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Revista eletrônica de
musicologia
Volume XI - Setembro de 2007

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Análise de improvisações na música


instrumental: em busca da retórica do jazz
brasileiro

Marina Beraldo Bastos, Acácio Tadeu Piedade (UDESC)

Resumo: Este artigo apresenta trata da análise musical de temas e


trechos de improvisações no âmbito da chamada música instrumental
brasileira, ou jazz brasileiro. A partir de estudos prévios, nos quais
buscamos compreender este gênero da música brasileira em sua
dimensão sócio-cultural, pretendemos agora adentrar no texto musical
para adensar sua compreensão musicológica. A análise se pautou na
busca de padrões musicais que cristalizam gestos expressivos
recorrentes, entendidos como tópicas de uma retórica musical do jazz
brasileiro.

Introdução

Este artigo trata da análise de improvisações no repertório da


chamada “música instrumental”, gênero da música popular
brasileira que, em seu desenvolvimento histórico, dialoga
profundamente como o choro, com a bossa-nova e com o jazz
(BASTOS e PIEDADE, 2005). Inicialmente, o artigo apresenta uma
breve reflexão sobre este gênero musical e suas designações. Em
seguida, discutiremos questões sobre análise de música popular, em
particular o caso da análise de improvisações, e apresentaremos
uma descrição sumária da corrente analítica que desenvolve a idéia
de “tópicas” (topics). Apresentaremos, então, análises de trechos
de improvisações musicais para ali comentar a presença de algumas
tópicas do repertório.

Sobre Música Instrumental

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Como já foi comentado anteriormente,[1] a designação “música


instrumental” é ambígua, pois há diversas outras músicas
instrumentais no Brasil, e apesar disto os músicos e ouvintes deste
repertório não têm dificuldade no reconhecimento do gênero
musical que leva o nome de música instrumental. Algumas de suas
marcas são claras: o destaque para os instrumentistas
(improvisações, valorização do virtuosismo), a concepção
harmônico-melódica e os arranjos que empregam técnicas e formas
jazzísticas, entre outras. Há outras designações, como, por
exemplo, “música universal” (conforme Hermeto Pascoal), “música
brasileira contemporânea” (conforme Arismar do Espírito Santo), ou
ainda “jazz brasileiro”, principalmente no exterior (Brazilian Jazz).
Este último termo pode sugerir que a música instrumental seja uma
adaptação nacional do jazz norte-americano, o que absoluta-mente
não confere. Ao contrário, a música instrumental exibe uma
configuração estável como gênero da música popular brasileira,
embora seja parte do jazz global principalmente pelo espírito de
liberdade de criação e improvisação (PIEDADE, 2003; ATKINS,
2003).
Nesta perspectiva, a música instrumental pode ser chamada de jazz
brasileiro (empregaremos ambas as designações como sinônimos).

O jazz brasileiro, assim, surgiu nos anos 60, no contexto da bossa


nova, com as versões instrumentais deste repertório,
principalmente nos trios de piano. [2] A partir deste momento,
quando predomina o diálogo entre bossa nova e jazz norte-
americano, a música instrumental consolida-se com a incorporação
de aspectos da musicalidade de outros gêneros, ao mesmo tempo
mantendo uma linguagem peculiarmente própria, mais
direta-mente relacionada aos mundos do jazz internacional e da
música brasileira, constituindo uma característica que PIEDADE
(1997) chama de fricção de musicalidades, e que envolve a questão
da identidade nacional e da globalização. [3] De fato, a música
instrumental é o jazz brasileiro, se entendermos o jazz como
fenômeno global que deixou de ser exclusivo do território norte-
americano e tem hoje muitos “novos endereços” (NICHOLSON,
2005).

Pretendemos neste artigo mostrar, a partir das análises de temas e


improvisos do repertório em toque, como as musicalidades
brasileiras e jazzísticas estão ali impressas. A perspectiva analítica
que adotaremos é o que se poderia chamar de “teoria das tópicas”,
que explicitaremos abaixo. Antes, porém, apresentaremos uma

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breve discussão sobre o debate da musicologia e análise da música


popular.

