessidade de aumentar a capacidade estática
instalada. Isso afeta os resultados técnicos/operacionais, econômicos e sociais do

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 12 196


entreposto, já que está com seu funcionamento comprometido pelo saturamento de seus
acessos, estacionamentos, áreas de estocagem e comercialização. Além de o constante
aumento da produção agrícola dos últimos anos estar causando problemas de superlotação
pela falta de espaço para o recebimento do excedente (URBANISMO, 2016).

Mudanças atuais na região

A região possui uma estrutura de metrópole industrial, no entanto, isso não impediu
que a área passasse por um processo de requalificação e alteração de usos. Isso gera uma
contradição, já que permanece as estruturas físicas e funcionais oriundas da metrópole
industrial em junção da nova estruturação física e social que vem se instalando na região
(PANISI, 2017).
Diante do processo de desindustrialização, atualmente a região vem passando
por um processo de esvaziamento de grandes glebas dos antigos galpões industriais e
construção de empreendimentos imobiliários de médio e alto padrão. Essa verticalização
iniciada na década de noventa, tem um alto investimento na construção de torres isoladas
de padrão de funcionalidade única. Isso forma um desenho urbano degenerado, no qual
estes grandes lotes ocupados por condomínios fechados não se comunicam aos serviços,
atividades e equipamentos nos seus exteriores, que são fundamentais ao desenvolvimento
equilibrado das atividades urbanas (BERNARDINI, 2005).
Atualmente o capital imobiliário na Vila Leopoldina pode ser classificado em dois
eixos: a produção habitacional de condomínios verticais de alto padrão e diversos edifícios
comerciais de alto padrão no trecho mais ao sul do CEAGESP. No entanto não preveem
a implantação de infraestrutura necessária para a população local, como por exemplo,
comércio local, restaurantes, farmácias e praças (PANISI, 2017). De acordo com as
análises feitas por Ana Paula Panisi,

Podem ser observados três padrões de edifícios comerciais e de serviços. O primeiro


refere-se aos grandes estabelecimentos comerciais localizados na Av. Gastão Vidigal
e Av. Queiróz Filho, como supermercados, lojas de carros e materiais de construção.
O segundo padrão são os antigos galpões, construídos de materiais simples e baixo
gabarito, hoje reaproveitados por novos usos, principalmente estúdios de cinema
e indústrias de processamento. Já o terceiro tipo seriam os novos empreendimentos
comerciais – localizados principalmente ao sul do terreno - edifícios de médio gabarito e
que possuem o melhor padrão construtivo observado (PANISI, 2017, p. 28).

Ao mesmo tempo, o seu funcionamento incentivou atividades marginais em seu


entorno imediato, como o comércio ambulante que se aproveita do seu público, uma
população de baixíssima renda que vive dos descartes de comércio alimentício e atividades
ilegais como prostituição e tráfico de drogas dentro do entreposto decorrentes da pouca
fiscalização em seu interior (CIPOLLETTA, 2010). Houve o surgimento de assentamentos
precários e população de rua, que passaram a ocupar terrenos e galpões vazios, o leito
de ramais ferroviários desativados e trechos de calçadas e de vias locais, intensificando
ainda mais os problemas urbanos (URBANISMO, 2016).

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 12 197


Na região existem 6 favelas e 2 conjuntos habitacionais com 116 famílias habitando
a área em 2016, sendo que as comunidades Da Linha e do Nove, e o Conjunto Cingapura
Madeirite tem proveito das sobras da CEAGESP, e com isso seriam altamente afetados
com a sua retirada. No entanto essas famílias têm sido pressionadas pelo poder público
e mercado imobiliário para se retirarem do local por atrapalharem o desenvolvimento e
elitização do bairro (PANISI, 2017).
A partir do PDE de 2002, foi implantado no Plano Diretor Estratégico vigente a
demarcação de diversos perímetros de ZEIS (Zona Especial de Interesse Social). No
entanto essas demarcações sofrem resistência e barreiras da Associação de Moradores
do bairro. Além disso o mercado imobiliário anuncia o bairro como a Nova Moema, pela
sua tentativa de enobrecer a região e apagar seu passado pobre e operário (PANISI,
2017).
Devido a isso, atualmente existem diversos problemas que limitam a atuação do
entreposto na sua localidade atual, dificultando sua adequação aos padrões de mercado
existentes ademais da falta de controle de suas portarias para entrada de veículos e
pedestres, problemas nas redes elétricas e de água, infiltrações, falta de sinalização em
suas vias e de recapeamento e calçadas sem manutenção (CIPOLLETTA, 2010).

Seu processo de retirada

Durante a chamada era das privatizações, do governo de Fernando Henrique


Cardoso, em 1997, para reduzir as dívidas estatais o governador Mário Covas transferiu
o CEAGESP para a União. Já em 2002, o presidente doou a área à Fapesp e a USP,
para uma futura implantação de um parque tecnológico, entretanto o diretor-presidente do
CEAGESP da época negou (CIPOLLETTA, 2010).
Juntamente com a Secretaria de Agricultura e Abastecimento e o Governo do Estado
de São Paulo, o governo municipal encomendou estudos de uma nova área para abrigar
as atividades do entreposto, levando a uma proposta próxima do trecho Noroeste do
Rodoanel Mário Covas, junto aos limites de São Paulo, Osasco, Cotia e Taboão da Serra,
entre as rodovias Raposo Tavares e Régis Bittencourt (CIPOLLETTA, 2010).
Os principais pontos que fortalecem o desejo de saída da central da região da
Vila Leopoldina são o intenso tráfego de caminhões, que gera poluição e saturamento
das vias de acesso, dos estacionamentos, das áreas de estocagem e comercialização,
prejudicando assim, sua eficiência e o pleno cumprimento de seu papel com a metrópole.
Sem contar a valorização do solo urbano local devido ao processo de transformação do
bairro desde a década de 1990 (CIPOLLETTA, 2010).

Acredita-se que a proximidade do Rodoanel trará benefícios significativos à atividade do


abastecimento, uma vez que na lógica do Rodoanel, as cargas que circulam em sistema
viário radial passariam a circular em sistema anelar, descongestionando os trechos
intraurbanos das rodovias e avenidas marginais. No entanto, um dos maiores motivos
para a permanência da central onde se encontra atualmente é que 60% da carga que

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 12 198


chega ao entreposto pelas rodovias é consumida na RMSP (Região Metropolitana de São
Paulo), sendo que cerca de 80% desse total tem como destino o próprio município de
São Paulo. Ou seja, o fluxo de caminhões nas vias intraurbanas se manteria praticamente
o mesmo (CIPOLLETTA, 2010, p. 64).

Essa atitude, implica em um alto investimento do poder público na construção da nova


central, além de aumentar sua distância dos centros consumidores, exigindo um aumento
nas despesas de transporte podendo ampliar o preço dos produtos (CIPOLLETTA, 2010).
Já o terreno antigo terá impactos positivos, tendo um “novo bairro” desocupado, aplicando
o fator de planejamento igual a zero, que segundo a Nova Técnica do CEAGESP do
Urbanismo São Paulo, permite - por razões de planejamento urbano e política pública
- a potencialidade da atratividade da Vila Leopoldina ser revertida em desenvolvimento
equilibrado da cidade.

No caso do CEAGESP se instalar em outra localidade dentro do Município de São Paulo,


o fator de planejamento (Fp) será igual a zero para fins de cálculo da contrapartida
financeira relativa à outorga onerosa de potencial construtivo adicional para novas
construções que forem edificadas dentro do perímetro da ZOE referida no “caput” e
desde que os novos empreendimentos estejam envolvidos em parceria público-privado
para a transferência do CEAGESP (URBANISMO, 2016, p 15).

Após 20 anos de incertezas, em 2016 o prefeito Fernando Haddad do PT decretou


a aprovação da retirada do CEAGESP do bairro Vila Leopoldina. Em 2018, no entanto o
prefeito João Doria do PSDB decretou que até 2020 a região irá abrigar um novo tecnopolo,
SP CITI (Centro Internacional de Tecnologia e Inovação), descartando a proposta de
criação de empreendimentos imobiliários com habitação popular, estabelecido por Haddad
(G1, 2018).

Legislação vigente na região

De acordo com a atual legislação vigente na região, o entreposto está implantado


na MEM – Macroárea de Estruturação Metropolitana, território definido como aquele que
“passa por processo de mudanças nos padrões de uso e ocupação e conversão econômica,
com concentração de oportunidades de trabalho e emprego geradas pela existência de
legados industriais herdados do passado, novas atividades produtivas, polos de atividades
terciárias, grandes vias estruturais e infraestruturas que fazem parte dos sistemas de
transporte coletivo de massa”, mais especificamente no Setor Orla Ferroviária e Fluvial,
Subsetor Arco Pinheiros (URBANISMO, 2016).
Previamente, o zoneamento vigente na gleba da CEAGESP na Vila Leopoldina, era
uma ZPI, no entanto limitava as possibilidades de seu aproveitamento e avanços de sua
requalificação urbana. Desse modo, estudos realizados pelo grupo interdepartamental
recomendaram a demarcação como ZOE- Zona de Ocupação Especial, caracterizado por
“são porções do território destinadas a abrigar atividades que, por suas características
únicas, necessitem de disciplina especial de parcelamento, uso e ocupação do solo”.
Essa nova proposta conferiu maior flexibilidade de novos usos ao patrimônio federal, ao

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 12 199


mesmo tempo em que trouxe maior atratividade a possíveis parcerias público-privadas.
Os objetivos específicos a serem alcançados no Setor Orla Ferroviária e Fluvial da
Macroárea de Estruturação Metropolitana são:

• Ter um maior aproveitamento da terra urbana com aumento na densidade construtiva,


criação de novas atividades econômicas, estimulando o emprego industrial e
atividades econômicas de abrangência metropolitana.

• Atender critérios de proteção patrimonial e de recuperação, havendo a preservação


e proteção de imóveis relacionados ao patrimônio industrial e ferroviário, bem como
locais de referência da memória operária

• Na questão de sustentabilidade, deve recuperar rios, córregos, planícies aluviais


e áreas vegetadas, além de adequar o sistema urbano de drenagem, saneamento
básico e mobilidade

• Manutenção e promoção de moradias populares, e regularização de assentamentos


precários e irregulares ocupados pela população de baixa renda, prevenindo o
surgimento de novas áreas de vulnerabilidade

• Melhorar a qualidade de transporte ampliando o sistema de transporte coletivo

Várias destes objetivos foram aplicados na proposta do PIU – Projeto de Intervenção


Urbana Vila Leopoldina Villa-Lobos, havendo uma reordenação do espaço urbano e
uma proposta de solução de moradias para a população local, e também prevê novos
equipamentos públicos nas áreas doadas ao município. O projeto tem como foco de
atuação a região situada entre o CEAGESP e o parque Villa-Lobos (LEOPOLDINA,
2019). Com isso, esse projeto é de extrema importância para a região da Vila Leopoldina,
principalmente para a localidade do CEAGESP, vindo a alterar a dinâmica de seu entorno
e possivelmente de toda a região metropolitana de São Paulo.

3 | CONSIDERAÇÕES FINAIS

Isto posto, é importante reforçar como a implementação de um projeto urbano na


região contribuirá para a melhoria na qualidade de vida no bairro, bem como para a
facilitação do desenvolvimento de relações entre os habitantes e o ambiente. Também
contribuindo diretamente para o progresso não só local, mas metropolitano. Assim,
possibilitando a formação de uma rede geral entre os moradores de Vila Leopoldina e os
demais habitantes da mancha paulistana.
Igualmente, vale relembrar o impacto da desindustrialização tanto na região, sendo
um micro impacto quanto na cidade, sendo assim um macro impacto. Como já foi dito,
tal processo resultou na criação de áreas com utilizações medíocres de espaço e usos
indevidos de potencial urbano, deflagrando a necessidade de novos planejamentos
urbanísticos de melhora destas regiões. A fim requalificar a região e propor melhorias à
vida no bairro que integrariam diversas classes sociais e econômicas por meio de novas

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 12 200


propostas de trabalho e moradia.
Por fim, a partir da análise de outros projetos já citados, pode-se concluir que existem
exemplos de reconversões que integram socialmente, de mesma maneira, existem projetos
defasados que gentrificam a região na qual são aplicados. Com o funcionamento desses
locais é possível dizer se eles seriam viáveis e funcionais a ponto de trazerem propostas
replicáveis em Vila Leopoldina.
A pesquisa acredita no potencial de tais projetos no intuito de reforma social, tanto
que a pesquisadora pretende atender a aulas na École Nationale Supérieure d’Architecture
de Paris Val-de-Seine (ENSAPVS), situada na região de Rive Gauche em Paris. Desse
modo, os estudos serão aprofundados não apenas na teoria, mas também na prática e no
convívio com a revitalização proposta.

REFERÊNCIAS
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Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 12 201


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Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 12 202


CAPÍTULO 13
doi

A EVOLUÇÃO DAS INTERVENÇÕES URBANAS


SOBRE A CONFORMAÇÃO DA PAISAGEM DE UMA
CENTRALIDADE LINEAR: AVENIDA REBOUÇAS, EM
SÃO PAULO

Data de aceite: 05/07/2020 cidade. A Avenida Rebouças foi selecionada


Data de submissão: 06/05/2020 para uma pesquisa de base empírica sobre
a atual situação dos empreendimentos
que estão previstos em função do recente
Maria Pronin interesse do setor imobiliário na região. Os
Universidade Presbiteriana Mackenzie, Faculdade
procedimentos utilizados compreendem:
de Arquitetura e Urbanismo
levantamento historiográfico e cartográfico da
São Paulo – SP
Avenida Rebouças e análise da evolução das
http://lattes.cnpq.br/6055077332037143
intervenções que ocorreram a partir do século
Luciana Monzillo de Oliveira
Universidade Presbiteriana Mackenzie, Faculdade
XX na cidade com reflexo no sistema viário
de Arquitetura e Urbanismo e na qualidade do espaço urbano. A análise
São Paulo – SP dos dados obtidos através da identificação e
http://lattes.cnpq.br/4466485917049814 levantamento dos empreendimentos propostos
a partir de 2014 no trecho selecionado,
elaboração de cartografias dos imóveis
Texto publicado originalmente no Caderno de Publicação demolidos, lotes remembrados e implantação
do 9º Fórum de Pesquisa FAU-Mackenzie, realizado das novas edificações demonstram que a
entre os dias 21 a 23 de outubro de 2019.
Avenida Rebouças apresenta, atualmente, um
processo singular de transformação da urbana.
PALAVRAS-CHAVE: Avenida Rebouças,
RESUMO: O atual Plano Diretor Estratégico sistema viário, qualidade do espaço urbano
(PDE) do Município de São Paulo (Lei
16.050/2014) incorporou, entre suas diretrizes
gerais e princípios estruturadores, medidas THE EVOLUTION OF URBAN

baseadas no Desenvolvimento Orientado pelo INTERVENTIONS ON SHAPING THE


Transporte e que buscam por um modelo de LANDSCAPE OF A LINEAR CENTRALITY:
cidade que se adensa de forma articulada às
REBOUÇAS AVENUE, IN SÃO PAULO
redes de mobilidade. O objetivo da pesquisa é
verificar o impacto dessa nova diretriz do PDE ABSTRACT: The current City of São Paulo
de São Paulo sobre a configuração urbana da Strategic Master Plan (SMP) (Law 16.050/2014)

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 13 203


incorporated, among its general guidelines and structuring principles, measures based on
Transport-Oriented Development that seek for a city model that is articulated around mobility
networks. The objective of this research is to verify the impact of this new SMP directive of
São Paulo on the urban configuration of the city. Avenida Rebouças was selected for an
empirical research on the current situation of the projects that are planned due to the recent
interest of the real estate industry in the region. The used procedures include: historiographic
and cartographic research of Avenida Rebouças and analysis on the evolution of interventions
that occurred since the 20th century in the city, with impacts on the road system and in
the quality of the urban space. The analysis of the data obtained through the identification
and research on the proposed projects from 2014 on the selected section, the mapping of
demolished properties, remounted lots and the implementation of new buildings show that
Avenida Rebouças currently has a unique process of urban transformation.
KEYWORDS: Avenida Rebouças, road system, quality of urban space.

1 | INTRODUÇÃO

O deslocamento diário de grande parcela da população para vencer as distâncias


entre moradia, trabalho, escola e equipamentos de uso público, contribui para a falta de
qualidade de vida nas grandes cidades. A deficiência do transporte público disponível
para a população também contribui para piorar a situação, uma vez que incentiva a
utilização de automóveis particulares para a realização dos deslocamentos, gerando
congestionamentos e excesso de emissão de gases nocivos à saúde.
Para conter o crescimento horizontal das cidades e o consequente espraiamento
pelo território e visando diminuir a necessidade do movimento pendular da população
entre moradia e trabalho, na virada do século XXI evidenciou-se a discussão sobre a
questão da alta densidade demográfica e construtiva vinculada ao conceito de cidade
compacta.
Uma das premissas envolvidas nesse conceito é otimizar o uso das infraestruturas
disponíveis e necessárias nos bairros, utilizando da alta densidade demográfica e
construtiva em áreas próximas à rede de transporte público, com o objetivo de promover
menores deslocamentos da população, principalmente o modal cicloviário e os percursos
a pé. Para isso há o incentivo à criação de espaços públicos de qualidade e usos mistos
e diversificados em áreas próximas às habitações.
Esse conjunto de pressupostos deu origem ao conceito de Desenvolvimento
Orientado pelo Transporte (DOT), que conforme denominado por Calthorpe (1993),
define um modelo de planejamento do uso e ocupação do solo vinculado à capacidade e
qualidade da rede de transporte público disponível.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 13 204


O uso do solo e os sistemas de trânsito devem ser planejados juntos. Isso pode parecer
óbvio, mas por muito tempo os dois foram desconectados. [...] Um Desenvolvimento
Orientado pelo Transporte é uma comunidade de uso misto dentro de uma distância
média de 2.000 pés [609,60 metros] de um ponto de transporte público e área comercial
central. O DOT mistura residências, lojas, escritórios, espaços abertos e usos públicos
em um ambiente caminhável, tornando-se conveniente para moradores e funcionários
circularem de bicicleta, a pé ou carro. (CALTHORPE, 1993, p. 55-56).

O atual Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, aprovado e sancionado


pela Lei nº 16.050, de 31 de julho de 2014 incorporou entre suas diretrizes gerais e
princípios estruturadores, medidas baseadas no DOT, e que buscam por um “modelo
de cidade que se adensa de forma concomitante e articulada à expansão das redes de
mobilidade” (SÃO PAULO, Município, 2014, p.10).
Para discutir o impacto dessa nova diretriz do PDE de São Paulo sobre a configuração
urbana da cidade, o presente trabalho selecionou uma importante via da zona oeste
do município, a Avenida Rebouças, para uma pesquisa de base empírica sobre a atual
situação dos empreendimentos imobiliários que estão previstos e em desenvolvimento na
região delimitada. O recente interesse do setor imobiliário desencadeou um processo de
mudança na oferta de imóveis que irá conformar uma nova paisagem urbana na região.
A Avenida Rebouças, com 4 quilômetros de extensão, faz parte do complexo viário
que interliga o centro da cidade com a zona oeste, partindo da Av. Ipiranga, Rua da
Consolação, passando pela Avenida Rebouças, Avenida Eusébio Matoso, e a partir da
Ponte Eusébio Matoso que cruza o Rio Pinheiros, permitir o acesso a três importantes
vias: Avenida Vital Brasil, Rodovia Raposo Tavares e Avenida Professor Francisco Morato.
Os procedimentos empregados na pesquisa compreendem: levantamento
historiográfico e cartográfico de formação da Avenida Rebouças; análise historiográfica
das intervenções que ocorreram a partir do século XX na cidade de São Paulo e seu reflexo
no sistema viário e na qualidade do espaço urbano; levantamento e análise das restrições
urbanísticas impostas pelos Planos Diretores e Leis de Zoneamento vigentes no século
XX, sobre a configuração da Avenida Rebouças; identificação e levantamento de dados
dos empreendimentos propostos a partir de 2014 no trecho selecionado; elaboração de
cartografias para análise dos imóveis demolidos, lotes remembrados e implantação das
novas edificações propostas pelos empreendedores; análise dos resultados da pesquisa
e considerações finais.

2 | HISTÓRICO DA FORMAÇÃO DA AVENIDA REBOUÇAS

A avenida recebeu esse nome em homenagem ao engenheiro e abolicionista André


Rebouças. Negro, de família livre, foi responsável pelo projeto e pela construção da
estrada de ferro entre Curitiba e Paranaguá, juntamente com seu irmão, Antônio Pereira
Rebouças Filho (ROSA, 2003).
A avenida já constava como Doutor Rebouças na Planta Geral de São Paulo,
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 13 205
organizada em 1897 sob a direção de Gomes Cardim (Figura 1), intendente de obras e
na Planta Geral da Cidade de São Paulo, de 1905, adotado pela Prefeitura Municipal para
uso de suas repartições (Figura 2) (PASSOS; EMÍDIO, 2009, p.36, 37, 50 e 51).

Figura 1: Planta Geral da Capital de São Paulo de Gomes Cardim, 1897.


Fonte: PASSOS; EMÍDIO, 2009, p.36 e 37.

Figura 2: Detalhe da Planta Geral da Cidade de São Paulo de 1905, adotada pela Prefeitura Municipal
para uso de suas Repartições.
Fonte: PASSOS; EMÍDIO, 2009, p. 50 e 51.

Nessas plantas (1897 e 1905) já constava a antiga Villa Cerqueira César, do lado
direito da Avenida Rebouças, para quem se dirige ao bairro de Pinheiros a partir do
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 13 206
Centro. Loteada no final do século XIX, a Villa Cerqueira César se situava nos limites do
quadrilátero formado pelas atuais: Rebouças – Doutor Arnaldo – Galeno de Almeida –
Pedroso de Morais. Do outro lado da avenida aparece na planta de 1905, a Villa América,
que, a partir de 1960 passou a se chamar Bairro Cerqueira César, nos limites do atual
quadrilátero: Rebouças – Paulista – Nove de Julho – Estados Unidos.
No mapa de 1905 (Figura 2) a Avenida Doutor Rebouças se iniciava no cruzamento
da Rua da Consolação com a Avenida Paulista, onde, um pouco mais adiante, formava-
se um triângulo pelas seguintes ruas: Rua da Consolação, que daí continuava para
sudoeste, quase paralela à Avenida Rebouças; Alameda Santos, a sudeste, paralela à
Avenida Paulista e, para noroeste, a Estrada Municipal (antigo Caminho de Emboaçava,
depois Estrada do Araçá, atual Avenida Doutor Arnaldo).
A Avenida Rebouças já constava com esse nome na planta da cidade de 1930 (Sara
Brasil) até cruzar o córrego Rio Verde, uma região de charco e de difícil transposição na
época (hoje Praça Portugal). A partir desse ponto há uma curva onde começa a Rua dos
Pinheiros, e a atual Avenida Rebouças se chamava Rua Itapirussu, conforme a Planta de
São Paulo Sara Brasil (1930). A mesma continuava, em linha reta, na direção sudoeste
com o nome de Rua Boaventura Rosa (aproximadamente a partir da Rua Groenlândia) até
a Rua Iguatemi (atual Avenida Brigadeiro Faria Lima) (BACELLI, 1982).
Nas primeiras décadas do século XX, a Avenida Doutor Rebouças, como muitas
outras ruas da cidade, não tinha calçamento, nem guias, era lamacenta em dias de chuva
e poeirenta em dias secos, segundo relatos de moradores de região. Antônio Barreto do
Amaral (1969) comenta que, quando a empresa canadense São Paulo Tramway Light
& Power instalou os trilhos do bonde elétrico que seguia pela Rua da Consolação com
destino ao bairro de Pinheiros, teve de fazer um desvio para a Estrada do Araçá e depois
para a Rua Teodoro Sampaio. Dessa forma, foi possível alcançar o Largo de Pinheiros em
1909. Entre meados dos anos 1930 e o início dos anos 1940, essas ruas foram alargadas
e asfaltadas para além da Rua Iguatemi, porém a Avenida Rebouças não alcançaria a
ponte sobre o Rio Pinheiros (REALE, 1982).
A Avenida Doutor Rebouças e a Rua da Consolação faziam parte do antigo Caminho
dos Pinheiros, que levava ao bairro de Pinheiros, um dos mais antigos de São Paulo. O
nome do bairro se refere às araucárias, espécie nativa de pinheiro, presentes na região.
A origem do bairro, no século XVI, segundo Antônio Barreto do Amaral (1969), remonta
ao aldeamento estabelecido por índios tupis nas margens do Rio Jeribatiba (antigo nome
do Rio Pinheiros), em 1560, após os portugueses ocuparem suas terras em São Paulo
de Piratininga. Temendo sua dispersão, os jesuítas os reuniram em duas aldeias: de São
Miguel e dos Pinheiros, controladas por eles até serem expulsos da colônia, em 1640.
Com o tempo, os índios escravizados pelos colonos despovoaram o núcleo dos Pinheiros,
que permaneceu estagnado por quase um século, com pouquíssimos moradores. Em
1681 havia lá apenas “19 indivíduos e, em 1767, somente 14 homens e 11 mulheres,
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 13 207
residindo em quatro fogos” (AMARAL, 1969, p.18).
Os habitantes da Vila de São Paulo percorriam o caminho que conduzia ao antigo
núcleo dos Pinheiros, partindo da Sé, pelo Caminho Direito de Santo Antônio (nome que
se dava à atual Rua Direita). Depois desciam o morro para atravessar o vale Anhangabaú,
e então encontravam o Caminho dos Pinheiros, que mais tarde passou a ter o nome de
Rua da Consolação. No início do século XVII, esse era um dos principais caminhos da Vila
de São Paulo. Filhos e netos dos conquistadores foram morar nas suas proximidades e,
assim, povoaram as terras de Pinheiros. Fernão Dias possuía lá uma fazenda de criação
e, depois, seu neto Fernão Dias Pais, o “Caçador de Esmeraldas”, um sítio conhecido
como Sítio do Capão, para onde foi transferida a Sede da Sociedade Hípica Paulista em
1921, e hoje conhecido como Jockey Club de São Paulo.
Os mais antigos monumentos históricos, tais como sedes de fazendas e capelas rurais,
pertenciam aos homens poderosos da época do desbravamento e foram preservados
desde o século XVII. Posteriormente, foram restaurados e conservados pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Esses monumentos encontram-se nos
municípios de São Paulo, São Roque, Cotia, Itapecerica da Serra e Sorocaba. Luís Saia
(1978), apresenta um mapa esquemático da localização desses sítios. A leste de São Paulo
de Piratininga, no caminho para o Vale do Paraíba e Minas Gerais, os sítios de Tatuapé,
São Miguel, Itaquaquecetuba, Mogi e Escada. Na direção oposta, a oeste, partindo de
São Paulo de Piratininga e atravessando o Rio Pinheiros, os sítios de: Caxingui (Butantã),
Calu, Embu (M´Boi), Mandu, Padre Inácio, Cotia, Santo Antônio, São Roque, Parnaíba e
outros, na direção de Sorocaba.
A travessia do Rio Jeribatiba era feita primeiro de barco (no século XVII), depois
por diversas pontes de madeira construídas ao longo do século XVIII pelos moradores
de Parnaíba, Itu e Sorocaba. Estas se deterioravam e eram reconstruídas inúmeras
vezes, até que uma ponte metálica finalmente foi construída em 1865. Os caminhos na
mata, a partir do Litoral Paulista e em direção ao sertão, eram percorridos a pé pelos
primeiros exploradores portugueses que aqui chegaram à procura de riquezas minerais
e aprisionavam os índios. Segundo Sérgio Buarque de Holanda (1957), a locomoção
animal seria muito difícil em lugares acidentados para os homens de São Paulo que
se deslocavam pelas trilhas indígenas. As primeiras cavalgaduras apareceram em rota
para o sertão somente no século XVIII e pelas terras já desbravadas e povoadas. No
século XVII, as cargas e os passageiros eram levados pela Serra de Paranapiacaba pelo
Caminho do Mar, em redes nos ombros de dois índios.
Ainda nos primórdios da colonização no século XVI, as expedições que partiam à
procura de riquezas e aprisionavam índios abriram caminhos que ligavam São Vicente no
Litoral Paulista com o Paraná e o Paraguai, seguindo antigas trilhas indígenas já existentes
desde épocas mais remotas e abrindo outros caminhos na mata. O antigo caminho indígena
era conhecido como Peabiru. Segundo estudiosos, o nome tem diversos significados na
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 13 208
língua tupi-guarani, tais como: caminho (pe) de grama amassada (abiru), ou caminho
da montanha do sol, segundo Sérgio Buarque de Holanda e Luís Galdino apud Cecília
Prada (2011). Piru também poderia significar Peru, de acordo com a mesma autora. Esse
caminho teria uma extensão total de 3000 km. Partindo do litoral brasileiro (São Vicente,
Cananéia e também de Santa Catarina) e seguindo na direção oeste, o caminho formado
por uma rede de trilhas atravessava o Rio Paranapanema em direção ao Paraná (Campos
Mourão, Peabiru e, mais a sudoeste, Pitanga), atravessava o Paraguai, nas proximidades
de Iguassu e a Bolívia, alcançando Cusco, no Peru, com outras ramificações para o litoral
do Pacífico.
Estudos arqueológicos de diferentes pesquisadores, com base em artefatos
indígenas encontrados ao longo desse caminho e que identificaram técnicas incaicas de
construção das trilhas, levantam hipóteses de ter havido trocas entre culturas de diversas
tribos indígenas e os povos andinos desde tempos mais remotos. Contudo, a hipótese
mais reconhecida é a da competição entre portugueses e espanhóis pelas minas de ouro
e prata dos povos andinos, antes mesmo de Pizarro e da conquista espanhola em 1532.
É conhecida a expedição do português Aleixo Garcia em 1524, que, seguindo para os
Andes, teria chegado nessa data na Bolívia (BOND, 1998).
Com a descoberta do ouro em Minas Gerais, intensificou-se o comércio de gêneros
alimentícios e outros para o abastecimento dos arraiais que iam se formando em torno
das jazidas e centros urbanos que cresciam no decorrer do século. O deslocamento para
comércio de animais conduzidos, por tropeiros em grupos (tropas), entre São Paulo e
Rio Grande do Sul com finalidade de transporte de muares (do Paraguai), cavalos, bois e
carne salgada para o garimpo. No Sul, os gaúchos criavam, abatiam e salgavam a carne,
que era comercializada em feiras que aconteciam em Sorocaba, a oeste de São Paulo
de Piratininga, onde havia exposições dos animais para venda, assim como de outros
gêneros e utensílios para o garimpo.
O antigo Caminho de Pinheiros era parte do caminho do Sertão, que também tinha
outros nomes: Caminho de Peabiru, Caminho de Cotia, Caminho de Sorocaba e Caminho
das Tropas. Foi percorrido primeiro pelos bandeirantes e depois pelos tropeiros (até o
final do século XIX). José Antônio Teixeira Cabral, na “Estatística da Imperial Província de
São Paulo” de 1827, aponta a Estrada da Província de São Paulo a Itapetininga com início
na capital, seguindo na direção oeste para Cotia, São Roque, Sorocaba e Itapetininga.
Havia outras ramificações para Ibiúna (Una), Santana de Parnaíba, Paranapanema e
outras. A partir de 1954, o trecho até Itapetininga passou a ser conhecido como Rodovia
Raposo Tavares.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 13 209


