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Resumo
O modelo de gestão conhecido como Sistema Toyota de Produção ou Produção Enxuta tem
proporcionado resultados significativos para as empresas que o adotam de forma efetiva. A
filosofia de melhoria contínua, o respeito e o desenvolvimento de pessoas contemplados neste
modelo contribuem significativamente para o aprendizado organizacional. O Jishuken é uma
ferramenta oriunda do Sistema Toyota de Produção baseado nestes fundamentos. O estudo de
caso apresentado discute a aplicação desta metodologia na redução do tempo de troca de
ferramentas em uma empresa de manufatura de grande porte. Conclui-se que a aplicação
sistemática do Jishuken pode auxiliar no desenvolvimento organizacional, estimular a
inovação e atingir resultados efetivos.
1. Introdução
Cada vez mais tem se reconhecido a eficácia do modelo de produção japonês. O Sistema
Toyota de Produção começou a ser desenvolvido após a Segunda Guerra Mundial e, em
função das necessidades claras demandadas pelo ambiente de recursos escassos em que a
montadora se encontrava, foram desenvolvidos as técnicas, os conceitos e, sobretudo, a
cultura da Toyota.
Os valores-chave que sustentam a filosofia do Sistema Toyota de Produção são o respeito e o
desafio ao ser humano, fatores que geram um ambiente de aprendizagem e que estimulam o
trabalho em equipe, além da melhoria contínua no processo produtivo. O Jishuken é uma
metodologia oriunda da Toyota que abrange estes conceitos fundamentais e, apesar de pouco
difundida no Brasil, quando aplicada na sua essência, pode gerar resultados bastante
expressivos.
O objetivo deste artigo é demonstrar a aplicação do Jishuken. Para tal, foi elaborada uma
revisão teórica para fundamentar Comunidades de Prática e Stress Positivo, requisitos-chave
da metodologia. Em seguida, são abordados os conceitos e o método de aplicação da
ferramenta. Por fim, apresenta-se um estudo de caso de aplicação prática.
2. O Sistema Toyota de Produção
O Sistema Toyota de Produção (STP) teve sua origem em 1945 no Japão, após a derrota do
país na Segunda Guerra Mundial. Conforme Ohno (1997), devido ao contexto e à necessidade
de reestruturação desse país, o problema da montadora nessa época consistia em como cortar
custos e, ao mesmo tempo, produzir pequenas quantidades de muitos tipos de carros.
A produção enxuta é uma filosofia de produção oriunda da Toyota e tem por objetivo a
redução de custos por meio da completa eliminação dos desperdícios. Womack e Jones (2004)
definem o pensamento enxuto como uma forma de fazer cada vez mais com menos,
eliminando os desperdícios e, ao mesmo tempo, aproximando-se cada vez mais do cliente,
para oferecer exatamente o que ele deseja.
O STP está fundamentado sobre dois pilares: i) O JIT (just-in-time), produzir somente o que é
necessário, na quantidade necessária e quando for necessário; e ii) o Jidoka, ou autonomação,
fazer com que qualquer anomalia de produção seja imediatamente evidenciada e parar de
produzir quando os problemas forem detectados (WOMACK et al., 2004; OHNO, 1997).
No entanto, é essencial ressaltar que as plantas que praticam os princípios do JIT e do Jidoka
são extremamente propensas a paralisações, e serão paralisadas se as pessoas não forem
capazes de resolver prontamente os problemas expostos e de maneira sistemática. Isso cultiva
duas atitudes que permeiam na organização: presenciar os fatos onde eles ocorrem (genchi
genbutsu) e eliminar a causa-raiz dos problemas (TOYOTA..., 1995).
Os funcionários e parceiros devem ser capacitados, respeitados e motivados para assumir total
responsabilidade sobre suas atividades e ter autonomia sob suas próprias áreas de trabalho.
Para fazer o sistema enxuto funcionar, é necessária uma mão-de-obra altamente qualificada,
para que os trabalhadores estejam aptos a antecipar os problemas e tomar iniciativas para
solucioná-los (WOMACK et al., 2004). Assim, a essência deste modelo de gestão está no
pensamento em longo prazo, nas pessoas, na eliminação total de perdas e na melhoria
contínua. Portanto, as técnicas do modelo de gestão da Toyota são, antes de tudo, um meio
para o desenvolvimento de pessoas, o que a torna uma organização de aprendizagem (LIKER,
2006).
Em reportagens recentes, o triunfo da Toyota sobre a General Motors, até então considerada a
maior montadora do mundo, vem sendo destacado. Isto porque a Toyota tem apresentado nos
últimos anos um resultado financeiro bastante superior às outras empresas do mesmo setor,
consolidado principalmente por seu modelo de gestão. Por exemplo, a Revista Exame coloca
que o aspecto-chave para a liderança da montadora japonesa é a cultura baseada na melhoria
contínua e no trabalho em grupo. Na Revista HSM, Dyer e Hatch (2004) também realçam a
superioridade da Toyota em relação aos seus concorrentes e a política da empresa de
desenvolvimento de fornecedores, colocando como os fatores mais importantes o aprendizado
e o compartilhamento de conhecimento.