Análise de Música Popular

Após vários debates e confrontações ao longo do século XX, a


música popular se tornou o objeto de estudo legítimo da
musicologia contemporânea (entendendo-se o campo da
musicologia no seu sentido amplo, incluindo a etnomusicologia). A
partir dos anos 60, investigações sobre música popular da área
multidisciplinar dos Estudos Culturais mostravam a riqueza deste
repertório e apontavam a inadequação da Musicologia tradicional.
Esta, de sua parte, respondia com insultos, desprezo ou silêncio em
relação aos nascentes estudos de música popular (MIDDLETON,
1993). O debate, naquele momento, resultava de uma definição de
Musicologia que foi construída desde o momento de formação da
disciplina, no século XIX, segundo a qual esta área restringe seu
objeto de estudo à música erudita ocidental. Seus métodos típicos,
como os recursos de análise e teoria musical, revelavam sua
preferência pelo texto musical, em detrimento de aspectos
sociológicos e culturais.

Ao mesmo tempo, grande parte da chamada Etnomusicologia


radicalizou a investida na direção oposta, desprezando (até
recentemente) o sentido intra-musical (MORAES e PIEDADE, 2005).
Atualmente, as fronteiras entre disciplinas estão submetidas a
desconstruções constantes, e pode-se falar em termos de uma
Musicologia ampla, que inclui os estudos de música popular,
especialmente aqueles que abarcam a análise do texto musical.

O principal problema dos métodos de análise em geral, no caso de


sua aplicação para os estudos de música popular, tem sido a
tendência ao formalismo. Uma solução para a análise de música
popular seria tentar trazer o nível de significação intra-musical para
o primeiro plano sem que a análise torne-se meramente formal
(MIDDLETON, 1993). A abordagem expressiva das “tópicas” é uma
opção nesta direção (ver a seguir). Quando se trata de analisar
improvisações, em geral a análise se orienta no sentido da
compreensão do estilo individual de um músico. [4] No caso do
jazz, as improvisações trazem à tona os diversos estilos individuais,
reconhecidos pela audiência, e que por vezes fazem referências
culturalmente compartilhadas muito significativas, como por
exemplo no caso de paródias e citações. [5] Porém, não é este
aspecto que nos interessa aqui, embora ele também esteja

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presente. A natureza da improvisação em música, no barroco


europeu, na música tradicional indiana, no jazz (ver BAILEY, 1993),
enfim, em todas as culturas musicais, é tal que o aspecto individual
está permeado por um discurso anterior e mais profundo: a cultura.
Membro de uma cultura, o indivíduo é o agente que “fala” na
improvisação, porém sua expressividade depende do uso de
fórmulas “sintáticas” que propiciem a comunicação. Além disso, a
improvisação é um fenômeno temporal, envolvendo, assim uma
dimensão simbólica que é interpretada pela audiência e pode ser
compreendida pelo analista (IMBERTY, 1981). Portanto, para dar
conta destas considerações, nossa hipótese é que a improvisação
(no jazz brasileiro) envolve o uso de signos musicais convencionais
que apontam para uma referencialidade no sentido da uma retórica
musical, manifesta através de “tópicas”.