3 | INTERVENÇÕES QUE OCORRERAM A PARTIR DO SÉCULO XX NA CIDADE DE SÃO

PAULO E SEU REFLEXO NO SISTEMA VIÁRIO E NA QUALIDADE DO ESPAÇO URBANO

Nos primeiros anos do século XX a cidade tinha um sistema de transportes coletivo


sobre trilhos, cuja concessionária era a canadense São Paulo Tramway Light & Power,
desde 1901. A cidade, que crescia para além do triângulo fundamental, passou por
intervenções na primeira década de 1900. Nessa época foram feitas as transposições
dos rios Tamanduateí e Anhangabaú, criados parques e as ruas centrais ganharam novos
padrões urbanísticos. Renato Anelli (2007) faz uma análise do Centro de São Paulo em
meados dessa década, apontando haver articulação entre diferentes escalas e elementos
urbanos, como o projeto dos trilhos do bonde com calçadas, pavimentação, iluminação
pública, drenagem e gabaritos das edificações ecléticas. Essa articulação se deu graças
a intervenções e a partir da adaptação do projeto de Bouvard em 1911, que criou a nova
Rua Líbero Badaró entre o Anhangabaú e o Triângulo do Centro Velho.
Na década de 1920, a cidade passou a crescer mais rápido e a expandir-se
horizontalmente, comprometendo o equilíbrio entre sistema viário e demais elementos
urbanos. A empresa que controlava o transporte sobre trilhos, para melhor atender a
essas novas exigências de transporte público, propôs um sistema de metrô articulado
com bondes e ônibus (Plano Integrado de Transportes, elaborado entre 1924 e 1927). O
plano, contudo, foi recusado pela administração municipal, após debate entre políticos de
diversas correntes (ANELLI, 2007).
Interesses imobiliários estavam envolvidos e optou-se pela adoção de um modelo
de centro com maior densidade populacional para comércio e administração e periferia
mais rarefeita e estendida horizontalmente para residência e indústria. Foi exatamente
o que apresentou o Estudo para o Plano de Avenidas (autores: Prestes Maia e Ulhôa
Cintra) encomendado pelo então prefeito de São Paulo, Pires do Rio (1926 -1930), como
proposta de estrutura para o sistema viário da cidade.
Outra questão relevante que colaborou na opção pelo Plano de Avenidas e na recusa
da proposta da Light & Power foi a adoção de um modelo industrial em aproximação com
os Estados Unidos e em consonância com a política “rodoviarista” de Washigton Luís,
como observa Renato Anelli (2007). Nessa época interesses da indústria automobilística
já se faziam presentes, segundo comentário de Nabil Bonduki (1997). Tudo isso acabou
contribuindo para que a escolha tivesse recaído sobre uma proposta de mobilidade urbana
com base em transporte sobre pneus.
Os autores do estudo para o Plano de Avenidas foram Francisco Prestes Maia,
engenheiro e arquiteto, Secretário de Vias Públicas da Prefeitura do Município de São
Paulo na época e João Florence Ulhôa Cintra, engenheiro civil, trabalhando, então, na
Prefeitura na Divisão de Cartografia da Diretoria de Obras.
O conceito do Perímetro de Irradiação, de autoria de Ulhôa Cintra (Figura 3) e que

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 13 210


depois foi integrado ao Plano Avenidas desenvolvido junto com Prestes Maia (1930)
(Figura 4), teve influência dos urbanistas europeus Henard e Stübbel. A contribuição
de Berry Parker (arquiteto da City que projetou o Jardim América), na concepção das
parkways, está presente no Plano de Avenidas de Prestes Maia, no esquema do anel
externo formado pelas Avenidas Marginais de Pinheiros e Tietê. O plano foi implementado
com a nomeação de Maia como Prefeito do Município de São Paulo, cargo que exerceu
pela primeira vez no período de 1938 a 1945.
O arquiteto americano Burnham, autor do Plano de Chicago, recomendava que não
se fizesse planos pequenos e também havia inspirado Prestes Maia. Com isso, o Plano
de Avenidas resultou num grande plano, de acordo com Nabil Bonduki (1997), o primeiro
estudo de conjunto para São Paulo.

Figura 3: Esquema teórico de São Paulo, segundo Ulhôa Cintra.


Fonte: TOLEDO, 1996, p. 32.

Figura 4: Esquema teórico de São Paulo, segundo Prestes Maia.


Fonte: TOLEDO, 1996, p. 160.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 13 211


O Plano de 1930 apresentou um esquema para a cidade, configurando diversos
anéis radioconcêntricos e vias diametrais, num sistema geométrico e abstrato com o
principal objetivo de sanar os problemas da cidade, a partir de uma estrutura racional para
o sistema viário. Na época, as ruas estreitas e com trilhos do centro não comportavam
mais a quantidade de veículos e pedestres que circulavam por lá desordenadamente.
Um modelo alternativo ao congestionamento foi apresentado por Inácio Luís Anhaia
Melo, que foi prefeito de São Paulo por um curto período, em 1931, e que era favorável
à descentralização. Apresentou uma proposta com núcleos, ideia inspirada em Ebenezer
Howard que, em 1898, propôs para Londres núcleos autossuficientes, na periferia, as
cidades-jardins. Após a Primeira Guerra, com o uso do automóvel, esses núcleos mais
afastados e dependentes dos centros das cidades passaram a ser ligados por vias
asfaltadas, configurando os subúrbios–jardins destinados à classe média, e que passaram
a ser modelo muito bem aceito na América do Norte.
Após a Segunda Guerra e a saída de Maia da prefeitura, em 1945, as ideias de cidade
polinuclear passaram a ser incorporadas ao debate urbanístico e social pelos arquitetos,
época em que se criou o Departamento de Urbanismo na Prefeitura de São Paulo, em
1947. Porém, um pouco depois disso, em 1949, o prefeito Lineu Prestes contratou a
equipe de Robert Moses (autor da Highway Research Board e responsável pela criação
de diversos projetos em Nova York, no período de 1938 a 1964, adaptados à expansão
horizontal, ligando subúrbios-jardins distantes). Aqui, ele e sua equipe deram a sugestão
para que as Avenidas Marginais Pinheiros e Tietê recebessem o tráfego das Rodovias
Estaduais, o que acontece até os dias atuais (ANELLI, 2007).
A ideia central do conceito do Perímetro de Irradiação de Ulhôa Cintra foi de criar um
anel perimetral circundando o Centro Velho e o Centro Novo da cidade de São Paulo e,
com isso, evitar a penetração em sua área central para prevenção do congestionamento,
através das Vias Radiais que receberiam o fluxo dos veículos (Figura 5). Esse anel era
formado por grandes avenidas no seguinte circuito: Avenida Ipiranga, Avenida São Luís,
Praça João Mendes, Parque Dom Pedro II, Senador Queiroz, retornando para a Avenida
Ipiranga pela Praça da República. As vias radiais formavam uma malha de estruturação,
sendo elas: Avenida São João, Rua da Consolação (no prolongamento da Avenida
Ipiranga), Avenida 9 de Julho e Avenida Tiradentes (MEYER, CUNHA Jr. e FONTENELE,
2018).
Com o crescimento da cidade e com a sua expansão horizontal, muitas transformações
tiveram lugar nas áreas centrais no período entre as décadas de 1930 e 1960. Nesse
período o mercado imobiliário passou a incorporar o racionalismo moderno, como observa
Renato Anelli (2007) e o Centro Novo passou a ostentar uma arquitetura de qualidade
estética e funcional que até hoje é considerada ícone da arquitetura moderna paulista.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 13 212


Figura 5: Perímetro de Irradiação.
Fonte: TOLEDO, 1996, p. 124.

Nesse período de consolidação do Centro Novo ocorreu uma aproximação da


arquitetura com o urbanismo, segundo Meyer, Cunha Jr. e Fontenele (2018). O alargamento
de ruas do Centro Novo estimulou a verticalização e um decreto de 1940 foi criado para
gabaritos com mínimo de 39 metros de altura para edificações. Um regulamento de 1941
para recuos promovia o descolamento das fachadas laterais e permitiu um tratamento
arquitetônico de todas as fachadas. Com maior desenvolvimento da indústria e com a
metropolização de São Paulo foram construídos imóveis com características novas, tais
como escritórios para sedes administrativas das indústrias, residenciais e de uso misto,
hotéis, comércio no piso térreo, restaurantes e cinemas.
Nessa época foram criados espaços privados para uso público de qualidade, tais
como calçadas bem executadas, plantio de árvores mobiliário urbano, galerias comerciais
e pilotis que permitiam boa integração do espaço interno com o externo e privilegiaram o
pedestre.
Com a expansão da metrópole nas décadas seguintes foram surgindo novas
centralidades, principalmente na direção sudoeste, como a Avenida Paulista, mais tarde
a Avenida Brigadeiro Faria Lima e, depois, a Avenida Luís Carlos Berrini, porém sem a
mesma integração da arquitetura com o espaço público. A cidade de São Paulo deixou de
ser centro industrial e passou a se transformar em centro de serviços a partir da década
de 1990, com a globalização. O setor tem crescido juntamente com os setores bancário
e financeiro.
Novos centros de serviços e de compras, que passaram a ser também opção para

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 13 213


lazer, constituíram espaços semipúblicos fechados, isolados do espaço público aberto.
Condomínios residenciais isolados e protegidos criaram barreiras intransponíveis,
promovendo a segregação social, enquanto o espaço público se deteriorava (PRONIN,
2004).
Meyer, Cunha Jr. e Fontenele (2018), comentando sobre posturas permanentes a
partir do Plano Urbanístico Básico (PUB) de 1968 até o atual Plano Diretor de 2014, referem-
se à importância da “urbanidade” citando Solà Morales (2008). O autor faz recomendação
para se projetar com especial cuidado os térreos das edificações, garantindo uma boa
articulação do interior com o exterior, do espaço público com o privado.
4. OS EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS DA AVENIDA REBOUÇAS A PARTIR
DE 2016
Para verificar o processo de transformação recente pelo qual está passando a
Avenida Rebouças, selecionou-se como recorte espacial o trecho com extensão de 1.500
metros entre a Avenida Henrique Schaumann/Avenida Brasil até a Avenida Brigadeiro
Faria Lima, para levantamento de dados. Foram selecionadas três categorias de análise
para verificação dos instrumentos urbanísticos adotados nos empreendimentos em
projeto e implantação no trecho selecionado, que estão vinculadas às propostas do novo
PDE (SÃO PAULO, Município, 2014): calçadas ampliadas; uso comercial no pavimento
térreo, com fachadas comerciais voltadas para as vias lindeiras aos lotes (fachada ativa)
e proposta de uso misto nas edificações.
A partir das informações obtidas pela observação no local e em endereços
eletrônicos de divulgação dos imóveis que serão construídos, foi possível identificar seis
empreendimentos em diferentes fases de desenvolvimento (Quadro 1), sendo que: dois
empreendimentos já estão com as obras iniciadas; dois estão fechados por tapumes,
mas ainda não há movimentação de construção; um fez as demolições necessárias e
atualmente está sendo utilizado como estacionamento; e apenas um deles ainda não
demoliu os imóveis existentes e tem apenas um outdoor comunicando que em breve haverá
um lançamento de novo edifício (Figura 6). Para a implantação dos seis empreendimentos
foram necessárias as demolições de 26 edificações.

Shpaisman SKR Pinheiros Helbor Wide White 2880 You, Faria Lima JFL
Av. Av.
Rua dos Av. Rebouças, Av. Rebouças, Av. Rebouças,
Endereço Rebouças, Rebouças,
Pinheiros, 423 2636 2880 3026
2100 3084
Projeto de SPBR Marchi Könisberger Aflalo e
Aflalo e Gasperini
Arquitetura Arquitetos Arquitetura Vannucchi Gasperini
Área (m2) 3.014,66 3.493,88 4.685,38 3.072,00 1.605,41 1.886,20
Nº pav. 26 31 32 24 29
Total unid. 339 188 167
Vagas estac. Sim Sim Sim Sim

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 13 214


Residencial, Residencial, Residencial e Residencial,
Usos Residencial
comercial corp., com. comercial escritórios
Calçadas
X X X X
ampliadas
Uso comerc.
X X X X
no térreo
Uso misto
X X X X
edificações

Quadro 1: Empreendimentos lançados e previstos para a Avenida Rebouças, no trecho entre a Avenida
Brasil e Avenida Brigadeiro Faria Lima
Fonte: Elaborado pelas autoras, 2019.

SKR Pinheiros Helbor Wide White 2880 YOU, Faria Lima JFL Realty

Figura 6: Perspectivas dos empreendimentos lançados na Av. Rebouças a partir de 2016.


Fontes: Skyscrapercity, SKR Pinheiros, 2019; HELBOR WIDE, 2019; White 2880, 2019; YOU Faria Lima, 2019,
SAMARENG, 2019.

4 | CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme a historiografia levantada foi possível verificar a importância da Avenida


Rebouças desde os tempos dos bandeirantes, quando ainda era parte do antigo Caminho
dos Pinheiros, que ligava a São Paulo de Piratininga com as zonas oeste e sul do Brasil.
A partir do século XVIII, esse caminho era percorrido pelos tropeiros que comercializavam
os gêneros alimentícios vindos do Rio Grande do Sul e das feiras de Sorocaba para
abastecimento e centros urbanos que se formavam no entorno das jazidas da região das
Minas Gerais.
Depois de um período de harmonia entre os elementos urbanos e o sistema viário
que perdurou até aproximadamente 1920, a cidade passou a expandir-se horizontalmente,
comprometendo esse equilíbrio e evidenciando os problemas de mobilidade. Foi então,
proposto o Plano de Avenidas (autoria de Prestes Maia e Ulhôa Cintra), que foi efetivado na
administração Prestes Maia e contemplava um sistema esquemático de vias perimetrais e
radiais. A Avenida Rebouças, continuação da Rua da Consolação, é uma das radiais que
perduram até hoje na direção sudoeste, ligando o centro com a perimetral no trecho da
Avenida Marginal Pinheiros.
Em função do alargamento das avenidas, que envolvem as regiões centrais, ocorreu
uma verticalização em toda a região do centro novo. Entre as décadas de 1930 e 1960,
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 13 215
o racionalismo moderno presente na arquitetura emergente incentivou o uso misto das
edificações, tais como residências, serviços e comércios, restaurantes, cinemas e galerias
no pavimento térreo, havendo uma integração entre o espaço público e o privado. Após os
anos 1960, novas centralidades surgiram, mas sem as mesmas características do espaço
público. Desde então a Avenida Rebouças se manteve como uma rota importante para
acessar as centralidades que foram surgindo na direção sudoeste, tais como Avenida
Paulista, Avenida Brigadeiro Faria Lima, Avenida Luis Carlos Berrini e Avenida Nações
Unidas.
Diante desse cenário, ao se estudar a questão específica da articulação entre
edificação e espaço público, a partir da análise dos dados obtidos dos 6 empreendimentos,
objetos de pesquisa e segundo as três categorias selecionadas (uso misto na edificação;
uso comercial no pavimento térreo e calçadas ampliadas) pode-se constatar que:
Dois empreendimentos (Shpaisman e o SKR Pinheiros) ainda não disponibilizaram
dados suficientes sobre os projetos para que possam ser identificadas as categorias;
Os outros quatro empreendimentos (Helbor, White 2880, You Faria Lima e JFL
Realty) atendem às três categorias analisadas.
Esse resultado demonstra que ao menos do lado pertencente ao bairro de Pinheiros
da referida avenida espera-se haver uma boa integração do espaço público, as calçadas
e os espaços privados dos térreos das novas edificações. Já no lado oposto, a legislação
continua mantendo a característica horizontalizada das construções.Assim, é possível
concluir que o PDE vigente aponta na direção correta ao inserir instrumentos urbanísticos
que estimulam maior integração entre o edifício e o espaço público.

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em: 20 jun. 2019.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 13 218


CAPÍTULO 14
doi

AFINAL, O QUE SÃO ECOVILAS? EM BUSCA DE UMA


DEFINIÇÃO

Data de aceite: 05/07/2020 se ao surgimento de grupos e comunidades


Data de submissão: 04/06/2020 intencionais que, a partir de valores e princípios
distintos, propõem outras formas de se viver e
de se relacionar, indicando possíveis caminhos
Juliana Viégas de Lima Valverde na transição para uma cultura regenerativa.
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e
Inicialmente, as ecovilas eram comunidades
Urbanismo (PPAGAU/UFRN), Natal – RN
rurais intencionais formadas por grupos de
http://lattes.cnpq.br/3906563950603494
pessoas que compartilham valores ambientais
e sociais, que expressam comportamentos
sustentáveis. Ao adotar modos de vida de baixo
RESUMO: Reflexo do sucesso do modo de impacto, buscando aplicar práticas integradas ao
produção capitalista, a crise no mundo urbano ambiente por meio do uso racional de recursos.
apresenta inúmeros problemas socioambientais A revisão bibliográfica evidenciou a ampliação
com implicações diretas para o modo de vida da do conceito, que passou a incluir iniciativas
sociedade, e hoje evidenciados pela pandemia rurais e urbanas, comunidades intencionais e
do corona vírus. Associado aos desafios tradicionais, e grupos diversos envolvidos com
globais, o modo de vida contemporâneo é a prática da sustentabilidade. Representando
uma expressão das formas de produção uma síntese entre conhecimento e ação, tradição
de sentido da cultura dominante ocidental, e inovação, e teoria e práticas sustentáveis, as
relacionados aos níveis natural/ambiental, ecovilas e seus projetos se configuram como
sociocultural e socioeconômico. Com o objetivo possíveis respostas às questões da Agenda
de compreender a emergência do conceito de Global do século XXI.
ecovila, na tentativa de amenizar os problemas PALAVRAS-CHAVE: Modo de vida;
decorrentes do modo de produção capitalista, Comunidades intencionais; Cultura da
este artigo volta-se para grupos, organizações Sustentabilidade; Assentamentos sustentáveis;
e pessoas que exploram meios alternativos de Comunidades alternativas.
produção e de consumo a fim de reduzir impactos
ambientas, disparidades socioeconômicas
e questões mais sutis, relacionadas aos
aspectos culturais. Uma destas medidas liga-
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 14 219
AFTER ALL, WHAT ARE ECOVILLAGES? SEARCHING A DEFINITION

ABSTRACT: Reflecting the success of the capitalist mode of production, the crisis in the
urban world presents numerous socio-environmental problems with direct implications today,
evidenced by the pandemic of the corona virus. Associated with global challenges, the
contemporary way of life is an expression of the forms of production of meaning in dominant
western culture, related to the natural / environmental, socio-cultural and socio-economic
levels. In order to understand the importance of ecovillage’s concept, in an attempt to alleviate
the problems arising from the capitalist mode of production, this article focuses on groups,
organizations and people who explore alternative means of production and consumption in order
to reduce environmental impacts, socioeconomic disparities and more subtle issues related
to cultural aspects. One of these measures is linked to the emergency in creating intentional
groups and communities that, based on different values and
​​ principles, propose other ways
of living and relationships, indicating possible paths in the transition to a regenerative culture.
Initially, ecovillages were intentional rural communities formed by groups of people who share
environmental and social values, which express sustainable behaviors, adopting low-impact
ways of life, and seeking to apply integrated practices to the environment through the rational
use of resources. The literature review showed the expansion of the concept, which now
includes rural and urban initiatives, intentional and traditional communities, and diverse groups
involved with the practice of sustainability. Representing a synthesis between knowledge and
action, tradition and innovation, and sustainable theory and practices, ecovillages and their
projects are possible answers to the questions of the 21st Century Global Agenda.
KEYWORDS: Way of life; Intentional communities; Culture of Sustainability; Sustainable
settlements; Alternative Communities.

1 | INTRODUÇÃO

O processo de desenvolvimento capitalista, fundamentado na industrialização e num


modelo inconsequente de ocupação do espaço, tem entre seus principais produtos a crise
no mundo urbano, com implicações diretas para o modo de vida da sociedade (BUENO,
2008). Associado aos desafios globais, o modo de vida contemporâneo é uma expressão
das formas de produção de sentido da cultura dominante ocidental, relacionados aos
níveis natural/ambiental, sociocultural e socioeconômico (SIMAS, 2013). Analisando
essa problemática, Gilman e Gilman (2013) sinalizam que o principal entrave é social,
de modo que, para fazer frente aos desafios atuais é essencial promover organização
comunitária e responsabilidade para com o todo (TRAINER, 1997). Harvey (2004)
complementa, defendendo a capacidade da sociedade construir novos caminhos para
os desenvolvimentos desiguais resultantes do modelo de desenvolvimento capitalista,
evidenciado ainda mais pela pandemia global de Covid-19.
Nesse campo, como os sistemas humanos atuais têm se mostrado insustentáveis, em

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 14 220


qualquer tipo de intervenção não devem ser negligenciados modelos de sustentabilidade
que reduzam as pegadas ecológicas ligadas à sua implementação (LITFIN, 2009). A fim
de reduzir impactos ambientas, disparidades socioeconômicas e questões sutis (relativas
a aspectos culturais), organizações, pessoas e sociedade têm experimentado meios
alternativos de produção e de consumo. Um deles liga-se ao surgimento de grupos e
comunidades intencionais que, a partir de valores e princípios distintos, propõem outras
formas das pessoas viverem e se relacionar, constituem possíveis caminhos na transição
para um modo de vida sustentável (MATTOS, 2015).
Como habitações coletivas voltadas para a sustentabilidade (SCOTTHANSON;
SCOTTHANSON, 2004), as ecovilas configuram-se como uma das respostas às questões
da Agenda Global do século XXI, representando uma síntese entre conhecimento e ação,
e entre teoria e práticas sustentáveis (SIQUEIRA, 2012). Inserindo-se nesse contexto, no
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte (PPGAU/UFRN) está em desenvolvimento uma tese de doutorado
cujo principal objetivo é investigar relações entre o design de ecovilas e modos de vida
sustentáveis. Esse artigo focaliza um dos objetivos específicos da tese: compreender a
emergência do conceito de ecovila frente à crise do mundo urbano.
Metodologicamente trata-se de uma revisão bibliográfica elaborada a partir da
palavra-chave ‘ecovila’, e envolveu sua busca no banco digital de teses e dissertações
defendidas no Brasil (bdtd), no portal de periódicos da CAPES e nos diretórios da Global
Ecovillage Network (GEN) e da Foundation Intentional Community (FIC).

2 | O QUE SÃO ECOVILAS?

Ecovilas são comunidades que vêm realizando diversas práticas voltadas


à sustentabilidade (DIAS, et al., 2017). Diversos autores as definem (JACKSON;
SVENSSON, 2002; CHRISTIAN, 2003; TAGGART, 2009; ROYSEN, 2013) e, apesar de
algumas divergências conceituais, é recorrente a busca pela autossuficiência em prol da
sustentabilidade – como segue.
A primeira definição reconhecida de ecovila surgiu em 1991, a partir de uma pesquisa
de campo realizada por Robert e Diane Gilman, encomendada pela ONG dinamarquesa
Gaia Trust, que gerou um relatório intitulado “Ecovilas e Comunidades Sustentáveis”
(JACKSON, 1998). Na ocasião, o casal Gilman (1991) descreveu ecovilas como
assentamentos de proporções humanas, funcionalmente completas, onde as atividades
do ser humano se integram inofensivamente ao mundo natural, de forma a ajudar o
desenvolvimento saudável deste e poder perdurar por um futuro indefinido.
Além disso, Gilman (1991) pontuou cinco aspectos fundamentais, vinculados
ao desenvolvimento de uma comunidade saudável, que caracterizam uma ecovila: (i)
tamanho da ocupação - que deve possibilitar a interação entre seus moradores; (ii) oferta

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 14 221


de serviços e compartilhamento de equipamentos de grande porte; (iii) integração das
atividades humanas com a natureza; (iv) equilíbrio entre os diversos aspectos do indivíduo
e da comunidade como um todo; (v) continuidade da comunidade por um futuro indefinido.
Desde então o conceito foi se ampliando, modificando-se a fim de abranger outras
experiências comunitárias em prol da sustentabilidade. A partir desse entendimento,
ecovilas podem ser entendidas como comunidades rurais ou urbanas, formadas por
pessoas que compartilham valores ambientais e sociais, que realizam diversas práticas
voltadas à sustentabilidade (TAGGART, 2009). A Rede Global de Ecovilas (em inglês
Global Ecovillage Network - GEN) apresenta duas categorias gerais, encontradas tanto
em ambientes rurais quanto urbanos: (i) as tradicionais - comunidades rurais existentes,
que decidem projetar seu próprio caminho para o futuro, usando processos participativos
para combinar sabedoria tradicional que sustenta a vida e novas inovações positivas; (ii)
as intencionais – comunidades criadas por pessoas que se reúnem novamente com um
propósito ou visão compartilhada (GEN, 2019).
Por definição, tratam-se de assentamentos humanos sustentáveis, cujos membros
procuram aplicar práticas integradas ao ambiente por meio do uso sustentável de recursos
(ROYSEN, 2013) e, além da autossuficiência, costumam adotar inovações societárias,
como gestão participativa (MATTOS, 2017).
Em linhas ainda mais gerais, ecovilas podem ser entendidas como “um objetivo, uma
visão ou um ideal” (SIRNA, 2019), não havendo uma única maneira de ser uma ecovila, e
sim várias práticas compartilhadas que envolvem processos participativos locais, os quais
integram as dimensões social, cultural, econômica e ecológica (GEN, 2019), extrapolando
a ideia de assentamento humano e mesmo de comunidade. Nessa perspectiva, ecovila
pode ser definida como um centro de vida e aprendizado para um futuro regenerativo, um
lugar de exploração contínua. Ou seja, não é um resultado particular, mas um processo
contínuo, dedicado a criar, testar e difundir metodologias e ferramentas para viabilizar
uma nova forma de vida (GEN, 2019; MATTOS, 2015).
Além de manifestarem grande diversidade em termos de experiências (DAWSON,
2006), ecovilas também podem ser centros educacionais, escolas verdes, centros de
permacultura e fazendas agroecológicas, iniciativas de transição, empresas sociais e
comunitárias, ou até mesmo comunidades virtuais centros de educação e treinamento,
entendidas pela Rede Global de Ecovilas (GEN) como projetos de ecovilas (GEN, 2019).
A GEN descreve ecovilas e projetos de ecovilas como “iniciativas locais que inspiram,
educam e promovem o estilo de vida da ecovila, sem constituir um certo número de
pessoas vivendo juntas como uma comunidade” (GEN, 2019).
Também podem ser definidas como comunidades intencionais, que propõem uma
nova estrutura social que vai além da dicotomia entre os assentamentos urbanos e rurais
(JACKSON; SVENSSON, 2002). Comunidades intencionais são formadas por grupos de
pessoas que optam por viver de forma cooperativa, por compartilharem um propósito
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 14 222
comum, para criar um estilo de vida que reflita os valores compartilhados (KOZENY,
1995; CHRISTIAN, 2003; FIC, 2018). A literatura nesse campo, a exemplo de Lubochinski
(2017), considera que: (i) o termo intencional diz respeito ao modo de morar compartilhado,
por meio da aproximação física entre pessoas que têm algumas afinidades entre si; (ii)
comunidade é uma dimensão afetiva, essencialmente humana, que se perdeu na era
industrial.
Capello (2013) menciona que a mudança de “comunidade” para “sociedade” foi
marcada pela fragmentação da produção impulsionada pelo contexto fabril da Revolução
Industrial, gerando um deslocamento das relações interpessoais. A comunidade
homogênea se torna uma sociedade heterogênea. Segundo a autora, a noção de ‘nós’
passa a sofrer interferência constante do ‘outro’, revolucionando a maneira como nos
organizamos (CAPELLO, 2013).
Em comunidades intencionais as decisões são feitas em conjunto e baseadas no
consenso (SCOTTHANSON; SCOTTHANSON, 2004). Roysen (2013) destaca que
diferente dos condomínio e vizinhanças atuais “a vida na ecovila busca resgatar laços
sociais duráveis que permitam o desenvolvimento da confiança e do compromisso mútuos”
(ROYSEN, 2013, p. 54). Nessas comunidades “existe um compromisso de longo prazo,
uma narrativa partilhada que inclui conquistas e festas, mas também conflitos, dificuldades
e superações. Trata-se, portanto, da construção de uma “comunidade ética”, em oposição
à “comunidade estética” (ROYSEN, 2013, p. 55), na qual a dimensão social precisa ser
constantemente trabalhada para garantir a continuidade da ecovila.
Ecovilas são experiências comunitárias, que se diferenciam de outros tipos de
comunidades intencionais. Além de terem como foco central a busca pela sustentabilidade,
em seus diversos aspectos, buscam por autonomia, pela conexão e reconhecimento da
noção de interdependência com a natureza (DAWSON, 2006), pela cooperação, troca de
saberes e pelo seu engajamento com o entorno (MATTOS, 2015).