3. Comunidades de Prática
O conceito de Comunidade de Prática foi estabelecido por Etienne Wenger e consiste em
comunidades informais que se reúnem com o objetivo de desenvolver a prática para estimular
o conhecimento e o aprendizado.
Comunidades de Prática também podem ser definidas como agrupamentos de pessoas que
compartilham e aprendem uns com os outros por contato físico ou virtual, com um objetivo
ou necessidade de resolver problemas, trocar experiências, podendo ser considerada como
uma “comunidade que aprende” (McDERMOTT, 2000). Este conceito também engloba a
gestão e o compartilhamento do conhecimento.
As Comunidades de Prática têm sido aplicadas em diversos campos do conhecimento,
agregando pessoas e organizações com interesses comuns, principalmente na aplicação prática
do aprendizado, para melhorar seu desempenho.
4. Estímulo da criatividade
O estresse é definido como uma reação do organismo causada por alterações físicas e
psicológicas que ocorrem quando a pessoa se depara com uma situação que a irrite,
amedronte, excite ou confunda. O motivo que provoca essas reações é chamado de agente
estressor, isto é, o fato que desencadeia um processo que necessite de alguma adaptação
(LIPP, 1999).
Os estressores podem ser internos ou externos. O primeiro é completamente determinado pelo
próprio indivíduo, pelas suas características, tais como ansiedade, timidez e depressão. Os
agentes extressores externos independem do indivíduo, são situações que ocorrem fora do
corpo ou da mente da pessoa, tais como mudança de chefia, mudanças políticas no país,
acidentes, dentre outros (LIPP, 1999).
O processo de estresse se desencadeia em três fases:
a) Fase de alerta: É a etapa inicial do estresse, quando a pessoa se confronta inicialmente com
um estressor. A energia fornecida pelo estresse na fase de alerta pode ser utilizada em
benefício próprio. Nesta fase a pessoa fica mais alerta e seu corpo com o metabolismo mais
acelerado, no entanto, quando o estressor tem curta duração, a pessoa sai da fase de alerta sem
complicações para o seu bem-estar.
b) Fase de Resistência: Ocorre quando o agente estressor continua atuando, o cansaço do
corpo se torna evidente devido ao grande consumo de energia utilizada. Nesta fase já se
começa a ter dificuldades de concentração e de memória, e há um decréscimo considerável na
produtividade.
c) Fase de exaustão: Ocorre quando não se consegue resolver a situação que origina o
estressor, esta é a fase mais perigosa do estresse. Tal etapa leva o organismo à exaustão,
culminando na necessidade de cuidados médicos especiais. (LIPP, 1996).
O estresse é encarado por muitas pessoas como algo ruim, no entanto todo o estresse pode ser
bem dosado e até mesmo aproveitado de forma positiva. Pessoas motivadas são pessoas que
conseguem dosar bem o estresse. Quando estamos em alerta, conseguimos nos concentrar
melhor no que fazemos, nossos reflexos tornam-se mais rápidos, podemos pensar mais
depressa, e se estivermos em condições adequadas, podemos até mesmo ser mais criativos e
produtivos. O estresse bem dosado, que provoca estas reações, é considerado um estresse
positivo. O bom estresse, que nos leva à criatividade, à procura de uma forma melhor de
resolver as questões da vida (LIPP, 1996).
5. Jishuken
Conforme o Léxico Lean (2006), o Jishuken pode ser traduzido do japonês como "workshop
de aprendizado mão-na-massa", isto é, consiste na aprendizagem no ambiente de trabalho. O
Jishuken ou estudo autônomo eram workshops conduzidos por Taiichi Ohno (Engenheiro
chefe principal e vice-presidente da Toyota) e seus grupos de estudo autonômos constituído
de gerentes e engenheiros do grupo Toyota para promover atividades de melhoria na própria
planta ou nos fornecedores (RYTTER et al., 2007).
A abordagem de aplicação do Jishuken é feita por intermédio de grupos de trabalho que
devem observar em tempo real a atividade ou processo em estudo, para realizar as melhorias
na maneira como se executa tal atividade. O Jishuken está baseado nos princípios de melhoria
contínua ou Kaizen, sendo uma referência para os workshops ou eventos Kaizen de uma
semana utilizados pelos americanos (RYTTER, 2007).