Retórica e tópicas

O que estamos chamando de tópicas aparece na semiótica


defendida por AGAWU (1991): este autor parte do princípio de que
o repertório da música clássica européia (aproximadamente de
1770 a 1830, objeto deste trabalho) é explicitamente orientado
para o ouvinte. Agawu propõe uma teoria da música clássica
instrumental com duas principais dimensões comunicativas:
expressão e estrutura. As unidades de expressão interagem dentro
de uma estrutura definida pelos termos convencionados da retórica
musical. Agawu comenta um exemplo interessante: o uso da
expressão “alla turca” por Mozart em trecho da ópera Die
Entführung aus dem Serail, que estreou em 1782. Na cena, a
personagem está furiosa, mas Mozart escreveu no estilo alla turca
para injetar um toque de comédia. Ora, está em jogo a
comunicação com o público da época, no texto musical sendo
utilizados códigos compartilhados daquele contexto: menos de cem
anos antes da estréia da ópera, os vienenses haviam expulsado os
turcos de Viena, e então os turcos às vezes eram tema de diversão
popular, sendo considerados divertidos e exóticos. Em adição à
capacidade de Mozart no domínio destes códigos extra-musicais
está sua capacidade musical, a forma como o compositor manipula
o texto musical a fim de atingir o resultado comunicativo. Agawu
mostra que, desta forma, o gênero “alla turca” torna-se uma
espécie de categoria músico-cultural, presente em outras obras do
período, que é o que Agawu chama de topics. No esquema analítico
de Agawu, a cadeia de topics aponta o plano expressivo da música,
enquanto que o plano estrutural é abordado através de diferentes
perspectivas estruturalistas (Schenker, Rosen, Ratner e a do próprio

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Agawu, “começo-meio-e-fim”).

A adaptação deste modelo para a música popular brasileira é uma


forma de lidar com o aspecto expressivo da musicalidade brasileira
em suas várias faces. Acreditamos que eles estão presentes não
apenas na música escrita como também nas improvisações, e
trataremos aqui especificamente deste plano das improvisações,
pois acreditamos que há ali tópicas que sendo utilizadas pelos
músicos no sua busca de comunicabilidade com o público.

Análises

Através da análise de trechos de improvisações, previamente


transcritos por nós, apresentaremos aqui elementos de conjuntos
de tópicas que pudemos recolher. A estes conjuntos chamamos de:
nordestino, brejeiro, época de ouro e bebop. [6]

Nordestino

Estas tópicas remetem à musicalidade do nordeste brasileiro.


Destaca-se o uso da escala mixolídia e, em menor escala, dórica.
Há um número muito grande de tópicas neste conjunto, dada a
importância desta musicalidade na música brasileira. Pudemos
recolher e nomear algumas, que estarão nas análises abaixo. Por
ora, apresentamos aqui um elemento claramente empregado de
forma retórica no jazz brasileiro (e em muitos outros repertórios),
que podemos chamar de “cadência nordestina”: trata-se de uma
frase cadencial com estrutura 2-1-6-1-1.

Brejeiro

Este conjunto tem relação com o jogo musical que existe,


particularmente no mundo do choro, envolvendo a questão do
desafio, da “quebração” rítmica, da ambigüidade melódica e da
malícia. No samba também há várias dimensões do brejeiro,
evocado pela figura do “malandro” e sua ginga. Este jogo envolve

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também uma competição entre os próprios músicos: é comum


entre os chorões um tipo de brincadeira onde um músico solista
tenta “derrubar” o outro utilizando padrões difíceis. Este é um fato
histórico, profundamente arraigado na musicalidade chorística: no
início do século XX, os flautistas chorões sabiam ler partitura e
faziam estes desafios musicais com muita virtuosidade (DINIZ,
2003). No “Um a Zero”, de Pixinguinha e Benedito Lacerda,
marcado como “choro vivo”, o brejeiro se apresenta logo de início
na ambigüidade entre a nota fá e a nota sol. Outra “brincadeira” é
desenvolvida através dos deslocamentos rítmicos nos compassos
8-11, onde um padrão melódico constituído no âmbito de três
colcheias “atravessa” o dois por quatro, de forma necessariamente
irregular.

Época de ouro

Chamamos de “época de ouro” este conjunto de tópicas que remete


a um sentimento de nostalgia ligado ao Brasil do passado e à
musicalidade de gêneros antigos, tais como modinha, valsas e
serenatas. Há diversas configurações melódicas para as tópicas
época de ouro (EO): grupetos, apojaturas, certas aproximações
cromáticas (cromatismo 5-b5-4-3 ou 3-4-#4-5, ou ainda

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3-2-1-7M-7, todas estas aproximações sendo cadenciais, a última


nota estando geralmente em tempo forte, conforme seu uso nas
“baixarias” de choro). Como exemplo, apresentaremos aqui a
apojatura de nona (em ré menor) e a de sexta (em fá maior),
ambas seguidas de arpejo descendente:

Encontram-se diversos exemplos deste padrão e de outros EO na


literatura. Salientamos que o que está acima escrito, isoladamente,
nada representa, e que este mesmo padrão é utilizado em diversas
outras musicalidades do planeta. Entretanto, no (con)texto musical
brasileiro, estes mesmos padrões são empregados de forma tal que
apontam para o universo referencial específico em questão.
Especial-mente, como estamos tentando enfatizar neste artigo, se
fazendo presentes nas improvisações no âmbito do jazz brasileiro.