3 | DIMENSÕES DE SUSTENTABILIDADE E O DESIGN DE ECOVILAS

A sustentabilidade deve nortear as atividades de uma ecovila em sua concepção,


implantação, uso e gerenciamento (BISSOLOTTI, 2004). Assim, pressupondo-se que
projetos sustentáveis buscam atender exigências de qualidade, desempenho e eficiência,
indaga-se como tais aspectos se relacionam com as dimensões de sustentabilidade,
entendido como um “processo que deve moldar-se a contextos socioespaciais específicos
e diferenciados” (LEMOS, 2014, p. 3).
Por serem inovadoras em múltiplas dimensões (SIQUEIRA, 2017), as ecovilas
oferecem uma visão global para uma sociedade justa e sustentável (JACKSON, 2016),
permanecendo como uma ideia em evolução. Além disso, por se tratarem de “obras

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 14 223


abertas” (MATTOS, 2017) é desejável que, na formulação de um conceito que as defina,
busque-se atributos mais dinâmicos e menos tipológicos na apreensão da realidade
desses grupos (DIAS et al., 2017). Dias e colaboradores (2017) salientam os sentidos
associados às ecovilas e sua relevância para os debates sobre sustentabilidade, tendo em
vista que são comunidades intencionais, multifuncionais, cujo foco é o desenvolvimento
local sustentável. Nesse sentido, entende-se que em ecovilas a proposta e o projeto
arquitetônico são a materialização da postura daquela comunidade em relação a sua
época e aos meios técnicos disponíveis.
Os diferentes caminhos para a sustentabilidade se apresentam em função dos
contextos locais e globais, incluindo aspectos sociais, econômicos e ecológicos da vida
humana no planeta (LEMOS, 2014). Algumas características distinguem ecovilas das
demais comunidades intencionais, em especial o foco na vida comunitária e a busca pela
sustentabilidade em seus diversos aspectos, bem como a integração com a natureza e a
gestão participativa (MATTOS, 2017).
Além de considerar construções de baixo impacto, agricultura orgânica/produção
verde, uso racional de energia e água, fontes de energia alternativas, práticas de
fortalecimento de comunidade e educação ambiental, nota-se a adoção de estilos de vida
que seguem os ritmos da natureza, pautando-se em ciclos, sejam estes das estações,
das energias ou de nutrientes. Thompson e Barton (1994) afirmam que pessoas com
orientações ecocêntricas, a natureza tem uma dimensão espiritual e de valor intrínseco
que é refletida em seus sentimentos e experiências em ambientes naturais.
A concepção enquanto empreendimento se dá por meio de projetos participativos, onde
o pensar e o fazer mantêm um vínculo estreito. Ao adequar a sua produção arquitetônica
integrada a um tipo de vida social a um estilo de vida sustentável, estas comunidades
costumam aliar tradição e inovação em prol do desenvolvimento sustentável (ISOLDI,
2007). Tais características reforçam a importância das dimensões ‘social’ e ‘visão de
mundo’ para a manutenção e consolidação das ecovilas, as quais contemplam aspectos
intrapessoais, interpessoas e comunitários, incluindo a conexão e interdependência
homem-natureza (GEESE, 2012).
Ao apresentar caminhos no design de culturas regenerativas, Daniel Wahl chama a
atenção para modos de vida alternativos, reforçando a importância da dimensão visão de
mundo da sustentabilidade, e destacando os atributos relacionais destas comunidades.
Segundo o autor,

a narrativa da separação nos condicionou à resposta automática da competição em face


da escassez percebida (...) [de modo que] a colaboração local e global de comunidades
intencionais pode revelar um futuro diferente para a humanidade (WAHL, 2019, p. 341).

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 14 224


Por sua vez, Duarte (2010) ressalta que a perspectiva pela qual o indivíduo enxerga
valores, ideias, problemas, representações e ideais de vida, pode ser entendida como
sua ‘visão de mundo’, entendendo-se que grupos sociais cunham suas visões de mundo
a partir da construção de seus lugares. Sob essa perspectiva, a organização do espaço é
uma estratégia que, dentre outras, pode fomentar os processos de transformação social.
Note-se que, sistemas e componentes de sustentabilidade que caracterizam uma
ecovila, como vida comunitária e respeito pela natureza também se apresentam em
organizações comunitárias como kibutzim e cohousigns (JOSÉ, 2014). Essas últimas
são exemplos de organizações comunitárias em pequena escala, que ocupam desde um
único edifício até aglomerados de edifícios em uma quadra (JOSÉ, 2014), e buscam a
participação de todos na manutenção e gestão. Além de buscar eliminar a hierarquia, a
disposição das instalações e o seu desenho físico visam promover o bem estar físico,
emocional e social dos residentes (MCCAMANT; DURRETT, 2011).
A efetividade das propostas de ecovilas têm chamado a atenção de organismos em
escalas local, regional e global. A nível global, elas foram incluídas nas 100 melhores
práticas para o desenvolvimento sustentável do Programa Habitat da ONU, sendo
consideradas modelos de vida sustentável. Além disso, Mattos (2015) ressalta que o
programa Ecovillage Design Education (EDE) do Gaia Education, foi reconhecido como
contribuição oficial para a Década Internacional da Educação para o Desenvolvimento
Sustentável da ONU (2005-2014).
Na continuidade desse esforço de definição, atualmente o conceito não se restringe
à comunidades intencionais, passando a incluir iniciativas rurais e urbanas, comunidades
intencionais e tradicionais (como kibutzim, assentamentos quilombolas e indígenas, bem
como grupos ligados à Permacultura e à agroecologia), buscando uma articulação maior
para o fortalecimento dos diversos grupos envolvidos com a prática da sustentabilidade.
O conceito também pode ser utilizado em casos de reconstrução pós-desastres
ambientais. Em 2009, ele pautou a reconstrução de Pescomaggiore, na Itália, gravemente
abalado pelo terremoto L’Aquila. Além do fortalecimento da comunidade, foram utilizados
materiais locais e tecnologias apropriadas, criando o que nomeou-se de resiliência
comunitária (MATTOS, 2015).
Ressalte-se, ainda, que os empreendimentos do tipo ecovilas vêm atraindo
a atenção da sociedade, pois se propõem a ter cuidado com sua inserção ecológica,
com a sustentabilidade propositiva e com uma cultura regenerativa. Por outro lado, no
entanto, esse apelo tem conduzido ao uso indevido do termo, adotado por loteamentos
convencionais e condomínios rurais sem relação com o movimento de comunidades
intencionais (SIQUEIRA, 2012).

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 14 225


4 | UM POUCO DE HISTÓRIA

O conceito de ecovila começou a se difundir mundialmente a partir de 1990 (GILMAN,


1991; DAWSON, 2010). O movimento ganhou corpo com a Eco 92, conferência da
Nações Unidas sobre o meio ambiente, realizada no Rio de Janeiro no ano de 1992.
O surgimento das ecovilas iniciou-se como forma de questionamento da globalização e
da crise dos limites do crescimento. O interesse pelo desenvolvimento de tecnologias
socioambientais, a busca pela sustentabilidade, reflexões sobre identidade e práticas
locais, empoderamento social, visão holística, noção de rede, estão presentes nos
princípios e práticas das ecovilas (SANTOS JR., 2010).
Em 1995 foi fundada a Global Ecovillage Network (GEN) com o objetivo de facilitar
a transformação de comunidades e sociedades sustentáveis (JACKSON, 2016). Dividida
por regiões, a GEN tem representação em todos os continentes. Além disso, possui um
conselho e grupos de trabalho em diversas áreas (MATTOS, 2017). E em 2005, a Rede
criou o Gaia Education, programa de educação, que visa transmitir o conhecimento prático
adquirido no movimento das ecovilas (JACKSON, 2016). Atualmente a GEN articula e
apoia projetos e iniciativas comunitárias pautadas nos ideias de sustentabilidade (GEN,
2018).
No Brasil, o Movimento de Ecovilas iniciou-se oficialmente em 2002, em ocasião
do primeiro treinamento em ecovilas organizado pela Rede de Ecovila das Américas
realizado no interior de São Paulo, no Centro de Vivências Nazaré (atual UNILUZ). O
evento, além de impulsionar a criação de algumas ecovilas, possibilitou que comunidades
intencionais e institutos de Permacultura se adaptassem para que pudessem se tornar
ecovilas (MATTOS, 2015).
O Movimento de Comunidades Alternativas, como é conhecido no Brasil, não se
restringe ao meio rural. Nas cidades grupos se organizam em pequenas comunidades,
utilizando o espaço urbano público e privado. Para garantir a sobrevivência e atender as
necessidades básicas, desenvolvem condições de trabalho, criam seus próprios empregos
e fabricam produtos (TAVARES, 1985).
Atualmente, são diversas as iniciativas brasileiras de ecovilas, que se reconhecem
como tal e integram o movimento. Em 2018, no diretório da Irmandade de Comunidades
Intencionais, em inglês Fellowship for Intentional Community haviam 2.717 comunidades
inscritas, das quais apenas 463 são ecovilas, sendo 22 situadas no Brasil (FIC, 2018). No
entanto, após uma atualização, a instituição sem fins lucrativos tornou-se Foundation
Intencional Comunity, em português, Fundação para a Comunidade Intencional (FIC), em
2020, dentre as iniciativas brasileiras, apenas o Santuário Source Temple mantinha-se
cadastrada no diretório (FIC, 2020).
Já o diretório da Global Ecovillage Network (GEN) apresenta 945 ecovilas filiadas,
distribuídas em 3 macrorregiões: Américas; África, Europa e Oriente Médio; e Oceania

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 14 226


e Ásia. Nessa listagem, constam 37 ecovilas e projetos de ecovilas brasileiras filiadas à
GEN (GEN, 2020).
Arruda (2018) salienta que embora o número de pessoas envolvidas nesse processo
de transição ecológica ainda seja pequeno, se comparado à população geral, sua
dispersão territorial é ampla. No levantamento realizado, as 195 iniciativas estão presentes
em 17 dos 26 estados brasileiros, e no Distrito Federal. No entanto, nem todas são, de
fato, ecovilas. Ao analisar essas iniciativas no Brasil, a autora elencou sete categorias
distintas nos 195 casos mapeados no território brasileiro (ARRUDA, 2018). No quadro
elaborado pela autora (Figura 1), as sete categorias possuem cores que vão do vermelho
- (A) ecovilas falso-positivo, os empreendimentos que menos se aproximam da ideia de
ecovila, enquanto assentamento humano - ao verde (F) - ecovilas plenas, as que mais se
aproximam do conceito de ecovila.

A Ecovilas falso-positivo
B Ecomércios ou ecocentros
C Ecocasas ou ecosítios
D Econdomínios ou ecobairros
E Ecovilas (institucionais ou funcionais)
F Ecovilas plenas

Figura 1: Quadro com categorização das iniciativas ecológicas registradas no Brasil.


Fonte: Arruda (2018)

A fim de identificar e classificar as 37 experiências comunitárias brasileiras cadastradas


no diretório da Rede Global de Ecovilas (GEN), elaborou-se uma tabela (Figura 2), dividida
por região, considerando a distinção entre ecovilas e projetos de ecovilas classificadas
pela Rede. A categorização buscou identificar ecovilas plenas consolidadas, ou seja, com
mais de 10 (dez) anos de fundação e que possuem uma rotina comunitária.
De acordo com Gilman (1991), compartilhamento e a quantidade de membros são
aspectos fundamentais que definem uma ecovila. Tendo em vista que a vida comunitária
é um elemento que está no cerne do conceito, esses aspectos tornam-se condição para
que haja uma rotina comunitária compartilhada entre seus membros. Para isso, além
do ano de fundação, apurou-se a quantidade de membros permanentes nas ecovilas
cadastradas na GEN.
Na tabela foram destacam-se em negrito as ecovilas que possuem ao menos 10 (dez)
membros permanentes e no mínimo duas famílias. A maioria das iniciativas analisadas
apresenta um número pequeno de membros, são propriedades de uso residencial
unifamiliar. Normalmente, associam moradia e difusão de práticas sustentáveis, podendo
ser classificáveis tanto como ecosítios, como ecovilas institucionais, de acordo com Arruda
(2018).

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 14 227


ESTADO/ TEMPO DE QUANTIDADE DE
REGIÃO/QTD CLASSIFICAÇÃO*
QTD FUNDAÇÃO (anos) MEMBROS
Norte 01 AM 01 01 (Ecovila) 01 (Mais de 10) 01 (Até 02)
PB 01 01 (Ecovila) 01 (Em formação) 01 (Até 02)
Nordeste 05
BA 04 04 (Ecovilas) 01 (Menos de 10) 01 (Até 02)
03 (Mais de 10) 03 (Acima de 10)
Centro- 03 (Ecovilas) 01 (Menos de 10) 01 (Até 02)
07 GO 07
Oeste 04 (Projeto de ecovila) 02 (Mais de 10) 02 (entre 03 e 09)
MG 04 03 (Ecovilas) 01 (Menos de 10) 01 (entre 03 e 09)
01 (Projeto de ecovila) 02 (Mais de 10) 02 (Acima de 10)
01 (Em formação) 03 (Até 02)
06 (Ecovilas)
SP 10 04 (Menos de 10) 01 (entre 03 e 09)
Sudeste 17 04 (Projeto de ecovila)
01 (Mais de 10) 02 (Acima de 10)
01 (Menos de 10) 02 (entre 03 e 09)
03 (Ecovilas)
RJ 04 01 (Mais de 10) 01 (Acima de 10)
01 (Projeto de ecovila)
01 (Não informa)
PR 01 01 (Ecovila) 01 (Mais de 10) 01 (Não informa)
03 (Mais de 10) 01 (Não informa)
03 (Ecovilas)
SC 04 01 (Até 02)
Sul 07 01 (Projeto de ecovila)
01 (entre 03 e 09)
02 (Ecovilas) 02 (Mais de 10) 01 (Até 02)
RS 02
01 (Acima de 10)
37 (Ecovilas
28 (Ecovilas) 16 (Ecovilas 09
TOTAL e Projetos de
33 (Estabelecidas) consolidadas) (Ecovilas plenas) **
ecovila)
Figura 2: Tabela com as ecovilas brasileiras cadastradas na Rede Global de Ecovilas, divididas por
região, com classificação e quantidade de membros.

* Classificação considera a distinção pela GEN entre ecovilas e projetos de ecovilas.

** Requisitos considerou Gilman (1991) e classificação elaborada por Arruda (2018).


Fonte: A autora (2020)

A partir de requisitos definidos com base na revisão de literatura, os aspectos


fundamentais elencados por Gilman (1991) e a classificação de Arruda (2018) constatou-
se que das 33 (trinta e três) ecovilas estabelecidas cadastradas no diretório da GEN,
apenas 9 (nove) são ecovilas plenas. Dentre elas, apenas uma localiza-se no Rio de
Janeiro (RJ), que possui 04 cadastros no Estado. As demais (03) podem ser classificadas
como ecosítios.
Embora o número total de iniciativas cadastradas na Rede seja inferior a quantidade
de assentamentos ecológicos existentes no país, a análise demonstra a discrepância
entre as 37 de iniciativas cadastradas e a tentativa de definir ecovila. Este entrave refere-
se em especial a ideia de vida comunitária.

5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os obstáculos que se impõem rumo a uma sociedade sustentável consiste na


consciência restrita da sociedade a respeito das implicações do modelo de desenvolvimento
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 14 228
em curso (ACSELRAD, 2001; RODRIGUES, 2011; BUENO, 2008). Essa problemática
se agrava ao detectarmos que “transferimos ao futuro o que hoje consideramos como
primordial à sustentabilidade, através da definição do fim desejado” (ACSELRAD, 1999,
p. 79). As contradições e os conflitos inerentes ao modo de produção capitalista precisam
ser enfrentados para que assentamentos humanos possam ser, de fato, sustentáveis.
No campo da Arquitetura e Urbanismo, vislumbrar alternativas para o modelo hoje
vigente implica se debruçar sobre as questões humano-ambientais que extrapolam o tripé
da sustentabilidade. No entanto, como, em geral, as práticas arquitetônicas e urbanísticas
atuais têm se mostrado insustentáveis, é importante nos conscientizarmos da importância
de não as reproduzir no futuro.
Por sua vez, a noção de comunidade é fundamental para a sustentabilidade, visto
que se configura como a base das estruturas sociais. A proliferação de diversos tipos de
comunidades intencionais apontam para a possibilidade de modos de vida alternativos.
Ao apresentarem aspectos inovadores, essas comunidades podem ser vistas como
“experimentos sociais de um futuro sustentável” (KUNZE, 2012, p.51).
Assim, Harvey (2004, p.263) ressalta que “arquitetos rebeldes” devem pensar
estratégias sobre o que mudar, onde, como e com quais ferramentas fazê-lo, tornando
possível construirmos e reconstruirmos nossas práticas e nosso mundo. Seguindo esse
entendimento, diante do cenário de crise global é essencial discutir modos de vida
alternativos, que possam fazer face aos impactos ambientais, disparidades socioeconômicas
e questões culturais a ele associados. Nesse cenário, as ecovilas se apresentam como
uma possibilidade de experimentação de formas de viver e se relacionar pautadas em
valores e princípios ecologicamente significativos, que apontam para caminhos possíveis
na transição para um modo de vida sustentável.
Pautada nesta compreensão, a revisão realizada buscou refletir a respeito das
iniciativas prioritárias nesse campo, pensando possíveis soluções para os desafios que se
apresentam e como implementá-las. Mais especificamente, tais esforços voltam-se para
entender o que são ecovilas, sua abrangência e como esses assentamentos humanos
vem lidando com essa problemática. Para isso, entende que apesar de apresentarem
configurações diversas, de acordo com contextos locais onde estão inseridas, essas
iniciativas caracterizam-se por atuarem de forma sistêmica, buscando restaurar seus
ambientes sociais e naturais em prol de uma cultura regenerativa (GEN, 2019; MATTOS,
2017), que exploram possíveis respostas às questões da Agenda Global do século XXI,
que desde a Eco 92 busca discutir e pensar soluções para a crise do mundo urbano.
Um estilo de vida sustentável está longe de ser algo comum ou consensual, ou
mesmo ser visto como inviável. As implicações práticas da busca pela sustentabilidade
ainda são insuficientemente assumidas, tornando relevante discutir caminhos para
pensá-la e praticá-la de forma integrada, que contemplem a construção de alternativas
societárias sustentáveis e articulem experiências efetivas a determinadas formulações
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 14 229
teóricas e visões de mundo (DIAS; LOUREIRO; CHEVITARESE; SOUZA, 2017). Apesar
dos esforços de instituições vinculadas à Agenda 2030 (ONU, 2015) os impactos das
ecovilas nas esferas da sociais, econômicos e ecológicos da vida humana no planeta
ainda são pouco explorados nas discussões sobre a vida urbana.
Ecovilas e projetos de ecovilas são experimentos que veem ganhando visibilidade.
Especialmente num cenário em que uma pandemia coloca em xeque a estrutura
socioeconômica que pauta a vida contemporânea nas cidades.
Mesmo estando nas margens, geralmente localizadas em regiões rurais ou
periurbanas, a proliferação de ecovilas no Brasil e no mundo demonstram de que uma
cultura regenerativa está emergindo e que a sociedade não está fadada as consequências
da crise do mundo urbano. Nessas franjas surgem, e estão sendo cultivados, novos modos
de vida, aliando conhecimentos tradicionais com inovações nas diversas dimensões de
sustentabilidade. Nessa direção, uma aproximação com tais iniciativas pode enriquecer
as discussões sobre a relação entre modo de vida, sustentabilidade, cultura, arquitetura
e urbanismo.

REFERÊNCIAS
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Universidade Católica de Campinas, 2018.

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Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 14 232


CAPÍTULO 15
doi

ESTRATÉGIAS DE PROJETO PARTICIPATIVO EM


ÁREAS DE VULNERABILIDADE SOCIAL

Data de aceite: 05/07/2020 instrumentos para qualificar o produto final.


PALAVRAS - CHAVE: Projeto participativo,
área de vulnerabilidade social
Júlio Barretto Gadelha
Mackenzie
ABSTRACT: This article proposes a reflection
São Paulo
for society, in general, and for architects, in
http://lattes.cnpq.br/5578554441788092
particular, in order to point out changes in the
Tomaz Amaral Lotufo PROJECT PROCESS, something abstract
FRB - Faculdades Reunidas de Botucatu
that, after materialized, is filled out and used
Botucatu- SP
by users, that is, something that it can be
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/
visualizacv.do?id=K4734368P0
created and built together. We then want to
recognize in the architect someone who works
as a collaborator in a process, sometimes as
a technician, as someone who stimulates the
RESUMO: Este artigo propõe uma reflexão para group's creativity or as a graphic facilitator and,
a sociedade, em geral, e para os arquitetos, em at other times, as an effective participant, in the
particular, no sentido de apontar mudanças no sense of proposing that the user does not but
PROCESSO DE PROJETO, algo abstrato que, see this professional as a demigod who decides
depois de materializado, é preenchido e utilizado everything, but as a partner in the collective
pelos usuários, ou seja, algo que pode ser criado construction of an intention, a participant with
e construído conjuntamente. Deseja-se então instruments to qualify the final product.
reconhecer no arquiteto alguém que atua como KEYWORDS: Participatory project, area of
colaborador de um processo, ora como técnico, social vulnerability
como alguém que estimula a criatividade do
grupo ou como facilitador gráfico e, em outros
momentos, como participante efetivo, no 1 | INTRODUÇÃO
sentido de propor que o usuário não mais veja
Este artigo propõe uma reflexão para a
esse profissional como um semideus que tudo
decide, mas como um parceiro da construção sociedade, em geral, e para os arquitetos, em

coletiva de uma intenção, um participante com particular, no sentido de apontar mudanças no

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 233


PROCESSO DE PROJETO, algo abstrato que, depois de materializado, é preenchido e
utilizado pelos usuários, ou seja, algo que pode ser criado e construído conjuntamente.
Deseja-se então reconhecer no arquiteto alguém que atua como colaborador de um
processo, ora como técnico, como alguém que estimula a criatividade do grupo ou como
facilitador gráfico e, em outros momentos, como participante efetivo, no sentido de propor
que o usuário não mais veja esse profissional como um semideus que tudo decide,
mas como um parceiro da construção coletiva de uma intenção, um participante com
instrumentos para qualificar o produto final.
Essa temática está cada vez mais presente, sobretudo em eventos organizados por
estudantes de arquitetura como aconteceu na semana Viver Metrópole, evento realizado na
Faculdade de Arquitetura da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de agosto a outubro
de 2017. No evento, buscou-se resgatar a aproximação do profissional-arquiteto com o
território real, que é o lugar da arquitetura. Enquanto o projeto de arquitetura é desenvolvido
em escritórios isolados ou na sala de aula, distante da realidade dos futuros usuários, o
encontro com o território real pode despertar uma série de percepções importantes para a
adequação da arquitetura ao contexto social e ambiental. Pesquisa realizada no ano 2015,
pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) e o Instituto Datafolha, demonstra que o
serviço do arquiteto é dedicado a apenas 15% da sociedade, representados pela parcela
de maior “poder” econômico (http://www.caubr.gov.br/pesquisa-caubr-datafolha-revela-
visoes-da-sociedade-sobre-arquitetura-e-urbanismo/). Dados como esses demonstram
que é urgente ampliar o acesso à arquitetura e, consequentemente, que esta atividade
cumpra a sua função social e ambiental. No Brasil, país com altos índices de desigualdade
social, a problemática da arquitetura deve ser enfrentada de dentro, ou seja, a partir do
território, o que pressupõe, naturalmente, a inclusão dos territórios de vulnerabilidade
social.
Entender a arquitetura; entender O PROJETO COMO PROCESSO. Analisar o
terreno e suas condicionantes legais (legislação urbana), ambientais, o entorno e a região
onde se localiza. Conversar com a comunidade, esboçar croquis e discutir em conjunto
sobre as possibilidades de transformação. A proposta de projeto vai se modificando e, ao
mesmo tempo, se retroalimentando no desenvolvimento da construção. Este artigo propõe
discutir e analisar algumas ações visando transformar o entendimento do processo de
projeto. São elas:
- Apresentar, como exemplo de intervenção em territórios de vulnerabilidade social,
o trabalho do coletivo ESCOLA SEM MUROS a partir de uma proposta de imersão de
dez dias, na periferia de São Paulo, mais especificamente, no Jardim Damasceno, zona
norte da cidade.
- Apresentar parâmetros de projeto com o intuito de sugerir caminhos e possibilidades
para atuar em territórios de vulnerabilidade social, trazendo para a discussão o conceito
de que nas ESTRATÉGIAS PROJETUAIS o que realmente importa é o PROCESSO
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 234
DE PROJETO com a comunidade, ou seja, com a participação de todos, inclusive e
especialmente de crianças, para sugerir possibilidades de espaços de uso coletivo na
cidade que possam ser efetivamente apropriados por essa comunidade.
Para desenvolver e seguir uma linha de pensamento coerente, a dissertação de
mestrado do arquiteto Tomaz Amaral Lotufo, Um novo ensino para outra prática, o exemplo
do coletivo Rural Studio nos Estados Unidos da América, (2014) será um elemento teórico
fundamental.

Figuras 1: Localização do Espaço Cultural Jardim Damasceno.


Fonte: Caderno Espaço Cultural Jardim Damasceno Coletivo Escola Sem Muros.

Figuras 2: Jardim Damasceno Figuras 3: Jardim Damasceno


Fonte: Autor Fonte: Autor

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 235


2 | A PROPOSTA, O PROJETO E A IMERSÃO NO JARDIM DAMASCENO. ESCOLA SEM

MUROS

O Escola Sem Muros é um programa de imersão de dez dias com estudantes das
áreas de arquitetura, design e engenharia interessados em ter uma vivência prática e
colocar seu conhecimento a serviço da sociedade e das pessoas e saberes da própria
comunidade. A jornada de aprendizagem propõe vivenciar um saber que ultrapassa os
muros da universidade, deixando um legado prático para a transformação da comunidade
local.
A Escola Sem Muros é um escritório colaborativo de arquitetura e permacultura,
focado em projetos de baixo impacto ambiental, com caráter comunitário e pedagógico.
Por meio de projetos de edificações e equipamentos urbanos, busca facilitar o acesso
a tecnologias que promovam autonomia, gerando uma mudança cultural e de olhar:
da escassez para a abundância. Defende uma arquitetura integrada considerando os
aspectos sociais, ambientais e econômicos, para entender todo projeto como oportunidade
de aprendizado e empoderamento daqueles envolvidos. É a síntese da proposta de se
projetar com sabedoria, preservando os sistemas de manutenção da vida, valorizando a
economia dos materiais e os recursos disponíveis no planeta, o conforto térmico, sistemas
de coleta e tratamento de água, a energia renovável e eficiente.

2.1 O Primeiro Programa

O primeiro programa, Escola Sem Muros 2018, aconteceu de 19 a 28 de janeiro na


Vila Brasilândia, bairro da zona Norte de São Paulo. Estudantes de algumas partes do
Brasil e também de outros países participaram de uma jornada de aprendizagem junto
com atores da comunidade local com o objetivo de deixar um legado para o bairro, no
caso, a reforma do Espaço Cultural Jardim Damasceno, espaço-chave na luta pelo direito
à cidade.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 236


Figura 4: Grupo responsável pela reforma do Espaço Cultural Jardim Damasceno.
Fonte: Tatiana Zaratin

Em 2017, uma campanha de financiamento coletivo foi lançada e conseguiu arrecadar


o valor necessário para a compra dos materiais necessários à execução da obra de reforma
daquele espaço cultural da comunidade (<https://benfeitoria.com/escolasemmuros>).
Foram dez dias dentro do Jardim Damasceno; dez dias trabalhando, conversando e
brincando, para desenvolver e executar a proposta de intervenção naquela área. Uma
experiência de imersão no dia a dia das pessoas, com o intuito de se aproximar e participar
da concretização de uma ideia, onde o processo de pensamento é o eixo principal do
trabalho coletivo proposto.