O Kaizen é uma parte fundamental da filosofia enxuta e consiste na melhoria contínua de um
fluxo completo de valor ou de um processo individual, a fim de se agregar mais valor com
menos desperdício (LÉXICO LEAN, 2006). Segundo Rother e Shook (2003), há dois níveis
de Kaizen: i) o de sistema ou de fluxo, que enfoca na melhoria do fluxo total de valor,
centrando-se no fluxo do material e de informações; e ii) o de processo, que enfoca na
eliminação de desperdício no nível operacional, focalizando nas pessoas e processos.
Conforme veremos a seguir, grande parte do sucesso das aplicações do Jishuken se deve à
formação de comunidades de prática e ao estímulo à criatividade por meio do estresse
positivo, conceito explorado de forma semelhante por May (2007), que o denomina tensão
dinâmica. A formação da comunidade de prática decorre do compartilhamento do
conhecimento e estímulo da sinergia entre os participantes, gerando aprendizagem entre os
membros do grupo.
O estímulo à criatividade é decorrente do estabelecimento de uma meta, geralmente bastante
arrojada, e da imposição de um tempo limitado para o atingimento dessa meta. Este objetivo
determinado, somado ao tempo limitado, gera uma pressão de tempo que estimula a geração
do estresse positivo. Tal fato expõe os participantes a um agente estressor de curta duração
que incita a criatividade dos envolvidos, tornando as pessoas mais alertas para se
concentrarem no objetivo traçado (LIPP, 1996).
6. Metodologia de Aplicação
O Jishuken pode ser aplicado em qualquer processo ou atividade que tenha um problema
crítico cuja causa seja clara. A metodologia se inicia com o estabelecimento da finalidade do
trabalho, o qual deve estar de acordo com as necessidades prioritárias da organização. Alguns
exemplos da aplicação do Jishuken são: eliminação de gargalos, redução de tempos de setup
em equipamentos críticos, melhoria da qualidade e da segurança, dentre outros.
Após a seleção do processo e do tema de aplicação, deve-se definir claramente uma meta a ser
alcançada, contendo um objetivo, um valor e um prazo. Para o estabelecimento dessa meta é
necessário que se faça uma pré-análise da atividade, chamada de pré-Jishuken, com o objetivo
de eliminar os desperdícios mais evidentes. Por exemplo, numa melhoria de setup, deve ser
realizada a organização básica das ferramentas e do posto de trabalho.
A meta do Jishuken é então estabelecida tendo como referência a atividade após a realização
do pré-Jishuken. A determinação da meta deve ser de 50% ou de eliminação total,
dependendo da atividade que está sendo analisada. Por exemplo: 50% de redução do tempo,
50% de aumento de um nível de qualidade ou eliminação total de acidentes em determinada
etapa do processo.
Os integrantes da equipe do Jishuken devem ser selecionados e convidados a participar do
evento. No entanto, é importante ressaltar que a participação não pode ser imposta. Além
disso, todos os integrantes da equipe devem estar comprometidos com o atingimento do
resultado, pois assim que estabelecido o consenso a respeito da meta, conceitualmente o
trabalho só deverá terminar após o seu atingimento. Na sua aplicação não pode haver
interrupção do trabalho mesmo que seja preciso permanecer horas até o alcance da meta
definida. Entretanto, vale destacar que caso o cansaço da equipe esteja evidente devido ao
consumo de energia em excesso, o líder do Jishuken deve intervir encerrando o trabalho.
Neste caso, os participantes estarão atingindo a segunda fase do estresse a qual pode ser
prejudicial à saúde.
Além disso, o grupo deve ser heterogêneo, composto por integrantes da empresa, externos e,
até mesmo, pessoas que não tenham conhecimento da atividade selecionada como foco de
análise do trabalho. O objetivo de formar este grupo é possibilitar a discussão criativa e a
aplicação de idéias óbvias que muitas vezes não são percebidas.
Antes da realização do Jishuken deve-se realizar uma reunião inicial para o planejamento da
aplicação da metodologia e alinhamento das expectativas. Esta reunião pode ser utilizada para
o entendimento do problema e das consequências dele, definição da equipe e datas de
execução, dentre outros.
No dia do Jishuken, as etapas de condução do trabalho consistem basicamente na análise da
atividade ou processo em estudo no local (Gemba), identificação dos pontos de melhoria,
implementação das mesmas e análise do atingimento dos resultados esperados, conforme a
lógica do ciclo PDCA. A figura 01 ilustra a metodologia do Jishuken em etapas.
Durante análise da atividade ou processo a área deve ser isolada, de maneira que os
integrantes da equipe possam ser dispostos da melhor forma possível para visualizar a
atividade conforme ela feita no dia-a-dia e no local, sempre garantindo a segurança de todos.