Apresentaremos abaixo a transcrição de um dueto de clarinete e


voz presente na canção “Minha Palhoça”, de J. Cascata, conforme
canta-da por Mônica Salmaso e tocada por Nailor “Proveta” no disco
“Voadeira” (SALMASO, 2001). A partir do compasso 10, a parte da
voz apresenta o tema da canção, e a parte de clarinete é uma
improvisação de acompanha-mento que articula padrões melódicos
que podem ser compreendidos como tópicas, indicados por
colchetes inferiores. Vemos aqui alguns padrões EO: grupeto no c.
8; resposta 3-4-4#-5 no c.10; no c. 13-14 há uma progressão tipo
linha de baixo de choro (“baixaria”) conduzindo à 7a menor
(3-2-1-7M-7); logo no c. 15, aparece o arpejo 6-5-3-1 acima
mencionado; nos c. 21-22 há, novamente, uma condução do tipo
“baixaria”; no c. 28-29 ocorre uma forma arpejada de tríade maior,
muito comum na melódica chorística; em seguida, o clarinetista
emprega, no c. 32, uma breve frase que remete ao blues (evocando
a escala blues menor): esta referência ao blues em um ambiente
EO é um exemplo de fricção de musicalidades (PIEDADE, 2003);
outra típica “baixaria” se apresenta nos c. 35-37; por fim, o padrão
cromático típico 3-4-4#-5.

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Bebop

Este termo cobre a referência ao mundo do jazz através de


procedimentos melódicos tipicamente jazzísticos, uso de certas
padrões e convenções, como notas-de-aproximação cromática
típicas do jazz, fraseados do tipo Charlie Parker, uso de escalas e
frases outside (ou seja, “fora” da tonalidade ou do acorde-
referência). É evidente que, no contexto do jazz internacional, o
termo se refere ao jazz dos anos 40 e a figuras como Charlie Parker,
Dizzie Gillespie e Thelonius Monk. No entanto, no discurso nativo
dos músicos brasileiros (cf. PIEDADE, 2003), o termo aponta para
um conjunto de tópicas musicais jazzísticas construídas sob o tenso
diálogo que se estabelece entre a musicalidade brasileira e a do jazz
norte-americano. Como exemplo, apresentare-mos abaixo uma
improvisação do baixista Itiberê Zwarg na música “Viva o Rio”, de
Hermeto Pascoal (PASCOAL, 2002).

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Note-se o uso de tópicas brejeiro (encaixe irregular de células


motívicas, causando desloca-mento rítmico, c. 12-19). Há também
outros procedimentos significativos, como antecipações e evocações
da simplicidade infantil (c. 10, que chamamos de ciranda), bem
como um “maxixado” (c. 20), que eventualmente poderão constituir
outro conjunto de tópicas.

Apresentaremos agora a transcrição de um trecho musical no qual


aparecem variadas tópicas. Trata-se de um excerto da improvisação
de saxofone de Nailor “Proveta” na música “Baião de Lacan”, de
Guinga, conforme a gravação no CD “Bixiga”, da BANDA
MANTIQUEIRA (1999).