2.2 O Projeto Participativo do Entorno e Melhorias na Área de Intervenção

Podemos separar o desenvolvimento do projeto colaborativo em duas etapas. Em um


primeiro momento, fazendo parte do trabalho desenvolvido pelos educadores e estudantes
dos cursos de permacultura (PDC) em conjunto com a comunidade, conseguiu-se uma
leitura macro do território, entendendo as fragilidades e potencialidades para futuras
intervenções concretas na área.
O Curso de Design em Permacultura (PDC) foi realizado pelo Coletivo Permasampa
em parceria com o Instituto Casa da Cidade e o Espaço Cultural Jardim Damasceno
(ECJD).
O PDC é um curso reconhecido internacionalmente e visa capacitar os participantes
a planejar territórios com baixo impacto ambiental e incentivar o empoderamento social,
a partir da gestão sistêmica de recursos naturais energéticos, construtivos, alimentícios
e hídricos.
O programa inclui aulas teóricas, visitas a campo, atividades práticas e aplicação
dos conceitos estudados em um projeto de ocupação de um território existente (estudo de
caso). No projeto deve-se pensar em elementos com edificações, sistemas de produção
de alimento, gestão energética, água e saneamento.
O curso acontece uma vez por semestre e entre os anos de 2015 e 2017, ocorreram
quatro versões em que além das atividades práticas, o estudo de caso foi o Espaço Cultural

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 237


Jardim Damasceno. Neste período 20 equipes desenvolveram projetos permaculturais
para a área, sempre consultando os usuários do espaço. A partir desse diagnóstico o
trabalho sugeriu uma primeira ação: propor um projeto de requalificação do espaço cultural
do Jardim Damasceno como catalizador do início das mudanças na área.
Uma equipe de educadores e estudantes foi formada para sintetizar os projetos
realizados em um projeto para ser executado. Projetaram conjuntamente - um novo espaço
cultural, entendendo as pré-existências do local, entendendo, discutindo e incorporando
as sugestões e visões dos que ali habitam.
Educadores, estudantes e comunidade
O projeto foi concebido seguindo as premissas bastante familiares e consagradas no
dito popular, o famoso bom, bonito e barato.
O bom é a possibilidade de, no processo de execução, os participantes incorporarem
o modo de fazer com as técnicas específicas do material usado, no caso em questão, o
bambu tratado com sua alta qualidade estrutural e pensado como parte de um sistema
pré-fabricado in loco.
O bonito, no projeto é realçado pela leveza do material bambu que, em uma
sequência de tesouras estruturais, cria um ritmo no espaço, delimitando o volume a ser
preenchido com vedações em algumas partes, e outras não, dependendo dos usos e dos
fluxos do espaço.
O barato é uma consequência de projeto arquitetônico, no qual o sistema estrutural
enxuto e adequado possibilita peças mais delgadas. O material bambu é altamente
resistente e de valor acessível. A proposta é que a execução seja realizada pela comunidade
conjuntamente com participantes de programas de imersão promovidos pelo coletivo
Escola Sem Muros. A escolha de peças de bambu pré fabricadas na obra é também para
facilitar o processo que envolve trabalhadores que muitas vezes não estão acostumados
com construção civil, afinal, além do bambu ser mais leve que a madeira, o maior trabalho
é realizado no chão, não em cima de altos andaimes.
A proposta de desenvolvimento da segunda etapa faz parte da própria imersão.
Com o projeto arquitetônico do Espaço Cultural já definido e de posse de algumas
leituras cartográficas e vivências sobre o território, o grupo de participantes do curso e
da comunidade, trabalhando conjuntamente, se apropria das informações e, de forma
colaborativa, propõe intervenções na área do entorno imediato do futuro edifício de bambu.
No decorrer dos dias da imersão, frentes de trabalhos são abertas com diversas oficinas
de como fazer, basicamente, em três áreas: as tesouras de bambu da superestrutura do
espaço; requalificação da horta com fechamentos externos adequados, reorganização dos
canteiros, plantio e adequação da compostagem; e adequação de acessos e fluxos aos
espaços coletivos, com a escada/arquibancada entre a área coberta do Espaço Cultural
e o campinho de futebol.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 238


Figura 5: Projetando com as crianças.

Fonte: Autor

Figura 6 e 7: Projetando com a comunidade o entorno do Espaço Cultural


Fonte: Tomaz Lotufo

3 | PROJETO E IMERSÃO NO JARDIM DAMASCENO

Foram dez dias vivendo dentro da comunidade do Jardim Damasceno, dormindo,


acordando e realizando refeições. Dez dias conhecendo, trabalhando, discutindo,
conversando, analisando e brincando para desenvolver e executar a proposta de
intervenção no Espaço Cultural do bairro. Uma experiência de imersão no dia a dia das
pessoas, com o intuito de aproximar-se da comunidade e de participar da construção

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 239


de uma ideia, onde o processo de pensamento é o eixo principal do trabalho coletivo
proposto.

3.1. Contexto Histórico e Geográfico

A história do Jardim Damasceno, Brasilândia, não é muito diferente da história do


surgimento de outras periferias na cidade de São Paulo. A lógica de embelezamento e do
planejamento urbano da capital do Estado, implementada nas décadas de 1940 e 1950, na
gestão do então prefeito sanitarista Prestes Maia (1938 – 45) com seu plano de abertura de
grandes avenidas, acarretou a demolição de moradias populares e cortiços da área central.
A política governamental habitacional da época não supria e não fornecia suporte técnico
e financeiro para a população de baixa renda se estabelecer com dignidade em habitações
nas áreas centrais, mais perto dos locais de trabalho e com toda a infraestrutura que um
grande centro pode proporcionar. (PIRES, 2012)Assim, a administração pública, de forma
quase natural “fechou os olhos” para o processo irregular de ocupação e autoconstrução
nas bordas da cidade legalizada existente, onde a população, deixada à própria sorte,
foi se estabelecendo em regiões sem infraestrutura pública, sem planejamento urbano e,
consequentemente, sem nenhuma gestão governamental, ou seja, sem governo.
O local onde hoje existe o bairro Vila Brasilândia, no extremo norte do município de
São Paulo, era uma antiga fazenda de cana-de-açúcar que foi loteada irregularmente em
1947 para atrair a população expulsa da área central. Tal processo é um reflexo do que
aconteceu e ainda acontece com a inexistência de políticas habitacionais brasileiras.
O bairro, que se formou predominantemente através de assentamentos precários,
não possui coleta de esgoto. O relevo é de alta declividade, as ruas são estreitas, os
pequenos terrenos estão completamente ocupados formando uma ocupação urbana de
alta densidade, segundo senso de 2010, na época viviam 265.000 pessoas na Brasilândia
em uma taxa de 1,26 habitante por metro quadrado. Equipamentos urbanos básicos para
usufruto dos moradores praticamente não existem pois dificilmente pode-se encontrar
espaços livres, tanto público como privado. O Espaço Cultural Jardim Damasceno é uma
exceção desta lógica.

Um espaço aberto e livre, em um bairro adensado e vulnerável, é potencialmente o lugar


de conexão, aproximando escolas, moradores, organizações sociais e comerciantes,
promovendo condições para o desenvolvimento integral da comunidade. (Escola Sem
Muros, citação de texto escrito para a Bienal de Veneza, 2018)

3.2. A ideia da imersão

Como dito acima, a falta de políticas públicas em relação à produção de habitações


para as camadas menos assistidas fez com que loteadores clandestinos e a própria
população ocupassem de forma irregular as áreas periféricas do município. Com isso,
não houve um planejamento urbano real e um olhar mais técnico sobre a melhor forma

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 240


de se estabelecer no território. O que se constata nos dias de hoje é que há uma grande
quantidade de habitações nessas áreas em situação de risco. A falta de saneamento
básico e de um desenho correto das vias para o escoamento das águas pluviais, fato
potencializado pela ausência de projetos arquitetônicos tecnicamente adequados para a
localidade, acarreta deslizamentos de encostas, alagamentos, dificuldade de locomoção
da população e dificuldade, quando não impossibilidade, de implantação dos serviços
públicos essenciais, como a coleta de lixo.
Com a falta de organização do espaço no território e sem regras claras para seu uso,
outro grande problema verificado é a falta de áreas verdes e de lazer nessas localidades,
com a também irregular ocupação de áreas de preservação, nas bordas dos córregos ou
em encostas. O alto índice de adensamento das construções não deixou quase nenhuma
área livre nessas regiões.
É nesse contexto que o Espaço Cultural Damasceno se insere. A proposta da Escola
sem Muros foi criar um lugar de encontro, de afetividade, um espaço cultural com áreas
verdes e de lazer para a comunidade que habita aquela área; um “respiro” em uma região
esquecida pelo poder público há mais de 70 anos.
No rincão destes morros e áreas adensada, onde chega a chuva e o esgoto existe o
Córrego do Canivete, sua margem foi desapropriada em 2012 para a criação do Parque
Linear no Canivete. No início do parque está a única edificação que não foi removida por
resistência da população, o Espaço Cultural Jardim Damasceno (ECJD), e neste local,
desde 1993 se desenvolvem atividades da comunidade. O ECJD é um galpão que foi
construído na década de 1980, a partir de uma mobilização dos moradores da região
pela reivindicação de infraestrutura básica no bairro, como: saneamento, iluminação,
abastecimento de água e pavimentação das ruas. Pouco tempo depois, a EMURB
(Empresa Municipal de Urbanização de São Paulo) instalou-se ao lado do ECJD para
atender e orientar os moradores a respeito dos procedimentos de regularização fundiária.
No início da década de 1990, após deslizamento do morro, o galpão serviu como
abrigo provisório para as famílias vítimas. Após a desocupação, passou a ser o espaço
da recém fundada Associação de Moradores do bairro (08/05/93), a 25 anos o local
acolhe diversas atividades culturais e socioambientais, saraus com poesia e música são
tradicionais, também por muito tempo foi no ECJD a sede do exemplar programa “arte na
rua” e outras atividades como oficinas de costura e reciclagem, cursos de alfabetização de
jovens e adultos. O espaço recebe constantemente grupos de pesquisa de universidades
como a USP e São Judas, lá acontecem diversas assembleias, atividades de conselhos
municipais. Estes são alguns fatos que demonstram a relevância do ECJD para o bairro
e a cidade de São Paulo.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 241


3.3. A aproximação com a Permacultura

Para que nossa sociedade se desenvolva de forma mais sustentável e usufrua


dos ganhos econômicos sdequados os desafios são imensos e pressupõem uma nova
abordagem (nem tão nova assim) no tocante à forma como a população do planeta se
apropria dos recursos naturais e como lida com as formas de ocupar o território, seja
no meio rural, seja no meio urbano. No meio rural, é importante ter uma visão de como
diversificar plantios, preservar áreas de floresta e restaurar biomas ameaçados para que,
em conjunto, tais ações possam proteger as águas e enriquecer o solo, para que no futuro
não nos falte terra para plantar e água para beber.
A permacultura, um conceito sistematizado pelo australiano Bill Molison, trata de
entender as relações entre as várias camadas do desenvolvimento das plantas, suas
relações com o meio circundante e o homem. Propõe um olhar sistêmico, onde as partes
desse sistema se organizam de forma radial, em áreas de plantio, e essas conexões
sensíveis potencializam a interação dos vários elementos em um todo. Assim, enriquecem
ambientalmente a área que faz parte desse conjunto.
No caso das áreas urbanas, a sustentabilidade, termo que poderíamos facilmente
substituir por ações coerentes com o meio, se dá de forma mais difusa e não tão clara
como a relação homem-natureza, na área rural.
Imagine, então, transpor para o meio urbano os mesmos conceitos de permacultura,
que já vêm sendo trabalhados, há algum tempo, em áreas rurais. Como seria essa
abordagem?
Dentro desse contexto é que surge o coletivo PermaSampa, que sugere novos
olhares e novas uma nova abordagem para se intervir na cidade, sobretudo em áreas
abandonadas, residuais, subutilizadas e de vulnerabilidade social, onde o conceito básico
da permacultura é o fio condutor para essa transformação.
O grupo PermaSampa na cidade de São Paulo se propõe a tratar das questões
ambientais na cidade e com as pessoas que habitam esse território. Para isso, diversos
cursos voltados a uma visão sistêmica sobre temas como, por exemplo, a forma como nos
relacionamos com o ambiente construído e com a natureza, foram ministrados ao longo
de três anos na Casa da Cidade, no bairro de Vila Madalena em São Paulo. Dentre esses
cursos o Certificado de Design em Permacultura (Permaculture Design Certificate – PDC,
na sigla em inglês) engloba diversos saberes, aprofundando conteúdos e práticas em
quatro módulos ao longo de um ano.
A proposta e construção efetiva em alguma área da cidade fazem parte dessa
proposta. Daí a escolha da região da Vila Brasilândia, no Jardim Damasceno, Zona Norte
do município de São Paulo. Em 2015, defido a parceria do Coletivo Permasampa com a
Secretaria do Verde, na gestão municipal de 2012-2016, onde o local foi sugerido pela
Ana Velardi diretora da UMAPAZ na época, espaço voltado a educação ambiental do

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 242


município de São Paulo sediada no parque do Ibirapuera

3.4. Viabilidade da proposta de intervenção. Detalhamento do Projeto

Os cursos de permacultura na Casa da Cidade e nas imersões no Jardim Damasceno


foram bastante enriquecedores sob vários aspectos, tanto como aprendizado prático e
teórico de técnicas e conceitos usados na permacultura, como também no aspecto social,
nas relações humanas e afetivas entre as pessoas que acreditam que é possível e viável
a criação de um mundo mais justo, mais solidário, coerente e com mais qualidade de vida.
Suscitou ainda que a abrangência das ações e discussões sobre as possibilidades de
intervenção no território estavam tímidas e poderiam ser muito mais profundas. Algo que
possibilitasse que cada intervenção fosse o polo gerador radial de mudanças permanentes
e estruturadas, com a participação efetiva da comunidade.
Assim surgiu a proposta de implementar o projeto de reforma, ampliação e construção
do Espaço Cultural Damasceno e para isso foi criado o programa ESCOLA SEM MUROS
que busca construir equipamentos comunitários por meio de práticas pedagógicas
Integrando estudantes, profissionais e comunidade no processo de construção. Alguns
dos integrantes desse coletivo também são os educadores ou alunos do curso de PDC
(Permaculture Design Certificate). São os arquitetos Tomaz Lotufo, Henrique Pinheiro,
Marcella Arruda, Flávia Burcatovsky, Cassio Abuno, Andressa Violeta, Ranyely Araujo.
A partir da vontade de ampliar as ações efetivas no território e da sistematização
do material desenvolvido nos cursos de permacultura com a comunidade, desenvolveu-
se uma discussão sobre as possibilidades de intervenção na área do Espaço Cultural
Damasceno e seu entorno, elencando as diversas propostas para a área. Concluiu-se
que, para uma efetiva mudança nos aspectos estruturais das carências da região, seria
necessário desenvolver o projeto de reforma, ampliação e construção do galpão do
Espaço Cultural Damasceno, transformando-o em elemento irradiador das propostas de
melhorias para toda a área da comunidade.
A primeira ideia escolhida foi o detalhamento concreto do projeto do galpão utilizando
estrutura de bambu, para desenvolver a construção em conjunto com as pessoas que
usufruem do espaço e habitam na região, estudantes de arquitetura e pessoas interessas
no tema. Assim, o projeto colaborativo do Galpão Damasceno e seus espaços internos e
externos foi desenvolvido de forma participativa com a comunidade e alunos do curso de
Permacutura PDC e, posteriormente, detalhado pelos arquitetos Cassio Abuno e Tomaz
Lotufo do escritório colaborativo SEM MUROS arquitetura integrada.
Com o detalhamento do projeto, foi possível quantificar os materiais, o tempo de
trabalho e a mão-de-obra necessária para a construção do galpão. Com todos esses
dados em mãos, escolheu-se um tipo de financiamento coletivo online, denominado
Benfeitoria, que é uma plataforma de mobilização de recursos para projetos de impacto
cultural, social, econômico e ambiental.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 243


Figura 8,9,10 e 11: Desenvolvimento do projeto Espaço Cultural
Fonte: Escola Sem Muros

3.5. A campanha de financiamento coletivo

A campanha de financiamento coletivo teve início no dia 8 de novembro de 2017,


na sede do Sindicato dos Arquitetos de São Paulo (SASP) com a palestra/conversa
conduzida pela equipe de coordenadores da ESCOLA SEM MUROS, sobre as intenções
da proposta de intervenção e com a apresentação do projeto para o galpão.

Figura 12:Página inicial da campanha de financiamento na internet

Fonte: Escola Sem Muros

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 244


Figura 13:Página da campanha de financiamento na internet
Fonte: Escola Sem Muros

Figura 14:Página da campanha de financiamento na internet


Fonte: Escola Sem Muros

A campanha organiza-se da seguinte forma. O financiamento coletivo tem uma meta


a ser alcançada pelo sistema, ou tudo ou nada. Isso significa que se não conseguisse
atingir a meta proposta, ou seja, o financiamento total, no caso desse projeto do Espaço
Cultural Damasceno o equivalente a 24.000,00 reais, todo o dinheiro arrecadado deveria
ser devolvido. Se o financiamento coletivo alcançasse a meta proposta ou fosse além do
teto estipulado, a campanha configurava-se como um sucesso.
Para estimular as pessoas a contribuírem para a proposta, estipulava-se uma série
de “recompensas” que, nesse caso, variavam entre R$ 10,00 até R$ 1.700,00 reais.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 245


Figura 15:Página da campanha de financiamento na internet

Fonte: Escola Sem Muros

A campanha durou pouco mais de um mês, encerrando-se às 23h59 minutos do dia 14


de dezembro de 2017, totalizando R$ 30.301,00 em valores arrecadados e contabilizando
163 benfeitores diretos pelo site e também com diversas ações para potencializar a
arrecadação e aprofundar os conceitos da proposta pedagógica da ESCOLA SEM MUROS
para quem tivesse interesse em saber mais.
Em primeiro de dezembro de 2017 na sede do Sindicato de Arquitetos de São Paulo
(SASP) foram apresentados o projeto e o processo metodológico para o desenvolvimento
do trabalho a ser executado pela escola Sem Muros, no Espaço Cultural Jardim
Damasceno, e convite para aqueles que, de forma colaborativa, pudessem contribuir com
os preparativos para a imersão que aconteceria na segunda semana de janeiro de 2018
na região da Vila Brasilândia.
Diversos colaboradores, acreditando na força da proposta de transformação social
do projeto de imersão, de forma voluntária, organizaram diferentes ações para arrecadar
fundos e dar suporte à empreitada. Uma das ações foi a doação de um curso de culinária
de como fazer uma pizza no dia cinco de dezembro de 2017, pela proprietária Cecília
Lotufo da Dona Rosa Pizzaria. Seriam abertas doze vagas a R$ 80,00 cada, valores
esses revertidos para o caixa da imersão.
No dia nove de dezembro de 2017, a equipe da Escola Sem Muros propõe um
encontro para discussão e reflexões sobre os desafios dos dias atuais de viver em um
mundo em transição e constantes transformações, buscando a direção de uma vida com

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 246


propósito. O tema proposto para discussão foi: “de que formas a relação com o espaço
urbano pode ser encarada como oportunidade de inovação e criação de espaços de
autonomia e (re)existência”. (Escola Sem Muros 2017). Durante a conversa, conduzida
pela jornalista e criadora do website Cidades para Pessoas, Natália Garcia, foi servido um
bobó vegano preparado por ela. A contribuição de R$ 35,00 foi revertida para o projeto
do espaço cultural. Por fim, no dia quatorze de dezembro, último dia para as doações
na campanha de financiamento coletivo, foi organizada uma confraternização com os
apoiadores e interessados para celebrar as conquista do presente e planejar as ações do
futuro.

4 | A IMERSÃO

Concluída a arrecadação necessária, via financiamento coletivo, tiveram início os


trabalhos de imersão para a organização e planejamento do canteiro de obras e adequação
das condições do barracão existente no local para o trabalho com os estudantes e a
comunidade. A partir do dia 3 de janeiro de 2018 vários voluntários da comunidade
compareceram ao local para começar os trabalhos de demolição de algumas paredes
e do forro do Espaço Cultural, preparação da fundação para receber a nova estrutura e
preparar a imersão, um curso de pedagogia prática e obra comunitária.
No dia 12 de janeiro de 2018, a uma semana para o início de imersão, a Subprefeitura
chega com polícia, caminhão e escavadeira, com o objetivo de embargar a obra e recolher
o material comprado com o dinheiro do financiamento coletivo que estava sendo utilizado
nos preparativos.
Este fato demonstra como a cidade de São Paulo é construída na base da injustiça
social, dos interesses de mercado e poder político. Depois de 25 anos de resistência
dentro de um galpão precário construído com Madeirit e telhado de fibrocimento,
realizando atividades socioculturais para superar a ausência do poder pública naquela
região, quando cria-se condições de fortalecimento do espaço físico e da comunidade,
chegam as autoridades para impedir esta emancipação.
Com o embargo da obra, a imersão foi redesenhada, afinal, ela não poderia
deixar de acontecer pois o processo pedagógico em comunidades vulneráveis começa
no entendimento da atuação de diversas forças que intervém no espaço urbano. São
movimentos como este promovido pela subprefeitura que dificultam o acesso das pessoas
ao espaço público, tentando deslegitimar as organizações sociais. Nesta lógica é que são
excluídas as mulheres, idosos e crianças da cidade.
Decidiu-se na imersão pré-fabricar os componentes estruturais como por exemplo
as tesouras de bambu e guarda-los para quando a obra fosse liberada. Também foram
propostos atividades e ciclos de conversa com ativistas da cidade de São Paulo, ONG’s
e grupos culturais. Com este novo formato a imersão aconteceu fomentando o primeiro

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 247


entendimento da pedagogia prática, o do direito a cidade.

Figura 16: Programação dos dias da imersão


Fonte: Escola Sem Muros

4.1 Primeiro dia, 19 de janeiro de 2018

No primeiro dia de imersão no espaço do Jardim Damasceno, os inscritos foram


recepcionados pelos educadores/facilitadores e por pessoas da comunidade. O primeiro
momento foi de aproximação lenta, de observação curiosa e maior percepção do espaço,
bem como de suas relações com o entorno. Entre os participantes estavam estudantes
de arquitetura, educadores de diversas áreas e de várias cidades dos estados do Rio de
Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, além de pessoas interessadas e atuantes no tema.
Dentro da proposta pedagógica do grupo da Escola Sem Muros, destaca-se a
importância de mostrar aos participantes que todos os nossos sentidos são fundamentais
para o desenvolvimento do processo educacional, intenção última dessa imersão, não só
no que se refere à construção do espaço cultural em si, mas também, durante o processo
projetual de escolhas, naquilo relativo às discussões e análise crítica do meio onde se
insere o galpão e de suas relações com a comunidade.
É necessário articular todos esses elementos nas diferentes esferas - corpo, mente e
meio. Assim ao longo dos dez dias de imersão, não só os aspectos da prática construtiva
foram trabalhados, mas também algumas dinâmicas mentais e corporais, tudo enriquecido

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 248


por rodas de conversas, palestras e debates sobre experiências e conteúdos da temática
proposta para o encontro, ou seja, a junção de diferentes saberes nas questões abordadas
no início da construção desse processo participativo de intervenção em território de
vulnerabilidade social, suas qualidades e suas mazelas, para que o resultado seja
a proposta e o desenvolvimento de um trabalho participativo/coletivo coerente com a
realidade no local.
Nesse contexto depois da recepção e aproximação inicial, sugeriu-se que todos
participassem de uma atividade conjunta, no caso uma dinâmica de relaxamento com
dança circular, para que o corpo e a mente iniciassem o processo de conexão entre as
partes.
A seguir, houve a distribuição de cadernos que contam um pouco da proposta da
Escola Sem Muros, do Espaço Cultural Jardim Damasceno, da programação da imersão
e com algumas folhas em branco para anotações e desenhos/croquis.
Como a intenção da proposta, no sentido amplo da palavra, era construir toda uma
ideia de forma participativa, dentro da dinâmica desse processo cada um deveria ter
responsabilidades em relação ao grupo maior e, portanto, alguns grupos de trabalho foram
formados. Cada um deles seria assessorado por um facilitador para cuidar do planejamento
daquele período de imersão e ficaria responsável por algumas atividades principais,
a saber: compra nas feiras da região e preparo dos alimentos; limpeza e organização
dos espaços de trabalho e descanso; entretimento das crianças da comunidade com
brincadeiras, jogos e oficinas; orientação dos participantes nas diversas práticas de
construção; suporte geral para o melhor funcionamento de todas atividades ao longo
desse período de aprendizagem e ensinamentos.

4.2 Segundo dia, 20 de janeiro de 2018

Para acomodar os participantes da imersão fez-se uma parceria com uma organização
não-governamental, CCA arte na rua (Centro da Criança e do Adolescente) , responsável
por um trabalho com crianças e adolescentes na região. Com sede própria instalada
na parte mais alta da comunidade, portanto, inserida no tecido urbano existente, a
organização garante um espaço para atividades extracurriculares no contraturno escolar,
proporcionando aos adolescentes e crianças da comunidade atividades pedagógicas e
alimentação durante o ano letivo. O problema é que, nas férias, esse espaço não funciona
e, assim, o Espaço Cultural do Jardim Damasceno faz esse papel, tornando-se uma
importante referência para a educação das crianças.
Duas salas desse espaço foram transformadas em alojamento coletivo para os
participantes após a fixação de regras de convivência sugeridas de forma participativa
pelo grupo, como limpeza do local, uso das instalações sanitárias, preparo do café da

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 249


manhã e do jantar, lavagem da louça e qualquer atividade necessária para melhor uso
coletivo do espaço.
Amanhece no Jardim Damasceno e a equipe do café da manhã, já está a postos.
Depois de bem alimentados para um dia inteiro de trabalho, e do último gole de café, os
participantes iniciam a descida de mais ou menos 15 minutos até o espaço cultural, que
fica na cota mais baixa da região, no fundo do vale. Vale ressaltar que, que depois de um
dia inteiro de trabalho, essa descida de 15 minutos, transforma-se facilmente em uma
subida íngreme de 30 minutos.
A caminhada do alojamento até a área de intervenção também faz parte do
processo de trabalho e é, de fato, uma situação importantíssima para a aproximação
dos participantes com o território, com as pessoas que lá habitam e com seu cotidiano.
A partir da caminhada é possível entender um pouco e de forma mais natural a dinâmica
das relações daquela população com o território construído. Cada descida é feita por um
caminho diferente, cada dia um novo percurso, com novas descobertas, novos olhares,
novas visuais, novos encontros. A apreensão real da cidade, percebida e vivida. Nada de
conceitos abstratos sobre como as pessoas vivem nesses lugares, mas a realidade como
ela é na sua essência, dura, dolorida, sem análises românticas de como seria a vida nas
periferias de São Paulo. A vida real como é a vivida nessa parte da periferia da capital
paulista.
Ao final do percurso de descida chegava-se no espaço cultural. Antes de tudo, era
necessário organizar o espaço para dar início às atividades: limpeza, retirada de uma
grande mesa do depósito e seu transporte para o espaço e colocação de cadeiras.
Ao lado do galpão a ser reformado, há um campo de futebol que faz parte daquele
espaço cultural. O campo serviu para acolher as práticas físicas, dentro da proposta de
dinâmica corporal matinal, ou seja, para acordar o corpo, integrar e alinhar a respiração.
A seguir, a roda formada para os exercícios físicos era substituída por uma roda
de conversa com as pessoas da comunidade e a líder comunitária Noêmia Francisca, à
frente do Espaço Cultural Damasceno há mais de 25 anos e pessoa fundamental na luta
pelos direitos da população, acesso à cultura e à educação na região. A líder comunitária
falou um pouco sobre a história daquele lugar e, junto com outros moradores, relembrou
de fatos que os marcaram e que aconteceram ao longo dos anos.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 250


Figuras 17: Jardim Damasceno década de 1980
Fonte: jornal Frequesia News. Caderno de apresentação sobre o projeto Espaço Cultural

Após os relatos dos moradores e de Noêmia Francisca, a equipe de educadores/


facilitadores da Escola Sem Muros expôs a intenção do seu programa de trabalho em
comunidades em vulnerabilidade social, com base em uma pedagogia de arquitetura
colaborativa processual: atuar no Espaço Cultural Damasceno com a participação das
pessoas que moram na região e dos participantes da imersão.
A pausa para o almoço vegetariano, produzido por diversas mãos, de acordo com a
proposta do trabalho coletivo em diferentes frentes, traduzia não só o ato de alimentar-
se, mas um momento para discutir as informações assimiladas ao longo da manhã,
compartilhando sensações, percepções e sentimentos. Além disso, o almoço era sempre
aberto às pessoas da comunidade que se predispunham a colaborar com os trabalhos,
às crianças que usavam o espaço ou estavam de férias e aos participantes da imersão.
A parte da tarde trouxe uma reflexão mais teórica, a partir da conversa sobre
Educação Libertária, com os educadores Sócrates Magno Torres e Carol Sumie, esta
última também psicóloga e uma das fundadoras da Escola Politeia, que se propõe a uma
nova abordagem em relação ao sistema pedagógico. Bastante proveitosa, a conversa
girou em torno de temas como a diferença entre educação popular e educação social, e
sobre o que a escola impõe hoje aos seus alunos, entre outros temas importantíssimos.
Terminada a conversa bastante enriquecedora com os convidados, a atividade
seguinte era uma oficina para fabricação de canecas de bambu, sob o comando do mestre
bambuzeiro Roberto Payacan. A prática foi importante para que os participantes pudessem
ter o primeiro contato direto com o material, sentir a textura, o peso e entender as suas
propriedades técnicas em uma escala de fácil manuseio, inclusive para as crianças que
quiseram participar daquele momento. Afinal, elas também faziam parte da vivência, já
que a transformação coletiva também atuava no espaço de brincadeiras. Roberto Payacan
fez uma breve explicação sobre a história e as características do bambu, mas que seriam
aprofundadas mais à frente na imersão, quando da execução da estrutura do galpão e
das tesouras da cobertura.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 251


4.3. Terceiro dia, 21 de janeiro de 2018

A dinâmica corporal desse terceiro dia resumiu-se a uma prática de automassagem,


com o objetivo de levar cada participante da imersão a entender seu próprio corpo e a
aprender a cuidar dele.