O ato de se reunir no local de trabalho para a análise imediata do problema é chamado pelos
japoneses de Princípio dos Três G’s, que significam ir ao local da ocorrência (Gemba),
observar o equipamento (Gembutsu) e observar o fenômeno (Genjitsu). Esta observação deve
focar, principalmente, todos os elementos em movimento relacionados ao processo, como, por
exemplo: cabeça, braço, perna, dispositivos, entre outros.
Os pontos de melhoria devem ser levantados após a observação ter sido realizada por todos os
integrantes da equipe do Jishuken. A realização de filmagens é extremamente recomendada
para fundamentar o questionamento de itens e sanar as dúvidas surgidas durante o debate.
Outras ferramentas como cartografias, gráfico espaguete, simulações, identificação das
perdas, entre outras, também podem ser bastante úteis.
Depois de identificados e discutidos os pontos de melhoria deve-se partir para a ação. As
melhorias operacionais, isto é, a maneira como o trabalho é executado, devem ser priorizadas
ante os dispositivos necessários para melhoria nos equipamentos. Isto porque as melhorias no
método de trabalho normalmente representam grande parte das perdas e têm custos de
alteração nulos.
1. Finalidade do estudo
9. Análise das 2. Meta (objetivo + valor +
melhorias que não foram prazo
efetivas e dos pontos que 3. Análise da atividade
ainda podem ser melhorados /processo no GEMBA
(volta ao PASSO 3) 4. Identificação dos pontos
10. Reflexão do trabalho (auto- de melhoria (discussão em
crítica) grupo)
Com o objetivo de eliminar esses desperdícios mais evidentes, foi realizado o pré-Jishuken
junto com a equipe. Os progressos realizados nessa fase foram, basicamente, a organização
das ferramentas e a disponibilização da matriz no local da troca, para melhorar a condução do
setup externo. Com isso, conseguiu-se “enxugar” as atividades desnecessárias e, por
conseqüência, reduzir o tempo. Nas quatro horas utilizadas para realização do pré-Jishuken, o
tempo de referência foi reduzido de 130 para 46 minutos. A partir desta atividade a meta pode
ser estabelecida, conforme regra dos 50% citada anteriormente, sendo definida em 23
minutos.
No dia do Jishuken, a metodologia de trabalho consistiu basicamente no seguinte ciclo de
atividades: i) filmagem do procedimento de troca; ii) análise do vídeo e identificação dos
pontos de melhoria; iii) efetivação das melhorias determinadas; iv) verificação do alcance da
meta.
Durante o primeiro ciclo foram estabelecidas melhorias em relação ao método de trabalho,
como, por exemplo:
− Check list para separação das ferramentas necessárias antes de iniciar a troca, para garantir
que todas elas estejam disponíveis no momento da troca;
− Troca de parafuso allen para parafuso sextavado e utilização da chave catraca, para
facilitar o contato com o parafuso e o ajuste do mesmo na ferramenta;
− Identificação da posição do carro de transporte da matriz para garantir que o seu
posicionamento sempre seja realizado do lado correto;
− Utilização de dois carrinhos de transporte para disponibilizar a nova matriz em local
próximo a prensa;
− Separação do setup interno e externo;
− Revisão da seqüência de atividades do setup interno e sincronização das atividades dos
dois operadores que realizam a troca;
− Descrição do procedimento para cada operador.
Após a efetivação das melhorias acima, o procedimento de troca foi filmado novamente. Foi
constatado que essas mudanças não foram suficientes para o atingimento do tempo proposto,
ficando em 34,75 minutos. Para tal, um segundo ciclo foi realizado estabelecendo-se novas
melhorias operacionais e o desenvolvimento de dispositivos para melhoria do setup interno,
como, por exemplo:
− Revisão da descrição do procedimento para cada operador;
− Utilização de conectores, para eliminar a necessidade de ligação manual de cada fio e
evitar possíveis erros de ligação dos fios;
− Encaixe rápido para ligação do cabo de desmagnetização para eliminar a necessidade de
rosqueamento do conector;
− Utilização de dispositivo desenvolvido pelo grupo para levantar a ferramenta e facilitar
sua retirada;
− Centralização de punções da matriz antes de colocar o novo ferramental na prensa;
− Perfuração de uma chapa de proteção para permitir o acesso ao parafuso com um tubo
metálico e o seu ajuste;
− Lâminas de alimentação da máquina desentortadas para facilitar a retirada e a colocação.
Com essas alterações, a meta foi alcançada e o tempo de troca estabelecido foi de 23,5
minutos.
Posteriormente à execução do Jishuken, foi estabelecido um plano de ação para que todas as
melhorias e os dispositivos criados fossem implementados nas outras máquinas da linha e
para planejar a execução das melhorias que não puderam ser realizadas de forma imediata. Da
mesma forma, foi padronizado o procedimento de execução do setup e realizado um
treinamento para capacitar os operadores de setup no novo método de trabalho. O quadro 02
sumariza todas as atividades realizadas.