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Note-se o uso de tópicas nordestinas de forma entrecortada com


tópicas bebop, outro exemplo de fricção de musicalidades do jazz
brasileiro. A composição de Guinga aponta fortemente para o
nordestino, e a improvisação de “Proveta” segue neste universo,
porém dialogando com outras musicalidades. Logo no início (trecho
não transcrito), há uma longa referência ao experimental (escalas
rápidas e agudas, sem referência tonal, uso de harmônicos e
articulações que exploram timbres não-convencionais, o
acompanhamento utiliza acordes distantes da tônica, conferindo
densidade), desembocando em padrões nordestinos sobre um

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acorde único (F#7) sob o ritmo de baião. Nos c. 1-6 do trecho


transcrito, “Proveta” explora a escala de F# empregando graus
alterados (b2 e 6m); do c.6 para o c. 7, cria uma cadência arpejada
que aponta para D7/9, portanto um trecho outside, e logo em
seguida utiliza um padrão nordestino que, de forma incompleta, cita
a composição “O ovo”, de Hermeto Pascoal, surpreendendo o
ouvinte com um salto para a 9a ao invés de cair na 3a , como aliás
faz adiante, após um trecho outside, nos c. 22-24, apresentando a
citação; esta é repetida obsessivamente nos c. 25-27, trazendo
uma nova surpresa na cadência para a nota lá natural. A
improvisação continua, mas o trecho em toque nos serve de
exemplo suficiente para mostrar o uso de tópicas.

Comentários Finais

Para concluir, podemos afirmar que constatamos o interesse


teórico-metodológico da transcrição de improvisações para posterior
análise, bem como da aplicação da “teoria das tópicas” para estudo
do jazz brasileiro. No primeiro caso, podemos dizer que se trata de
um procedimento que já vem sendo realizado de forma interessante
por BERLINER (1994) e MONSON (1996) em seus estudos sobre o
jazz. Evidentemente, como salientam estes autores, as transcrições
são desde sempre interpretações parciais e limitadas, já que
somente alguns elementos podem ser destacados em partitura, e
mesmo assim muitas vezes de forma precária. A transcrição musical
é uma técnica muito empregada na Etnomusicologia, e por isso
mesmo nesta disciplina ela tem sido largamente discutida (ver
BARZ e COOLEY, 1996; NETTL, 1964). Ao mesmo tempo, afirmamos
o rendimento de investigações da dimensão expressiva da música
brasileira no nível das improvisações, em busca de gestos
expressivos compartilhados, configurados como tópicas. O estudo
da retórica musical subjacente às improvisações através da teoria
das tópicas é uma avenida interessante para a compreensão da
musicalidade brasileira, podendo contribuir significativamente para
a Musicologia Brasileira.

Notas

[1] PIEDADE (1997, 1999).

[2] Para uma discussão do desenvolvimento histórico da “Música Instrumental”, ver


BASTOS e PIEDADE (2005).

[3] Ver também PIEDADE (2005).

[4] De fato, a análise estilística é uma abordagem importante, e LARUE (1980) é

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um suporte teórico muito conhecido na Musicologia. Exemplos recentes produzidos


no Brasil: sobre o pianista Bill Evans, ver GIMENES (2003); sobre o guitarrista
Alemão Stockler, ver PRESTA (2004).

[5] Sobre paródia no jazz, ver MONSON (1994). Muitas vezes há citações em
referência a estilos de outros instrumentistas, como quando o saxofonista Joe
Henderson cita Charlie Parker (ver MURPHY, 1990). Para um enfoque do jazz
europeu, ver WILSON (1999).

[6] Para um maior aprofundamento teórico sobre estas tópicas, ver PIEDADE
(2006).

Referências

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Marina Beraldo Bastos graduanda em Música (UDESC) e professora da


Compasso Aberto - Escola Livre de Música, atua como flautista no Trio
Sonoroso e como cantora no Polyphonia Khoros. Foi bolsista de
iniciação científica (PROBIC) durante dois anos.

Acácio Tadeu Piedade possui graduação em Música (Composição) pela


Universidade Estadual de Campinas (1985), mestrado e doutorado em
Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (1997
e 2004). Professor do Departamento de Música e do Programa de
Pós-Graduação em Música da Universidade do Estado de Santa
Catarina, é coordenador dos grupos de pesquisa MUSICS/UDESC e
MUSA/UFSC. Ministra disciplinas, pesquisa e orienta nas áreas de
musicologia-etnomusicologia, teoria-análise e composição.
acacio@udesc.br

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