Figuras 18: Dinâmica de grupo automassagem.


Fonte: Autor

Depois disso teve início a explicação do projeto em si, a parte prática tão esperada!
Aproveitando a oportunidade do dia, de construir com bambu, foi organizada outra roda
de conversa com as pessoas que mais entendem desse material multifacetado: os
construtores e artesãos educadores Roberto Payacan, Pedro Aquino Burgos e Jair Vieira.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 252


Figuras 19: Início dos trabalhos da construção da tesoura de bambu.
Fonte: Autor

À noite, depois do jantar, seguiu-se outra interessante discussão sobre o documentário


Visionários da Quebrada, com as autoras desse admirável projeto que procura mostrar
a criatividade que existe e brota de dentro das periferias das grandes cidades, no caso
de São Paulo. O documentário busca revelar a produção de conhecimento e a imensa
criatividade existente nas periferias paulistanas, de pessoas que contribuem para
transformar suas comunidades, criando novas narrativas. O filme traz um olhar curioso e
rico de dentro das periferias de SP e sobre elas.

4.4. Quarto dia, 22 de janeiro de 2018

Amanhecia no Jardim Damasceno e os participantes, já acostumados com a rotina


diária, preparavam-se para mais um período de aprendizado e reflexões.
No quarto dia de imersão, o exercício sugerido aos participantes e as pessoas da
comunidade foi compreender como o edifício do Espaço Cultural se relaciona com o
entorno, quais eram as condicionantes de projeto que fragilizariam ou potencializariam
as necessidades do local e da vida das pessoas. Tal leitura do território e da paisagem
circundante foi coordenada pela arquiteta e urbanista Fernanda Ravanholi, e teve como
produto final a realização de um grande mapa sensorial registrando os olhares e as novas
ideias.
A discussão participativa sobre o mesmo território, mas com diferentes olhares,
enriqueceu a leitura sobre o território. O contraponto de percepção sobre o espaço verificado

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 253


entre aqueles que habitavam a região e aqueles que estavam lá só de passagem, nos
dez dias de imersão, verificou-se um caldeirão rico em possibilidades de transformação.
A construção de um projeto colaborativo e participativo, deveria sempre partir dessa
premissa básica, que é a diversidade de atores, de gênero, classe social, faixa etária,
raça, entre outros critérios.

Figuras 20: Desenvolvimento de projeto colaborativo


Fonte: Autor

4.5. Quinto dia, 22 de janeiro de 2018

O quinto dia de imersão começou com uma nova rodada de dança circular. Todos,
adultos e crianças, dirigiram-se ao campinho de futebol e formaram uma grande roda. A
prática, dessa vez, foi comandada por um dos participantes Felipe Chammas, sempre
objetivando aguçar a concentração de todos no momento presente, aspecto importante
para preparar mental e fisicamente os participantes para o longo dia pela frente, pois a
dança circular, além de trabalhar, focar e relaxar a mente, alonga os músculos do corpo
para o trabalho braçal que estava por vir.
Depois da dinâmica, tiveram início os trabalhos práticos participativos, sempre
coordenados por pelo menos um facilitador, para que a teoria, a execução e os processos
se fundam em um só pensar e fazer.
Com algumas frentes já definidas na proposta inicial da imersão, ao longo dos
primeiros dias e depois do mapa sensorial conjunto definiu-se continuar a execução da

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 254


estrutura de bambu das tesouras da cobertura do Espaço Cultural; ajustar o projeto e fazer
a estrutura da escada/arquibancada (proposta definida no exercício do mapa sensorial
colaborativo ) que ligaria o campo ao espaço cultural e trabalhar na horta comunitária, na
parte de limpeza, plantio e organização interna e na delimitação do espaço interno, com
uma cerca de bambus em pontaletes e tirantes.
Depois do almoço, durante roda de conversa com Nádia Recioli do Coletivo
Permasampa  e Jaison Lara da organização Ecoativa propôs-se uma conversa e reflexão
sobre o direito à cidade e os conceitos da permacultura urbana, entendendo-se que as
duas propostas se fundem com o mesmo objetivo, que é dar autonomia a população nas
escolhas de como ocupar o território de forma sustentável, fortalecer laços de vizinhança,
ampliar a percepção e exemplos de ações coletivas e colaborativas que deram certo.
Entender o território, compreender os diferentes atores que fazem parte da comunidade e
conjuntamente construir estratégias e ações para as transformações sociais. Logo depois
dessa conversa, o grupo Fast Food da Política propôs a discussão sobre a região e suas
questões de forma lúdica, a partir de jogos sócio/políticos, bastante interessantes para se
refletir sobre os conceitos abordados na conversa.

4.6. Sexto dia, 23 de janeiro de 2018

No sexto dia de imersão, os coletivos Horta de Gueto e Batatas Jardineiras expõem


sua filosofia de ação e propostas de intervenções na cidade: apropriar-se dos espaços
vazios da malha urbana plantando e permitindo que os cidadãos incorporem os espaços
da cidade abandonados, degradados e esquecidos, em espaços vivos, produtivos e
mais humanos. Depois da conversa, de reflexões e de algumas dicas técnicas de como
trabalhar em uma horta, organizou-se um grupo para a montagem de canteiros, poda de
árvores e arbustos, e plantio de mudas.
Outro grupo continuou a trabalhar com a construção da escada que liga o campo
de futebol ao espaço cultural. Interessante é perceber que o projeto vai se adequando ao
longo do processo de construção, incorporando detalhes sugeridos por participantes de
outros grupos e ajustando o que se pensou no papel com a realidade do terreno, o local
da construção.
Outra frente de trabalho continuava a execução das tesouras de bambu, cada vez
mais perfeitas, devido ao aprendizado do fazer ao longo dos dias da imersão.
Enquanto os trabalhos prosseguiam, atividades extras eram propostas para entreter
também as crianças. Aulas de culinária, de como fazer um pão de queijo, as etapas, o
trabalho em equipe, organização mostrada como um reflexo da metodologia do curso de
imersão na perspectiva da criança.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 255


Figura 21: Organização da cerca de bambu da horta comunitária.
Fonte: Autor

Figura 22: Culinária com as crianças


Fonte: Autor

4.7. Sétimo dia, 24 de janeiro de 2018

O trabalho começou cedo e continuou intenso durante toda a manhã, nas três frentes
de construção que seguiam a todo vapor, já que o objetivo era terminar a tesoura da
estrutura do telhado para visualizá-la por inteiro. Finalizar a escada para a criançada ter

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 256


como acessar o campo de futebol de forma segura e também poder descansar depois de
brincar.

Figura 23 e 24: Construção da escada/arquibancada para o campo de futebol.


Fonte: Autor

Logo depois do almoço, uma nova roda de conversa trouxe o tema “Tecendo Comum-
unidades”. Os facilitadores foram os educadores Ranyely Araujo e Fábio Miranda da
Favela da Paz e a arquiteta Paula Lobato do coletivo Cozinha Comum, de Belo Horizonte.
Cada um deles falou um pouco sobre as iniciativas das quais fazem parte, dos desafios
encontrados no caminho, das surpresas e também dos resultados obtidos.
Nesse meio tempo, o grupo responsável por completar a tesoura da cobertura
conseguiu terminá-la e a peça foi levada até a frente do espaço cultural e erguida como
ato simbólico mostrando que, independentemente dos contratempos que surgissem, a
construção iria acontecer.

4.8. Oitavo dia, 25 de janeiro de 2018

O oitavo dia da imersão no Espaço Cultural Damasceno foi atípico. Logo cedo, o
grupo foi até o município vizinho de Perus, para um encontro com a comunidade cultural
Quilombaque. Esta é uma organização sem fins lucrativos que surgiu em 2005, a partir
da iniciativa de um grupo de jovens, moradores de Perus, outro bairro periférico da zona
noroeste de São Paulo e que concentra os piores índices socioeconômicos e culturais,
onde as maiores vítimas são os jovens.

4.9. Nono dia, 26 de janeiro de 2018

O penúltimo dia da imersão encontrou os participantes bastante ativos e mergulhados


no trabalho com o bambu, finalizando tudo o que havia sido começado para não deixar
nada pela metade quando a imersão acabasse.  Depois do almoço, a educadora Solange
Amorim conduziu uma conversa bastante rica sobre territórios educadores e autogestão,
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 257
a luta por qualidade no ensino, como catalizador de transformação social, a relação de
pertencimento do território como algo vital para o enriquecimento do indivíduo como
cidadão completo.
No final da tarde, quase anoitecendo, Fernando Ferreira, participante do primeiro
PDC de permacultura no Jardim Damasceno, morador da região e colaborador atuante
nas ações sociais e discussões para a comunidade da Brasilândia, conduziu uma profunda
reflexão sobre o aprendizado, os encontros e as vivências. A discussão se deu em
torno de uma grande fogueira, já que o fogo simboliza purificação, queima de conceitos
fechados e o abrir espaço para o novo e para o outro. Foi um importante momento para
entender todo o processo causado pela imersão e incorporado na vida de cada um dos
participantes, a partir da interação com a comunidade e o território. Foi um trazer à luz
da sociedade a vertiginosa desigualdade social existente nos municípios brasileiros,
principalmente nas periferias das médias e grandes cidades e, como em conjunto, de
forma colaborativa e participativas, diferentes atores da sociedade civil podem sugerir
caminhos de transformação dessa realidade para os governantes.

4.10. Décimo(último) dia da imersão, 27 de janeiro de 2018

“Depois de dez dias juntos(as), construindo, aprendendo, cozinhando, ouvindo,


colaborando e refletindo, é hora da despedida. Tudo continua, mas de um jeito diferente.
O mesmo pode até continuar, mas muito mais rico e vivenciado de forma muito mais
intensa.” (Coletivo Escola Sem Muros, 2018)

Para finalizar esse ciclo, um novo encontro com o grupo Quilombaque em uma roda
de Jongo.

Figura 25: Participantes do curso e a comunidade.


Fonte: Escola Sem Muros

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 258


5 | AS CRIANÇAS DA COMUNIDADE NA IMERSÃO

Importante salientar a participação, o convívio e a troca de experiências com as


crianças da comunidade que trouxeram diferentes olhares e outras perspectivas sobre a
construção dos espaços da cidade.
Ao longo de toda imersão, as crianças compartilhavam os espaços, oficinas e
momentos de aprendizados. Como janeiro é um período de férias escolares, o Espaço
Cultural é naturalmente o ponto de encontro e de brincadeiras, nada mais justo que
incorporar as crianças na programação dos eventos. Algumas ações foram moldadas
com características específicas para garantir que os participantes se relacionassem com
as crianças da comunidade. Além disso, mas não menos importante, as oficinas para
os adultos eram assimiladas pela criançada de forma livre, descontraída e, com muito
empenho, pelos pequenos cidadãos e pelas pequenas cidadãs.
Na oficina sobre a leitura do território circundante, o olhar sensível das crianças
despertou os participantes para que fossem feitas propostas de ligações ativas entre
pontos estratégicos subutilizados no tecido urbano da comunidade, enriquecendo os
percursos feitos pelas crianças, qualificando o caminhar cotidiano, casa /área de brincar /
espaços coletivos assistidos.
Tais conexões formariam a capilaridade de um percurso seguro, com boa
caminhabilidade e indutor de desenvolvimento para o crescimento sustentável da criança
em seu espaço, a percepção do mundo e inserção do pequeno ser no território construído
(ou autoconstruído) na cidade informal. Para que se possa pensar em possibilidades
de construção coletiva dos espaços, é de suma importância ter a escala da criança
como protagonista para a concepção de instrumentos projetuais que sejam indutores de
transformações reais no espaço.

Figura 26: Crianças brincando nos brinquedos de bambus.


Fonte: Autor

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 259


Figura 27: Brincadeiras da imersão em conjunto com as crianças
Fonte: Autor

6 | ESPAÇO CULTURAL JARDIM DAMASCENO: O PROJETO ARQUITETÔNICO NA

BIENAL DE VENEZA

O projeto do Espaço Cultural Jardim Damasceno, proposta realizada na Vila


Brasilândia, em SP, e coordenada pelo grupo ESCOLA SEM MUROS (ESM), foi
selecionada para participar do pavilhão brasileiro na 16ª Bienal de Arquitetura de
Veneza”mostra realizada de 26 de maio a 25 de novembro de 2018. Em um paralelo com
o nome do programa ESM, curiosamente o tema do pavilhão foi “Muros de Ar.As pranchas
desenvolvidas para a seleção no Brasil, mostraram todo o processo de projeto em conjunto
com a comunidade, enfatizando o uso de materiais de baixo impacto ambiental, o caráter
pedagógico de sua construção conjunta entre estudantes e moradores locais e da
campanha de financiamento coletivo realizada para arrecadar parte da verba necessária
para a compra de materiais da obra. Informavam ainda que faltava apenas a aprovação
da prefeitura para dar continuidade à obra.

Este projeto é parte de um processo de resistência e luta dos moradores do Jardim


Damasceno na ocupação desta borda da cidade de São Paulo desde 1960.

Aqui a arquitetura tem sua força na apropriação e legitimação do território, junto


aos moradores. Um espaço aberto e livre, em um bairro adensado e vulnerável, é
potencialmente o lugar de conexão, aproximando escolas, moradores, organizações
sociais e comerciantes, promovendo condições para o desenvolvimento integral da
comunidade. 

A beleza da arquitetura neste contexto está no processo. Valoriza-se neste projeto o


espaço entre o desejo e o uso, o construir e habitar. No desenho, os momentos de
convergência de ideias e criação, conexão entre saberes, participação popular em

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 260


comunhão com arquitetos(as)

(texto do memorial da Escola Sem Muros apresentado para a Bienal de Veneza)

As figuras 28 a 30 demonstram as pranchas que foram apresentadas para o processo


de seleção no Brasil. As figuras 31 a 34 são fotografias do painel e maquete expostos em
Veneza.

Figura 28: Prancha implantação Espaço Cultural Jardim Damasceno, Brasilândia, SP.
Fonte: Escola Sem Muros

Figura 29: Prancha corte terreno Espaço Cultural Jardim Damasceno, Brasilândia, SP.
Fonte: Escola Sem Muros

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 261


Figura 30: Prancha vista frontal Espaço Cultural Jardim Damasceno, Brasilândia, SP.
Fonte: Escola Sem Muros

Figuras 31: Exposição Espaço Cultural Jardim Damasceno na 16ª Bienal de Veneza de 2018.
Fonte: Escola Sem Muros

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 262


Figuras 31: Exposição Espaço Cultural Jardim Damasceno na 16ª Bienal de Veneza de 2018.
Fonte: Escola Sem Muros

7 | CONCLUSÃO

Este artigo propõe uma reflexão de como a sociedade civil, pode atuar, de forma
coletiva e participativa, em áreas de vulnerabilidade social, que não dispõem de serviços
públicos básicos e nem tampouco de propostas governamentais de requalificação urbana
que tragam melhorias efetivas para a população .
A ideia de potencializar a relação de pertencimento com o território, construindo
conjuntamente possibilidades de intervenções, lançando mão de instrumentos projetuais
colaborativos e entendendo as conexões entre os espaços fragmentados da periferia e
uma leitura coerente da paisagem circundante, faz com que o espaço projetado não seja
apenas um espaço, mas possa se transformar em lugar, na mais abrangente acepção do
termo.
Além disso, deve-se salientar o papel de todos – homens, mulheres e crianças - na
conformação desses espaços.
Para isso, a importância de reunir profissionais de várias áreas como educadores
e facilitadores desse processo transversal de conhecimento, traduzido em ação prática
de transformação do território, é essencial para se buscar um mundo mais igualitário,
sustentável e mais humano.
A proposta do coletivo de arquitetos e arquitetas Escola Sem Muros sugere um
caminho rico nessa perspectiva, de fortalecer relações colaborativas e atuar de forma
prática na construção de uma nova paisagem, mais humana e coerente com os anseios
da população local.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 263


A experiência da imersão no Jardim Damasceno demonstrou que a pedagogia prática
em áreas de vulnerabilidade social envolvendo estudantes, educadores, comunidade
local e profissionais, pode ser um dos caminhos de superação da quase inexistência da
presença de arquitetos nestes espaços. Este processo demonstrou que aprender fazendo
em situações reais preenchem uma lacuna no ensino, o entendimento da arquitetura de
maneira integral. Arquitetura além da forma, com peso e trabalho humano, contextualizada
ao lugar e as pessoas.
O impedimento de continuidade da obra e a persistência em realizar a imersão da
Escola Sem Muros no Jardim Damasceno revelou a ausência de direito à cidade e a
percepção da importância deste trabalho para legitimar o espaço no contexto urbano. Se
a cidade é desenhada por interesse pessoais e não coletivos, ela deixa de pertencer a
todos e todas. Neste estudo foi possível perceber que projetar e construir coletivamente
promove o entendimento do comum, de como cuidar do coletivo, quais são os deveres e
direitos para se ter uma vida digna.
Portanto processos como o apresentado neste artigo são ações necessárias para
promover inclusão e situações de vulnerabilidade social.

REFERÊNCIAS
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Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 15 266


CAPÍTULO 16
doi

MOBILIDADE ATIVA E CAMINHABILIDADE: ENSAIO


PROJETUAL NA AV. JAIR DE ANDRADE

Data de aceite: 05/07/2020 resulta em espaços cada vez menores para o


Data de submissão: 09/05/2020 pedestre, o que prejudica a vivência urbana e
a caminhabllidade nas cidades. A cidade de
Vila Velha-ES é precária no que diz respeito
Mateus Marcarini Zon a mobilidade ativa, com vias que, apesar do
Universidade de Vila Velha. Curso de Arquitetura
fluxo de pessoas, não valorizam o pedestre.
e Urbanismo.
A partir desse cenário, o presente trabalho
Vila Velha-ES, Brasil
apresenta um ensaio projetual para a melhoria
http://lattes.cnpq.br/2171759688693356
dos deslocamentos a pé, tendo como recorte
Larissa Leticia Andara Ramos
Universidade de Vila Velha. Curso de Arquitetura
a Av. Dr. Jair de Andrade. O artigo investiga a
e Urbanismo. Mestrado em Arquitetura e Cidade. aplicação dos conceitos de caminhabilidade,
Vila Velha-ES, Brasil mobilidade ativa e valorização do pedestre,
http://lattes.cnpq.br/2687764478783021 embasado nas teorias de Jacobs (2000),
Laura Lopes Akel Gehl (2013) e Speck (2016). A pesquisa ainda
Universidade de Vila Velha. Curso de Arquitetura elucida as técnicas de análise: levantamento
e Urbanismo. fotográfico, contagem de fluxo, questionários,
Vila Velha-Es, Brasil. observação comportamental, diário de campo
http://lattes.cnpq.br/4635501734914970  e caminhada teste. A proposta baseou-se na
Natália Brisa do Nascimento Santos  valorização e proteção do pedestre, no aumento
Universidade de Vila Velha. Mestrado em da qualidade socioambiental da via, no estimulo
Arquitetura e Cidade.
a fachadas ativas e no resgate da ciclovia, de
Vila Velha-Es, Brasil.
modo melhorar a qualidade do espaço urbano
http://lattes.cnpq.br/4615722753350389
e promover a caminhabilidade.
PALAVRAS-CHAVE: Caminhabilidade,
Pedestre, Mobilidade ativa, Calçada,
RESUMO: As cidades contemporâneas Deslocamento à pe.
sofrem com o processo de adensamento que
pressiona e ignora os espaços públicos da
cidade. A ênfase no uso de veículos individuais

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 16 267


ACTIVE MOBILITY AND WALKABILITY:

PROJECT PROPOSAL IN JAIR DE ANDRADE AVENUE

ABSTRACT: The Contemporary cities suffer with the process of densification that presses
and ignores the public spaces of the city. The emphasis on the use of individual vehicles
results in smaller spaces for the pedestrian, hampering urban living and walking in cities.
The city of Vila Velha-ES is precarious in terms of active mobility, with routes that, despite the
flow of people, do not value the pedestrian. From this scenario, the present work presents
a design essay for the quality of the public spaces, in particular for the improvement in the
displacements on foot, having as a cut Av. Dr. Jair de Andrade. The development of the
project proposal investigates the application of the concepts of urban vitality, walkability and
pedestrian valorization, based on the theories of Jacobs (2000), Gehl (2013) and Speck
(2016). The research still elucidates the techniques of analysis: photographic survey, flow
count, questionnaires, behavioral observation, field diary and walk test. The proposal was
based on the valorization and protection of the pedestrian, on increasing the social and
environmental quality of the road, on stimulating active facades and on the rescue of the
bicycle path, in order to improve the quality of urban space on urban roads.
KEYWORDS: Walkability, Pedestrian, Active Mobility, Sidewalk, Walking Displacement.

1 | INTRODUÇÃO

O modelo urbanístico baseado no uso do automóvel aumentou a segregação


socioeconômica e espacial, estimulando a incorporação de glebas com baixos níveis de
integração às infraestruturas urbanas e estabelecendo um modelo de expansão periférica
das cidades, no qual as desigualdades sociais, traço marcante da sociedade brasileira,
foram cristalizadas na ocupação do solo urbano (GHIDINI, 2010).
Esse processo de ruptura, se retroalimenta porque a população é expulsa das áreas
mais centrais da cidade, seja pelo alto custo da terra urbana e da moradia, seja pela
degradação e baixa qualidade ambiental dos centros tradicionais. Dessa forma, a população
passa a viver na periferia e a utilizar as áreas centrais como centros econômicos. Esse
fator gera maior deslocamento e, com isso, aumenta a necessidade de transporte para
atender as necessidades diárias que, por sua vez, também colabora para a degradação
ambiental e urbana. A cidade vai, assim, se desumanizando e, consequentemente, a
rua torna-se cada vez menos transitada por pedestres, torna-se menos atrativa e mais
perigosa (GHIDINI, 2010).
Os espaços públicos estão, cada vez mais, sofrendo com degradação, em muitos
casos, causados pela circulação de modais de transporte individual, que por sua velocidade
e consumo energético, além da poluição atmosférica e sonora, afugentam a vida social
e coletiva. A rua, elemento estruturante e também social das cidades, vem sendo o ente

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 16 268


urbano mais prejudicado dentro desta lógica. Sendo assim, recuperar a condição e a
escala humana de bairros, e, sobretudo, promover a caminhabilidade, é necessário e
urgente para a humanização do meio urbano (GHIDINI, 2010).
O ato de caminhar está inserido diariamente no cotidiano das pessoas e no espaço
urbano como a principal e mais antiga forma de locomoção. “A caminhada é também o
meio de transporte mais sustentável e democrático na cidade” (ITDP Brasil, 2018). A
grande liberdade de movimento é um traço marcante do deslocamento de pedestres e
que permite o aumento da interação com o espaço urbano que o circunda, fazendo com
que detalhes imperceptíveis para um condutor de automóvel, por exemplo, tenham um
impacto significativo para os pedestres (ITDP Brasil, 2018).
A busca por cidades vivas, que atraia pedestres para caminhar, pedalar ou
simplesmente estar no espaço público, é essencial para que haja ambientes urbanos
seguros, sustentáveis e saudáveis. As pessoas devem ser livres para fazer seus
percursos, independente da sua faixa etária ou limitação de mobilidade. Ferraz e Torres
(2004) afirmam que o caminhar é o modal individual de maior importância para as curtas
distâncias, sendo inclusive complemento para outros modais.
Para o urbanista Speck (2013), a economia, a saúde e o meio ambiente são os
3 (três) grandes temas que conduzem o pensamento para cidades mais caminháveis.
A caminhabilidade pode ainda ser definida como uma relação do quão o ambiente
urbano é favorável à vivência e ao caminhar dos pedestres. Dessa forma, leva em
consideração a acessibilidade, a atratividade, o conforto e a segurança para mensurar
a facilidade das pessoas em se deslocarem na cidade. Os índices de caminhabilidade
influenciam diretamente na predisposição que as pessoas têm ou teriam para caminhar
em determinados locais (SPECK, 2016).
Do ponto de vista conceitual, a caminhabilidade é uma qualidade do espaço público
que permite o pedestre uma boa mobilidade às diferentes partes da cidade, seja ele
criança, idoso, mulher ou pessoa com deficiencia ou mobilidade reduzida . Assim, a
caminhabilidade deve proporcionar uma motivação para induzir o pedestre a adotar o
caminhar como forma de deslocamento, restabelecendo suas relações interdependentes
com a cidade. E para tanto, deve comprometer recursos visando a reestruturação da
infraestrutura física, fundamentais à vida humana e à qualidade de vida urbana (GHIDINI,
2010).
A cidade de Vila velha é precária no que diz respeito a mobilidade ativa, com vias
que, apesar do fluxo de pessoas, é nítida a desvalorização do pedestre, em detrimento
do uso do automóvel. Desse modo, o presente trabalho tem como objetivo apresentar
uma reflexão sobre a caminhabilidade em bairros residências, a partir da valorização do
pedestre em projetos de espaços públicos, tendo estudo de caso a Avenida Dr. Jair de
Andrade, situada no município de Vila Velha-ES.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 16 269


2 | MATERIAL E MÉTODOS

A pesquisa é de natureza aplicada e caráter exploratório e descritivo. O referencial


teórico traz como principais autores: Jacobs (2000), Gehl (2013), Speck (2016), WRI (2017),
Gehl e Svarre (2018). Para o diagnóstico da via estudo de caso e posterior embasamento
da proposta projetual foram ainda utilizadas as técnicas de levantamento fotográfico,
contagem de fluxo de pedestre, questionários online, observação comportamental, diário
de campo e caminhada teste.
A Avenida Dr. Jair de Andrade (identificada na Figura 1) é umas das vias de maior
importância no município de Vila Velha-ES, classificada, segundo o Plano Diretor Municipal
(VILA VELHA, 2018) como uma via coletora, destinada a receber e distribuir o trânsito
das vias de fluxo rápido ou artérias. A Avenida estudada possui intenso movimento de
carros e pessoas, principalmente, durante os dias de semana e no horário comercial
por apresentar comércio ao longo de toda a sua extensão os quais, em sua maioria,
funcionam durante o dia. Entretanto, observa-se, assim como acontece em outras vias do
município, a falta de um desenho urbano que valorize pedestre e a mobilidade ativa, em
especial os deslocamentos à pe.

Figura 1: Localização da Av. Jair de Andrade .


Fonte: elaborado pelos autores (2018).

Para compreender a visão do pedestre em relação caminhabilidade, foi desenvolvido


um questionário online, disponibilizado nas redes sociais, no qual cerca de 200 usuários
participaram, respondendo perguntas com sugestões e opiniões sobre o tema. Tais
respostas contribuíram para afirmar a precariedade na qualidade das calçadas, segundo
a percepção dos usuários.
A contagem do fluxo de pedestre foi baseada na metodologia do livro “A vida
na cidade: como estudar” (GEHL; SVARRE, 2018), a partir da observação direta. Os
pedestres, em suas atividades e comportamentos, foram contados e mapeados para
melhor compreender suas necessidades e como o espaço urbano é utilizado. Os dados
ajudaram a compreender porque alguns espaços são usados e outros não. Foram contados

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 16 270


a circulação de pedestres das 7 até as 22 horas, em dias e horários alternados (Figura 2).

Figura 2: Ilustração do registro da contagem do fluxo de pedestre a partir da observação direta.


Fonte: elaborado pelos autores (2018).

Durante a realização da contagem foram registrados, em um diário de campo (Figura


3), sinais comportamentais, locais com presença de pessoas, atividades realizadas,
sentido de fluxo, velocidade da circulação dos pedestres, tempo gastos e horários de
maior fluxo.

Figura 3: Ilustração do registro das observações em diário de campo.


Fonte: elaborado pelos autores (2018).

A partir da observação e contagem de fluxo foi possível acompanhar e relacionar os


principais comportamentos das pessoas e, também, a logística de uso das edificações
ao longo da via. Jacobs (2000) descreve o que ela chama de “balé das ruas”, em que
vários atores, com os mais diversos propósitos, saem às ruas em horários diversificados
para os mais diferentes usos. Essas atividades interagem entre si e de alguma forma
complementam-se, formando uma teia de interação social e cuidados mútuos.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 16 271


3 | ENSAIO PROJETUAL NA AV. JAIR DE ANDRADE

Considerando os estudos teóricos e o diagnóstico realizado, percebe-se o potencial


da avenida para diversidade de usos, presença de transportes ativos, acolhimento das
bicicletas, calçadas razoavelmente dimensionadas, serviços e comércios próximos às
moradias. Para tanto, no ensaio projetual ilustrado na sequência, foi necessário proteger
o pedestre, criar novos espaços de permanência, aumentar a arborização da via, ativar a
presença de ciclistas e incentivar a caminhabilidade.
Visando um melhor entendimento das necessidades da via, objeto de estudo, foi
desenvolvida a Tabela 1 que ilustra as potencialidades e fragilidades da Avenida Dr. Jair
de Andrade, de modo a estabelecer diretrizes para as intervenções.

PONTENCIALIDADES FRAGILIDADES DIRETRIZES AÇÕES


Avenida c omo eixo de c onexão Ponto de ônibus sob a c ic lofaixa, Realoc ar a faixa de transporte
Ruas paralelas c om ac esso ao parada de ônibus diminui o Transporte fluído públic o somente para as ruas
transporte públic o tamanho da faixa da via paralelas
MOBILIDADE

Falta de sinalizaç ão, c arros não


Cic lofaixa presente ao longo da Criaç ão de c ic lovia c om c anteiro
respeitam a marc aç ão, espaç o Acolher bicicletas
avenida de divisão
c ompartilhado sem proteç ão
Falta de seguranç a e prioriadade
Ruas anexas a avenida sem grande Ruas preferenc iais de pedestre e
de pedestre em ruas anexas a Eleger prioridades
fluxo de automovéis alargamento das c alç adas
anvenida
Falta de manutenç ão e reparo das
Projeto c alç ada legal implementada Aumento da c alç ada, sinalizaç ão
c alç adas, faixas de pedestres e Acessibilidade
em grande parte da avenida adequada, piso c ontinuo
travessias
Diversidade de usos de diferente
Fac hadas opac as e sem c onexão Inc entivo o uso de edific ios mistos,
porte na avenida e em ruas Mesclar usos
c om a avenida, vazios urbanos fac hadas ativas, diferentes usos
adjac entes
USO DO SOLO

Vagas presentes ao longo da Realoc ar faixas de estac ionamento


Sem rotatividade de veic ulos Adequar estacionamento
avenida princ ipal e utilizaç ão do parquímetro
Implantaç ão de mobiliario urbano,
Conexão c om a orla, diversidades Falta de espaç o públic o e mobiliario
Bons espaços utilizaç ão de vazios voltados a
de uso atrativos no entorno urbano
soc iedade
Inc entivo a eventos e
Depredaç ão e deteorizaç ão dos Faces de ruas agradáveis e
Forte c aráter simbolic o da avenida empoderamento da avenida por
espaç os singulares meio de atividades periódic as
Avenida c om sinalizaç ão,
SEGURANÇA

Lombada c omo dispositivo de Ac identes c ausados pela falta de


Automovél em seu lugar equipamentos para reduç ão de
FÍSICA

reduç ão de veloc idade respeito a veloc idade permitida


veloc idade, vagas bem definidas
Calç ada deve ser livre de
Marquises de c omérc ios auxiliam na Diversos obstac ulos impostos pelo
Proteger o pedestre obstác ulos, proteç ão do sol e da
proteç ão c omérc io e c ondiç ões do passeio
c huva, assentos, c alç adas largas

Auxiliar na filtragem e purific aç ão


SOCIOAMBIENTAL

Ao longo da avenida há existenc ia Falta de espaç o para o plantio,


de arborizaç ão desc aso c om as árvores existentes
Plantar árvores do ar, geraç ão de sombra,
aumento da biodiversidade

Evitar alagamentos inviabilizando o Desgaste da via e risc o a saúde Jardins filtrantes, área de
uso da via dos transeuntes
Escoar água da chuva esc oamento aumentada

Canal faz c onexão c om diferentes Interligar o c anal as vias c omo


pontos da c idade
Func iona c omo despejo de residuos Conexão canal com a via opç ão de loc omoç ão, parque linear

Tabela 1: Potencialidades, fragilidades, diretrizes e ações.


Fonte: elaborado pelos autores, 2019.

A intervenção vislumbra aumentar a caminhabilidade na avenida através da


valorização da mobilidade ativa. Sendo assim, a proposta baseia-se no alargamento
das esquinas e das calçadas, na alteração da rota de transporte público, na inserção
de paginação de piso diferenciada, na requalificação dos muros opacos, na inserção de
mobiliários e arborização/vegetação, na ocupação de vazios urbanos e na transformação
da ciclofaixa em ciclovia.
Uma das principais ações foi a ampliação do passeio e a implantação da ciclovia,
garantindo, assim, melhores oportunidades para o deslocamento de pedestres e ciclistas.
A Figura 3, a seguir, ilustra o corte esquemático do perfil atual da Av. Dr. Jair de Andrade

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 16 272


(a) e também as novas dimensões utilizada na proposta projetual (b). A Figura 3 também
evidencia a relação entre os espaços destinados a pedestre, ciclistas e veículos da
situação atual e da proposta de intervenção.

Figura 3: Av. Dr. Jair de Andrade. a) Perfil atual da via. b) Perfil da proposta projetual.
Fonte: elaborado pelos autores (2018).

O alargamento das calçadas nas interseções, dentro da faixa de rolamento, permite


reduzir a distância de travessia, diminuir a velocidade do veículo, melhorar a visibilidade
e, assim, garantir a segurança do pedestre ao atravessar a avenida (figura 4). Dessa
forma, as esquinas de todas as quadras da via foram expandidas a fim de melhorar as
condições dos pedestres.

Figura 4: Ângulo de visibilidade nas esquinas.


Fonte: WRI, 2017.

Segundo Speck (2016), ruas conectadas próximas a pontos de transporte coletivo

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 16 273


e ao longo de corredores de ônibus possibilitam distâncias menores a serem percorridas
pelos pedestres. Sendo assim, as paradas de ônibus presentes na avenida, que causam
interrupções na ciclovia, foram realocadas para as ruas laterais vizinhas.
Nos passeios, também foi proposta uma paginação diferenciada nas faixas de
transição e/ou serviço. A partir do desenho e do uso de cores contrastantes, foram
propostos espaços de permanência para os pedestres, dando maior identidade ao
ambiente, conforme ilustrada na figura 5.

Figura 5: Paginação de piso e realce faixas de transição dos apsseios (realidade x proposta).
Fonte: elaborado pelos autores (2018).

Nas calçadas, o caminho percorrido pelo pedestre envolve também outros espaços
urbanos, como interseções e travessias. Além das interseções elevadas, as conexões
seguras propiciam deslocamentos a pé contínuos e conectados. É importante que as
conexões entre esses elementos sejam acessíveis e seguras para estimular a mobilidade
ativa e criar uma rede de mobilidade a pé (WRI BRASIL, 2017).
As interseções elevadas são elevações da pista de rolamento, no mesmo nível
do pavimento das calçadas, que buscam, além da maior conexão e acessibilidade dos
deslocamentos a pé, reduzir a velocidade dos carros onde os pedestres atravessam. Sendo
assim, foi proposta que as interseções, principalmente nas áreas de maior circulação
de pessoas, fossem elevadas e sinalizadas para melhor segurança, acessibilidade e
visibilidade (Figura 6).

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 16 274


Figura 6: Inserção de interseções elevadas (realidade x proposta).
Fonte: elaborado pelos autores (2018).

Nos trechos de fachadas opacas e muradas foi proposta a implantação de módulos


de apoio em container para usos comerciais, de modo a aumentar a concentração de
indivíduos e estimular o movimento de pessoas. Outra estratégia foi a de utilizar a cor e a
arte gráfica nos revestimentos de piso e fachadas para garantir também a boa aparência
(Figura 7).

Figura 7: Requalificação dos muros ao longo da avenida (realidade x proposta)


Fonte: elaborado pelos autores (2018)

Na avenida, atualmente, a ciclofaixa existente não oferece segurança aos ciclistas,


tanto que muitos veículos invadem a faixa e a utilizam como parada e/ou estacionamento,
prejudicando a circulação. Dessa forma, a proposta indica a implantação de uma ciclovia
segregada por canteiro e com pintura de piso contrastante (figura 8). As ciclovias protegidas
permitem separar fisicamente os ciclistas do tráfego motorizado e garantir a mobilidade e
segurança (WRI, 2017).

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 16 275


Figura 8: Transformação da ciclofaixa em ciclovia (realidade x proposta).
Fonte: elaborado pelos autores (2018).

Além de promover a caminhabilidade e a mobilidade ativa, o ensaio projetual também


busca tornar a Avenida Dr. Jair de Andrade um ambiente mais atrativo e confortável. Um
espaço atraente não é medido pelo número de pessoas que transitam na calçada, mas
pela ambiência que o espaço urbano transmite, pela facilidade de deslocamento, pela
possibilidade de permanência e pelo significado que é criado no lugar.
O uso de vegetação e a disposição do mobiliário urbano são elementos significativos
para o conforto e bem-estar no espaço urbano. As fachadas ativas dos prédios e as múltiplas
entradas e vitrines também permitem tornar a experiência da caminhada mais agradável.
A arborização, os assentos e o tipo de pavimento associado a locais de descanso, se bem
especificados, podem tornar as calçadas locais de interação social, proporcionando maior
vitalidade e, consequentemente, segurança e qualidade para a cidade (WRI BRASIL,
2017). A seguir, a Figura 9 ilustra uma vista área da avenida atual e também a proposta
projetual. Percebe-se a ênfase no pedestre e no ciclista, a partir dos passeios largos, da
ciclovia segura e do uso de vegetação.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 16 276


Figura 9: Arborização na avenida (realidade x proposta).
Fonte: elaborado pelos autores (2018).

Ainda foram propostas ocupações para dois vazios urbanos situados no cruzamento
da Av. Dr. Jair de Andrade. No primeiro, a implantação de um edifício híbrido com lojas,
salas comerciais e moradias para fomentar a atividade de residentes e, também, de
pessoas de outros lugares. No segundo, a implantação de um centro gastronômico,
conectado também como a orla, tornando-se uma referência para aqueles que transitam
na localidade. Ambos edifícios possuem afastamentos frontais generosos para melhor
interação com o espaços público. A figura 10 ilustra a ocupação desses espaços.

Figura 10: Preenchimento dos vazios urbanos (realidade x proposta).


Fonte: elaborado pelos autores (2018).

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 16 277


4 | CONSIDERAÇÕES FINAIS

O entendimento da calçada como um espaço urbano público dedicado a movimentação


de pedestre mas também a convivência entre pessoas é fundamental para valorizar os
princípios apresentados neste artigo. O correto dimensionamento da calçada de acordo
com o fluxo de pedestres é essencial para configurar uma rede de caminhos que estimulem
a mobilidade ativa, em especial os deslocamentos a pé.
As calçadas precisam compor um ambiente confortável para a convivência entre
as pessoas, com mobiliário e vegetação bem planejados. O pavimento deve ser firme
e contínuo para conferir conforto e segurança aos pedestres, incluindo facilidades para
pessoas com mobilidade reduzida.
A forma e as fachadas das construções também influenciam a experiência do
pedestre, bem como a iluminação e a drenagem eficiente da água da chuva. Além disso,
o ambiente urbano por onde os pedestres caminham deve se comunicar através de uma
sinalização coerente.
A proposta projetual apresentada ilustra estratégias para a construção de espaços
qualificados para pedestres, baseada em uma revisão da literatura nacional e internacional
que visa a valorização de aspectos que devem ser prioridade na locomoção urbana.

REFERÊNCIAS
GEHL, Jan.; Cidade Para Pessoas. 1. ed. São Paulo: Perspectiva, 2013. 261 p. (Arquitetura e Urbanismo).

GEHL, Jan; SVARRE, Birgitte. A Vida na Cidade – Como Estudar. 1. ed. São Paulo: Perspectiva, 2018. 148
p. (Arquitetura e Urbanismo).

GHIDINI, Roberto. A Caminhabilidade: Medida Urbana Sustentável. Disponível em: <http://www.mobilize.


org.br/midias/pesquisas/a-caminhabilidade-medida-urbana-sustentavel.pdf>. Acesso em: abr. 2018.

INSTITUTO DE POLÍTICAS DE TRANSPORTE E DESENVOLVIMENTO (ITDP). Índice de Caminhabilidade


Versão 2.0 – Ferramenta. Disponível em: <http://itdpbrasil.org.br/icam2/>. Acesso em: maio de 2018.

JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

SPECK, Jeff. Cidade Caminhável. 1. ed. São Paulo: Perspectiva, 2016. 272 p.

VILA VELHA. Lei complementar nº 65, de 09 de novembro de 2018. Institui a revisão decenal da lei
municipal nº 4575/2007 que trata dp plano diretor municipal no âmbito do município de Vila Velha e dá
outras providencias. Vila Velha: Câmara Municipal de Vila Velha. 2018.

WRI BRASIL. 8 princípios da calçada. 1. ed. São Paulo. 2017. 136 p.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 16 278


CAPÍTULO 17
doi

PRÁTICAS URBANAS CRIATIVAS: ESTUDO, ANÁLISE


E IMPACTO DE AÇÕES TÁTICAS NO ESPAÇO
PÚBLICO

Data de aceite: 05/07/2020 sistêmica e dialética do planejamento urbano.


Data de submissão: 06/05/2020 Portanto, incentivar a implementação de certas
iniciativas e intervenções no espaço urbano é
uma ação essencial para o combate a extinção
Carolina Vittória Ortenzi Bortolozzo da vida urbana e a deterioração gradual dos
Carvalho
espaços públicos.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
PALAVRAS-CHAVE: Práticas Urbanas
São Paulo – São Paulo
Criativas. Lugar público. Ações táticas. Convívio
http://lattes.cnpq.br/5917266235468466
Social.

CREATIVE URBAN PRACTICES: STUDY,


RESUMO: A condição efêmera da
contemporaneidade, a fluidez das relações ANALYSIS AND IMPACT OF TACTICAL
interpessoais e a ineficiência do planejamento ACTIONS IN THE PUBLIC SPACES
urbano suprimiram a escala humana do
ABSTRACT: The ephemeral condition of
contexto urbano, proporcionando um cenário de
contemporaneity, the fluidity of interpersonal
transformações físicas e sociais. A degradação
relations and the inefficiency of urban planning
e o abandono das áreas urbanas impossibilitam
suppressed the human scale of the urban
os espaços públicos de exercerem sua
context, thus providing a scenario of physical
função primordial de induzir vitalidade, troca
and social transformations. The degradation
de experiências e interação social entre as
and abandonment of urban areas make it
pessoas. O principal objetivo da pesquisa é
impossible for public spaces to exercise their
explorar e considerar a relevância da aplicação
primary function of inducing vitality, exchanges
de práticas urbanas criativas no atual contexto
of experience and social interaction among
urbano, através do estudo dos impactos
people. The main objective of the research is
dessas intervenções nos espaços públicos,
to explore the relevance of the application of
principalmente através do engajamento coletivo.
creative urban practices in the current urban
As ações táticas surgem como ferramentas
context, through the study of the impacts of
mitigatórias para esse processo de deterioração
these interventions in public spaces, mainly
urbana, pautado em uma abordagem mais
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 17 279
through collective engagement. Tactical actions appear as a mitigating tool for this process
of urban deterioration, based on a more systemic and dialectical approach to urban planning.
Therefore, encouraging the implementation of certain initiatives and interventions in urban
space is an essential action for combating the extinction of urban life and the gradual decay
of public spaces.
KEYWORDS: Creative Urban Practices. Public place. Tactical Actions. Social
Conviviality.

1 | INTRODUÇÃO

O paradigma da subutilização, do abandono e do esvaziamento de áreas urbanas


impossibilitam os espaços públicos de exercerem sua função primordial de induzir
vitalidade, urbanidade e convívio social. A ideia de transitoriedade e subjetividade está
cada vez mais presente no cenário urbano, ocasionando a superficialidade na relação
entre pessoas e espaço público, fator este que induz a hostilidade e a falta de interesse em
vivenciar o ambiente coletivo, bem como, em se criar novos vínculos interpessoais. Com
isso, o espaço público perdeu sua potencialidade e sua relevância para a vida urbana,
tornando-se um local inativo, negligenciado, sem identidade visual e valor social.
O reforço da importância e a ativação intencional de tais locais comportam-se como
facilitadores das relações sociais (LEFEBVRE, 2008) e encontram-se diretamente ligados
à capacidade coletiva de vivenciar, entender, captar e, assim, transformar o meio em
questão. Em “Invenção do Cotidiano”, o filósofo Michael de Certeau (2014) afirma que, é
na vivência da cidade que se passa a entendê-la como produto de uma experiência.
A interação humana e ambiental cria-se perante à condição das relações desenvolvidas
em um determinado espaço urbano, salientando assim a importância não somente do
espaço físico em si, bem como, das experiências e trocas ali desenvolvidas. Todo ambiente
produz uma vivência subjetiva em cada indivíduo, detendo assim a capacidade de emitir
estímulos, atrativos e condicionantes de uso. Esta característica intrínseca aos espaços
urbanos, da qual determina a aproximação ou distanciamento das pessoas, é denominada
ambiência urbana. Segundo Besbetti (2014), para se compreender a abrangência e
relevância desse conceito, afirma-se que o fator de ambiência não é composto somente
pelo meio material onde se vive, mas pelo efeito moral que esse meio físico induz no
comportamento dos indivíduos.
As cidades são cognitivas por natureza e dependem rigorosamente de suas redes,
sistemas, fluxos, movimentos e interações, para que se mantenham vivas (HARVEY,
2014). A abordagem sistêmica, dialética e pode-se dizer, sensorial da cidade, surge como
ferramenta mitigatória em combate a sua progressiva decadência. Ao tratar a cidade como
um artefato vivo e sensível, compreende-se imediatamente suas reais necessidades e
tensões, despertando assim em seus habitantes o senso de pertencimento a este grande
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 17 280
sistema de relações. Somente através da vivência e do convívio urbano adquire-se
conhecimento acerca de ações prioritárias que visem uma gestão eficaz, que possibilitem
a amenização das mazelas urbanas e estimulem o potencial de convivência entre grupos
sociais distintos.
A inversão de valores presente do ambiente urbano atual gera impactos não somente
no arranjo territorial bem como na dinâmica das cidades, transformando-as em um reduto
de espaços desarticulados, estagnados e carentes de função pública. A paisagem urbana
reflete muito acerca do “estado de saúde” da cidade (FERRÃO, 2003), pois a presença
constante de um cenário fragmentado, degradado e desconecto revela uma cidade doente,
com um passado marcado por negligência dos espaços públicos, um presente e um futuro
de constantes reparos.
Segundo Jacobs (2000), as pessoas são os “olhos” das ruas, portanto a troca de
experiências nas cidades, a interação de seus habitantes em locais públicos e a convivência
social configuram-se como elementos fomentadores de urbanidade, não somente em
pequenos centros urbanos, bem como em metrópoles globais. Desse modo, o incentivo
a participação popular e a democracia tornam-se um importante aliado da recuperação
social e física da cidade. A busca pela vida urbana e movimentos sociais nas cidades são
propósitos que se encontram na lista de prioridades da maioria dos cidadãos, que por
ventura, estão insatisfeitos com a ineficácia das ações do poder público.
A ideia do direito à cidade é uma questão discutida há tempos por aqueles que
acreditam que a melhoria da qualidade de vida urbana procede diretamente do engajamento
e ativismo de seus habitantes. Primordialmente salientado por Lefebvre, a concepção do
direito dos cidadãos ao espaço público bem como as suas dinâmicas, impulsionou um
intenso movimento de participação popular nos grandes núcleos urbanos.
Determinada corrente ganhou o rótulo de cidadania insurgente por James Holston
(2013). As cidades, portanto, tornaram-se palcos de reinvindicações de grupos vulneráveis,
fomentando assim, a emergência de uma cidadania urbana, de caráter revolucionário.
Diante de tal constatação, torna-se necessário retomar a ideia do direito à cidade de
Lefebvre, do qual acreditava que este propósito não se restringe somente ao direito de
acesso do cidadão aos recursos urbanos, mas sim e mais especificamente, ao direito de
transformar e reinventar a cidade com base nos anseios individuais e coletivos (HARVEY,
2014). Com base nisto, torna-se claro que o cidadão comum é a peça-chave para
ressignificar ambientes, que por sua vez, perderam sua definição social.
A atual conjuntura urbana expressa física e socialmente a suposta perda de senso
comunitário. A onda de privatizações, controle espacial, gradeamentos, embate entre
público e privado e insegurança pública moldaram o ambiente urbano das grandes
cidades, salientando a promoção de uma vida pública, porém individualista. Os espaços
públicos não são convidativos, as pessoas estão cada vez mais voltadas ao seu próprio
cotidiano e veem a cidade apenas como peças coadjuvantes deste cenário (GEHL, 2013).
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 17 281
O protagonismo social é algo distante e não assimilado pela maioria da população,
em razão de admitirem que o cerne da mudança se encontra em escalas maiores do
poder. Este contexto de abnegação social está se transformando gradativamente, pois
a consciência e engajamento coletivo está ganhando forças diante da ineficácia das
políticas públicas.
Uma cidade oclusa, com espaços públicos subutilizados e sem função social diz
muito acerca dos modos de vida presentes no ambiente urbano. A priorização da vida
intramuros impede a cidade, como organismo vivo, de realizar suas atividades e funções
essenciais, como a possibilidade da vivência humana nos espaços públicos, a sombra
das condições de segurança, conforto e acessibilidade.
Este contexto de segregação torna-se um empecilho no que diz respeito as diversas
formas de atividades humanas, que acontecem em meio ao espaço urbano, e que tem
o potencial de catalisar a sociabilidade e atrair o encontro, a troca e a convívio entre as
pessoas (ESTEVES, 2016).
Visto que, a transformação de um lugar é pautada primordialmente pela ocupação e
apropriação do espaço, a ação de intervir na cidade contemporânea utilizando iniciativas
criativas, com medidas rápidas e de fácil execução, demonstram a possibilidade de
transformações em larga escala e de longo prazo (ESTEVES, 2016). Determinadas
práticas urbanas comportam-se como ferramentas táticas no combate aos desequilíbrios
sociais e físicos da cidade, desencadeando, desse modo, uma conexão entre planejamento
urbano e iniciativas inovadoras, com o propósito de obter uma visão mais estratégica
da cidade. Dessa maneira, o modo como as pessoas compreendem os espaços está
diretamente relacionado ao uso que elas fazem desses locais (Sansão, 2011). Nesse
sentido, identificar os fatores que interferem no uso os espaços é uma forma de contribuir
para ambientes mais satisfatórios.

2 | CONCEITO DE PRÁTICAS URBANAS CRIATIVAS

Edward Relphy (1976) identifica três componentes básicos para a formação de um


lugar: o seu espaço físico, os usos e atividades que nele se desenvolvem e por fim, o
significado que ele adquire. O autor, porém, destaca o “significado” como o elemento mais
difícil a ser interpretado e estudado, uma vez que este depende diretamente da condição
dos componentes anteriores.
No contexto urbano contemporâneo, a presença de lugares sem significado e função
social cresce dia após dia, a medida em que o planejamento continue priorizando os
automóveis, e o cidadão comum continuar sendo vítima de todo este processo. As cidades
atuais estão repletas de “não-lugares” (Marc Augé, 1994) e as pessoas cada vez mais
transitam pelo ambiente urbano sem estabelecer vínculos com o mesmo, caracterizando
assim, um espaço de todos que na verdade torna-se espaço de ninguém.
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 17 282
Com base neste âmbito, os espaços públicos devem suprir uma função, um “porquê”
de apropriá-lo, um “para que” ele existe no ambiente urbano e um “de que forma”
será utilizado, para que assim, com base nas respostas destes questionamentos, seja
implementada uma ação para que ele se torne um lugar ativo, significativo, sociável e
relevante para a população.

Figure 01 : Funções do espaço público.


Source : https://www.sobreurbana.com/

Embora haja uma realidade urbana marcada pelo desinteresse e negação dos
espaços públicos, muitos cidadãos ainda se preocupam em mudar determinada situação,
transformando os não-lugares em lugares repletos de significados e conexões. Estas
“atitudes cidadãs” no meio urbano caracterizam um novo modo de intervir na cidade,
revelando assim formas de repensar a escala urbana e novos agentes de atuação.
Determinado fenômeno tem surgido em diversas partes do mundo e pode ser desenvolvido
por meio de diversos atores, métodos e processos.
De acordo com Gadanho (2015), ocupações temporárias no espaço público, modelos
alternativos e incomuns de infraestrutura, iniciativas criativas de apropriar-se dos espaços
da cidade e os domínios resultantes da informalidade urbana são exemplos de ações
táticas no solo urbano. Porém, estas ações manifestam-se de formas diversificadas e não
se restringem somente a estas definições.
As variadas formas de se viver na cidade, as ativações promovidas por grupos
organizados ou não, as ações individuais e ordinárias do cotidiano, a revitalização
da paisagem urbana através dos anseios da população, iniciativas efêmeras sem um
planejamento prévio, dentre outras, também se comportam como práticas criativas
utilizadas na produção de espaços e de ambiências urbanas.
As práticas urbanas criativas (PUC) são experiências em que as pessoas
desempenham um papel ativo, afetivo e efetivo no espaço público (FARIAS, 2018).
Determinadas ações refletem conflitos presentes na paisagem urbana, sendo eles,

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 17 283


necessidades coletivas ou individuais. Isto é, o posicionamento e a experimentação dos
cidadãos perante os espaços públicos sinalizam o potencial de uma ação criativa em ser
uma ferramenta na luta pelos diretos humanos e na construção de uam cidade melhor.
A conceituação de P.U.C. na presente pesquisa, foi construída com base em dois
conceitos dinâmicos, que demostram a complexidade e ao mesmo tempo a simplicidade
das ações criativas no espaço urbano. De acordo com o termo Everyday Urbanism
(“Urbanismo do Cotidiano”), intitulado por Margaret Crawford (1999), as intervenções
tratam-se de atitudes perante a cidade, das quais celebram a vitalidade e riqueza de trocas
do cotidiano, enfatizam as potencialidades de cada local e incentivam usos alternativos
dos mesmos. Para a autora, o real urbanismo das cidades está na experiência vivida nos
espaços públicos e não em projetos urbanos engessados.
O segundo conceito a ser utilizado foi o Post-it City (“Cidade Ocasional”), cunhado
por Giovanni La Varra (2008), do qual utilizou-se de uma metáfora ao relacionar as
intervenções na cidade com os famosos adesivos coloridos utilizados para lembretes,
que de certa forma relatam algo novo a ser notado. O autor acredita que este tipo de
“dispositivos”, ou seja, estes tipos de práticas urbanas, sejam ligadas a novas formas
de vida coletiva fora dos moldes convencionais. Portanto, a cidade ocasional detém o
poder de surpreender e descobrir possibilidades antes desconhecidas em locais que são
submetidos sempre ao mesmo uso e atividade, isto é, as práticas espontâneas tem a
capacidade de colocar o espaço em constante movimento e mutação, promovendo assim,
vitalidade e constante apropriação do mesmo.
Segundo Adriana Sansão, baseando-se nos conceitos de Crawford (1999) e La Varra
(2008):

Usos e ocupações temporárias são vistos no atual debate, portanto, como ferramentas
de potencialização, revelando novas possibilidades dos espaços. Atuam na forma de
auto observadores da sociedade, uma vez que, por estarem à margem do planejamento
das cidades, ocupam ou se apropriam de áreas que por alguma razão estão vazias.
Logo, observam as relações sociais e exploram nichos, apresentando-se muitas vezes
como alternativas, como potência e como forma de movimento para a revitalização das
áreas residuais e dos espaços ociosos da cidade, movimento inclusive com potencial
elástico, que permite o contínuo fazer e desfazer. (SANSÃO, 2011, p.27)

A questão do direito a cidade levantada por ações participativas, bem como o


incentivo a ideias mais utópicas, a ética do bem comum, a auto-organização social, a
utilização de novas tecnologias para ativação de espaços públicos e o interesse pelo
cotidiano configuram-se como características de uma produção urbanística mais crítica,
justa e linear, das quais são refletidas no meio urbano através das novas práticas.
Em face dos impactos positivos diagnosticados por meio das práticas urbanas
criativas, convém utilizar-se de um conceito formulado por Adriana Sansão Fontes (2011),
este sendo a amabilidade urbana. O termo evoca comportamentos como generosidade,
proximidade e relações afetivas, presentes no cenário urbano através do uso coletivo e
consciente dos espaços públicos. Segundo a autora, o conceito é concebido como “um
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 17 284
atributo do espaço amável, daquele que promove ou facilita o afeto e a proximidade,
apondo-se ao individualismo”. A amabilidade é considerada, portanto, uma qualidade
urbana inédita e uma nova forma de compreender o espaço.
A presença de determinada “qualidade urbana” em espaços públicos comprova o
sucesso das intervenções, pois contata-se que ações criativas coordenadas de forma
eficaz, capazes de promover o engajamento coletivo e realizadas por meio de processos
colaborativos, detêm a capacidade de gerarem ambientes amáveis e atrativos, verdadeiros
palcos de convívio social e formação do senso de pertencimento.
Sansão (2011) formula o conceito de amabilidade em dois tipos de relações:

A amabilidade é um conceito de dupla formação. Relaciona-se tanto à criação de vínculos


entre a pessoa e o espaço [intervenção temporária como intensificadora dos atributos
físicos e potencial “reformatadora” do lugar, como às conexões entre as pessoas,
conexões que podem se manifestar através de encontros, intercâmbios, cumplicidades
e energias, e que reagem ao individualismo e à hostilidade que caracterizam as formas
de convívio coletivo contemporâneas. (SANSÃO, 2011, p. 14).

Diante destes tipos de relações geradas por meio da amabilidade, retoma-se uma ideia
supramencionada na pesquisa, defendida por Alexander (1968), de que as intervenções
promovem relações entre as partes fixas e as partes móveis do espaço público, sendo
elas respectivamente, o local e as pessoas. Dessa forma, o estimulo gerado por estas
práticas, do qual possibilita a interação social momentânea ou permanente, é um agente
provedor de amabilidade urbana.

Figure 02 : Diagrama da Amabilidade.


Source: Sansão (2011).

O que faz um lugar ser considerado bem-sucedido e atrativo a população? Esta é a


pergunta básica que pessoas comuns, órgãos, instituições e ONG’s, que detém o desejo
de se tornarem agentes transformadores, devem fazer antes de dar o primeiro passo.
A Projects for Public Spaces (PPS), após realizar um diagnóstico em diversos espaços
públicos pelo mundo, constatou que os espaços urbanos que eram considerados bem-
sucedidos dotavam de quatro qualidades em comum: Acessibilidade (apresentar espaços
adequados e adaptados a todos os tipos de público); Ser ativo (oferecer atividades variadas

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 17 285


e criar situações pare que as pessoas usem o espaço); Conforto (Possuir atributos que o
tornem mais convidativos, como possuir lugares para sentar, ser seguro, apresentar uma
vista agradável, ser caminhável, etc.) e por fim, Sociabilidade (ser um local de encontro
entre as pessoas, de convívio social e confraternização).
Diante do exposto, são denominadas práticas urbanas criativas toda e qualquer
intervenção espontânea, flexível e de fácil execução, que provoque impacto no cotidiano
das pessoas, que possibilite a mudança por completo ou a readequação do uso primário
do espaço e promova a interação entre as pessoas por meio de atividades colaborativas.

3 | CONCEITOS INOVADORES

Com o propósito de aprofundar o conhecimento acerca das práticas urbanas criativas,


é fundamental explanar conceitos relevantes que são tidos como referências para a
criação e execução de determinadas ações. O Urbanismo Tático, o Placemaking e o
Microplanejamento comportam-se como meios de efetivação das ações e das experiências
que carregam consigo a capacidade de transformação e ativação do espaço urbano.
O Urbanismo Tático surge em confluência com a luta dos mais “fracos”, promovendo
cidadãos com capacidade de repensar os atuais modelos de urbanismo e sua participação
política. Para Mike Lydon e Anthony Garcia (2014):

O Urbanismo Tático é uma abordagem para a construção e ativação de vizinhanças


utilizando intervenções e políticas de curto prazo, de baixo custo e escalonáveis. O U.T. é
usado por diferentes atores, incluindo governos, organizações sem fins lucrativos, grupos
de cidadãos e indivíduos. Faz uso de processos abertos e interativos de desenvolvimento,
o uso eficiente dos recursos e o potencial criativo desencadeado pela interação social.
(Lydon e Garcia, 2014, p.285)

A construção do termo moldou-se a partir do ano de 2011, quando Mike Lydon e


Anthony Garcia juntamente com jovens urbanistas norte-americanos publicaram uma
espécie de Manual do Urbanismo Tático, intitulado Tactical Urbanism: Short-term Action,
Long-term change, que apresentou a temática da construção da cidade por meio de ações
em pequena escala que atendem a um propósito maior. De acordo com BERQUE (1998),
os âmbitos e escalas espaciais são consideradas marcas e matrizes da ação do homem
inseridas em sua complexa espacialidade, que envolve distintos propósitos, meios e
sentidos.
O Placemaking, por sua vez, configura-se como uma abordagem pragmática no
quesito de “como melhorar o ambiente em que você vive?”, e “por meio de quais práticas
podemos fazer isso?”. Este processo dentro de uma perspectiva urbana configura-se como
ferramenta essencial para deflagrar novas ideologias e conceitos de vida em comunidade,
construindo uma nova consciência social, cultural, ambiental e política. Trata-se, portanto,
de uma abordagem transformadora que estimula os cidadãos a criar e manter os espaços
públicos.
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 17 286
O incentivo a participação popular e a coletividade no processo de transformação
física e social de um bairro ou região, introduz o sentimento de pertencimento e a
verdadeira identidade dos moradores nos processos de ativação urbana, promovendo
assim, o reconhecimento da “alma” do local e, consecutivamente, o fortalecimento da
ligação entre as pessoas que ali residem. Trata-se de um processo colaborativo, que
potencializa o valor do compartilhamento de ideias e ações, do qual não depende do
estímulo do poder público para ser realizado.
O termo em questão foi utilizado pela primeira vez após a conclusão de um trabalho
elaborado por Willian Holly Whyte, em 1970. A Project for Public Spaces, uma das
mais importantes ONGs engajadas nesta causa, possui suas diretrizes pautadas nos
pressupostos cunhados pelo autor em questão.
Em tese, de acordo com a Project for Public Spaces (PPS):

Mais do que apenas promover um melhor desenho urbano, o placemaking facilita padrões
criativos de uso, com especial atenção para identidades físicas, culturais e sociais que
definem um lugar e apoiam a sua evolução contínua. (PPS, 2014)

O Micro Planejamento cria pontos de intervenções encadeados e atua na cidade


possuindo um caráter de experimentação, realizando testes em busca de potencialidades
e elegendo assim o ambiente urbano como um laboratório (ROSA, 2011). Esta modalidade
de planejamento é executada por meio de práticas urbanas coletivas que atuam em
campos de ação elencados pela própria comunidade, dos quais se deseja transformar,
remediar e ativar. Os campos de ação devem ser espaços com potencial de reorganização
socioespacial, que transmitam um novo pensamento e atitudes inovadoras com relação a
vida urbana.
As ações de um Micro Planejamento visam o fomento da vivacidade local, sendo
elas práticas criativas que, por muitas vezes, não estão diretamente ligadas ao urbanismo
propriamente dito e a questões de infraestrutura urbana, entretanto desempenham
efetivamente um papel de transformação social no meio em questão. O impacto gerado
por uma prática urbana criativa é percebido em maior intensidade por seu entorno, seja a
vizinhança ou até mesmo o bairro. Para que estas intervenções ganhem respaldo a nível
de uma região ou cidade, elas devem ser executadas em rede.
O “Urbanismo em Rede” (ROSA, 2011) trata-se da conexão entre práticas pontuais
do Micro Planejamento, que juntas ganham força e provocam reações encadeadas,
encorajando e incentivando, portanto, pessoas e instituições em todos os cantos da cidade.
Determinado conceito aproxima-se da ótica da Acupuntura Urbana, onde acredita-se que
toda e qualquer ação no tecido urbano, se somada a outras com o mesmo propósito,
propagam-se de forma mais eficaz e concreta, transformando assim progressivamente a
vida na cidade (LERNER, 2003).
Em síntese, o conceito de práticas urbanas criativas (P.U.C.) configura-se como a
principal concepção da pesquisa e engloba os demais conceitos secundários. Com isso,

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 17 287


entende-se que toda ação do Urbanismo Tático, do Placemaking e do Micro Planejamento
Urbano pode ser definida como uma prática urbana criativa, concebendo, portanto, um
entendimento de que se tratam de conceitos distintos que expressam e caracterizam o
mesmo fenômeno. Vide quadro abaixo.

Figure 04: Diagrama dos conceitos.

Source: Autora.

4 | CASO-REFERÊNCIA: INOVA CAJAMAR

No ano de 2016 iniciou-se uma discussão com o intuito final de promover um Plano
de Desenvolvimento Territorial para o Município de Cajamar, com apoio da Empresa
Natura e do Sesi. O Movimento Inova Cajamar foi criado por meio das startups Conexão
Cultural e Bela Rua, iniciando suas atividades em junho de 2015 a partir da necessidade
de se promover iniciativas que devolvessem à sociedade valores como desenvolvimento
sustentável e democracia participativa, com o intuito de mitigar o déficit cultural em áreas
periféricas e onde há a diminuta participação do Estado.
O município de Cajamar pertence a Região Metropolitana de São Paulo e é conhecido
por ser um grande polo industrial, possuindo industrias de materiais variados. Entretanto,
o mesmo apresenta baixos índices sociais e contexto político estável, fazendo com que
o cenário urbano apresentasse espaços públicos degradados, situações precárias de
moradia e carência em locais de lazer. Em meio a ausência de um planejamento que
orientasse sua ocupação e desenvolvimento, o projeto Inova Cajamar surgiu como um
vetor de transformação física e social, incentivando o desenvolvimento sustentável e
garantindo qualidade de vida aos cidadãos do município.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 17 288


Figure 05: Evento do Programa Inova Cajamar.
Source: <http://www.inovacajamar.org.br>.

Segundo Marcel de Souza (2016), integrante do movimento, a metodologia para o


desenvolvimento deste projeto foi constituída a partir de duas abordagens de trabalho: o
Placemaking juntamente com suas ferramentas colaborativas e o Plano de Desenvolvimento
Territorial, ambos fomentam a ativação urbana de espaços públicos comuns a fim de
torná-los lugares memoráveis, que possam inspirar as pessoas.
No ano de 2017, o movimento trabalhou em torno de três grandes ações que
contemplassem temas como caminhabilidade urbana, o fomento de atividades culturais
e recuperação de becos abandonadas. A primeira iniciativa foi denominada de Jane´s
Walk propôs uma caminhada interativa por um determinado bairro da cidade, onde
os participantes identificavam pelo caminho, possíveis elementos que dificultassem
a mobilidade urbana. Utilizou-se a técnica de colar adesivos gigantes em formato de
curativos, a fim de chamar atenção para o problema de forma dinâmica.
A segunda iniciativa foi o Circuito Cultural Natura, onde foi realizado a renovação da
Praça Anna Maria Aró através de pinturas, atividades culturais e esportivas, oficinas de
material reciclado, shows e aulas de dança. O evento obteve a participação maciça dos
moradores locais, fator este que determinou o sucesso da intervenção e seus impactos
no município como um todo.
A terceira ação, conhecida como “Viva Viela”, propôs a revitalização de uma viela
do bairro da Jordanésia, antes conhecida por seu ambiente austero e abandonado. A
iniciativa trouxe um visual mais vivo, com frases escritas nas paredes e figuras geométricas,
fazendo com que os pedestres interajam com o ambiente e obtenham a sensação de
segurança ao passar pelo local. “A arte para mim é tudo. A aparência de comunidades é
muito sofrida e acho que, quando colocamos cor, trazemos mais alegria e o incentivo às
pessoas para se reinventarem”, afirmou o empresário e morador da região Vinicius Ribas,
ao ser questionado se esta ação deveria ser replicada em outros locais da cidade.
Determinado conjunto de práticas urbanas criativas se desenvolveram a alguns anos

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 17 289


atrás, a partir de encontros e intervenções-testes realizadas em alguns pontos da cidade.
No ano de 2015, a primeira intervenção foi realizada na Praça da Bíblia com a temática
do Bem-Estar e Qualidade de Vida, a segunda intervenção foi realizada também na Praça
da Bíblia, com o tema de Educação avançada e Emprego, a terceira e última intervenção
foi realizada na Praça do Ginásio do Paraíso, trabalhando as temáticas do Meio Ambiente
e focando princi-palmente em saúde preventiva e alimentação saudável.
O movimento faz parte de um programa denominado Cidades Sustentáveis, do qual
realiza uma compilação de indicadores sociais relacionados a intervenções com propósitos
de requalificação do espaço público e desenvolve um manual de boas-praticas, entregues
aos gestores públicos em formato de agenda. O objetivo é impulsionar, sensibilizar e
mobilizar o maior número de cidades possíveis, com a finalidade de promover a
sustentabilidade urbana por meio de processos criativos e participativos.
O Inova Cajamar transformou a realidade de um município periférico, dotado de baixos
índices sociais, sendo um movimento autônomo, apartidário e aberto a todos. Melhorias
como aumento da autoestima da população local, devolução do senso de pertencimento
ao lugar e o empoderamento da comunidade fizeram do Movimento um caso-referência
na temática de cidades para pessoas.

5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS: “UMA VISÃO DE FUTURO”

A presente pesquisa buscou promover o interesse e o debate a respeito da função


social dos espaços públicos na cidade contemporânea e suas formas de ativação através
ações participativas e colaborativas. Ao longo do estudo buscou-se abordar o atual cenário
de abandono e subutilização desses espaços no ambiente urbano, a constatação de sua
importância para a vida das pessoas, bem como a apresentação de ferramentas criativas
provenientes de práticas urbanas inovadoras, que visam a melhoria da qualidade de vida
nas cidades.
Com o intuito de expor os principais alcances e conclusões do presente estudo,
reorganiza-se os questionamentos realizados no início da pesquisa em cinco tópicos a
serem discorridos, são eles: a perda de potencialidade e atração do ambiente urbano,
a ausência de pessoas nos espaços públicos, definição de espaço atrativo, os
benefícios dos locais “ativados” para a sociedade e as ferramentas utilizadas na
transformação. Após o estudo do referencial teórico e a análise dos casos-referencia,
conclui-se que:
│A potencialidade e a capacidade de atração estão diretamente ligadas ao uso
e apropriação do lugar. Na cidade atual o espaço público perdeu seu potencial a partir
do momento em que as pessoas deixaram de vivenciá-lo, em razão, primeiramente, das
suas condições físicas e posteriormente, dos impactos que estes ambientes subutilizados

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 17 290


instituem na sociedade. Com isso, pode-se afirmar que o caráter transitório dos espaços
públicos decorreu de falhas no planejamento padrão, do qual concebe locais fragmentados,
inertes e impessoais.
│A ausência de pessoas ocupando o espaço público das cidades contemporâneas
advém da falta de afeição e vínculo para com o mesmo. O senso de pertencimento é um
atributo que qualifica um determinado lugar, e este não existindo, não haverá também sua
ocupação e desejo de vivência. Dilemas sociais como a insegurança pública, a degradação
de equipamentos urbanos, a má gestão urbana, o déficit habitacional e a desigualdade
entre classes, geram uma cadeia de problemas, dos quais se refletem diretamente no
espaço público e nos seus usuários, distanciando-os gradualmente.
│Um espaço público considerado atrativo é aquele capaz de gerar
instantaneamente reações de dúvida, curiosidade e surpresa ao “público”, isto é, locais
onde práticas urbanas criativas são implantadas comportam-se como um elemento
inesperado em meio ao cenário urbano e ao cotidiano das pessoas. O desejo de vivenciar
o “novo” e de experimentar o “desconhecido” são os fatores primordiais para a indução ao
uso de determinados locais. Em seguida, os fatores que garantem a ocupação permanente
destes espaços são: a qualidade dos elementos físicos, como a estrutura, o conforto e a
limpeza; e a qualidade dos elementos sociais, como as trocas de experiência, o convívio
coletivo e a segurança.
│Os benefícios que os espaços ressignificados concebem no território urbano
e na vida das pessoas são imensuráveis, pois não se trata apenas da obtenção de uma
nova área de lazer e convivência para a população, mas sim da construção de um novo
pensamento, de caráter social, cultural e político em relação a cidade. Determinadas
práticas capazes de transformar um local vazio e degradado em um local vivo e atrativo,
carregam consigo o potencial de promover o convívio social, o estimulo a manifestações
culturais e o empoderamento da população mediante ao sistema dominante.
│As ferramentas de transformação de um local ou ambiente urbano como um
todo, tornaram-se claras ao final da dissertação. As práticas urbanas criativas, munidas
das técnicas do Urbanismo Tático, do Placemaking e do Micro Planejamento, comportam-
se como verdadeiros instrumentos de combate a decadência dos espaços públicos e
das relações interpessoais. Uma simples pintura no asfalto, o fechamento temporário de
uma rua, a ampliação de uma calçada, o uso de equipamentos inusitados, a ocupação
de um estacionamento, a implantação de mobiliários flexíveis, a promoção de eventos
culturais itinerários, entre outras, são consideradas como novas formas de atuação e
transformação do espaço público.
O domínio sob os conceitos e processos das ocupações efêmeras facilita ações
do planejamento urbano como um todo, pois a partir de tal entendimento desenvolve-se
discussões e inquietações sobre o futuro dos espaços públicos, o potencial de requalificação
das ações, o ganho teórico para as políticas públicas e para as “boas práticas” a serem
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 17 291
replicadas futuramente.
Ao se pensar o território urbano como um ambiente de presença e ação, compreende-
se, portanto, este espaço como uma rede estruturadora para a constituição da vida urbana
em suas principais necessidades. A recuperação e ressignificação de espaços públicos
no Brasil, através do ativismo dos próprios cidadãos atesta a relevância dos principais
movimentos de insurgência urbana, proporcionando a visibilidade aos cidadãos em meio
ao processo de construção da cidade.
O campo dos novos conceitos, novas formas de atuação e novos atores responsáveis
não é um caminho fácil a se seguir e está apenas começando a dar seus primeiros passos.
Porém, a inconsistência da temática a qualifica e a torna ainda mais imprescindível na
polemica acerca do futuro das cidades e das relações nelas existentes. Em suma, o
objetivo central do presente estudo é demonstrar o potencial das ações criativas, por
meio de iniciativas alternativas as convencionais, em transformar dinâmicas urbanas e em
salientar o valor humano de se viver na cidade.
Conclui-se, portanto, empregando uma base teórica denominada Teoria das Janelas
Quebradas, na qual foi desenvolvida no começo da década de 80 na Escola De Chicago,
por James Q. Wilson e George Kelling. A teoria surgiu a partir de uma experiência da qual
se colocava dois automóveis abandonados em duas áreas distintas da cidade, um em um
bairro nobre e o outro em uma periferia, e então, a primeira constatação já era esperada
pelos pesquisadores, de que o carro da periferia seria depredado e o outro carro não.
Porém, este não era este fenômeno a ser comprovado.
Os pesquisadores continuaram a experiência e começaram a quebrar propositalmente
os vidros do carro que se encontrava no bairro nobre, com isso o resultado foi o mesmo
ocorrido na periferia, o carro, por sua vez, passou a ser objeto de furto e depredação.
Diante disso, chegou-se a constatação de que não era o poder aquisitivo do local que
determinava seu grau de degradação, mas sim o rumo do desenvolvimento das suas
relações sociais. James e George (1982) concluíram que ao quebrar uma janela e a
deixar sem conserto e reparo, a tendência é de que o grau de vandalismo aumente. Ou
seja, os pesquisadores acreditam que “desordem gera desordem” e que pequenos atos
de negligencia e abandono geram reações em cadeia, e acabam corrompendo o sistema
como um todo.
Determinada teoria se encaixa perfeitamente do que diz respeito a atual situação dos
espações públicos e sua falta de significado social. Quanto mais espaços depredados no
ambiente urbano, a tendência é de que esta situação se agrave e se torne irreversível. Isto
é, espaços atrativos geram espaços atrativos, assim como espaços degradados geram
espaços degradados, e por menor que seja uma ação ela pode influenciar as demais.
Ao traçar este paralelo com a Teoria das Janelas Quebradas, torna-se cada vez
mais persuasiva a ideia de que se cada um fizer sua parte, o todo será contaminado, mais
cedo ou mais tarde. O atual contexto das cidades ainda é composto, em sua maioria, por
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 17 292
“janelas quebradas”, porém por meio de práticas urbanas criativas geradas a partir de
ações participativas e colaborativas, este cenário tende a se modificar. Nossa luta está
apenas começando.

REFERÊNCIAS
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Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 17 295


CAPÍTULO 18
doi

GESTÃO URBANA E PARTICIPAÇÃO SOCIAL:


REFLEXÃO EM TEMPOS DE DISSENSO

Data de aceite: 05/07/2020


URBAN MANAGEMENT AND SOCIAL

PARTICIPATION: REFLECTION IN

Andre Reis Balsini DISSENSION TIMES


Universidade Presbiteriana Mackenzie, PPGAU,
São Paulo, SP; Universidade Nove de Julho, ABSTRACT: From a contextual reading in
Curso de Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, SP. which a dialogue crisis is presented, the article
http://lattes.cnpq.br/0115527277877070 addresses the theme of urban management and
social participation, reaffirming its importance
from the arguments of authors such as ASCHER
(2010) and BOURDIN (2001), and observing
RESUMO: Partindo de uma leitura de contexto
the insertion of the theme in legal frameworks
onde se apresenta uma crise de diálogo,
of urban policies, such as the Statute of Cities
o artigo aborda o tema da gestão urbana
(2001) and the Strategic Master Plan of the
e da participação social, reafirmando sua
Municipality of São Paulo (2014). Referring
importância com base em argumentos de
to the agreed commitments of the New Urban
autores como ASCHER (2010) e BOURDIN
Agenda (UN-HABITAT III, 2017), the article
(2001), e observando a sua inserção em
puts in perspective the need for continuous
marcos legais das políticas urbanas, como o
improvement of participatory mechanisms
Estatuto das Cidades (2001) e o Plano Diretor
based on a critical review, aiming to contribute
Estratégico do Município de São Paulo (2014).
to a better equation of the problems inherent to
Reportando-se aos compromissos assumidos
otherness and urban diversity.
pela Nova Agenda Urbana (UN-HABITAT
KEYWORDS: Urban management, city, public
III, 2017), o artigo coloca em perspectiva a
policy, social participation, dialogue.
necessidade de contínuo aprimoramento dos
mecanismos participativos, a partir de uma
revisão crítica, objetivando colaborar para um 1 | INTRODUÇÃO
melhor equacionamento das problemáticas
inerentes à alteridade e à diversidade urbanas. Escrevendo sobre os princípios para
PALAVRAS-CHAVE: Gestão urbana, cidade, um novo urbanismo, F. Ascher (2010) aponta
políticas públicas, participação social, diálogo. que a diversidade de interesses e demandas

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 18 296


sociais da metrópole amplia as dificuldades para a materialização de uma agenda
urbana estável, que seja mediadora de interesses compartilhados e conte com uma
aceitação ampla e efetiva de uma maioria. Nesse contexto, a “identificação e formulação
dos problemas, de negociação das condições, assumem uma importância crescente e
decisiva” (2010, p.91). Nas políticas públicas para a cidade a participação social torna-se
essencial sob diversas formas. Nesse quadro, processos de planejamentro e intervenção
de longa duração resultam conflitantes dentro do cenário brasileiro atual. Em um contexto
de dificuldades para uma conciliação geral de interesses, as questões éticas assumem
relevância no exercicio profissional dos arquitetos e urbanistas. “O neourbanismo privilegia
a negociação” (ibid, p. 92).
A participação social está em debate, o que justifica contextualizar a discussão proposta
pelo artigo, em relação ao momento político brasileiro. Dessa perspectiva, observamos o
Decreto nº 9.759 (BRASIL, 2019), que extingue colegiados ligados à administração pública
federal. O ato executivo revoga o Decreto nº 8.243 (BRASIL, 2014), que instituía a PNPS
– Política Nacional de Participação Social, e o SNPS – Sistema Nacional de Participação
Social. Em seu Artigo 1, a PNPS pretendia “fortalecer e articular os mecanismos e as
instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública
federal e a sociedade civil”. Entre os instrumentos da PNPS estavam os “Conselhos de
políticas públicas”, instâncias permanentes de diálogo entre governo e a sociedade civil,
e as “mesas de diálogo”, que objetivavam prevenir, mediar e solucionar conflitos sociais.
A descontinuidade das políticas de participação social gera incertezas e
questionamentos sobre o futuro das políticas públicas urbanas. Por outro lado, os
eventos politicos tornam contundentes as críticas. Seja ao “excesso de colegiados” e aos
“colegiados supérfluos”, seja a uma onerosa participação de agentes públicos nessas
agendas. Críticas há também à sobreposição de competências e à geração de passivos
administrativos e judiciais. Outra, diz respeito ao uso recorrente dos colegiados por
“grupos de pressão” para ações políticas direcionadas. Todos esses pontos estão citados
nas justificativas anexas ao Decreto nº 9.759, de 2019.
Buscando pensar as problemáticas inerentes à alteridade e diversidade urbanas e
buscando colaborar para uma instrumentalização assertiva da gestão urbana democrática,
o artigo objetiva fazer uma reflexão sobre o atual contexto de inserção das instâncias
de participação social, em particular daquelas que tratam do planejamento das cidades.
Afinal, como pensar um projeto para o futuro das nossas cidades que esteja dissociado
da participação da sociedade e dos princípios de gestão democrática? Em um contexto
de crítica e dissenso, como pensar no aperfeiçoamento das instâncias participativas
enquanto instrumentos de governança das cidades?
O artigo aborda a questão da participação social desde uma perspectiva de gestão
urbana, em que planejamento e projeto buscam se adequar a uma realidade urbana
caracterizada pela complexidade, diversidade de demandas e alteridade de sujeitos. A
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 18 297
partir de um contexto de crise política, de dissenso e recusa ao diálogo, o texto aborda
o tema da gestão democrática, destacada a partir dos argumentos de autores como
Ascher (2010) e Bourdin (2001), e das diretrizes propostas pela Nova Agenda Urbana
(UN-HABITAT III, 2017). Para questionar a forma com que a participação social tem
colaborado com a governança das cidades, o artigo revisa a sua inserção em marcos
legais das políticas urbanas: no Estatuto das Cidades (BRASIL, 2001) e no Plano Diretor
Estratégico do Município de São Paulo (SÃO PAULO, 2014). O artigo objetiva apontar
elementos para uma revisão crítica dos processos participativos, diante da necessidade
de contínuo aprimoramento dos mecanismos de participação social. Por fim, coloca em
perspectiva a possibilidade de aprimorar os mecanismos de participação social, a partir de
um conhecimento aprofundado de suas formas de atuação e da aferição dos resultados
efetivos obtidos pelas instâncias participativas.

2 | GESTÃO URBANA E PARTICIPAÇÃO SOCIAL

No texto da Nova Agenda Urbana (UN-HABITAT III, 2017) os compromissos


assumidos pelos signatários miram o futuro das metrópoles e se dividem em cinco pilares
de implementação: as políticas urbanas nacionais; a legislação e a regulamentação
urbana; o planejamento e o projeto urbano; a economia local e as finanças municipais; e
a implementação local. A participação social é assinalada como fundamento de uma visão
compartilhada e de compromisso entre as ações de implementação da agenda. Como
resultado, a Nova Agenda Urbana propõe colocar as pessoas no centro do processo
decisório, buscando um caráter universal para suas diretrizes e enfatiza a necessidade de
estabelecer prioridades estratégicas para as políticas públicas.
As cidades, por um lado, são sujeitas à influência do capital globalizado e, por outro
lado, são caracterizadas por conflitos e tensões entre uma diversidade de grupos sociais
em disputa por espaços cada vez mais segregados. Um cenário que tende a se tornar
ainda mais complexo segundo as previsões de crescimento da população metropolitana
mundial. Esta perspectiva futura coloca a questão da polis como emergente, prioritária.
Por outro lado, no contexto atual, as novas tecnologias se inserem em novas lógicas
administrativas, colaborativas e participativas. A própria formulação da Nova Agenda
Urbana figura como exemplo, considerando que suas diretrizes e recomendações foram
resultantes de um processo preparatório amplo, de engajamento e participação multilateral,
em que figuram de forma destacada os urban dialogues, uma série de discussões e
fóruns on-line que ocorreram paralelamente ao encontro da UN-HABITAT III. A iniciativa
reuniu pontos de vista de todo o público e atores interessados, de modo a registrar um
panorama atualizado e emergente sobre as questões urbanas contemporâneas.
Potencialidades e desafios emergem desse contexto, em que os temas urbanos
conflituosos salientam as dificuldades de se alcançar consensos. A solução pelo diálogo

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 18 298


aponta para um caminho de legitimidade, ao mesmo tempo em que o respeito ao outro,
como questão ética, se impõe como um tema urgente. Partindo de uma apropriação de
valores compartilhados e da busca de potencialidades para o consenso social, elementos
de uma nova práxis podem tomar forma na sociedade urbana organizada, e se materializar
em conformidade com seu tempo e espaço. Bliacheriene (2019) fala sobre a superação
da ética presente por uma ética da responsabilidade, e sublinha a importância da ideia de
empatia. Em um cenário de alteridade, as representações de valores éticos variam entre
os diversos grupos sociais.

3 | A GESTÃO DEMOCRÁTICA E O ESTATUTO DA CIDADE

No Brasil, a luta pela reforma urbana remonta a década de 1960. Hoje, o Estatuto da
Cidade, Lei Federal no 10257, de 2001, figura como o principal marco da legislação urbana
brasileira. Sua origem está nos debates referentes à lei de Desenvolvimento Urbano,
que começava a ser discutida na Câmara dos Deputados na década de 1980, após
apresentação de anteprojeto de lei pelo CNDU – Conselho Nacional de Desenvolvimento
Urbano. A partir da Constituição Federal, de 1988 (Artigos 182-183), temos um cenário
de avanços nas questões urbanísticas, particularmente em relação aos limites do direito
de propriedade e ao cumprimento da função social das cidades (SOMEKH, 2008). Por
outro lado, Alvim (2019) sublinha que o principal desafio em relação às políticas urbanas
diz respeito à forma de sua implementação e também da “integração entre tais políticas,
de tal modo, que seja possível equacionar conflitos ocorridos em especial em áreas
intensamente urbanizadas” (2019, p.620).
Dos vários instrumentos propostos pelo Estatuto da Cidade, o artigo destaca
aqueles que garantem amplo espaço de participação social na formulação, execução e
acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano. “Uma
nova estratégia de gestão é formulada, incorporando a idéia de participação direta do
cidadão em processos de construção dos destinos da cidade” (SOMEKH, 2008). O
Estatuto da Cidade se fundamenta na valorização das questões locais para a solução
de problemas urbanos de crescente complexidade, estabelecendo uma nova forma
de atuação caracterizada pelos princípios da gestão democrática, definida “por meio
da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos
da comunidade” (Art. 2). São instrumentos previstos os orgãos colegiados de política
urbana (em nível nacional, regional e municipal), as consultas, os debates e audiências
públicas, as conferências sobre temas relativos às cidades, e as iniciativas populares de
projetos de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano (Art. 43).
A Operação Urbana Consorciada, por sua vez, define um conjunto de intervenções e
medidas coordenadas pela gestão municipal, com a participação de investidores privados,

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 18 299


proprietários, moradores, e usuários permanentes do local de intervenção. Ou seja, um
instrumento que prevê, em seu processo de elaboração, a participação de diferentes
atores e grupos sociais.
O contexto atual recomenda que os projetos urbanos sejam feitos de forma articulada,
através da mobilização de agentes econômicos e sociais interessados nas intervenções
urbanas conduzidas pelo poder público. A pertinência, sucesso e alcance desses projetos
são uma forma de construção social, que necessita de mobilização da sociedade civil.
Para serem efetivos e representativos, os projetos urbanos devem se valer, em grande
medida, de uma gestão urbana que viabilize uma construção coletiva do espaço público.
Hoje, as melhores práticas de governança, a nível internacional, recomendam a “criação
de uma agência que articule poder público e iniciativa privada”, incentivando e mediando
os mecanismos de participação social de forma a alcançar uma gestão urbana competente
(SOMEKH, 2008).

4 | A PARTICIPAÇÃO SOCIAL PREVISTA NO PLANO DIRETOR ESTRATÉGICO DE SÃO

PAULO

A Gestão Democrática se insere entre os princípios norteadores da Política de


Desenvolvimento Urbano e do Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo
(Lei nº 16.050, de 31 de Julho de 2014), sendo definida em seu Art. 5º, que garante
a participação de “diferentes segmentos da população, diretamente ou por intermédio
de associações representativas”. Sua aplicação está prevista no PDE de forma ampla e
associada a questões estratégicas para o desenvolvimento urbano, como a realização de
investimentos públicos e a implementação de planos, programas e projetos de intervenção,
conforme estabelece o PDE em seu Artigo 318.
A participação social está prevista no PDE principalmente através da atuação de
Conselhos Participativos Municipais e Conselhos de Representantes das Subprefeituras
(Art. 325). Está vinculada aos objetivos prioritários dos mais significativos instrumentos
de planejamento urbano, como os PIU – Projetos de Intervenção Urbana, incluindo as
“operações urbanas, as áreas de intervenção urbana, áreas de estruturação local e
concessão urbanística” (Art. 136). Se aplica ainda aos EIV/RIV – Estudos e Relatórios
de Impacto de Vizinhança (Art. 151), e às AAE – Avaliações Ambientais Estratégicas (Art.
153), em ambos os casos, “colaborando para o processo de identificação e avaliação prévia
de impactos ambientais decorrentes da implementação de políticas, planos ou programas
de intervenção urbana”. É estratégica a previsão de participação social na elaboração
e implementação dos Planos de Bairro (Art. 347), em conformidade com os Núcleos
de Planejamento de cada Subprefeitura. Cabe citar ainda a previsão de participação
significativa da população na formulação e regulamentação dos TICP – Territórios de

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 18 300


Interesse da Cultura e da Paisagem (Art. 317), em que o PDE prevê a “criação de um
Conselho Gestor paritário, com representantes do Poder Público e da sociedade civil”
para atuação no âmbito das políticas voltadas à cultura e ao Patrimônio da cidade (Art.
312).
No capítulo III do PDE são definidos os principais instrumentos previstos para a
participação social da população, a exemplo das Iniciativas Populares de Planos,
Programas e Projetos de Desenvolvimento Urbano (Art. 333), direcionadas à cidade como
um todo ou ao território de uma Subprefeitura. No caso das Audiências Públicas (Art.
332), de uso recorrente na gestão municipal, se trata de instrumento de participação
direta da população, interessada nas diversas intervenções sobre o território urbano. São
previstas para o acompanhamento de “empreendimentos e atividades públicas e privadas
de impacto urbanístico ou ambiental, para os quais sejam exigidos estudos e relatórios
de impacto ambiental ou de vizinhança” (SÃO PAULO, 2014) São complementadas por
consultas públicas, oficinas, seminários e atividades formativas e de capacitação (Art.
336).
Os procedimentos de participação social relacionados a projetos específicos incluem:
a apresentação de diagnóstico e programa de interesse público; a abertura de consulta
pública através de plataforma online; diálogos colegiados entre Conselhos Municipais
Setoriais e Subprefeituras; apresentação de projeto em desenvolvimento; apresentação
de mapas interativos; reuniões temáticas (junto aos setores mobiliário e empresarial,
associações comerciais, setor acadêmico, movimentos de moradia, associações de
moradores, movimentos cicloativistas, etc); audiências públicas; apresentação de formato
final do projeto; e devolutivas.
O PDE foi elaborado com base em uma dupla estratégia. Por um lado, estabelece
o adensamento nas áreas urbanizadas e dotadas de infraestrutura, por outro lado, busca
a contenção da expansão urbana nas áreas periféricas e ambientalmente sensíveis. A
estruturação e transformação urbanas induzidas a partir de eixos urbanísticos localizados
ao longo das princípais vias de transporte da cidade, ao mesmo tempo em que pretende
privilegiar essas áreas e ampliar sua capacidade de uso, também busca colaborar para
uma menor pressão sobre a periferia, áreas de assentamentos precários e áreas de
preservação ambiental (ALVIM, 2019). Em ambos os casos, adensamento ou contenção,
o papel da gestão democrática incide sobre questões urbanas sensíveis, e é estratégico
no sentido de localizar demandas, equacionar conflitos e mediar interesses divergentes.
Esse direcionamento do PDE fica evidenciado em seu Artigo 309, que recomenda
“fortalecer as instâncias de participação e de controle da sociedade civil”, ação vinculada
à estruturação dos Conselhos Municipais Setoriais nas suas diversas áreas de atuação. A
participação social também é prevista no âmbito do PMH – Plano Municipal de Habitação
(Art. 294), e nas políticas de produção habitacionais e de interesse social do Município.
Assim, a participação social ganha contornos estratégicos, notadamente em relação à
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 18 301
transversalidade das políticas destinadas à uma diversidade de grupos sociais, ao processo
de identificação e avaliação de impactos das propostas de intervenções urbanas, e aos
objetivos de combate à exclusão e às desigualdades socioterritoriais.

5 | UM OLHAR CRÍTICO SOBRE A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA GOVERNANÇA DAS

CIDADES

O artigo buscou, até este ponto, descrever um cenário relacionado à participação


social, destacando seu papel estratégico e representativo, na medida em que os príncipios
de gestão democrática são incorporados a importantes marcos da política urbana. Convém
aqui, retornar aos questionamentos que motivaram o texto, e pensar sobre a pertinência
e funcionamento dessas instâncias participativas. Afinal, a gestão democrática e a
participação social produzem resultados satisfatórios? Em um contexto político de crítica
e dissenso, como pensar no aperfeiçoamento dos processos participativos enquanto
instrumento de governança das cidades?
Em relação a esse cenário de complexidade metropolitana, A. Bourdin (2001), ao
escrever sobre as questões relacionadas à governança local, vai usar o termo “participação
impossível” para abordar a problemática em torno das instâncias participativas. Assinala
que a participação dos cidadãos remete diretamente à uma noção de democracia local.
Nessa perspectiva, exemplifica que o modelo suiço de votação teria sido anteriormente
considerado ideal, em termos de participação direta, mas que os resultados obtidos teriam
se revelado limitados, da mesma forma que a experiência francesa de consultas ocasionais
sobre novos projetos. Argumenta que os melhores resultados seriam alcançados “quando
se criam mecanismos de troca complexos entre os profissionais, os que tomam decisões
e a população” (2001, p. 147), ressaltando que a forma acabada desses dispositivos
ainda não foi devidamente desenvolvida. Cita os movimentos associativos, que ganharam
força na década de 1970 como uma expressão significativa da sociedade civil, articulando
interesses particulares e redefinindo o interesse comum, ao mesmo tempo, representativos
e portadores de inovação.
Sua reflexão sinaliza, contudo, que o desenvolvimento sequente dos movimentos
associativos acabaria por levar à situações controversas no que tange a própria finalidade
das instâncias participativas. Segundo Bourdin, o “movimento de especialização e
profissionalização das associacões”, apesar de caracterizar grupos organizados de
reconhecida competência e know-how, acabaria por afastar novamente os cidadãos
“comuns” do processo participativo. Interesses particulares e conjunturais desses
grupos indicariam a tendência a um modus operandi autocentrado. Dessa forma, sua
visão estabelece um marco crítico às associações especializadas em comunicação e
negociações políticas, mas que, no entanto, não estabelecem pontes efetivas com a
população não organizada, através de “dispositivos convenientes de diálogo”. O argumento
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 18 302
do autor aponta para uma “crise de pactuação” que incidiria sobre o conjunto de atores
representativos da cidade. Para a governança local, não se pode abrir mão da participação
social, necessária ao bom êxito das intervenções no espaço urbano. Por outro lado, a
organização das instâncias participativas não parece de todo satisfatória. “Verifica-se a
cada dia o aumento da divergência contenciosa e a capacidade de um indivíduo isolado
parar a ação pública, enquanto a multiplicação de dispositivos de ‘pactuação’ favorece
mais do que limita este fenômeno” (ibid, p.147-148).
A. Bourdin indica três tipos de relações que se confundem em termos de participação
social: a relação entre os cidadãos e os tomadores de decisões; a relação entre fornecedores
e usuários; e a relação entre operadores e a vizinhança das operações. São questões
interligadas e todas elas referentes à cidade, mas os conteúdos das relações não são
os mesmos e, assim como os atores, os termos de cooperação ou de comunicação são
diferenciados (BOURDIN, 2001).
Por sua vez, M.G. Gohn (2011), ao estudar a forma de atuação dos conselhos
participativos na gestão pública e na implementação de políticas sociais urbanas, vai
destacar que os conselhos municipais temáticos tem demonstrado estar entre as
principais inovações recentemente implantadas na gestão municipal. Juntamente a
uma maior interação entre governo e sociedade, os conselhos trouxeram consigo novas
problemáticas e desafios políticos para a gestão urbana. “Os conselhos gestores são
importantes porque são fruto de lutas e demandas populares e de pressões da sociedade
civil pela redemocratização do país” (2011, p.88). Os conselhos dependem de leis
ordinárias estaduais e municipais para sua implementação efetiva, o que significa que
cenários políticos adversos podem comprometer o seu pleno estabelecimento. Outro ponto
em questão é sobre o caráter deliberativo dos conselhos, preconizado pela lei federal.
Pareceres oficiais tem restringido a ação dos conselhos a um nível meramente consultivo,
sem poder de decisão ou deliberação, vinculados à gestão municipal como simples órgão
auxiliares e opinativos, o que desvirtua o seu sentido originalmente previsto.
Entre as necessidades e lacunas apontadas na atuação dos conselhos participativos
estão a falta de uma definição mais precisa de atribuições e competências, a criação
de instrumentos jurídicos para apoio às deliberações, a definição mais precisa do papel
participativo de representantes da sociedade civil, a necessidade de capacitação dos
conselheiros, e a igualdade de condições para a participação de representantes da
população. A ausência de capacitação em torno da elaboração e gestão de políticas
públicas e a falta de representatividade de parcelas da população nos conselhos figuram
entre as questões a serem equacionadas (GOHN, 2011).
As necessidades e lacunas apontam para um necessário aprimoramento,
metodológico e normativo, das instâncias participativas e, em particular, dos conselhos.
Nesse sentido, alguns autores tem buscado maneiras de aferir o desempenho e os
resultados obtidos pelos mecanismos de participação. Desenvolvendo uma metodologia
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 18 303
estatística própria, Carlos, Silva, e Almeida (2018) analisam a efetividade dos conselhos
de assistência social sobre a gestão da política setorial nos municípios brasileiros.
Estabelecem uma correlação entre o desempenho da gestão pública e a efetividade da
participação a partir da construção de dois índices: o Índice de Efetividade da Participação
(IEP), que agrega indicadores que expressam o grau de institucionalização, a qualidade
da deliberação e a qualidade da representação; e o Índice de Gestão Municipal (IGM),
correspondente ao desempenho da governança municipal, mensurado por indicadores
das capacidades técnico-administrativas, a gestão financeira, a gestão dos serviços, a
estrutura administrativa, os programas e projetos, e a assistência social. Não cabendo
neste artigo maior aprofundamento, cabe assinalar que, na correlação entre os indices, o
nível de deliberação do IEP é o que produz mais efeitos positivos sobre o IGM, gerando
maiores resultados efetivos para a gestão setorial (CARLOS, SILVA, ALMEIDA, 2018).
Vale destacar aqui principalmente a iniciativa metodológica dos autores, o que recomenda
a utilização ampliada dos índices no âmbito das demais instâncias participativas setoriais.
Outro estudo significativo é a pesquisa sobre Conselhos Nacionais, perfil e atuação
dos conselheiros, desenvolvida pelo IPEA (2013), que se desenvolveu a partir de entrevistas
com os participantes dos conselhos, e traça um perfil amplo e detalhado da composição
e atuação dos conselhos participativos. Pontos fortes e aspectos a serem melhorados
(considerando a visão dos próprios integrantes dos conselhos) podem ser analisados
e avaliados a partir do estudo do IPEA, sugerindo caminhos para o aprimoramento das
práticas de gestão participativa.

Figura 1: Pontos fortes na atuação dos Conselhos (%).


Fonte: IPEA (2013).

A partir de alguns gráficos selecionados, podemos observar como pontos fortes na


atuação dos conselhos a representatividade e a capacidade de incidência política (figura
1). Em relação ao fortalecimento da democracia (figura 2), “os conselhos foram vistos por
muitos participantes como um espaço importante de diálogo entre governo e sociedade
civil” (2013, p.54). Por outro lado, a inserção dos conselhos no sistema de políticas
Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 18 304
públicas aparece como aspecto a ser melhorado, juntamente com a qualidade do debate
e a definição de prioridades (figura 3).

Figura 2: O papel dos conselhos na democracia (%).


Fonte: IPEA (2013).

Outro ponto a ser melhorado em relação à capacidade de incidência política, de


acordo com parcela significativa dos conselheiros (31%), é o caráter deliberativo da
atuação dos conselhos. Em sequência, são citadas as questões relativas à implementação
(17%), acompanhamento (17%), e de políticas públicas. Como ponto forte de incidência
política temos o aspecto dos agendamentos e pressões políticas (28%) a partir do espaço
dos conselhos participativos (IPEA, 2013).

Figura 3: Qualidade do debate nos conselhos (%).


Fonte: IPEA (2013).

Em última análise, é importante salientar o papel das diversas instâncias participativas


enquanto espaços de diálogo entre governo e sociedade civil. É fundamental pensar o
aprimoramento dos mecanismos de gestão democrática a partir da ideia de qualificação e
amadurecimento do diálogo político. Bohm (2005) diferencia o diálogo da discussão, em
que o ponto fundamental é “ganhar o jogo”, fazer prevalecer apenas uma visão de mundo

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 18 305


particular e os pressupostos pertinentes a uma determinada identidade de grupo. No
caso da discussão, há uma fragmentação de pontos de vista e uma dificuldade intrínseca
para se alcançar o verdadeiro consenso. Nesse sentido, o diálogo não deve se confundir
com discussões ou “trade-offs” – negociações, análises de custo-benefício, abrir mão de
certos pontos em favor de outras vantagens – algo que está muitas vezes relacionado às
práticas comuns das instâncias participativas.

6 | CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com os argumentos compilados neste artigo, a gestão democrática e a


participação social são entendidas como fundamento para as políticas urbanas do século
XXI, particularmente em relação ao contexto de alteridade e diversidade sociais presentes
nas metrópoles.
No Brasil, o cenário atual aponta para uma crise do diálogo e para um questionamento
dos mecanismos participativos e de gestão democrática. O quadro de dissenso político
convida a repensar os processos de participação social e gestão horizontalizada. Há
uma necessidade de registrar as críticas e, de forma coerente, buscar o aprimoramento
contínuo dos processos participativos. A abertura ao diálogo é compreendida como uma
questão ética. É preciso desenvolver um aprimoramento dialógico e participativo, que
aponte para o amadurecimento de uma ética social de respeito à alteridade.
O contexto é de muitos desafios relacionados à gestão democrática das cidades e
ao equacionamento de conflitos que derivam da alteridade dos sujeitos e da diversidade
de demandas envolvidas. O artigo registra a importância da participação social na
definição das políticas urbanas, conforme prevista no Estatuto das Cidades (2001) e no
Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo (2014), marcos legais que trazem
significativas inovações em termos representativos e estratégicos, e que se alinham às
diretrizes multilaterais propostas pela Nova Agenda Urbana (UN-HABITAT III, 2017).
Sublinhando os argumentos de Bourdin (2001), da “participação impossível” à “crise
de pactuação”, o artigo busca apontar elementos para uma revisão crítica dos processos
participativos diante da necessidade de contínuo aprimoramento dos mecanismos
de participação social. Busca por questões a serem aperfeiçoadas, como os aspectos
de “capacitação” e de “representatividade” indicados por GOHN (2011). Coloca em
perspectiva a possibilidade de aprimorar os mecanismos de participação a partir de um
conhecimento aprofundado de suas formas de atuação, como registrado no perfil dos
conselhos participativos publicado pelo IPEA (2013), em que são destacados pontos fortes
e aspectos a serem melhorados. Mostra a possibilidade de aferição dos resultados obtidos
pelas instâncias participativas, a partir do desenvolvimento de metodologias análogas ao
Índice de Efetividade da Participação (IEP), de Carlos, Silva, e Almeida (2018).
Para um aprimoramento das práticas de gestão democrática, se observa a falta

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 18 306


de aprofundamento crítico sobre certos aspectos que são “mantidos inegociáveis e
intocáveis” nesses contextos de interlocução, em que os assuntos são discutidos mas
não efetivamente dialogados (BOHM, 2005). Atitudes de desconsideração aos processos
participativos, especialmente quando partem dos gestores públicos, podem contribuir para
um clima de ceticismo político. Entendemos haver uma contribuíção potencial de sentido
deontológico, e que depende de um comprometimento ético entre as partes envolvidas.
A dimensão pública da cidade é compreendida como o elo capaz de conciliar uma
diversidade de interesses. Nesse sentido é preciso aprimorar a interação dos diversos
atores, sendo eles gestores públicos, representantes do setor privado ou representantes
de grupos sociais que sejam atuantes nos processos participativos. A capacitação para o
diálogo é recomendada para se atingir tal objetivo de modo à colaborar efetivamente para
o equacionamento de conflitos e divergencias, desde que incorporada entre os princípios
e diretrizes de atuação das instâncias participativas, em particular pelos gestores públicos
e responsáveis pela mediação desses processos.
A partir da reflexão proposta pelo artigo, se entende que o contínuo aprimoramento
das instâncias participativas pode colaborar de forma efetiva para o amadurecimento de
uma nova ética urbana e para o desenvolvimento de cidades futuras socialmente mais
justas e coesas. Em tempos de novos modelos de democracia participativa e gestão
horizontalizada, os processos de participação social seguem como etapas estratégicas
para um melhor modelo de gestão urbana, onde a ética e o diálogo não podem figurar
apenas como uma mera adequação do discurso.

REFERÊNCIAS
ALVIM, A. T. B. “Política pública, planejamento e gestão urbano-ambiental: os desafios da integração”. In:
PHILIPPI JUNIOR, A.; BRUNA, G. C. (Ed.). Gestão Urbana e Sustentabilidade. Barueri: Manole, 2019.

ASCHER, F. Os novos princípios do urbanismo. Tradução e apresentação: Nadia Somekh. São Paulo:
Romano Guerra, 2010.

BLIACHERIENE, A. C. “Agenda 2030: ética e responsabilidade socioambiental na gestão das cidades do


futuro”. In: PHILIPPI JUNIOR, A.; BRUNA, G. C. (Ed.). Gestão Urbana e Sustentabilidade. Barueri: Manole,
2019.

BOHM, D. Diálogo: comunicação e redes de convivência. São Paulo: Palas Atena, 2005.

BOURDIN, A. A questão local. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

BRASIL. Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001. Estatuto das Cidades. Brasília: DF, 2001. Disponível em:
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______. Decreto Nº 8.243, De 23 De Maio De 2014. Institui a Política Nacional de Participação Social -
PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social - SNPS, e dá outras providências. Brasília, DF, 2014.
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Decreto/D8243.htm. Acesso em:

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 18 307


13/05/19.

______. Decreto Nº 9.759, De 11 De Abril De 2019. Extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações
para colegiados da administração pública federal. Brasília, DF, 2019. Disponível em: https://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/d9759.htm. Acesso em: 13/05/19.

CARLOS, E., SILVA, R., ALMEIDA, C. (2018). Participação e política pública: efetividade dos conselhos
de assistência social na gestão da política. In: Revista de Sociologia e Politica, v. 26, n. 67, pp. 67-
90. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rsocp/v26n67/0104-4478-rsocp-26-67-0067.pdf. Acesso em:
09/06/2019.

GOHN, M.G. Conselhos gestores e participação sociopolítica, São Paulo: Cortez, 2011.

IPEA, Conselhos Nacionais Perfil e atuação dos conselheiros: Relatório de Pesquisa. Brasília, IPEA :
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, 2013. Disponível em: http://www.ipea.gov.
br/participacao/images/pdfs/relatoriofinal_perfil_conselhosnacionais.pdf. Acesso em: 09/06/2019.

SÃO PAULO (Município). Lei Nº 16.050, De 31 De Julho De 2014. Plano Diretor Estratégico. São Paulo,
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SOMEKH, N. Projetos Urbanos e Estatuto da Cidade: limites e possibilidades. Arquitextos, São Paulo, ano
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Acesso em: 01/06/2019.

UN-HABITAT III, Nova Agenda Urbana, 2017. Disponível em: http://habitat3.org/the-new-urban-agenda/.


Acesso em: 08/06/2019.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Capítulo 18 308


SOBRE A ORGANIZADORA

JEANINE MAFRA MIGLIORINI - Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Pontifícia Universidade


Católica do Paraná, em Licenciatura em Artes Visuais pela Universidade Estadual de Ponta Grossa
(UEPG), em Tecnologia de Design de Interiores e em Tecnologia em Gastronomia pela Unicesumar;
Especialista em História, Arte e Cultura, em Docência no Ensino Superior: Tecnologia Educacionais
e Inovação e em Projeto de Interiores e Mestre em Gestão do Território pela Universidade Estadual
de Ponta Grossa. Educadora há treze anos, iniciou na docência nos ensinos fundamental e médio na
disciplina de Arte. Atualmente é professora no ensino superior da Unicesumar. Arquiteta e urbanista,
desenvolve projetos arquitetônicos. Escolheu a Arquitetura Modernista de Ponta Grossa – PR como
objeto de estudo, desde sua graduação.

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Sobre a Organizadora 309


ÍNDICE REMISSIVO

Agricultura Urbana 116, 118, 122, 126


Análise Espacial 13
Arborização Urbana 24, 63, 65, 66, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 77, 84, 85, 86, 87
Áreas Verdes 5, 21, 36, 37, 41, 42, 60, 63, 64, 65, 75, 82, 87, 101, 117, 162, 171, 195, 241
Assentamentos Sustentáveis 219

Calçada 79, 267, 276, 278, 291


Cambio Climático 30, 31, 37, 61
Caminhabilidade 259, 267, 269, 270, 272, 276, 278, 289
Cidade 5, 6, 7, 9, 10, 12, 13, 16, 17, 18, 22, 64, 65, 66, 67, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 81, 84, 87,
89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 98, 99, 101, 103, 107, 108, 109, 110, 113, 114, 117, 118, 120, 121,
123, 124, 125, 129, 130, 134, 136, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 143, 159, 160, 161, 162, 163,
166, 167, 168, 171, 172, 173, 174, 175, 184, 185, 186, 189, 190, 191, 192, 193, 194, 195, 199,
200, 201, 202, 203, 204, 205, 206, 207, 210, 212, 213, 215, 217, 231, 234, 235, 236, 237, 240,
241, 242, 243, 247, 248, 250, 255, 259, 260, 264, 265, 267, 268, 269, 270, 276, 278, 280, 281,
282, 283, 284, 286, 287, 289, 290, 291, 292, 294, 295, 296, 297, 299, 301, 303, 307, 308
Cidade-Jardim 159, 160, 162, 171
Comunidades Alternativas 219, 226, 232
Comunidades Intencionais 219, 221, 222, 223, 224, 225, 226, 229, 231
Convívio Social 105, 188, 279, 280, 285, 286, 291
Crescimento Urbana 102
Cultura da Sustentabilidade 219

Desenvolvimento Sustentável 1, 3, 4, 6, 8, 9, 10, 12, 86, 177, 224, 225, 231, 288, 294

Ecologia de Paisagens 13
Ecologia Urbana 116, 120, 121, 123, 125
Escola Sem Muros 234, 235, 236, 238, 240, 243, 244, 245, 246, 247, 248, 249, 251, 258, 260,
261, 262, 263, 264
Espaços Públicos 27, 84, 88, 89, 91, 92, 93, 97, 98, 100, 101, 204, 264, 267, 268, 269, 279, 280,
281, 282, 283, 284, 285, 286, 288, 289, 290, 291, 292

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Índice Remissivo 310


Evolução Urbana 10, 129, 144

Fragmentação Espacial 13, 15, 27

Gestão Urbana 113, 291, 296, 297, 298, 300, 303, 307

História Urbana 176

Infraestructura Religiosa Católica 145, 147, 153, 154, 155


Infraestrutura Verde 13, 14, 16, 21, 22, 24, 27, 28

Legislação Ambiental 15, 102


legislação Urbanística 102, 104, 109, 113
Lugar Público 279

Mobilidade Ativa 267, 269, 270, 272, 274, 276, 278


Morfologia Urbana 28, 63, 65, 88, 102, 103, 105, 107, 159, 160, 161, 173, 174, 186

Ocorrências Urbanas 102, 103, 105, 106, 107, 108

Paisagem 13, 14, 15, 16, 18, 19, 21, 22, 23, 27, 28, 61, 65, 71, 112, 117, 119, 120, 121, 125, 127,
137, 162, 175, 176, 177, 178, 179, 180, 181, 182, 183, 184, 185, 186, 203, 205, 253, 263, 281,
283, 293, 301
Paisaje Cultural 30, 32
Participação Social 90, 93, 296, 297, 298, 299, 300, 301, 302, 303, 306, 307
Patrones de Localización 145, 151
Pedestre 5, 11, 12, 213, 267, 269, 270, 271, 272, 273, 274, 276, 278
Percepção 63, 71, 75, 87, 88, 91, 93, 98, 99, 100, 123, 124, 177, 178, 248, 253, 255, 259, 264,
270
Planejamento Urbano 5, 6, 64, 101, 102, 103, 104, 105, 110, 113, 116, 124, 125, 199, 240, 279,
282, 288, 291, 300

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Índice Remissivo 311


Políticas Públicas 1, 3, 4, 8, 11, 90, 105, 192, 240, 264, 282, 291, 296, 297, 298, 303, 304, 305
Práticas Urbanas Criativas 114, 279, 282, 283, 284, 286, 287, 289, 291, 293, 294
Processamento de Imagens 13
Processo de Projeto 233, 234, 260
Projeto Urbano 98, 161, 187, 191, 200, 201, 298

Qualidade do Espaço Urbano 203, 205, 210, 267

Reconversão 187, 191


Resiliência Urbana 116, 118, 123

Serviços do Ecossistema 116, 117, 118, 121, 122, 125


Sistema Viário 5, 11, 15, 72, 170, 173, 195, 198, 203, 205, 210, 212, 215

Trama Urbana 47, 141, 145, 146, 149, 152, 157

Urbanismo 1, 3, 4, 5, 6, 9, 11, 12, 13, 16, 28, 36, 61, 63, 101, 114, 129, 139, 142, 145, 159, 163,
167, 171, 175, 188, 190, 194, 195, 196, 197, 199, 201, 202, 203, 212, 213, 216, 217, 219, 221,
229, 230, 231, 234, 265, 267, 278, 284, 286, 287, 288, 291, 293, 294, 296, 307, 309
Urbanização 1, 3, 4, 7, 10, 11, 15, 18, 64, 67, 106, 112, 116, 117, 118, 130, 139, 143, 193, 196, 241

Vegetação 13, 15, 16, 17, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 72, 79, 80,
82, 83, 84, 85, 87, 106, 111, 114, 163, 173, 195, 272, 276, 278

Arquitetura e Urbanismo: Abordagem Abrangente e Polivalente 2 Índice Remissivo 312

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